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Rev. Fac. Dir. Sul de Minas , Pouso Alegre, v. 30, n. 1: 109-132, jan./jun. 2014 DIREITO À INFORMAÇÃO E DIREITO À INTIMIDADE: A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS RIGHT TO INFORMATION AND RIGHT TO PRIVACY: COLLISION OF FUNDAMENTAL RIGHTS Angelina Cortelazzi Bolzam * RESUMO Nenhum direito fundamental possui eficácia absoluta, porquanto ela, eficácia, compreendida em sua acepção de produção de efeitos, há de ser contemplada ante a possibilidade de incidência e aplicação em um caso concreto de outro direito fundamental de matriz igualmente prevalente. Daí dizer-se, e nesse sentido caminham as ponderações deste estudo, que a eficácia de determinado direito fundamental pode ser restringida, so- pesada, ou ter diminuída sua intensidade quando encontra como baliza outro direito fundamental a ser exercido por titular diverso. Trata-se de uma autêntica colisão de direitos fundamentais. Assim verificado, o de- senvolvimento do presente artigo, cujas ponderações que se apoiam na hermenêutica jurídica com cotejo da sistemática constitucional vigente e do posicionamento doutrinário acerca da temática, sem arredar-se, por oportuno, do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) levado a efeito no julgamento da propalada ADPF 130. Passar-se-á pela aborda- gem do impasse havido na colisão de direitos fundamentais a que se aludiu acima, mais detidamente entre o direito à informação e o direito à intimidade, analisando-se, de forma pontual, a questão acerca da liber- dade de imprensa, para atingir-se, sem pretensão exauriente, concepção que dá conta da necessidade de interação do intérprete, na casuística que eventualmente se apresente, para aferir a prevalência de determinado direito fundamental, ou melhor, para aquilatar e harmonizar os confli- tantes direitos fundamentais. Palavras-chave: Lei de Imprensa; ADPF 130; Direito à informação; Di- reito à intimidade; Colisão de direitos. * Graduada em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Mestranda em Direito pela UNIMEP. Advogada. Correspondência para/Correspondence to: Rua Nove de Ju- lho, 652, Bom Jesus I, Rio das Pedras/SP, 13390-000. E-mail: [email protected]. Tele- fones: (19) 3493-1219 e (19) 99494-7157.

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Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 30, n. 1: 109-132, jan./jun. 2014

DIREITO À INFORMAÇÃO E DIREITO À INTIMIDADE: A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

RIGHT TO INFORMATION AND RIGHT TO PRIVACY: COLLISION OF FUNDAMENTAL RIGHTS

Angelina Cortelazzi Bolzam*

RESUMO

Nenhum direito fundamental possui eficácia absoluta, porquanto ela,

eficácia, compreendida em sua acepção de produção de efeitos, há de ser

contemplada ante a possibilidade de incidência e aplicação em um caso

concreto de outro direito fundamental de matriz igualmente prevalente.

Daí dizer-se, e nesse sentido caminham as ponderações deste estudo, que

a eficácia de determinado direito fundamental pode ser restringida, so-

pesada, ou ter diminuída sua intensidade quando encontra como baliza

outro direito fundamental a ser exercido por titular diverso. Trata-se de

uma autêntica colisão de direitos fundamentais. Assim verificado, o de-

senvolvimento do presente artigo, cujas ponderações que se apoiam na

hermenêutica jurídica com cotejo da sistemática constitucional vigente e

do posicionamento doutrinário acerca da temática, sem arredar-se, por

oportuno, do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) levado

a efeito no julgamento da propalada ADPF 130. Passar-se-á pela aborda-

gem do impasse havido na colisão de direitos fundamentais a que se

aludiu acima, mais detidamente entre o direito à informação e o direito

à intimidade, analisando-se, de forma pontual, a questão acerca da liber-

dade de imprensa, para atingir-se, sem pretensão exauriente, concepção

que dá conta da necessidade de interação do intérprete, na casuística que

eventualmente se apresente, para aferir a prevalência de determinado

direito fundamental, ou melhor, para aquilatar e harmonizar os confli-

tantes direitos fundamentais.

Palavras-chave: Lei de Imprensa; ADPF 130; Direito à informação; Di-

reito à intimidade; Colisão de direitos.

* Graduada em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Mestranda em Direito pela UNIMEP. Advogada. Correspondência para/Correspondence to: Rua Nove de Ju-lho, 652, Bom Jesus I, Rio das Pedras/SP, 13390-000. E-mail: [email protected]. Tele-fones: (19) 3493-1219 e (19) 99494-7157.

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Angelina Cortelazzi Bolzam

ABSTRACT

No fundamental right is absolute effectiveness, because she, effectiveness, understood in its meaning of effect, is to be covered by the possibility of assessment and application in a specific case of another fundamental right to also prevalent matrix, hence to say, and in that sense go the wei-ghts of this study, the effectiveness of a particular fundamental right may be restricted, weighed, or have diminished its intensity when it encounters as beacon another fundamental right to be exercised by several holder. This is a real collision of fundamental rights. Thus verified, the develop-ment of this Article, the weights of which rely on the legal interpretation with collation of existing constitutional and systematic doctrinal position on the theme, not move away, for appropriate, the understanding of the Supreme Court carried out in the judgment of vaunted ADPF 130, will go through the impasse approach been in collision of fundamental rights alluded to above, more closely between the right to information and the right to privacy, analyzing, in a timely manner, the question of the Press Freedom, to achieve herself, without exhaustive claim, a concept that refers to the need of the interpreter interaction, in the series that even- tually present to gauge the prevalence of certain fundamental right, or rather to assess and harmonize conflicting fundamental rights.

Keywords: Press Law; ADPF 130; Right to information; Right to privacy;

Collision of rights.

INTRODUÇÃO

Diante de todo sistema tecnológico, referindo-se aqui ao progresso dos meios de comunicação, percebe-se que os aspectos referentes aos direitos da persona-lidade tornam-se mais vulneráveis e propensos a intromissões de terceiros.

Parafraseando as palavras de Paulo José da Costa Junior1, o mais descon-certante de tudo isso não seria a verificação objetiva desse fenômeno tecnológico; não seria a observação de que a tecnologia acoberta, estimula e facilita o devas-samento da vida privada; seria tomar conhecimento de que as pessoas condicio-nadas pelos meios de divulgação da era tecnológica sentem-se compelidas a re-nunciar à própria intimidade. Isto porque, segundo Marcuse, em citação de Paulo José da Costa Junior, “a sociedade tecnológica, a produção e a distribuição em massa absorvem tão profundamente o indivíduo que ele não reivindica, com a veemência de outros tempos, a preservação de sua liberdade interior”2.

É aqui que a conscientização de que não se deve permanecer inerte deve prevalecer, ou seja, é preciso valorizar o “ficar só”.

1 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Direito de estar só: tutela penal da intimidade. 2. ed. São Pau-lo: RT, 1995. p. 23.

