sentido da morte

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ - PUC PR CENTRO DE TECONOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS LICENCIATURA EM FILOSOFIA ROZANA PERICO O SENTIDO DA MORTE NUMA PERSPECTIVA DO EXISTENCIALISMO CRISTÃO. CURITIBA 2011

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Page 1: Sentido da morte

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ - PUC PR

CENTRO DE TECONOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS

LICENCIATURA EM FILOSOFIA

ROZANA PERICO

O SENTIDO DA MORTE NUMA PERSPECTIVA DO EXISTENCIALISMO

CRISTÃO.

CURITIBA

2011

Page 2: Sentido da morte

ROZANA PERICO

O SENTIDO DA MORTE NUMA PERSPECTIVA DO EXISTENCIALISMO

CRISTÃO.

Trabalho apresentado no Programa de Graduação Licenciatura em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná como requisito parcial para a obtenção de título de Licenciado em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Bortolo Valle

CURITIBA

2011

Page 3: Sentido da morte

TERMO DE APROVAÇÃO

Rozana Perico

O SENTIDO DA MORTE NUMA PERSPECTIVA DO EXISTENCIALISMO

CRISTÃO.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para a obtenção do título de

Licenciado em Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUC PR.

Curitiba, de novembro de 2011.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________

Prof. Dr. Bortolo Valle - Orientador

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

_____________________________________

Prof. ____________________________

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

_____________________________________

Prof. __________________________

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Page 4: Sentido da morte

Dedico esse trabalho as minhas co-irmãs de comunidade religiosa pelo apoio, incentivo e compreensão ao longo destes anos de estudo e a meus pais que oportunizaram os primeiros anos escolares.

Page 5: Sentido da morte

Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Bortolo Valle, pela dedicação e presteza, em orientar-me neste trabalho.

Atitudes que foram fundamentais para o início, desenvolvimento e término da monografia.

Aos demais professores do Curso, que conosco dividiram seus

conhecimentos e aos funcionários que colaboraram conosco.

As co-irmãs de comunidade pelo incentivo e apoio ao longo da jornada de estudos acadêmicos.

Aos colegas, que juntos compartilhamos muitos momentos ao longo

destes três anos e acreditamos na arte de filosofar.

A todos aqueles que estiveram, direta ou indiretamente, ligados Ao desenvolvimento desta monografia.

E, principalmente, a Deus pela vida e capacidade de aprender.

Page 6: Sentido da morte

“Jamais nos encontraremos frente a frente com a nossa própria morte, visto que enquanto nós estivermos presentes ela estará ausente e quando ela estiver presente, então seremos nós que estaremos ausentes.”

Epicuro (270 a.C.)

Page 7: Sentido da morte

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a dinâmica da morte e seu sentido a partir do existencialismo cristão, na visão dos autores; Elizabeth Kübler-Ross, Gabriel Marcel e Karl Jasper. Para isto, o trabalho foi organizado em três capítulos. A saber: veremos o fenômeno da morte e do morrer na reflexão de Kübler-Ross. A qual apresenta a morte como um fenômeno natural e inerente aos seres vivos. Em seguida a reflexão será pautada no sentido da morte, onde será explorado os cinco estágios para a morte apresentados por Kübler-Ross. Contempla-se ainda a reflexão que mostra a morte vivenciada no passado e como é vista e vivenciada pela sociedade hodierna. Finalizando o tema será pautado na reflexão dos existencialistas Marcel e Jasper, serão analisados os possíveis sentidos para a morte a partir do existencialismo cristão no qual o sofrimento compartilhado torna o momento da morte um instante de transição, com as dores e sofrimentos próprios deste momento. É possível, ao finalizar este trabalho, responder a pergunta: É possível ainda, a partir do existencialismo cristão conferir um sentido a morte? A resposta foi dada, porém há muito ainda que se possa refletir e aprofundar sobre este tema, sobretudo a questão da comercialização da morte e a vivência do luto.

PALAVRAS CHAVES: Existencialismo cristão, dor, morte, sofrimento.

Page 8: Sentido da morte

SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................10 1 A MORTE COMO UM FENÔMENO HUMANO.................................................12 1.1 DINÂMICA DA MORTE E DINÂMICA DO MORRER .....................................16 2 ATITUDES DIANTE DA MORTE E DO MORRER...........................................21

2.1 PRIMEIRO ESTÁGIO: NEGAÇÃO E ISOLAMENTO .....................................21 2.2 SEGUNDO ESTÁGIO: A RAIVA .....................................................................23 2.3 TERCEIRO ESTÁGIO: A BARGANHA ...........................................................24 2.4 QUARTO ESTÁGIO: A DEPRESSÃO ............................................................25 2.5 QUINRO ESTÁGIO: ACEITAÇÃO............................. .....................................26 2.6 AMORTE AINDA TEM UM SENTIDO: UMA RESPOSTA A PARTIR DO EXISTENCIALIMOS CRISTÃO..............................................................................27

3 A MORTE NUMA PERSPECTIVA DO EXISTENCIALISMO CRISTÃO..........30 3.1 O QUE É O EXISTENCIALISMO CRISTÃO:...................................................30 3.2 OS POSSÍVEIS SENTIDOS PARA A MORTE. O EXISTENCIALISMO CRISTÃO E O SENTIDO PARA A MORTE .........................................................33

3.3 UM SENTIDO PARA A MORTE: A CONDIÇÃO DO EXISTENCIALISMO CRISTÃO...............................................................................................................36 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................40 REFERÊNCIAS.....................................................................................................42

Page 9: Sentido da morte

INTRODUÇÃO

O tema deste trabalho se localiza na realidade humana da morte. Seu

objetivo maior consiste em elaborar uma análise para tratar o tema na perspectiva

filosófica do existencialismo cristão.

Tomando como ponto de apoio o trabalho de estudiosos com Elizabeth

Kübler-Ross, José Luiz de Souza Maranhão, Gabriel Marcel e Karl Jasper. A

reflexão se desenvolve no sentido de explorar a temática da morte não como um

fim em si mesmo, mas como uma afirmação de existência que se consuma na

passagem para a vida verdadeira conforme a promessa bíblica e os argumentos

do Existencialismo Cristão.

Para tanto, o trabalho está estruturado em três capítulos. No primeiro

capítulo, será desenvolvida uma reflexão sobre morte como fenômeno humano e

natural, conforme descreve Elizabeth Kübler-Ross, a qual nos apresenta que

embora todos tenham consciência de que vamos morrer, alimentamos no mais

íntimo de nós mesmos o medo da morte. E a ciência está aí com suas pesquisas

e descobertas tentando aumentar o tempo e a qualidade de vida das pessoas,

como nos relata Kübler-Ross em suas experiências com doentes terminais.

No segundo capítulo, temos uma reflexão sobre o sentido da morte. Onde

a autora nos apresenta os cinco estágios do morrer, e nos recorda que a morte

constitui ainda um acontecimento pavoroso, um medo universal. Consideremos a

reflexão da pesquisadora observando como na modernidade a morte é

representada. Lembra-nos que entre os homens modernos, poucos são os que

morrem cercados pelos seus, a maioria morrem sozinhos quando muitos, alguns

são acompanhados por uma enfermeira ou médico, pessoas que não são do seu

convívio familiar, e que muitas vezes estão presentes apenas como profissionais.

Portanto, neste capitulo, vemos que a morte embora por um lado cause espanto,

medo, angústia e isolamento das pessoas, por outro se manifesta como fonte de

comércio e niilismo ante a impotência de segurar a vida num sentido de detenção

do próprio ser.

Maranhão nos faz uma menção da morte na sociedade hodierna como

algo que seja possível de permuta a qualquer momento ou situação. Para muitos,

a morte é vista como impessoal que atinge a todos em geral e a ninguém em

particular. Esta noção é evidente, sobretudo nos diferentes meios de

Page 10: Sentido da morte

comunicação social, todavia assegura Maranhão de que as notícias de morte de

milhões de seres humanos dizimados pela guerra, fome e outras violências é um

espetáculo o qual contemplamos a distância e nos dá a ilusão de sermos

invulneráveis imortais.

Diante da angústia e do desespero perante a morte encontramos a

filosofia da esperança no existencialismo cristão. É no peregrinar da vida que a

esperança se revela como princípio misterioso que coloca o homem no âmbito da

transcendência em direção da meta plena do seu ser. Diante do existencialismo

cristão a morte torna-se um trampolim de esperança absoluta, um salto sobre o

tempo em direção à transcendência.

Entender a morte parte do princípio de perceber os simbolismos que

cercam a vida, sobretudo das pessoas conscientes de que estão em fase final da

existência ou que se depara com um longo e doloroso tratamento na luta pela

vida. Kübler-Ross em suas experiências com doentes terminais se depara com a

realidade de que quando já existe muita dor, não se sente tanto quanto uma dor

nova atinge um corpo sadio. Alimentar a esperança do doente é dar-lhe

permissão de recuperar-se, de continuar lutando, buscar por todos os meios e

encontrar nas pessoas de seu convívio respostas e estímulos as suas angústias.

Ajudá-los a refletir sobre a morte é dar significado válido e não apenas o

encerramento de uma atividade.

Finalizando o terceiro capítulo, serão analisados os possíveis sentidos

para a morte a partir do existencialismo cristão no qual o sofrimento

compartilhado sente a presença do outro e esse sofrimento é penetrado pela luz

do amor. A convivência e a cumplicidade com o sofrimento do outro tem sua

dimensão de redenção no mistério salvífico de Cristo. A morte de Jesus é o

sacrifício máximo, só explicado pelo amor. A partir da paixão, morte e

ressurreição de Cristo, o existencialismo cristão apresenta um sentido novo para

o ato de morrer e a compreensão da morte.

