coleção douglas adams · evento dramático – a destruição da terra –, graças a um amigo de...

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  • prefcio

    Desde tempos imemoriais houve menos de meia dzia de mortaiscujas mentes foram capazes de contemplar o universo em suatotalidade: Einstein, Hubble, Feynman e Douglas Adams so os nomesque surgem em meu crebro comparativamente nfimo e intil. Destespoucos gnios especiais, Douglas Adams , sem dvida, o pensadormais hilariantemente original, embora seja consenso geral que Einsteinera melhor danarino de funk.

    O Guia do Mochileiro das Galxias comeou sua histria como umasrie de rdio e, depois, uma compilao em fita cassete. Transformadoem livro, tornou-se um best-seller mundial e foi parar, de forma curiosa,na televiso britnica.

    Com uma galeria de personagens bizarros e tantas viradas abruptasna trama que voc se sentir em uma montanha-russa, O Guia doMochileiro , sem dvida, uma das mais criativas e cmicas histrias deaventura jamais escritas. Arthur Dent, um ingls azarado, escapa de umevento dramtico a destruio da Terra , graas a um amigo deBetelgeuse que, enquanto estava ilhado em nosso planeta, havia sedisfarado de ator desempregado. Arthur se v arrastado, apesar deseus protestos histricos (bem, histrico dentro da habitual fleumabritnica), para as situaes mais alucinadas nos pontos mais distantesdo tempo e do espao.

    O que realmente sustenta este livro hilariante, atravs de sua viagemfreneticamente bizarra pela galxia rumo ao legendrio planeta deMagrathea e alm , a pergunta profunda sobre o porqu. De ondeviemos? Por que estamos aqui? Para onde vamos? Onde vamosalmoar hoje?

    Alm disso, enquanto Arthur tenta se entender com as formas de vidamais estranhas e os nomes ainda mais estranhos dessas formas de vida

  • estranhas, nosso anti-heri descobre a verdadeira histria da Terra e aresposta final grande pergunta da Vida, do Universo e Tudo o Mais.No geral, um resultado bastante satisfatrio, devo dizer.

    Mas o que torna a escrita de Douglas Adams to hipntica? Alm dofato de ser considerado por muitos como um dos autores maisperspicazes de nossos tempos,1 ele tambm se envolveuprofundamente com a literatura e a cincia. A leitura, o humor, osanimais selvagens e a tecnologia eram suas grandes paixes, e elesoube reunir esses interesses aparentemente disparatados com toda aconciso e energia de um supercondutor de partculas atmicas,inundando seus leitores com um dilvio feroz de hilariantes conceitosabstratos e teorias perversamente avanadas. Voc no precisa sabernada a respeito de fsica nuclear ou biologia para apreciar sua obra;porm, quanto mais souber, mais agradveis os livros se tornaro. Umexemplo clssico o engenhoso gerador de improbabilidade infinita,que impulsiona a nave espacial de nossos heris por todos os pontos daGalxia em um nico instante. Este conceito diabolicamente inteligenteparece, ao menos para mim, ser diretamente derivado do conceito deabordagem de somatrio atravs da histria, ou da abordagem decaminho integral da fsica quntica, conforme concebido por RichardFeynman, ganhador do Prmio Nobel de 1965.2

    Adams nasceu no enclave acadmico de Cambridge, na Inglaterra,em 1952, e sempre se divertia dizendo que ele era o verdadeiro DNA(Douglas Noel Adams) original de Cambridge, tendo chegado ao mundouns nove meses antes que Crick e Watson, ganhadores do PrmioNobel, anunciassem sua descoberta da dupla-hlice do DNA em umpub local possivelmente no muito diferente do pub em que os herisdo Guia do Mochileiro, Ford Prefect e Arthur Dent, tomaram cerveja ecomeram amendoins enquanto se preparavam para sua iminente partidade nosso planeta condenado.