2 Ibid., p. 25.

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Direito à informação e direito à intimidade

Querer revelar ou não aspectos próprios trata-se de uma faculdade a todos

oponível, “é poder excluir terceiros do conhecimento daquilo que guarda relação

estrita ou estreitíssima com si próprio e que em nada engrandece, contribui ou

resolve quando apreendido pelo universo exterior. Apenas a curiosidade alheia

é dessedentada”3.

Procurou-se evidenciar, assim, que a democracia pressupõe o consenso e o

dissenso, o livre debate de ideias e o amplo acesso às informações necessárias à

formação do convencimento. Ou seja, é imprescindível o acesso à informação

plural, para que cada um possa formar e expor sua opinião acerca dos fatos

ocorridos, motivo pelo qual a Constituição de 1988 consagra a liberdade de

manifestação do pensamento, independentemente de censura, que há de ser

verificada, como aqui se propõe, contemplando-se o direito à intimidade.

Nessa ordem de intenções, na primeira parte deste artigo serão realizadas

algumas ponderações acerca da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal

quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamen-

tal de n. 130, por meio da qual se entendeu não recepcionada, pela ordem cons-

titucional, a Lei n. 5.250/67, conhecida como Lei de Imprensa.

Em um segundo momento, analisar-se-á o modo como o princípio da dig-

nidade da pessoa humana cumpre seu papel como fonte jurídico-constitucional

de outros direitos fundamentais, mais especificamente referente ao direito à

intimidade, à vida privada, bem como se assume a posição de um princípio li-

mitador à liberdade de expressão.

Na sequência, passa-se a avaliar como os direitos à informação e à liberda-

de de expressão estão positivados em nosso sistema jurídico, analisando-se,

ainda, algumas ponderações do ministro relator da ADPF 130, apreciando a

casuística que interessa ao presente estudo, ocasião em que se cotejou a liberda-

de de imprensa e da censura prévia das informações.

Mais adiante, amplia-se a discussão trazendo em pauta o direito à intimi-

dade e à vida privada, formulando indagações no sentido de alcançar um traço

distintivo e buscar a compreensão do seu âmbito de proteção.

Por fim, questiona-se, diante de uma colisão de direitos fundamentais, qual

deles deve prevalecer e qual o modo de se encontrar a melhor solução para o caso

em concreto.

Feitas as ponderações iniciais, o artigo subscrito tem como finalidade um

maior esclarecimento ao leitor acerca da colisão de direitos fundamentais.

3 JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada. Conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: RT, 2000. p. 253-254.

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A ADPF 130 E A LEI N. 5.250/67 (LEI DE IMPRENSA)

Conquanto não seja necessariamente recente, ao deslinde da questão pro-posta é de suma importância perquirir o que foi debatido e, sobretudo, decidido no julgamento da ADPF 130, promovida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), contra dispositivos da Lei Federal n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, autorreferida como Lei de Imprensa.

Em linhas gerais, o objeto da ação constitucional foi a declaração, com eficácia geral e efeito vinculante, da não recepção de determinados dispositivos da Lei de Imprensa pela Constituição Federal de 1988, defendendo-se ainda que outros careceriam de interpretação conforme. Tudo isso para evitar que “defa-sadas” prescrições normativas sirvam de motivação para a prática de atos lesivos aos seguintes preceitos fundamentais da Constituição Federal de 1988: incisos IV, V, IX, X, XIII e XIV do art. 5º, mais os arts. 220 a 2234.

Pois bem. Neste sentido, o Tribunal, por maioria de votos, julgou proceden-te o pedido formulado em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamen-tal pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), declarando assim não recep-cionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da Lei n. 5.250/67 – Lei de Imprensa –, sendo o acórdão do julgamento publicado no dia 6 de novembro de 2009, no Diário da Justiça.

Durante a descrição do voto, superada a adequação do instrumento judicial utilizado pelos autores, o ministro Carlos Britto, condutor do entendimento sufragado, firmou o entendimento, em síntese, de que a Constituição Federal se posicionou diante de bens jurídicos de personalidade para, de imediato, fixar a

4 Após declinar as bases factuais e jurídicas da sua pretensão de ver julgada procedente esta ar-guição de descumprimento de preceito fundamental, pugnou pelo reconhecimento da total invalidade jurídica da Lei n. 5.250/67, porquanto “incompatível com os tempos democráti-cos”. Alternativamente, pediu a declaração de não recebimento pela Constituição: a) da parte inicial do § 2º do art. 1º, atinentemente ao fraseado “(...) a espetáculos e diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem (...)”; b) do § 2º do art. 2º; c) da íntegra dos arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 20, 21, 22, 23, 51 e 52; d) da parte final do art. 56, no que toca à expressão “(...) e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa (...)”); e) dos §§ 3º e 6º do art. 57; f) dos §§ 1º e 2º do art. 60; g) da íntegra dos arts. 61, 62, 63, 64 e 65. Mais: requereu interpretação conforme a CF/88: a) do § 1º do art. 1º; b) da parte final do caput do art. 2º; c) do art. 14; d) do inciso I do art. 16; e) do art. 17. Tudo isso para postular que as expressões “subversão da ordem política e social” e “perturbação da ordem pública ou alarma social” não sejam interpretadas como censura de naturezas política, ideológica e artística, ou venham a constituir embaraço à liberdade de ma-nifestação do pensamento e de expressão jornalística. Já alusivamente ao art. 37, requereu o emprego da técnica da “interpretação conforme a Constituição”, para deixar claro que o jor-nalista não é penalmente responsável por entrevista autorizada. À derradeira, tornou a postu-lar o uso da técnica da “interpretação conforme” de toda a Lei de Imprensa, de maneira a re-chaçar qualquer entendimento significante de censura ou restrição às encarecidas liberdades de manifestação do pensamento e expressão jornalística.

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precedência das liberdades de pensamento e de expressão lato sensu, as quais não poderiam sofrer antecipado controle nem mesmo por força do Direito-lei, ou de emendas constitucionais, sendo reforçadamente protegidas se exercitadas como atividade profissional ou habitualmente jornalística e como atuação de quaisquer dos órgãos de comunicação social ou de imprensa. Afirmou o relator que isso estaria conciliado, de forma contemporânea, com a proibição do anonimato, o sigilo da fonte e o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão; a posteriori, com o direito de resposta e a reparação pecuniária por eventuais danos à honra e à imagem de terceiros. Sem prejuízo, ainda, do uso de ação penal tam-bém ocasionalmente cabível, nunca, entretanto, em situação de maior rigor do que a aplicável em relação aos indivíduos em geral.

Assim, quando há um conflito, deve haver uma calibração temporal, isto é, primeiro prestigia-se a liberdade de imprensa e, somente após, discute-se se houve ofensa a direito da privacidade (existe uma paralisia momentânea dos direitos da personalidade).

