colégio da morte
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Matéria publicada no Jornal da Metrópole de 27.7.2012 Texto: Clarissa Pacheco e Felipe Paranhos Fotos: Equipe MetrópoleTRANSCRIPT
JORNAL DA
27JUL12
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM LENINE, QUE FAZ SHOW EM SALVADOR AMANHÃ pág. 16
Colégio da morteEm apenas um ano e meio, 12 alunos do Colégio Estadual Zumbi dos Palmares, em Tancredo Neves, foram assassinados. As mortes não constam em registros
oficiais do governo, que nega o clima de medo na unidade. Apesar disso, alunos, professores e funcionários relatam o temor constante e o perigo de se trabalhar
e estudar no local, que é usado por traficantes como rota de fuga. Um módulo policial em frente à escola está desativado e a direção colocou grades em todas
as salas para evitar invasões e confrontos entre facções rivais. Págs. 4 a 7
pág.
DIVULGAÇÃO
FELIPE PARANHOS
Salvador, 27 de julho de 20124
HÁ QUASE um mês, o corpo do adolescente Jackson Vidal da Silva, de 17 anos, foi encontrado carbonizado atrás de um campo de futebol no Condomínio Arvo-redo, em Tancredo Neves. O bair-ro, que registrou o maior número de homicídios na capital em 2011 (210), já computa este ano qua-tro assassinatos de adolescentes
entre 14 e 17 anos. Destes, três eram alunos do Colégio Estadual Zumbi dos Palmares, no fim de linha do bairro, em frente a um módulo da Polícia Militar — que vive fechado. Em 18 meses, 12 alunos foram assassinados no bairro: ou por envolvimento com o tráfico de entorpecentes ou por “invadirem” o território alheio. “O menino foi fazer um trabalho na casa do colega, que ficava em ou-tra rua. Pisou na rua dos outros, mataram ele lá mesmo”, contou
um funcionário do colégio, que não terá a identidade revelada por questões de segurança.
No Zumbi dos Palmares, fundado em 1988, durante o go-
verno Waldir Pires, o cenário é semelhante ao de um presídio: todas as salas são gradeadas, as-sim como os acessos às escadas e à caixa d’água. Durante a noi-te, as aulas são ministradas com portões trancados a cadeado, para evitar que integrantes de facções rivais invadam as salas dos colegas. Para completar, a laje da escola serve como rota de fuga dos traficantes: passando por cima do colégio, eles saem em uma rua onde se concentra
boa parte das bocas de fumo do bairro. As ameaças de inva-são ao colégio se repetem, e os funcionários vivem sob tensão constante. No entanto, a Secre-taria de Educação do Estado da Bahia (SEC) ignora os dados, afirma não ter conhecimento dos números de alunos mortos e transfere a responsabilidade por computar os números à pasta de Segurança Pública (SSP-BA), que também não o faz. Em suma, o poder está entregue ao tráfico.
cidadeSem fechar portasPara Iracy Picanço, não se pode fechar a escola. “Não dá para só a educação dar conta. Outros setores têm de traba-lhar em conjunto, porque ali pode ser um espaço para que os que lá ficam não se envolvam em situações como essa”,.
Prevenção à violênciaEm nota, a SEC disse desenvolver ações preventivas contra a violência na escola, em parceria com a Se-cretaria de Segurança Pública, Polícia Militar, Ronda Escolar e Ufba, além de participar do Pacto pela Vida.
Texto Clarissa Pacheco e Felipe Paranhos
Fotos Equipe Metrópole
Cartilha do medoNo último ano e meio, 12 alunos do Colégio Estadual Zumbi dos Palmares foram assassinados
Pelas grades que separam o Colégio Estadual Zumbi dos Palmares do fim de linha de Tancredo Neves, vê-se a precariedade da estrutura da instituição, num retrato da educação na Bahia
Mais cidade?
www.metro1.com.br/cidade
Salvador, 27 de julho de 2012 5
cidadeEstágio e TraineeAs inscrições para o Programa Jovem Parceiro 2013, da Odebre-cht, estão abertas e vão até 31/8. Os interessados, universitários e recém-graduados em cursos superiores com no mínimo quatro anos de duração, devem se candidatar pelo site da Odebrecht.
No final de linha do bairro, escola serve de rota para o tráfico por ficar em região mais afastada da via principal
Mortes não suspendem aulasO número elevado de assas-
sinatos no colégio assusta quem
está de fora e deixa apreensivos os
funcionários que convivem com
o problema. Mas, lá, a situação é
banal. “As aulas nem são mais sus-
pensas, de tão comum que isso se
tornou. Entre os outros alunos, há
comoção quando morre alguém
que não era envolvido com o cri-
me. Mas quando é alguém ligado
ao tráfico, a morte já é até espera-
da”, afirma um funcionário.
