colesterol - além do bom e do mau

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Ciência e Tecnologia e no Brasil Além do bom edomau Março 2005 • N° 109 EFEITO ESTUFA ESQUENTA CLIMA ENTRE CIENTISTAS PORQUE AANTÁRTICA . INTERESSA AO BRASIL olesterol·

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Pesquisa FAPESP - ed. 109

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Ciência e Tecnologia e no Brasil

Além do bomedomau

Março 2005 • N° 109

EFEITO ESTUFAESQUENTACLIMA ENTRECIENTISTAS

PORQUEAANTÁRTICA

. INTERESSAAO BRASIL

olesterol·

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A IMAGEM DO MÊS

PESQUISA FAPESP 109 • MARÇO DE 2005 • 3

ORVALHO EM ÓRBITA

Uma gota d'água flutua no ambiente de baixa gravidade da EstaçãoEspacial Internacional, laboratório instalado a 400 quilômetrosda Terra, e mostra o rosto do astronauta norte-americano Leroy Chiao.A imagem está de cabeça para baixo devido à mudança de direçãodos raios luminosos na passagem do ar para a água.

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PesqerecniiisaFAPESP

44 CAPAO colesterol saudável, emquantidade abaixo do normal, perdeo efeito protetor e contribui para oentupimento das artérias

REPORTAGENS

POLíTICA CIENTíFICAE TECNOLÓGICA

24 VIROLOGIAEmpresa de biotecnologiaapresenta descriçãodetalhada de umvírus associado à mortesúbita dos citros

28 GOVERNOProjeto da Lei de Incentivoà Inovação quer facilitar acontratação de pesquisadores

37 ORÇAMENTOFAPESPfecha o ano de 2004

com superávit demais de R$ 98 milhões

www.revistapesquisa.fapesp.br

12 ENTREVISTA

4 • MARÇO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 109

O glaciólogo Jefferson(ardia Simões, queatravessou por terra aAntártica e chegouao pólo Sul, diz que o gelodo mundo é maisimportante para o Brasil doque para os EUA

38 RACIONALIZAÇÃOSAGe abolirá o usodos processosem papel na FAPESP

CIÊNCIA

52 GERIATRIA

Idosos param de sentir dorese reavivam a memóriaquando põem o pé na estrada

30 AMBIENTELivro acirra duelo entreos que duvidam e os quecrêem na influênciado homem noaquecimento global

EPIDEMIOLOGIA

Genes e hábitos culturaisafetam o risco desurgimento de tumoresde cabeça e pescoço

60 HOMENAGEMBelita Koiller, da UFRJ, recebePrêmio L'Oréal-Unescopor estudos sobrecomportamento dos elétrons

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58 fíSICATeoria sustenta quenanotubos se formama partir do carbonolíquido, não do vapor

74 QUíMICAParceria entre a Unicampe a Rhodia resulta em novassoluções para processosindustriais da empresa

86 LITERATURACrônicas de Lima Barretorevelam o poderde análise do autor dePolicarpo Quaresma

TECNOLOGIA

7° ANÁLISES CLíNICASEquipamentobaseado em marcadoróptico fazdiagnóstico deleishmaniose,câncer de mamae de próstata

79 ENGENHARIA ELÉTRICAPequena empresainova ao produzirmedidores de correntee de campos magnéticos

80 ENGENHARIA CIVilBarreiras produzidascom sucatade pneu reduzemimpactos emacidentes de trânsito

HUMANIDADES

82 ESPORTES

Tese traça radiografia doimaginário olímpico nacional

90 URBANISMOSimulador leva em conta ocomportamento de motoristaspara controlar o tráfego

93 HISTÓRIALivro sobre a construçãoda ferrovia Madeira-Mamoré é relançado

SEÇÕES

A IMAGEM DO MÊS ...........•........ 3CARTAS 6CARTA DO EDITOR 9MEMÓRIA ....•..................... 10ESTRATÉGIAS 18LABORATÓRIO •.........•......•.... 40SCIELO NOTíCIAS 64LINHA DE PRODUÇÃO 66RESENHA··························94

LlVRoS····························95

FICÇÃO····························96Capa: Hélio de Almeida

Fotos: Miguel Boyayan

PESQUISA FAPESP 109 • MARÇO DE 2005 • 5

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[email protected]

Preguiça não tendo encontrado "nenhum casobom" no Rio de Janeiro para conta-minar seu mosquito deslocou-separa São Simão. Numa carta a EmílioRibas dizia: ''Ainda tenho bastanteestegomias de reserva. Somente fuiobrigado a alimentá-Ios com o meusangue sadio ... Alguns conservo semalimentar. Mas sempre morrem al-

Quando vi a capa de Pesquisa FA-PESP (edição nO 108) fiquei muitoanimado: havia uma linda preguiçae o título ''A preguiça começa a serentendida" Qual não foi minha sur-presa ao ver que o texto correspon-dente representava bem um forteparadigma científico atual:simplesmente detalhes gené-ticos. Com ele, é possível en-tender muito pouco da pre-guiça. Se alguns dos leitoresgostariam de entender real-mente algo sobre a pregui-ça, gostaria de recomendar-lhes o artigo "What does itmean to be a sloth?", do bió-logo Craig Holdrege, paraverem o que outro paradig-ma de fazer ciência, e de es-crever sobre ela, pode trazerde real compreensão de umanimal e compararem como primeiro (cuja importân-cia não estou pondo em dú-vida). Para isso, pode-se fa-zer uma busca com aqueletítulo no Google.

VALDEMAR W. SETZER

Instituto de Matemáticae Estatística/USP

São Paulo, SP

Adolpho tutz

Em Pesquisa FAPESP de janeiro(edição nv 107), na seção Memória("Enfim, preto no branco"), vocêsnos apresentaram o extraordináriopesquisador Adolpho Lutz. Mas ficoufaltando uma grande demonstraçãode seu valor que foi o experimentorealizado em 1902 mostrando defi-nitivamente que o mosquito era otransmissor da febre amarela. Eis co-mo me foi contado: dr. Lutz, naquelaépoca, procurava pacientes grave-mente enfermos de febre amarela e

6 • MARÇO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 109

EMPRESA QUE APÓIAA PESQUISA BRASILEIRA

lJ) N OVAR TISTroplNet.org

guns". Em janeiro de 1902 voltou aSão Paulo radiante com seus mos-quitos contaminados, pois soltara-osfamintos em cima de um doente gra-ve ("Foram escolhidos a dedo ... Nãosei mesmo se o desgraçado sobrevi-veu."). No dia 9 de janeiro de 1902,diante de uma comissão médica, noHospital de Isolamento de São Paulo,Emílio Ribas e Adolpho Lutz se fize-ram picar pelos mosquitos contami-nados juntamente com mais doisvoluntários, Domingos Pereira Vaz eOscar Marques Moreira. A moléstiase manifestou branda para ambos osmédicos e mediana para os dois vo-luntários. Experimento este que setornou necessário repetir em 20 dejaneiro de 1903, quando o voluntárioimigrante italiano [anuário Fiori qua-

se morreu de febre amarela, quatrodias após ser picado por mosquitoscon taminados.

Desta maneira tiveram bases cien-tíficas para em São Paulo e no Rio deJaneiro começarem a combater ospernilongos com os "batalhões caça-mosquitos" Estes relatos foram tira-dos do livro Emílio Ribas, o vencedor

da peste, de autoria de Bar-ros Ferreira (Edições Melho-ramentos).

ALICE TEIXEIRA FERREIRA

Universidade Federalde São Paulo (Unifesp)

São Paulo, SP

Revista

Sou aluno da Universi-dade de São Paulo (USP), nacondição de estudante ca-rente de baixa renda no cur-so de ciências físicas paraformação de professores.Gostei muito do artigo"Aula de física", de RobertoSalmeron (edição nO 106), epeço para que publiquem

sempre um artigo de física, porque éa rainha das ciências. Tento ser pro-fessor de física e ciências, além da fí-sica médica, que gosto muito. Obri-gado a vocês pela revista PesquisaFAPESP.

SILVIO MACHADO DE BARROS JUNIOR

Campinas, SP

Reciclagem

A reportagem "Reciclagem me-tálica", de Yuri Vasconcelos (ediçãon= 105), é mais uma dentre outraspublicadas na revista revelando oextraordinário potencial criativo eprodutivo dos pesquisadores brasi-leiros, voltados para aplicações prá-ticas e empresariais. Para mim, elafoi de especial interesse pelo parale-

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10 que estabeleci entre a história daspastilhas de pó de ferro e alumínioda Mextra e outra história fascinan-te que li numa publicação da Com-panhia. Brasileira de Metalurgia eMineração sobre a utilização do nió-bio produzido em Araxá, na produ-ção de aços de qualidade. A jazida deAraxá foi descoberta na década de1950 pelo geólogo Djalma Guima-rães quando buscava urânio. Muitosanos se passaram até se encontraraplicação para o nióbio, que preci-sou concorrer com o vanádio nasaplicações em metalurgia. O nióbio,desconhecido e desprezado, acabouvencendo nos Estados Unidos, naprópria Pittsburgh, projetando ametalurgia e a tecnologia brasilei-ras internacionalmente. Aproveitoa oportunidade para agradecer amenção ao meu nome, como o pri-meiro brasileiro no pólo Sul (pági-na 40).

RUBENS JUNQUElRA VILLELA

Instituto de Astrofísica,Geofísica e Ciências/USP

São Paulo, SP

CORREÇÕESNa edição 107, página 36, faltou

dizer que a proteína extraída de se-mentes do pau-brasil, CeKI, inibe aliberação de bradicinina, um impor-tante mediador no processo infla-matório.

No mapa que ilustra a reporta-gem "Retrato do passado» (edição nv108, página 77), onde está localizadaSão José do Rio Preto, leia-se São Josédo Rio Pardo. São José do Rio Pretoestá mais a oeste e não aparece nomapa.

Cartas para esta revista devem ser enviadas parao e-mail [email protected]. pelo fax (1~ 3838-4181ou para a rua Pio XI. 1.500. São Paulo. SP.CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidaspor motivo de espaço e clareza.

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Papo cabeça àvenda

Ciências biológicasCraig VenterBob WaterstonJosé Fernando PerezAndrew SimpsonAndré GoffeauWarwick Estevam KerrWalter GilbertCarlos Alfredo Jolye Vanderlei Perez CanhosChana MalogolowkinJoão Carlos SetúbalCarmen MartinIván IzquierdoFernando Reinach

COLEÇÃO Pesq~!sa

As entrevistasde Pesquisa FAPESP

HumanidadesPablo Rubén MaricondaLeopoldo De MeisMuniz SodréLeandro KonderAlfredo BosiJosé Arthur GiannottiIsmail XavierOtavio Frias FilhoRoberto Schwarz

ORGANIZADO POR

MARILUCE MOURA

~ D'NiEMP

Conheça o que pensam alguns dos melhorespesquisadores e intelectuais brasileiros(e, de quebra, alguns cientistas do exterior)em textos reunidos em um único livro,Prazer em conhecer. A obra traz26 grandes entrevistas, originalmentepublicadas em edições de Pesquisa FAPESP,que compõem uma amostra do conhecimentoe das contribuições dadas à ciência e"àcultura por eminentes professores e cientistas.

físicaJosé Leite LopesLuiz DavidovichMarcello DamyRoberto Salmeron

Informações sobreonde encontrar o livro

Ciência e Tecnologia • no Brasil

Pesqu Isa www.revistapesquisaJapesp.brFAPESP

pesquisa o Brasil

(11) 3875-0154

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Pesquisa CARLOS VOGT

PRESIDENTE

MARCOS MACARI VICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

ADILSON AVANSI DE ABREU. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER,

HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, ]OSÉ ARANA VARELA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, RICARDO RENZO

BRENTANI, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO

PESQUISA FAPESP

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTÍFICO).

EDGAR DUTRA ZANOTTO. FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER,

JOSÉ FERNANDO PEREZ, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO,

PAULA MONTERO, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CARLOS HAAG (HUMANIDADES),

CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICACST), HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON-LINE), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA)

EDITORES ESPECIAIS FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA

EDITORES ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO

CHEFE DE AfiTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS

DIAGRAMAÇÃO JOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA

FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR. MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORES ANA LIMA, ALESSANDRA PEREIRA, ANDRÉ SERRADAS, BRAZ. CAROL

LEFÈVRE, DANIELA MACIEL PINTO, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), ELY BUENO, LAURABEATRIZ, MARCELO HONÓRIO (ON-LINE). MÁRCIO

GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO, SÍRIO J. B. CANÇADO, THIAGOROMERO (ON-LINE), VERÔNICA FALCÃO,

VÍCTOR HUGO DURÁN E YURI VASCONCELOS

ASSINATURAS TELETARGET

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL

DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

CARTA DO EDITOR

A relatividade necessária dos números

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Há uns poucos anos, um grupo de pesquisadores do InCor, o Instituto do Coração da Uni-

versidade de São Paulo, viu-se ante uma charada mórbida: 51 pessoas tinham morrido em decorrência, em última ins- tância, da aterosclerose - ou, em lingua- gem mais chã, da obstrução de suas co- ronárias, responsáveis pelo transporte de nutrientes e oxigênio ao coração, por placas de gordura. As placas foram se acumulando na parede das artérias até o ponto de provocar infartos, acidentes vas- culares cerebrais e outros quadros dramá- ticos assemelhados. Ocorre que 25 dessas pessoas cuja evolução da doença os pes- quisadores acompanhavam, portanto, quase metade delas, apresentavam níveis considerados normais de colesterol. Co- mo entender então essa aterosclerose que resultou em óbitos, se justamente a pre- sença excessiva de colesterol no sangue, mais precisamente do LDL, o chamado mau colesterol, era o sinal indicativo de que alguém estava sob risco de apresen- tar o problema? E se níveis normais eram a senha para manter-se a tranqüilidade?

A reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP mostra justamente co- mo a partir de enigmas assim a pesquisa sobre indicadores orgânicos de doenças coronarianas tem avançado substancial- mente no InCor. Não importa apenas a medida do HDL, mas também a razão matemática entre o HDL e o LDL, ou seja, entre o bom e o mau colesterol, as taxas de homocisteína, a medida de triglicé- rides etc. etc. Como em quase todos os campos, no corpo humano também ra- ramente um indicador funciona sozinho em seus valores absolutos. Relação e inte- ração são palavras-chave na determina- ção da saúde das artérias e do coração, co- mo se pode conferir no texto da repórter Alessandra Pereira, a partir da página 44.

A propósito, é para a mesma questão, de uma certa maneira, que alerta a repor- tagem sobre o duelo cada vez mais acirra- do entre os que acreditam e os que duvi- dam que a fumaça dos automóveis e das indústrias é responsável pelo aquecimen- to progressivo deste nosso planeta Terra. Se é que o aquecimento realmente existe, diriam os céticos. Tomar, por exemplo,

os dados de temperatura da Terra em seus valores absolutos em cada caso, sem rela- tivizá-los, sem contrapor algumas redu- ções efetivas a elevações constatadas, po- de induzir a erro sério e cientificamente contraproducente sobre o fenômeno do aquecimento, depreende-se da narrativa do editor especial Fabrício Marques, a partir da página 30. Ele parte de um li- vro de ficção recém-lançado nos Estados Unidos, State of fear, que está jogando combustível na briga entre ambientalis- tas e céticos, para mostrar quais são os argumentos mais consistentes dos dois lados no momento em que entra em vi- gor o Protocolo de Kyoto.

Nada melhor para esfriar ludicamen- te a cabeça depois disso do que mergulhar na Antártica e nas aventuras enregelan- tes do pesquisador Jefferson Cardia Si- mões, na visão de quem o vasto território branco na calota sul do planeta é mais importante para o Brasil do que para os Es- tados Unidos. Ele explica por que a partir da página 12, na instigante entrevista con- cedida ao editor especial Marcos Pivetta.

Vale destacar também nesta edição a reportagem do editor de ciência, Carlos Fioravanti, a partir da página 24, sobre o primeiro artigo científico assinado pelo corpo de pesquisadores da Alellyx no respeitado periódico científico Journal of Virology. A empresa privada de biotecno- logia, que tem suas raízes fincadas no Pro- grama Genoma da FAPESP, apresenta ali a caracterização genética e molecular de um vírus que a equipe considera forte candidato a agente causador da morte sú- bita dos citros, doença que já se instalou em cerca de 2 milhões de pés de laranjei- ra em São Paulo e Minas Gerais.

Para finalizar, motoristas estressados das grandes cidades certamente encon- trarão méritos imensuráveis no trabalho de pesquisadores que acreditam ser pos- sível ordenar o caos do tráfego nas metró- poles com ajuda da inteligência artificial, a partir da página 90. E o que é melhor, levando em conta a personalidade dos su- jeitos por trás do volante que, no Brasil, não são exatamente iguais, por exemplo, aos da Alemanha. Boa leitura!

MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAçãO

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 9

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MEMóRIA

uas domadas Há 30 anos começavam as obras de Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo

NELDSON MARCOLIN

m janeiro de 1975, os tratores entraram no canteiro de obras e, comandados ainda por poucos homens, começaram a limpar um trecho de mata próximo à cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná,

na fronteira com o Paraguai. Alguns anos depois, essa obra se tornaria mundialmente conhecida como uma das sete maravilhas da engenharia moderna, a maior já construída no Brasil. A Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional chegou a ter 40 mil pessoas trabalhando simultaneamente para domar as águas do rio Paraná, escavar terra e rocha (8,5 vezes maior que o volume retirado do Eurotúnel) e produzir uma quantidade de concreto sem igual (suficiente para construir 250 estádios do Maracanã). Essa aventura, em que todos os números são grandes, teve também lances trágicos - muitas áreas foram inundadas

e o primoroso conjunto de pequenas cachoeiras conhecido como Salto de Sete Quedas desapareceu sob o lago da hidrelétrica. Itaipu começou a ganhar forma em 1966, quando Brasil e Paraguai decidiram, oficialmente, aproveitar os formidáveis recursos hídricos da região. Em 1970 os dois países contrataram um consórcio internacional para fazer os estudos de viabilidade e começar o projeto (a binacional Itaipu foi

criada quatro anos depois). A idéia inicial era fazer diversas usinas ao longo do rio Paraná - o problema é que, ao desviar o rio para a margem brasileira, a fronteira entre os dois países mudaria. Também; havia um outro obstáculo: o que determina a produção de energia é a queda de água no rio. O ponto de maior queda, de 120 metros, é onde foi instalada a usina, e não na área prevista inicialmente. Por fim, optou-se pela

10 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

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À esquerda, o rio Paraná com a ilha da "pedra que canta" (itaipu, em tupi-guarani), em 1974, antes das obras. Acima, a usina em pleno funcionamento. Ao lado, a explosão durante a abertura do canal de desvio, em 1978

construção de uma grande hidrelétrica com potência instalada de 14 mil megawatts. Foram engenheiros, técnicos e operários brasileiros, em maior número, e paraguaios que fizeram Itaipu ("pedra que canta", em tupi-guarani) com a colaboração efetiva de um consórcio de empresas como a Siemens e a Asea Brown Boveri (ABB), que produziram os equipamentos. Um engenheiro hindu,

Gurmukh Sarkaria, criou o layout da usina, a escolha do local ideal e a fórmula mais econômica da barragem. Ele optou por usar uma técnica conhecida como gravidade aliviada (ou formato catedral), um modo de conter eficientemente o peso da água, economizando concreto. As 18 colunas que escoram o paredão da barragem são ocas, mas são tão resistentes como se fossem maciças. A diferença é que

o consumo de concreto, já colossal, cresceria significativamente. Itaipu exigiu outras soluções tecnológicas. Na época foi criado um laboratório de concreto para dar suporte aos engenheiros. Depois criou-se um software, Scada, especialmente para acompanhar a produção e operação da usina. "O nosso sistema de medição de energia possibilita a obtenção de maior quantidade de dados sobre a produção de energia

e pode interessar usinas de grande porte, como Três Gargantas, em construção na China", diz o diretor-geral brasileiro da binacional, Jorge Samek. A obra chinesa terá um reservatório maior que o do Brasil-Paraguai e maior potência instalada (18 mil megawatts em relação aos 14 mil megawatts de Itaipu). Mas, como a vazão do rio Paraná é mais estável do que a do rio Yang-tse, o rendimento chinês será menor. Três Gargantas deve produzir 84 bilhões de quilowatts (kWh)/ano. Em 2000 Itaipu produziu o recorde de 93 bilhões de kWh. Com a instalação das duas últimas turbinas (de um total de 20) essa marca deverá ser superada. E está em construção o Parque Tecnológico, investimento binacional criado para apoiar o desenvolvimento tecnológico e social das Três Fronteiras e do Mercosul.

PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 11

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ENTREVISTA: JEFFERSON CARDIASIMÕES

Ogelo também

é nosso Pesquisador que esteve no pólo Sul diz que a Antártica é mais importante para o Brasil do que para os EUA

MARCOS PIVETTA

s 4 horas da manhã de 31 de novembro passado, um dia após ter vivido a emoção (e o alívio) de chegar ao pólo Sul geográfi-

co a bordo de um comboio motorizado puxado por um trator polar, o glaciólogo Jefferson Car- dia Simões resolveu dar uma espiada, sozinho e com mais calma, na paisagem a 90° de latitude sul. Em meio ao inclemente vento cortante da- quelas paragens, que provoca freqüentemente uma sensação térmica equivalente a -50°C, dei- xou o comboio polar e caminhou os 650 metros que o separavam do pólo, passando, no cami- nho, pela base Amundsen-Scott. "Hoje, atrás de mim, existe a imensa estação norte-americana, mas no mais o vazio total! Olhando para o imen- so e desértico platô, onde as feições mais proe- minentes são pequenas dunas (sastruguis) com 30 centímetros de altura, rapidamente compreen- dem-se algumas das opiniões dos exploradores do período heróico (início do século 20). Robert Scott ao chegar aqui, em 1912, exclamou 'Meu Deus, que lugar horrível'", escreveu, bem-humo- rado, em seu diário, que deve virar livro em bre- ve, o pesquisador de 46 anos da Universidade Fe- deral do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Um dos líderes do Programa Antártico Brasi- leiro (Proantar), o gaúcho Simões é o primeiro brasileiro a chegar ao pólo por via terrestre numa expedição científica. Embarcou numa aventura de dois meses e US$ 3 milhões ao lado de 12 chi- lenos, que bancaram 95% dos custos da missão - o Brasil entrou com 5% da verba, cedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien- tífico e Tecnológico (CNPq) e Petrobras. A ex- pedição percorreu cerca de 2.300 quilômetros. Foi da estação chilena Parodi, já no interior da Antártica, a 80° de latitude sul, até o pólo e voltou ao ponto de partida. No caminho, Jefferson reti- rou testemunhos (cilindros) de gelo e amostras de neve. "As geleiras são o melhor arquivo natu- ral da história do ambiente", afirma Simões, que é casado e tem dois filhos adolescentes. De tanto viajar à Antártica, sempre no verão, sua família já se acostumou a não tê-lo em casa para a troca de presentes no Natal e a ceia do Ano-Novo. Nesta entrevista, o glaciólogo fala de sua experiência no mundo do gelo, explica que a Antártica não está derretendo e diz que o Brasil deveria olhar com mais atenção para o continente branco. "Noven- ta por cento do gelo da Terra está na Antártica. Nós somos o sétimo país mais próximo desse continente. O gelo é mais importante para o Bra- sil do que para os Estados Unidos ou a Suíça", diz.

12 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

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jar*--.

0m

O glaciólogo recolhe amostra de neve: "Somos o sétimo país mais próximo do gelo do planeta"

■ Você já foi três vezes ao Ártico e 13 à An- tártica. Qual foi a expedição mais difícil, a primeira ou a última? — A dificuldade de uma expedição é relativa. Nas primeiras viagens há a curiosidade de enfrentar um ambien- te totalmente diferente, de entrar, por exemplo, numa geleira. O que era teo- ria de sala de aula passa a ser sua práti- ca do dia-a-dia. Antes de ir no fim dos anos 1980 ao Ártico, onde fiz a parte do trabalho de campo de meu douto- rado, só tinha visto neve na Inglaterra, que não é um bom lugar para isso. Por inexperiência, incorre-se em erros num ambiente novo e perigoso.

■ Que tipo de perigos? — Há vários: a baixa temperatura, que pode levar ao congelamento das partes expostas e freqüentemente à hipoter- mia (redução anormal da temperatura corporal); ventos muito fortes, de 170 quilômetros ou mais; e o risco de cair numa fenda de geleira. No Ártico, ainda corremos o risco de topar com um urso-polar. Temos de estar sempre preparados para qualquer situação e ter

em mente rotas alternativas de escape caso aconteça algum acidente. No am- biente polar comete-se às vezes erros mais de percepção do que de ação. Ali quase não há cores. Tudo é branco ou em tons de cinza. Apenas suas roupas, um trator são coloridos. Nunca me es- queço de que, quando voltei pela pri- meira vez do Ártico e desembarquei em Oslo, achei que a capital da Noruega era uma cidade tropical. Cheguei na prima- vera e Oslo estava toda verde.

■ Você já caiu numa fenda degelo? — Três vezes, mas sempre estava preso por cordas a outros colegas de expedi- ção, um procedimento de segurança es- sencial. Caso contrário, se tu tiveres sorte, vais cair numa fenda e ficar que- brado, mas parado em alguma ponte de neve, lá embaixo. Em outros casos, mui- to comuns, o sujeito cai de cabeça, vai para o fundo e a morte pode ser instan- tânea. Ou pior, pode demorar alguns dias e o acidentado morre de hipoter- mia. Eu nunca me machuquei. Mas isso é um risco da profissão. As fendas aber- tas são assustadoras, mas não são um

abismo. São buracos de 20,30 ou no má- ximo 40 metros na geleira. Mas, como não somos suicidas, elas não são um problema. A queda acontece quando há armadilhas naturais: pontes de neve que se formam sobre as fendas e escon- dem o buraco. Tu estás caminhando em cima da neve, ou andando de esqui, e vupt! A ponte se rompe e o chão te en- gole. Tratores, como o que usamos na travessia, também podem ser engolidos pelas fendas. Para minimizar esse risco, distribuímos bem a carga no veículo e nos trenós.

■ Não há meios de detectar a priori uma ponte sobre uma fenda? — Às vezes é possível com estacas, pa- ra sondar áreas suspeitas. Mas há um problema prático. Tu fazes isso 10 ou 20 quilômetros, mas, numa longa tra- vessia, como a que realizamos, não dá para proceder assim a viagem toda. Nesse tipo de expedição usamos um radar e aceitamos o risco. E tentamos controlar a adrenalina.

■ Você já viu alguém ser tragado por uma

PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 13

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fenda sem estar amarrado, ou morrer du- rante uma expedição? — Nunca. Mas, quando estava em Cam- bridge, perdi um colega de sala.

■ No Ártico? — Não. Foi pior. Aconteceu quatro me- ses antes de eu e ele defendermos nossas teses de doutorado. Ele foi convidado pelos russos para ir à fronteira da Chi- na. Um mês e meio mais tarde, recebe- mos um telegrama da embaixada sovié- tica dizendo que ele tinha caído numa fenda e morrido. Parece que ele foi dar uma voltinha ao lado das barracas do acampamento sem estar amarrado a uma corda e foi para o fundo de uma fenda. Dois meses depois, recebemos o corpo.

■ A maioria dos acidentes e mortes acon- tece por descuido dos exploradores ou é uma fatalidade? — Na pesquisa polar, por incrível que pareça, a maioria dos acidentes ocorre em momentos de recreação. O sujeito está distraído, não obedece as regras de sobrevivência, ou faz brincadeiras que não devia, como passear com moto de neve em cima de um lago congelado, e se machuca. Outra situação comum que causa acidentes: o sujeito toma muito álcool, sai da barraca, vai passear, dor- me ao relento e, no dia seguinte, é en- contrado congelado. Esse tipo de ocor- rência é conhecido. Esses casos estão em todos os manuais. Como eu trabalho essa questão? Digo para as pessoas se- guirem as regras e 90% dos problemas serão evitados. É claro que, ainda as- sim, mortes podem acontecer. É um ris- co da profissão, com que se deve apren- der a lidar. Ao mesmo tempo, esse é o aspecto lúdico da minha profissão. En- quanto faço ciência, faço também explo- ração geográfica onde ninguém esteve. Isso é motivante.

■ A travessia terrestre rumo ao pólo Sul geográfico tem importância científica ou é mais um sonho pessoal? — Não posso negar o aspecto da explo- ração geográfica, do feito histórico. Mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico atual, poucos países fize- ram travessias do continente, e menos ainda travessias até o pólo Sul. Pegar um avião e ir ao pólo é caro, mas fácil. Ir por cima do manto de gelo é diferen-

te. Na América do Sul, os argentinos fi- zeram uma travessia terrestre até o pólo, mas era uma expedição militar, na qual perderam um trator numa fenda. A ex- pedição chileno-brasileira foi a primeira travessia científica da Antártica feita por sul-americanos. A logística de uma ex- pedição polar não é trivial. Aprendi muito e esse conhecimento será impor- tante para futuras missões do Proantar no interior do continente. Mas o prin- cipal objetivo da missão era gerar co- nhecimento sobre a evolução do clima e a química atmosférica ao longo dos últimos 400 anos. O comboio que fez a travessia era formado por um trator polar, sueco, puxando três grandes com- partimentos (contêineres) fechados. Ao trator era acoplado um comparti- mento que carregava todo o combustí- vel (querosene). Em seguida, havia um trailer pequeno, onde tínhamos um la- boratório de geofísica para a execução da radioecossondagem, uma técnica para determinar a espessura e a estru- tura do gelo. Depois vinha um com- partimento grande que servia de la- boratório, acomodação, cozinha e local de convivência. No fim, lá no fundo do comboio, havia um lugar para levar caixas e um banheiro.

■ Como foi a viagem? — Fomos em aviões da Força Aérea Chilena de Punta Arenas, extremo sul da América do Sul, até a base chilena de Parodi, situada a 80° de latitude sul, ao lado das montanhas Patriot Hills. Ali desembarcamos mais de 20 toneladas de equipamento para a expedição e montamos o comboio. De Parodi per- corremos com nosso comboio motori- zado 2.300 quilômetros. Fomos e vol- tamos até o pólo Sul geográfico em 47 dias. Durante a travessia, a maioria de nós ficava nos compartimentos e alguns conduziam o trator. Houve um aspecto peculiar na expedição, que mostra a rea- lidade latino-americana. Foi a primeira vez na história da exploração polar que a travessia terrestre até o pólo Sul foi feita com somente um trator! Quan- do chegamos no pólo, os americanos, que mantêm ali a estação Amundsen- Scott, nos perguntaram: "Cadê os ou- tros tratores?". Dissemos que não tí- nhamos dinheiro para um segundo trator. A expedição foi feita no limite dos recursos financeiros. Apenas o tra-

tor, com os contêineres, saiu US$ 850 mil. O veículo, que podia puxar até 25 toneladas (nós puxamos 22 toneladas), era um beberrão. Precisava de 4 litros de combustível para rodar 1 quilôme- tro. O consumo excessivo quase nos deixou pelo caminho. Tivemos de pedir um pouco de combustível para os nor- te-americanos para garantir a nossa vol- ta a Parodi.

■ Quais foram as atividades científicas realizadas durante a travessia? — Na ida, queríamos chegar rápido ao pólo e a viagem levou 16 dias. A única atividade científica que fizemos nesses 1.150 quilômetros foi a radioecosson- dagem. O radar que estava no trator emitia continuamente um pulso na fre- qüência FM que atravessava o gelo, ba- tia na rocha, em sua base e retornava ao aparelho. Também colocamos estacas em alguns pontos do trajeto para medir a velocidade de descolamento do gelo. Na volta, saímos dia 9 de dezembro da estação norte-americana e chegamos na base chilena dia 31, pouco antes do Ano-Novo. Foi uma viagem um pouco mais lenta. Isso porque, a cada 10 quilô- metros, parávamos para coletar amos- tras superficiais da neve, de 10 ou 20 centímetros de profundidade. Além das 120 amostras superficiais de neve, a cada 220 quilômetros retirávamos um testemunho de gelo de no máximo 50 metros de profundidade. Ao longo do trajeto, obtivemos seis testemunhos, to- talizando 220 metros de gelo, sendo o primeiro deles, de 33 metros, originário do pólo geográfico. Testemunhos são cilindros de gelo que retiramos do man- to polar com uma perfuradora eletro- magnética. Apenas nós da UFRGS temos esse equipamento na América Latina. Tiramos os cilindros e os cortamos em pedaços menores, de alguns centíme- tros. Depois os ensacamos, ainda sóli- dos, para evitar contaminação. Em se- guida, guardamos os testemunhos em 32 caixas de isopor reforçado, que abri- garam o material durante toda a traves- sia. No final da missão, os testemunhos foram transportados para um frigorífico comercial de Punta Arenas. Em maio, um avião da Força Aérea Brasileira deve trazê-los para Porto Alegre, onde vamos cortá-los em pedaços menores e man- dar subamostras para laboratórios bra- sileiros, chilenos e europeus.

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■ Que tipos de análise podem ser feitos com as amostras superficiais de neve e sobretudo com os testemunhos de gelo? — As amostras superficiais servem para determinar a variabilidade espa- cial de diferentes parâmetros quími- cos da neve. Já os testemunhos forne- cem séries temporais das variações nesses parâmetros. A neve continua- mente se precipita e se acumula nas geleiras. A neve precipitada carrega as características da atmosfera no mo- mento da condensação do cristal e impurezas presentes durante a pre- cipitação. Com o passar do tempo, a neve se transforma em gelo, num pro- cesso denominado metamorfismo. De acordo com as características de cada local, com a temperatura da ne- ve e outros parâmetros, esse proces- so, complexo, pode demorar mais de um século. Temos então um arquivo natural que permite reconstituir a história da atmosfera terrestre até na escala sazonal (das estações do ano). A riqueza de detalhes provém das de- zenas de análises químicas que pode- mos fazer com as amostras de neve e gelo. Informações sobre a temperatu- ra da atmosfera, por exemplo, podem ser obtidas pela determinação da ra- zão de isótopos estáveis de hidrogê- nio e oxigênio. A concentração de al- guns íons, como os cloretos, indica a extensão do mar congelado no pas- sado. A acidez da neve e o conteúdo de micropartícuias ajudam a identi- ficar erupções vulcânicas de impacto global. Medições de radioatividade de- tectam o impacto de explosões nuclea- res. Variações da atividade solar podem ser estudadas por meio de medições do berílio 10. Por fim, bolhas de ar retidas no gelo permitem definir variações nas proporções e concentrações de vários gases.

■ Um testemunho de gelo da Antártica pode conter informações sobre clima de quanto tempo atrás? — Depende de quanta neve se acumu- la no local em que o testemunho foi re- tirado. Não há uma regra. No interior da Antártica, um dos lugares mais se- cos da Terra, os russos mantêm uma base, Vostok, onde a acumulação anual de neve é de cerca de 2 centímetros. Num lugar assim, não é preciso perfu- rar muito para obter testemunhos com

informações sobre o clima dos últimos 10 mil anos. O testemunho mais pro- fundo de Vostok, com 3.623 metros de profundidade, fornece dados climáti- cos para os últimos 420 mil anos. O ge- lo mais antigo, de 720 mil anos, foi ob- tido num testemunho de 3.200 metros na estação franco-italiana Concórdia, também na Antártica. Agora, onde o Bra- sil tem a sua estação de pesquisa, na ilha Rei George, cai 1 metro de neve por ano e o gelo não ultrapassa 360 metros de espessura. Ali é impossível encontrar gelo mais velho do que 5 mil anos.