Além disso, no voto, firmou-se o entendimento que não haveria espaço constitucional para a movimentação interferente do Estado em qualquer das matérias essencialmente de imprensa, salientando que a lei em questão, ao dis-ciplinar tais matérias, misturada ou englobadamente com matérias circundantes ou periféricas e até sancionatórias, o teria feito sob estruturação formal estatu-tária, o que seria absolutamente desarmônico com a Constituição de 1988, a resultar no juízo da não recepção pela nova ordem constitucional.

Observou-se, por fim, que, ao ser concebida e promulgada durante um período autoritário, compreendido entre 31 de março de 1964 e o início do ano de 1985, conhecido como “anos de chumbo” ou “regime de exceção”, a Lei de Imprensa seria patentemente inconciliável com os ares da democracia resgatada e proclamada na atual Carta Magna.

Hodiernamente, ante a ausência de uma lei específica a disciplinar e fisca-lizar a atividade dos jornalistas, as questões correlatas são solucionadas com base nos preceitos legais pertinentes de outros diplomas legais, como o Código Civil, bem como por julgados e orientações doutrinárias.

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

No que tange à complexa questão da colisão de direitos fundamentais, sobre-tudo dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada, à imagem e à liberdade de informação e expressão, necessária uma breve abordagem sobre o significado, para a ordem constitucional, acerca do princípio da dignidade da pessoa humana.

No Brasil, positivados nos incisos do art. 1º de nossa Carta Magna encon-tram-se os princípios fundamentais sobre os quais se estrutura nossa República, dentre eles, a dignidade da pessoa humana (inciso III).

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José Luiz Quadros de Magalhães define os princípios como “(...) normas jurídicas de observância obrigatória e que devem ser interpretados diante dos casos concretos para ganharem densidade e se desdobrarem em regras para o caso que permitam resolver conflitos e garantir os direitos das pessoas”5.

Sob outro viés, os princípios podem constituir-se em subsídios importantes para a fundamentação racional das decisões jurídicas; passando, nas palavras de Edilsom Pereira de Farias, “a ter importância destacada quando são utilizados como instrumentos para uma adequada hermenêutica constitucional”6.

Entre eles, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre papel relevante na arquitetura constitucional como o de fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais, traduzindo-se, assim, como o valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais.

(...) o extenso rol de direitos e garantias fundamentais consagrados pelo título II da Constituição Federal de 1988 traduz uma especificação e densificação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Em suma, os direitos fundamentais são uma primeira e importante concretização desse último princípio, que se trate dos direi-tos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), dos direitos sociais (arts. 6º a 11) ou dos direitos políticos (arts. 14 a 17). Ademais, aquele princí-pio funcionaria como uma cláusula “aberta” no sentido de respaldar o surgimento de “direitos novos” não expressos na Constituição de 1988 mas nela implícitos, seja em decorrência do regime e princípios por ela adotados, ou em virtude de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, reforçando, assim, o disposto no art. 5º, § 2º7.

Nesse ponto, faz-se a seguinte advertência:

A historicidade do conceito é seu elemento fundamental: dignidade é

um conceito de condições sociais, econômicas, culturais e políticas que

permitem que cada pessoa possa exercer seus direitos com liberdade e

esclarecimento consciente, em meio a um ambiente de respeito e efeti-

vidade dos direitos individuais, sociais, políticos e econômicos de todos

e cada uma das pessoas8.

Sua característica primordial, que o sobreleva em importância e significado, é que acaba por assegurar um “minimum de respeito ao homem só pelo fato de

5 BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 8.

6 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a ima-gem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 22.

7 FARIAS, 1999, p. 54.8 BONAVIDES; MIRANDA; AGRA, 2009, p. 21.

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ser homem, uma vez que todos os homens são dotados por natureza de igual dignidade e tienem derecho a llevar uma vida digna de seres humanos”9.

[Em] Um mundo onde a pessoa seja vista sempre como pessoa, em toda

sua complexidade e singularidade, sejam quais forem suas identificações

ou identidades, este é o mundo onde a paz e a justiça serão possíveis e

logo onde a dignidade será uma exigência. Se vemos no outro um igual,

seja qual for sua identificação coletiva, se vemos no outro uma pessoa,

a indignidade não será mais tolerada10.

Aqui, percebe-se que o referencial da dignidade da pessoa humana, como fundamento da República, dá o tom da proteção do direito à intimidade, como o faz em relação ao direito geral à vida privada.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO

De início, depreende-se da afirmação que a liberdade de manifestação de pensamento é um direito genérico que abarca diversos direitos conexos; e dentre eles, presentes no gênero liberdade de manifestação de pensamento, são mencio-nados as liberdades de expressão, de comunicação, de informação e de imprensa11.

Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, citado por Edilsom Farias, relata que a Inglaterra foi o primeiro país a travar a luta em prol da liberdade de expressão do pensamento e da opinião, especialmente quando o Parlamento, em 1695, resolveu não reiterar o Licensing Act, que estabelecia a censura prévia12.

Nos documentos internacionais, a liberdade de expressão é reconhecida tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 194813 quanto na Con-venção Americana de Direitos Humanos14.

9 FARIAS, 1999, p. 49.10 BONAVIDES; MIRANDA; AGRA, 2009, p. 23.11 Embora considerem-se liberdade de expressão e liberdade de manifestação de pensamento

como conceitos unívocos, há quem entenda estar compreendida a liberdade de pensamento na própria liberdade de expressão (TAVARES, André Ramos apud BONAVIDES; MIRANDA; AGRA, 2009, p. 96).

12 CASTANHO DE CARVALHO apud FARIAS, 1999, p. 129.13 Artigo 19: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a

liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

14 Artigo 13: “Liberdade de pensamento e de expressão 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a

liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem con-siderações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se fa-çam necessárias para assegurar:

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Em esfera nacional, tais liberdades estão reguladas pela Constituição Federal nos arts. 5º, IV, IX e XIV, e 220, e compreendem a faculdade de expressar livremen-te ideias, pensamentos e opiniões, bem como o direito de comunicar e receber ou obter informações verdadeiras15 sobre fatos, sem qualquer impedimento.

A título de ressalva, Edilsom Farias explica que o limite interno da veraci-dade, aplicado ao direito de informação, refere-se à verdade subjetiva e não à verdade objetiva: “Vale dizer: no Estado Democrático de Direito, o que se exige do sujeito é um dever de diligência ou apreço pela verdade, no sentido de que seja verificada a idoneidade da notícia antes de qualquer divulgação”16.

Mas, para compreender os embasamentos à proteção da liberdade de ex-pressão, faz-se necessário o enfrentamento dos problemas relacionados à esfera normativa desse direito. Isso porque, como assevera André Ramos Tavares, a liberdade de informação segue duas vertentes; “na primeira, garante-se a liber-dade na divulgação da informação; de outra parte, garante-se a liberdade de acesso à informação”17.