    Sob a orientao de alguns professores particularmente dedicados,Douglas Adams desenvolveu um intelecto privilegiado durante seuperodo na escola. O que lhe faltou em termos de agilidade fsica suasdimenses exageradas fizeram dele um elemento perigoso em pistas dedana e competies esportivas , ele compensou amplamente com

  • seus neurnios geis, impressionando seus mestres e colegas compensamentos originais, introspeces profundas e um humoravassalador.

    De acordo com o que se diz, Douglas Adams viveu para escrever,mas essa verso se ope diretamente sua prpria confisso de queescrevia de forma lenta e dolorosa. Por outro lado, h muitos relatossobre sua escrita como a arte da performance, uma habilidadeinvejvel de gerar pgina aps pgina de puro brilhantismo, com umeditor desesperado e exigente bufando sobre seus ombros, como se elefosse um mgico puxando do bolso uma corrente infinita de lenoscoloridos. Curiosamente, mesmo aps ter obtido sucesso internacional,tornou-se famoso nos crculos literrios por fazer qualquer coisa, menosescrever. Sua impressionante falta de autoconfiana ante a enormeevidncia de que era um gnio muitas vezes chegou a incapacit-lo a talponto que simplesmente no conseguia enfileirar duas palavras. Noestava brincando totalmente quando disse: Amo os prazos. Amo apresso surda que geram quando se aproximam. Editoras e editores,frustrados, tentaram diversos truques inteligentes para fazer com quesua criatividade flusse, de forma que ele conseguisse terminar seuslivros a tempo de coloc-los nas prateleiras antes da prxima era dogelo. Aparentemente, as melhores solues parecem ter sido tranc-lodentro de um cofre de banco ou ento dentro de um quarto sem janelas,sem telefone, sem fax, sem conexo com a Internet sem nem mesmouma portinhola de escape.

    Embora este livro que voc acaba de comprar tenha sido um sucessoimediato, o percurso de Douglas Adams jamais foi previsvel. Em umdeterminado momento, com suas ocupaes literrias temporariamenteem suspenso, ele foi empregado como limpador de galinheiros eguarda-costas da famlia governante do Qatar.3 Depois de entrar decara em numerosos becos sem sada, finalmente encontrou seu lugar aoproduzir a srie de rdio da BBC em que este livro baseado.

    Embora declarasse ser um ateu radical, seus livros demonstram umsentido claro e ntido de justia e compaixo universais. No incio acheiisso um pouco estranho e pensei que talvez ele estivesse apenasdemonstrando sua enorme inteligncia enquanto debochava da

  • crendice pia dos fanticos religiosos, mas em algum momentocompreendi o que ele realmente queria dizer. Uma posio radicalmenteatesta pode at significar que sua vida uma corrida rumo aoesquecimento mas ao menos voc pode fazer isso com estilo. Comovoc se comporta hoje, o que voc faz com cada momento, como vocexplora os talentos e as oportunidades sua disposio so coisasmuito mais importantes para um ateu genuno do que para os devotosmais religiosos. Longe de perder o sentido, o que voc faz nesta vidasubitamente torna-se incrivelmente importante, j que voc s tem essanica possibilidade de fazer a coisa certa, de mudar alguma coisa, decontribuir de alguma forma para aqueles que voc ama ou que seguiroseus passos.

    Um homem apaixonado em suas convices, Adams usou suaimportncia, intelecto e tremenda energia para contribuir de vriasformas. Com seus livros, artigos, aparies pblicas e donativos,Douglas Adams inspirou mudanas positivas e apoiou diversas causassignificativas. Sua paixo por animais selvagens nunca esteve maispresente do que quando viajou ao redor do mundo com o zologo MarkCawardine para documentar as espcies em risco de extino para seumaravilhoso livro Last Chance to See (ltima oportunidade para ver). Eno parou nisso, pois ele seguiu em frente, transformando-se noenergtico e carismtico patrono tanto do Diana Fossey Gorilla Fundquanto do Save the Rhino International. Entre suas muitas aes paraapoiar este ltimo, houve a famosa vez em que escalou o Kilimanjarofantasiado de rinoceronte, para ajudar a divulgar sua causa.