Refletindo as cartas do Apóstolo Paulo de Tarso, com paralelo aos

Evangelhos onde nos apresentam a morte, mas, sobretudo a Vida Eterna como

uma consequência do ato de morrer fisicamente. Vamos a partir da paixão, morte

e ressurreição de Jesus elucidar que o existencialismo cristão tem resposta e dá

sentido ao ato de morrer, como nos afirmará os autores; JASPER e MARCEL.

Page 11: Sentido da morte

A pergunta que melhor orienta o trabalho pode ser: É possível ainda, a

partir do existencialismo cristão conferir um sentido a morte?

Page 12: Sentido da morte

1 A MORTE COMO UM FENÔMENO HUMANO

Neste primeiro capítulo, faremos uma reflexão sobre a morte na

perspectiva de um fenômeno humano. Fundamentada nos escritos de Elizabeth

Kübler-Ross1. Para a autora, embora todos temos a consciência de que vamos

morrer, alimentamos no mais íntimo de nós mesmos o medo da morte. No

entanto, na contemporaneidade vemos a ciência realizando pesquisas e

descobertas com o intuito de aumentar o tempo e a qualidade de vida nas

pessoas. Todavia, não parece que todas as descobertas científicas sobre a

possibilidade de prolongar a vida, viver com maior qualidade, tenha respondido as

inquietações humanas diante dura realidade que é a morte.

Pois bem, o homem enquanto ser com capacidade para desenvolver o

conhecimento, passa a adquirir argumentos sobre aquilo que conhece como

certos ou não. Porém, ao conhecer sobre a morte, não há nada que negue a

veracidade, como nos afirma Dastur; “Faz do saber da morte um saber

absolutamente certo, incomparável às outras espécies de saberes, porque nos

deixa propensos para a desmedida daquilo que não tem experiência possível”.

(DASTUR, 2002, p.9).

Autores como Maranhão e Kübler-Ross, mostram como o tema da morte

está presente no cotidiano, como ele faz parte do convívio e das relações entre as

pessoas, porém nem sempre este é um assunto de interesse e de discussões

filosóficas. Poucos são os que dedicam tempo e estudo ao tema da morte, dentre

eles, temos os filósofos existencialistas como; Karl Jasper e Gabriel Marcel. Os

mesmos reconhecem que não é possível analisar o sentido da vida sem se

deparar com o problema do sentido da morte.

Em todas as espécies vivas, a morte está inerente ao ser finito. Algumas

espécies têm maior longevidade, outras menos, mas todas necessariamente

passam pelo processo da morte. No entanto, o homem é o único ser vivo que tem

consciência que vai morrer, por isso, pensando no ser humano, é notável a luta

da medicina e o desenvolvimento das ciências para garantir longevidade e

qualidade de vida. Sobretudo nos últimos anos, investiu-se em pesquisas e

1 Elisabeth Kukler-Ross, médica psiquiatra que desenvolveu junto a um grupo de estudantes de

Teologia um estudo sobre a morte, tornando-se célebre em suas pesquisas com doentes terminais.

Page 13: Sentido da morte

desenvolvimento de medicamentos, alimentos e outros recursos com o intuito de

curar ou garantir uma vida mais saudável ao ser humano.

A morte expressiva de crianças ficou para trás, vacinas e outros

tratamentos passaram a dar uma maior longevidade às pessoas. “A educação e

uma puericultura melhor ocasionaram um baixo índice de doença e mortalidade

infantil. Os vários males que causavam baixa impressionante entre os jovens e

adultos foram dominados”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.13). Hoje, no entanto, temos

uma sociedade com pessoas adultas e idosas com necessidades humanas,

sociais e físicas que lhes são próprias da idade e dos males oriundos da

sociedade moderna, e que, no entanto, possuem qualidade de vida que lhes

permitem certa autonomia.

Atualmente, nos consultórios médicos, os profissionais da saúde lidam com

problemas, sobretudo emocionais que não existiam. “(...) os médicos cuidam de

pacientes mais velhos que procuram não somente viver com suas limitações e

habilidades físicas diminuídas, mas também enfrentam a solidão e o isolamento

com anseios e angústias que deles advêm.” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.14). Outros

profissionais somam ao contingente dos médicos como capelães, assistentes

sociais, enfermeiros, psicólogos, dentre outros, cuja atividade é descobrir e

auxiliar nas diferentes necessidades humanas, afetivas, espirituais e materiais

dos pacientes e familiares.

É necessário aprender a lidar e compreender o problema da morte e o

processo de morrer. Caso contrário, vamos lutar com o nosso inconsciente

pessoal e coletivo tentando abominar a morte. Temos dificuldade de imaginar um

fim real em nossa vida, é inconcebível que vamos morrer, pois, “a morte em si

está ligada a uma ação má, a um acontecimento medonho, a algo que em si

clama por recompensa ou castigo”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.14). Todavia, com o

passar do tempo, com o amadurecimento próprio do ser humano, tomamos

consciência que nossa onipotência não existe e que nossos desejos, por mais

fortes e determinados que sejam não têm força suficiente para tornar possível o

impossível. Diante da morte deparamo-nos com o nada e somos obrigados a

aceitá-la. Um misto de sentimentos povoa o interior de quem se depara com a

morte de alguém que lhe é querido; aflição, vergonha, culpa, e em outros

momentos raiva e fúria. Entretanto, algumas vezes, estes sentimentos são

reprimidos pelos adultos, porém, a criança pela falta de pudor e malícia não sabe

Page 14: Sentido da morte

disfarçar o que sente em seu interior, como afirma Kübler-Ross ao falar da morte

de um familiar:

A criança de cinco anos que perde a mãe tanto se culpa pelo desaparecimento dela, como se zanga porque ela o abandonou deixando de atender a seus rogos. Quem morre se transforma, então, em um ser que a criança ama e adora, mas também odeia com igual intensidade por essa dura ausência. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.16).

Contudo, é preciso ressaltar que a questão da morte é sempre a mesma

em todos os tempos, as reações humanas diante da mesma permanecem

constantes reforça a autora; “A morte constitui ainda um acontecimento

espantoso, pavoroso, um medo universal, mesmo sabendo que podemos dominá-

lo em vários níveis”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.17). No entanto, o modo como

conviver e lidar com a morte e o morrer têm por vezes ficado ofuscado pelas

ocupações diárias, com a negação da dor de quem saiu perdedor diante da

morte.

Faz-se necessário perceber que ao longo dos séculos pouco mudou com

relação às questões ligadas ao fim da vida física e nos atermos mais com relação

aos cuidados do ser. Pois, além do corpo físico, o ser humano é dotado de

sentimentos, emoções e uma alma imortal, a qual consente que as necessidades

básicas do ser humano não mudem e necessitem serem supridas. Kübler-Ross

faz pensar o que será de uma sociedade que se preocupa mais com os números

do que com os indivíduos, onde as relações entre as pessoas e a possibilidade

de viver ligada a uma máquina, limitam a solidão e a quietude.

As novas descobertas e os avanços da ciência pouco tem agregado ao

homem quanto ao medo de morrer. Razão esta pela qual pouco se fala da morte,

a mesma deixa de ser assunto das rodas de conversas para ser pensada e

discutida nos campos da medicina, pois entende-se que estes profissionais são

os tutores da vida e a eles cabe a árdua tarefa de pensar na morte, de como

enfrentá-la ou de como esquivar-se. Se pensarmos que no período medieval a

morte era assunto das rodas de conversas familiares e entre amigos e as pessoas

não temiam enfrentá-la, hoje já não é bem assim, omite-se por todos os meios de

revelar a verdade sobre as condições finais de um familiar com doença terminal,

como destaca a autora; “Talvez devemos voltar ao ser humano individual e

Page 15: Sentido da morte

começar do ponto de partidade para tantar compreender nossa própria morte,

aprendendo a encarar (...) com menos temor este acontecimento trágico, mas

inevitável.” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.26). Podemos concluir que a morte é a

certeza que todo ser humano possui, não sabemos precisar o dia e a hora, mas

temos esta certeza, todos caminham em direção da morte.

Embora cientes de que vamos morrer, a morte continua sendo elemento de

espanto, a saber; “A morte é objeto de espanto e não parece poder ser

enfrentada, a não ser na medida em que se vê relativizada e aparentada ter

domínio apenas sobre uma parte do nosso ser”. (DASTUR, 2002, p.6). Encontrar

finitude do tempo na morte pode ser a origem do espanto que ela suscita em nós.

Ao considerar o fato de que o sofrimento para muitos perdeu a razão de

ser, percebe-se que a religião perdeu seu foco na crença em Deus, na vida futura,

na recompensa pelas dores e sofrimentos vividos na vida presente. Motivo este

que apresentava a morte como uma recompensa de bem viver, de carregar seu

fardo de dores e sofrimentos com resignação, coragem e paciência. A autora

recorda: “O sofrimento era mais comum, como o nascimento era um evento mais

natural (...), mais doloroso (...). Havia uma finalidade e uma recompensa futura no

sofrimento.” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.27). O sofrimento perdeu a razão de ser,

uma vez que temos sedativos que podem ser administrados para amenizar ou

eliminar a dor. Perdeu-se a crença de que todo sofrimento será recompensado na

vida futura, ou seja, o sofrimento perdeu a razão de ser. A crença religiosa na vida

após a morte perdeu seu significado como consequência de uma sociedade que

rejeita a morte. Prolongar a vida, ou tornar o momento da morte menos cruel tem

levado muitos a renegar as próprias convicções religiosas sobre a imortalidade da

alma.