No âmbito da proteção constitucional ao direito fundamental à informa-

ção estão compreendidos tanto os atos de comunicar quanto os de receber

livremente informações pluralistas e corretas. Com isso, visa-se a proteger

não só o emissor, mas também o receptor do processo da comunicação.

No aspecto passivo dessa relação da comunicação, destaca-se o direito do

público de ser adequadamente informado, tema que Rui Barbosa já cha-

mava a atenção sobre o mesmo em sua célebre conferência intitulada “a

imprensa e o dever da verdade” e que, atualmente, invocando-se a defesa

dos interesses sociais e indisponíveis, desemboca na tese de que o direito

positivo brasileiro tutela o “direito difuso a notícia verdadeira”18.

a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso

de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio na-cional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”.

15 A proteção constitucional não alcança as informações falsas, errôneas, não comprovadas, le-vianamente divulgadas (cf. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 646).

16 FARIAS, 1999, p. 132.17 TAVARES, 2011, p. 646.18 FARIAS, 1999, p. 131-132.

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Direito à informação e direito à intimidade

Continuando nessa linha de raciocínio é que André Ramos Tavares vai explicar que a proteção à liberdade de informação “não alcança as informações falsas, errôneas, não comprovadas, levianamente divulgadas. A informação há de ser objetiva, clara e isenta. Informação não é opinião. Esta está protegida pela liberdade de pensamento”19.

Tudo isso porque, conforme Castanho de Carvalho defende, a ideia de que “a função social da liberdade de informação é de colocar a pessoa sintonizada com o mundo que a rodeia para que possa desenvolver toda a potencialidade da sua personalidade para que possam tomar decisões que a comunidade exige de cada integrante”20.

Um dos argumentos utilizados pelo ministro relator da ADPF 130, que se fez importante ao deslinde, é o fato de que a imprensa pode ser avaliada sob duas perspectivas; uma vez que todo exame normativo-constitucional que tenha na sua liberdade de imprensa o seu específico ponto de incidência, há de se começar pela constatação de que, objetivamente, a imprensa é uma atividade. Atividade que, pela sua forma de multiplicar condutas e plasmar caracteres, ganha a di-mensão de instituição-ideia. Agora, sob o viés subjetivo, a imprensa constitui um conjunto de órgãos, veículos, “empresas”, “meios”; ou seja, instituição-entidade.

Nesse ponto em específico é que o relator descreve que, seja no seu viés objetivo ou subjetivo, a comunicação social é o traço diferenciador da imprensa, a qual exprime uma modalidade de comunicação dirigida ao público em geral. Nessa oportunidade, a imprensa passa a se revestir de instância de comunicação de massa, de sorte a poder influenciar cada pessoa de per si e até mesmo formar o que se convencionou chamar opinião pública. Incumbem-se à imprensa o di-reito e o dever de sempre se postar com um olhar mais atento ou o foco mais aceso sobre o dia a dia do Estado e da sociedade civil.

Nada se compararia, dessa forma, segundo seu relato, à imprensa como cristalina fonte das informações multitudinárias que mais habilitam os seres humanos a fazer avaliações e escolhas no seu concreto cotidiano; “passando a imprensa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua de-pendência ou retroalimentação”21.

A importância é tanta que o ministro coloca a imprensa como “verdadeira irmã siamesa da democracia”22, a qual passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que as liberdades de pensamento e de expressão dos indi-víduos em si mesmos considerados.

19 TAVARES, 2011, p. 646.20 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 463.21 STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, julgamento em: 30.04.2009, p. 39.22 Ibid., p. 40.

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O relator ainda defendeu a posição de que não há como garantir a livre manifestação do pensamento senão em plenitude ou colocando em estado de momentânea paralisia a inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, como, por exemplo, a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra de terceiros. Assim, é defendida a ideia de que “quem quer que seja pode dizer o que quer que seja”23.

Então, resulta claro que, muito mais do que uma livre manifestação de pensamento, as liberdades de expressão e de informação ganham uma nova di-mensão quando a elas é acrescida um novo reconhecimento, a de que contribuem para a formação da opinião pública.

A partir dessas exposições, questiona-se se seria possível a proibição ou a limitação da exposição de ideias ou opiniões. E mais, se seria possível ao juiz (de forma prévia) proibir uma matéria jornalística, num caso concreto de conflito entre direitos fundamentais.

Partindo-se da premissa de que a Constituição repudia a censura, e sendo certo que isso não é viável por parte de órgão da Administração Pública, encon-tramos duas correntes que podem responder àquelas indagações.

De um lado, a primeira corrente sustenta que banir a censura prévia seria um obstáculo que até mesmo o poder judiciário não poderia transpor, já que a Constituição teria optado por apenas cogitar a sanção posterior, na hipótese de se evidenciar algum dano moral ou material. Castanho de Carvalho explica que, “na maioria das vezes, o direito invocado pode ser perfeitamente composto com a indenização por dano moral, o que é melhor solução do que impedir a livre expressão”24.

Por outro lado, há os que argumentam que a interpretação adequada da Constituição reclama também a proteção preventiva do direito fundamental em vias de ser agredido. É aqui que Gilmar Mendes25 afirma que o constituinte não pretendeu assegurar apenas o eventual direito de reparação, isso porque o Mi-nistro entende que a garantia constitucional da efetiva proteção judicial estaria esvaziada se a intervenção do judiciário somente pudesse se dar após a configu-ração da lesão. Assim, afirmou-se que o controle jurisdicional do exercício da liberdade de comunicação pode ser tanto preventivo como posterior à divulgação.

Com relação a esse debate, Ayres Britto, ainda quando da ADPF 130, iniciou suas argumentações definindo a imprensa como um espaço garantido de irrup-ção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência, já que entendia haver apenas duas respostas à pergunta sobre qual seria o tratamento constitu-

23 Ibid., p. 51.24 CASTANHO DE CARVALHO apud MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 468.25 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 468.

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Direito à informação e direito à intimidade

cional dado à imprensa: ou ela é inteiramente livre, ou dela não se pode cogitar

senão como jogo de aparência jurídica. Nesse ponto, destacou-se que nosso

texto constitucional consagrou a plenitude de uma liberdade de imprensa.

Ademais, relatou estar “a imprensa cabalmente imunizada da denominada

censura prévia”26, porque “a autorregulação da imprensa nunca deixa de ser um

permanente ajuste de limites em sintonia com o sentir-pensar de uma sociedade

civil de que ela, imprensa, é simultaneamente porta-voz e caixa de ressonância”27.

Nesse ponto é que para o ministro haveria uma linha direta entre a impren-

sa e a sociedade civil, defendendo que não haveria uma mediação do Estado

nessa relação. Essa interação pré-exclui a figura do Estado-ponte quando em

matéria nuclear de imprensa. E a razão de ser desse inequívoco bloqueio à me-

diação estatal, a partir da produção de uma “lei de imprensa”, seria a entroniza-

ção de sujeitos privados no gozo de franquias especificamente identificadas com

toda concepção de imprensa livre.