■ Fazer pesquisa na Antártica deve ser prioridade de um país como o Brasil? — Sim. A Antártica tem papel funda- mental dentro da rede interligada que é o sistema ambiental. A massa de gelo do continente é o principal "sorvedou- ro" de energia do planeta. A maior par-

te da água do fundo dos oceanos é formada debaixo das plataformas de gelo antárticas (partes flutuantes do manto de gelo) ou sob o cinturão de mar congelado que circunda o conti- nente. A área coberta por esse gelo marinho no hemisfério Sul oscila sa- zonalmente entre 3 e 19 milhões de quilômetros quadrados, alterando drasticamente o padrão de troca de energia entre o oceano e a atmosfera ao longo do ano. A inclusão desses processos nos modelos de circulação geral para o Atlântico Sul é essencial para se entender o controle antártico sobre o ambiente brasileiro e melho- rar as previsões climáticas. Em suma, para entendermos o clima brasileiro temos que estudar tanto o gelo antár- tico como a Amazônia. Poderíamos dar vários outros exemplos da rele- vância da Antártica, como a questão do buraco na camada de ozônio ou o papel da biota do oceano Austral na cadeia alimentar do Atlântico Sul. Costumo dizer que o gelo da Terra é muito mais importante para o Brasil do que para os Estados Unidos ou a Suíça. Aqui muitas pessoas ainda têm aquela idéia de que gelo e neve são coisas do hemisfério Norte. Só que o Brasil é o sétimo país mais perto da maior parte do gelo do mundo. Cerca de 90% do gelo da Terra está na An- tártica e os 10% restantes estão dis- tribuídos pelo Ártico e as geleiras de montanhas. Mais próximos que o

Brasil só estão Chile, Argentina, Uru- guai, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Nosso país será um dos pri- meiros a sentir eventuais mudanças na Antártica. Talvez a principal dificuldade para o brasileiro seja entender a escala dantesca do volume de gelo antártico: chega a 25 milhões de quilômetros cú- bicos. Se todo esse gelo fosse colocado sobre nosso país, cada brasileiro teria 3 quilômetros de gelo sobre a cabeça. Caso todo o gelo antártico derretesse, o nível do mar aumentaria em 60 metros. Mas não há como isso acontecer. A hi- pótese é uma bobagem.

■ O aquecimento global não está derre- tendo porções do gelo do planeta, em es- pecial da Antártica? — O gelo da periferia do Ártico, em ilhas do norte do Canadá e da Sibéria, no sul da Groenlândia e, principalmen-

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te, da maior parte das montanhas de regiões temperadas e tropicais está der- retendo rapidamente. A situação nos Andes já preocupa pelo impacto que terá nos recursos hídricos da América do Sul. Na Antártica, somente o gelo da periferia, na península Antártica (na parte mais setentrional do continente), está derretendo. Ainda não sabemos se o gelo do interior da Antártica está au- mentando ou diminuindo. No entanto, todos os modelos matemáticos indi- cam que o aquecimento global vai ele- var a umidade na Antártica e fazer com que o gelo no seu interior se torne mais espesso, em vez de reduzir de volume. Esse mesmo processo, de aumento da massa de gelo, pode ocorrer no norte da Groenlândia. Somando previsões de perda e ganho de gelo, segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mu- danças Climáticas), o aquecimento glo- bal vai fazer o nível do mar subir entre 15 e 100 centímetros nos próximos cem anos. Um aumento de 1 metro é assus- tador. Teria um impacto enorme na defesa costeira e estrutura portuária. Cerca de 70% dessa elevação se deve ao derretimento de geleiras. Os outros 30%, à expansão térmica do próprio mar, outra decorrência do aumento da temperatura atmosférica. Se recebe mais calor, o mar se expande. Então, cuidado: as calotas polares não estão derretendo. Algumas partes do gelo da periferia das regiões polares e princi- palmente o gelo de fora das regiões po- lares é que estão.

■ Então é um exagero dizer que a Antár- tica está derretendo7. — Sim. A área da Antártica é de 13,6 milhões de quilômetros quadrados. Um continente desse tamanho não respon- de de forma homogênea a variações climáticas, sejam elas naturais ou artifi- ciais. Esse é o primeiro ponto que gos- taria de enfatizar. O segundo é que esse imenso manto de gelo, com espessura média de 2.120 metros, mas que pode chegar a quase 5 mil metros em alguns pontos, cobre 99,7% do território da Antártica. E ainda mais importante do que isso: a maioria desse gelo está numa temperatura muito abaixo do ponto de fusão, a -30°C, às vezes -50°C. Portan- to, não vai ser um aquecimento de 2,3 ou 5°C na temperatura do planeta que vai fazer grandes modificações no gelo

da Antártica. O interior da Antártica é estável. Dados de algumas estações de pesquisa situadas no interior do conti- nente indicam que há até um resfria- mento desse gelo. O gelo da Antártica tende a aumentar de volume devido à intensificação do efeito estufa. Isso a imprensa não entende.

■ Qual o significado desses grandes ice- bergs que se desprenderam da Antártica nos últimos anos? — A formação de icebergs gigantes é algo normal na Antártica. Como a ne- ve nunca derrete no interior do con- tinente, só existe uma maneira de o enorme manto de gelo perder massa e manter seu tamanho: soltar icebergs. A questão aqui é simples. A Antártica como um todo está largando mais ice- bergs do que o "normal"? Ainda não sabemos. Mas isso ocorre no interior do manto de gelo, onde estão 98% do gelo antártico. Na península Antártica, a si- tuação é diferente. Essa região é um apêndice do continente que aponta em direção à América do Sul e está a so- mente 900 quilômetros da Terra do Fogo. É um lugar muito mais ameno, em que o gelo está perto do ponto de fusão, do 0°C na superfície. Na estação antártica brasileira, na ilha Rei George, ao norte da península, a temperatura média do gelo é -0,3°C. Nos últimos 50 anos, todas as estações meteorológicas na península, principalmente na costa oeste, indicam um aumento na tempe- ratura atmosférica local de 2 a 2,5°C. Na Rei George e nas Shetlands do Sul gramíneas estão aparecendo e animais que precisam de temperaturas mais baixas para viver estão indo mais para o sul. Essa elevação regional, de 2,5°C, é muito maior que a verificada na tem- peratura atmosférica média do plane- ta, que em cem anos aumentou 0,7°C. Nesses locais da periferia antártica qualquer energia aplicada faz as gelei- ras derreterem e provocar o colapso de plataformas costeiras de gelo. As pla- taformas são extensões flutuantes, que estão apoiadas na água, das geleiras do continente. Desde 1993, a área de pla- taforma de gelo perdida na Antártica é de quase 15 mil quilômetros quadra- dos. É muito gelo. Mas o gelo das pla- taformas estava flutuando e, pelo prin- cípio de Arquimedes, seu derretimento não afeta o nível do mar.

■ A glaciologia produziu alguma prova de que o aquecimento global é causado pela atividade humana no planeta? — Os testemunhos de gelo mais pro- fundos da Groenlândia e da Antártica, que ultrapassam os 3 mil metros, con- tam uma rica história da evolução do clima do planeta ao longo dos últimos 720 mil anos. Durante esse período, ti- vemos seis ciclos glacial-interglacial se repetindo de forma regular. Períodos glaciais de aproximadamente 100 mil anos, em que o clima lentamente vai es- friando, são seguidos por interglaciais com duração entre 10 e 20 mil anos, quando a temperatura média do plane- ta aumenta entre 6 e 8°C. Essas infor- mações derivam de medições das razões de isótopos de hidrogênio e oxigênio que compõem a neve e o gelo. Basica- mente, durante os períodos mais quen- tes aumenta a proporção dos isótopos mais pesados (deutério e oxigênio-18) na neve polar. Vários trabalhos de co- legas meus, principalmente do labora- tório de glaciologia de Grenoble, na França, que estudaram o ar retido em bolhas do gelo polar, mostram que as concentrações de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) aumentam nos interglaciais e diminuem nos glaciais. Ou seja, existe uma variação natural na atmosfera da concentração de gases do efeito estufa. Isso ocorre porque a ativi- dade biológica se intensifica nos inter- glaciais, aumentando a produção do CO2. Mas os mesmos testemunhos de gelo revelam outro dado importante: em 720 mil anos de história climatoló- gica do planeta, nunca a concentração de CO2 ultrapassou os 300 ppmv (par- tes por milhão por volume). Hoje a con- centração está em 380 ppmv, indo para 400. Ainda segundo os testemunhos, desde 1780, a partir da Revolução In- dustrial, os níveis de CO2 aumentaram 30% e os de CH4, 100%. O que estou dizendo com isso?

■ Que o homem produz o aquecimento... — A resposta não é tão simples assim. Por um lado, temos evidências indubi- táveis de que o aumento da concentra- ção dos gases estufas nos últimos 200 anos só pode ter origem artificial. No século passado, a temperatura média do planeta subiu 0,7°C. Por outro lado, sa- bemos através de dados de estações me- teorológicas e paleoclimáticos que o cli-

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ma varia espontaneamente e em to- das as escalas de tempo. Durante o interglacial em que vivemos, que co- meçou há aproximadamente 10 mil anos, tivemos variações naturais no clima. Entre o término da Idade Mé- dia e o fim do século 19, ocorreu o que chamamos de Pequena Idade do Ge- lo, quando a temperatura atmosféri- ca do planeta diminuiu naturalmen- te entre 1 e 1,5°C. Depois, de maneira repentina e muito rápida, a tempera- tura aumentou 0,7°C em cem anos. Como paleoclimatologista, aceito que parte do aquecimento global do sé- culo 20 pode ser apenas um reajuste natural da temperatura do planeta de- pois da Pequena Idade do Gelo. Mas as evidências de que há um compo- nente antrópico (da atividade huma- na) no aquecimento são muito fortes.

■ O Protocolo de Kyoto pode frear o aquecimento global? — Kyoto não é a resposta final. É uma tentativa, um esforço diplomá- tico. Esse problema não vai ser resol- vido com uma única decisão. É in- fantilidade pensar assim. É preciso mudar a escala de valores, os modos de consumo e a percepção do que queremos da vida. Com o padrão atual de consumo, e as tecnologias de hoje, o planeta não agüenta muito mais tempo. Algumas pessoas estão di- zendo que o protocolo não serve para nada. Mas serve sim. É um passo, um exemplo. Talvez grande parte dos nor- te-americanos esteja se lixando para isso, mas fica mais difícil se portar as- sim se todo o resto do mundo tem opi- nião e atitudes diferentes.

■ Os norte-americanos dizem que o cus- to de implantação de Kyoto é muito alto. — Não é tão grande assim se compu- tarmos os custos dos impactos ambien- tais que poderão ocorrer pela falta de ação. Kyoto vai forçar o desenvolvimen- to de tecnologias alternativas. Elas po- dem não resolver todos os problemas, mas já estão sendo implementadas em alguns países. Agora também não sou a favor de uma ecologia radical, que não permita modificação alguma no ambien- te. Essa visão é totalmente idealizada.

■ Por que você resolveu se especializar no estudo de neve e gelo?

a maioria dos acidentes ocorre em momentos de recreação. 0 sujeito faz uma brincadeira que não devia e cai num buraco

— Sempre me interessei pela questão ambiental e fiz geologia na UFRGS com aquela esperança de encontrar um tra- balho quando formado. Acho que todo mundo que optava por essa carreira na época estava pensando num emprego na Petrobras. Durante o curso, entrei em contato com a geologia glacial, que está associada à glaciologia, mas não é a mesma coisa. A glaciologia estuda as formas de neve e gelo, principalmente a criosfera, a cobertura de gelo atual da Terra. A geologia glacial estuda os resultados da ação geológica do gelo. A glaciologia era, então, uma curiosida- de para mim. Mas, quando estava para me formar, em 1982, tive a idéia certa no momento certo. Estava surgindo o Proantar, que se preparava para man- dar a primeira expedição nacional para a Antártica e eu procurava emprego.

■ Você foi pedir emprego no programa? — Aquela era uma época de crise eco- nômica no país. Meus colegas da Geo- logia não arrumavam trabalho. Então,

em 1982, entrei em contato com o pessoal do programa antártico e disse: "Olha, vocês vão precisar de um glaciólogo porque o gelo cobre mais de 95% da Antártica". Naquela época, ainda não estava claro para muitas pessoas que a Antártica in- fluenciava o clima do Brasil. Mas o CNPq tinha um programa de bolsas para o Proantar, ao qual me candi- datei e fui então enviado para o Ins- tituto de Pesquisas Polares Scott, da Universidade de Cambridge, Ingla- terra, um centro de excelência na área que escolhi. Lá fiz o doutorado e me tornei o primeiro glaciólogo brasileiro.

■ Como foi a volta ao Brasil? — Era o início do governo Collor e, para variar, havia uma recessão. Só tinha uma bolsa de recém-doutor do CNPq. Nessa condição, fiquei um ano no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP). Mas, infelizmente, vi logo que havia graves restrições para a contratação de pessoal na USP e eu tinha que so- breviver. Resolvi voltar para casa. Tive a felicidade de ver que, quando regressava a Porto Alegre, abriu um concurso na Geografia da UFRGS. Passei no concurso e pude deslan-

char minhas pesquisas polares. Criei em 1993 um laboratório que, hoje, se tornou o Núcleo de Pesquisas Antárti- cas e Climáticas (Nupac), onde estão envolvidas 32 pessoas.

■ A ciência brasileira hoje feita na Antár- tica tem relevância internacional? — Sim, temos projetos de impacto den- tro do Comitê Científico Internacional sobre Pesquisas Antárticas (SCAR). Du- rante os últimos quatro anos, com a implantação de duas redes de pesquisa envolvendo mais de 20 instituições nacio- nais, e com novos recursos financeiros do Ministério do Meio Ambiente e do CNPq, foi possível reestruturar e me- lhorar a qualidade dos projetos. Não há dúvida de que executamos o melhor programa científico latino-americano na Antártica. Mas a qualidade das pes- quisas ainda é dispare. Temos de ter um Proantar enxuto e de alta qualidade, e que responda a questões ligadas direta- mente à interação do ambiente antárti- co com o o nosso país. •

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I PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATéGIAS MUNDO

Razões do fracasso em Marte A Agência Espacial Euro- péia e o governo do Reino Unido saíram chamuscados do relatório da equipe de cientistas que investigou o fracasso da missão da sonda Beagle 2, que deveria procu- rar vida no solo marciano mas emudeceu ao penetrar na atmosfera do planeta, no Natal de 2003. A conclusão do relatório é que a sonda

V nanciamento adequado, co- mo era a proposta original. O governo britânico colo- cou mais de US$ 40 mi- lhões no projeto e a iniciati- va privada, outros USS 80

ço nas condições precárias em que viajou - apenas como um apêndice da nave Mars Express, por medida de economia, em vez de um projeto autônomo com fi-

sonda espatifou-se no solo, mas não sabe por que isso aconteceu. Pode ter havido erro de cálculo sobre o im- pacto da Beagle 2 com a at- mosfera marciana, levando a sonda a aproximar-se rá-

Representação artística da Beagle 2 entrando no planeta

nos pára-quedas e nos air- bags (BBC OnLine, 3 de fe- vereiro). •

■ Riqueza sob o solo africano

Uma iniciativa de instituições de dois continentes batizada de AfricaArray busca impul- sionar a pesquisa em geofísi- ca no continente africano. A demanda por geofísicos na África é grande, sobretudo em países dependentes da extra- ção de petróleo e minérios. Essa foi a razão pela qual An- drew Nyblade, da Universida- de do estado da Pennsylvania, saiu em busca de verbas pú- blicas e privadas para o pro- grama. Nyblade, nascido na Tanzânia, diz que a idéia é combinar pesquisa de exce- lência com treinamento para profissionais que vão perma- necer na África. A iniciativa, parceria entre a universidade norte-americana, o Conselho Sul-Africano para as Geociên- cias e a Universidade de Wit-

watersrand, em Johannesbur- go, já atraiu US$ 600 mil dos US$ 2,7 milhões que espera levantar. Num primeiro mo- mento, os pesquisadores vão debruçar-se sobre atividades

sismológicas e vulcânicas. Uma rede de sismômetros vai examinar a estrutura do mag- ma sob o continente. "As ciên- cias da Terra desempenham papel crucial no mapeamento

de minerais", diz o pesquisador sul-africano Gerhard Graham. "Mas a falta de conhecimen- tos na geologia do continente limita o desenvolvimento." (Nature, 3 de fevereiro) •

■ Fôlego privado na ciência árabe

Um conglomerado da Arábia Saudita, o grupo Abdul Latif Jameel, vai destinar US$ 1 mi- lhão anuais para patrocinar cientistas de nações árabes cujas pesquisas possam ren- der produtos inovadores. O fundo será destinado às áreas de biotecnologia, fitoterapia, energia e telecomunicações. "É um passo na longa estrada para resolver os problemas de financiamento da pesquisa no mundo árabe", diz Tarek Saif, do Instituto de Oceano- grafia e Pesca do Egito. (Sci- Dev.Net, 28 de janeiro) •

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■ Yalevaia índia contra a Aids

A universidade norte-ameri- cana de Yale acaba de montar na índia um centro de pes- quisas interdisciplinares so- bre Aids. A unidade será res- ponsável por três iniciativas. Uma delas é o Projeto Pari- vartan, destinado a fazer pes- quisas e implementar mu- danças de comportamento em pessoas em situação de ris- co, como prostitutas, cami- nhoneiros e usuários de dro- gas injetáveis, em seis estados de alta prevalência do HIV, Andhra Pradesh, Karnataka, Tamil Nadu, Maharashtra, Manipur e Nagaland. O se- gundo projeto vai dar atendi- mento médico, psicológico e nutricional para as famílias de 500 crianças contaminadas pelo HIV, além de distribuir medicamentos retrovirais. Já o terceiro, com patrocínio do Fogarty International Center, é voltado para casais sorodis- cordantes (o homem tem o ví- rus, mas a mulher não), com ênfase para a prevenção e o suporte psicológico. Segunda nação mais populosa do pla- neta, a índia ameaça superar a África do Sul na liderança de casos da síndrome no mundo.

Estima-se que 4,6 milhões de indianos estejam contamina- dos com o HIV. (Yale News, 4 de fevereiro) •

■ Ataque em mais um Manco

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infân- cia (Unicef) receberam US$ 10 milhões da Fundação Bill & Melinda Gates a fim de de- senvolver uma nova vacina contra a poliomielite, inicia- tiva crucial da estratégia para deter a transmissão da doen- ça no planeta até o final deste

Prostitutas na índia: intervenção em populações de risco

ano. O imunizante será mais efetivo contra o tipo 1 do ví- rus da pólio em relação à va- cina atual, que atua contra todas as três cepas do vírus. Epidemiologistas acreditam que o produto ajudará a er- radicar rapidamente a doen- ça por meio de campanhas de vacinação em regiões onde os vírus tipo 2 e 3 já foram eliminados, como o Egito. A Fun- dação Gates vai ajudar a OMS e o Unicef, jun- tamente com pesquisa- dores de uma indústria de vacinas, a desenvolver e licenciar o imunizante até o mês de maio. (OMS, 27 de janeiro) •

■ De braços cruzados

Há "chances de que o H5N1, vírus responsável pelos surtos de gripe do frango no Sudes- te Asiático, irradie-se e pos- sa causar uma pandemia da doença. Mas pesquisadores do Vietnã dizem que a comuni- dade internacional subestima o perigo e não está reagindo. Eles se queixam de que cien- tistas estrangeiros abando- naram a região depois que o

surto do ano passado foi con- trolada. A pesquisa necessária para evitar uma pandemia é considerável. Amostras de sangue humano precisam ser rastreadas em busca de sinais de imunidade contra a doen-

0 vírus da gripe do frango: ameaça

ça e o próprio H5N1 deve ser monitorado, para ver se está sofrendo mutações. Esse tipo de trabalho não está sendo feito. "Se não é possível pre- ver o tamanho da próxima pandemia, pode-se afirmar que boa parte do mundo está despreparada para pande- mias de qualquer tamanho", registrou um relatório da Or- ganização Mundial da Saúde em dezembro de 2004. {Na- ture, 13 de fevereiro) •

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ESTRATéGIAS MUNDO

Evolução de uma teoria

Emst Mayr: resgate das idéias de Charles Darwin

Morreu aos 100 anos de ida- de, no dia 3 de fevereiro, o zoólogo alemão Ernst Mayr, o maior nome da biologia evolucionista no século 20. Professor da Universidade Harvard ao longo de 50 anos e ex-curador do Museu Ame- ricano de História Natural, em Nova York, liderou uma corrente, a Nova Síntese Evo- lucionista, que na década de 1940 uniu taxonomia, paleon- tologia e genética e remode- lou a célebre teoria proposta no século anterior pelo natu- ralista inglês Charles Darwin (1809-1882). Em 1942, depois de deixar a Alemanha e ra- dicar-se nos Estados Unidos, o zoólogo publicou o livro Sistemática e a origem das espécies, no qual postulou o conceito de espécie em vigor até hoje nos livros de biolo- gia: espécie é um conjunto de organismos que se cru- zam entre si, mas estão se- xualmente isolados de gru- pos semelhantes. Autor de 25 obras, Mayr deixou um livro inacabado. Apesar dos 100 anos e da dolorosa luta con-

tra o câncer que travava nos últimos tempos, não parou de escrever. •

■ Em busca do recurso perdido

Pesquisadores do Equador conseguiram convencer os parlamentares do país a não reduzir a zero a fatia do orça- mento destinada à pesquisa científica. O corte fora pro- posto pelo Ministério das Fi- nanças e levaria ao cance- lamento de 137 projetos já aprovados pela Secretaria Nacional de Ciência e Tecno- logia (Senacyt). O titular da secretaria, Alfredo Valdivie- so, comandou o corpo-a-cor- po com os parlamentares, que garantiu um aporte de US$ 800 mil em 2005. No total, os investimentos públicos em ciência chegarão a US$ 3,3 milhões em 2005. Além do orçamento, os pesquisadores recebem verbas de um fundo público e de uma linha de crédito do Banco Interameri- cano de Desenvolvimento. (SciDev.Net, Io de fevereiro) •

Ciência na web ■

Envie sua sugestão de site científico para [email protected]

http://lsda.jsc.nasa.gov/ Salamandras, águas-vivas e pimenteiros foram submetidos a pesquisas no espaço. Mais de 900 desses estudos estão descritos neste arquivo on-line da Nasa.

http://www.elephantvoices.org/ Elefantes produzem uma variedade de sons, mas seus corpos também são expressivos. 0 site, de dois noruegueses, mostra essa linguagem de sinais.

http://webmineral.com/ 0 banco de dados traz informações científicas sobre 4.339 espécies minerais, acompanhado de uma copiosa coleção de imagens.

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■ A diversidade de um continente

Uma revista voltada para grandes temas de interesse das nações sul-americanas começou a ser distribuída a institutos de pesquisa, parla- mentares e diplomatas dos países da região. A revista DEP - Diplomacia, Estratégia e Política é publicada com o apoio do Ministério das Rela- ções Exteriores brasileiro em conjunto com outros órgãos do governo federal. Com pe- riodicidade trimestral, tem três versões, uma em portu- guês, uma em inglês e uma em espanhol, cada qual desti- nada a países da região onde se falam essas línguas. O pri- meiro número traz artigos dos 12 chanceleres de países sul-americanos. A idéia é sem- pre dedicar um artigo a cada país, com autores escolhidos entre acadêmicos, políticos, empresários, sindicalistas, ar- tistas e militares. A segunda

História franqueada na internet A Universidade de São Paulo (USP) e a Secretaria de Estado da Cultura pro- metem divulgar na inter- net até o final de março as 164 mil fichas dos arquivos do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops), a polícia política paulista. A iniciativa é do Projeto Integrado Arquivo do Estado (Proin) e da Uni- versidade de São Paulo. As fichas, que estarão dispo- níveis no endereço www.- proin.com.br, referem-se a indivíduos investigados en- tre os anos de 1924 e 1983. "Trata-se de uma contribui- ção inédita, num momen- to em que o país discute o acesso a documentos do período militar", diz a pro- fessora Maria Luiza Tucci Carneiro, do Departamen- to de História da USP, coor- denadora do projeto. Tais registros remetem ao nú- mero do prontuário de pes- soas ou instituições, que de-

verão ser consultados pes- soalmente na sede do Ar- quivo do Estado, na capital paulista, mediante assina- tura de um termo de com- promisso. Além das fichas, que foram digitalizadas com financiamento da FAPESP, os usuários terão acesso a outros bancos de dados es- pecíficos: como os de im- prensa confiscada, panfletos políticos, expulsão de es-

trangeiros, livros proibidos, imigrantes e iconografia. Estas informações foram compiladas a partir de pes- quisas desenvolvidas por bolsistas FAPESP de Inicia- ção Científica e Pós-gra- duação. Aberto ao público e a pesquisadores nos anos 1990, o arquivo do Deops tornou-se um celeiro de estudos sobre a história do Brasil no século 20. •

edição trará artigos de Tabaré Vázquez, novo presidente do Uruguai, do ex-presidente ar- gentino Eduardo Duhalde e

do sociólogo brasileiro Hélio Jaguaribe, além de textos de um economista equatoriano sobre a questão do petróleo e

A revista: assuntos de interesse da América do Sul

de um jornalista colombiano a respeito do problema das drogas. "O objetivo é ampliar o conhecimento recíproco en- tre os países que cada vez mais se integram economica- mente", diz o editor da revis- ta, o diplomata Carlos Hen- rique Cardim. As capas vão divulgar o trabalho de artistas desses países. A edição inau- gural estampa o quadro Pri- meiros passos, do argentino Antônio Berni. A revista tem circulação dirigida e tiragem total de 11 mil exemplares. Mais informações sobre a publicação podem ser obti- das no endereço eletrônico [email protected]. •

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Diversidade na lavoura das aldeias

Uma parceria entre a Em- brapa-Acre, unidade da Em- presa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, e a organiza- ção não-governamental Co- missão Pró-índio está impul- sionando estudos genéticos de vegetais tradicionalmente cultivados pelos indígenas, além de diversificar a pro-

dução agrícola nas aldeias. A Embrapa tem visitado as tri- bos no interior do Acre e fei- to coletas de plantas. Em con- trapartida, costuma receber grupos de representantes de diversas etnias, interessados em conhecer novas lavouras e aprender técnicas de plan- tio. Quem faz a ponte entre

■ Mobilização agora na Câmara

A eleição do deputado Seve- rino Cavalcanti (PP-PE) para presidir a Câmara dos De- putados reacendeu a preo- cupação dos cientistas com o destino da pesquisa de célu- las-tronco no projeto de lei de Biossegurança. O texto apro- vado no Senado permite a pes- quisa de células de embriões congelados há mais de três anos em clínicas de reprodu- ção humana, que acabariam descartados. Teme-se que Ca- valcanti, parlamentar católi- co, ceda à pressão dos depu- tados das bancadas católica e evangélica, que se opõem à manipulação de embriões. O presidente da Câmara prome- teu colocar o projeto em pau- ta, mas há articulações no sentido de votar em separado a questão das células-tronco. Pesquisadores e entidades ci- vis planejam promover au- diências públicas na Câmara

para mobilizar os deputados. "Vamos procurar o presidente da Câmara, apresentar nossos argumentos e mostrar as víti- mas de doenças que podem se beneficiar das pesquisas", diz a geneticista Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Geno- ma Humano da Universida- de de São Paulo, que lidera a mobilização. O deputado Se- verino Cavalcanti evitou ali- mentar a polêmica. Prometeu ouvir os cientistas antes de se posicionar. •

■ Na vanguarda do conhecimento

Segue até o dia 30 de abril o prazo para apresentação de propostas para o Programa Institutos do Milênio, do Conselho Nacional de Desen- volvimento Científico e Tec- nológico (CNPq). O edital 2005-2008 foi lançado em fe- vereiro e prevê investimentos de R$ 90 milhões em redes de pesquisa que representem a vanguarda do conhecimento.

Mayana: audiências públicas para convencer os deputados

Os interessados podem con- correr em duas modalidades. Uma é a de demanda espon- tânea, aberta a pesquisadores de qualquer campo. A segun- da é a de áreas induzidas, destinada a 19 temas consi- derados estratégicos, como fármacos, violência e seguran- ça pública, desenvolvimento de softwares, terapia gênica, energia nuclear, fontes alter- nativas de energia, nanotec- nologia e biodiversidade ama- zônica. Cada grupo poderá receber financiamentos de R$ 500 mil a R$ 2 milhões anuais, por um prazo de até três anos. As propostas serão avaliadas por uma comissão designada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. O pri- meiro edital do Institutos do Milênio foi lançado em 2001 e contemplou 17 redes de pes- quisa. O formulário de ins- crição está disponível no en- dereço http://www.cnpq.br/ plataformalattes/formpro- postaunicol.htm. •

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os indígenas e a Embrapa é a Comissão Pró-índio, entida- de com atuação nas áreas de educação, saúde e agricultura. A comissão reúne os índios em sua sede em Rio Branco, promove treinamentos que duram até 40 dias e forma agentes agrofiorestais. Uma visita à Embrapa é parada

obrigatória nesses treina- mentos. "Os índios às vezes nos trazem espécies nativas, por exemplo, banana e man- dioca, que vão para o nosso banco de germoplasma", diz Amauri Siviero, pesquisador da Embrapa-Acre. "E costu- mam nos pedir sementes e mudas de plantas exóticas,

como cítricos." Também rece- bem variedades das plantas que já cultivam. Na última visita que fizeram à Embra- pa, em fevereiro, os indíge- nas conheceram as mandio- cas manteguinha e macuxi, que acabam de ser lançadas. Elas têm baixo teor de fibra, maciez, ciclo precoce e cozi-

mento rápido e foram sele- cionadas ao longo de 15 anos entre mais de uma centena de plantas coletadas na Ama- zônia. Outra novidade que os indígenas levaram para ca- sa foram as sementes de um açaí oriundo do Pará, que promete produzir a fruta na entressafra. •

■ Candidaturas lançadas

Três professores titulares da área de engenharia lança- ram-se candidatos a reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em su- bstituição a Carlos Henrique de Brito Cruz, que ocupará a diretoria científica da FA- PESP. Antônio Celso Arruda, ex-diretor da Faculdade de Engenharia Mecânica, Edson Moschim, do Departamento de Semicondutores, Instru- mentos e Fotônica da Facul- dade de Engenharia Elétrica e de Computação, e o vice-rei- tor José Tadeu Jorge, da Facul- dade de Engenharia Agrícola, apresentaram suas candidatu- ras no início de fevereiro. O primeiro turno da consulta à comunidade será realizado nos dias 16 e 17 de março. Uma lista tríplice será enca- minhada ao governador de São Paulo, a quem cabe nomear o novo reitor da universidade. •

Proteção às florestas O Ministério do Meio Am- biente anunciou a criação de cinco novas unidades de conservação na Amazônia, num total de mais de 5 mi- lhões de hectares, área se- melhante à do Estado do Rio Grande do Norte. Duas delas ficam no Pará, numa reação aos desmatamentos no estado dias após o as- sassinato da freira Dorofhy Stang numa região de con- flito fundiário. São elas a Estação da Terra do Meio, com quase 3,4 milhões de hectares, e o Parque Nacio- nal da Serra do Pardo, com 445 mil hectares. As outras áreas são a Reserva Extrati- vista do Riozinho da Liber- dade, no Acre e no Amazo- nas, com 325 mil hectares, as florestas de Balata-Tufa- ri, no Amazonas, com 802

Área protegida no Pará: reação do governo

mil hectares, e de Anauá, em Roraima, com 259 mil hectares. A Estação da Ter- ra do Meio é a segunda maior unidade de conser- vação do país, atrás do Par- que Montanhas do Tumu- cumaque, no Amapá. Leva esse nome por ser cerca- da de terras indígenas que bloquearam o avanço das ocupações vindas do Cen-

tro-Oeste. Abrange municí- pios como Altamira e São Félix do Xingu, atuais fron- teiras de desmatamento. A reserva cria um corredor ecológico de 25 milhões de hectares na bacia do rio Xingu, interligando o Cer- rado e a Floresta Amazôni- ca por meio de um mosai- co de reservas ambientais e indígenas. •

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

VIROLOGIA

Sem segredos Equipe da Alellyx apresenta uma descrição detalhada de um vírus associado à morte súbita dos citros

CARLOS FIORAVANTI

aiu o primeiro arti- go científico assina- do pelo corpo de pesquisadores da Alellyx Applied Ge- nomics, empresa pri-

vada de biotecnologia nascida a partir do Programa Genoma FAPESP. Foi publica- do neste mês de março na Journal of Vi- wlogy com a caracterização genética e molecular de um vírus que a equipe de pesquisadores da Alellyx considera um forte candidato a agente causador - ou ao menos um dos agentes causadores - da morte súbita dos citros, doença que já se instalou em cerca de 2 milhões de laranjei- ras nos estados de São Paulo e Minas Ge- rais. De acordo com esse estudo, há 99,7% de associação entre o agora chamado Ci- trus sudden death-associated virus (CSDaV ou vírus associado à morte súbita dos ci- tros) e o mal capaz de matar uma laranjeira ou uma tangerineira em poucos meses.

Mesmo assim, não se pode dizer que seja realmente esse o responsável pela mor- te das plantas. É preciso ainda demonstrar que existe uma relação clara de causa e efeito, o chamado postulado de Koch, que consiste em inocular o suposto agente causador da doença em organismos sa- dios, nesse caso as laranjeiras, e verificar se elas contraem ou não a enfermidade. É um trabalho demorado, no qual é preciso ce- der aos caprichos do vírus, cujo período

de incubação pode chegar a três anos. Só então é que aparecem os primeiros sinto- mas: a perda de brilho das folhas e o blo- queio dos vasos que conduzem a seiva da copa para as raízes. Então as raízes mor- rem e, com elas, as plantas.

Os pesquisadores da Alellyx podem ainda não ter em mãos a certeza que alme- jam, mas nem por isso deixam de celebrar a publicação desse artigo, um marco na história dessa empresa. O estudo de dez páginas que saiu na Journal of Virology, uma revista internacional de primeira li- nha no campo da virologia, indica que é possível conciliar o desenvolvimento de produtos com a pesquisa científica de alta qualidade, como pretendiam os cinco fun- dadores da empresa - todos eles especia- listas em biologia molecular e bioinfor- mática que não queriam abdicar do rigor científico com que haviam trabalhado nas universidades de onde provinham. "A Alel- lyx compõe o quadro de iniciativas de su- cesso em genômica", observa José Fernan- do Perez, diretor científico da FAPESP. "O Programa Genoma FAPESP sempre teve como objetivo a formação de recursos hu- manos altamente qualificados tanto para a pesquisa em ambiente acadêmico quanto para a geração de empresas."

No artigo sobre o vírus não faltam exemplos de carreiras acadêmicas consis- tentes que desaguaram em uma das raras empresas brasileiras de genômica de plan-

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tas. Entre os 26 nomes que assinam o estudo, há dois professores universitá- rios licenciados, Fernando Reinach, pre- sidente da Alellyx e diretor executivo da Votorantim Novos Negócios, afastado temporariamente da Universidade de São Paulo (USP), e Jesus Aparecido Fer- ro, que deixou por uns tempos os la- boratórios da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal para se dedicar à empresa de que é sócio. Paulo Arruda se mantém na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mas com menos atividades do que antes, en- quanto Ana Cláudia Rasera da Silva, exi- gida também pelos cuidados com as fi- lhas Amanda e Mariana, de 5 e 2 anos, deixou a USP. "Não dava tempo de fa- zer tudo direito", diz ela.