“Eu nunca trabalhei em um lu-
gar assim. Nas outras escolas, eu via
alunos morrerem raramente e por
motivo de doença. Aqui, as mortes
são cruéis: é esquartejamento, tiro
na cabeça, corpo carbonizado”, afir-
ma outro funcionário, lembrando-
-se do corpo do irmão de um aluno,
que apareceu com a língua pregada
na testa. Para familiares de ex-alu-
nos, a escola não é a culpada, mas o
ambiente não é mesmo dos melho-
res. “Falta higiene, segurança. Tem
alunos que praticam sexo na escola,
usam drogas”.
Investimento jogado foraAté mesmo a comoção pelas
mortes dos colegas e alunos ino-
centes é cerceada pelo poder da
violência no local. Em outubro do
ano passado, o aluno Thiago Faus-
tino, de 14 anos, foi assassinado a
tiros na Rua Sobral, paralela à Rua
Paraíba, onde fica o colégio. Mora-
dores do bairro, amigos e familia-
res de Thiago chegaram a organi-
zar protestos por conta da morte
do garoto, mas o intuito dos pro-
fessores e funcionários de irem ao
sepultamento não se concretizou.
“Nós chegamos a organizar um
grupo de professores e funcioná-
rios para ir lá depois do expedien-
te, prestar solidariedade à família
dele, mas avisaram que, se fôsse-
mos, poderíamos ser os próximos”,
contou outro funcionário, que tam-
bém não terá a identidade revela-
da. “Era um garoto com um futuro
promissor, e fomos surpreendidos
com a sua morte. Isso mexe tam-
bém conosco, professores. A gente
faz um investimento no aluno, cria
expectativa de um futuro melhor
pra ele e acontece isso”, desabafou
um dos docentes.
Para Iracy Picanço, especialis-
ta em Sociologia da Educação, o
problema extrapola a esfera edu-
cacional: “É a questão do aparelho
estatal como um todo. A escola vai
ter que trabalhar conjugadamente
com a ação da polícia, da Justiça,
outros âmbitos da sociedade”, diz.
Na parede, mural apresenta valores: respeito, participação e compromisso Professores, funcionários e dirigentes escolares trabalham sob risco e recorrem ao isolamento durante a noite
Salvador, 27 de julho de 20126
cidadePré-EnemComeçaram ontem as inscrições para os aulões preparati-vos para o Enem. Serão 384 aulões, em 13 bairros de Salva-dor e 11 municípios do interior. As inscrições são gratuitas e seguem até 9/8 pelo site www.educacao.ba.gov.br.
Ninguém sabe, ninguém viuEm 2010, a Portaria nº 2.970 tor-
nou obrigatório o uso do Sistema
de Gestão Escolar (SGE) por todas
as unidades educacionais. O Siste-
ma funciona via web e foi criado
para facilitar “a administração es-
colar no que diz respeito à execu-
ção, acompanhamento e controle
de suas atividades fins, permitin-
do, assim, a utilização em tempo
real da base de dados gerenciais da
Secretaria de Educação do Estado”.
O Jornal da Metrópole apurou
que as escolas utilizam o sistema
para mandar informações para a
secretaria, inclusive informando
o falecimento de alunos, já que é
preciso justificar as faltas e expli-
car os motivos da evasão escolar.
No entanto, a SEC afirmou não
ter conhecimento dos números e
declarou ter acesso somente a in-
formações do que acontece dentro
das escolas. A assessoria da pasta
acrescentou, ainda, que os dados
deveriam ser computados pela
Secretaria de Segurança Pública.
Esta, por sua vez, negou que faça
levantamentos de mortes por es-
cola – informação a partir da qual
pode-se concluir que ninguém cui-
da de nada.
“A gente não pode separar”Os professores não podem fa-
zer muito. Em risco permanente, te-
mem virar as costas para os alunos
a fim de escrever algo no quadro.
Nas ‘celas de aula’ fechadas com
cadeado, invasões são reprimidas,
mas, quando as brigas começam,
resta a resignação.
Mesmo sem conhecer o am-
biente do Colégio Zumbi dos
Palmares, Picanço lamentou o
quadro apresentado pela repor-
tagem. “É uma forma de prote-
ger aquele ambiente. Mas desde
que as escolas, para se proteger,
começaram a colocar vidros nos
muros, grades, eu diria que, do
ponto de vista educativo, é antie-
ducação. Mas o que fazer em si-
tuação como essa? É um desafio”,
disse. “Aqui, uma briga entre alu-
nos não tem a dimensão de uma
briga comum, em que a gente en-
tra no meio, conversa e resolve”,
conta um funcionário. Uma cole-
ga completa: “A gente não pode
separar, sob risco de ficar visado.