Entretanto, partindo agora da premissa de que toda liberdade possui limites

lógicos, ou seja, que nenhum direito é tido como absoluto, doutrinas descrevem

que um dos limites imediatos à liberdade de expressão seriam os direitos à ima-

gem, à privacidade e à intimidade. E isso o próprio constituinte nos coloca,

quando, no § 1º do art. 220, dispõe que nenhuma lei conterá dispositivo que

possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qual-

quer veículo de comunicação social, desde que observado o disposto no art. 5º,

IV, V, X, XIII e XIV.

Nessa linha, interpretando as lições de Paulo Branco28, a garantia da liber-

dade de expressão tutela, ao menos enquanto não houver colisão com outros

direitos fundamentais ou outros valores constitucionalmente estabelecidos, toda

opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assun-

to ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse público, ou não, de

importância e de valor, ou não; até porque diferenciar opiniões valiosas ou sem

valor é uma contradição num Estado baseado na concepção de uma democracia

livre e pluralista.

Mas se é certo que o caput do art. 220 da Carta Magna veda qualquer res-

trição à concreta manifestação do pensamento, Ayres Britto também concorda

que esse fato não implicaria uma fuga do dever de observar todos os incisos

postos em ressalva do art. 5º da Constituição Federal, quais sejam, IV, V, X, XIII,

XIV, já que uma coisa não excluiria a outra.

26 STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, julgamento em: 30.04.2009. p. 22.27 STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, julgamento em: 30.04.2009. p. 35.28 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 451.

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Em adição, agora citando o voto de Gilmar Medes29, o ministro destacou que o artigo 220, § 1º, traz uma reserva legal qualificada, a qual pressupõe clamar por normas de organização e procedimento, já que “o mundo não se faz apenas de liberdade de imprensa, mas de dignidade da pessoa humana, de respeito à imagem das pessoas”30.

Resta claro que os direitos da personalidade à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem constituem limites externos da liberdade de expressão, de comunicação, de informação e de imprensa.

DIREITO À INTIMIDADE, À VIDA PRIVADA E À IMAGEM

Paulo José da Costa Junior31 relata que há os que entendem que a proteção da vida privada foi judicialmente acolhida pela primeira vez na França, no ano de 1858, em um julgado do Tribunal Civil de Sena32.

Nesse delinear, a ameaça que se fazia ao direito ao qual o homem tem de ser deixado a sós também foi sentida em outros países, como Estados Unidos, Ale-manha, Itália, Dinamarca, Áustria, Suíça e Portugal33. E da necessidade de en-contrar-se na própria solidão sobressaiu-se a tutela pronta e urgente do direito à intimidade.

Visto de um modo geral, tal proteção aparece consagrada em diversos dis-positivos legais; tanto no plano nacional quanto no âmbito internacional.

O primeiro texto internacional a proteger a intimidade foi a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a qual, em seu art. 5º, declara que “toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos à sua hon-ra, à sua reputação e à sua vida particular e familiar”34.

29 STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, julgamento em: 30.04.2009. p. 82.30 Ibid., p. 82.31 COSTA JUNIOR, 1995, p. 13.32 O fato consistiu em a irmã de uma artista ter encarregado dois artistas de desenhá-la, em seu

leito de moribunda. O desenho foi abusivamente exposto e colocado à venda num estabeleci-mento comercial. O tribunal determinou a apreensão do desenho e de suas várias provas foto-gráficas. Da decisão constou que, por maior que seja uma artista, por histórico que seja grande homem, tem sua vida privada distinta da pública, seu lar separado da cena e do fórum. Podem desejar morrer na obscuridade, quando ou porque viveram no triunfo cf. COSTA JUNIOR. O direito de estar só. Disponível em: <http://www.igutenberg.org/biblio19.html> Acesso em: 22 de junho de 2014.

33 COSTA JUNIOR, 1995, p. 14-22.34 Nesse mesmo sentido, citem-se: o art. 12 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de

1948: “Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques; o art. 8º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais: “(Direito ao respeito pela vida priva-da e familiar) 1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu

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Direito à informação e direito à intimidade

Em âmbito nacional, mais especificamente no plano constitucional, garan-tiram-se os direitos à vida privada e à intimidade como direitos fundamentais, no art. 5º, X, da Constituição da República35.

Por fim, no plano infraconstitucional, o Código Civil, no capítulo dos di-reitos de personalidade, os direitos à vida privada e à intimidade foram reconhe-cidos pelos arts. 20 e 21, respectivamente36. É com relação a estas duas últimas referências que a doutrina afirma que tais direitos possuem caráter dúplice, ou seja, além de constituírem direitos fundamentais, são ao mesmo tempo direitos da personalidade.

Após a leitura dos referidos dispositivos legais, como primeiro ponto de análise, verifica-se que o constituinte não seguiu a concepção genérica do direi-to à privacidade, tendo optado por tratar diferentemente: vida privada, intimi-dade e imagem.

Mas haveria realmente uma distinção acerca desses institutos?

Dentro desta questão, remonta-se à doutrina que divide a intimidade hu-mana em múltiplas camadas. Em outras palavras, a esfera da vida particular ou privada poderia ser subdividida em outras esferas, de dimensões progressiva-mente menores, conforme a intimidade fosse restringida, oportunidade em que a doutrina deu origem à denominada Teoria dos Círculos Concêntricos da Esfera da Vida Privada37 ou Teoria das Esferas da Personalidade.

Como grande precursor de tal teoria tem-se o nome de Heinrich Hubmann, o qual tripartiu a vida privada em círculos concêntricos de acordo com sua den-sidade, sendo que a esfera externa seria a privacidade, a intermediária alocaria o segredo e a esfera mais interna seria o plano da intimidade.

domicílio e da sua correspondência. 2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberda-des de terceiros”.

35 São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

36 “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”

37 COSTA JUNIOR, 1995, p. 36.

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Nas palavras de José Adércio Leite Sampaio,

(...) o direito às esferas íntima, secreta e privada, assegura o respeito de um “âmbito protegido” e de uma situação de inviolabilidade documen-tal, de dados e de comunicações pessoais, sendo a intimidade o núcleo mais sensível e, consequentemente, nuclear da esfera privada, “espaço último intangível da liberdade humana”, em que o indivíduo, por não afetar, por meio de seu “ser” ou de seus comportamentos, a esfera pes-soal dos congêneres ou o interesse da vida da comunidade, exige uma proteção maior relativamente à esfera privada, em que essa afetação se faz presente e a ação intersubjetiva se opera de forma mais contunden-te. No âmbito dessa proteção se incluem a honra e o prestígio social, a identidade, a própria imagem e a voz, mais a liberdade profissional (...)38.