Na equipe que durante dois anos e meio trabalhou nesse vírus há também dez biólogos com doutorado e outros quatro com mestra- do, além de 12 estudantes de graduação em biologia. "Esse trabalho foi inteira- mente financiado pela ini- ciativa privada, mas só foi possível porque a universi- dade pública formou esse pessoal", comenta Reinach. O grupo inclui ainda dois virologistas bastante experientes, que atuaram como con- sultores: o israelense Moshe Bar-Joseph, atualmente na Organização de Pesquisa Agrícola, em Israel, e Elliot Kitajima, da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, uma das mais respeitadas autoridades brasileiras em virologia de plantas.

Produção limitada - É muito raro em- presas privadas brasileiras divulgarem em revistas científicas os resultados de suas pesquisas. De modo geral, os téc- nicos, biólogos e engenheiros agrícolas ou veterinários que trabalham em em- presas não são proibidos de divulgar suas descobertas em revistas especiali- zadas, mas também não são estimula- dos a propagar seus achados, já que se busca essencialmente um produto para ser vendido ou uma patente, que num primeiro momento faz com que as in- formações sejam mantidas em sigilo.

Nas bases de dados de publicações científicas desponta mais facilmente a produção de centros de pesquisas que

atendem a mais de uma empresa. É o caso do Fundo de Defesa da Citricul- tura (Fundecitrus), uma associação de citricultores e indústrias processadoras de frutas cítricas cujos especialistas assi- naram 51 artigos científicos (33 em re- vistas nacionais e 18 em internacionais), sozinhos ou com outras instituições de pesquisa, nos últimos cinco anos. A equipe do Centro de Tecnologia Cana- vieira (CTC), de Piracicaba, controla- do pela Cooperativa de Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), publicou um artigo em uma revista internacional e parti- cipou de pelo menos outros seis traba- lhos divulgados em revistas nacionais nos últimos três anos.

ão ainda mais raros artigos científicos - ou papers, como também são chamados - as- sinados só por pesquisadores de empresas. De uma busca não exaustiva pelo PubMed,

uma base de artigos mantida pelos Insti- tutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Es- tados Unidos, além do artigo da Alellyx emerge só mais um de uma empresa brasileira, assinado pela equipe da Na- tura Inovação e Tecnologia de Produ- tos. Saiu no ano passado na Journal of Cosmetic Science e apresenta um mé- todo alternativo para quantificar os da- nos ao cabelo resultantes do uso con- tínuo de escovas. A situação não muda muito quando entramos na Scielo, que congrega as melhores publicações cien- tíficas editadas no Brasil. Com a assina- tura da Valleé, uma empresa de Minas que fabrica medicamentos de uso vete- rinário, aparecem dois artigos, um de- les produzido com a USP e o Instituto Pasteur de São Paulo. A Biobrás, a única produtora nacional de insulina, com- prada em 2002 pela dinamarquesa No- vo Nordisk, também exibe dois traba- lhos, ambos produzidos em conjunto com outros grupos de pesquisa.

Patentes - A publicação desse artigo sobre o vírus é mais uma etapa da estratégia traçada por Reinach, que ha-

via participado da coordenação do se- qüenciamento e da análise de genomas de bactérias causadoras de doenças em plantas, patrocinados pela FAPESP, an- tes de conseguir cerca de R$ 30 milhões da Votorantim para criar a Alellyx em março de 2002. Desde o início Reinach conduziu sua equipe de modo que as descobertas resultassem primeiramen- te em patentes, essenciais para o desen- volvimento de produtos inovadores, e em seguida em publicações capazes de reiterar a credibilidade da equipe com a exigente comunidade científica.

De fato, o artigo expõe as seqüên- cias do genoma do vírus que haviam sido objeto de três patentes concedidas em setembro de 2003 pelo governo nor- te-americano em nome de Walter Mac- cheroni e Ana Claudia Rasera da Silva, os dois autores principais do paper da Journal ofViwlogy. Essas seqüências de genes permitem a identificação do CSDaV, por meio de dois tipos de testes diagnósticos, um molecular e outro com anticorpos, e a utilização das moléculas de revestimento do vírus em plantas resistentes à morte súbita. "Como essas descobertas estão protegidas por paten- tes", diz Reinach, "ninguém mais pode fazer testes diagnósticos baseados nes- sas seqüências nos próximos 20 anos".

Na Alellyx, diz Reinach, já são feitas "centenas de testes por dia", principal- mente para controlar a saúde das plan- tas de pomares novos. "Já atendemos a grandes citricultores, responsáveis pelo cultivo de aproximadamente um quar- to do total de pés de laranja do Estado de São Paulo", afirma ele. Desenvolvi- dos para atender inicialmente às neces- sidades dos pesquisadores da empresa, esses diagnósticos podem indicar até mesmo onde a doença deve aparecer, já que registram sinais do CSDaV nos in- setos que o transmitem - os pulgões Aphis spiraecola e Aphis gossypii. Assim, esse tipo de teste, que outros centros de pesquisa também estão desenvolvendo, pode subsidiar medidas preventivas co- mo a eliminação das plantas infectadas antes que outras sejam infectadas.

Para a Alellyx, conquistar o merca- do para esse tipo de teste a ponto de co- brir os investimentos feitos até agora na pesquisa da morte súbita - cerca de US$ 3 milhões - talvez seja uma tarefa equivalente à própria identificação do vírus. Não se trata, evidentemente, de

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O CSDaV {esferas maiores), ampliado 22.700 vezes: até agora, o mais forte candidato a agente causador da morte súbita dos citros

um produto a ser usado em larga esca- la, no campo, como uma enxada. Para os produtores de laranjas, que vivem lutando para reduzir os custos de pro- dução e aumentar o preço de venda, às vezes pode ser mais barato arrancar as plantas supostamente infectadas do que descobrir se estão de fato com uma doença contra a qual, por enquanto, não há remédio. Mas é certo: diagnósti- cos precoces da morte súbita são essen- ciais para o setor citrícola, que cultiva 200 milhões de pés de laranja, emprega cerca de 400 mil pessoas e gera negó- cios anuais da ordem de US$ 4 bilhões, de acordo com um levantamento do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial (Pensa) da USP concluído no ano passado.

Morte lenta - Alguns conceitos sobre a morte súbita dos citros mudaram des- de novembro de 2002, quando a equipe da Alellyx recebeu as primeiras amos- tras de plantas contaminadas e se pôs à caça do agente causador. No início se suspeitou que se tratava de uma mu- tação do vírus da tristeza dos citros, uma doença que consumiu 90% dos laranjais paulistas entre 1939 e 1949.

Depois as diferenças se impuseram e agora a equipe da Alellyx demonstra que o CSDaV é um novo membro do gênero Marafivirus, integrante da fa- mília Tymoviridae, enquanto o vírus da tristeza pertence à família Closterovi- ridae. Mas ainda não se descarta a pos- sibilidade de que os dois possam atuar em conjunto como causadores da mor- te súbita.

Também se pensou que essa doença continuaria avançando sobre os poma- res a taxas de 60 quilômetros por ano, como aconteceu entre 2002 e 2003. Até janeiro de 2004, a doença havia atingido 1,5 milhão de plantas em 12 municípios do sul do Triângulo Mineiro e outras 436 mil em 18 municípios do norte, no- roeste e centro do Estado de São Paulo. Mas não se propagou na velocidade ima- ginada. "A morte súbita está contida na região norte do Estado de São Paulo", comenta Marcos Machado, do Centro de Citros Sylvio Moreira, de Cordeiró- polis, interior paulista, onde também se pesquisa o agente causador e as formas de controle da morte súbita. "Deve ha- ver um componente ambiental muito forte, como solo, água ou clima, que a mantém confinada nesses limites." A ve-

locidade desse avanço pode ser reduzi- da ou acelerada também de acordo com a concentração de pomares, a erradi- cação de plantas doentes, o controle de insetos vetores ou o transporte de mudas contaminadas, observam Waldir Cintra de Jesus Júnior e Renato Beozzo Bossanezi, da Fundecitrus, e Armando Bergamin Filho, da USP, em um estudo veiculado na revista Visão Agrícola.

Hoje se sabe como conter a morte súbita: usando-se porta-enxerto - a planta sobre a qual cresce a espécie de laranja que se deseja cultivar - resis- tente, embora as alternativas mais efi- cazes exijam um cuidado extra e caro, a irrigação. O atual centro das atenções é outra doença, a greening ou huang- longbing (HBL). Detectada em março de 2004, já se instalou em cerca de 400 mil pés de laranja de 46 municípios da região central do Estado de São Paulo. Por atacar a copa das laranjeiras, só po- de ser contida por meio de uma medi- da radical: a eliminação das plantas sin- tomáticas, como já se faz com o cancro cítrico. Nas próximas semanas deve sair uma lei que autoriza os inspetores sani- tários do governo a arrancar as árvores contaminadas. •

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I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

GOVERNO

Plano estratégico Lei de Incentivo à Inovação quer facilitar a contratação de pesquisadores

CLAUDIA IZIQUE

O projeto de lei de Incentivo à Inovação que o governo en- viará ao Con- gresso até 3 de

abril proporá a desoneração de encar- gos sociais na folha de pagamento do pessoal qualificado para atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) con- tratado pelas empresas.

A idéia é ampliar o número de pes- quisadores nas empresas e alavancar a inovação e tem sido defendida pelo di- retor científico da FAPESP, José Fernan- do Perez. Foi bem recebida pelo Minis- tério da Ciência e Tecnologia (MCT), responsável pela elaboração de uma mi- nuta de projeto de lei que será avaliza- da por outros ministérios, antes de ser encaminhada ao Legislativo.

Também foi bem acolhida a suges- tão de alteração na Lei 8.661, de 1993 -

de estímulo à capacitação tecnológica da indústria e da agropecuária por meio dos programas de Desenvolvimento Tec- nológico Industrial (PDTI) e Agrope- cuário (PDTA) -, apresentada pela Con- federação Nacional da Indústria (CNI).

Os dois programas - que original- mente previam um incentivo de 8% no imposto devido pelas empresas inova- doras - deixaram de ser atraentes para empresas quando, em 1997, um pacote fiscal estabeleceu uma espécie de con- corrência entre as deduções do Impos- to de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) nos investimentos em P&D com os re- cursos destinados pelas empresas ao Programa de Alimentação dos Traba- lhadores (PAT), até um limite de 4% do imposto devido. Em 2003 e 2004, por exemplo, apenas seis empresas pleitea- ram os benefícios dos programas.

A intenção do governo é criar novas regras para a concessão dos incentivos

da Lei 8.661 - considera-se a hipótese de extinguir o PDTA e o PDTI - que per- mitam melhor aplicação dos recursos.

Contratação de doutores - A proposta de Perez foi apresentada ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e de- fendida em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, assinado em conjun- to com Fernando Reinach. Prevê a de- soneração de todos os encargos sociais na contratação de doutores para ativi- dades de P&D - o projeto de lei que está sendo elaborado pelo MCT men- ciona pessoal qualificado para ativi- dades de pesquisa. Essa modalidade de contrato seria válida para um intervalo de dez anos contados a partir da ob- tenção do título de doutor emitido por curso de pós-graduação reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC). Os salários pagos seriam considerados como despesas adicionais e um porcen-

/ I

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tual desses gastos poderia ser abatido do lucro operacional das empresas. "O valor da renúncia é irrisório comparado com o investimento feito pelos contri- buintes - mais de R$ 840 milhões anuais - na formação de doutores e com o re- torno esperado", argumenta Perez.

O universo de beneficiários, conti- nua, é de fácil verificação, já que a lista de doutores formados consta de bases públicas de dados. Nas contas de Perez, o emprego de um doutor em uma em- presa gera de cinco a sete outros em- pregos de técnicos, aumenta a sua in- terlocução com o sistema acadêmico, permitindo a identificação de deman- das e ofertas de pesquisa a serem de- senvolvidas em parceria.

A contratação de pesquisadores pelas empresas deverá movimentar os indicadores de inovação. O Brasil for- mou, em 2003, cerca de 8 mil doutores, mais do que a Coréia do Sul. Mas o nú- mero de doutores empregados em em- presas brasileiras era inferior a 29 mil, em 2001, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. No mesmo período, 94 mil pesquisadores com essa titulação estavam contratados por em- presas sul-coreanas. Essa diferença ajuda a explicar o desempenho dos dois países quanto ao número de pa- tentes depositadas nos Estados Unidos em 2001: 120 patentes brasileiras ante 3.500 sul-coreanas.

Investimento empresarial - O Brasil investe 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em P&D. A partici- pação das empresas é de 0,4% ante 0,6% de recursos públi- cos. O país quer elevar esse »

porcentual para 2% do PIB, um pa- tamar de investimentos semelhante ao dos demais países em desenvolvimen- to. "Essa estratégia exige que se tripli- quem os investimentos empresariais", diz Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor científi- co nomeado da FAPESP.

Para isso, acrescenta, é preciso que o Estado crie um ambiente de estímulo aos investimentos empresariais, por meio de incentivos - que serão intro- duzidos com a aprovação da nova lei - e subvenções. "Essas duas modalidades de apoio, no entanto, só darão certo se o país tiver um ambiente jurídico adequa- do, de respeito à propriedade intelec- tual, estabilidade legal e econômica", ele ressalva. A estabilidade desejada inclui ainda um Instituto Nacional de Pro- priedade Industrial (INPI) eficaz, insti- tutos de tecnologia capacitados para apoiar a pesquisa e universidades quali- ficadas para dar retaguarda à inovação.

O Brasil conta atualmente com, pe- lo menos, uma dezena de instrumentos de incentivo que implicam uma renún- cia fiscal de R$ 2 bilhões anuais e resul- tam em investimentos empresariais da ordem de R$ 5 bilhões. Ou seja, pa- ra cada R$ 1 de incentivo, investem-se

R$ 2,5. Nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) a relação entre a renúncia fiscal e investimentos é de 1 para 9, o que deixa clara a baixa eficiên- cia da política brasileira de incentivos fiscais. "A solução não está em gastar mais, mas em utilizar instrumentos adequados", sublinha Brito.

Para as pequenas empresas, no en- tanto, a melhor política de estímulo é a subvenção, ou seja, a aplicação direta de recursos. "Neste caso, já existem al- guns instrumentos, apoiados nos fun- dos setoriais como o Programa de Ca- pacitação de Recursos Humanos (Rhae) e o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), ambos do MCT, ou o Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empreas (PIPE), da FA- PESP" lembra Brito. Mas, ele ressalva, esse tipo de programa deveria se mul- tiplicar. A própria Lei de Inovação, promulgada em 3 de dezembro do ano passado, também prevê alguns instru- mentos que precisam ser regulamenta- dos para que sejam definidos "os ins- trumentos práticos".

Mais incentivo - O projeto de lei de In- centivo à Inovação também está sendo debatido pelo Conselho de Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade tam- bém reivindica redução dos custos tra-

balhistas na contratação de pessoal para P&D e reformulação da atual

legislação de incentivo fiscal, considerada ineficaz. Alinha-se

à CNI propondo a reformula- ção da Lei 8.661, entre outras medidas. •

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I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Livro apimenta briga entre os que crêem e os que duvidam da ação do homem no aquecimento global

FABRICIO MARQUES

Q ^^^^ tate offear, ficção do escritor 1 ^B norte-americano Michael J W Crichton recém-lançada nos ÊL W Estados Unidos, narra uma r "^^- -^ história em que a luta entre o

bem e o mal contrapõe am- bientalistas radicais, no papel de terroristas dis- postos a matar, e um time liderado por um mis- to de cientista e herói de filmes de ação chamado John Kenner, cujos argumentos põem em xeque as projeções apocalípticas sobre os efeitos das emissões de gases causadores do efeito estufa no aquecimento global. Autor do best-seller Parque dos dinossauros, Crichton avisa que escreveu uma obra de ficção, sem ligação com fatos ou pes- soas de verdade. Mas faz uma ressalva: gráficos e notas de rodapé com referências a artigos cien- tíficos são verdadeiros. Ou seja: Dr. Kenner não existe, mas suas perturbadoras observações são compartilhadas por vários cientistas. Isso con- verteu o livro no mais recente combustível no debate sobre as mudanças climáticas, que voltou à ordem do dia com a entrada em vigor, no mês passado, do acordo diplomático que prevê a re- dução da emissão global de poluentes, o Protoco- lo de Kyoto.

Quem está convencido de que o planeta vem ficando mais quente em virtude da fumaça das indústrias e dos automóveis deplorou o livro, como era de esperar. "As conclusões são total-

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0 olho do Isabel, de 2003: influência do efeito estufa em furacões cria polêmica entre cientistas ,^

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mente equivocadas, assim co- mo há má-fé em comparar ecologistas com terroristas", diz Martin Hoffert, professor de física da Universidade de Nova York, resumindo a rea- ção da enorme maioria da comunidade científica. Já os céticos, aqueles pesquisado- res que duvidam do vínculo entre aquecimento global e emissão de gases, não escon- deram a satisfação. "O livro é divertido e trata a ciência com inteligência e responsa- bilidade", diz Richard Lind- zen, professor de meteorolo- gia do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que li- dera a caravana dos descrentes e, especula-se, serviu de ins- piração do personagem prin- cipal (Dr. Kenner também é do MIT). A obra, que deve ser lançada em português pela Editora Rocco no segundo se- mestre, produziu calor e fumaça tam- bém na política. O senador norte-ame- ricano James Inhofe, presidente da comissão do Senado que trata de am- biente, referiu-se ao livro como "a ver- dadeira história" das mudanças climá- ticas. Os Estados Unidos, nação mais poluidora do planeta, recusam-se a ra- tificar o Protocolo de Kyoto e a reduzir suas emissões.

Paradoxos - A ficção de Crichton in- corpora argumentos dos céticos. As análises mais contundentes são as séries históricas de oscilações de temperatura ao longo das últimas décadas em cida- des norte-americanas - incapazes, diz o autor, de comprovar uma tendência de aquecimento no mundo inteiro. Es- tatísticas do United States Historical Climatology Network mostram que na cidade de Pasadena, na Califórnia, o aumento foi de mais de 3°F (Fahre- nheit). Já no desértico Death Valley, também na Califórnia, um dos lugares mais quentes do mundo, o avanço foi inferior a 1°F. E várias outras localida- des ficaram mais frias, como McGill, Estado de Nevada (1°F a menos), e Tru- man, em Minnesota (menos 2°F). Da mesma forma, a cidade de Nova York experimentou um notável aumento de quase 5°F entre 1822 e 2000, mas em

Albany, a apenas 140 quilômetros dali, a temperatura caiu meio grau no pe- ríodo. Conclusão de Crichton e dos cé- ticos: Nova York talvez tenha ficado mais quente apenas porque se urbani- zou, fenômeno conhecido como "ilha de calor". Idêntico paradoxo desponta em gráficos de temperaturas em outros países. Dados atribuídos ao Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Na- sa apontam estabilidade nas médias de temperatura em Alice Springs, na Aus- trália, e Kamenskoe, na Sibéria; aque- cimento em Tóquio, no Japão, e Laho-

re, no Paquistão; e esfriamento em Na- vacerrada, na Espanha, e Stuttgart, na Alemanha, entre outros.

Para os céticos, tais dados são uma evidência de que o aquecimento não é global e pode estar associado a fatores locais, sem vínculo com as emissões de carbono. Os cientistas que enxergam a mão do homem nas mudanças climáti- cas têm outra interpretação. "É natural que algumas regiões esfriem e outras esquentem, uma vez que o clima é mes- mo sujeito a variações regionais e tem- porais - na Amazônia, por exemplo,

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nós observamos alterações regionais no padrão de precipitação", afirma Paulo Artaxo, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Pau- lo. "Mas essa variabilidade natural não ofusca as evidências cada vez maiores de que, na média, o planeta está aque- cendo." Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espa- ciais (Inpe), completa: "É possível, in- clusive, que algumas regiões do planeta esfriem como conseqüência do aque- cimento global. Num dos cenários pos- síveis, a chamada circulação termo-ha-

lina seria interrompida em alguns lo- cais do oceano pelo aquecimento, o que poderia transformar parte da Europa num lugar frio como o Canadá. Mas todos os modelos matemáticos apon- tam que a temperatura, na média, vai aumentar."

Para se contrapor à idéia de que a Antártica está degelando, Crichton apre- senta dados da Nasa, obtidos da esta- ção climatológica de Punta Arenas, e mostra outro paradoxo. A temperatu- ra média ali, pouco superior a 6,5°C (Celsius) em 1888, vem caindo, atin-

gindo 6°C em 2004. Também faz referência a diversos arti- gos científicos que mostram algumas regiões do continen- te antártico mais quentes e outras mais frias. Outro prato de resistência do autor é o de- gelo da neve do Kilimanjaro, na Tanzânia. Crichton cita ar- tigos sugerindo que o derreti- mento é causado pela devas- tação na base das montanhas, não pelo aquecimento global, tanto que começou a ser ob- servado no início do século 19. A crítica que se faz a Crichton, nesse caso, é que ele se esqueceu de citar registros que apontam o derretimento nos Alpes, nos Andes ou no Ártico, onde a população de esquimós do norte do Canadá reporta um degelo sem pre- cedentes na história. Uma se- leção da literatura científica, argumentam cientistas, pode

produzir resultados que parecem cor- retos, mas contam apenas uma parte da história.

Vínculo potencial - Ninguém duvida de que a ação do homem é responsável por um aumento da concentração de carbono na atmosfera de 280 partes por milhão de carbono antes da Revo- lução Industrial para 370 partes por milhão atualmente - assim como é consensual a conclusão de que seria bom reduzir a emissão de gases que au- mentam o efeito estufa. Também há uma coleção de evidências de que o cli- ma no planeta vive uma fase de trans- formações. Publicações científicas re- portam um aumento médio global na temperatura da ordem de 0,7°C. O ano de 2004 foi o quarto mais quente desde que medidas de temperatura começa- ram a ser realizadas no mundo no sé- culo 19. E os três anos mais quentes da história foram registrados recentemen- te: 1998, 2002 e 2003. Tudo isso é ver- dade, mas os grupos antagônicos in- terpretam esses dados de forma bem diferente. A maioria dos cientistas en- xerga um vínculo potencial entre a po- luição industrial e o aquecimento. "Nos últimos 30 anos, há uma tendência for- te de aquecimento global e há cada vez mais dados sugerindo que isso tem a

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ver com as emissões de gases", afirma James Hansen, do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa. "Em ciên- cia, às vezes é difícil termos 100% de certeza, mas se chegarmos a 95% pode- mos agir antes que seja tar- de", diz Paulo Artaxo.

Já o grupo dos céticos lembra que não há uma prova definitiva dessa asso- ciação. Argumentam, por exemplo, que o aquecimen- to recente pode ter as mes- mas causas naturais que, em eras passadas, produzi- ram ciclos de aquecimento e glaciações que varreram o planeta sem nenhuma ação humana. "Nunca se provou fora de laboratório que o aquecimento global ocorre como resultado direto do au- mento do dióxido de carbono", diz Ri- chard Lindzen, do MIT. "Cientistas têm amplas evidências fósseis mostrando que os níveis de dióxido de carbono na atmosfera cresceram quando a Terra se aqueceu. Mas ninguém até agora pro- vou que o aumento do dióxido de car- bono foi responsável por crescimentos da temperatura no passado", afirma. Os céticos ainda duvidam da acuidade das estatísticas. Boa parte das medidas de

temperatura obtidas antes da década de 1970, dizem eles, pode estar equivoca- da, pois foi registrada em áreas urbanas por meio de termômetros hoje conside- rados pouco confiáveis.

pergunta que um leigo faz nessa hora é: como visões tão divergentes podem so- breviver no ambiente cien- tífico? Dúvidas e questio- namentos são naturais no

mundo acadêmico e é por meio de dis- cussões que hipóteses são postas à pro- va e o conhecimento avança. "Como em muitas outras questões científicas, existem evidências conflitantes e os de- tratores de uma ou outra posição cos- tumam usar as evidências que mais convém aos seus argumentos", diz o epidemiologista brasileiro Ulisses Con- falonieri, responsável pela comissão de saúde do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Órgão assessor das Na- ções Unidas para assuntos do clima

com 1.500 membros, o IPCC é com- posto, em sua maioria, por pesquisado- res convencidos da ação do homem no aquecimento global - refletindo a opi- nião média da comunidade científica internacional. "O IPCC não é tão taxa- tivo como alguns críticos colocam, ape- nas aponta claramente para as incer- tezas", diz Pedro Leite da Silva Dias, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). "Mas a cada quatro anos, quando um novo levanta- mento do IPCC é lançado, essas incer- tezas diminuem."

No caso do debate do efeito estufa, a dúvida se explica por uma limitação da pesquisa em geofísica. "Uma forma definitiva de tirar a limpo seria pegar dois planetas com atmosferas idênti- cas, aumentar a quantidade de carbo- no num deles mas não no outro - e comparar os resultados", diz o astro- geofísico Luiz Gylvan Meira Filho, pro- fessor do Instituto de Estudos Avan- çados da USP "Como é impossível aplicar o método científico dessa for- ma, a solução é usar modelos mate- máticos sofisticados para projetar as mudanças, que apenas sugerem ten- dências", afirma Meira. Os modelos climáticos, não por acaso, são outro

"Mais clareza, menos incertezas"

Entre os dias Io e 3 de fevereiro, 200 cientistas de 30 países estiveram reuni- dos em Exeter, no Reino Unido, a con- vite do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, que vai assumir a presidên- cia do G-8 e elegeu o aquecimento glo- bal como uma das suas preocupações centrais. "A reunião teve caráter emi- nentemente científico, com o objetivo de gerar informações para o primeiro- ministro", explica Luiz Gylvan Meira Filho, professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e membro do comitê científico da conferência em Exeter.

Os cientistas convidados tinham a tarefa de responder a três perguntas re- lacionadas ao impacto dos diferentes níveis de mudança climática nas diver- sas regiões do planeta, a sua relação

com a emissão de gases de efeito estufa, os esforços necessários para controlar os níveis de emissão e as opções tecno- lógicas disponíveis para alcançar a es- tabilização.

Durante três dias fizeram um ba- lanço do estado do conhecimento so- bre mudança global do clima revi- sando os quatro relatórios - um deles ainda em fase de elaboração - do Pai- nel Intergovernamental sobre Mudan- ças Climáticas (IPCC, na sigla em in- glês) da Organização das Nações Unidas (ONU) e analisaram uma série de ar- tigos de especialistas reunidos pelo co- mitê científico.

De acordo com o relatório publica- do ao final do encontro, "há mais clare- za e menos incertezas" sobre o impacto provocado pelas mudanças no clima.

Os cientistas concluíram que a eleva- ção da temperatura atinge diferente- mente as diversas regiões do planeta. O aumento de 1°C pode, por exemplo, ser benéfico para algumas regiões agríco- las, em áreas de média ou alta latitude. Mas, em alguns casos, os danos são mais sérios do que se considerava. Já provo- caram, por exemplo, mudança na acidez dos oceanos, recentemente identifica- das, o que pode reduzir a capacidade de remoção do dióxido de carbono da atmosfera e afetar a cadeia alimentar marinha.

O relatório, no entanto, faz uma ressalva: a contribuição dos homens para a mudança do clima deve ser mais bem analisada. As alterações já obser- vadas são consistentes com resultados dos modelos de clima que incluem a

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Geografia da poluição: em vermelho, as regiões do planeta com maior concentração de dióxido de nitrogênio

elo frágil explorado por Michael Crich- ton. Ele cita um trabalho científico pu- blicado no ano 2000 pelo pesquisador norte-americano Christopher Landsea, especialista em furacões do National Oceanic and Atmospheric Administra- tion (Noaa), segundo o qual os mode- los foram incapazes de prever o fenô- meno El Nino observado entre os anos de 1997 e 1998. "Ninguém sabe quanto a temperatura vai crescer nos próximos cem anos. Os modelos computacionais têm resultados com variações de 400%,

num sinal de que qualquer previsão é possível e ninguém sabe o que está fa- lando", diz Crichton. "É natural que os modelos climáticos tenham resulta- dos variados", rebate Carlos Nobre, do Inpe. "É o melhor instrumento de que dispomos. Eles são usados em meteo- rologia e ninguém os desqualifica por- que não se consegue dizer exatamente onde a chuva vai cair. Ao contrário, es- tamos aprendendo a interpretar essas variações", afirma. Pedro Leite da Silva Dias, do IAG, também defende os mo-

delos: "Como conviver com a incerte- za? Por exemplo, usando o que se cha- ma hoje de previsão por conjunto, na qual um grande número de simula- ções, com diferentes modelos, é usado para gerar os possíveis cenários. A mé- dia desse conjunto fica muito mais pró- xima da realidade que qualquer mode- lo isolado".

Na vida real, os embates entre os dois grupos são freqüentes e, às vezes, produzem golpes abaixo da cintura. Dois estatísticos australianos recente-

ação do homem. Mas, detectadas as mudanças climáticas, resta avaliar o ta- manho da responsabilidade humana. A resposta a essa questão, no entanto, en- volve considerações "quase filosóficas", como diz Meira.

O quadro, no entanto, pode se agravar. A literatura analisada suge- re que uma elevação na temperatura do planeta entre 1°C e 3°C - aumento, aliás, projetado para este século - pode provocar sérios danos globais. "Con- cordamos que é preciso estabelecer li- mites para as emissões globais", diz Carlos Nobre, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espa- ciais (Inpe), que também participou do encontro em Exeter.

Os especialistas reunidos em Exeter decidiram então encampar a recomen- dação da União Européia - já defendi- da por muitos - de se fixar um limite de segurança em 2°C para o aqueci- mento global. Essa temperatura cor-

responderia a manter os níveis de emissão de dióxido de carbono abaixo de 400 partes por milhão até 2050. "Já estamos num patamar de 380 partes por milhão", lembra Nobre. Para re- verter esse quadro, seriam necessárias ações imediatas de controle de emis- são. Um atraso na tomada de decisões e na adoção de medidas mitigadoras implicará um esforço três a sete vezes maior para controlar os efeitos do aquecimento global.

As demandas mundiais de energia apontam que as emissões de dióxido de carbono aumentarão 63% entre 2002 e 2050. Isso significaria que, se nenhuma medida for tomada, a temperatura do planeta aumentará entre 0,5°C e 2°C. A boa notícia é que os cientistas de Exeter concluíram que o mundo não precisa esperar uma "tecnologia salvadora", conta Meira. Existe um conjunto de tecnologias disponíveis que podem promover a redução de emissão de ga-

ses de efeito estufa e manter a tempera- tura do planeta dentro dos limites de segurança. Entre as novas tecnologias, Meira cita a biomassa ou o etanol para substituir os combustíveis fósseis na geração de energia. "Não há uma tec- nologia única", sublinha Meira.

A troca de tecnologias para produ- ção de energia e redução de emissões também não deverá produzir o impac- to econômico pelo qual temem as na- ções desenvolvidas, desde que os países optem por sistemas de compensação nacional ou internacional, como os mecanismos previstos no Protocolo de Kyoto. O acordo, que entrou em vigor em 16 de fevereiro último, prevê que países desenvolvidos compensem as emissões nacionais de gases de efeito estufa patrocinando a implantação de mecanismos de desenvolvimento lim- po em nações em desenvolvimento. •

CLAUDIA IZIQUE

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mente acusaram de exa- gero as projeções de cres- cimento econômico nos países pobres que susten- tam as previsões de aque- cimento global. Foram acusados de pertencer aos "céticos", o que, no voca- bulário dos contendores, contempla a insinuação de receber dinheiro de in- dústrias poluidoras para melar o debate. Em feve- reiro, os céticos promo- veram um encontro na Inglaterra na mesma se- mana em que os repre- sentantes do outro grupo se reuniam com o premiê britânico, Tony Blair.

O próprio IPCC foi cenário de uma briga pú- blica recente. Kevin Tren- berth, chefe do comitê sobre furacões, sugeriu uma ligação entre as mu- danças climáticas e a onda de poderosos furacões que varreu o planeta no ano passado. Christopher Lan- dsea, o mesmo citado no livro de Crichton pela crí- tica aos modelos do El Nino, renunciou a seu car- go no painel, em protesto contra o que chamou de "manipulação política". "Trenberth não tem elementos para afirmar isso. Por causa de suas declarações, a neu- tralidade do IPCC se perdeu", disse Landsea. Trenberth acusou Landsea de perfilar-se entre os céticos. Mas se re- tratou entre seus pares. Explicou que as mudanças do clima poderiam ter afeta- do a intensidade dos furacões, devido às temperaturas oceânicas mais eleva- das, mas não o número de eventos. Em State offear, Crichton mostra estatís- ticas sugerindo que o pico de furacões nos Estados Unidos nas últimas déca- das ocorreu nos anos 1940.

"Mau investimento" - O debate pega fogo quando deixa a arena científica e deriva para a discussão política das con- seqüências econômicas da redução da emissão de gases. O Protocolo de Kyoto, grande conquista do movimento am- bientalista e científico que entrou em

Geleiras: algumas regiões do continente antártico esquentam, outras esfriam

vigor no mês passado, é um dos focos de discórdia. Michael Crichton vocali- za um dos argumentos dos céticos. Cita como referência um artigo da revista Nature de outubro de 2003, segundo o qual o efeito do protocolo será uma re- dução na temperatura de 0,02°C até 2050. As estimativas do IPCC são maio- res, mas nenhuma excede 0,15°C. Os dados são reais, mas não enfraquecem o ânimo dos defensores do acordo. "Kyoto pode ter efeitos imperceptíveis no clima, mas se trata do primeiro ins- trumento diplomático importante para reduzir as emissões de gases. É um pri- meiro passo, que será seguido de ou- tras iniciativas mais abrangentes no fu- turo próximo" diz Paulo Artaxo, da USP. Os modelos sugerem que, para obter um efeito expressivo no clima, se- ria necessário reduzir em até 60% as emissões de gases, preço que nenhum país deseja pagar atualmente. "O es-

sencial no Protocolo de Kyoto é que ele está levan- do à criação de um novo paradigma tecnológico no mundo industrializado, que reduzirá as emissões globais de gases", diz Car- los Nobre, do Inpe.