Todo desenvolvimento científico e tecnológico tem sido de relevante

significado no que tange a vida e a negação da morte. Máquinas e equipamentos

modernos são inventados e usados com o intuito de manter vivo ou apontar a

morte de um paciente. Sistemas de congelamento são desenvolvidos, com intuito

de poder um dia descongelar o corpo e torná-lo a viver, envolvendo outras

questões como a superpopulação onde será necessário decidir quem poderá ser

descongelado, como apresentará a autora; “ (...) descongelá-los e devolvê-los à

vida e à sociedade, a qual poderá estar tão super povoada que se farão

necessários comitês especiais para decidir quantos podem ser descongelados.”

Page 16: Sentido da morte

(KÜBLER-ROSS, 1969, p.28). Questões estas nas quais a ética terá precedência

em responder.

No entanto, vivendo numa sociedade massificadora que exclui o indivíduo,

nos perguntamos o que fazer para não fugir desta realidade assustadora com

tanta tecnologia, desenvolvimento de técnicas cada vez mais precisas e mais

minuciosas, sobretudo no campo da medicina. Não é mais possível retroceder no

tempo, nem mesmo a religião possui respostas que convencem e tornem o ato de

morrer mais compensador. “Problemas legais, morais, éticos e psicológicos serão

postos diante das gerações presente e futura, que decidirão questões de vida e

morte em número cada vez maior, enquanto tais decisões não forem tomadas

também por computadores.” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.29). No entanto, não é

possível pensar sobre a morte em massa. É necessário cada um encará-la de

forma individual, tendo a certeza que morrerá e que somente ele pode dar-se

conta de tal situação, onde as máquinas com toda a sofisticação das tecnologias,

não poderão amenizar o sofrimento interior do paciente tornando o momento da

morte único e pessoal.

Encarando e aceitando a morte, sua realidade e condição, podemos

alcançar a paz interior e entender que a liberdade de agir entre as pessoas e a

ciência os torna mais humanos, os faz mais livres e menos destruidores. A ciência

e as tecnologias podem nos permitir ajudar alguém morrer ou prolongar a vida.

Pois, para as dores do corpo há os analgésicos, para a dor da alma temos a

religião que fortalece na esperança da vida eterna e as pessoas que estão

dispostas ao diálogo, a partilha, sentimentos de ternura e compaixão.

1.1 A DINÂMICA DA MORTE E A DINÂMICA DO MORRER

Elizabeth Kübler-Ross, recorda que a morte já foi admitida como algo

familiar, a qual todos podiam participar em todos os momentos. As crianças não

eram privadas do contato com a pessoa em fase final e participavam de seu

velório e sepultamento. Esta experiência familiar ajudava a todos a superarem o

momento da perda do familiar. Todos participavam das conversas e discussões,

assim ninguém podia queixar-se e sentir-se só. Quando o familiar doente

Page 17: Sentido da morte

começava a demonstrar sinais de que seu quadro estava agravando, todos eram

comunicados e começavam a preparar-se para o fim, toda responsabilidade era

compartilhada com todos, mesmo as crianças eram envolvidas neste momento

derradeiro unindo-se aos adultos com orações, súplicas e silêncio. “É uma

preparação gradual, um incentivo para que encarem a morte como parte da vida,

uma experiência que pode ajudá-las a crescer e amadurecer”. (KÜBLER-ROSS,

1969, p.18). Todos compartilhavam do momento de passagem do familiar com

respeito, oração e silêncio.

No entanto, numa sociedade na qual a morte é encarada como tabu, as

crianças são privadas deste momento. Com o intuito de poupá-las da dor muitas

vezes enganadas com conversas falaciosas dos adultos, recebem informações

não reais sobre o desaparecimento do familiar, como se a morte fosse um ato

mágico no qual o familiar desapareceu e poderá reaparecer. Crianças tratadas

com informações ambíguas podem crescer com um nível elevado de

desconfiança nos adultos, pois ao dar-se conta da ausência do familiar ficam sem

entender o que aconteceu como nos narra Kübler-Ross

Mais cedo ou mais tarde, a criança se aperceberá de que mudou a situação familiar e, dependendo de sua idade e personalidade, sentirá um pesar irreparável, retendo este incidente como uma experiência pavorosa, misteriosa, muito traumática, com adultos que não merecem sua confiança e com quem não terá mais condição de se entender. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.19).

A ciência nos permite um certo grau de emancipação, proporcionando ao

homem melhores meios de preparar-se bem com sua família para o momento

inevitável da morte. A autora afirma: “Ao contrário, já vão longe os dias em que

era permitido a um homem morrer em paz e dignamente em seu próprio lar”.

(KÜBLER-ROSS, 1969, p.19). Quanto mais avançamos na ciência, mais parece

que tememos e negamos a realidade da morte, mais fugimos, criamos clínicas,

profissionais preparados para atender ao moribundo, há uma “terceirização” dos

cuidados ao familiar enfermo, pois a paz que antes estava no lar agora se busca

encontrá-la longe dos seus.

Buscam-se razões para fugir da morte, de encará-la calmamente. Hoje,

morrer é triste demais, sobretudo quando nos deparamos com a realidade de que

morrer é estar só, a morte tornou-se um ato mecânico e por vezes desumano. Irá

Page 18: Sentido da morte

afirmar Kübler-Ross: “Morrer se torna um ato solitário e impessoal porque o

paciente não raro é removido de seu ambiente familiar e levado às pressas para

uma sala de emergência.” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.19). Portanto, morrer é

provar a solidão, é permitir que os outros opinem sobre sua pessoa e decidam

pelo que julgam ser o melhor. No entanto, o modo como uma notícia é

comunicada tanto para o paciente quanto para os familiares pode torna-se um

momento de desespero ou de desânimo, e nada acrescenta ao bem estar do

paciente. Por isso, lembra Kübler-Ross: “Quanto mais gente envolvida com o

paciente souber seu diagnóstico (...), mais cedo ele perceberá o seu verdadeiro

estado.” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.47). Os pacientes percebem as reações das

pessoas ao seu redor, e mesmo quando não lhes falam a verdade, percebem

pelas mais diversas reações que seu estado inspira cuidado e seu fim está

próximo. Por vezes, os pacientes aparentam não entender e não perceber as

diversas reações dos familiares e médicos. Todavia, é importante agir com

sinceridade a fim de que o paciente não perca a confiança nos familiares e

médicos e, sobretudo, tenham a certeza de que lhes estão falando a verdade.

Além da solidão, o paciente torna-se um objeto. Ao ser transferido do

quarto para uma sala de emergência, o doente perde sua individualidade, seu

querer, seu poder de opinar e sugerir, agora ele encontra-se sob os cuidados de

um grupo de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, e outros

profissionais da saúde. Em outros momentos, sobretudo se estiver em casa ou

num quarto de hospital ou clínica encontrar-se cercado pelos familiares e amigos.

Ambos os grupos estão empenhados por garantir o melhor para o paciente.

No entanto, o paciente por vezes deixa de ser percebido como pessoa e

torna-se um objeto a ser discutido entre os que têm sobre ele a tarefa de cuidar,

pois o mesmo já não pode opinar, tomar decisões e sugerir alternativas, como

relata Kübler-Ross; “Decisões são tomadas sem seu parecer. Se tentar reagir,

logo lhe dão um sedativo... transformando-se num objeto de grande preocupação

e grande investimento financeiro.” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.20). Todos ao seu

redor são unânimes em se preocupar com as batidas do coração, a respiração,

pressão arterial, porém, se esquecem de que apesar de todo quadro degenerativo

há um ser humano querendo lutar, mesmo que lutar seja em vão. Médicos,

enfermeiros, familiares, ocupados com medicamentos, aparelhos, cuidado, lutam

Page 19: Sentido da morte

contra e, de maneira instintiva, tendem a rejeitar a morte, tão pavorosa e

incômoda amenizada pela máquina que permite dar fuga a própria mortalidade.

Todavia, irá ressaltar Maranhão; “Já não se morre em casa, rodeado pela

família, mas no hospital, sozinho. (...) O moribundo é doravante um paciente entre

inúmeros outros pacientes, não mais o pai agonizante ou o vizinho a falecer.”

(MARANHÃO, 1985, p. 13). A presença de familiares e amigos na sociedade atual

junto ao agonizante é menosprezada. Deixa-se que a máquina faça o controle, e

quiçá, um profissional da saúde irá monitorar computadores e outros aparelhos

que apresentam com precisão e garantia as informações vitais do paciente em

agonia.

Um relacionamento frio, desprendido de laços afetivos que garantem uma

profunda solidão, gerando de forma legal e aceita socialmente um abandono dos

próprios familiares. Porém, deixa de ser estranho. Em uma sociedade

mercantilista, o moribundo é marginalizado por que deixou de ser funcional,

perdeu seu status e sua dignidade, pois agora o indivíduo deixa de produzir,

acumular e já não responde mais aos apelos da sociedade. Não incomoda ao

progresso e, o que consome, não gera lucros expressivos a sociedade como tal.

A “terceirização” do morto entregue aos que têm competência para organizar os

últimos momentos que ainda restam de presença do corpo junto aos familiares do

morto merece cuidados especiais, irá afirmar Maranhão. “Esta assume (...)

problemas de necropsia, sepultamento, seguro social, herança... Assim, as

pessoas vão se retirando do trato com os mortos e assumindo o mero papel de

espectador”. (MARANHÃO, 1985, p. 17). Tornando-se o luto um processo de

interiorização da morte, marcada pelo rito funerário e pelo culto aos ancestrais,

tornando-se um amplo sentido a cultura da morte marcada nas palavras vivas dos

ritos funerários.

Elisabeth cita em sua obra os cinco estágios sobre a morte, que neste I

capítulo será apenas indicado, pois será tema de discussão no II capítulo deste

trabalho. Por hora apenas citaremos os estágios analisados e confirmados por

Kübler-Ross; Primeiro estágio: Negação e isolamento. Segundo estágio: A raiva.