Anos depois, Paulo José da Costa Junior nos relata que Heinrich Henkel veio a dividir a esfera da vida privada do ser humano, também em três círculos: tra-zendo na esfera externa a privacidade; na intermediária, a intimidade; e na esfe-ra mais interna, o segredo.

Assim, o âmbito maior seria abrangido pela esfera privada stricto sensu

(Privatsphäre). Nele estão compreendidos todos aqueles comportamentos

e acontecimentos que o indivíduo não quer que se tornem do domínio

público. (...). No bojo da esfera privada está contida a esfera da intimida-

de (Vertrauensphäre) ou esfera confidencial (Vertraulichkeitssphäre). Dela

participam somente aquelas pessoas nas quais o indivíduo deposita certa

confiança e com as quais mantém certa intimidade. (...) Por derradeiro,

no âmago da esfera privada, está aquela que deve ser objeto de especial

proteção contra a indiscrição: a esfera do segredo (Geheimsphäre). Ela

compreende aquela parcela da vida particular que é conservada em segre-

do pelo indivíduo, do qual compartilham uns poucos amigos, muito

chegados. (...) Consequentemente, a necessidade de proteção legal, contra

a indiscrição, nessa esfera, faz-se sentir mais intensa39.

Apesar da referida subdivisão, a teoria foi alvo de críticas, uma vez que, segundo Robert Alexy40, tal descrição seria extremamente rudimentar, já que uma divisão rígida em esferas seria artificial, e “não é possível criar classes, go-zando uma de maior proteção de direitos fundamentas que a outra”.

Não obstante, doutrinadores como Luiz Alberto David Araújo afirmam que essa distinção apresentará utilidade no momento em que houver a necessidade

38 MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 277.

39 COSTA JUNIOR, 1995, p. 36-37.40 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 3. ed.

São Paulo: Malheiros, 2009. p. 363.

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Direito à informação e direito à intimidade

de fixação da indenização cabível, “já que, uma violação à intimidade pode ser, em regra, muito mais grave do que uma violação à vida privada. Portanto, o grau de nocividade pode ser extraído da localização da lesão”41.

Pois bem, partindo-se da premissa de que nossa Constituição resolveu tu-telar de forma autônoma o conceito vida privada (em sentido estrito) e a figura da intimidade, tem-se que esta última tem relação com as interações subjetivas e de trato íntimo da pessoa (relações familiares e de amizade), enquanto a vida privada envolveria todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os ob-jetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.42.

Com relação ao conceito de intimidade, Carlos Alberto Bittar, citado por Gilberto Haddad Jabur, ao afirmar a existência de um núcleo próprio no direito à intimidade, assinala que “o ponto nodal desse direito encontra-se na exigência de isolamento mental ínsito no psiquismo humano, que leva a pessoa a não de-sejar que certos aspectos de sua personalidade e de sua vida cheguem ao conhe-cimento de terceiros”43.

Já o próprio Jabur descreve a intimidade como sendo

(...) um direito personalíssimo que confere ao seu titular a possibilida-

de de viver de modo particular, próprio a inadmitir a ingerência ou

intromissão alheia, representada pela curiosidade que busque adentrar

o universo restrito e pouco compartilhável do indivíduo, limitado ao

convívio de familiares e pessoas próximas (...)44.

Nessa linha de raciocínio, poderíamos relatar, em continuidade às suas lições, que o direito à intimidade pode ser ainda mais fechado e confidencial, se passássemos a definir a esfera do segredo, a qual possui um grau mais acentuado de reserva.

O objeto do segredo é mais preservado, pela qualidade de seu conteúdo

e pelo menor número de conhecedores que evoca. É a esfera mais pro-

funda da reserva, porque restringe seu conhecimento mesmo àqueles

que compartilham a intimidade do titular do direito45.

Tentando conceituar tal ideia, Jabur46 explica que “o segredo denota a ideia de exclusividade de comunicação. Algo que é conhecido de um, ou, então, que não é conhecido de muitos”, no qual a ideia central indica “que seu conteúdo é transmitido longe dos demais, em âmbito reservadíssimo”.

41 BONAVIDES; MIRANDA; AGRA, 2009, p. 110.42 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves apud MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 27.

ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 58.43 BITTAR, Carlos Alberto apud JABUR, 2000, p. 259.44 JABUR, 2000, p. 261.45 JABUR, 2000, p. 263.46 JABUR, 2000, p. 262.

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Por fim, é assegurada constitucionalmente a inviolabilidade da imagem das pessoas; direito este decorrente da tutela constitucional à vida privada.

André Ramos Tavares traz o direito à imagem como a “tutela da imagem47 física da pessoa, contra ato que a reproduza ou a represente em fotografias, fil-magens, retratos, pinturas, gravuras, aquarelas ou até esculturas”48.

Entretanto, auxilia nessa definição a ideia de que a imagem não se restringe à apresentação do aspecto visual da pessoa pela pintura, escultura, desenho, fotografia, pela figuração caricata ou decorativa, pela reprodução em manequins e máscaras; mas também, ademais, segundo Walter Moraes,

(...) na reprodução sonora da fonografia e da radiodifusão, nos gestos,

expressões dinâmicas da personalidade, sendo que o cinema e a televi-

são representam integralmente a figura humana. Não só o aspecto físi-

co global ou o semblante poderão configurar a imagem. Também as

partes destacadas do corpo, desde que por elas se possa reconhecer o

indivíduo, irão constituir a imagem na acepção jurídica49.

No que tange à indenização, nossa Constituição é clara quando de sua re-dação do inciso V do art. 5º, no qual é assegurado o direito de resposta, propor-cional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

Ao expor o dano extrapatrimonial como indenizável, explica Sidney Guer-ra que o constituinte pretendeu atribuir uma “força intimidatória que as outras formas de responsabilização podem não possuir”50.

Citando Nelson Oscar de Souza, Guerra descreve que “a utilização da liber-dade de manifestação do pensamento, por isso mesmo, está sujeita ao princípio da responsabilidade – e a resultante composição dos danos materiais, dos danos morais, dos danos à imagem”51.

Logo, com relação à indenização por dano material, esta seria aferida objetivamente pelo juiz, quando da sua fixação, levando-se em consideração o efetivo prejuízo sofrido pela vítima; agora, quanto à indenização pelo dano moral, esta deve ser fixada sempre observando-se os princípios da equidade e da razoabilidade.

Pois bem, sendo certo que todo ser humano reúne dados e informações sobre si que não deseja comunicar com ninguém, é mais do que razoável que se

47 Define-se imagem segundo o próprio autor: a apresentação, por desenho, impressão ou obra, de figura, pessoa ou coisa.

48 TAVARES, 2011, p. 689.49 MORAES, Walter apud COSTA JUNIOR, 1995, p. 54.50 GUERRA, Sidney Cesar Silva. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. 2. ed. Rio de Janei-

ro: Renovar, 2004. p. 93.51 Ibid., p. 93.