O livro de Crichton não evita a pergunta: vale a pena cercear o crescimen- to industrial para conse- guir um efeito tão modes- to no clima? Ou sairia mais barato adaptar-se às mu- danças? Outro provocador do time dos céticos, o esta- tístico dinamarquês Bjorn Lomborg, autor do polê- mico livro O ambientalista cético, afirma, com todas as letras, que não vale a pe- na. Recentemente Lomborg incendiou o debate ao reu- nir em Copenhague um grupo de proeminentes economistas, entre eles três ganhadores do Nobel, para discutir soluções pa- ra os principais problemas do planeta. Um dos resul- tados do encontro foi um documento que aponta- va como prioritárias as iniciativas para enfrentar a Aids e a malária e promo-

ver o saneamento em países pobres, em detrimento da guerra contra o aqueci- mento global - descrita como "um mau investimento". "O combate ao efeito estufa é uma iniciativa de alto custo e baixos benefícios", diz Lom- borg. O debate poderia prosseguir com argumentos respeitáveis de parte a parte. Cientistas diriam que o investi- mento compensa, pois preveniria ca- tástrofes como a extinção de espécies e evitaria que as gerações futuras pa- gassem o preço do descuido da saúde do nosso planeta nos últimos 150 anos. Os céticos pediriam provas. Há um ponto em que o livro de Crichton po- de ser chamado de parcial. Ele apre- senta os céticos como vozes sufocadas num mundo em que os ambientalistas dominam os políticos e atordoam a visão crítica dos cientistas. A vitalida- de do debate mostra que esse panora- ma está distante da realidade. •

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■ POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ORÇAMENTO

FAPESP fecha 2004 com superávit superiora R$ 98 milhões e inicia 2005 com patrimônio financeiro líquido de R$ 178,2 milhões

Evolução do patrimônio financeiro líquido (R$) 2002 a 2004

Disponibilidade ao final do exercício 514.440.716 602.461.237 703.671.312

Compromissos de curto prazo (até 1 ano) com bolsas e auxílios 433.828.365 414.426.876 449.934.834

Passivo financeiro (compromissos a recolher, fornecedores, provisões e outros compromissos com bolsas e auxílios) -curto prazo

16.497.640 11.379.348 12.804.477

Compromissos de longo prazo (mais de 1 ano) com bolsas e auxílios

61.114.579 59463.343

WÊÊÊRm 62.695.655

Patrimônio financeiro líquido 3.000.132 u7.191.670 178.236.346

Equilíbrio consolidado

ste ano promete ser ainda melhor para a pesquisa no Estado de São Paulo. A FA- PESP fechou o

ano passado com uma disponibilida- de de caixa de R$ 703,6 milhões, 7,95% superior à meta inicialmente prevista. Descontados os investimentos já empe- nhados, de curto e longo prazo - bol- sas, auxílios, pagamento de fornecedo- res e provisões -, a Fundação iniciou o ano com um patrimônio financeiro lí- quido de R$ 178,2 milhões, 52% supe- rior ao registrado em 2004. A boa notí- cia é que esses números resultam de um superávit superior a R$ 98 milhões no ano passado e mostram que o ree- quilíbrio financeiro está consolidado. "Estamos preparados para investir em projetos especiais e de inovação, sair da rotina e até enfrentar eventuais adversi- dades", diz Joaquim J. de Camargo En- gler, diretor administrativo.

A recuperação do patrimônio já ti- nha tido impacto positivo no orçamen- to do ano passado: uma receita inicial-

mente prevista de R$ 447 milhões, em 2004, cresceu 16%, atingindo de R$ 520 milhões. Nesse total, os recursos pró- prios da Fundação representaram R$ 121, 9 milhões, algo em torno de 24%. A receita própria da Fundação é forma- da principalmente por aplicações finan- ceiras e receitas imobiliárias. Ao longo de 2004, as receitas imobiliárias tiveram um desempenho surpreendente, 17,49% acima das previsões, e as receitas diver- sas - como o reembolso de registro de domínio, receita com patentes e contra- partida de auxílios - também supera- ram, em muito, as expectativas.

Estabilidade financeira - No ano passa- do, as transferências do Tesouro esta- dual - relativas a 1% da receita tri- butária do Estado de São Paulo - tam- bém foram 11,27% superiores ao ini- cialmente estimado. E os repasses do governo federal alcançaram R$ 20,8 milhões, quase a metade relacionada aos recursos do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), do Mi- nistério da Ciência e Tecnologia, para o financiamento da fase III do Progra- ma Inovação Tecnológica em Pequenas Empreas (PIPE). Esses resultados posi- tivos, em conjunto, permitiram à Fun- dação apoiar, nas linhas de auxílio à pesquisa todos os projetos de mérito

que lhe foram apresentados e garantir um bom superávit no exercício.

Em 2004 os investimentos da FA- PESP foram de R$ 421 milhões. Desse total, 96% destinaram-se ao financia- mento de bolsas, auxílios, apoio a pro- gramas especiais e de inovação tecno- lógica. A participação dos dispêndios com bolsas no conjunto dos investi- mentos da Fundação em atividades-fim - bolsas, auxílios, programação especial e inovação tecnológica - representou 34,7%, porcentual que tem se mantido estável nos últimos anos.

Os recursos de financiamento nas linhas regulares de auxílio a pesquisa e projetos temáticos somaram R$ 167,8 milhões, 42,6% dos investimentos em atividades-fim. Os programas espe- ciais ficaram com R$ 35,4 milhões, o que representou 9% dos investimen- tos. Aos programas de inovação tecno- lógica - entre eles o Genoma, Biota, Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) e o PIPE - a Fundação destinou R$ 53,8 milhões, ou seja, 13,7% dos in- vestimentos.

O orçamento inicialmente previs- to para 2005 é de R$ 487,3 milhões. O bom desempenho da economia paulis- ta, aliado à boa gestão do patrimônio da Fundação, permitirá fazer avançar ainda mais a pesquisa no estado. •

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POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

RACIONALIZAÇÃO

AFAPESP im- plantou a pri- meira fase do Sistema de Apoio a Ges- tão (SAGe),

que inaugura um novo padrão de quali- dade no atendimento aos pesquisadores e na administração de processos associa- dos a projetos de pesquisa. Cadastra- ram-se no sistema, a partir de 3 de ja- neiro deste ano, 11.437 pesquisadores e, entre os dias Io e 25 de fevereiro, fo- ram submetidas à Fundação por via eletrônica 272 propostas, com sucesso.

Entretanto, em razão de alguns pro- blemas de estabilidade do sistema in- formatizado, o presidente da Fundação, Carlos Vogt, decidiu enviar aos pesqui- sadores paulistas, no final de fevereiro, um comunicado explicando que tem- porariamente devem conviver os dois sistemas de submissão de propostas de bolsas e auxílios, o eletrônico e o tradi- cional . "Para que não haja prejuízo ao cronograma e ao planejamento de apresentação dessas propostas, a FA- PESP comunica que a partir de Io de março colocará também em funciona- mento o seu sistema tradicional com a utilização de formulários em papel", in- formou o comunicado. As duas formas, acrescentava, "conviverão até que o pro- blema de estabilidade seja definitiva- mente resolvido".

Isso significa que todo pesquisador que encontrar dificuldade para enviar sua proposta por via eletrônica pode,

Com os dias contados

SAGe, novo sistema informatizado de gestão, abolirá o uso dos processos em papel na Fundação

por ora, valer-se dos formulários que estão novamente disponíveis no site www.fapesp.br e encaminhar sua pro- posta pelo método tradicional.

Quando o sistema estiver estável, todos os pesquisadores estarão dispen- sados de comparecer pessoalmente à sede da Fundação, munidos de pastas de documentos, para pleitear novos apoios. Por meio do site www.fapesp. br/sage, eles poderão solicitar financia- mento, atualizar informações pessoais e dados curriculares, anexar documen- tos, acompanhar o andamento de pro- cessos e até tomar conhecimento da avaliação dos assessores.

A expectativa é que no final do pri- meiro semestre o SAGe esteja funcio- nando a plena carga, dando cobertura total a todos os procedimentos que en- volvam a relação entre pesquisadores e a Fundação. "O SAGe representa um passo importante para a modernização da FAPESP e um salto de qualidade na administração dos projetos e pesquisa científica e tecnológica", diz Carlos Vogt, presidente da FAPESP. "É um marco fundamental na dinâmica do programa Mudança, Qualidade e Institucionali- zação que tem orientado os novos pa- drões de gestão da FAPESP."

A informatização da gestão tem co- mo objetivo racionalizar os procedimen- tos da Fundação, com redução de custo, e a padronização de termos e conceitos envolvidos. Permitirá à FAPESP man- ter a qualidade de atendimento a uma demanda crescente: entre 1994 e 2004,

as solicitações de bolsas saltaram de 4.100 para 17 mil. Além disso, garantirá maior visibilidade a todos os procedi- mentos - preservado, é claro, o sigilo dos processos e projetos -, reiterando a res- ponsabilidade pública da instituição.

Ambiente amigável - O SAGe é com- posto de cinco módulos principais: apresentação de proposta, análise e jul- gamento de propostas, gestão de con- tratos, acompanhamento físico e avalia- ção e gestão de programas.

Num ambiente de internet amigável e de simples navegação, os pesquisado- res têm acesso a formulários com todas as linhas de fomento oferecidas pela Fundação, que incluem campo para a anexação da documentação exigida em cada uma das modalidades de apoio. Em caso de dúvidas, é possível recorrer a um sistema de ajuda eficiente e de fá- cil compreensão.

O preenchimento de formulários também não oferece dificuldades. Es- colhida a modalidade de apoio, por exemplo, o próprio site apresenta aos interessados a lista de formulários a ser preenchidos. E o pesquisador é imedia- tamente alertado para o caso de falta- rem informações ou documentos.

O site permite a atualização de da- dos e do currículo do pesquisador. Um convênio entre a FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi- co e Tecnológico (CNPq) permitiu car- regar o SAGe com súmulas elaboradas a partir do Currículo Lattes.

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Os assessores responsáveis pelo acompanhamento dos vários projetos também utilizarão o novo sistema para enviar pareceres. E a FAPESP terá mais agilidade para acompanhar os contratos e administrar os diversos programas.

O SAGe garante total segurança no tráfego de documentos. O acesso ao site é feito por meio de senha que funciona como uma espécie de assinatura do pes- quisador, sendo portanto intransferível. Os pareceres dos assessores também es- tão protegidos por absoluto sigilo.

Os projetos já em andamento, en- caminhados antes da implantação do SAGe, não integrarão o novo sistema. A apresentação dos relatórios, prestação de contas etc. seguirão obedecendo ao sistema antigo. Em 2009, quando então esses processos estarão encerrados, to- dos os procedimentos de financiamento e gestão de contrato, acompanhamen- to e avaliação de programas e projetos estarão totalmente integrados ao novo sistema.

"A informatização plena dos pro- cedimentos da FAPESP, que envolvem desde as atividades-fim, passando pelo fomento até a organização administra- tiva que lhes dá apoio, é resultado de um esforço conjunto de todos os ser- vidores, gestores, gerentes, diretores, pessoal técnico do Centro de Processa- mento de Dados e do Centro de Estu- dos e Sistemas Avançados do Recife (César), contratado para conceber e de- senvolver o sistema que hora se implan- ta", diz Vogt. •

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CIÊNCIA

LABORATóRIO MUNDO

Envelhecemos 35 mil anos Dois esqueletos de Homo sapiens com 195 mil anos desenterrados na Etiópia tornaram-se os mais anti- gos exemplares de nossa es- pécie. Chamados Orno I e Orno II, esses fósseis foram descobertos em 1967, mas os especialistas ainda não estavam certos se tinham a mesma idade, inicialmente estimada em 104 mil anos. Mas a datação dos cristais nas camadas de cinza vul- cânica entre as quais foram encontrados mostra que os dois são de fato da mesma época e de fato representam as mais antigas relíquias da espécie humana, de acordo com um estudo coordena- do por Ian McDougall, da Universidade Nacional da Austrália, publicado na Na- ture de 17 de fevereiro. Se- gundo um dos co-autores do trabalho, Frank Brown, geólogo da Universidade de Utah, Estados Unidos, o fato

de o aparecimento do H. sa- piens ter passado de 160 mil para 195 mil anos torna ainda mais distantes os pri- meiros indícios de cultura da humanidade, que surgi- ram muito mais tarde, há cerca de 50 mil anos. Por- tanto, foram quase 150 mil anos em que a espécie hu- mana, embora já anatomi- camente definida, viveu sem usar ferramentas para se alimentar ou fazer música.

A nova data coincide com os resultados de estudos ge- néticos sobre a origem de nossa espécie e coloca o surgimento do H. sapiens moderno na África milha- res de anos antes de ter apa- recido em qualquer outro continente Também indica que havia populações me- nos modernas, representa- das pelo Orno II, quando surgiram os primeiros H. sapiens. •

■ Bem guardadas, menos acidentes

Guardar as armas travadas e descarregadas e a munição em lugar separado pode reduzir o risco de acidentes e de sui- cídio. Com base em entrevis- tas com 486 adolescentes que tiveram acesso a armas de fo- go e atiraram neles próprios ou em outras pessoas de modo não intencional, David Grossman, da Universidade de Washington, Estados Uni- dos, verificou que em 75% dos casos de suicídio as armas

estavam guardadas nas casas da vítima, de um amigo ou de um parente. O editorial da mesma edição do Journal of

the American Medicai Associa- tion (9 de fevereiro) lembra que não é fácil persuadir as pessoas a guardar melhor as

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Desafio: convencer os donos de armas a pensar também na segurança de crianças e jovens

armas em casa com mais se- gurança, talvez não tenham entendido claramente o que pode acontecer. •

■ Adote uma dieta que possa cumprir

Para perder peso, pare de se preocupar sobre qual dieta é mais efetiva e simplesmente adote a que pareça mais fácil de seguir. O sucesso dos regi- mes depende de como as pes- soas os seguem, mais que os próprios regimes, segundo um estudo do Centro Médico

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T%„ - Sem torcer o nariz: persistência em vez de sacrifícios

de Tufts, Estados Unidos. Du- rante um ano, 160 pessoas com sobrepeso (os homens pesavam em média 106 qui- logramas e as mulheres, 93) seguiram uma das quatro die- tas apresentadas, incluindo a controversa dieta de Atkins, que reduz o consumo de car- boidratos sem restringir o de gorduras. Em cada grupo um quarto dos voluntários perdeu 5% de seu peso inicial, mas não houve diferença entre os quatro grupos. Mas um terço dos participantes, que seguiu as dietas seriamente, perdeu em média 7% do peso. Mi- chael Dansinger, o coordena- dor desse estudo, queria mos- trar que dietas alternativas não

são importantes e que uma única estratégia de perder pe- so pode funcionar bem para todo mundo. •

■ Antidepressivos absolvidos

A maioria dos episódios de suicídios de adolescentes noti- ciados no final do ano se deve à depressão severa não trata- da ou tratada inadequada- mente, não a uma reação ad- versa aos medicamentos, de acordo com um artigo da Na- ture Reviews Drug Discovery. Seus autores, Júlio Licinio e Ma-Li Wong, ambos da Uni- versidade da Califórnia, co- mentam as possíveis causas

Herança perdida Florestas regeneradas têm uma diversidade genética menor que as matas primá- rias, concluiu Uzay Sezen, da Universidade de Connec- ticut, Estados Unidos (Sci- ence, 11 de fevereiro). Em um levantamento feito na Estação Biológica La Selva, na Costa Rica, Sezen com- parou o grau de parentesco entre as palmeiras-barrigu- das {Iriartea deltoidea) de uma floresta primária e as de uma floresta que ocupou

uma pastagem abandonada anexa. A conclusão impres- siona. Das 66 árvores da mata mais antiga, duas árvo- res contribuíram com 56% dos genes da população da mata secundária, 23 con- tribuíram com os 44% res- tantes e 41 não deixaram descendentes. Devido ao desmatamento, matas de segunda geração cobrem uma área maior que as ma- tas originais em muitos paí- ses tropicais. •

dos suicídios: os adolescentes poderiam estar tomando os medicamentos em doses mais baixas que o necessário ou por um período de tempo muito curto, quando seus efeitos ainda não eram nota- dos. Pode ter ocorrido tam- bém que os remédios não tenham sido efetivos ou pos- sam mesmo ter contribuído para reforçar o desejo de pôr fim à vida: durante o trata- mento com antidepressivos, há um momento em que os portadores de depressão ain- da se sentem deprimidos, mas têm mais energia, que

amplia o risco de suicídio. A depressão é, por si só, a prin- cipal causa de suicídio: esti- ma-se que de 60 a 70% das pessoas com depressão severa tenham pensado em pôr fim à vida e que de 10 a 15% das pessoas com depressão co- metam suicídio. Segundo os autores desse estudo, uma conseqüência positiva dessa polêmica é que se tornou mais claro que a depressão re- quer acompanhamento médi- co contínuo e os antidepres- sivos não deveriam ser vistos como formas cosméticas de tratamento. •

Palmeira de Costa Rica: poucas deixam descendentes

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LABORATóRIO BRASIL

Os oásis da Caatinga Parecem pedaços da Ama- zônia ou da Mata Atlântica no meio da Caatinga. Peda- ços cada vez menores: já de- sapareceram quase 90% da área ocupada por essas ilhas de floresta, os brejos de al- titude, dos quais restam 2,5 mil quilômetros quadrados. "Ainda que encontrados mais comumente de forma fragmentada, em proprie- dades privadas, os brejos de altitude constituem-se em áreas prioritárias para o estabelecimento de unida- des de conservação, espe- cialmente de potencial in- tegral e, preferencialmente, com um planejamento in- tegrado", alerta a engenhei- ra florestal Verônica Theu- len, em um dos capítulos do livro Brejos de altitude em Pernambuco e Paraíba - História natural, ecologia e conservação, editado pelo Ministério do Meio Ambien- te e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Or- ganizada por Kátia Porto,

Mata do Bitury, a 200 km de Recife: típico brejo de altitude, com algumas aves exclusivas

Jaime Cabral e Marcelo Ta- barelli, da UFPE, a obra detalha a riqueza biológica desses ambientes e os peri- gos por que passam. Os 43 brejos pontuam terrenos al- tos, como os das chapadas da Borborema e Ibiapaba,

Tatac

recebem chuvas abundan- tes e abrigam espécies úni- cas de plantas e animais, além de algumas encontra- das também na Amazônia e nas matas do sul. Tabarel- li teme que esses oásis do Nordeste possam desapare-

Verdelim

cer em poucos anos caso uma política de conserva- ção não seja implantada. As condições privilegiadas de umidade fazem dos brejos espaços disputados para a criação de gado e plantações de café, banana e milho. •

■ Metade das crianças com anemia

Quase metade das crianças brasileiras com idade entre 6 meses e 5 anos tem a forma mais comum de anemia - a anemia ferropriva, causada pela redução da quantidade de hemoglobina no sangue em decorrência da deficiên- cia de ferro -, concluíram Re- nata Levy-Costa, do Institu- to de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Pau-

lo, e Carlos Augusto Montei- ro, da Universidade de São Paulo. Das 584 crianças exa- minadas, todas da cidade de São Paulo, 45% estavam com anemia. Esse índice chega a 71% entre meninos e meni- nas com menos de 1 ano, quando o crescimento é ace- lerado e a necessidade de fer- ro, maior. Um dos fatores que contribuíram para esse resul- tado foi o elevado consumo de leite de vaca, em geral um dos principais ingredientes

da dieta infantil após a fase de aleitamento materno. De acordo com esse estudo, pu- blicado na Revista de Saúde Pública, o leite de vaca corres- ponde em média a pouco mais de um quinto (22%) das calorias ingeridas diariamen- te por garotos e garotas. O problema é que o leite de vaca - natural, pasteurizado, longa-vida ou em pó - con- tém apenas um quarto da taxa de ferro necessária ao organismo infantil. Ainda

assim, a maior parte do fer- ro do leite de vaca não é ab- sorvida pelo organismo hu- mano. "Até o quarto mês, a criança utiliza o ferro que acumulou no fígado durante a gestação", diz Renata. "De- pois tem de extrair dos ali- mentos que consome." Os elevados índices de anemia infantil não são problema ex- clusivo de São Paulo. Estudos realizados em Salvador, Reci- fe, Porto Alegre e Criciúma exibiram resultados seme-

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0 leite das P 1 crianças: é essencial, sim, mas não

^^^^^' deve ser a principal fonte de ferro

■ Um anel onde os átomos colidem

Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), criaram o Atomotron, uma armadilha de átomos resfriados formada por um anel gasoso com milhões de partículas frias de rubídio que se movem muito lenta- mente, em fila. De maneira controlada, cada átomo se choca contra a partícula se-

direção tangente ao anel. "Em outros tipos de armadilha, os encontrões entre os átomos acontecem de todas as ma- neiras possíveis", explica o fí- sico Vanderlei Salvador Bag- nato, pesquisador da USP de São Carlos e coordenador dos experimentos com o anel de rubídio. "Em aprisionamen- to de átomos convencionais, não é possível estudar efeitos associados aos ângulos de co- lisão", diz Luis Marcassa, do IFSC. O anel de átomos frios,

lhantes. "Esses dados não sig- nificam que as crianças de- vam tomar menos leite, que é uma fonte importante do cál- cio necessário ao desenvolvi- mento dos ossos", diz Renata. Uma alternativa recomenda- da pela Organização Mundial da Saúde é a ingestão do lei- te bem antes ou muito de- pois das refeições principais para não interferir na absor- ção do ferro de outros ali- mentos. Há outras medidas, como não substituir as refei- ções principais pelo leite e, durante o almoço ou jantar,

beber sucos de frutas mais ácidas, como a laranja, que facilita a absorção do ferro. Diante da elevada freqüência de anemia, o governo brasi- leiro publicou em 2003 uma portaria que determina o acréscimo de ferro à farinha de trigo e de milho. Se falta ferro, falta hemoglobina, a molécula que transporta oxi- gênio pelo corpo. A escassez de oxigênio pode prejudicar o desenvolvimento físico e men- tal, principalmente na infân- cia, além de reduzir a resistên- cia a doenças infecciosas. •

guinte. No interior do anel, produzido pela ação de um campo magnético e de laseres que incidem sobre a nuvem de rubídio, todos os esbarrões entre os átomos apresentam o mesmo eixo de colisão. Os choques sempre ocorrem na

cuja temperatura se aproxi- ma do zero absoluto, apre- senta raio de cerca de 0,5 mi- límetro. Segundo Bagnato, o Atomotron é o menor coli- sor de partículas do mundo e o que funciona com menos energia. •

O escorpião translúcido Mais uma razão para man- ter os olhos abertos ao entrar em uma caverna. Há um es- corpião que só vive nesses lugares escuros e úmidos: é o Troglorhopalurus translu- cidus. Tem 3,8 centímetros de comprimento e é trans- lúcido, como o próprio no- me indica. A carapaça é tão despigmentada que, posto contra a luz, podem-se ver sua musculatura e as vísce- ras. "É um novo gênero, uma nova espécie e o primeiro caso confirmado de escor- pião troglóbio (cavernícola) no Brasil", afirma Wilson

Lourenço, especialista em es- corpiões do Museu Nacio- nal de História Natural, de Paris. Até agora foram iden- tificados apenas 15 escor- piões troglóbios no mundo, dos quais 12 no México. A

YJ r

espécie brasileira foi encon- trada na gruta do Lapão, em Lençóis, na Bahia. "Prova- velmente, esse escorpião vi- via em cavidades entre blo- cos de rochas sobre um rio subterrâneo", diz Alessandra

Habitante das cavernas: pernas longas e pêlos sensitivos

Giupponi, que assina com Lourenço um artigo na Cur- rent Research Biology com a descrição desse animal. O T. translucidus apresenta al- gumas adaptações que o habilitam a sobreviver nas cavernas, como a perda de pigmentação, o corpo acha- tado, as pernas e os pedipal- pos bastante alongados e pê- los sensitivos, que facilitam a captura de insetos. Das 1.500 a 1.600 espécies conhecidas de escorpiões, o Brasil abri- ga 120, das quais pelo me- nos cinco podem causar aci- dentes fatais. •

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CAPA

CARDIOLOGIA

* As relações entre

obomeo mau O colesterol saudável, em quantidade abaixo do normal, perde o efeito protetor e contribui para o entupimento da artérias

ALESSANDRA PEREIRA

á cerca de quatro anos uma sé- rie de mortes por problemas cardíacos intrigou a equipe da Unidade de Aterosclerose do Instituto do Coração (InCor), ligado à Universidade de São

Paulo. Em todos esses casos o coração havia parado de bater porque as artérias que levam oxigênio e nutrientes até esse ór- gão estavam obstruídas por placas de gordura, impedindo a passagem de sangue. Um ponto em especial atraiu a atenção dos médicos: das 51 pessoas que morreram em decorrência da aterosclerose - o acúmulo de gordura na parede das artérias -, 25 não apresentavam um dos principais sinais desse problema, já que os níveis de colesterol no sangue eram considerados saudáveis. A equipe chefiada pelo cardiologista Protásio Le- mos da Luz decidiu então investigar a composição das pla- cas de aterosclerose e, diferentemente do esperado, constatou que tanto em pacientes com colesterol alto quanto nas pes- soas com taxas dentro dos níveis normais a quantidade de gordura na parede das artérias coronárias era a mesma.

O resultado desse estudo, conduzido por Délio Braz Jú- nior, ajuda a redefinir a importância de um dos testes mais

Page 45: Colesterol - além do bom e do mau

Os riscos do prazer: alimentos que dão água na boca às vezes são ricos nas formas prejudiciais de gorduras

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usados pelos médicos para determinar o risco de uma pessoa desenvolver ate- rosclerose, causa mais comum de do- enças cardíacas como o infarto ou de problemas vasculares, a exemplo do acidente vascular cerebral, que matam a cada ano cerca de 17 milhões de pes- soas no mundo, 300 mil delas no Bra- sil. "A doença se desenvolve indepen- dentemente dos níveis de colesterol", afirma Braz Júnior. Protásio completa: "A premissa anterior era que quanto mais elevado o nível de colesterol no san- gue, mais gordura deveria haver na parede das artéri- as coronárias".

Inflamação vascular - Mas não foi o que encontra- ram. O trabalho da equipe do InCor sugere que o co- lesterol é decisivo na for- mação da placa, porém há outros fatores que pesam nesse pro- cesso. Um deles - pouco considerado pelos médicos até então - é a concen- tração elevada no sangue de uma pro- teína chamada homocisteína, que o grupo demonstrou estar relacionada também ao desenvolvimento da ateros- clerose. Ao analisar 236 pessoas aten- didas no InCor, o cardiologista José Rocha Faria Neto, hoje na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, veri- ficou que o nível de homocisteína no sangue era mais alto entre os indiví- duos com placas de gordura nas coro- nárias que entre aqueles com o coração saudável, como já haviam sugerido ou- tras pesquisas.

ária Neto descobriu também que quanto maior a taxa de homocisteína - o normal é entre 5 e 15 micromols por litro de sangue - mais com- prometidas estavam as arté-

rias coronárias. É que a concentração elevada de homocisteína altera o en- dotélio e, conseqüentemente, lesa os vasos sangüíneos, provocando o sur- gimento de uma inflamação e favo- recendo a formação das placas gor- durosas.

Protásio alerta: "Esse não é um fator de risco clássico, mas pode desencadear ou agravar a doença coronariana". Com base nesses resultados, a determinação da taxa de homocisteína começa aos poucos a integrar os rotineiros exames cardiovasculares, ao lado dos testes dos níveis sangüíneos de outras proteínas como a apolipoproteína B e a proteína C reativa, também associadas à inflama-

ção. É que estudos realizados na última década sugerem que uma inflamação disseminada nos vasos sangüíneos ace- lera a formação de placas de gorduras no interior de veias e artérias.

O novo achado da equipe do InCor tem importância prática: indica que, se uma pessoa não apresentar os fatores de risco típicos da doença, vale a pena ve- rificar suas taxas de homocisteína. O tratamento é simples: 5 miligramas diá- rios de uma vitamina do complexo B chamada ácido fólico são suficientes para baixar a taxa de homocisteína pa- ra valores próximos aos normais e res- taurar a capacidade de as artérias se di- latarem. Essas descobertas levaram a equipe a reavaliar o peso dos fatores de risco considerados clássicos para a for- mação das placas gordurosas - entre eles colesterol alto, hipertensão arterial, sedentarismo, tabagismo, obesidade e diabetes - e a buscar formas não-inva-

46 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

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... e bloqueado

Artéria com placa de gordura: paredes espessas e rígidas. 0 coração recebe menos sangue e risco de infarto é maior

^^

sivas de detectar precocemente e tratar as doenças das artérias do coração.

"A prevenção da aterosclerose é ba- seada no combate a esses fatores de ris- co. Só que 35% das pessoas com doença das artérias coronárias não apresentam nenhum deles, por isso precisávamos entender quais outros mecanismos es- tão envolvidos", explica Protásio, cujo livro Endotélio e doenças carâiovascula- res, assinado em conjunto com Rafael Laurindo e Antônio Carlos Chagas, re- cebeu o Prêmio Jabuti 2004, instituído pela Câmara Brasileira do Livro, na ca- tegoria Ciências Naturais e da Saúde.

Se alguns fatores passaram a ser re- lativizados, outros ganharam impor- tância. A simples diminuição dos níveis de HDL (lipoproteína de alta densida- de) - o colesterol bom, como também é chamado - já é suficiente para dispa- rar o sinal de alerta do organismo e in- duzir a formação das placas de gordura

características da aterosclerose. A HDL não participa do processo de entupi- mento das artérias e, na verdade, pro- tege o coração contra a doença. Em quantidades normais (acima de 40 mi- ligramas por decilitro de sangue), essas lipoproteínas impedem a lenta e silen- ciosa invasão das gorduras, pois reti- ram o colesterol do sangue e o levam para o fígado, onde é eliminado ou re- aproveitado. Em quantidades reduzi- das, no entanto, seu efeito protetor di- minui, como atesta a pesquisa realizada por Carlos Magalhães, Antônio Carlos Chagas e Desiderio Favarato, sob a coor- denação de Protásio, diretor da Unida- de de Aterosclerose do InCor.

Durante seis anos e três meses, 165 pessoas com entupimento parcial das coronárias (insuficiência coronariana) submetidas à cirurgia no InCor para colocação de ponte de safena foram acompanhadas pela equipe e divididas

em dois grupos. O que os diferenciava era a taxa de HDL. O colesterol bom estava abaixo de 35 miligramas por decilitro (mg/dL) de sangue em 101 homens e mulheres, e acima desse va- lor em 64 pessoas operadas.

Após esse período, 20,7% das pes- soas com HDL inferior a 35 mg/dL haviam morrido, ante 6,25% do segun- do grupo. Entre todos os fatores de risco avaliados - diabetes, hipertensão arterial, triglicérides alterado, tabagis- mo e taxa de colesterol -, o nível bai- xo de HDL foi o único capaz de predi- zer se uma pessoa com aterosclerose tinha chance maior ou menor de so- breviver. Sinal de que a HDL em quan- tidades reduzidas merecia mais aten- ção do que vinha recebendo.

Um outro achado - resultado da avaliação de 494 pessoas submetidas à operação no InCor - fornece mais uma boa razão para os médicos reve- rem suas rotinas em consultórios e hospitais: a relação entre triglicérides e HDL. Alguns estudos indicavam que quanto mais elevada a taxa de triglicé- rides e mais reduzido o nível do bom colesterol, maior a probabilidade de de- senvolver aterosclerose. Ao avaliar es- ses 494 pacientes, a equipe de Protásio verificou que essa relação é eficiente, em especial, para indicar o risco de de- senvolver a doença precocemente, por volta dos 50 anos.

Relação perigosa - A conta é simples: ao dividir os valores considerados nor- mais de triglicérides (150 mg/dL) pelos de HDL (40 mg/dL) se obtém o núme- ro 3,75 - o resultado desse cálculo é a

PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 47

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chamada relação triglicérides/HDL, atualmente utilizada na avaliação dos pacientes da Unidade de Aterosclerose. Não é preciso entender de matemática para saber que quando a concentração dos triglicérides aumenta ou a da HDL diminui ou ambos ocorrem ao mesmo tempo o resultado da divisão também cresce. E junto com ele cresce o risco de desenvolver aterosclerose. Os pesquisa- dores do InCor constataram ainda que existe uma proporção direta entre a re- lação triglicérides/HDL e a extensão da placa de gordura nas artérias do cora- ção: quanto maior o va- lor da relação, mais gra- ve o dano às coronárias, principalmente entre as pessoas com menos de 60 anos.

O bom colesterol te- ria então se tornado um vilão nessa história? Na verdade, não. Mesmo em níveis baixos, a HDL continua a extrair a gordura do sangue. O problema é que se torna insuficiente a coleta das substâncias gordurosas não utilizadas pelas células para a forma- ção de hormônios, ácidos biliares e vi- tamina D. E, assim como os alimentos que consumimos, a gordura também tem prazo de validade. Quando circula por muito tempo no sangue, torna-se velha e mais propensa a aderir nas veias e artérias.

Questão de nível - Ao perceber o quan- to o nível baixo de HDL foi capaz de in- terferir na capacidade de sobrevivência de 101 pessoas que haviam recebido o implante de pontes de safena, cirurgia destinada a restabelecer a irrigação san- güínea do coração, a equipe do InCor levantou uma nova hipótese: em quan- tidade baixa, o colesterol bom poderia favorecer o surgimento de alterações no endotélio e o desenvolvimento da aterosclerose. Dito e feito. Novamente foi possível comprovar que basta ape- nas ter o colesterol bom em quantida- des inadequadas - problema que afeta de 4% a 8% da população - para que a doença se desenvolva ou sua evolução seja mais desfavorável. E, dessa vez, as pessoas avaliadas não apresentavam nenhum outro fator de risco associado à aterosclerose.

Em seu doutorado, Alexandre Ben- jó mostra que pessoas com o nível de HDL abaixo de 40 mg/dL de sangue apresentam menor capacidade de dila- tação dos vasos sangüíneos. Utilizando ultra-som, ele avaliou a variação do diâ- metro da artéria do braço de 30 pessoas com taxa reduzida do colesterol bom e comparou com a de 11 indivíduos sau- dáveis. Constatou que a dilatação da ar- téria foi inferior ao normal (8% ou mais) em 22 das 30 pessoas que tinham nível baixo de HDL, sinal de que o en- dotélio estava alterado.

taxa baixa dessa lipopro- teína também torna mais demorada a remoção de um tipo de gordura co- nhecida por quilomícron - essa partícula dá origem,

em parte, ao colesterol e seu excesso no sangue facilita a formação das pla- cas características da aterosclerose. Para entender esse mecanismo, os pesquisa- dores introduziram no plasma sangüí- neo uma partícula artificial de quilomí- cron, desenvolvida por Raul Maranhão, chefe do setor de lípides do InCor, e ob- servaram a retirada de triglicérides e de colesterol.

Diante da constatação de que a quantidade pequena de HDL estava as- sociada à alteração no endotélio e à re- tirada mais lenta dos quilomícrons ex- cedentes no sangue, decidiram testar um tratamento à base de uma vitamina do complexo B chamada niacina - já utilizada com o objetivo de aumentar as taxas do colesterol bom, porém sem muita comprovação. Ao longo de três meses, metade das 22 pessoas que apre- sentavam nível baixo de HDL recebeu doses diárias de 1,5 grama da vitamina liberada lentamente no organismo - um dos efeitos indesejáveis da terapia atual com niacina, ou ácido nicotínico, é a vermelhidão causada na pele - e a ou- tra metade foi medicada com placebo.

Não houve melhora no grupo que recebeu placebo, mas a disfunção no endotélio foi corrigida com o uso da niacina, embora a ação sobre a HDL te-

nha sido mínima. A vitamina também não provocou mudanças significativas na remoção de quilomícrons. "As pes- soas tomam niacina esperando que a HDL suba, no entanto não existe uma demonstração clara do efeito sobre os vasos sangüíneos", conta Protásio. "Mostramos que a vitamina melhora a capacidade de dilatação das artérias, mesmo sem aumentar a HDL." Os re- sultados não permitem ainda à equipe afirmar que a melhora no funciona- mento do endotélio basta para dimi- nuir o risco de doenças cardiovascula- res. Mas os pesquisadores imaginam que, no longo prazo, o efeito seja benéfico.

A confirmação de que fatores de risco tradicionais nem sempre serviam para indicar os danos nas artérias motivou a equipe do InCor a investigar alternativas mais eficientes e, se possível, menos incô- modas que a técnica mais usada atual- mente: o cateterismo, que consiste em in- serir um tubo plástico no interior do vaso sangüíneo para avaliar seu diâmetro. Em outro estudo, Paulo Bertini analisou a eficácia da ressonância magnética para identificar sinais da aterosclerose nas ar- térias do coração. Capaz de produzir imagens dos órgãos internos do corpo sem o expor a doses elevadas de radia- ção, a ressonância não é invasiva e per- mite medir tanto o calibre interno como a espessura da parede das coronárias.