Terceiro estágio: Barganha. Quarto estágio: Depressão. Quinto estágio:

Aceitação.

Ao relatar os estágios do morrer inerentes ao ser humano, sobretudo

quando este tem conhecimento da gravidade de seu estado, a autora evidencia

Page 20: Sentido da morte

que não é fácil informar ao paciente de tais notícias. “Saber compartilhar uma

notícia dolorosa com um paciente é uma arte.” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.48). É

necessário um pouco de magia e controle diante do que se pode ouvir dos

pacientes ao serem informados de seu estado. Não é raro ouvir lamúrias infindas

e reclamações que tentam esquivar-se da verdade. Por isso, é necessário criar

um ambiente de confiança e cumplicidade com toda a equipe a fim de que o

paciente receba de forma tranquila e equilibrada a notícia. Com isso, não se está

diminuindo a intensidade do sofrimento, porém cria-se espaço para o diálogo, a

acolhida e a aceitação da realidade. Parece que quanto mais avança a ciência,

mais tememos e negamos a realidade da morte.

Finaliza-se este capítulo, cujo objetivo era apresentar o ato da morte e o

ato de morrer. Nos demais capítulos este tema continuará perpassando a

temática aqui trabalhada, sobretudo ao referir-se aos cinco estágios sobre a

morte.

A morte se faz necessária de entendimento e identificação, pois, “A morte

é, na verdade, num vasto sentido, um fenômeno que faz parte da vida”.

(DASTUR, 2002, p.73). Sobre o morrer afirma autor; “Morrer é uma definição do

que é a vida humana, em outras palavras, existir a morte ou a mortalidade”.

(DASTUR, 2002, p.77). Portanto, morte e morrer são produtos de mesma origem,

no entanto uma não pode existir sem a outra.

No capítulo a seguir faremos uma reflexão pautada nos escritos de Kübler-

Ross, sobre os cinco estágios vivenciados pelas pessoas ao descobrirem que as

mesmas possuem uma enfermidade grave.

Page 21: Sentido da morte

2 ATITUDES DIANTE DA MORTE E DO MORRER

Analizaremos neste segundo capítulo, num primeiro instante, os cinco

estágios vivenciados, segundo Elisabeth Kükler-Ross, pelos pacientes ao

tomarem conhecimento de doenças graves, ou mesmo, ao perceberem a

impossíbilitade de cura de sua enfermidade.

Em nossa sociedade, a morte é vista como algo impessoal que atinge a

todos em geral e a ninguém em particular. Esta noção é evidente, sobretudo nos

diferentes meios de comunicação social, todavia, assegura Maranhão: “( ... ) de

que as notícias de morte de milhões de seres humanos dizimados pela guerra,

fome e outras violências. É um espetáculo o qual contemplamos a distância e nos

dá a ilusão de sermos invulneráveis e imortais.” (MARANHÃO, 1985, p.65).

Diariamente nos deparamos com reportagens e imagens sobre a morte que por

um instante nos deixam chocados, diante de tais cenas, no entanto, ao nos

envolver com outros afazeres e direcionar nosso olhar para outros cenários

deletamos o que vimos e aquilo por um instante nos assombrou.

2.1 PRIMEIRO ESTÁGIO: NEGAÇÃO E ISOLAMENTO

A primeira reação natural das pessoas ao receber o diagnóstico de uma

enfermidade grave é o de negação, “A maioria dos pacientes que entrevistamos

reagiu com esta frase: „Não, eu não, não pode ser verdade‟. Esta negação inicial

era palpável.” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.49). Alguns pacientes tentam driblar os

resultados e falam com os médicos e familiares convictos de que exames e

resultados foram trocados, pois eles estão bem, e aquela dor logo passará.

No entanto, não é possível negar o tempo todo, então muitos recorrem a

diferentes exames clínicos, buscam outros profissionais. O intuito é garantir a si

próprios que os resultados não são verdadeiros, pois negar a enfermidade é de

outro modo permitir que o paciente expresse sua vontade de viver, como analisou

a autora; “Esses pacientes podem considerar a possibilidade da própria morte,

durante certo tempo, mas precisam deixar de lado tal pensamento para lutar pela

Page 22: Sentido da morte

vida”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.50). Permitir que o paciente possa negar, mas

continuar buscando, é dar a ele condições de elaborar dentro de si a possibilidade

de continuar lutando pela vida.

Permitir que o paciente negue e se isole, não significa que o mesmo não

tem condições em um momento já amadurecido diante da enfermidade, de

sentar-se e dialogar sobre sua condição de saúde física e proximidade da morte.

Para a pesquisadora, este é um caminho percorrido por muitos pacientes: “A

negação funciona como um para-choque depois de notícias inesperadas e

chocantes. (...) Entretanto, isso não significa que o mesmo paciente não queira ou

não se sinta feliz e aliviado em poder sentar-se e conversar com alguém sobre

sua morte próxima.” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.50). Logo, como vemos, a negação

não é simplesmente algo de ruim, mas é uma forma de buscar alternativas de

sobrevivência.

Todavia, há pacientes em que a negação torna-se uma convicção e longe

de ser uma negação parcial, passa a ser uma negação assumida. Nestes, em que

a negação é assumida, a morte é vista como algo inevitável e que a única coisa a

ser feita no momento é esperar pela morte. Acrescenta a autora: “Duas mulheres

falaram brevemente sobre o morrer, referindo-se a ela apenas como um

incômodo inevitável que, felizmente, acontece durante o sono”. (KÜBLER-ROSS,

1969, p.51). Nota-se que esta afirmação é uma forma de negação assumida da

morte.

A autora apresenta, ainda, outra forma de negação assumida, ou seja, a

de que os pacientes se apeguem as próprias crenças, dispensando o uso da

medicina e seus recursos. Todavia, em alguns casos, há pacientes que se

permitem enfrentar a própria doença e com isto depositam sua confiança naquilo

que a medicina poderá trazer de benefícios à sua pessoa. Alguns, ao admitirem a

possibilidade de intervenções pela medicina, tentam isolar o que é doença e o

que é vida real. Exemplifica a autora: “Quando visitei uma determinada paciente

pouco antes da cirurgia programada, referindo-se a operação expressava-se: „é

apenas a extirpação de parte da ferida para sarar mais facilmente‟ detalhe claro

que só havia interesse pela hospitalização”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.51).

Todavia, esta mascarada aceitação pode abrir caminhos para o diálogo e o

entendimento daquilo que se passa com o paciente.

Page 23: Sentido da morte

O estágio da negação e isolamento muitas vezes é instável. Ora parece

que o paciente está entendendo e aceitando sua realidade, ora parece que está

negando tudo o que já dissera sobre sua pessoa e enfermidade. Há certa

flutuação e inconstância entre aceitar e negar a própria realidade. Adverte a

autora: “O que quero ressaltar é que em todo paciente existe, vez por outra, a

necessidade da negação, mais frequente no começo de uma doença séria, do

que no fim da vida”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.51). Logo, para quem convive com

o paciente é necessário que haja compreensão e tolerância quanto ao estado que

o mesmo está vivenciando a fim de que possa ser ajudado a compreender e

aceitar a enfermidade.

2.2 SEGUNDO ESTÁGIO: A RAIVA

Um certo estado de raiva é percebido em um paciente, já nas primeiras

reações, quando o mesmo recebe o resultado de algum exame onde o

diagnóstico deixa claro seu estado grave de saúde. A raiva pode ser expressa

por palavras ou por gestos. É natural ouvir dos pacientes: “Não, não é verdade,

isso não pode acontecer comigo!” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.61). Esta é uma

reação muitas vezes movida pela emoção que aos poucos vai dando espaço para

a aceitação. “Pois é, é comigo, não foi engano”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.61).

Neste momento entende-se que o paciente já começa a aceitar a enfermidade.

No entanto, no estágio da raiva torna-se difícil a relação com o paciente,

tanto na família quanto no âmbito hospitalar. Pois, a raiva propaga-se sem razões

admissíveis para os que cercam e cuidam do paciente. Tal comportamento,

muitas vezes, leva aqueles que o estão cuidando, sobretudo os familiares a

colocarem-se no lugar do paciente como afirma a autora: “Talvez ficássemos

também com raiva se fossem interrompidas tão prematuramente as atividades de

nossa vida, se todas as construções que começamos tivessem que ficar

inacabadas”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.62). Tal comportamento de solidariedade

contribui para que o paciente possa vencer esta fase a qual está vivenciando.

Quando um paciente é respeitado e compreendido em seu estado de

raiva, logo sua tendência é tornar-se dócil com aqueles que a ele dispensam os

Page 24: Sentido da morte

cuidados. A autora, ao citar exemplos de paciente neste estágio que recebem

cuidados atentos e respeitosos, afirma sobre os mesmos: “Saberá que é um ser

humano de valor, que necessita de cuidados (...) e será ouvido sem a

necessidade de explosões temperamentais”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.63).

Portanto, saber respeitar este momento pelo qual a pessoa está atravessando,

torna-se proveitoso para todos.

2.3 TERCEIRO ESTÁGIO: A BARGANHA

Este estágio é o menos conhecido, porém muito útil ao paciente. Uma

vez que no primeiro estágio teve dificuldades de enfrentar os tristes

acontecimentos, neste momento arma-se para negociar com Deus, pois por

vezes, detrás deste comportamento se esconde muitas vezes o sentimento de

culpa, daí decorre a tentativa de prorrogar o inevitável.