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Direito à informação e direito à intimidade

atribua proteção adequada ao isolamento de cada ser humano; ressaltando-se sempre a ideia de que, dependendo do caso em concreto, a divulgação de fatos relacionados a dada pessoa poderá ser tida como abusiva.

Como ponto limítrofe, percebe-se durante toda a explanação que a limita-ção das liberdades é um tema central, e é nesse ponto que a definição do âmbito de proteção dos direitos fundamentais configura pressuposto primário para a análise. Isso porque o exercício de direitos individuais pode dar ensejo a uma série de conflitos com outros direitos constitucionalmente protegidos.

DIREITO À INFORMAÇÃO VERSUS DIREITO À PRIVACIDADE

Quando se percebe que o conteúdo dos direitos fundamentais é aberto e variável, uma tentativa de resposta à limitação é aquela que se orienta pelo esta-belecimento de uma ponderação que leve em conta todas as circunstâncias do caso em concreto. Ou seja, somente o contexto, a hipótese em concreto será capaz de estabelecer a medida entre os direitos à liberdade de informação, à intimida-de e à vida privada.

Desde logo, para a solução do embate entre direitos fundamentais tal tarefa é confiada, primeiramente, ao legislador, quando nossa Carta Magna remete à legislação ordinária a possibilidade de restrição de tais direitos.

Assim, verificada a existência de reserva de lei na constituição para pelo

menos um dos direitos colidentes, o legislador poderá resolver a colisão

comprimindo o direito ou direitos restringíveis (sujeito à reserva de lei),

respeitando, é claro, requisitos tais como o núcleo essencial dos direitos

envolvidos52.

No que tange às colisões entre direitos fundamentais não sujeitos à reserva

da lei, a solução ficaria por conta dos juízes ou tribunais superiores53.

Ademais, resta evidente que, com o progresso tecnológico da sociedade, as

balizas protetoras da intimidade e da vida privada ficaram fragilizadas. Nesse

ponto se ressalta, mais uma vez, a ideia de uma autêntica colisão entre direitos

fundamentais, ou seja, quando um direito individual afeta diretamente o âmbi-

to de proteção de outro direito individual.

Como se verá neste tópico, a fronteira do direito à liberdade de expressão

ou, coletivamente, do direito à informação se dá, na maioria das vezes, com a

52 FARIAS, 1999, p. 95.53 Mas, para se proceder à análise da solução do conflito dos direitos fundamentais quanto à

decisão individual (juiz e demais aplicadores do Direito), é recomendável partir da constata-ção de que existem dois tipos de contradição de normas jurídicas em sentido amplo: o confli-to entre regras e a colisão de princípios (cf. FARIAS, 1999, p. 95).

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fronteira da intimidade e a da vida privada. Em outras palavras, “uma das limi-

tações à liberdade de comunicação social é o respeito devido ao direito à priva-

cidade, à imagem e à intimidade dos indivíduos”54. É nesse momento que se

percebe nitidamente que tal colisão passa a ser resolvida na perspectiva de colisão

entre direitos fundamentais.

Segundo lições de Gilmar Mendes, “fala-se em colisão entre direitos fun-

damentais quando se identifica conflito decorrente do exercício de direitos in-

dividuais por diferentes titulares”55. De outra forma, “tem-se, pois, autêntica

colisão apenas quando um direito individual afeta diretamente o âmbito de

proteção de outro direito individual”56.

Parafraseando Pontes de Miranda, “não há dúvidas de que cada ser huma-

no tem o direito de manter-se na reserva, de velar a sua intimidade, de não deixar

que se lhe devasse a vida privada, de fechar o seu lar à curiosidade pública. Esse

direito, porém, haverá de sofrer limitações”57, que se traduzem na redução ou

diminuição e não sua eliminação total. Nesse sentido é que Jabur afirma que, “o

direito à reserva não é jamais anulado, ainda que o indivíduo ocupe posição de

prestígio”58.

Neste ponto, fazem sentido os ensinamentos de Miguel Àngel Ekmekdjian,

o qual relata ser

(...) mister aceitar que o âmbito de intimidade de um homem comum é

distinto daquele que tem o homem com vida pública mais desenvolvida

(p.e., políticos, desportistas, artistas, etc.) Nesses casos, a esfera da

privacidade é mais reduzida e, por ser frágil se reduz também a ampli-

tude da proteção jurídica de tal direito59.

Nas palavras de Alexandre de Moraes:

(...) converter assuntos de natureza íntima em instrumento de entrete-

nimento, mais especificamente, tratá-los como objeto de venda, encon-

tra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucio-

nal da dignidade da pessoa humana, com o direito à honra, à

intimidade e à vida privada. Resta claro que a violação a tais direitos,

seja relativa à divulgação de fotografias ou notícias injuriosas, de con-

teúdo desnecessário ou apelativo ao interesse público, que acarretarem

54 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 469.55 Ibid., p. 420;56 RUFNER, Wolfgang apud MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 420.57 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti apud COSTA JUNIOR, 1995, p. 44.58 JABUR, 2000, p. 289.59 EKMEKDJIAN, Miguel Ángel apud JABUR, 2000, p. 289-290.

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Direito à informação e direito à intimidade

injustificado dano à dignidade da pessoa, ensejaria à vítima a ocorrên-

cia de indenização por danos materiais e morais, bem como do respec-

tivo direito à resposta60.

Há que se considerar, desta forma, que tanto a liberdade de informação como

qualquer outro valor perante o ordenamento jurídico vigente não podem ser

exercidos de forma absoluta, havendo que se atentar à ponderação de interesses,

no sentido de se buscar qual deverá prevalecer naquela situação específica. De

todos esses interesses tutelados, resta claro que a dignidade da pessoa humana é

tida como o eixo condutor da vida social e política. E é nesse sentido que o sis-

tema próprio de equilíbrio entre a liberdade de comunicação e o respeito aos

direitos da personalidade foi denominado “processo de ponderação”61 pelo mi-

nistro Gilmar Mendes, quando do exame de decisões da Corte Constitucional

alemã, nesta hipótese, quando do julgamento do chamado “Caso Lebach”. Assim,

pressupõe-se que

não se deve atribuir primazia absoluta a um ou outro princípio de di-

reito. Ao revés, esforça-se o Tribunal para assegurar a aplicação das

normas conflitantes, ainda que, no caso concreto, uma delas sofra

atenuação62.

Menezes Direito63 destaca ainda que, quando se faz um balanço dos direitos

enlaçados pela própria Constituição Federal, neste caso entre o direito à liberda-

de de expressão e os direitos da personalidade, percebe-se uma característica

científica que precisa ser determinada como pressuposto do equilíbrio ao ser

mantido na interpretação constitucional:

(...) o ser humano tem uma esfera de valores próprios, postos em sua

conduta não apenas em relação ao Estado, mas, também, na convivência

com seus semelhantes. Daí que devem ser respeitados não somente

aqueles direitos que repercutem no seu patrimônio material, de ponto

aferível, mas aqueles relativos aos seus valores pessoais, que repercutem

nos seus sentimentos, revelados diante dos outros homens. São direitos

que se encontram reservados ao seu íntimo, que a ninguém é dado in-

vadir, porque integram a privacidade do seu existir, da sua consciência64.