Ao comparar as coronárias de sete pessoas saudáveis com as de 23 indiví- duos com aterosclerose, Bertini obser- vou que a parede das artérias eram bem mais espessas e rígidas entre os mem- bros do segundo grupo, como revela es-

OS PROJETOS

Ação do vinho tinto sobre o sistema nervoso simpático e Avaliação do papel da homocisteína como fator de risco coronário em uma população brasileira

MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa

COORDENADOR

PROTáSIO LEMOS DA LUZ - USP

INVESTIMENTO R$ 99-199.31 e R$ 133-354.98 (FAPESP)

48 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

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tudo a ser publicado no Brazilian Jour- nal of Medicai and Biológica! Research. Mais importante: as imagens de resso- nância magnética mostraram que essas alterações nas paredes do vaso, nem sem- pre identificadas no cateterismo e na ci- necoronariografia, surgem antes mesmo de as placas de gordura se formarem e atrapalharem a passagem do sangue.

"Essa técnica pode auxiliar na iden- tificação do problema em uma fase bastante inicial", explica o coordenador do grupo, "quando o paciente ainda não apresenta sinais clínicos de insufi- ciência coronária como dor no peito". Na tentativa de identificar os exames mais eficazes e menos incômodos, a equipe do InCor avalia atualmente a eficiência da tomografia computado- rizada de múltiplos cortes, técnica ca- paz de detectar a presença de cálcio nas placas de gordura, uma indicação de que a aterosclerose já se instalou e co- meça a avançar. "A detecção precoce permitiria frear a evolução da ate- rosclerose e evitar suas conseqüên- cias mais graves, como o infarto", diz Protásio.

Coração protegido: frutas, verduras

e legumes ricos em flavonóides evitam

a formação de placas e favorecem a

circulação sangüínea

A uva e o vinho - A mais nova aposta da equipe do InCor para proteger o coração é o suco de uva, rico em flavo- nóides. Assim como a niacina, o su- co também foi capaz de melhorar a capacidade de dilatação das artérias. Já se sabia que os flavonóides - encontra- dos na casca da uva, no vinho tinto, no chocolate, em chás, castanhas, frutas e verduras verde-escuras como o agrião - fazem bem porque favorecem a pro- dução de oxido nítrico, que aumenta a dilatação de veias e artérias, e também reduzem a produção de endotelina, substância no endotélio capaz de di- minuir o calibre dos vasos sangüíneos e induzir a formação das placas de gordura na parede das artérias, como detalham Protásio e Silmara Regina Coimbra em um artigo publicado no Brazilian Journal of Medicai and Biolo- gical Research em setembro de 2004.

O que um estudo conduzido por Silmara comparando a ingestão de vi- nho tinto e suco de uva demonstrou

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agora é que o efeito benéfico sobre o en- dotélio se deve aos flavonóides da pró- pria fruta, e não apenas no componente alcoólico da bebida. Ela separou em dois grupos 16 pessoas com nível elevado de colesterol e sem nenhum outro fator de risco. O primeiro recebeu, ao longo de duas semanas, 250 mililitros de vinho tinto por dia. Depois de outras duas se- manas, nas quais não foi submetido a tratamento, esse grupo tomou diaria- mente 500 mililitros de suco de uva por mais 14 dias. O mesmo aconteceu com as de- mais pessoas que começaram ingerindo suco de uva e depois passaram a consumir vinho tinto. Em todos os casos, me- diu-se a dilatação da artéria do braço por meio de ultra-som.

Função restaurada - Resulta- do: os níveis de colesterol con- tinuaram iguais, mas ainda assim a função do endotélio foi restabelecida. "Esse resultado é espe- cialmente relevante para as pessoas às quais se desaconselha até mesmo a in- gestão moderada de álcool, como aque- las com arritmia (alterações no ritmo de batimento do coração) ou insuficiên- cia cardíaca (quando o coração perde a capacidade de bombear sangue com efi- ciência)", afirma Silmara. O curto pe- ríodo de observação, porém, não permi- te à equipe da Unidade de Aterosclerose assegurar se os benefícios persistirão no futuro. Os resultados animadores da ingestão do suco de uva e do vinho tin- to já haviam sido observados por Pro- tásio em coelhos submetidos à dieta rica em gordura: por serem herbívoros, esses animais não têm como digerir gor- duras, que se acumulam facilmente nos vasos sangüíneos. Ao final de três me- ses, a placa de gordura ocupava 69% da área total da artéria aorta dos animais tratados com a dieta gordurosa e água. A placa se estendeu por 47% da aorta dos coelhos que consumiram essa mes- ma ração e em vez de água beberam su- co de uva. E foi ainda menor entre os animais que receberam vinho: atingiu 38% da área desse vaso sangüíneo. Adep- ta de soluções simples e eficientes, a equipe do InCor segue em busca de for- mas de detectar a aterosclerose o mais cedo possível, a tempo de evitar conse- qüências graves como o infarto. •

Assinatura de luz Feixes de laser diferenciam formas normais e alteradas do mau colesterol

o encontro de um bioquímico e de um físico surgiu o desenvolvimento de um teste rápido que, caso se com-

prove eficaz e de fácil aplicação, pode aperfeiçoar os exames de colesterol, al- terar a interpretação das taxas dessa gordura no sangue e até evitar trata- mentos desnecessários. Usando luz, por meio de uma técnica chamada varre- dura Z, foi possível distinguir a estrutu- ra normal de uma forma de colesterol chamada LDL (lipoproteína de baixa densidade) da estrutura danosa e alte- rada: enquanto a LDL sadia se parece com uma esfera perfeita, a outra lem- bra uma esfera amassada.

O bioquímico Magnus Gidlund e o físico Antônio Martins Figueiredo Neto, ambos da Universidade de São Paulo (USP), os responsáveis pela aplica- ção original dessa técnica, conheceram- se no final de 2003 durante o planeja- mento de um curso para professores de ciências. Gidlund contou a Figueiredo seus experimentos com a LDL e as limi- tações das técnicas bioquímicas usuais para analisar essa lipoproteína. Mais co- nhecida como colesterol ruim, a LDL não é na realidade de todo indesejável. É, na verdade, essencial à vida, por en- trar na composição de hormônios e das membranas das células.

O problema surge quando essas li- poproteínas perdem partículas atômi- cas de carga negativa (elétrons) - ou sofrem oxidação, como dizem físicos e químicos - e sua estrutura fica leve-

mente deformada. A forma oxidada da lipoproteína de baixa densidade - não detectada nos exames de sangue tradi- cionais - causa lesões na parede interna dos vasos sangüíneos. Em conseqüên- cia, essa molécula origina uma inflama- ção que aos poucos aumenta a espessu- ra da parede das veias e das artérias e obstrui a passagem do sangue, elevan- do o risco de infarto ou acidente vascu- lar cerebral. Essa razão explica o inte- resse de médicos, bioquímicos e, claro, de todos nós em saber se a LDL do san- gue é a normal ou se uma fração dela está oxidada.

Dupla camada - A saída surgiu quando Gidlund descreveu para o físico a estru- tura da LDL. Trata-se de uma esfera de gordura formada por duas camadas com propriedades físicas e químicas di- ferentes: o núcleo da LDL repele as mo- léculas de água e é classificado como hidrofóbico, enquanto sua superfície atrai a água - é hidrofílica. Figueiredo reconheceu nessa explicação uma pro- ximidade surpreendente com seu pró- prio trabalho: as moléculas de alguns cristais líquidos também têm uma re- gião hidrofílica e outra hidrofóbica, em- bora se aglomerem em uma estrutura um pouco diferente, parecida com uma bola de futebol americano.

Figueiredo e um dos membros de sua equipe, o físico Sérgio Gomez, dis- puseram-se a analisar a LDL com uma técnica chamada varredura Z, usada rotineiramente para medir uma pro- priedade associada ao desvio da luz - o índice de refração não-linear - de ma-

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teriais como o cristal líquido, usado nas telas de computadores. Os físicos vale- ram-se do mesmo princípio de funcio- namento: em vez de cristal líquido, ar- mazenaram uma fina camada de LDL entre lâminas de vidro. Depois subme- teram a amostra da LDL à luz de um la- ser de baixa potência. Ao atravessar a camada de LDL, a luz se desvia, como os raios de sol que incidem em uma piscina. Avaliando esse desvio, os físicos elaboraram um gráfico - uma assinatu- ra óptica - de cada material estudado.

A estratégia funcionou. Gidlund e Figueiredo observaram uma grande di-

ferença entre esse índice de refração da LDL normal e o da oxidada. "A varre- dura Z é uma das técnicas mais simples da física usada no estudo de fluidos complexos e permite fazer essas medi- ções em cerca de meia hora", explica Figueiredo. Os resultados foram publi- cados em dezembro de 2004 em um artigo da Chemistry and Physics ofLi- pids, feito em colaboração com Paulo Boschcov, da Universidade Federal de São Paulo, Rozane Turchiello, do Insti- tuto de Química da USP, e Maria Cris- tina Jurado, do Instituto de Ciências Bio- médicas da USP.

Gidlund e Figueiredo estão verifi- cando se existem variações na assinatu- ra óptica da LDL de pessoas com perfis de colesterol diferentes. Também tra- balham na identificação da assinatura óptica do colesterol bom - a HDL ou lipoproteína de alta densidade, que elimina as gorduras do sangue. "Se os resultados comprovarem a eficácia na diferenciação da LDL normal da oxi- dada", diz Figueiredo, "esse teste pode complementar o exame de sangue tra- dicional". •

RICARDO ZORZETTO

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CIÊNCIA

Idosos param de sentir dores, dormem melhor e têm a memória reavivada quando viajam

na estrada

T7 Ia adora bater per-

■ na. De fato, é di- fícil localizá-la.

A Rebeca esteve re- __JHL_——a^fli centemente em

Molina, na Sétima Região do Chile (a 300 quilômetros de Santiago), para conhecer o parque Las Siete Tasas. Chegou a Santiago, arrumou outra mala e viajou para Quintero, a uma hora da capital chilena, mostrando como lidar com liderança, auto-estima e cuidados de si.

Aos 73 anos, a chilena Rebeca Mon- daca pode perfeitamente escrever um livro sobre suas histórias de viagens, aproveitando o auge do turismo para a terceira idade no país. Ela faz parte dos quase 80 mil idosos que nos últimos quatro anos participaram da iniciativa liderada pelo Serviço Nacional de Tu-

VíCTOR HUGO DURáN, DE SANTIAGO"

* Víctor Hugo Durán é jornalista, especia- lizado em saúde do jornal chileno El Mer- cúrio, no qual esta reportagem foi original- mente publicada. Reprodução autorizada. Tradução: Damian Kraus.

rismo do Chile (Sernatur), já seguida por muitos municípios.

O diário de bordo de Rebeca Mon- daca já contém suas andanças pelas cidades de Arica, Iquique, Villarrica e Pucón, no Chile, e Tacna, no Peru, fronteira com o Chile. Em dezembro de 2004, ela fez mais uma viagem, desta vez para Mendoza, na Argentina; no próximo verão deve ir para La Serena e, sabe-se lá, talvez faça outra viagem in- ternacional. "Sempre que a saúde acom- panhe", comenta Rebeca.

De volta das viagens, Rebeca diz sentir-se muito bem. Realizada. Feliz. A artrose e a osteoporose passam a segun- do plano. Esquece da dor. "Fico melhor, mais animada. Minha saúde melhora muito", diz. É um fenômeno biológico que a maioria dos idosos confirma, de acordo com um estudo realizado da Fa- culdade de Medicina da Universidade Católica do Chile. A pesquisa, publica- da na Revista Médica de Chile, conclui que patologias como a insônia, a falta de apetite, a depressão, a incontinência uri- naria e, inclusive, as dores articulares amenizam após viajar.

Economia e saúde - O médico Pedro Paulo Marín, coordenador da pesquisa, explica que na Europa é consenso que os idosos representam um nicho de mercado importante, para o qual não havia ofertas até algum tempo atrás. "Isso mostra que os idosos não são um peso morto, eles geram renda. E, mais, podem usufruir instalações ociosas, co- mo hotéis ou restaurantes, que, em geral, não são utilizadas pelo fato de as pessoas estarem trabalhando nessa época."

Apesar dos ganhos econômicos, até agora não se havia medido o impacto das viagens sobre a saúde dos homens e mulheres da terceira idade. E os resul- tados surpreenderam, reconhece Marín. Do total de entrevistados, 85,4% disse- ram ter mais disposição; 78% torna- ram-se mais sociáveis; 58% acabaram com os problemas de insônia; e 42% sentiram uma melhora digestiva, entre outros benefícios.

Da pesquisa participaram 4.200 idosos, que passaram por duas sonda- gens, ambas voluntárias: uma antes da viagem e a outra na volta. Foi detecta- do que 45,4% dos turistas eram idosos

<\RÇ0 DE 2005 ■ PESQUISAfAPESPÍ09

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de 70 anos; 66,2% do total eram mu- lheres; 60,5% beneficiários do sistema público de saúde; e 22,9% tinham pla- nos de saúde particulares. Por sua vez, 20% têm educação básica, outros 47% segundo grau completo e 21% ensino superior completo. Desse total, 15,8% viviam sozinhos, e dentro desse grupo 82% eram mulheres. Com relação às condições sociais, 7,7% admitiram que seus recursos financeiros não lhes per- mitiam cobrir as necessidades básicas, 43,1% disseram que seus recursos ape- nas cobriam essas necessidades e 49,2% responderam que não tinham proble- mas econômicos.

Com medo de voar -"Não devemos ter medo de viajar. O impacto das viagens é muito bom, sobretudo no aspecto psi- cológico, porque as pessoas passam a dormir melhor e se sentem mais dispos- tas. Há muito tempo se diz que as pessoas devem viajar quando ficam estressa- das ou deprimidas", co- menta Marín.

Rebeca confirma que o médico diz. A pri meira vez que ela viajo' de avião foi dois am atrás. "Foi novidade pai mim. Fomos a Arica, tive- mos que ir de avião, e eu nunca havia viajado de avião, pois tinha medo. Fui com meu companheiro. Foi uma experiência nova, compartilhada com pessoas de vá- rios lugares", conta.

Viajar, quebrar a rotina, con- fraternizar-se com outras pessoas, tudo isso implica esforços mentais e de renovação. As pessoas passam a fazer parte de um grupo e a se en- turmarem, ressalta Marín. "Aqueles que sofrem de dores articulares se vêem livres desses problemas quan- do viajam, enquanto outros melho-

ram da incontinência, não sabemos por quê. Já a memória melhora porque as pessoas se distraem, combatem o es- tresse, se concentram e aprendem coi- sas novas como nomes, lugares, datas e horários", afirma.

Um dos desafios pendentes é saber se esses resultados são duradouros ou desaparecem com o tempo. O único in- dicador de que Marín dispõe é aquele que é medido quando os idosos retor- nam das viagens: dão dicas de viagens aos amigos ou voltam a viajar. Quer di- zer, as viagens lhes fazem bem e, por isso, querem continuar viajando.

Capital social - Manuel Pereira, diretor do Serviço Nacional do Idoso (Sena- ma) do Chile, diz que essas viagens sig- nificam investir em saúde, o que confi-

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gura um tremendo capital social. "Fa- | zendo turismo", diz ele, "os idosos dei- g xam para trás as pílulas para combater ã o desânimo e a depressão".

Pereira explica que há um ganho | nas relações humanas e no fortaleci- mento das redes de apoio social, pois há visitas e contatos, evitando-se assim que os idosos caiam na solidão. Além disso, ampliam-se os conhecimentos culturais.

Rebeca Mondaca se lembra com ca- rinho das pessoas que conheceu em Ari- ca. Ainda se convidam por telefone para as festas que realizam. Ou seja, há uma ampliação das redes sociais para além do círculo familiar.

Entretanto, Manuel Pereira afirma que ainda falta muito para o setor turís- tico se adaptar à nova realidade do en-

velhecimento da população chilena. Muitos hotéis têm acessos pouco adequados e perigosos; não há adapta- ções nos banheiros e quar- tos nem há preocupação em preparar pratos espe- ciais, sem sal ou com pou- co açúcar, já que muitos ou diabetes. "Contudo, se está avançando" diz.

Rebeca reivindica que as viagens realizadas por meio do Sernatur sejam diferentes daquelas que

ela já fez por conta pró- pria. Nas viagens exclusivas para a terceira idade há cuidados es- peciais, atendimento médico personalizado, controles cons- tantes e indicações alimentares. O próximo passo que deve dar o setor turístico, de acordo com o diretor do Senama, será co- meçar a proporcionar umaj oferta segmentada, direciona- da para idosos com problemas específicos de saúde'. •

Região deAntofagasta,- norte do Chile: - liberdade serrrdor -

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CIÊNCIA

EPIDEMIOLOGIA

Traços definidos Genes e hábitos culturais afetam o risco de surgimento de tumores de cabeça e pescoço

RICARDO ZORZETTO

ILUSTRAçõES ELY BUENO

T7 | stá um pouco mais fácil

. entender como surgem os I tumores malignos de boca,

^M faringe, laringe e tireóide, ^^^^^^^ quatro formas de câncer

mais freqüentes em países em desenvolvimento como o Brasil e a índia. Uma extensa análise genética realizada por 65 pesquisa- dores paulistas revelou cerca de 950 genes que, ora mais ativos que o normal, ora menos, atrapalham o funcionamento regular das células e favorecem o aparecimento desses problemas, quase sempre cu- ráveis se identificados nas fases iniciais. O próximo passo desse estudo, publicado neste mês na Câncer Research, é verificar o grau de atividade de cada um dos genes relacionados a esses tumores, que a cada ano atingem cerca de 22 mil pessoas no país e nos casos mais graves deformam o rosto e dificultam a fala e a alimentação (os tumores de cérebro são tratados à parte). Da análise mais apurada dos genes, que consumirá alguns anos, podem surgir novas for- mas de tratamento e testes que detectem precoce- mente os tumores de boca, faringe, laringe e tireóide, hoje reconhecidos apenas por exames clínicos.

Em paralelo, grupos de pesquisa formados es- sencialmente por médicos, em três instituições brasileiras e uma canadense, relacionaram o local dos tumores com os hábitos e a história de vida das pessoas, mostrando as principais razões que au- mentam a probabilidade de surgimento de câncer de cabeça e pescoço na população brasileira, com um dos mais altos índices desses tipos de câncer no mundo, com cerca de dez casos em cada 100 mil

homens e três em cada 100 mil mulheres. Além da por ora incontrolável herança genética, que amplia de 1,2 a 8,5 vezes o risco de desenvolver um câncer, dependendo da relação de parentesco e da locali- zação do tumor, fatores relativamente controláveis se mostraram importantes como causas desses pro- blemas. Exceder-se na cerveja, no vinho ou em be- bidas com teor alcoólico mais elevado aumenta en- tre 2 e 12 vezes o risco de desenvolver um câncer, especificamente na boca e na faringe, que se mani- festa na forma de feridas indolores que não cicatri- zam. Estudos recentes dimensionaram os riscos de câncer, evidentemente mais elevados, para quem fu- ma muito, segue uma alimentação pobre em frutas e legumes ou mesmo quem não escova os dentes pelo menos uma vez ao dia. São números que pre- ocupam, mas não devem alarmar porque indicam probabilidades, não certezas. Quem consome bebi- da alcoólica ou fuma corre maior risco de desen- volver câncer assim como uma pessoa que sai à rua todos os dias está mais sujeita a ser atropelada do que outra que passa o tempo todo em casa.

Garimpagem - A análise genética é uma conse- qüência do projeto Genoma Humano do Câncer, financiado pela FAPESP e pelo Instituto Ludwig para a Pesquisa do Câncer. Em março de 2001, o Genoma Câncer entrava em sua última etapa, com a publicação na internet de um banco de dados com 1,2 milhão de fragmentos de material genéti- co de tumores de sete regiões do corpo. Um sexto desses fragmentos - ou 213 mil trechos descone- xos de DNA - estava relacionado aos cânceres de

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boca, faringe, laringe e ti- reóide. Era um volume de informação 35 vezes su- perior ao produzido no mundo todo até aquele momento.

"Diante de tanta infor- mação, decidimos analisar esse rico material antes que surgisse algum grupo do ex- terior interessado nesses da- dos", conta a bióloga Eloiza Ta- jara, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São José do Rio Preto, que coordenou o estudo em parceria com o geneticista Em- manuel Dias Neto, da Universidade de São Paulo (USP). "Em 2001, quando traba- lhava no Hospital do Câncer, eu desejava produzir resultados com maior possibi- lidade de aplicação prática", afirma Dias Neto, um dos criadores de um método de seqüenciamento de DNA chamado Cres- tes, que permite encontrar genes ativos e se mostrou bastante útil para selecionar os genes desse estudo. Dias Neto transferiu- se para o Instituto de Psiquiatria da USP no ano seguinte, envolveu-se em outras pesquisas, mas não deixou de lado o tra- balho que havia iniciado.

Durante quase três anos, a equipe sob sua coordenação esquadrinhou os 213 mil fragmentos de DNA de tecidos da cabeça,

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do pescoço e da tireóide. Desses, cerca de 190 mil eram de tumores de boca, faringe, laringe e tireói- de, coletados pela equipe do cirurgião Luiz Paulo Kowalski, do Hospital do Câncer A. C. Camargo. A essas amostras de teci- dos anormais se somaram os 23 mil fragmentos de genes de células sau- dáveis, que serviram como padrão de comparação. Depois de eliminar os trechos de genes repetidos ou dupli- cados, os pesquisadores chegaram a 4.100 genes ativos apenas nesses qua- tro tumores. Entre eles, há quase 950 genes com alguma forma nova de al- teração capaz de modificar o com- portamento das células e fazer com que se multipliquem descontroladamente, origi- nando um tumor. Foram também encontrados outros 500 genes de função desconhecida, metade deles localizada em um trecho do material genéti- co no qual se acreditava que não houvesse genes.

Uma análise mais detalhada desses 950 genes deve apontar aqueles característicos de determi- nadas formas de câncer: são os oncogenes, que podem funcionar como marcadores biológicos da doença, a exemplo do gene responsável pe- la produção do fator relacionado à zuotina 1 (ZRF1), proteína envolvida no controle da multi- plicação celular. A equipe paulista verificou que em geral esse gene é cerca de duas vezes mais abundante nos tumores de boca e até 13 vezes no câncer de laringe, o tubo cartilaginoso que per- mite a passagem do ar aos pulmões. A identifica- ção dos oncogenes é importante porque as pro- teínas produzidas por eles, quando encontradas no sangue, podem indicar o espalhamento do cân- cer pelo corpo. Segundo Dias Neto, desse levanta- mento também devem emergir genes ativos ape- nas nas células sadias desses órgãos, que poderiam ser utilizados em terapias gênicas para combater os tumores.

Hábitos e riscos - A essas descobertas acrescentam- se as que chegaram as equipes de Kowalski, do Hospital do Câncer A. C. Camargo, e do epidemio- logista brasileiro Eduardo Franco, atualmente na Universidade McGill, no Canadá. Após entrevista- rem 1.568 pessoas sem câncer e outras 784 com tu- mores de cabeça e pescoço atendidas em três capi- tais brasileiras - São Paulo, Curitiba e Goiânia -, eles tornaram mais claros os fatores de risco gené- ticos e ambientais associados ao surgimento dos tumores de boca, faringe, laringe e tireóide, em particular de um tipo bastante agressivo, o carci- noma de células escamosas, responsável por 90% dos casos de câncer de cabeça e pescoço. Os acha- dos - feitos em colaboração com Benedito Olivei- ra, do Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba, e Maria Curado, do Hospital Araújo Jorge, em Goiâ-

nia - resultaram em dez artigos científicos publica- dos nos últimos 15 anos em revistas internacionais especializadas.

e todos os fatores de risco avaliados, um não pode ser evitado: a heredi- tariedade. Quem tem um parente de primeiro grau - pais, irmãos ou fi- lhos - com um tumor maligno em qualquer parte do corpo corre risco

de 1,2 a 2,4 vezes maior de desenvolver câncer de cabeça e pescoço. Essa possibilidade varia bastante dependendo da localização do tumor e da relação de parentesco: se o familiar tiver um câncer de ca- beça e pescoço, o risco é 3,7 vezes maior e pode che- gar a 8,5 vezes caso a pessoa afetada seja um irmão ou uma irmã, segundo uma análise desses pesquisa- dores publicada no International Journal of Câncer.

Mas é preciso mesmo dedicar uma atenção es- pecial aos outros fatores, muitas vezes controláveis. Ingerir quantidades elevadas de álcool, hábito de 13% dos homens e 3% das mulheres no Brasil, au- menta o risco de desenvolver câncer, especifica- mente na boca e na faringe, possivelmente por causa da ação do próprio álcool ou de seus subpro- dutos sobre a camada de células que reveste esses órgãos. De acordo com outro artigo desse grupo de médicos, publicado em 2001 na Câncer Causes and Control, a probabilidade de desenvolver algum desses cânceres cresce ao menos 4 vezes para quem bebe um copo de cerveja por semana durante um a quinze anos. Esse risco é 6 vezes maior para a pessoa que bebe até dez doses de cachaça por se- mana ou 10 vezes mais elevado para quem, em vez de cachaça, prefere um bom uísque.

Já a probabilidade de desenvolver tumor na la- ringe, que se manifesta na forma de dor de gargan- ta e rouquidão duradouras, sobe ao menos 5 vezes para as pessoas que fumam qualquer tipo de taba- co - hábito mantido por um terço da população adulta - e fica entre 8 e 11 vezes maior para quem fuma cigarro industrializado, cigarro de palha ou cachimbo. Os resultados publicados em 1999 na Epidemiology mostraram ainda que esse risco di- minui pronunciadamente entre cinco e dez anos depois de parar de fumar (cigarro industrializado ou de palha). Associada aos danos físicos e funcio- nais, surge uma complicação adicional: a queda da auto-estima, que leva quase metade das pessoas com tumores de cabeça e pescoço a sofrer de de- pressão - e uma em cada cem a tirar a própria vida, a segunda maior taxa de suicídio entre os portadores de câncer.

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* *

Alguns hábitos culturais brasileiros também se mostram danosos. O uso de fogão a lenha, ainda comum no interior do país, eleva em 2,7 vezes a probabilida- de de uma pessoa ter uma dessas quatro formas de câncer, relatam os pesquisado- res no International Journal of Epidemio- logy. É que a queima de lenha ou carvão libera gases e partículas suspeitos de pro- vocarem câncer em quem os inala. índi- ces semelhantes foram observados en- tre as pessoas que não mantêm uma boa higiene bucal. Não escovar os dentes pelo menos uma vez ao dia dobra o ris- co de ter câncer na língua e aumenta em 2,4 vezes o de tumor na faringe, o tubo muscular que conecta a boca ao sistema digestivo e à laringe. O uso de dentaduras inadequadas, que incomodam e machucam as gengivas, multiplica por nove a ocorrência de câncer na língua, segundo artigo da Oral Oncology.

A desinformação agrava esse quadro, por si só preocupante. Em geral, as pessoas não conhecem os sinais iniciais do câncer - lesões na boca ou dor de garganta persistente - e demoram a procurar o médico ou o dentista. Muitos profissionais da saúde, por sua vez, levam cerca de três meses para fechar o diagnósti- co. É muito tempo. Principal razão do insucesso da terapia de câncer de cabeça e pescoço no país, essa lentidão produz conseqüências gra- ves: quando o paciente é encami- nhado ao especialista em câncer, sua doença já está em fase tão avançada que não há muito a fazer.

Numa análise mais recente, publi- cada em janeiro de 2004 na Head and Neck, a equipe de Kowalski constatou que as terapias utilizadas no Hospital do Câncer de São Paulo são tão eficientes quanto as aplicadas num dos mais impor- tantes centros de tratamento do câncer do mundo, o Memorial Sloan Kettering, nos Estados Unidos. "A diferença é que aqui dois terços das pessoas chegam ao hospi- tal com o tumor em estágio avançado, en- quanto lá o diagnóstico em fase avançada ocorre com apenas um terço dos pacien- tes", explica Kowalski. Soluções? "Realizar campanhas públicas para alertar as pes- soas para os fatores de risco associados a essas formas de câncer e os sinais iniciais da doença, além de, claro, melhorar a for- mação de médicos e dentistas." •

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CIÊNCIA

FÍSICA

Carbono,em gotas Teoria sustenta que nanotubos se formam num processo que lembra a produção de orvalho

ilindros formados por uma cama- da enrolada de grafite com apenas um átomo de espessura, os nano- tubos de carbono podem ser a ma- téria-prima para a criação de uma nova geração de componentes ele-

trônicos mais eficientes. Aparentemente versáteis como nenhuma outra estrutura física, podem atuar como condutor, semicondutor ou isolante elétrico. Para mudar suas propriedades, bastaria alterar a geo- metria das lâminas atômicas. Parece simples, mas ninguém sabe como nascem e crescem os nanotu- bos, tampouco como se controla a sua produção. Na edição de 11 de fevereiro da revista norte-ame- ricana Science, uma equipe de pesquisadores dos Estados Unidos, França e Brasil formulou uma teo- ria para explicar o surgimento de tais estruturas quando criadas pelo método do arco elétrico, o mes- mo empregado para produzir os primeiros nano- tubos de carbono em 1991. Teoria líquida - e certa, acreditam eles. Em vez de se edificar a partir do car- bono gasoso, como até agora se pensava, os nano- cilindros de grafite, estruturas sólidas, apesar das dimensões infinitesimais, são filhos de gotas de car- bono geradas a temperaturas de alguns milhares de graus Celsius. Pelo menos é o que propõem os au- tores do artigo científico.

A idéia é controversa, como os próprios pesqui- sadores admitem. "Não há provas de que o carbo- no em sua fase líquida exista, embora nós acredite- mos que sim", explica o físico Daniel Ugarte, do Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores do trabalho (seu colega Jefferson Bettini, do LNLS, também participou do estudo). Como a temperatura de fusão do elemento quími- co mais abundante na Terra é superior a 4.000°C, alguns cientistas acreditam que o carbono evapora antes de fundir. De sólido, vira gás sem passar pela

fase líquida, num fenômeno chamado sublimação, que acontece à temperatura ambiente com a nafta- lina colocada no armário. Então os pesquisadores formularam uma teoria para explicar a origem dos nanotubos a partir de uma forma de carbono cuja existência ainda não é totalmente aceita pela comu- nidade científica? Exatamente. E ainda publicaram o texto que apresenta a estranha tese numa das mais importantes revistas científicas. "Há dois anos, fi- zemos uma primeira versão do artigo, mas não es- tava bom. Jogamos o escrito fora e fizemos outro", diz Ugarte. Apesar de questionável, a nova expli- cação para a formação dos nanotubos agradou.

A teoria se aplica apenas às fibras de moléculas de carbono produzidas pelo antigo método do arco elétrico, hoje pouco utilizado pelos grupos de pes- quisa, que preferem recorrer a técnicas de menor custo para gerar seu material de estudo. Por esse método, os nanotubos surgem, misteriosamente, após a aplicação de uma alta descarga elétrica em eletrodos de grafite, a forma de carbono que recheia os lápis de escrever, mantidos numa atmosfera de hélio, um gás inerte. As hipóteses mais difundidas atribuem o aparecimento dos nanotubos ao rearran- jo sólido, na forma de cilindros, de átomos de car- bono que se evaporaram ao atingir temperaturas da ordem de 5.000°C. Mas, ao examinar em detalhes os nanotubos gerados em seus experimentos, a equipe de pesquisadores norte-americanos, franceses e bra- sileiros viu algo que ninguém tinha percebido ou dado importância: imagens de microscopia eletrô- nica revelaram a ocorrência de esferas sobre alguns nanotubos. Bolhas que lembram as gotas de orvalho que se formam sobre os fios de uma teia de aranha.

Era a pista de que precisavam para formular a sua teoria. "Apenas olhando as gotas percebemos que tinham alguma coisa a ver com líquido", afir- ma o físico Walt A. de Heer, do Instituto de Tecno- logia da Geórgia, Estados Unidos, principal autor

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Teia de aranha com orvalho e duas imagens de bolhas de carbono viscoso sobre nanotubos: cenários semelhantes

do trabalho. "Então fizemos a seguinte pergunta: se as gotas foram um dia car- bono líquido, e os nanotubos aos quais elas estão ligadas também são carbono, por que o carbono líquido não dissol- veu o nanotubo? A resposta é que o lí- quido deve ter sido vidro de carbono a uma temperatura menor do que a do nanotubo."

Segundo os pesquisadores, a seqüên- cia de eventos que levam ao surgimen- to dos nanotubos pode ser assim resu- mida. Primeiro, formam-se as gotas de carbono, resultado da liquefação desse elemento quando submetido a altíssi- mas temperaturas. Em seguida, devido à evaporação de átomos, a porção mais externa de cada gota se esfria muito ra- pidamente. Tal resfriamento, violento, cria na superfície da gota um revesti- mento de um líquido viscoso. De vidro de carbono. No interior da crosta vítrea, no entanto, ainda há carbono líquido e quente. "O resfriamento da parte inter- na da gota se dá por condução de calor, num processo mais lento do que a eva- poração de átomos da superfície", ex- plica Ugarte. À medida que a tempera- tura cai dentro da gota, os nanotubos se cristalizam. Por fim, a gota se parte e os nanotubos atravessam o líquido visco- so que os revestia, restando sobre os na- nocilindros porções de esferas vítreas. O resultado final é uma imagem de na- notubos com bolinhas, um cenário se- melhante ao de uma teia de aranha pon- tilhada pelo orvalho. •

MARCOS PIVETTA

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 59

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CIÊNCIA

HOMENAGEM

No universo da física Belita Koiller recebe o Prêmio Mulheres na Ciência por estudos sobre comportamento dos elétrons

elita Koiller, pro- fessora e pesqui- sadora do Insti- tuto de Física da Universidade Fe- deral do Rio de

Janeiro (UFRJ), foi uma das cinco esco- lhidas para receber o Prêmio L'Oréal- Unesco para Mulheres na Ciência de 2005, em Paris. "Foi uma surpresa", diz Belita, que sabia ter sido indicada por colegas da comunidade científica, mas não oficialmente. "É o reconhecimento da maturidade da física brasileira, por- que não basta ter muitas mulheres fazendo física, é preciso que a infra-es- trutura de trabalho esteja madura e de- senvolvida", ressalta. Premiada por seus "estudos teóricos de elétrons em meios desordenados", a pesquisadora explica que essa frase resume vários trabalhos realizados ao longo dos anos, incluin- do aplicações recentes na computação quântica e na nanociência. As outras quatro contempladas com o prêmio

neste ano foram Zohra Ben Lakhdar- Akrout, da Tunísia, na África, Fumiko Yonezawa, do Japão, Dominique Lan- gevin, da França, e Myriam Sarachik, dos Estados Unidos.