Assegura a autora: “Graças a experiências anteriores, ele sabe que

existe uma leve possibilidade de ser recompensado por um bom comportamento

e receber um prêmio (...) quase sempre almeja um prolongamento de vida ou

alguns dias sem dor ou sem males físicos”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.92). Fica

certo que a barganha é uma tentativa de adiantamento que inclui uma promessa

que nada mais será pedido em troca caso seja atendido.

Todavia, nem sempre os pacientes expressam este estágio, por

constrangimento ou temor pelas promessas que ousa fazer. Acrescenta a autora:

“A maioria das barganhas são feitas com Deus, são mantidas geralmente em

segredo”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.93). Sendo assim, a barganha não recebida,

pode ser revogada a promessa e realizada outra forma de barganha. Pois, este

estágio acontece na maioria das vezes de forma subjetiva e o paciente não

expressa nem mesmo aos familiares suas negociações para com Deus diante da

enfermidade.

Page 25: Sentido da morte

2.4 QUARTO ESTÁGIO: A DEPRESSÃO

Ante o quadro agravante de uma enfermidade terminal, quando o

paciente já não consegue mais negar, revoltar-se ou barganhar a situação

perante a gravidade da enfermidade, resta-lhe o silêncio e nasce um sentimento

de perda com facetas variadas. Discorre a autora: “Quando o paciente em fase

terminal não consegue mais negar sua doença, (...) quando começa a apresentar

novos sintomas e torna-se mais debilitado, não pode mais esconder a doença

(...), sua revolta e raiva cederão lugar a um sentimento de grande perda”.

(KÜBLER-ROSS, 1969, p.95). Muitas vezes a ausência vem marcada pela perda

da própria imagem, do seu ser pessoa, de suas próprias características.

Para a autora, há dois tipos de depressão. “A primeira é classificada

como uma depressão reativa e a segunda como depressão preparatória. A

primeira é de natureza diferente e deve ser tratada de forma diversa da segunda”.

(KÜBLER-ROSS, 1969, p.96). Ambas formas de depressão podem ser abordadas

com o auxílio de profissionais competentes a esta realidade e com o apoio dos

familiares e das pessoas que são mais próximas do paciente.

Quando a depressão é um instrumento na preparação da perda de tudo

aquilo que o paciente ama, como; família, trabalho e amigos, para facilitar o

estado de aceitação, o encorajamento e a confiança não tem razão de ser, irá

afirmar a autora:

O paciente não deveria ser encorajado a olhar o lado risonho das coisas, pois isto significa que ele não deveria contemplar a sua morte eminente. Dizer-lhe para não ficar triste seria contraproducente, pois todos nós ficamos profundamente tristes quando perdemos um ser amado. O paciente está prestes a perder tudo e todos os quem ama. Se deixarmos que exteriorize seu pesar, aceitará mais facilmente a situação e ficará agradecido aos que puderem estar com ele neste estado de depressão sem repetir constantemente que não fique triste. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.97).

Todavia, é necessário lembrar que há um segundo tipo de depressão,

geralmente silenciosa em relação à primeira. Neste estágio o paciente fala pouco,

sua expressão oral é quase nula e a presença silenciosa de amigos e familiares

torna-se um consolo, como nos esclarece a autora: “É mais um sentimento que se

Page 26: Sentido da morte

exprime (...) um toque de carinho, um aperto de mão, um afago, ou apenas por

um silencioso sentar-se ao lado. É nesta hora em que muitas vezes o paciente

pede para rezar, (...) ocupa-se com coisas que estão a sua frente e não mais

ficaram para trás”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.97). Este é o momento do ouvir, do

compartilhar e muitas vezes apenas de ser presença.

2.5 QUINTO ESTÁGIO: A ACEITAÇÃO

Os pacientes que rebem algum tipo de ajuda para superar os diferentes

estágios não sentirão depressão e raiva diante de seu destino, lembra a autora:

“Terá podido externar seus sentimentos, sua inveja pelos vivos e sadios e sua

raiva por aqueles que não são obrigados a enfrentar a morte tão cedo. (...)

contemplará o seu fim próximo com um certo grau de tranquila expectativa”.

(KÜBLER-ROSS, 1969, p.119). O paciente sentirá necessidade de dormir,

cochilar, mas já não será mais uma necessidade como nos estágios anteriores. O

sono já não é mais fuga, mas volta a ser uma necessidade pura e simplesmente

biológica.

O estágio da aceitação não pode ser confundido com a felicidade. Pois,

neste estágio, não se trata de afirmar que o paciente não sente mais dor e não

tem mais sentimentos. Tudo permanece como antes. O que muda é a forma como

o paciente enfrenta e vivencia este momento com as pessoas que o cercam.

Assegura a autora: “À medida que ele, às vésperas da morte, encontra certa paz

e aceitação, seu círculo de interesse diminui. E deseja que o deixem a sós, ou,

pelo menos não o perturbem com notícias e problemas do mundo exterior”.

(KÜBLER-ROSS, 1969, p.120). Por isso, neste estágio as visitas são quase

sempre indesejáveis, o paciente fala pouco, e, não se sente muita a vontade

para longos discursos, muito embora aparentemente esteja bem. Muitas vezes, o

próprio paciente limita o número das visitas, necessitando com isto que a família

seja compreensiva e saiba lidar com a situação.

Quando o paciente permite ser visitado e acolhe as visitas, não significa

que ele esteja apto a conversar ou esteja disposto a ouvir, algumas vezes apenas

quer a presença de alguém a seu lado, como nos recorda a autora: “Geralmente

Page 27: Sentido da morte

pede que seja limitado o número de pessoas e prefere visitas curtas. (...) Nossas

conversas, passam de verbais a não verbais. (...) É provável que só segure nossa

mão num pedido velado de que fiquemos em silêncio”. (KÜBLER-ROSS, 1969,

p.120). Momentos de presença silenciosa junto ao paciente moribundo permitem

ao mesmo sentir que não está só no limiar da existência. Um leve aperto de mão,

um simples toque pode dizer muito mais que as palavras àquele que está prestes

a fechar os olhos para sempre para esta vida.

Visitas breves e no início do entardecer do dia a pacientes neste estágio

são sempre de grande valia. Pondera a autora: “Estes breves momentos íntimos

podem coroar o dia ao final das rondas médicas, quando ninguém mais o

perturba. Não passam de breves momentos, mas, para o paciente, é

reconfortador sentir que não foi esquecido quando nada mais pode ser feito por

ele”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.121). Momentos como este são, muitas vezes,

significativos também para aquele que faz a visita, pois revela que a morte não é

tão horrível a qual todos querem evitá-la.

Portanto, não cabe apenas a equipe médica, mas envolve também

famílias e amigos do paciente a tarefa de ajudá-lo e compreender e vivenciar

cada estágio da vida ante uma enfermidade que não obstante o empenho e

esforço de todos, o levará a morte.

2.6 A MORTE AINDA TEM UM SENTIDO: UMA RESPOSTA A PARTIR DO

EXISTENCIALISMO CRISTÃO

Diante da angústia e do desespero perante a morte encontramos a filosofia

da esperança no existencialismo cristão. É no peregrinar da vida que a esperança

se revela como princípio misterioso que coloca o homem no âmbito da

transcendência em direção à meta plena do seu ser. “Diante do existencialismo

cristão a morte torna-se um trampolim de esperança absoluta, um salto sobre o

tempo em direção à transcendência”. (MARANHÃO, 1985, p. 73).

Para a pesquisadora Elisabeth Kübler-Ross, a morte está intimamente

ligada e faz paralelo com o ato de nascer. “Morrer é parte integrante da vida, tão

natural e previsível quanto o nascer. Mas, enquanto o nascimento é motivo de

Page 28: Sentido da morte

comemoração, a morte transforma-se em terrível e inexprimível assunto, a ser

evitado de todas as maneiras na sociedade moderna”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.

30). Desta forma podemos vemos que o ser humano é reduzido a forma genérica

da existência de todos os seres vivos.

No entanto, afirma Blank2: “O sentido da vida humana não pode ser

deduzido a partir da própria duração da vida”. (BLANK, 2000, p.10). Muito pelo

contrário, o prolongamento da vida leva a outros questionamentos e tentativas de

respostas num plano humano, voltado exclusivamente para este mundo onde as

questões de vida e morte encontram respostas na religião.

É possível afirmar que não há experiência da morte, pois, “Durante nossa

existência, a morte não está e que, quando a morte está presente, não somos

mais, e que ela não é, consequentemente nada mais para nós”. (DASTUR, 2002,

p.14). Portanto, podemos falar da experiência com a morte e o luto de outrem,

mas não da nossa experiência pessoal com a morte.

O professor Blank, ao citar a religião como um dos caminhos possíveis de

resposta sobre a vida e sobre a morte, acrescenta:

No interesse pelas questões da morte manifesta-se a tentativa do homem de descobrir algo mais sobre um fenômeno de sua existência que conservou o seu caráter de mistério. E atrás de todo o interesse despertado esconde-se talvez uma esperança muito profunda, a esperança de que este mistério não se revele como “mysterium tremendum”, a esperança de que a morte não existe como fim e perecimento da vida. (BLANK, 2000, p.12-13).

Portanto, o homem depara-se num dilema básico existencial, se por um

lado tende a aceitar a morte, por outro, luta pela vontade de viver tornando assim

um eterno desafio, como escreve Blank; “(...) um refletir sincero sobre a morte é

um desafio não só para a filosofia, mas também, e com mais razão, para a

teologia e a fé”. (BLANK, 2000, p.13). E, este desafio pode tornar-se um motivo

de angústia e medo.

Assim sendo, argumenta Blank: “Os modelos teóricos de interpretação

filosófica mostram-se inadequados para responder aos anseios dos homens

confrontados com a morte. O resultado dos estudos médicos (...) não são

2 Renold J. Blank – Doutor em teologia, e em filosofia. Licenciado em letras, professor titular da

Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo.