Também não pode chamar a ron-
da escolar, porque eles ameaçam
a gente. Então, o máximo que a
gente pode fazer é pedir para que
eles resolvam o problema fora da
escola”, diz.
Parte de trás do colégio demonstra situação de abandono pela qual passam muitas instituições de ensino
Câmeras arrancadasEntre 1981 e 1988, a escola
funcionou em barracões. Nes-
se último ano, foi reformada e
passou a funcionar em pré-mol-
dados, com o nome de Escola
Estadual Zumbi dos Palmares.
Segundo funcionários, a Defesa
Civil teria recomendado a troca
da estrutura. No entanto, o ór-
gão disse não ter recebido soli-
citações de vistoria desde 2008.
Apesar da presença das gra-
des em quase toda a extensão do
colégio, a aparência de presídio
acaba por aí. O que acontece den-
tro da escola, fica por lá, sem que
seja registrado por ninguém. O
circuito de câmeras que integrava
a estrutura da instituição foi retira-
do. Sobraram apenas os fios soltos
nos locais onde os equipamentos
ficavam instalados.
Por conta do vandalismo, até plantas no pátio da escola ficam gradeadas Somente durante a greve dos professores, dois alunos da escola foram assassinadas em Beiru / Tancredo Neves
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cidadeSUS distribui novo remédioO Ministério da Saúde anunciou o início da distribui-ção do medicamento Trastuzumabe, para o tratamen-to do câncer de mama. O governo investirá R$ 130 mi-lhões para a oferta do novo remédio.
30 mil novos empregosA Bahia ficou em primeiro lugar na Região Nordeste
no ranking do número de empregos gerados no pri-
meiro semestre de 2012. Foram 30 mil novos postos de
trabalho no período, sendo 8.470 apenas em [email protected]
“Agora Jorge Portugal tem
coragem de dizer que os R$ 250
hora/aula do contrato com o
governo eram para pagar pro-
fessores de ponta. Eu desafio
qualquer um deles a vir dar aula
aqui. Professores de ponta so-
mos nós, que fazemos o nosso
trabalho da melhor forma pos-
sível nestas condições”. O desa-
bafo é de um dos docentes, que
se vê obrigado a assumir mais
do que as responsabilidades de
educador. “Além de professor,
a gente tem que ser psicólogo.
Quem chega novo não aguenta
muito tempo. Depois que mata-
ram uma aluna na porta da pa-
daria, não vamos mais lá nem
para comer”, desabafou.
De acordo com a professora
Iracy Picanço, os docentes da
escola poderiam ser colocados
num pedestal. “A rigor, são os
heróis da educação. Porque
não é fácil ter um desempenho
razoável, tranquilo, como se
precisa em um ambiente edu-
cacional, em circunstâncias
como essa”, avalia.
Além de negar que tenha
acesso às informações de fale-
cimento de alunos, a Secretaria
de Educação do Estado, em nota,
deu resposta evasiva ao Jornal da Metrópole. Os dados apresen-
tados pela pasta fazem referência
a assassinatos que poderiam ter
ocorrido dentro da unidade es-
colar, embora o questionamento
fosse a respeito de falecimento
de aluno, em qualquer ambiente.
Segundo a nota, “os indica-
dores demonstram que não há
violência na escola pública e
a Secretaria de Educação vem
combatendo uma atitude into-
lerante e até racista de determi-
nados segmentos da sociedade
que tentam imputar o estigma
da violência a mais de um milhão
de estudantes (a maioria pobre e
afrodescendente) que estudam
nas escolas públicas”.
Quem chega parece entrar num presídio. Todas as salas são gradeadas e o pátio não conta com opções de lazer
“Professores de ponta somos nós” SEC se esquivaApesar do clima, grafite nas paredes dá um ‘colorido’ ao ambiente
Docentes mereciam pedestal: “A rigor, são os heróis da educação”
o que rola
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o que rolaestamos de olho
Sessão suspensaA sessão da Câmara dos Vereadores desta quarta (25) foi suspensa por
falta de quórum. O esvaziamento aconteceu por conta do projeto de
extinção do Fundetrans, fundo para os transportes, de João Henrique.
ItaberabaO Ministério Público Estadual indiciou o prefeito de Itaberaba, João Al-
meida Filho (PP), por nepotismo. O alcaide, que já responde a processos,
também foi multado pelo TCM por contratar atrações irregularmente.
Vistoria do CNJO Judiciário baiano passou por uma inspeção do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) essa semana. No estado, mais de 200 mil processos
estão parados há mais de 100 dias.
FOTO DO LEITOR/DIVULGAÇÃO