Incentivo familiar - Nascida no Rio de Janeiro, filha de pai advogado e mãe dentista e a mais nova de uma família de quatro irmãs, Belita conta que sem- pre foi incentivada a ter uma profis- são. Durante uma certa fase da vida pensou em ser professora secundária, mas, após muita hesitação, resolveu se- guir carreira como física, que lhe per- mitiria conciliar o desejo de ensinar e fazer pesquisa. Após terminar o curso na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, ela morou durante um período nos Estados Uni- dos, onde obteve em 1976 o doutorado na Universidade de Berkeley, na Cali- fórnia. Uma das lembranças que Belita tem dessa época é que ela era a única mulher da turma de física na universi-

dade norte-americana. E não havia ne- nhuma professora no departamento de física. Isso em uma época em que o movimento feminista norte-americano estava em plena efervescência. Traçan- do um paralelo entre a situação das mulheres nas universidades norte- americana e brasileira naquele período, ela conta que quando fazia a graduação na PUC dividia a sala de aula com várias estudantes, mas apenas uma professo- ra. Passados quase 30 anos, a partici- pação das mulheres no campo da física ainda é bastante restrita nos Estados Unidos, diz a pesquisadora. "O proble- ma é mais gritante lá do que no Brasil." Ela cita uma pesquisa que lista as posi- ções de emprego nas 50 maiores uni- versidades norte-americanas, publica- da pelo jornal The Washington Post. "Na área de física, as mulheres professoras ou pesquisadoras são apenas 6,6% do total empregado", relata. "Já em quí- mica e astronomia, esse patamar sobe para 12% e 12,6%, respectivamente."

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Depois de terminar o doutorado voltou para trabalhar na PUC do Rio de Janeiro, onde ficou até transferir-se para a UFRJ, em 1994. Sua trajetória profissional a levou para a física de ma- teriais, uma área que trata com produ- tos que têm impacto no nosso dia-a-dia, como, por exemplo, os chips de com- putador. "Trabalho mais com o com- portamento dos elétrons nos diferentes materiais", diz Belita. "Estudo as pro- priedades de materiais semicondutores que seriam mais apropriados para a fa- bricação de um computador quântico." Ela ressalta que as pesquisas são ainda especulativas, porque, embora matema- ticamente já tenha sido demonstrado que é possível desenvolver um equi- pamento desse tipo, até agora ainda não foi fabricado nenhum protótipo. A etapa atual da pesquisa é investigar os diferentes sistemas físicos para imple- mentar o computador quântico.

Belita diz que é preciso ter muita perseverança para não desanimar e en-

frentar os desafios do dia-a-dia da pes- quisa. "Às vezes tomamos caminhos equivocados que nos levam a pequenas derrotas e precisamos começar tudo de novo", diz. "Mas é preciso manter uma atitude de otimismo."

Uma por continente - A pesquisadora é a terceira brasileira a receber o prêmio concedido pela empresa de cosméticos francesa L'Oréal e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciên- cia e a Cultura (Unesco), desde que co- meçou a ser concedido em 1988. As ou- tras duas foram a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo, premiada em 2001, e a bióloga Lúcia Mendonça Previato, também da UFRJ, no ano passado. O prêmio, no valor de US$ 100 mil, é concedido todos os anos a cinco mulheres cientistas, uma por continente. Nesta edição, a sétima, a es- colha das vencedoras coube a um júri formado por um grupo interdiscipli- nar composto por 14 cientistas, presi-

dido pelo francês Pierre-Gilles de Ge- nes, prêmio Nobel de física de 1991.

Outra brasileira, a médica paraense Michelle de Oliveira, foi uma das 15 es- colhidas para receber o Prêmio Jovem Mulher Cientista, também concedido pela UOréal-Unesco, no valor de US$ 20 mil. Nessa categoria só podem con- correr mulheres até 35 anos que este- jam cursando doutorado ou pós-dou- torado. Michelle faz pós-graduação na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Na pesquisa clínica meu in- teresse está mais focado no diagnóstico e tratamento dos tumores que acome- tem o fígado", diz Michelle. "O prêmio estimula o potencial científico ao patro- cinar a realização do aprimoramento em localidades renomadas no exterior." Michelle escolheu o Hospital Universi- tário de Zurique, na Suíça, para inves- tigar o crescimento e o tratamento dos tumores hepáticos. •

DlNORAH ERENO

PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 61

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Page 63: Colesterol - além do bom e do mau

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Page 64: Colesterol - além do bom e do mau

A revista Arquivos Brasileiros de Oftalmologia foi aprovada no processo de seleção do Medline/PubMed e tornou-se a única publicação latino-americana de sua especialidade nessa base de dados. De acordo com o editor-chefe Harley Bicas, sua prévia indexação na coleção SciELO Brasil foi decisiva para essa aprovação.

Biblioteca de

Revistas Científicas

disponível na internet

www.scielo.org

■ Energia

Otimização hidroelétrica

Desenvolver uma metodologia flexível de di- mensionamento de usinas hidroelétricas para que os diversos parâmetros que podem influen- ciar o processo de geração energética sejam considerados. Este é o objetivo do estudo "Di- mensionamento evolutivo de usinas hidroelé- tricas", de Donato da Silva Filho e Adriano Car- neiro, pesquisadores da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos. Segundo o artigo, o dimensionamento de uma usina hidroelétrica consiste na especifi- cação das principais características físicas da usina que determinarão sua capacidade de ge- ração de energia. "Estas características são os volumes mínimo e máximo do reservatório, a potência instalada e as quedas de projeto e de referência das turbinas", especificam os autores. Por conta disso, os pesquisadores apresentam uma técnica de otimização resultante da com- binação entre algoritmos genéticos e um mo- delo de simulação da operação de sistemas hi- droelétricos de potência. Além da combinação destas técnicas, a metodologia possui um es- quema flexível para valorização econômica da energia gerada, capacidade de simular a opera- ção do sistema hidroelétrico segundo diferen- tes políticas de operação e a opção de serem utilizadas diferentes séries de vazões afluentes. "Através desta metodologia as possíveis solu- ções podem ser exploradas com maior eficiên- cia que nas buscas tradicionalmente utilizadas", apostam os autores do estudo. "Além disso, a ferramenta de simulação permite a utilização de diferentes políticas de operação para as usi- nas, viabilizando assim o dimensionamento de aproveitamentos segundo diferentes formas de operar o sistema." Os pesquisadores explicam que a construção de uma usina hidroelétrica traduz-se na realização de um grande investi- mento e, a partir do capital utilizado para cus- tear a construção da usina, deseja-se que as re- ceitas operacionais, obtidas com a venda da energia gerada ao longo da vida útil do em- preendimento, proporcionem lucros. Com o estudo de caso apresentado no artigo, os pes- quisadores mostraram que os benefícios ener- géticos de uma usina são influenciados pela política de operação utilizada nas simulações.

SBA: CONTROLE & AUTOMAçãO SOCIEDADE BRA-

SILEIRA DE AUTOMáTICA - VOL. 15 - N° 4 - CAM-

PINAS - OUT./DEZ. 2004

www.scielo.br/scielo.php7scrlpt-sci_arttext8ipid-Soio3- i7592004000400007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Cardiologia

Peso pressiona pressão

Existe uma forte associação entre mas- sa corporal e pressão arterial, independen- temente do sexo, ida- de, renda familiar, escolaridade e ocu- pação. Esta é a prin- cipal conclusão do artigo "Prevalência de excesso de peso e hipertensão arterial em po- pulação urbana de baixa renda", escrito por pesquisadores da Fundação Nacional de Saúde e da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Com o objetivo de estudar a relação entre estas duas variáveis, os pesquisadores das duas ins- tituições fizeram um estudo transversal, por meio de um questionário, com uma população de baixo nível socioeconômico. De acordo com o levantamento realizado em 958 domicílios do município de Caucaia, na Região Metropo- litana de Fortaleza, foram obtidas informações completas de 1.032 pessoas com mais de 30 anos de idade. A prevalência de hipertensão ar- terial e de excesso de peso foi 22,5% e 51,2%, respectivamente. Para os pesquisadores, levan- do-se em conta que o aumento da massa cor- poral está fortemente associado à elevação da pressão arterial, informação que vale tanto para os países ricos como para aqueles menos desenvolvidos, "podemos considerar o excesso de peso como o principal determinante que pode ser prevenido da ocorrência de hiperten- são arterial".

ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA

84 - N° 1 - SãO PAULO - JAN. 2005 VOL.

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Soo66- 782X2oo50ooioooo7&lng=pt&nrm=isoStlng=pt

64 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

Page 65: Colesterol - além do bom e do mau

■ Fisiologia

Perfil da baixa estatura

A cidade de Itabaianinha, no Sergipe, abriga o maior grupo de habitantes com o fenótipo associado à defi- ciência isolada do hormônio do crescimento (DIGH). Por conta disso, a região serviu para que pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e da Univer- sidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) descrevessem o fenótipo clínico e laboratorial dos pacientes da cidade para descobrir as causas da baixa estatura da popula- ção. Os resultados da pesquisa estão descritos no arti- go "Diagnóstico clínico e laboratorial da deficiência isolada do hormônio do crescimento em crianças e adolescentes portadores da mutação no gene do recep- tor do hormônio liberador do hormônio do cresci- mento em Itabaianinha, Sergipe". Foram selecionados 12 indivíduos com fenótipo clínico de DIGH e 10 vo- luntários controles que não apresentavam esta de- ficiência, ambos com idade inferior a 20 anos. "Os achados encontrados assinalam que os pacientes de Itabaianinha apresentavam fenótipo clínico clássico e o padrão hormonal característico da deficiência isola- da de DIGH tipo IB", concluem os pesquisadores. O estudo mostrou também não haver alterações de fun- ção tireoidiana, níveis de hormônios gonadais, cortisol e no estudo da sela túrcica nessa população. Os indi- víduos de Itabaianinha apresentam maior número de características fenotípicas (baixa estatura proporcio- nada, fácies típica, adiposidade central etc.) quando comparados aos grupos descritos na literatura com outras mutações no GHRH-R.

JORNAL BRASILEIRO DE PATOLOGIA E MEDICINA LABORA-

TORIAL - VOL. 40 - N° 6 - Rio DE JANEIRO - DEZ. 2004

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Si676-

2444200400o6oooo3&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Psicologia

Ansiedade estratégica

"Um bom desempenho escolar envolve o uso eficien- te de estratégias de aprendizagem e o controle de variá- veis psicológicas do aluno." Com base nesta premissa, o artigo "Compreendendo relações entre estratégias de aprendizagem e a ansiedade de alunos do ensino fun- damental de Campinas" procurou verificar as relações entre o uso de estratégias de aprendizagem e a ansie- dade de 155 alunos do ensino fundamental de uma es- cola pública de Campinas. O estudo, que tem autoria de Elis Regina da Costa e Evely Boruchovitch, pesqui- sadoras da Universidade Estadual de Campinas (Uni- camp), teve como base teórica a Psicologia Cognitiva baseada na Teoria do Processamento da Informação. A coleta de dados foi feita a partir de entrevistas estrutu- radas sobre estratégias de aprendizagem e uma escala de ansiedade. Participaram do estudo alunos do ensi- no fundamental, entre 6 e 18 anos. "A ansiedade, a mo-

tivação, as crenças sobre inteligência, a auto-eficácia e as atribuições de causalidade influenciam na utilização das estratégias de aprendizagem por parte dos alunos", dizem as pesquisadoras. Os resultados indicaram que a ansiedade pode favorecer ou interferir no uso ade- quado de estratégias de aprendizagem.

PSICOLOGIA: REFLEXãO E CRíTICA - VOL. 17 PORTO ALEGRE - 2004

N° 1

www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=Soio2-

79722004000ioooo4&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Agronomia

Crescimento cítrico

Pesquisadores do Ins- tituto Agronômico de Campinas (IAC) com- provaram que as rizo- bactérias podem ser uma ferramenta eficiente pa- ra o crescimento de plan- tas cítricas. Os resulta- dos dos experimentos desenvolvidos no interior de São Paulo estão no artigo "Rizobactérias e promoção do crescimento de plantas cítricas". As rizobactérias têm sido citadas numa série de trabalhos como bene- ficiadoras de uma gama de espécies vegetais, dentre elas a abóbora, alface, feijão e trigo. A citricultura, em São Paulo, se estende por 770 mil hectares, mais de 70% da área ocupada por essa atividade no país. Com base nessas informações, o objetivo do estudo foi veri- ficar a ocorrência e a densidade de bactérias do grupo fluorescente do gênero Pseudomonas na rizosfera de diferentes espécies de plantas cítricas mantidas em condições de viveiro e de campo, além de selecionar isolados bacterianos como promotores de crescimento de citros. Ao todo, foram testados dez isolados de Pseu- domonas do grupo fluorescente, 13 de Bacillus e sete de outras bactérias rizosféricas em porta-enxertos uti- lizados na citricultura: tangerineira-cleópatra (Citrus reshní), limoeiro-cravo (Citruslimonia) e limoeiro-vol- cameriano (Citrus volkameriana). As Pseudomonas fluo- rescentes apresentaram comportamento instável quan- to à promoção do crescimento de plantas cítricas. Porém, dependendo do porta-enxerto, sete isolados de Pseudomonas, um de Bacillus e um de outra bactéria ri- zosférica tiveram efeito benéfico sobre a matéria seca de raízes e da parte aérea das plantas. A conclusão: isola- dos bacterianos de Pseudomonas fluorescentes, Bacillus e outras bactérias rizosféricas podem agir como pro- motores do crescimento de plantas cítricas.

REVISTA BRASILEIRA DE CIêNCIA DO SOLO - VOL. 28 - N° 6 - VIçOSA - NOV./DEZ. 2004

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PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 • 65

Page 66: Colesterol - além do bom e do mau

I TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUçãO MUNDO

A salvação de Hermes

Plataforma protege estátua dos terremotos

Terremotos podem pro- vocar mortes, danos ma- teriais e também atingir obras de arte. Uma delas, a do deus grego Hermes, com o pequeno Dionísio no colo, exposta no Museu Arqueológico de Olímpia, na Grécia, que foi escul- pida, provavelmente, no ano de 340 a.C. por Pra- xíteles, já está protegida contra terremotos que atinjam até 8 na escala Richter (o terremoto que provocou, por exemplo, os maremotos na Ásia em dezembro passado atin-

giu a escala 9). A prote- ção está num mecanismo instalado em uma plata- forma que permite a es- tátua de mármore, com quase 2 metros de altura, balançar como um pên- dulo sem cair ao solo du- rante um abalo sísmico. O sistema foi desenvolvido pelos pesquisadores Mi- chael Constantinou e Andrew Whittaker, da Universidade de Buffa- lo, dos Estados Unidos, e Vlassis Koumousis, da Universidade Técnica de Atenas. Eles fizeram si- mulações em computador do comportamento da estátua num terremoto e estabeleceram as especifi- cações do mecanismo fa- bricado pela empresa nor- te-americana Earthquake Protection Systems. •

■ Blade Runner no trilho e no asfalto

Um veículo que possui a ca- pacidade de percorrer rodo- vias e trilhos de uma estrada de ferro levando passageiros e carga é a mais recente novi- dade inglesa na área de trans- porte. Com rodas de aço re- trateis entre os pneus, ele permite ao motorista passar suavemente de uma rodovia para os trilhos por meio de apenas um botão. O projeto foi mostrado no ano passado no Museu da Ciência, em Lon- dres, pela empresa Silvertip De- sign, que desenvolveu o novo meio de transporte em cola-

boração com as universida- des de Lancaster e Norfhum- bria, além da participação fi- nanceira do Departamento de Comércio e Desenvolvi- mento da Grã-Bretanha. Meio caminhão, meio trem, ele foi chamado de Blade Runner,

Rodas de aço retrateis entre os pneus

nome tirado do filme produ- zido em 1982, com direção de Ridley Scott, que trata de andróides, meio máquinas, meio humanos. Os Blade Runners poderão carregar automóveis com passageiros e carga a 160 quilômetros por

hora, consumindo menos combustível e poluindo me- nos que caminhões e carros de passeio juntos, por meio da construção de linhas espe- ciais ao lado de rodovias, mas sem grandes gastos com in- fra-estrutura. •

66 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

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Tela

Bateria

■ Recorde em energia solar

Diminuir a poluição de gases oriundos da queima de deri- vados do petróleo e aprovei- tar a energia gratuita e farta do Sol são dois dos princípios que regem o desenvolvimento da energia solar. Nesse senti- do, já está em pleno funciona- mento a maior usina gerado- ra de energia elétrica a partir dos raios solares do mundo. Inaugurada no ano passado no local de uma antiga mina de carvão, perto da cidade de Leipzig, uma das áreas mais poluídas do leste da Alema- nha, a usina foi construída pelas empresas Shell Solar e Geosol. Ela possui 33.500 módulos solares e gera 5 me- gawatts (MW) de energia, su- ficientes para a demanda de 1.800 casas. A planta solar compreende uma área de 16 hectares (1 hectare é igual a 10 mil metros quadrados). Segundo os construtores, a nova usina evitará que 3.700 toneladas de dióxido de car- bono sejam jogadas na at- mosfera por meio de motores e termoelétricas. •

Produtor de imagens

Sensor

■ Atletas ganham óculos eletrônicos

Informações biomédicas co- mo batimentos cardíacos e nível de oxigênio no sangue são preocupações importan- tes para atletas que querem melhorar o desempenho es- portivo e quebrar recordes. Obter essas informações em tempo real tanto para o atleta como para seu treinador de- verá ficar mais fácil com os óculos que a empresa britâ- nica Cambridge Consultants está finalizando. Chamados de Technospecs, os óculos terão sensores que vão informar as medidas biomédicas, durante os treinos, ao atleta de atletis- mo, por exemplo, por meio de uma tela projetada nas lentes, técnica usada para pi- lotos de jatos de caça. A em- presa vai desenvolver óculos semelhantes para nadadores e ciclistas e espera incorporar a comunicação sem fio para facilitar a análise de dados em um computador. Além de miniaturizar peças e senso- res, a empresa está colocando todo o processamento eletrô- * nico em apenas um chip. •

BRASIL

Autonomia e visão panorâmica

Desenvolvimento de robô industrial via internet

Produção de módulos solares na Alemanha

Um robô que trabalha com visão de 360 graus e ainda consegue andar sozinho em um ambiente sem colidir com obstáculos está sendo criado no Departamento de Enge- nharia Mecatrônica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), sob a coor- denação do professor Jun Okamoto Júnior. No futuro, esses robôs poderão ser usa- dos para supervisionar tare- fas em indústrias automati- zadas, movimentar cadeiras de rodas ou servir como babá eletrônica. O equipamento possui uma câmera de vídeo preto-e-branco e um espelho hiperbólico que lhe permite ter uma visão completa do ambiente. A partir das ima- gens o robô consegue calcu- lar o caminho a ser percorri- do. Para programar as tarefas que devem ser executadas pelo robô foi utilizado o soft- ware Power Designer, da em-

presa Sybase. "Essa é uma aplicação inédita para o soft- ware, utilizado para modelar processos industriais dentro de empresas", diz Okamoto. O prazo previsto para o de- senvolvimento do novo robô autônomo, que faz parte do programa Tecnologia da In- formação no Desenvolvimen- to da Internet Avançada (Ti- dia), da FAPESP, é de três anos. São três laboratórios em rede {weblabs), dois deles com má- quinas-ferramenta e o tercei- ro com o robô andando den- tro de um ambiente industrial em uma trajetória pré-pro- gramada. "Será possível ver pe- la internet imagens do que o robô está observando, como, por exemplo, detalhes da produção de uma peça", diz Okamoto. Se for necessário, o operador poderá comandar o robô para que ele pare em algum ponto, antes de reto- mar sua rota autônoma. •

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 67

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Tela

Bateria

■ Recorde em energia solar

Diminuir a poluição de gases oriundos da queima de deri- vados do petróleo e aprovei- tar a energia gratuita e farta do Sol são dois dos princípios que regem o desenvolvimento da energia solar. Nesse senti- do, já está em pleno funciona- mento a maior usina gerado- ra de energia elétrica a partir dos raios solares do mundo. Inaugurada no ano passado no local de uma antiga mina de carvão, perto da cidade de Leipzig, uma das áreas mais poluídas do leste da Alema- nha, a usina foi construída pelas empresas Shell Solar e Geosol. Ela possui 33.500 módulos solares e gera 5 me- gawatts (MW) de energia, su- ficientes para a demanda de 1.800 casas. A planta solar compreende uma área de 16 hectares (1 hectare é igual a 10 mil metros quadrados). Segundo os construtores, a nova usina evitará que 3.700 toneladas de dióxido de car- bono sejam jogadas na at- mosfera por meio de motores e termoelétricas. •

Produtor de imagens

Sensor

■ Atletas ganham óculos eletrônicos

Informações biomédicas co- mo batimentos cardíacos e nível de oxigênio no sangue são preocupações importan- tes para atletas que querem melhorar o desempenho es- portivo e quebrar recordes. Obter essas informações em tempo real tanto para o atleta como para seu treinador de- verá ficar mais fácil com os óculos que a empresa britâ- nica Cambridge Consultants está finalizando. Chamados de Technospecs, os óculos terão sensores que vão informar as medidas biomédicas, durante os treinos, ao atleta de atletis- mo, por exemplo, por meio de uma tela projetada nas lentes, técnica usada para pi- lotos de jatos de caça. A em- presa vai desenvolver óculos semelhantes para nadadores e ciclistas e espera incorporar a comunicação sem fio para facilitar a análise de dados em um computador. Além de miniaturizar peças e senso- res, a empresa está colocando todo o processamento eletrô- * nico em apenas um chip. •

BRASIL

Autonomia e visão panorâmica

Desenvolvimento de robô industrial via internet

Produção de módulos solares na Alemanha

Um robô que trabalha com visão de 360 graus e ainda consegue andar sozinho em um ambiente sem colidir com obstáculos está sendo criado no Departamento de Enge- nharia Mecatrônica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), sob a coor- denação do professor Jun Okamoto Júnior. No futuro, esses robôs poderão ser usa- dos para supervisionar tare- fas em indústrias automati- zadas, movimentar cadeiras de rodas ou servir como babá eletrônica. O equipamento possui uma câmera de vídeo preto-e-branco e um espelho hiperbólico que lhe permite ter uma visão completa do ambiente. A partir das ima- gens o robô consegue calcu- lar o caminho a ser percorri- do. Para programar as tarefas que devem ser executadas pelo robô foi utilizado o soft- ware Power Designer, da em-

presa Sybase. "Essa é uma aplicação inédita para o soft- ware, utilizado para modelar processos industriais dentro de empresas", diz Okamoto. O prazo previsto para o de- senvolvimento do novo robô autônomo, que faz parte do programa Tecnologia da In- formação no Desenvolvimen- to da Internet Avançada (Ti- dia), da FAPESP, é de três anos. São três laboratórios em rede {weblabs), dois deles com má- quinas-ferramenta e o tercei- ro com o robô andando den- tro de um ambiente industrial em uma trajetória pré-pro- gramada. "Será possível ver pe- la internet imagens do que o robô está observando, como, por exemplo, detalhes da produção de uma peça", diz Okamoto. Se for necessário, o operador poderá comandar o robô para que ele pare em algum ponto, antes de reto- mar sua rota autônoma. •

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 67

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■ Biodiesel na matriz energética

Dentro de três anos, todo o diesel vendido no Brasil terá, pelo menos, 2% de biodiesel, combustível à base de óleo vegetal, em sua composição. A lei que trata do estabeleci- mento do biodiesel na matriz energética brasileira prevê ainda que até 2012 será obri- gatória a adição de um por- centual mínimo de 5% de óleo vegetal. Os prazos poderão ser reduzidos pelo Conselho Nacional de Política Energé- tica, de acordo com critérios como aumento da oferta de matéria-prima e da capaci- dade industrial para produ- ção do biocombustível. Vá- rias instituições de pesquisa do país colaboraram para que o biodiesel se tornasse reali- dade (veja Pesquisa FAPESP n° 94), principalmente em re- lação às opções regionais de produtos agrícolas. Para dar mais suporte tecnológico à produção do novo combustí- vel, os ministérios da Agricul- tura e de Minas e Energia cria-

Vegetação de mangue, salinas e dunas no Rio Grande do Norte

A indústria espacial brasi- leira ganha novo impulso com um contrato de US$ 125 milhões para a cons- trução dos satélites CBERS- 3 e 4, que fazem parte do programa de cooperação Brasil-China para o desen- volvimento de satélites de observação da Terra. São

ram o Pólo Nacional de Bio- combustível em Piracicaba, que será gerenciado pela Es- cola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Univer- sidade de São Paulo. •

seis empresas, Fibraforte, Cenic e Neuron, de São Jo- sé dos Campos, Omnisys, de São Paulo, Opto Eletrô- nica, de São Carlos, e Aero- eletrônica, de Porto Alegre. Sob a coordenação do Ins- tituto Nacional de Pesqui- sas Espaciais (Inpe), elas vão fornecer a estrutura

dos satélites, os sistemas de geração de energia e coleta de dados, além dos equi- pamentos de telecomuni- cações, computadores de bordo e duas câmeras foto- gráficas. "Assim, a partici- pação da indústria nacio- nal chega a 83%", diz Luiz Carlos Miranda, diretor do

■ Bambu e areia na limpeza de esgoto

Um sistema de tratamento de esgoto barato e eficaz que uti- liza areia e bambu e pode ser

R$IH3S9 TOTAL A PAGAR

U.UUU J

1

PREÇO POR LITRC

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instalado em cidades peque- nas, áreas rurais e condomí- nios foi desenvolvido na Fa- culdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O prin- cipal equipamento do siste- ma é um cilindro preenchido com bambus cortados em pe- quenos pedaços. Nesse reator ocorre o metabolismo anae- róbio (sem oxigênio) de de- gradação, um sistema que propicia a ação de bactérias que consomem a matéria or- gânica presente no esgoto. Associados ao reator estão os filtros de areia que comple- mentam a limpeza de com- postos poluentes. A análise da

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Representação gráfica do satélite CBERS-3

Inpe. Na construção dos sa- télites CBERS-1 e 2, essa par- ticipação não ultrapassou os 50%. O lançamento do CBERS-3 está previsto para 2008 eo4para2011.0 pri- meiro, lançado em outubro de 1999, operou até agosto de 2003. O segundo, lança- do em outubro de 2003,

continua na ativa. As ima- gens têm aplicação nas áreas de monitoramento ambien- tal, defesa, previsão de safras, uso do solo e planejamen- to urbano. Desde junho de 2004 algumas imagens es- tão disponíveis, gratuita- mente, no site www.cbers. inpe.br. Até janeiro de 2005 foram solicitadas 57.268 imagens. As empresas pri- vadas, principalmente Região Centro-Oeste, lie ram os pedidos.

água resultante do sistema indicou que ela não é potável, mas pode ser empregada em hortas e na lavagem de carros e de pisos. Ela também pode ser despejada nos rios sem problemas de poluição. "As vantagens do bambu são a le- veza e a resistência. Depois de três ou quatro anos, ele se mantém intacto e serve de suporte para as bactérias que atuam no sistema", diz Adria- no Tonetti, um dos pesquisa- dores que estudou o sistema em conjunto com a douto- randa Sandra Camargo, sob a orientação dos professores Bruno Coraucci Filho, Edson Aparecido Abdul Nour e Ro- berto Feijó de Figueiredo. •

■ Software para os Estados Unidos

Dez empresas do setor de soft- ware criaram uma holding, a Nextpar, para exportar pro- gramas e serviços para os Es- tados Unidos, principalmen- te para bancos de pequeno e médio porte. O investimento inicial é de US$ 4 milhões. A meta é alcançar um fatura- mento de US$ 200 milhões até 2008. Esse valor represen- ta 10% da receita projetada pelo governo, de US$ 2 bi- lhões anuais em exportação até 2008, para o setor de soft- ware. Atualmente, a receita de exportações não atinge US$ 200 milhões por ano. •

Patentes

Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: [email protected]

Cana-de-açúcar: planta fornece o próprio promotor

Método regula a expressão de genes

Pesquisadores do Institu- to de Biociências da Uni- versidade de São Paulo (IB/USP) desenvolveram uma estratégia para isolar um tipo de promotor, uma seqüência de nucleo- tídeos (as unidades quí- micas que compõem o genoma) necessária para regular a expressão de um gene em tecidos vegetais. Denominado retroprom, por corresponder a re- gião promotora de um retrotransposom, o pro- motor serve para contro- lar a produção de uma proteína associada ao ge- ne e é útil na produção de plantas geneticamen- te modificadas. A paten- te cobre não só o uso do promotor em produtos biotecnológicos, mas tam- bém o emprego do méto- do, criado no Brasil, para obtê-lo. A vantagem do retroprom, em relação a outros promotores, é a sua

origem: ele pode ser obti- do da própria planta que se deseja modificar gene- ticamente. Atualmente a maioria dos promotores de uso corrente em bio- tecnologia é de origem viral e está sob proteção de patentes. Dessa forma, com a adoção do retro- prom, não é necessário introduzir no vegetal que se deseja modificar um promotor originário de outro organismo. A uti- lização do retroprom está em testes com espécies de cana-de-açúcar, tomate e tabaco.

Título: Retroprom, método de obtenção de retroprom e uso de retroprom Inventoras: Marie-Anne Van Sluys, Maria Magdalena Rossi e Paula Gonçalves Araújo Titularidade: USP/FAPESP

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 69

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■ TECNOLOGIA

ANALISES CLINICAS

Sem marcas no anticorpo Equipamento faz diagnóstico de câncer de mama, de próstata e de leishmaniose com base nos antígenos

VERôNICA FALCãO

Um novo equipamento para diag- nóstico de câncer de próstata e de mama, capaz também de detectar a leishmaniose, uma doença infecciosa que atinge as áreas mais pobres do país, está

sendo concluído por um grupo de pesquisadores da Rede de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces (Re- nami), sob a coordenação de Oscar Malta, da Universi- dade Federal de Pernambuco (UFPE). A utilização do protótipo em fase experimental já se mostrou mais ba- rata que outros testes similares e importados. Ele rece- beu o nome de Fluorim 1.0 e se baseia nas propriedades ópticas de um composto desenvolvido pelos pesquisa- dores que ainda não pode ter seu segredo revelado, en- quanto não for patenteado no Brasil e no exterior. Um pedido de patente da substância deverá ser brevemente depositado no Instituto Nacional de Propriedade Inte- lectual (INPI). Segundo os pesquisadores, é possível di- zer que ela funciona como um marcador óptico da doen- ça e é sintetizada a partir do oxido de európio. "Entre os lantanídeos, que na Tabela Periódica se encontram no grupo das terras-raras, o európio é o mais luminescen-

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te", justifica Malta, professor do De- partamento de Química Fundamental da UFPE e coordenador nacional da Renami, uma rede formada pelo Mi- nistério de Ciência e Tecnologia que reúne 60 pesquisadores em 17 institui- ções de todo o país. "Esse oxido é um pó branco obtido do európio extraído da areia monazítica (encontrada em al- gumas praias), onde se concentram as maiores reservas do elemento quími- co", completa Malta.

O composto desenvolvido pelos pes- quisadores possui pequenas diferenças na formulação para detectar cada uma das três doenças. Ele é acondicionado em kits e possui dimensões nanomé- tricas (em que 1 milímetro é dividido por 1 milhão de partes). Sua função é se ligar ao antígeno produzido pela doença a ser diagnosticada. Antígeno é a substância, normalmente uma pro- teína, produzida por vírus ou bactéria, por exemplo. No corpo humano, cada antígeno ganha um anticorpo específi- co produzido pelo sistema imunológi- co para combater cada doença. Eles se juntam como uma chave em uma fe- chadura. Quando uma gota de sangue ou um pedaço de tecido celular de um paciente é colocado no kit, o antígeno ligado ao anticorpo se fixa ao compos- to criado pelos pesquisadores. Depois, dentro do equipamento, a amostra re- cebe um feixe de luz ultravioleta com um comprimento de onda específico.

O resultado é identificado no sinal luminoso refletido pelo composto. Além da presença da doença, o exame infor- ma também o grau de infecção do pa- ciente. "No caso da análise em tecidos originários de biópsia (imobilizados nu- ma lâmina de microscópio), a idéia é mapear toda a sua superfície e, poste- riormente, reconstituí-la por meio de um gráfico que deverá representar os diferentes graus de infecção", diz Jaílson Vieira de Melo, do Departamento de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que tam- bém participa do projeto.

Dosar o avanço da enfermidade é uma das vantagens importantes desse equipamento. "Quanto mais avançada a doença, mais intensa será a luz emi- tida", explica Malta. Por esse método, os pesquisadores evitam marcar dire- tamente o anticorpo, como em outros tipos de exame, o que poderia levar o

dispositivo a cometer erros. Isso por- que o organismo freqüentemente pro- duz anticorpos. Identificando o antíge- no e sua quantidade, os pesquisadores podem ter certeza da doença.

O método usado é do tipo fluoroi- munoensaio, que serve para análise de uma série de doenças como vários ti- pos de câncer e sífilis. O problema é que os equipamentos que usam esse método são im- portados e caros. "Estamos fazendo um aparelho com os mesmos princípios, po- rém com adaptações tanto em relação à forma da me- dida, que será feita no teci- do, e ao kit, que está sendo empregado, quanto, princi- palmente, em relação aos custos", diz Melo. "É um aparelho baseado nos já existentes e adaptado para as doenças que queremos diagnosticar, sobretudo para o teste inédito da leishmaniose."

O protótipo é uma caixa com meio metro quadrado de superfície e custou R$ 30 mil - cerca de 10% do valor dos dispositivos para fluoroimunoensaio si- milares importados pelos hemocen- tros, laboratórios de análises clínicas e hospitais do país. O equipamento é re- sultado de um ano e meio de pesquisas da Renami, uma das quatro redes nacio- nais de pesquisadores que se dedicam ao estudo de materiais em escala nano- métrica. Ligados ao projeto da Rena- mi, além da UFPE e da UFRN, estão o Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, e o Departamento de Química da USP de Ribeirão Preto. A fase de testes en- volverá ainda a unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Recife, cha- mada de Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM).

Diagnóstico certeiro - Uma das doenças a serem diagnosticadas pelo novo dis- positivo é a leishmaniose tegumentar americana, com 1,5 milhão de novos casos por ano no mundo. No Brasil, se- gundo dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), são notificados anual- mente 35 mil casos. A pesquisadora da Fiocruz do Recife, Luiza de Campos Reis, explica que os profissionais da saú- de enfrentam dificuldades para diag- nosticar a doença, também chamada de

leishmaniose cutânea: "Atualmente não existe um teste padrão para o diagnósti- co da leishmaniose e, muitas vezes, só uma combinação de técnicas diagnosti- cas oferece resultados exatos e precisos". O médico associa aspectos clínicos, epi- demiológicos e laboratoriais. Luíza es- pera que o dispositivo seja um meio efi- caz de identificação da doença.

leishmaniose é trans- mitida pela picada de fêmeas hematófagas de mosquitos chamados de flebótomos, encon- trados em áreas rurais.

O protozoário causador da doença, a Leishmania, se aloja no homem e ou- tros mamíferos, provocando lesões nas mucosas e cartilagens. No caso do cân- cer de mama, que no Brasil é o que mais causa mortes entre as mulheres, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o dispositivo se propõe ao diagnóstico pre- coce da doença, depois de ter sido feita a descoberta de alguma anomalia em exames de mamografia. Quanto mais ce- do for identificada, maiores as chances de cura. No Brasil são registradas cerca de 10 mil mortes anuais por câncer de mama. Mais da metade dos óbitos ocorre em mulheres de 40 a 69 anos.