Page 29: Sentido da morte

suficientes para nos proporcionar um ponto de partida satisfatório”. (BLANK,

2000, p.47). Todavia, é necessário buscar outros caminhos, onde seja possível

apoiar-se nas experiências humanas.

O pensamento cristão encontra sentido quando está apoiado na

afirmativa do Deus criador, que dá a vida, como descreve Marcel; “O Deus que dá

a vida ao ser humano e, para o qual, aliar-se a ele sempre tem este significado:

optar pela vida, e não pela morte”. (BLANK, 2000, p.49). A expressão do filósofo

parece ser uma antinomia entre a vida e a morte, no entanto a morte torna-se um

novo começo, se houve a partida através da morte há de ter a chegada pela

esperança que alimenta a ressurreição.

A esperança vem marcada pela ressurreição de Jesus e, é apresentada

pela manifestação de que Deus não é o Deus dos mortos, mas sim o Deus dos

vivos. Essa premisa sustenta uma visão otimista do cristão diante da morte, como

nos apresenta Blank, “Aquele que afirmou ser ele próprio a vida; aquele que, no

decurso da história do homem, demonstrou ser ativo e redentor, esse mesmo

Deus prova agora ser também aquele que ressuscita dos mortos e que não

admite a morte”. (BLANK, 2000, p.53). Portanto, o autor da vida não tolera a

morte.

Desde as primeiras gerações cristãs foi desenvolvido a certeza da

salvação esperada, como nos apresenta Marcel; “Desenvolveu-se, nas primeiras

gerações cristãs, aquela certeza de salvação esperada e esperançosa, que fazia

da mensagem sobre a morte e a ressurreição de Jesus uma feliz, venturosa e boa

notícia, um eu-angelion”. (BLANK, 2000, p.54). Logo, aquele que tem fé está

seguro na certeza da vida nova onde a morte já perdeu seu espaço e aguarda-se

uma existência nova em Deus.

No capítulo terceiro, trataremos do Existencialismo Cristão como uma

resposta para a morte.

Page 30: Sentido da morte

3 A MORTE NUMA PERSPECTIVA DO EXISTENCIALISMO CRISTÃO

O terceiro capítulo deste nosso trabalho terá como objetivo rever

elementos sobre a questão da vida após a morte. Baseando-se em autores

cristãos e na Bíblia, iremos pensar a morte não como um fim em si, mas como um

ponto de partida.

Como bem descreve Arruda Aranha3, o existencialismo é: “Uma moral da

ação, porque considera que a única coisa que define o homem é o seu ato.”

(ARANHA, MARTINS, 1986, p.330). Portanto, ato livre por excelência

independente de onde o homem está localizado como ser.

3.1 O QUE É O EXISTENCIALISMO CRISTÃO?

Com o fim da primeira guerra mundial, surge na Europa uma filosofia

contra o idealismo e contra o materialismo. Esta nova filosofia faz uma crítica ao

evolucionismo hegeliano, acusando-o de reduzir o homem a sua abstração.

Quanto ao evolucionismo materialista e marxista, de tornar o homem na

singularidade cósmica da matéria. Portanto, afirma Gabriel Marcel; “Trata-se da

filosofia da existência e do existencialismo. (...) O existencialismo nasceu, pois,

numa situação em que a grandiosidade do homem parece definitivamente

comprometida.” (ZILLES, 1988, p.13). Logo, é possível de entender que o

existencialismo é uma reação da filosofia do homem contra o excesso das ideias

e das coisas.

Quando falamos de filosofia da existência, estamos nos referindo a um

grupo de filósofos ou um conjunto de filosofias que se dedicam a análise da

existência. Ou seja, “Não se trata de um corpo de doutrinas, mas antes de uma

maneira de fazer filosofia. Parte-se de uma interrogação da existência,

entendendo por existência o homem em sua vida, atuação e decisões concretas”.

(ZILLES, 1988, p.13). Observa-se, contudo, que para Marcel, a existência supõe o

cotidiano do homem, ou seja, o agir concreto. Como apresenta Jasper; “Em

3 Maria Lúcia de Arruda Aranha autora de História da educação e Filosofia da educação.

Page 31: Sentido da morte

verdade, vivendo, não acreditamos realmente na morte, embora ela constitua a

maior de todas as certezas”. (JASPER, 1996, p.127). A consciência humana

tende a não dar-se conta da morte mesmo quando está certa de que tudo o que

nasce deve morrer, busca soluções para prolongar o existir porque não quer

abdicar da vida.

Para os filósofos existencialistas, a metafísica especulativa não os apraz,

como argumenta o autor:

A metafísica especulativa trata das essências racionais, esquecendo a existência concreta. Os representantes desta nova filosofia não tratam do conceito abstrato de existência da tradição clássica ocidental. Esta concebia a filosofia como o estudo das essências, do que é universal e estável. Os existencialistas tematizam, num sentido novo, o modo de ser próprio da existência humana que, em sua singularidade, transcende a universalização abstrata e racional. Colocam de maneira nova, a questão do sentido do ser. (ZILLES, 1988, p.15-16).

Portanto, para os filósofos existencialistas há necessidade de um

elemento ontológico que assegure a existência concreta do ser. Contudo, para

Heidegger “Esta possibilidade própria é a morte, pois, viver para a morte é a

possibilidade da impossibilidade da existência. Viver para a morte é compreender

a impossibilidade da existência”. (ZILLES, 1988, p.16). É viver de forma

impessoal, medíocre e alienado.

Contudo, a filosofia existencialista não se apoia apenas no lado sombrio

das possibilidades e potencialidades humanas, insiste Marcel; “Tematiza aspectos

positivos, como o amor, fidelidade e esperança. (...) Marcel considerava grave a

ameaça do pensamento objetivante por este desconhecer seus limites”. (ZILLES,

1988, p.17). Por isso, seu caminho orienta-se da possibilidade para o ser.

Contudo, pensar a possibilidade do ser, e o esclarecimento da existência

induz a questionar-se sobre o que significa existir. Para Marcel, existir supõe: “É a

auto realização no mundo e, ao mesmo tempo, a transcendência deste mundo.

(...) O ser em situação pode ser descrito. A existência não, porque é o mais

imediato, íntimo e pessoal de cada um”. (ZILLES, 1988, p.24). Portanto, existir é a

condição de responder quanto ao agir neste mundo.

Em situações limites o homem indaga sobre seu existir, ou seja, diante de

situações de extrema decisão o homem tem condições de voltar-se para si e na

transcendência encontrar resposta para sua existência, como nos argumenta

Page 32: Sentido da morte

Marcel; “E o homem pode encontrar-se em situações limite quando, por exemplo,

se confronta com a doença, a culpa ou a morte. (...). Nessas situações, o homem

indaga, de maneira mais radical, pelo sentido de sua existência”. (ZILLES, 1988,

p.24). Ou seja, quando o homem encontra-se em situações que a razão humana

já não tem mais respostas, ele recorre ao transcendente para dar sentido a sua

vida.

A filosofia da existência em Marcel caracteriza-se como um pensamento

a caminho do qual ele tende a dar respostas que satisfaçam este caminhar:

Tentou elaborar uma filosofia concreta, na qual a presença do transcendente aparece no centro de nossas experiências humanas. (...) a filosofia concreta, segundo Marcel, leva-nos a descobrir que somos seres existentes, encarnados, participantes no ser. Enquanto nos descobrimos a nós mesmos, descobrimos, também, nossa participação no ser divino. (ZILLES, 1988, p.33).

Na filosofia de Marcel é possível perceber sua inquietação enquanto

busca um sentido para o ser. “O existente não é um observador, mas um

participante. O outro deixa de ser ele para converter-se num tu para mim, na

comunhão e no diálogo, na relação interpessoal. O outro deixará de ser aquele

que me oferece informações para ser aquele que amo”. (ZILLES, 1988, p.37).

Percebe-se o apreço com o qual Marcel evidencia o outro real e não o outro

ideal.

Portanto, na busca do sentido para o existir, o homem encontra seu ponto

de partida em Deus. E, neste caminho de encontro com Deus o filósofo pergunta-

se: “É possível que os entes queridos desapareçam como uma nuvem de verão?

Diz que, na morte nos abriremos para aquilo de que vivemos durante a vida”.

(ZILLES, 1988, p.57). Contudo, o ser é o coexistir, é ser com os outros. É ter a

capacidade de interagir com o outro e com o mundo.

Conhecer os outros existentes não é possível por métodos, mas pela

experiência, pois, a existência não se caracteriza por conceitos, mas pela

presença e pela participação, como argumenta Zilles:

Dizer que uma coisa existe não é dizer apenas que pertence ao mesmo sistema que meu corpo (que ela é ligada a ele por certos laços racionalmente determináveis), mas significa que é ligada em mim como meu corpo. (ZILLES, p.58).

Page 33: Sentido da morte

Logo, viver consiste em estar aberto para o mundo interior e exterior, ou

seja, com uma habilidade capaz de transcender o eu pelo tu, segundo Marcel:

“Nessa comunicação, que transcende a pura objetividade, emerge o outro como

tu”. (ZILLES, 1988, p.58). Portanto, existir supõe conviver, relacionar-se com o

outro. Pois, ser homem significa viver em comunhão, ser com os outros homens.

E, na gratuidade, perceber o amor e a presença do outro, não como imposição,

mas como graça.