Do ponto de vista científico, a liberdade de expressão integra, necessaria-

mente, o conceito de democracia política, porquanto significa uma plataforma

60 MORAES, 2011, p. 58.61 Ibid., p. 86.62 Ibid., p. 86.63 Ibid., p. 87.64 Ibid., p. 87.

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de acesso ao pensamento e à livre circulação de ideias. Mas essa liberdade, vista

como instituição e não como direito, divide o espaço constitucional com a dig-

nidade da pessoa humana, que lhe precede em relevância pela natureza do ser do

homem, sem a qual não há nem liberdade nem democracia.

Mas aqui cabe a seguinte indagação: qual direito ou bem há de prevalecer

no caso de colisão autêntica? Em outras palavras: quais as possíveis soluções em

caso de conflito entre a liberdade de informação e o direito à inviolabilidade da

intimidade, da vida privada, da honra e da imagem?

Em sua doutrina, Farias65 descreve dois passos metodológicos para solucio-

nar a colisão de direitos fundamentais.

Como primeiro passo, o autor cita a ideia de Gomes Canotilho e Vital Mo-

reira66, os quais afirmam que caberia inicialmente ao intérprete-aplicador deter-

minar o Tatbestand (âmbito de proteção) dos direitos envolvidos, isto é, conferir

as situações que de fato são protegidas pela norma constitucional, com o escopo

de verificar a existência ou não de uma verdadeira colisão. A importante conse-

quência prática é que, constando o intérprete que no caso concreto o âmbito de

proteção do direito ou o limite imanente do direito excluem a forma e o tipo de

exercício do direito invocado, não haverá preservação deste por meio do proces-

so de ponderação, conforme sucede nos verdadeiros casos de colisão de direitos

fundamentais.

No segundo passo, verificada a existência de uma autêntica colisão de di-

reitos fundamentais, esta será solucionada levando-se em conta o peso ou a

importância relativa a cada um67. Nesse sentido é que o aplicador deverá realizar

a ponderação dos bens envolvidos.

Durante essa tarefa, Farias68 afirma ser possível guiar-se pelo princípio da

proporcionalidade. É assim que propaga a doutrina de Robert Alexy69; em outras

palavras, quando dois princípios entram em colisão, um deles terá que ceder ao

outro. Nessa hipótese, a solução reside no fato de que, de acordo com determi-

nadas circunstâncias, um princípio deve preceder ao outro.

(...) a máxima da proporcionalidade é a realização do princípio da con-

cordância prática no caso concreto (os direitos fundamentais e valores

constitucionais deverão ser harmonizados, no caso sub examine, por

65 FARIAS, 1999, p. 96.66 Ibid., p. 97.67 E como os direitos fundamentais são outorgados por normas jurídicas que possuem as carac-

terísticas de princípios, o que foi dito sobre a colisão de princípios se aplica, em regra, ao caso de colisão entre direitos fundamentais (cf. FARIAS, 1999, p. 96).

68 FARIAS, 1999, p. 98-99.69 Princípio da proporcionalidade (cf. ALEXY, 2009, p. 93).

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meio de juízo de ponderação que vise preservar e concretizar ao máxi-

mo os direitos e bens constitucionalmente protegidos) (...). O processo

da ponderação é racional, isto é, podem ser fundamentados os enuncia-

dos que estabelecem as condições de harmonização e, se for necessário,

a preferência de um direito sobre outro oposto num caso concreto de

colisão de direitos fundamentais70.

Diante de tudo, a objeção que recai contra essa regra de sopesamento diz respeito à limitação da discricionariedade do julgador. É aqui que fazemos a afirmação que não se pode estabelecer abstratamente que um princípio é mais importante que outro, já que o peso real daqueles já citados é encontrado apenas em face da realidade estudada. Assim, confirma-se o fato de que a colisão entre princípios é sempre pontual.

É nesse momento que Ingo Sarlet71 explica que o princípio da proporciona-lidade costuma ser desdobrado em três elementos, conforme ensinamentos de Gomes Canotilho:

a) adequação, ou seja, prever se é possível alcançar o fim almejado atra-

vés da redução da abrangência de um dos princípios em conflito; b)

necessidade de se optar pelo meio restritivo menos gravoso para o di-

reito objeto de restrição; c) proporcionalidade em sentido estrito que

seria o equilíbrio entre os meios utilizados e os fins almejados sem que

se restrinja algum dos direitos de modo a atingir seu núcleo fundamen-

tal, o que significaria retirar sua eficácia mínima e assim deixaria de ser

direito fundamental.

Assim, guardando uma relação de subsidiariedade entre as sub-regras da proporcionalidade, o que significa que nem sempre será necessária a aplicação de todas elas, “adequado, então, não é somente o meio com cuja utilização um objetivo é alcançado, mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja completa-mente realizado”72. Em segundo lugar, há que se saber a importância dos funda-mentos justificadores da intervenção, perguntando-se se dentre os meios dispo-níveis e igualmente adequados para promover o fim não há outro meio que restrinja menos os direitos fundamentais afetados. E, por fim, realiza-se em terceiro lugar a ponderação em sentido estrito questionando-se se as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio.

70 FARIAS, 1999, p. 98-99.71 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 406-407.

72 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, n. 789, 2002, p. 36.

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Destarte, a fim de solucionar a colisão entre os direitos da personalidade em questão e as liberdades de expressão e de informação, com o sacrifício mínimo dos direitos colidentes, a jurisprudência nacional realizaria uma necessária pon-deração dos bens envolvidos em cada caso particular.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento do tema permite chegar a várias conclusões; dentre elas, a de que, ao tratar de direitos fundamentais, estes ocupam importante lugar no ordenamento jurídico vigente.

Ao abordar a liberdade de expressão, verifica-se que ela pode apresentar um conteúdo tão genérico e aberto que pode gerar colisão com outros direitos fun-damentais, entre eles os direitos à intimidade e à vida privada.

Constata-se, ainda, que, diante de tais situações, no âmbito de proteção dos direitos colidentes, nem sempre se chegará à mesma conclusão, já que não haverá mera subsunção de normas, com a exclusão em definitivo da outra, não aplicada.

Isto porque, diante de uma autêntica colisão, o aplicador deverá se utilizar do princípio da proporcionalidade, mais especificamente de seus três subprincí-pios – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito –, a fim de que se encontre a melhor solução ao caso em concreto. Neste ponto, o intérprete atribuirá pesos ou valores aos direitos conflitantes, fato que pode levar à inversão do princípio aplicado, quando circunstâncias diferentes estiverem atuando sobre a situação.

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Data de recebimento: 27/7/2014

Data de aprovação: 27/2/2015