O uso do Fluorim 1.0 para diagnós- tico de câncer de próstata, segunda cau- sa de óbitos por esse tipo de doença em homens, de acordo com o Inca, vai ba- ratear os custos do exame. O dispositi- vo analisará no tecido celular da bióp- sia os níveis do antígeno prostático específico (PSA, na sigla em inglês). O Fluorim identificará apenas se o pacien- te tem ou não PSA. "Vamos fazer PSA porque é um exame relativamente fácil. É uma maneira também de, rapidamen- te, testar o protótipo", explica Malta. Após a etapa de calibração concluída, a equipe pretende validar o equipamen- to na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e no Instituto Na- cional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). A ex- pectativa dos pesquisadores é que o dispositivo reduza em até 30% o custo

72 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

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Interior da câmera do equipamento de fluoroimunoensaio: a lâmina de vidro vai receber o material a ser analisado e a luz ultravioleta

do exame para diagnóstico de câncer de próstata. O teste deverá ser mais ba- rato que o realizado atualmente, com custo girando em torno de R$ 70.

Concluídas as etapas de testes e va- lidação, que devem durar um ano, a equipe partirá para a comercialização do produto. A fase, última e mais longa de um projeto desse tipo, é considerada a mais difícil pelo físico Cylon Gonçal- ves da Silva, secretário de Política e Pro- gramas de Pesquisa e Desenvolvimento

do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). "Da bancada do laboratório à produção industrial, às prateleiras das lojas e aos consultórios e laboratórios, esses equipamentos percorrem um lon- go caminho", avisa. "É um processo de- morado e custa muito mais que desen- volver um protótipo."

O projeto, no entanto, já tem duas sinalizações positivas que podem en- curtar esse caminho. Uma é do próprio MCT. "Com a disposição do Ministério

da Saúde de financiar pesquisa e desen- volvimento de equipamentos médico- odontológicos e laboratoriais, obvia- mente um projeto como esse parece ser candidato natural para apoio", adianta Gonçalves da Silva. A outra é da Supe- rintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). Oscar Malta adianta que manteve contatos com dirigentes da es- tatal. "Eles me sinalizaram com a possi- bilidade de produzir o Fluorim 1.0 nu- ma empresa incubada da Suframa." •

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I TECNOLOGIA

QUÍMICA

Caminho mais curto

Parceria entre aUnicampeaRhodia encontra novas soluções para processos industriais da empresa

DlNORAH ERENO

m novo processo produtivo na indústria química começa, quase sempre, pela escolha do solvente mais apropriado para a formula- ção de um novo medicamento, uma tinta com secagem mais rá-

pida ou mesmo um xampu que ajuda a desemba- raçar o cabelo. Selecionando o solvente adequa- do, que nada mais é do que um líquido, como a acetona, o benzeno, o álcool e muitos outros, é possível separar um ingrediente de uma substân- cia complexa. Mesmo que o produto final seja um sólido, os processos de fabricação industrial em suas etapas iniciais geralmente partem de ba- ses líquidas. Em testes tradicionais nos laborató- rios, a fase de experimentação para identificar os solventes mais indicados para um novo pro- duto, ou mesmo para modificar formulações que já se encontram no mercado, pode demorar vá-

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Pedras de ácido benzóico em teste de solvente: experimento ganhou software que agiliza o processo

rios dias e até semanas. Agora um software de- senvolvido em parceria entre a Rhodia Brasil e a Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) permite tornar esse processo mais rápido, com grande economia de tempo.

Resposta rápida - "A ferramenta trouxe um grande benefício para nós, que é a velocidade de resposta aos problemas dos nossos clientes e agilidade no desenvolvimento de novos proces- sos produtivos", diz Richard Macret, diretor de pesquisa e desenvolvimento da empresa para a América Latina. A empresa é subsidiária do gru- po Rhodia, com sede na França e unidades in- dustriais em quase cem países, que tem como foco química fina, fibras e polímeros. Anterior- mente, a Rhodia já havia desenvolvido outro software para procurar a melhor mistura de sol-

ventes para polímeros. Mas ele não conseguia prever a solubilidade - a quantidade máxima de um sólido que pode ser dissolvido em um sol- vente - de uma grande classe de produtos, que são os sólidos cristalinos. Nessa categoria quí- mica, assim chamada por conta da arrumação molecular, que segue sempre um padrão regular de distribuição, encontram-se, por exemplo, os princípios ativos dos medicamentos.

Antes de começar a utilizar o novo software, resultado de um projeto de pesquisa financia- do pela FAPESP no âmbito do programa Parce- ria para Inovação Tecnológica (PITE), a Rhodia trabalhava com uma lista padrão de cerca de 90 solventes, tanto para produzir seus produtos como para atender aos pedidos dos clientes. "Eles faziam experimentos com cada um deles, um processo lento, caro e não muito apropria- do", conta o professor Martin Aznar, coordena-

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 75

Page 77: Colesterol - além do bom e do mau

dor do projeto. "Desenvolvemos uma ferramenta que permite restringir essa lista a apenas seis ou sete solventes, mas que ainda assim é representativa", diz. Para criar o software, os pesquisadores tomaram como base um modelo teóri- co, chamado de metodologia de Han- sen, utilizado na indústria química des- de a década de 1970 para formulação de produtos com polímeros, que são os plásticos, as borrachas e os silicones, e solventes orgânicos, especialmente tin- tas. Mas esse método ainda não havia sido usado para os sólidos cristalinos.

Fase de equilíbrio - O modelo empre- gado para determinar os valores de so- lubilidade utiliza três parâmetros, cha- mados de força de dispersão, força polar e ligações de hidrogênio. Essas três variáveis atuam na interação das moléculas do reagente e do sólido. Ao utilizar essa metodologia é possível identificar solventes ou misturas de sol- ventes mais apropriados para dissolver polímeros. Os pesquisadores estende- ram a aplicação dessa técnica para os sólidos cristalinos. E foram além. "An- tes do nosso trabalho, os parâmetros de solubilidade eram determinados a par- tir de informações quantitativas", diz Aznar. Esse tipo de informação é obti- do pela avaliação do equilíbrio de fases entre sólido e líquido. Para entender como funcio- na, basta recorrer a uma imagem simples: o ponto de dissolução do açúcar na água. Em de- terminado volume, a água é capaz de dissol- ver o açúcar. Mas quan- do o açúcar começa a se depositar no fundo do recipiente a solução está saturada, ou seja, atingiu o ponto de equilíbrio. Para chegar ao resultado procurado usando essa metodologia é necessário utilizar uma grande quantidade de reagentes.

Uma das mudanças propostas pelo projeto é o uso de dados qualitativos. Por esse método, basta pegar um tubo de ensaio, colocar uma quantidade pa- drão de solvente puro, estipulada em 0,9 grama para 0,1 grama de sólido, e deixar agitando durante 24 horas em uma máquina que faz a mistura na po- sição vertical.

essa forma, tanto o sóli- do como o solvente fi- cam em contato o tempo todo. Para fazer o teste, são utilizados 47 frascos com diferentes solventes.

"É um método mais rápido e barato que o quantitativo, porque é só olhar se o sólido dissolveu ou não", diz Mar- lus Pinheiro Rolemberg, que também participou da pesquisa como bolsista de pós-doutorado. No laboratório da FEQ, na Unicamp, por causa do tama- nho do agitador, os frascos utilizados são os tradicionais tubos de ensaio. Já na Rhodia os recipientes de vidro são minúsculos e não chegam a 5 centíme- tros de comprimento. Dessa forma, há uma diminuição nos gastos com os rea- gentes para fazer os testes de solubilida-

de e no tempo de resposta. Com as in- formações qualitativas e a metodologia de Hansen, o programa desenvolvido na Unicamp indica quais os solventes mais indicados para trabalhar com só- lidos cristalinos e também com polí- meros. Os mais apropriados aparecem indicados na tela do computador.

As pesquisas que levaram ao desen- volvimento do software foram feitas em parceria com o Centro de Pesquisas de Paulínia, um dos cinco do grupo francês no mundo, responsáveis pelo desenvolvimento de aplicações e de no- vos produtos e processos. Outros dois estão instalados em Lyon e Aubervil- liers, na França, um em Cranbury, nos Estados Unidos, e o último em Xangai, na China. Eles funcionam interligados, como uma rede. "Quando há um pro- blema de solvência na França, nos Es- tados Unidos ou na China, eles nos procuram para saber qual o solvente recomendado para determinada apli- cação", diz Macret. No final do ano pas-

76 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

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sado, o software foi utilizado para solu- cionar um problema detectado em um produto desenvolvido em um dos cen- tros de pesquisa da França. Por questão de sigilo industrial, os pesquisadores disseram apenas tratar-se de um catali- sador (substância utilizada para modi- ficar a velocidade de uma reação quí- mica), que, testado em escala piloto em laboratório, estava reagindo com um solvente. "Eles queriam ter opções de outros solventes", conta Rolemberg. "Fi- zemos os testes e apontamos quais os mais adequados para aquela molécula que eles estavam trabalhando."

Além de fabricar solventes, a em- presa também atende a solicitações de clientes que necessitam mudar algo em suas fórmulas por conta de problemas ambientais, de legislação ou até porque o solvente usado reage com o produto. "A demanda pela troca por solventes mais eficazes tem aumentado tanto na Europa como nos Estados Unidos e es- tá vindo para o Brasil", diz Macret. "O

software nos dá a indicação de quais solventes podemos utilizar nessa troca. Em vez de testar seis, vamos diretamen- te para dois ou três."" A ferramenta é tratada pela Rhodia como uma peça importante porque auxilia os projetos desenvolvidos no laboratório nas eta-

0 PROJETO

Predição da solubilidade de polímeros polares e sólidos cristalinos em misturas de solventes

MODALIDADE

Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE)

COORDENADOR

MARTíN AZNAR - Faculdade de Engenharia Química da Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 50.505,00 (Rhodia) e R$ 15.997,00 (FAPESP)

pas iniciais do processo industrial. "Ela permite entrar em um ângulo que ou- tros softwares não conseguem", diz Ma- cret. Para os pesquisadores, o caminho para chegar ao software e a aplicação da metodologia de Hansen para sólidos cristalinos resultaram em artigos cien- tíficos que estão em fase de preparação.

Lança-perfume - O centro de pesquisas da Rhodia localizado em Paulínia, cida- de vizinha de Campinas, encontra-se dentro de uma antiga fazenda compra- da pela empresa em 1944 para plantar cana-de-açúcar e produzir álcool. Foi nesse centro que foi criada uma nova linha de produtos para tratamento de couro e estudos de utilização de polí- meros em xampus que têm a função de domar cabelos crespos. De origem francesa, a empresa instalou-se no Bra- sil em dezembro de 1919 para fabricar o cloreto de etila, principal componen- te do lança-perfume, produto que foi um grande sucesso de vendas da em- presa no país em antigos Carnavais. A primeira fábrica foi instalada em Santo André, no Grande ABC paulista, desti- nada à produção de produtos químicos e farmacêuticos. Com o passar do tem- po ampliou seu campo de atuação e co- meçou a trabalhar no desenvolvimento de fios têxteis sintéticos. O primeiro foi a poliamida, usada na confecção de meias e maios, que depois passou a ser utilizada para outras aplicações tam- bém fora do setor têxtil, como na pro- dução de pneus.

A empresa brasileira emprega cerca de 3 mil pessoas e, em 2003, teve fatu- ramento da ordem de R$ 1,8 bilhão. No mundo, o grupo possui 23 mil funcio- nários e faturou em torno de € 5,4 bi- lhões em 2003. Os investimentos anuais em pesquisa e desenvolvimento, que en- globam os centros de pesquisa e la- boratórios espalhados pelo mundo, são de cerca de € 180 milhões. No Brasil ficam em torno de R$ 30 milhões por ano. Os investimentos nesse setor in- cluem também o estreitamento das parcerias com as universidades. Para o professor Aznar, essa interação é impor- tante e útil para as duas partes. "A em- presa consegue resolver um problema prático usando o conhecimento acadê- mico e a universidade pode aplicar o seu conhecimento e gerar um resultado valioso para a sociedade." •

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 • 77

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I TECNOLOGIA

ENGENHARIA ELÉTRICA

Ligada nos fios Pequena empresa inova e produz medidores de corrente e de campos magnéticos

MARCOS DE OLIVEIRA

"^ letromagnetis- ■ mo é a matéria-

I prima que uniu à o engenheiro

_flH_____a^rifl eletrônico Car- los Shiniti Mu-

ranaka, a física Marília Emura e o enge- nheiro mecânico Marcelo Lancarotte na empresa Globalmag, produtora de equipamentos de medida de campos magnéticos e de correntes elétricas. Os três sócios que fundaram a empresa em 2001 no Centro Incubador de Empre- sas Tecnológicas (Cietec), em São Pau- lo, inauguraram em fevereiro a sede própria no município de Cotia. É um percurso que levou para o mercado de instrumentos de precisão a experiência dos três, acadêmica e profissional, for- mada na Universidade de São Paulo e no Instituto de Pesquisas Tecnológicas. O principal feito dessa pequena empre- sa que ainda não tem funcionários foi o desenvolvimento de aparelhos chama- dos de transdutores. "Eles transformam uma grandeza elétrica (amperes, por exemplo) em tensão (volts) com base em princípios magnéticos", diz Mura- naka. A Globalmag já possui uma série de dispositivos que medem a corrente sem precisar interromper o fio medi- do ou desligar equipamentos. "Por meio de transdutores flexíveis ou alicates de corrente é possível medir correntes elé- tricas sem paralisar uma fábrica."

O maior desafio foi construir trans- dutores para uma siderúrgica, que eles preferem não revelar o nome. "Foram 48 medidores de condutores usados nos fornos da usina para correntes de 5 a 9

Medidor de campo

magnético

(acima) e um

dos medidores de corrente elétrica s

mil amperes (como comparação, um fusível que temos no quadro de luz em casa tem 60 amperes)", conta Murana- ka. "Eles não tinham como medir essa corrente sem paralisar a produção", diz Lancarotte. Esse uso e outros medido-

O PROJETO

Desenvolvimento de transdutores de corrente de alta precisão com malha de realimentação microprocessada

MODALIDADE Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOR

CARLOS SHINITI MURANAKA-

Globalmag

INVESTIMENTO R$ 93.250,00 e US$ 3.85630 (FAPESP)

res semelhantes são subprodutos de um projeto financiado pelo Programa Ino- vação Tecnológica em Pequenas Empre- sas (PIPE) da FAPESP. "A nossa inten- ção inicial era produzir um transdutor que medisse a corrente contínua (usada pelos equipamentos elétricos) e alterna- da (que está nos fios e torres de trans- missão)", diz Lancarotte. "Chegamos a

vender 12 unidades, mas o mer- cado prefere os fabricados na China, quase um terço mais ba- ratos." Embora mais sofisticado, o produto brasileiro não tem a escala de produção dos chineses.

Além dos transdutores, eles produzem um medidor de cam- po magnético que testa a quali-

dade de ímãs de alto-falantes de caixas acústicas e das chamadas armadilhas magnéticas, usadas nas esteiras indus- triais de cereais e outros alimentos, que eliminam possíveis contaminações por materiais ferrosos. O aparelho é portá- til e mede também o magnetismo resi- dual de ferramentas que precisam estar desmagnetizadas. "Nesse caso, dispu- tamos mercado com um equipamento mais barato, robusto e preciso." Com a produção e venda de medidores de cam- po magnético e transdutores a empresa faturou no ano passado R$ 150 mil, com crescimento anual de 30%.

Outro campo de atuação da em- presa foi um contrato firmado em 2003 para representar a empresa Lake Shore, com sede nos Estados Unidos, produ- tora de equipamentos para uso científi- co e industrial na área de magnetismo e de baixas temperaturas. •

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 79

Page 81: Colesterol - além do bom e do mau

I TECNOLOGIA

ENGENHARIA CIVIL

Bon^fàu reta Barreiras produzidas com pedaços de pneus reduzem impactos nos acidentes de trânsito

YURI VASCONCELOS

velhos, que cos- tumam ser jogados em rios ou descar- tados irregularmente em lixões a céu aberto, agora têm uma destinação no- bre: a construção de barreiras rodoviá- rias. Essas muretas, normalmente ergui- das no centro ou nas laterais das pistas, continuarão a ser feitas de concreto, mas parte das pequenas pedras, chama- das de brita, usadas na sua composição, será substituída por borracha tritura- da proveniente de pneus que não têm mais utilidade. Dois trechos dessas bar- reiras encontram-se em fase de testes, um no quilômetro 27,3 da rodovia Ra- poso Tavares, sentido interior, que liga a capital paulista à região oeste do Es- tado de São Paulo, e outro na marginal do rio Tietê, próximo da ponte Júlio de Mesquita Neto, na cidade de São Paulo. "A principal vantagem da nova barreira rodoviária é a capacidade de absorver o impacto dos veículos desgovernados", diz o engenheiro Paulo Bina, vice-pre- sidente do Instituto Via Viva e diretor da Monobeton Soluções Tecnológicas, organizações responsáveis por esse de- senvolvimento. A empresa é especiali- zada em novas tecnologias no ramo da construção civil e a Via Viva é uma en- tidade sem fins lucrativos instalada em São Paulo, criada a partir da parceria entre a Monobeton e a Associação para

econhecidos Valorização e Promoção de Excepcio- como causado- nais (Avape), com sede na cidade de res de um pro- Santo André, na Região Metropolitana blema ambien- de São Paulo, tal, os pneus

Testes estáticos - "Com a adição de borracha em sua estrutura, a barreira deixa de ser um bloco rígido para ser uma estrutura semideformável. O grau de deformabilidade irá variar de acordo com a quantidade e o tamanho dos pedaços de borracha usados na preparação do concreto", explica Bina. Segundo o engenheiro, o porcentual exato de absorção de energia das novas barreiras ainda não é conhecido por- que não foram feitos testes dinâmicos (também chamados de crash tests, em que um carro, por controle remoto, é levado a bater numa estrutura rígida), que estão previstos para os próximos meses. Até o momento, foram realiza- dos testes estáticos que verificam pro- priedades mecânicas como resistência à compressão, à tração e à deformação. Para realizar esses testes, a empresa contou com a colaboração da Faculda- de de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sob a coor- denação da professora Ana Elisabete Paganelli, os pesquisadores usaram prensas hidráulicas em que um pistão exerce uma força variável sobre o con- creto. Os ensaios mostraram que as barreiras absorvem e dissipam a ener- gia do impacto, reduzindo a velocidade do veículo após a colisão. "Ao reduzir a

desaceleração dos carros, diminui tam- bém a probabilidade de traumas em seus ocupantes", afirma Paulo Bina.

Os resultados dos testes realizados na Unicamp também foram analisados pelo engenheiro Fernando Rebouças Stucchi, da Escola Politécnica da Uni- versidade de São Paulo (USP). O relató- rio técnico elaborado por ele está sendo examinado pelo Departamento de Es- tradas de Rodagem (DER) de São Pau- lo, órgão que fornece os parâmetros pa- ra a construção de barreiras rodoviárias no estado. "O DER, um dos nossos par- ceiros no projeto, prevê que nos próxi- mos três anos haverá uma demanda de 900 quilômetros do próprio DER, além de 2.300 quilômetros de barreiras nas rodovias paulistas operadas por con- cessionárias", conta Bina. Caso elas se- jam construídas com o concreto com borracha, serão utilizados 32 milhões de pneus usados, também chamados de inservíveis porque não servem mais pa- ra recauchutagem.

Destino legal - Em cinco anos, a Asso- ciação Nacional da Indústria de Pneu- máticos (Anip) recolheu 70 milhões de pneus usados, atendendo à resolução 258 do Conselho Nacional de Meio Am- biente (Conama), de 26 de agosto de 1999, que indica, para 2005, o recolhi- mento de cinco pneus para cada qua- tro fabricados ou importados. Assim, o uso de pneus picados na construção das barreiras se encaixa perfeitamente na destinação final dos resíduos que é

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Barreira de concreto com borracha na marginal do Tietê,

em São Paulo. Ao lado, pedaços de pneu

incorporados ao cimento

de responsabilidade legal dos fabrican- tes. Por isso, a Anip está envolvida no desenvolvimento do sistema de bar- reiras de concreto com borracha, sen- do responsável pela contratação de em- presas que fazem a trituração dos pneus. Atualmente os usados são, em grande parte, destinados à queima em caldeiras.

"Além das vertentes técnica e eco- lógica, o projeto tem um cunho social relevante", explica Jorge Gonçalves dos Santos, coordenador do Instituto Via Viva. "O recolhimento dos pneus inser- víveis será feito em estações de coleta, batizadas de Ecopontos Via Viva, ge- renciadas pelo instituto e operadas por portadores de deficiência mental, pes- soas cuja empregabilidade é altamente limitada, e seus familiares", diz ele. Sob coordenação de técnicos da Avape, as pessoas com deficiência farão o recebi- mento, a lavagem, o armazenamento e o envio dos pneus aos locais de tritura-

ção. O projeto prevê a instalação de 60 Ecopontos no estado, situados em locais de fácil acesso e boa. visibilidade. O pri- meiro deles deverá ser construído na região do ABC. Cada Ecoponto em- pregará 12 pessoas com deficiência e terá custo de R$ 30 mil por mês. Como a borracha picada será, num primeiro momento, entregue sem custo às em- presas de concretagem, os recursos pa- ra financiar os Ecopontos serão obtidos por meio de patrocinadores, como fa- bricantes de pneus, montadoras de au- tomóveis, fornecedores de insumos para pneus, concessionárias, transpor- tadoras, concreteiras e seguradoras.

Forte ligação - O processo de produção do concreto com borracha, batizado de Concreto Dl (de deformável e isolan- te), é similar ao convencional. O por- centual de pneu usado picado é variável e depende das características de desem- penho desejadas do concreto e das di-

mensões do agregado de borracha que, no caso, deve ter até 2,5 centí- metros de comprimento. Nas duas barreiras já construídas um quarto do volume de concreto, o equiva- lente à metade do agregado graú- do, é de borracha. Outra inovação no processo de fabricação do con- creto Dl é a adição de fibra de vidro, que serve para evitar a segregação da borracha, misturada homoge- neamente. A fibra de vidro funcio- na como uma trama ou ninho de passarinho, fazendo a ligação entre

a borracha e o concreto. Segundo os responsáveis pela Via Viva, o concreto Dl levou quatro anos para ser desen- volvido e seu custo é comparável ao do convencional. O produto bem como a barreira feita a partir dele já foram pa- tenteados no Instituto Nacional de Pro- priedade Intelectual (INPI). Em breve, será depositado um pedido de patente nos Estados Unidos.

Além da fabricação de barreiras ro- doviárias, o concreto Dl poderá ser usa- do para construção de contrapiso de apartamentos e pavimentação rodoviá- ria ou urbana. A vantagem, nesse caso, é a redução de ruídos no pavimento in- ferior, porque a borracha funciona co- mo isolante acústico. Seu uso em pavi- mentação também traz benefícios, uma vez que o concreto Dl tem grande resis- tência à tração - ou seja, quando sub- metido a um esforço - como o peso dos carros, por exemplo, suportando uma maior deformação sem se romper. •

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■ HUMANIDADES

ESPORTES

Olimpo terrestre Entrevistando atletas, pesquisa faz um retrato do imaginário olímpico brasileiro

CARLOS HAAG

e dois em dois anos, a frase de Brecht, "infeliz do país que pre- cisa de heróis", perde a sua vali- dade. Entre Copas e Olimpía- das, o esporte reina soberano e os atletas se transformam em

protagonistas de um dos maiores espetáculos sociais do mundo contemporâneo, exibidos como grandes heróis, capazes de proezas ve- tadas aos mortais comuns que os vêem pela TV. No Brasil, país do anti-herói, essa condi- ção heróica do esportista ganha contornos próprios.

"Para pobres e negros, a prática esportiva permitiu que pudessem conquistar a liberda- de que possivelmente em outras atividades não teriam. No Brasil, por influência da mídia, a população passou a crer na vitória esportiva como afirmação de uma identidade nacional, de igualdade ou superioridade, perante aque- les que detêm a hegemonia pela força ou po- der econômico", explica Kátia Rubio, cuja tese de livre-docência, Do atleta à instituição espor- tiva: o imaginário esportivo brasileiro (apoiada

pela FAPESP), traz uma radiografia do imagi- nário olímpico nacional a partir das histórias de vida dos atletas, segundo a autora, "um mo- saico de lembranças e imagens para chegar à representação que a participação olímpica po- de ter para um atleta competitivo".

Para tanto, a pesquisadora foi em busca dos responsáveis pelas 67 medalhas olímpicas bra- sileiras, a primeira delas conquistada em 1920 por Guilherme Parense, na Antuérpia, na moda- lidade tiro. Curiosamente, dentre essas, apenas cinco foram ganhas em modalidades coletivas. "Essa é uma indicação do quanto o esporte nacional sobrevive à custa de esforços indivi- duais, uma vez que o processo de formação de equipes é complexo e envolve mais do que a soma de valores individuais", observa Kátia. "Daí a importância do registro da memória individual como forma de preservar não ape- nas as lembranças das conquistas pessoais, mas, por meio delas, recuperar a memória do es- porte brasileiro", avalia a autora.

Historicamente, a relação do Brasil e dos brasileiros seguiu de perto a trajetória burgue-

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sa do esporte europeu da era moderna, em que a prática esportiva era uma atividade de uma elite que podia se dar ao luxo de praticar o es- porte como amador, virtude preconizada pelo olimpismo nascente do Barão de Coubertin. "Não por acaso, o primeiro participante brasi- leiro no Comitê Olímpico Internacional, em 1910, foi um diplomata, Raul do Rio Branco (filho do Barão do Rio Branco), descendente da restrita aristocracia brasileira, bem como os atletas que debutaram nos Jogos da Antuérpia pertenciam à burguesia dos centros urbanos", observa Kátia. Filhos da aristocracia paulista e- carioca iam para a Europa estudar e voltavam "impregnados" do esporte europeu, entusias- mo nacional que se somava ao dos imigrantes que, no Brasil, reproduziam a cultura de mo- vimento de seus países de origem.

Essa cultura preconizava o esporte como impulso civilizador, ainda que, em quase to- dos os países civilizados, a sua prática estives- se associada a processos de afirmação da na- cionalidade e a preparação para a guerra e defesa do Estado. O Barão de Coubertin quis

reformar esse estado de coisas criando um olimpismo baseado na reforma social feita a partir da educação e do esporte, vistos numa perspectiva pacifista e internacionalista. Mas, bom filho do século 19, o movimento olímpi- co incipiente trazia armadilhas para a entrada das massas trabalhadoras nos Jogos. O espor- te "nobre" deveria ser uma atividade de pou- cos para poucos.

As travas eram o amadorismo ("a prática do esporte por prazer sem ganho material de nenhuma natureza") e o fair play, o cavalhei- rismo esportivo que vetava ao atleta explorar o limite das possibilidades numa competição, em nome do bom-tom. "O amadorismo foi aos poucos sendo esquecido como um dos ele- mentos fundamentais do olimpismo na déca- da de 1970, emergindo um movimento de dis- farce de atletas em funcionários de empresas para que escapassem à condição de profissio- nais do esporte. Esse esforço foi substituído, com sucesso, pelos contratos com patrocina- dores, surgindo daí outros tipos de problema", explica a pesquisadora.

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A partir de 1960, nos Jogos de Ro- ma, a mídia adentrou os estádios e o olimpismo desinteressado de Couber- tin se transformou em negócio milio- nário. Se em 1980 as televisões pagaram US$ 100 milhões para a transmissão dos jogos, em 2008 esse valor chegará a US$ 1,7 bilhões. "O esporte espetáculo, midiatizado, representa para a sociedade uma espécie de alvo de projeção social, porque anônimos ganham o estrelato ao se destacarem em uma modalidade, conquistando contratos milionários e fama mundial. Muitos garotos, hoje, não desejam ser grandes futebolistas, mas o Ronaldinho, com seus contratos, mulheres e fama", nota Kátia. "Para um sujeito habilidoso, o esporte acaba sendo uma das poucas oportunidades de ascensão social no mundo contem- porâneo", avalia.

No Brasil, para tanto é preciso supe- rar o acesso difícil aos equipamentos públicos e privados, locais ideais para o desenvolvimento das atividades espor- tivas. "Não é de estranhar que justamen- te no atletismo, modalidade que não requer nenhum equipamento especial, se concentre o grupo de indivíduos de origem mais pobre e que também trou- xe o maior número de medalhas para o

país." A entrada de grandes empresas patrocinadoras ampliou a condição de espetáculo dos jogos e, por aqui, foi um modelo rapidamente assimilado pelo voleibol. "Para outras modalidades esse modelo ainda busca fórmulas e identi- dade, prevalecendo uma prática ama- dora no gerenciamento do esporte, o que leva ao improviso e a crenças fan- tasiosas nos momentos que antecedem as grandes competições", diz Kátia. Ou seja, falta ao esporte brasileiro um pla- nejamento de longo prazo, fundamen- tal para criar atletas.

Essa falta de organização se refletiu, por anos, na incapacidade de se massi- ficar junto à população o esporte olím- pico brasileiro. "Embora modalidades como o basquete masculino fosse bi- campeão mundial na década de 1960, conquistasse três medalhas de bronze olímpicas e fosse a segunda modalida- de mais praticada e prestigiada no Bra- sil, políticas institucionais e incapacida- de de gerenciamento tiraram a seleção brasileira das duas últimas edições dos Jogos Olímpicos", observa a pesquisa- dora. "Isso afugenta a mídia, que passa

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a não mais prestigiar a modalidade, que deixa de ser divulgada e, logo, leva me- nos pessoas a se interessar por ela, em uma espiral inversa."

Assim, nota Kátia, o esporte brasilei- ro sobrevive mais de esforços indivi- duais do que de políticas que favoreçam o surgimento e sustentação de atletas vitoriosos. "Por isso, as empresas patro- cinadoras são hoje o mal necessário do esporte. O problema é o limite a que essa relação pode chegar. Há casos em que não se tem clareza até onde é do- mínio do técnico e até onde é domínio da empresa. Assistimos a campeonatos com calendários e horários inaceitáveis

Cenas das Olimpíadas de 2004, em Atenas:

mídia faz com que atletas lutem menos pelo esporte e mais pelo

dinheiro e pela fama

0 PROJETO

Do atleta à instituição esportiva: o imaginário esportivo brasileiro

MODALIDADE Linha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORA KáTIA RUBIO-EEFE/USP

INVESTIMENTO R$ 60.450,03 (FAPESP)

do ponto de vista da fisiologia do atle- ta, mas altamente rentável para as em- presas", afirma. "É hora de uma avalia- ção não apenas técnica dessa situação, mas também ética sobre o espetáculo esportivo."

Em meio a tudo isso, o atleta ainda tem que enfrentar o estigma da derro- ta. "Embora seja uma das condições do esporte e uma situação inevitável para o esportista, a derrota, no Ocidente, passou a representar não estar no topo, no lugar de maior destaque, de proje- ção para outros saltos. Ou seja, é a som-

bra da sociedade contemporânea", ob- serva. "Os desdobramentos disso levam a situações extremas em que feitos dig- nos de destaque são depreciados por aqueles que sabem de seu valor. É o caso das medalhas de prata e bronze que perdem valor por serem conside- radas derrotas, e não conquistas. A me- dalha passa a ser a afirmação de impo- tência, embora seja o privilégio de um grupo extremamente restrito de pessoas que habitam o planeta." Mas há os Van- derlei Cordeiro. Para eles, prata e bron- ze valem ouro. •

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I HUMANIDADES

LITERATURA

Libertário itinerante Em dois volumes, o total das crônicas de Lima Barreto revela o poder de análise do autor de Policarpo Quaresma

filósofo Walter Benjamin en- tupiu-se de ha- xixe para provar que aquela era a fonte da geni-

alidade de Baudelaire. Além da indis- posição, descobriu que a droga não lhe dava talento algum. Já o genial Lima Barreto (1881-1922) encharcava-se de parati a ponto de, no trem da Central, aporrinhar os passageiros dizendo-se um grão-duque exilado da Rússia que iria mandar seus desafetos (entre eles o bem-sucedido Machado de Assis) para a Sibéria. Sóbrio era capaz de escrever obras-primas, mesmo no formato efê- mero das crônicas, como revelam os dois volumes de Lima Barreto: toda crô- nica (Editora Agir), com edição de Bea- triz Resende, reunião de seus escritos para "jornalecos", de 1890 até sua mor- te, em 1922.

Algo, porém, reúne os dois escrito- res. "Nas crônicas de Lima temos regis- tro da 'história dos vencidos', para usar a expressão de Benjamin, história cons- truída não por vozes oficiais, mas por aqueles que não tinham voz própria. São a voz de alguém à margem, de um membro da marginália, fora do eixo, do poder, bagatelas que foram esta histó- ria, testemunhos do cotidiano carioca dos primeiros anos da República e refe- rências de uma vida literária que não consta das 'histórias da literatura bra- sileira"', fala Beatriz. "Completando o que já fizera com seus romances, colo-

ca a vida dos subúrbios, da baixa classe média e do operariado como tema dos comentários diários que só a crônica é capaz de suscitar."

Nos textos jornalísticos, pregará o anarquismo, o bolchevismo, a crítica à "voracidade insaciável dos políticos de São Paulo, cujo desenvolvimento eco- nômico é guiado pela seguinte lei: tor- nar mais ricos os ricos e fazer mais po- bres os pobres", como escreveu numa de suas crônicas. Acima de tudo, defen- derá, um pioneiro, o direito de todos à cidadania. "Ele tinha grande confiança nas mudanças sociais e uma espécie de fé num mundo melhor. Não tinha ne- nhum medo e não fazia concessões aos poderosos, optando por dizer o que pensava, relatar o que via, combater pe- los excluídos e dar voz aos marginaliza- dos", explica a organizadora. "Não sou patriota, querendo mesmo o enfraque- cimento do sentimento de pátria, senti- mento exclusivista e mesmo agressivo, para permitir o fortalecimento de um maior, que abrangesse, com a Terra, to- da a espécie humana", escreve em meio ao ufanismo de 1914.

Sintomaticamente, o homem que so- nhava com a união de todos era um pá- ria e foi essa condição que o levou à crônica. Após as alfinetadas feitas a Ed- mundo Bittencourt, dono do Correio da Manhã, em Recordações do escrivão Isaías Caminha, os grandes jornais ca- riocas fecham as portas aos seus textos. "É esta exclusão que irá determinar sua vida como cronista, garantindo sua in-

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dependência e tornando-o um especial intérprete da cidade, imune à freqüen- te cooptação que ocorria com os inte- lectuais", explica Beatriz. Sobrará a ele a imprensa alternativa, que lhe dará li- berdade de forma e conteúdo. Enquan- to a República era inundada por elo- gios de literatos e intelectuais, Lima, ao lado de Euclides da Cunha, teve cora- gem de ser a voz distoante, o desman- cha-prazeres do novo regime. "Poucas vezes a criação literária esteve tão presa à própria epiderme da história tout courf, nota Nicolau Sevcenko, um dos primeiros a reconhecer o caráter de "missão" da obra do escritor.

"Vale notar que assumiu essa luta que toma a literatura como arma num tempo em que seus contemporâneos não poderiam aceitar um autor toma- do assim por uma 'missão'. Lima con- fiou no futuro e, assim, mesmo 80 anos após escritas, a leitura de suas crônicas revela a persistência de vários dos pro- blemas apontados por ele no Rio e no país, desde os temas como o racismo, o favor como forma de acesso a postos políticos até a violência cotidiana con- tra as mulheres", lembra a organi- zadora. O grande crítico da República era, ele mesmo, um republicano de pri- meira hora e de carteirinha. Afinal, pa- ra Lima, o novo regime significaria a construção de uma sociedade mais igua- litária que repararia os horrores gera- dos pelo colonialismo e pela escravidão imperiais. Para ele, o movimento era si- nônimo de um país com homens e mu- lheres em igualdade.