3.2 OS POSSÍVEIS SENTIDOS PARA A MORTE. O EXISTENCIALISMO

CRISTÃO E O SENTIDO PARA A MORTE

Diante da morte de alguém querido e estimado surge uma ânsia

profunda, um grito de dor brota no mais íntimo ante a impossibilidade de dominar

a vida, impedi-la de partir, nasce uma esperança: “Cristo ressuscitou dos mortos,

primícias dos que adormeceram. Com efeito, visto que a morte veio por um

homem, também por um homem vem à ressurreição dos mortos. Como todos

morrem em Adão, em Cristo todos receberão a vida.” (1Cor15,20-22). Portanto, a

fé na ressurreição sustenta a esperança cristã.

Tememos a morte porque desconhecemos o que está por detrás da

morte, com a angústia que ela gera em nós o desespero por caminhar rumo à

morte, “O temor da agonia é o temor do sofrimento físico. A agonia não se

confunde com a morte. (...) Todo sofrimento é experimentado por alguém que

está vivo”. (JASPER, 1996, p.128). Portanto, temer a morte está na essência do

homem, por ser o homem o único ser que sabe que vai morrer.

Para o cristão, a morte e ressurreição de Jesus trouxeram um novo modo

de perceber e colocar-se diante a morte. Pois, em Jesus, o Deus da vida não

apenas se identifica com a morte, mas, sobretudo com a ressurreição. “E esta

identificação ocorreu como sinal e antecipação do que acontecerá com todas as

pessoas: não há e nem haverá fim com a morte.” (BLANK, 2000, p.58). Logo, um

Deus que se identifica com a vida só pode ser um Deus cheio de misericórdia e

compaixão.

Page 34: Sentido da morte

Por isso, o cristão é chamado a dar resposta positiva diante da morte.

Imbuído da fé na ressurreição, o cristão na sua práxis cotidiana demonstra não

angústia diante da morte, mas deixa transparecer sua crença na vida eterna,

como afirma o teólogo:

Por isso é que a esperança cristã, que extrapola a morte, não pode desviar sua atenção dos problemas deste mundo e tampouco pode levar à atitude de passividade e indiferença em relação aos movimentos de libertação. Se os cristãos não erradicarem a servidão e as injustiças, eles impedirão assim que as promessas de Deus sejam ouvidas e não darão lugar às experiências de que há sentido na vida. (BLANK, 2000, p.65).

Contudo, a esperança cristã deve andar em uníssono com a vida e os

problemas do cotidiano das pessoas. O penar e sofrer ajuda o homem a superar-

se, pois as limitações que lhes são próprias o elevam a compreender a morte não

como o fim, mas como um recomeçar da jornada para a qual durante o tempo

chamado vida lhe foi permitido fazer escolhas entre o bem e o mal, entre escolher

a vida ou a morte.

Para o cristão, aquele que crê na ressurreição e na vida eterna, para

esse a morte não tem a última palavra, pois em Jesus morto e ressuscitado o

cristão encontra um sentido para a superação da morte. “É na própria morte que

Deus se revela mais forte que a morte”. (BLANK, 2000, p.97). Na ressurreição de

Jesus, Deus se revela como um Deus que supera a morte.

Explicar a própria morte e justificá-la para os seus, é uma tarefa

impossível ao homem, por mais que se queira não conseguimos explicá-la, pois

somo desprovidos de base segura para afirmar com precisão; “Do mais-além não

há qualquer experiência, nem se recebeu qualquer sinal. Jamais alguém retornou

de entre os mortos. Daí decorre a ideia de que estar morto é não ser, de que a

morte é o nada”. (JASPER, 1996, p.128). Portanto, temer a morte é temer o nada.

É dar-se conta do nunca mais ver a pessoa que morreu e, portanto, como num

passe de mágica a morte toma de assalto a consciência da presença do ente

querido que com sua morte, não mais podemos conviver.

Sendo Jesus o filho de Deus, que passando pela morte e ressuscitando

nos garantiu a vida eterna.

Page 35: Sentido da morte

Jesus, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, depois de sua morte, volta à vida. Nessa volta à vida, ele fundamenta nossa esperança de que também voltaremos à vida depois da morte. Sabendo que a nossa fé é fraca, Deus nos deu prova de que ele é mais forte que a morte. (BLANK, 2000, p.97).

Logo, se Deus ressuscitou Jesus, temos a prova de que Deus não deixa

os mortos na morte. O Deus que nos ama, chama aqueles que amamos para a

vida em plenitude. “Deus o que assim, porque ele é contra a morte. Ele não é

Deus de mortos, mas sim de vivos”. (BLANK, 2003, p.98). Apoiado na confiança

do Deus dos vivos, o cristão é chamado a lembrar dos mortos a partir de uma

atitude de alegria e de esperança, sobretudo na visão beatífica do apocalipse, a

grande multidão que ninguém podia contar, chegando a plenitude da vida e da

felicidade.

Somente para aquele que crê a promessa da ressurreição tem sentido,

como ressalta Jasper:

A crença na ressurreição sustenta que a morte é real. (...) Se a imortalidade existe, será preciso que o homem renasça fisicamente. E isso ocorrerá. Os mortos ressuscitarão por ato de Deus que lhes devolverá a vida e corpo. No último dia, Deus fará com que os mortos abandonem suas tumbas, para serem submetidos ao Juízo Final. Para a consciência existencial de quem nela não crê, a ressurreição da carne carece de significado. (JASPER, 1996, p.129).

No entanto, não deixa de ter sentido a sede de eternidade, querer viver é

desejo implícito ao homem que, embora não afirme querer morrer, não rejeita o

desejo de eternidade. Vida e morte tornam-se uma tensão constante, um vir a ser,

“A todo instante, está ligando o fim ao começo. Vive no ciclo do eterno retorno”.

(JASPER, 1996, p.130). A distância que separa o começo do fim pode ser longa

ou breve, porém deve fazer sentido o existir.

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3.3 UM SENTIDO PARA A MORTE: A CONDIÇÃO DO EXISTENCIALISMO

CRISTÃO

Para o existencialista cristão, a morte não é o fim nem o limite para o ser.

Com a morte física, cessam a incapacidade e a noção de tempo, conforme

apresenta Marcel. “A noção de tempo não existe mais, uma nova dimensão se

abre, à qual damos o nome de eternidade. É neste limite, na morte, que o homem

se encontra pela primeira vez com Deus.” (BLANK, 2000, p.73). Portanto, é

possível entender a morte no existencialismo cristão como o salto para o encontro

com Deus.

E, neste sentido a certeza que temos da ressurreição, ou seja, na vida

após a morte para um cristão vem da certeza de que Deus existe como assegura

Blank:

Todavia, os cristãos ignoram, muitas vezes, que possuem uma prova concreta e convincente de que, depois da morte, a vida pode continuar. Conhecem uma prova empírica de que, pelo menos uma pessoa, Jesus Cristo, não ficou na situação de morte, mas voltou à vida depois de ter morrido. (BLANK, 2000, p.84-85).

Portanto, aquele que tem fé e alimenta em si a esperança na vida eterna,

crê na ressurreição e acolhe interiormente que pela experiência de Jesus que

passou pela morte, mas ressuscitou, também ressuscitará para uma vida nova em

Deus.

Assim, a Ressurreição de Jesus torna-se base para a esperança da

ressurreição, como afirma Blank; “Se Deus ressuscitou Jesus e se isso aconteceu

com ele, temos forte argumento para pensar que o mesmo será feito com cada

um de nós”. (BLANK, 2003, p.88). Assim sendo, a ressurreição de Jesus torna-se

a confirmação da nossa expectativa individual. A base da nossa esperança. Que

nutre a certeza de que Deus ressuscitará as pessoas da morte.

A prova da ressurreição de Jesus, para Blank, garante que o destino final

do homem não é a morte, mas a vida. “A esperança de que Deus não deixa os

mortos na morte; a esperança de que Deus é fiel; a esperança de que Deus é o

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Deus da vida”. (BLANK, 2003, p.89). Portanto, nosso destino final não é a morte,

mas a continuação da vida transformada pelo próprio Deus.

Diante da morte e olhando para o corpo sem vida, Blank apresenta três

questionamentos possíveis. “Será que ele desaparecerá para sempre? Será que

ele entra em novo ciclo de reencarnação, de tal maneira que voltará em outra

época e em outra forma para viver mais uma vida? Será que ele chega à outra

dimensão, da qual a religião cristã fala?” (BLANK, 2003, p.95). No entanto, o

próprio Blank quer saber qual é a resposta plausível a tais questionamentos.

Sendo três as possibilidade ou alternativas, qual será então a verdadeira?

Pergunta Blank; “Os ateus, ridicularizam nossa esperança no além? Os espíritas,

que nos apresentam uma explicação aparentemente muito lógica, falando de

reencarnação futuras? Ou a religião cristã, que situa o futuro do homem num além

totalmente diferente, em dimensões novas, chamadas dimensões de Deus?”

(BLANK, 2003, p.95). Diante da morte, uma das questões deve ser respondida.

Certamente para o cristão a morte atende a nova dimensão, ou seja, a dimensão

proposta por Deus.

O autor bíblico do livro do Apocalipse ao relatar a morte a apresenta

como um momento especial, de felicidade em torno da qual não há tribulações.

“Uma multidão imensa... reunida em torno de Deus numa felicidade inimaginável.

Esses povos nunca mais terão fome nem sede, nem cairá sobre eles o sol e nem

calor algum”. (Apocalipse, 7,16). Esta passagem bíblica relata a mensagem da

Boa Nova Cristã. Mostra que o destino final daquele que crê em Deus não será

num lugar assombroso e nem na vida terrena reencarnada em nova vida.

No entanto, podemos nos perguntar, mas, para onde iremos então?

Blank nos afirma: “O nosso destino final é a comunhão pessoal e íntima com

Deus. É esse, o seu plano e é para isso que ele nos criou”. (BLANK, 2003, p.96).

Todavia, esta resposta cabe apenas ao fiel cristão, que alimenta a fé e a

esperança na vida eterna; no encontro íntimo e pessoal com Deus após a morte

física.

O encontro pessoal e íntimo com Deus, assim espera o cristão, dá-se na

eternidade. Mas, o que é a eternidade? Segundo Jasper: “A eternidade, por fim, é

a unidade que resulta do presente temporal e do ser intemporal, daquilo que está

no tempo e o atravessa do temporal e intemporal. (...) Só a existência pode

Page 38: Sentido da morte

alcançar experiência dessa eternidade”. (JASPER, 1996, p.132). Por conseguinte,

a experiência de eternidade se dá de forma atemporal ao homem.

O homem experimenta que a desvalorização do ser humano não se deve

a transcendência, mas pelo contrário afirma Gabriel Marcel; “Experimentamos a

liberdade como graça, como vínculo ao transcendente pessoal e supra-pessoal.

Cabe proclamar que não pertencemos totalmente a este mundo das coisas

materiais”. (ZILLES, 1988, p.96). Reconhecemos nossa pertença ao

transcendente porque a liberdade nos torna participantes do ser enquanto ser.

Ao dar-se conta de que o homem não é um objeto em si, mas um ser

ligado a um sobrenatural e que por si só nada é o homem, vê-se ante duas

posições das quais deve tomar consciência em seu existir e agir, pois, ambas são

contraditórias:

Primeira: Reconhecendo-me a mim mesmo como ser empírico, torno-me clara a meus próprios olhos, enquanto existente manifesto que se orienta num mundo que também se vai tornando cada vez mais claro. Quanto maior a clareza atingida, maior a possibilidade de a verdade ser atingida. Segunda: Essa mesma clareza me leva a tomar consciência de que estou como que numa prisão, prisão que se constitui no fato de o mundo tornar-se objetivo. (JASPER, 1996, p.132).

Essas duas posições permitem constituir uma vontade de agir, tomar

consciência do eterno e ao mesmo tempo tornar-se presente, libertando-se das

coisas passageiras; “Liberto-me do absolutismo das coisas. Face a face com as

coisas, sujeito a elas enquanto existente, tomo consciência de mim como um ser

que é, por assim dizer, anterior a elas”. (JASPER, 1996, p.133). Assim sendo, a

morte é o fim, como a vida é o começo da manifestação temporal.

A consciência vital só é dada ao homem pela existência da morte, como

afirma Jasper; “A existência só desperta quando o existente é sacudido pela ideia

da morte”. (JASPER, 1996, p.133). Logo, a existência ou se perde no desespero

ante o nada, ou se revela a si mesma na certeza da eternidade. A consciência de

eternidade não se desfaz quando a existência empírica naufraga.

Somos mortais enquanto simples existentes, e imortais quando aparecemos no tempo como o que é eterno. Somos mortais no desamor, imortais no amor. Somos mortais na indecisão, imortais na decisão. Somos mortais enquanto natureza, imortais enquanto dados a nós mesmos em nossa liberdade. (JASPER, 1996, p.133).

Page 39: Sentido da morte

Portanto, a certeza da imortalidade só é possível em harmonia com a

existência. Pois, sendo autênticos nos deparamos com a morte e a imortalidade e

não ficamos tranquilos, pois a respeito de ambas pouco ou quase nada podemos

afirmar. O que sabemos e temos condições de relatar é sobre nossa atitude

diante da morte. “Afasta-se a morte de nossos olhos, pretende-se ignorá-la. Ou,

pelo contrário, nela se pensa constantemente, esquecendo a vida”. (JASPER,

1996, p.134). Fica certo que a experiência existencial mostra que a morte não é

autêntica e afasta o desespero em face ao nada.

E, portanto, “Ter certeza da imortalidade o privaria de seu próprio ser.

Ignorá-la o leva a si mesmo e o coloca em seu caminho”. (JASPER, 1996, p.135).

Pois, a ignorância é insuficiente quando vazia e a imortalidade fala através de

imagens que necessariamente não são oriundas da ciência.

O filósofo Marcel define o homem como um ser itinerante, necessitado

da esperança. “O homem é um ser itinerante. É ser encarnado, a caminho de um

sentido para a vida. Neste caminho, a esperança é a abertura do ser encarnado.

A esperança leva-nos a contestar tudo que existe”. (ZILLES, 1988, p.10).

Portanto, sendo o homem feito para Deus não pode não reconhecê-lo.

O autor4 da Carta aos Filipenses exorta sobre a ocupação do homem:

“Quanto o mais, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável,

justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça

louvor”. (Carta aos Filipenses 4, 8). Logo, Paulo com sua exortação quer mostrar

que o existencialismo cristão faz sentido para aqueles que, não se detendo na

morte do corpo, buscam dar sentido ao existir enquanto pessoas.

O próprio Jesus tem uma resposta para a morte quando afirma: “Eu sou a

ressurreição e a vida. Quem acredita em mim, mesmo que morra viverá. E todo

aquele que vive e acredita em mim, não morrerá para sempre”. (Evangelho de

São João, 11,25). Deste modo, para o cristão a morte deixa de ser um enigma

para torna-se outra maneira de entender a separação física entre as pessoas.

4 Paulo de Tarso, autor da Carta aos Filipenses, texto que pertence a Bíblia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da morte há uma pergunta inquietante, por que a realidade da

morte parece tão longe da fé que professamos? Ante a morte o que vemos é a

dor e o sofrimento. Somos tentados ao esquecimento da pessoa que amamos,

pois com a morte a mesma deixa de consumir e aí socialmente nos deparamos

com a indústria do esquecimento e do processo “natural” da separação resultante

da morte.

Então, o cristão convicto, que pauta sua vida na certeza da ressurreição,

poderá responder ao questionamento proposto: É possível ainda, a partir do

existencialismo cristão conferir um sentido a morte? Penso que as reflexões

apresentadas neste texto possam dar suporte a uma resposta plausível ao leitor,

que detém sua opinião na vida eterna nos princípios do cristianismo.

Os estágios descritos por Kübler-Ross, diante da morte e do morrer,

expressam exatamente aquilo que a ciência quer buscar com as novas

descobertas e a luta constante pela longevidade com qualidade de vida.

Esquecemos que a morte é abominável e que todo empenho da

“indústria” em transformar o momento da morte, que é de dor, sofrimento e muito

gélido, em ocasião de transformação da pessoa morta com expressões de vivente

é inútil. A pessoa morta já não tem mais as expressões próprias dos defuntos, é

maquiada, ladeada por flores. Tudo para criar um clima alegre e de aceitação da

morte.

Para o cristão, a morte perdeu o ar fúnebre e nefasto. Diante da morte

somos chamados, apesar da dor e da tristeza, a lembrar que a morte não é o

último passo, mas que depois da morte há ressurreição. E, apoiado na Boa Nova,

o cristão é chamado a lembrar de seus mortos a partir de uma atitude de alegria e

de esperança.

Em sentido material, a morte deixou de ser um momento melancólico.

Aqui, a dor da separação, a certeza do adeus para sempre, vividos durante o

velório da pessoa querida, passou a ser marcado pela beleza material das flores,

da música e até mesmo da transformação do próprio falecido onde o mesmo

deixa de ter as características próprias dos sem vida, para através da maquiagem

ter um aspecto sereno e agradável ao visual dos visitantes. Para Maranhão, os

velhinhos se vão por entre as flores. Ou seja, o aspecto agradável das flores

Page 41: Sentido da morte

ladeando a pessoa falecida traz para o ambiente doloroso e sombrio uma

atmosfera de bem estar.

É possível perceber através da reflexão dos existencialistas cristãos que

a morte tem e faz sentido ao ser humano. Ancorados na convicção de que o

homem é o único ser vivo que tem consciência que vai morrer, também é o único

que, pela vivência do cristianismo, toma consciência da ressurreição e da vida

eterna. O morrer faz sentido para o cristão.

Com este trabalho, embora limitado, conseguimos responde a pergunta

que nos propusemos no início desta reflexão: É possível ainda, a partir do

existencialismo cristão conferir um sentido a morte? Creio que a resposta foi

dada. Mas ainda há muito que se possa refletir e aprofundar em outro momento,

sobretudo no que tange a morte no sentido material frente à “comercialização e as

máscaras” que são dadas a morte na sociedade atual e a forma como o luto vem

sendo vivenciado.

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REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires, Filosofando Introdução à Filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1986.

BLANK, Renold J. Escatologia da Pessoa – Vida, morte e ressurreição. São Paulo: Paulus, 2000.

BLANK, Renold J. e VILHENA, Maria A. Esperança Além da Esperança. São Paulo: Paulinas, 2003.

DASTUR, Françoise, Trad. PONTES, Maria T. A Morte: Ensaio Sobre a Finitude. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.

JASPER, Karl. Trad. HEGENBERG, Leônidas e MOTA, Octanny S. Introdução ao Pensamento Filosófico. São Paulo: Editora Cultrix, 1965.

MARANHÃO, José de Souza. O que é a morte? São Paulo: 3. Ed. Editora Brasiliense, 1985.

KÜBLER-ROSS, Elizabeth. Sobre a Morte e o Morrer. São Paulo: 7ª. Martins Fontes, 1969.

_________. Roda da Vida. Rio de Janeiro: Ed. GMT, 1998.

_________. Viver Até Dizer Adeus. São Paulo: 2ª. Ed. Pensamentos, 1996.

_________. Os Segredos da Vida. São Paulo: Ed. Sextante, 1989.

_________. Morte. Estágio Final da Evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1975.

ZILLES, Urbano, Gabriel Marcel e o Existencialismo. Porto Alegre: PUCRS Livraria e Editora Acadêmica Ltda, 1988.