Dolorosamente, Lima descobriu que a novidade política podia ser mais repressiva e reacionária do que a mo- narquia conservadora e arcaica de que o país se livrara. Em particular, odiava o nacionalismo ufanista e cego que to- mara conta dos intelectuais da Primeira República, criticando com veemência o patriotismo. Numa crônica inédita, pu- blicada pela primeira vez nesta coletâ- nea, e batizada de A minha Alemanha (escrita em 1919, no pós-guerra ime- diato), declara: "Não sou nacionalista". Frase temerária para aqueles dias de en- tusiasmo. "Só hoje, com o debate em torno dos perigos do nacionalismo ex- cludente e do fundamentalismo, é que podemos compreender completamen- te a frase", nota Beatriz. "Alemães, ne- gros, caboclos, italianos, portugueses,

INSTITUTO DE NEUROPATHOLOGIA

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Prontuário clínico de sua internação no hospício: literatura deixa de ser missão para virar salvação

gregos e vagabundos, nós todos somos homens e nos devemos entender na vas- ta e ampla terra do Brasil", é como ter- mina a crônica proibida.

Ainda mais ousada é outra crônica, escrita em 1918, inspirada na vitória bolchevique russa, em que se professa "contra a voracidade insaciável dos po- líticos de São Paulo, contra o aumento de impostos, contra a propriedade imó- vel, contra o capital imobilizado que não concorre para a riqueza do país", dizendo-se a favor do "confisco dos bens de certas ordens religiosas, do divórcio e do direito de as mulheres soberana- mente disporem de seus bens". No fim do texto outra "bomba": "Ave Rússia!" Se nos romances faz a paródia da his- tória oficial do momento, nas crônicas Lima Barreto pretende "fazer história", mudar a cidade e o país. E tem a cora-

gem de o fazer usando um "gênero me- nor" como a crônica.

"O cronista é um artista perseguido por chronos, acuado pela necessidade de seguir sempre adiante, sem tempo de ficar olhando para trás. Essas con- tingências levam à opção por uma co- loquialidade agradável, que faz do lei- tor um cúmplice. Daí as imperfeições, eventuais incorreções e a presença de contradições", nota Beatriz. Entre elas, o desprezo pelo feminismo e o protesto contra os "matadores de mulheres". Em As mulheres na academia, ironiza: "Essa academia deve ser composta só de mu- lheres e ela não deve ter mais biblio- teca, arquivo, nem cousas parecidas. O que ela deve ter são jóias montadas, al- finetes e grampos para chapéus. Dessa forma, ela pode muito concorrer para o progresso das letras pátrias". As sufra-

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Cena do filme Policarpo Quaresma: nas crônicas e nos romances, escritor desafiava ufanismo republicano

gistas e a feminista Bertha Lutz são igualmente vítimas de seu veneno.

O mesmo homem é capaz de uma defesa enfática das mulheres, numa crô- nica de 1915, em que, comentando cri- mes passionais ocorridos na capital fe- deral, tenta "convencer os homens de que eles não têm sobre as mulheres ou- tro domínio que não aquele que venha da afeição. Deixem as mulheres amar à vontade. Não as matem, pelo amor de Deus!". São dignas de nota, pela curio- sidade, suas crônicas em que revela sua aversão pelo football. "O papel do foot- ball é, repito, causar dissensões no seio da nossa vida nacional. É a sua alta fun- ção social. Os maiores déspotas e os mais cruéis selvagens martirizam, torturam as suas vítimas, mas as matam afinal. Matem logo os de cor. E viva o football, que tem dado tantos homens eminen- tes ao Brasil. Viva!" "Dos princípios anarquistas da juventude, guarda a im- plicância com o football, naquele mo- mento esporte de elite, que excluía os negros de seus times ou disfarçava a cor escura com pó-de-arroz, e com o Carnaval, as duas práticas consideradas 'ópios do povo"', explica Beatriz.

Em 1921, na contramão, já era anti- americano. "Outro produto descober- to pelo senhor Hernández, como disse- mos, é o chicle ou goma de mascar,

cujo consumo se verifica em larga esca- la na América do Norte. Eis como são as cousas: com a árvore que fornece material para isolar cabos submarinos, vamos ganhar dinheiro; e, ainda por ci- ma, podemos fornecer aos americanos goma para fabricar confeitos com que lhes adocem a boca e 'cavem- nos algum.'" Irritou-se, no fim da vida, com os mo- dernistas paulistas, a quem julgava imitadores do futurismo de Marinet- ti, que, dizia, conhecia de longa data. "Recebi uma re- vista de São Paulo que se in- titula Klaxon. Em começo, pen- sei que se tratasse de propaganda de alguma marca de automó- vel. Foi então que descobri que se tratava de uma revista de Arte, de Arte transcendente, destinada a revolucionar a li- teratura nacional e de outros países, inclusive a Judéia e a Bes- sarábia." Em troca, os modernos se recusaram a lhe dar um lugar de direito como modernista.

Mas as ironias tiveram um preço pesado e humilhante, que se pode ler em outro lança- mento de escritos de Lima, O cemitério dos vivos, da

coleção Biblioteca Invisível da Editora Planeta, que reúne O diário do hospício, narrativa personalíssima de sua inter- nação numa instituição mental, e o ro- mance inacabado O cemitério dos vivos, iniciado durante o seu segundo inter- namente, no Natal de 1919. "Perfei- tamente orientado no tempo, lugar e meio, confessa desde logo fazer uso, em larga escala, de parati; compreende ser um vício muito prejudicial, porém, ape- sar de enormes esforços, não consegue deixar a bebida. Indivíduo de cultura intelectual, diz-se escritor, tendo já qua- tro romances editados", anotam em seu prontuário.

Por três dias fica trancado no pavi- lhão dos indigentes, com capacidade para 200 internos, mas habitado pelo dobro disso. Sofre horrores nas mãos dos enfermeiros. "Ele me fez baldear a varanda, lavar o banheiro, onde me deu um excelente banho de ducha de chico- te. Todos estávamos nus e eu tive mui- to pudor. Eu me lembrei do banho de vapor de Dostoiévski na Casa dos mor- tos. Chorei, mas me lembrei de Cervan- tes e de Dostoiévski, que pior deveriam ter sofrido." Escreve, então, em folhas de almaço, de início suas experiências biográficas e, depois, um romance. A li- teratura deixa de ser missão para virar

tábua de salvação. Escrever se transforma numa maneira de se manter são, de não sucumbir à humilhação

e manter a cidadania e a iden- tidade de escritor. No roman- ce, atos falhos: por duas vezes

ao falar do personagem, Vi- cente Mascarenhas, um fu- cionário público bêbado e frustrado, usa o próprio nome. Mais uma vez ele e Benjamin cruzam ca- minhos. Narrar passa a ser viver a experiência, forma de passar de participante a obser-

vador, sem perder a capacidade de co- municar a Erfah-

rung. Como observa Arnoni Prado, era o

fim do "libertário itine- s rante que o destino apagou sob | a barbárie dos trópicos". • i

CARLOS HAAG

PESQUISA FAPESP109 ■ MARçO DE 2005 ■ 89

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I HUMANIDADES

URBANISMO

no fim da pista Simulador leva em conta a personalidade dos motoristas para controlar o tráfego

FABRíCIO MARQUES

A forte conexão entre ho- mens e automóveis indica que os congestionamentos de trânsito vieram para fi- car. Mas há pesquisadores que acreditam ser possível

ordenar o caos no tráfego das grandes cidades com a ajuda da inteligência artificial. Na Universidade Fede- ral do Rio Grande do Sul (UFRGS), o grupo da pesqui- sadora Ana Lúcia Bazzan, professora do Instituto de Informática, desenvolveu um simulador de tráfego uti- lizando um software livre, que será colocado à disposi- ção de prefeituras e da comunidade acadêmica. A tecno- logia está sendo testada em Porto Alegre. Alguns dados sobre o trânsito da cidade - topografia e contagem de veículos - foram usados para testar a ferramenta.

Primeiro se coletam dados, como o fluxo de auto- móveis, o traçado das pistas e a localização de semá- foros, assim como seus planos de operação. O trabalho do simulador depende, em primeiro lugar, de selecio- nar elementos de pontos específicos e calcular qual é a distribuição de veículos na malha viária. Isso não é novidade: muitos municípios dispõem de instrumen- tos para obter tais informações. O passo seguinte é utilizar recursos da inteligência artificial, úteis tanto para coordenar os semáforos de acordo com o fluxo - as conhecidas "ondas verdes" - como para identificar os modelos de tomada de decisão que os motoristas utilizam e levá-los em conta na hora de prever o trá- fego. É a parte mais complicada, uma vez que os con- dutores não se comportam todos do mesmo modo,

como supõem muitos dos sistemas comerciais dispo- níveis. Os modelos de simulação e controle utilizados em grandes cidades não levam isso em conta. "Anali- sam, em geral, apenas os veículos em movimento, e não os seres humanos que os conduzem. Isso porque os modelos existentes costumam ser muito pesados para fazer simulações desse nível em tempo real", diz Ana Lúcia. Sistemas de controle de tráfego em tem- po real existem desde a década de 1970, mas só re- centemente a redução dos custos permitiu sua disse- minação. No Brasil, os avanços da última década foram alcançados com sistemas caros e importados, como os das cidades de São Paulo e Fortaleza.

Teoria dos jogos - As pesquisas de que Ana Lúcia par- ticipou na Alemanha entre 1999 e 2002 foram a cha- ve para compreender essa equação. Graças a uma parceria entre a UFRGS e o Instituto de Física da Uni- versidade de Duisburg-Essen, no âmbito do projeto Si- mulation of Social Agents in Traffic (Sociat), Ana Lú- cia uniu-se ao grupo do professor M. Schreckenberg, co-autor de um modelo de microssimulação de trân- sito, para introduzir a variável do comportamento dos motoristas nesse modelo. A colaboração envolveu vá- rios projetos. Na Alemanha surgiu o projeto tripartite Survive, que teve a participação de Reinhard Selten, da Universidade de Bonn, vencedor do Nobel em 1994 por sua contribuição na área de teoria dos jogos. O projeto conduziu experimentos com cobaias huma- nas em situações de escolha de rota com o objetivo de extrair padrões de comportamento. O resultado, além

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do desenvolvimento do simulador, con- templou o estudo de diversos tipos de personalidade dos motoristas no cená- rio de escolha de rota. No Brasil surgiu o Sistema Integrado de Simulação, Con- trole e Otimização de Tráfego (Siscot), projeto voltado para desenvolver a infra- estrutura básica de simulação, prevendo a extensão das regras do autômato para acomodar motoristas de diversos ti- pos. A partir de 2003, com o fim do Siscot, as ativida- des continuaram no Sis- tema de Informação e Controle para Mobilida- de Urbana (SincMobil), coordenado por pesqui- sadores da Universidade Federal de Santa Catari- na. O Sociat, o Siscot e o SincMobil foram apoiados pelo Conse- lho Nacional de Desenvolvimento Cien- tífico e Tecnológico, o CNPq.

A tecnologia vem sendo utilizada com sucesso na previsão de engarrafa- mentos em auto-estradas da Alemanha, nos arredores da cidade de Colônia. Os engenheiros de tráfego costumam clas- sificar as condições de tráfego em ca- tegorias como fluido, congestionado e um estágio intermediário conhecido como fluxo sincronizado. A novidade no modelo foi considerar as nuances de personalidade, que incluem desde mo- toristas agressivos, que mudam cons- tantemente de faixa, até aqueles exces- sivamente defensivos ou que freiam por qualquer motivo - acelerações e desacelerações, como se sabe, interfe- rem na fluidez. O modelo inclui a variá- vel de comportamento em seus cálculos e isso é feito por meio de tecnologias da área de agentes e sistemas multiagentes - campo da inteligência artificial que busca, entre outras coisas, coordenar agentes autônomos que possuem co- nhecimento e perícia limitados. No caso do modelo de simulação, os agentes são tanto os motoristas quanto outros ele- mentos do cenário - em particular os semáforos que devem ser coordenados para formar ondas verdes ou outras for- mas de controle.

Esses modelos funcionam tanto em áreas urbanas quanto em auto-estra- das. Em rodovias, como não há semá- foros, o objetivo é não tanto o controle mas sim a previsão: o sistema em Colô-

nia informa pela internet as condições de tráfego na próxima hora com 90% de acerto. A experiência começa a ser vítima do próprio sucesso. Como mi- lhares de pessoas visitam o site todos os dias, notam-se mudanças no padrão do comportamento dos motoristas, com risco de comprometer as previsões.

ssa é a principal limitação de qualquer sistema de or- denamento de trânsito. "Eles param de dar certo quando alguém tenta bur- lá-los", diz Ana Lúcia. "É

aquela história dos engarrafamentos nas estradas na madrugada da véspera de um feriado, porque muitos motoris- tas tiveram uma mesma idéia na espe- rança de fugir do engarrafamento no dia seguinte", ela afirma. Desde a déca- da de 1970, as emissoras de rádio co- meçaram a prestar informações sobre o trânsito para os motoristas. Com todos tendo acesso à mesma informação, sua capacidade de ajudar foi sendo neutra- lizada. O número cada vez maior de carros, que é a origem dos problemas de trânsito, neutralizou grandes refor- mas viárias nas metrópoles feitas entre os anos 1960 e 1980 e conspira contra a eficiência de qualquer tentativa de or- denamento. A frota nacional de auto- móveis é estimada em 29 milhões de veículos. Em 1970 era de 3,1 milhões.

Multidisciplinar - "No universo urbano ou nas estradas, um sistema absolu- tamente impessoal de sinalizações só pode operar eficientemente se os seus usuários seguem a norma da igualdade perante a lei e, com isso, respeitam os movimentos uns dos outros. A gramá- tica do trânsito, como toda regra fun- dada no individualismo igualitário, é um código que privilegia o direito de quem chega primeiro", observou o an- tropólogo Roberto da Matta, no artigo "Trânsito, igualdade e hierarquia" pu- blicado no jornal O Estado de S. Paulo. Para Da Matta, os índices de morte no trânsito no país resultam, em boa me- dida, de um costume nacional de desa-

fiar essas regras. "No Brasil, obedecer às regras nessa competição cotidiana é algo incômodo e quase sempre ofen- sivo." Este comportamento agressivo, que não é exclusividade brasileira, vem sendo levado em conta. É por isso que o trânsito é tratado como questão mul- tidisciplinar. Principalmente na Euro- pa, diversas medidas têm sido propostas sob a forma de sistemas inteligentes de transporte (ITS ou Intelligent Trans- portation Systems) e sistemas avança- dos de informação ao usuário (Atis ou Advanced Traveler Information Sys- tem). "Eles buscam fornecer ao usuá- rio de sistemas de transporte infor- mações dinâmicas a respeito de rotas, estacionamentos, acidentes, o que aju- daria a diminuir os congestionamen- tos e a agressividade", diz Ana Lúcia. "Estas medidas se somam aos métodos tradicionais com os quais o engenheiro de transporte já vem lidando, mas não dispensam uma equipe multidisci- plinar como a do projeto Survive, em que físicos, cientistas da computação e economistas ligados à área de com- portamento individual atuaram jun- tos para lidar com a questão de escolha de rota."

Código aberto - O intercâmbio entre Brasil e Alemanha rendeu outros fru- tos, como a vinda de pesquisadores do grupo do professor Schreckenberg e da Universidade de Würzburg ao Brasil, uma tese de doutoramento na Alema- nha e duas dissertações de mestrado por alunos da UFRGS. Estes últimos es- tão iniciando o doutorado neste semes- tre - uma aluna na UFRGS e outro na Alemanha. O simulador está sendo li- cenciado como código aberto para dis- tribuição a outros grupos de pesquisa. Graduada na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, mestre em ciência da computação pela UFRGS e doutora na área de sistemas multiagen- tes pela Universitãt Karlsruhe, da Ale- manha, Ana Lúcia lamenta que não existam, fora da engenharia, muitos pes- quisadores no país interessados nesse campo do conhecimento. "Pouca gente das áreas de psicologia e sociologia se interessa pelo assunto", diz Ana Lúcia, que trabalha também com outras apli- cações de inteligência artificial e siste- mas multiagentes, como em bioinfor- mática, para anotação de genomas. •

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I HUMANIDADES

HISTORIA

A modernidade fantasma Fotógrafo da Madeira-Mamoré é a novidade do relançamento de livro sobre a "ferrovia da morte"

onge de ser um livro narrativo sobre o drama da construção da ferrovia Ma- deira-Mamo-

ré, tema da atual minissérie da TV Globo, o Trem-fantasma, estudo de Francisco Foot Hardman, é um belo e poético (mesmo na sua linguagem, em geral, pouco "acadêmica") exemplo do esforço de sua geração intelectual em mudar os rumos do fazer história den- tro das universidades. Antes de ser um livro de história, é sobretudo um estu- do literário sobre o imaginário nacional e mundial sobre a força do progresso diante da natureza.

Um grupo de pesquisadores resolveu recuperar o "apagamento de rastros" efetivado pela cultura brasileira em eventos importantes, como a funesta fer- rovia que, entre 1907 e 1912, mobilizou 20 mil trabalhadores de diversos países e custou a vida, inutilmente, de 6 mil dentre eles. O que se pretendia era a li- gação entre a Amazônia e uma região da Bolívia, rica em látex. Era o desejo de construir um acesso ao oceano Atlânti- co e competir com o canal do Panamá. Plena de contratos comerciais duvido- sos que resultou num fracasso estron- doso, a Madeira-Mamoré foi convenien- temente esquecida pelas elites, apesar do tamanho da saga. Hardman, professor de teoria e história literária da Universi- dade Estadual de Campinas (Unicamp), viu nela o exemplo perfeito da nova his- toriografia que ele e seus colegas deseja- vam implementar. Com sucesso. O livro

Foto de Dana Merrill, de 1910, mostra deslizamento durante a construção da chamada Ferrovia da Morte

inicia-se com uma análise sobre a liga- ção entre progresso e espetáculo, refle- tida, em especial, nas ferrovias, com seus trens soltando vapor e civilizando o mun- do, levando a modernidade para todos os recantos. Não sem razão, o primeiro filme dos Tumiére mostrava a chegada de um trem. Era ele, ao lado dos navios, o responsável por espalhar pelo globo a chance do consumo de mercadorias.

O cenário ideal dessa nova mentali- dade, diz Hardman, foram as exposi- ções universais, inclusive as brasileiras, prova inconteste da reunião entre pro- gresso e espetáculo para as massas. Ne- las também se dizimavam, com elegân- cia, as culturas "menos avançadas", que deveriam ser renovadas pela moder-

nidade. Nesse modelo, o pesquisador afirma que o mesmo princípio de "ver- tigem fantasmagórica" afetava o homem nas cidades e nas selvas, o meio natural a ser domado.

A atualidade do estudo repousa so- bretudo na permanência do modelo de ocupação predatória do país, cujo re- sultado é uma unidade imaginária da nação, vista pelo pesquisador como uma comédia ideológica restrita a uma mi- noria da população. Revisado, o livro, dos anos 1980, traz um capítulo novo (em verdade, um artigo de 1988) sobre o fotógrafo Dana Merrill, responsável pelas fotos dramáticas da ferrovia. •

CARLOS HAAG

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RESENHA

Gigantes da gravitação Livro organizado por Stephen Hawking traz clássicos da física

OSVALDO PESSOA JR.

De tão pesado, es- te é um livro que distorce o espa-

ço à sua volta. Para en- tender por que, bastaria ler os dificílimos artigos de Einstein presentes no livro, escritos sobre os ombros da obra de New- ton (e Maxwell), que por sua vez partiu de Gali- leu e Kepler, que estavam sobre os ombros de Co- pérnico.

Stephen Hawking, o famoso astrofísico inglês e sucesso editorial, assina a organização da obra e os bem escritos esboços biográficos. Apesar da fal- ta de explicações na maioria dos textos e de algu- mas partes mal traduzidas, a edição brasileira coor- denada pelo físico Marco Moriconi é uma boa compra para quem quiser decorar sua estante com clássicos da ciência moderna. Porém, nenhuma informação é dada sobre as edições que serviram de base para a tradução: talvez a editora Elsevier Brasil possa corrigir esta deficiência quando lan- çar a versão resumida e ilustrada do livro, o Illus- trated On the Shoulders ofGiants.

No livro de Nicolau Copérnico (1543), a intro- dução feita pelo teólogo Andreas Osiander é fa- mosa por apresentar uma visão "instrumentalis- ta" da teoria copernicana. Com respeito às teses associadas ao movimento da Terra em torno do Sol, "não é necessário que essas hipóteses sejam verdadeiras, ou mesmo que haja grande probabi- lidade de que o sejam; basta que elas forneçam um cálculo adequado às observações" (pág. 9). O Livro I de Copérnico é bem escrito e sua primeira metade pode ser lida sem muita dificuldade. O restante da obra foi omitido, mas há uma tradu- ção integral sob o título Revoluções dos orbes celes- tes, lançada em Portugal em 1984 pela Fundação Gulbenkian.

O título do livro de Galileu Galilei (1638), Diá- logo sobre duas novas ciências, deveria ser traduzi- do como Discursos, como na versão brasileira feita por L. & RR. Mariconda diretamente do original italiano. As duas ciências mencionadas são a resis- tência dos materiais e a cinemática, que envolve a descrição da queda livre dos corpos e do movi-

Os gênios da ciência: sobre os ombros de gigantes: Copérnico, Galileu, Kepler, Newton e Einstein

Organizado por Stephen Hawking

Campus / Elsevier 1.056 páginas / R$ 175,00

mento dos projéteis. A par- tir da página 220, podem- se acompanhar os argu- mentos de Salviati de que no movimento dos corpos em queda "sua velocidade [accelerazione] continue a au- mentar na mesma medida que o tempo", e não, como crê seus dois interlocutores, que "sua velocidade aumenta em proporção com o espaço percorrido" {pág. 226).

Na tradução de Johannes Kepler, apenas uma parte do Harmonias do mundo (1618) é apresen- tada, ao passo que a edição em inglês traz também duas outras obras importantes de Kepler. Na ver- são em português, faltam várias figuras e trechos são suprimidos. O texto é fascinante por misturar numerologia, análise musical e astronomia. Em meio a essa sinfonia de idéias, Kepler apresenta o que seria posteriormente chamado de sua terceira lei: "A razão que existe entre os períodos de quais- quer dois planetas é precisamente a razão da po- tência de 3/2 das distâncias médias, ou seja, das próprias esferas" (pág. 357).

A tradução menos confiável é a do fundamental Princípios matemáticos de filosofia natural (1687), de Isaac Newton. Há erros de tradução, de trans- crição de fórmulas e omissões de texto. Um trecho notável está no escólio geral adicionado em 1713, em que afirma que "não faço nenhuma hipótese; [...] e hipóteses, sejam metafísicas ou físicas, sejam de qualidades ocultas ou mecânicas, não têm ne- nhum lugar na filosofia experimental" (pág. 908). Há uma boa tradução do Livro I do Principia re- lançada pela Edusp, em 2002.

A parte final do volume apresenta sete artigos bastante difíceis, escritos por Albert Einstein entre 1905 e 1919, sobre as teorias da relatividade restri- ta e geral. O começo de seu primeiro artigo mos- tra seus dois geniais postulados, o da relatividade e o de que a velocidade da luz independe do mo- vimento da fonte (pág. 920). O melhor resumo de suas teorias, em meio ao mar de tensores matemá- ticos, começa na página 959.

OSVALDO PESSOA JR. é professor do Depto. de Filosofia da USP e trabalha com história e filosofia da ciência.

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LIVROS

Mário Pedrosa: itinerário crítico Otília Beatriz Arantes Cosac Naify 192 páginas / R$ 48,00

Um livro importante que estava esgotado havia anos e agora volta ao catálogo. Mário Pedrosa foi, sem dúvida, um dos mais importantes

críticos de arte do Brasil moderno. O estudo aborda justamente o caráter politizado de suas análises com sua discussão sobre a dimensão social da arte, as disputas sobre arte figurativa e abstrata, suas avaliações sobre os salões de arte e, acima de tudo, suas idéias sobre Brasília, vista por ele como uma síntese de todas as artes.

Cosacnaify (11) 3218-1444 www.cosacnaify.com.br

0 que é pesquisa em direito? Editora Quartier Latin Vários autores 208 páginas / R$ 45,00

Fruto de um seminário ocorrido em 2002, este livro traz uma reunião de artigos escritos por especialistas no tema. O seu tema é dos mais

pertinentes, mas pouco estudado: a pesquisa em direito. No bojo das discussões, uma reflexão sobre o formalismo jurídico, sobre o sentido do ensino meramente profissionalizante e sobre a pesquisa jurídica limitada apenas a aspectos de decibilidade. Editora Quartier Latin (11) 3101-5780 www.quartierlatin.art.br

Linhas de montagem Antônio Luigi Negro Boitempo Editorial / FAPESP 332 páginas / R$ 39,00

Partindo de um estudo de caso, a fábrica Willys-Overland, o pesquisador traz uma importante contribuição a como o Brasil foi se construindo como

uma nação industrial. A análise parte do pós-guerra, com o dilema da substituição de importações, e se estende até as célebres greves do ABC, em 1978. Segundo Negro, a modernidade empresarial se baseava em atitudes arcaicas que pretendiam tolher os esforços de criação de um sindicalismo independente, nos moldes internacionais. Para o autor, as conquistas operárias foram fruto exclusivo de sua luta interna nas fábricas.

Boitempo Editorial (11) 3875-7250 www.boitempo.com

BRASILEIRA Análises de uma pesquisa racicraí

Retratos da juventude brasileira Helena Wendel Abramo e Pedro Martoni Branco (organizadores) Editora Fundação Perseu Abramo 448 páginas / R$ 44,00

O livro é o segundo volume do Projeto Juventude, dando

continuidade à pesquisa levantada em Juventude e sociedade, primeiro tomo do estudo. Neste novo vemos a relação de aspectos diferentes da realidade dos jovens colocados em confronto com seus valores e opiniões. Dessa maneira, o leitor toma contato com o pensamento do jovem brasileiro do presente, onde mora, o que faz, como usa seu lazer, o que acha da política, do trabalho e da educação, entre outros tópicos. As análises são feitas por Paul Singer, Paulo Carrano, Nadya Guimarães etc.

Editora Fundação Perseu Abramo (11) 5571-4299 www.fpabramo.org.br

Ensaios sobre o capitalismo no século XX Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo Editora Unesp 240 páginas / R$ 25,00

Reunião de vários artigos publicados pelo economista na imprensa nos últimos anos. Dividido

em quatro partes (inflexões na história do capitalismo, reflexões sobre as reformas recentes do sistema, notas sobre seus críticos e mesmo artigos sobre futebol), o livro é uma boa forma de entender debates atuais.

Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

Bruxaria e história: as práticas mágicas no Ocidente cristão Carlos Roberto Figueiredo Nogueira Edusc 312 páginas / R$ 41,00

As bruxas e suas artes vistas pelo prisma acadêmico e explicadas nas

suas raízes. O professor titular de história medieval da USP revela como essas práticas mágicas foram um fator de equilíbrio mental que aliviava as angústias sentidas por um mundo dividido entre a existência e o possível. Segundo o autor, as bruxas são execradas por uma sociedade que projeta sobre elas as desgraças coletivas.

Edusc (14) 3235-7111 e-mail:[email protected]

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Manchas roxas com bordas verdes

RODRIGO LACERDA

Na cabine dos pesquisadores, fui apresentado a todos e tive direito a uma aula rápida sobre os equipamentos disponíveis.

O voluntário n° 7 apareceu em seguida. Manusea- va cuidadosamente o envelope com as duas fotos soli- citadas: a da moça por quem estava apaixonado e ou- tra, de uma amiga. Fazia parte da experiência.

Todos os voluntários recrutados, lá mesmo no cam- pus, atenderam devidamente ao único pré-requisito, o de sentirem-se apaixonados. Apenas um dera negati- vo, o do quinto voluntário. E só o n° 7 fez jus àquela nova rodada.

O Instituto Tecnológico reservara uma de suas no- vas salas para o projeto. Uma parede envidraçada divi- dia o espaço. Equipamentos maiores, tomógrafo in- clusive, de um lado, e, do outro, na tal cabine, os dois técnicos, três cientistas, eu, e ainda mais equipamentos.

O n° 7 foi recebido com descontração. Todos agra- deceram por haver aceito um segundo teste. Ele entre- gou o envelope a um neurologista, que o repassou a um dos técnicos. Outro neurologista acompanhou o n° 7 até a mesa, onde ele deitou meio sem jeito, preci- sando relaxar. Enquanto outro técnico posicionava o scanner ao redor de sua cabeça, fomos para a cabi- ne. De lá, as máquinas foram acionadas. No monitor principal, apareceu um cérebro 3-D, girando sobre fundo preto. As luzes baixaram, lentamente. Pelo siste- ma de comunicação, os neurologistas prepararam o n° 7 para as preliminares. Deram a partida no gravador e nas duas câmeras de vídeo. Peguei lápis e papel.

Ele repetiu sua história, a da namorada e a do na- moro.

Então, após uma ligeira pausa, acendeu diante dele a fotografia de sua amiga. Os cientistas perguntaram sobre a garota, sobre o que sentia por ela. Havia pre- meditação na ordem em que as imagens lhe seriam projetadas. A resposta do n° 7 foi morna. A julgar pela reação dos neurologistas, sua namorada teria gostado do que apareceu em nosso monitor. Eu, o que vi, fo- ram manchas pálidas sobre o cérebro digital.

O rosto da namorada do n° 7 chegou num retrato simples; cabeça, pescoço, ombros. Nenhuma sugestão

mais forte. A beleza dos traços por excelência; um sor- riso, um olhar alongado, um pescoço esguio, ombros largos e suaves ao mesmo tempo.

À flor da pele, os aparelhos registraram uma sutil transpiração no n° 7. Então, bem no meio daquele cé- rebro real e virtual ao mesmo tempo, quatro pequenas áreas se iluminaram.

— Confirmado: amor à primeira vista — disse um pesquisador.

Embora fosse piada, me pareceu a conclusão lógi- ca. Os neurocientistas, em seguida, estimulariam o n° 7 a pensar em sua namorada, nos momentos que tive- ram juntos, nos prazeres comuns. E com isso aqueles sinais, sem dúvida, se transformaram em evidências. Mas o registro da atividade cerebral já tinha se altera- do na largada. Foi o rosto dela aparecer.

Um segundo neurologista observou que a parte responsável pela visão, o "cérebro visual", não havia se iluminado. Aparentemente não sentia, apenas repassa- va as informações às tais quatro áreas iluminadas, o "cérebro emotivo".

O terceiro neurologista, e autor do convite para eu estar ali, apontando outra área apagada no cérebro do monitor, disse:

— De novo algumas regiões do desejo sexual não se alteraram.

— Quer dizer que ele não sente desejo pela garota? — perguntei, espantado.

— Quer dizer que o cérebro distingue, sim, o amor romântico do desejo sexual...

Olhei incrédulo. Isso era uma novidade? — ... mas não inteiramente — completou. — Es-

sas áreas aqui também se ligam ao desejo sexual, e es- tão ativadas. É um equilíbrio que pode variar.

— A voluntária n° 3 teve todas as áreas ligadas ao sexo ativadas... — comentou outro neurologista.

— Já o n° 4, além das áreas do amor romântico, teve a metade direita do cérebro tão ativada quanto a esquerda — disse outro ainda.

Os pesquisadores riram. — Pau pequeno. Ou pai autoritário. Ou os dois —

divertiram-se todos.

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Não entendi. Por um instante, fiquei perdido. — O lado direito do cérebro está mais ligado às

situações negativas. Entre elas, o medo — explicou o neurologista amigo.

Olhei de novo para o menino do outro lado do vi- dro. E se fosse eu deitado ali? Eu, pensando na minha mulher? Sem racionalizar, com meu próprio órgão da razão me expondo completamente?

No monitor, o cérebro 3-D evoluía nos ângulos de interesse. Descobrimos novas manchas iluminadas, na altura da testa do n° 7. Ao que parece, onde fica a es- trutura cerebral que nos ajuda a reconhecer nossas emoções e as dos outros. Uma espécie de classificador de sentimentos.

As manchas cresceram mais, e suas cores ganha- ram força. Eram roxas com bordas verdes.

Entendi de repente o que meu anfitrião tentara me dizer, quando mencionou que o cérebro do n° 7 se- parava amor de estímulo sexual. Era o contrário do suposto. Não os separava para manipulá-los, e sim porque nele o amor romântico predominava. Nele, a iluminação das áreas ligadas ao sexo era parcial, até re- sidual. No primeiro teste, os cientistas hesitaram em aceitar semelhante diagnóstico, que lhes soou inveros- símil. Daí a segunda rodada.

Tive sentimentos dúbios em relação ao menino. Tentei lembrar como era a sensação de ter um amor generoso, uma pessoa por quem eu dava tudo, uma pessoa a quem eu, sem piscar, estava disposto a en- tregar, como entreguei, a melhor parte da minha vida.

Talvez, combinando metafísica e psicanálise, mate- rialismo histórico e, dali em diante, a neurociência, eu entendesse meu destino com a mulher que...

Cientificamente falando, quando o amor é estimu- lado, nossa atividade cerebral comporta milhares de variações. E, cientificamente falando também, o amor não existe numa região cerebral única. Ativa sobretu- do pequenas áreas bem-definidas, mas conectadas a muitas outras regiões. Depende de um equilíbrio sutil entre pontos ativados e desativados, que varia infinita- mente de acordo com cada um.

Mas existe sim um mapeamento neurológico geral que caracteriza este ou aquele amor, sua composição, nível de intensidade e fusão com o desejo sexual. As máquinas provaram isso. No futuro, psicanalistas, jui- zes de conciliação e terapeutas conjugais farão tomo- grafias do nosso amor, a partir das quais começará a conversa. É.

Beirava o ridículo eu já querer tudo organizado na minha cabeça, na vida. Euzinho, decifrando a nature- za sem a bioquímica, a neurociência e a computação. As manchas no monitor, sua infinita variação em cada voluntário, eram um novo caminho. Um enigma cien- tífico, que explicava tudo e nada ao mesmo tempo.

Mas era a chance de ter uma imagem palpável do sentimento, uma que eu pudesse colocar num envelo- pe, levar de um lado para o outro, mostrar para os amigos, ou mirar com olhos vidrados, em horas escu- ras e de silêncio. Estávamos na era do visual?, eu que- ria ver.

Atentei de novo para o retrato da namorada do n° 7.0 rosto anguloso, mas feminino, muito feminino, e o olhar de sol nascente. Atentei de novo para o garoto, de sentimentos tão férteis.

Nos últimos tempos, ao ver casais se beijando na rua, nos bares, nos clubes, eu os encarava exibindo sua felicidade, a ponto de me tornar inconveniente. Mor- to de pena do meu espírito hípercrítico. Nem todos os amantes, afinal, viviam querendo explicar a entrega. Eu desconstruíra o sentimento no cotidiano, para ten- tar prolongá-lo ao máximo. Acho que foi.

No entanto, eu já mal conseguia lamentar que meus filhos estivessem crescendo. Nem conseguia ima- ginar a velhice naquela vida...

Não senti inveja do n° 7 e de sua namorada, eu ju- ro; nem raiva, nem ressentimento, nada condenável. Pelo contrário.

RODRIGO LACERDA, 35 anos, é escritor. Seu último roman- ce, Vista do Rio (2004), foi publicado pela editora Cosac & Naify.

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