    Aparentemente no houve um assunto sequer sobre o qual no tenhase interessado. Sua crtica social afiada recoberta pelo mais finohumor, tornando-se por vezes spera e adoravelmente ofensiva de umaforma que muitas vezes parece a ns, australianos, ser essencialmentea nossa prpria. A educao, ou a falta dela, frequentemente emergiaem meio a seu descontentamento de vrias formas. Tricia Macmillan(com quem voc ir se encontrar em breve) provavelmente a maisespantosa celebrao da subclasse intelectual oprimida que jencontrei na fico contempornea. Ele tambm se preocupava muitoem transmitir a ideia de que os recursos naturais eram finitos e esto

  • acabando, com avisos ecolgicos ocultos em quase tudo que escreveu.A tecnologia era uma enorme paixo de Douglas Adams, que

    provavelmente possuiu e usou mais computadores da marca Apple doque qualquer outra pessoa, a no ser talvez o prprio Steve Jobs. Eleera um tanto peculiar nesse ponto, pois achava que a tecnologia poderiaser usada para salvar nosso planeta de quase todos os males, incluindoo tdio e a extino da espcie. Essa noo o colocava em francaoposio a muitos conservadores mais prosaicos, os quais ansiavampelo retorno das carroas puxadas a cavalo, talvez para que o rudoagradvel dos cascos batendo ao longe os distrasse do aumentoexponencial nas emisses de gases que causam o efeito estufa. Elelutou at o fim pela viso de que as novas tecnologias so a extensomais natural da mente humana.

    Como um todo, Douglas Adams era um indivduo extraordinrio, quedeixou um enorme vazio nesta dimenso quando morreu subitamentede um ataque cardaco, no dia 11 de maio de 2001. Muitas pessoassentem uma enorme falta dele, mesmo aquelas que, como eu, nuncaapertaram sua mo. Depois de ler este livro voc entender o porqu.

    Esta edio da Editora Arqueiro do Guia do Mochileiro das Galxiastem sido esperada por um longo tempo. Contudo, dentro de umas 100pginas, estou certo de que voc concordar comigo que a espera valeua pena. A genialidade de Douglas Adams e a forma como ele usa assituaes mais absurdas para nos fazer rir certamente encontraro ecosno amor pela vida e no bom humor que meus amigos brasileiros tm desobra.

    Divirta-se!

    BRADLEY TREVOR GREIVEAutor de Um Dia Daqueles

  • Muito alm, nos confins inexplorados da regio mais brega da BordaOcidental desta Galxia, h um pequeno sol amarelo e esquecido.

    Girando em torno deste sol, a uma distncia de cerca de 148 milhesde quilmetros, h um planetinha verde-azulado absolutamenteinsignificante, cujas formas de vida, descendentes de primatas, so toextraordinariamente primitivas que ainda acham que relgios digitaisso uma grande ideia.

    Este planeta tem ou melhor, tinha o seguinte problema: a maioriade seus habitantes estava quase sempre infeliz. Foram sugeridas muitassolues para esse problema, mas a maior parte delas dizia respeitobasicamente movimentao de pequenos pedaos de papel coloridocom nmeros impressos, o que curioso, j que no geral no eram ostais pedaos de papel colorido que se sentiam infelizes.

    E assim o problema continuava sem soluo. Muitas pessoas eramms, e a maioria delas era muito infeliz, mesmo as que tinham relgiosdigitais.

    Um nmero cada vez maior de pessoas acreditava que havia sido umerro terrvel da espcie descer das rvores. Algumas diziam que atmesmo subir nas rvores tinha sido uma pssima ideia, e que ningumjamais deveria ter sado do mar.

    E ento, uma quinta-feira, quase dois mil anos depois que um homemfoi pregado num pedao de madeira por ter dito que seria timo se aspessoas fossem legais umas com as outras para variar, uma garota,sozinha numa pequena lanchonete em Rickmansworth, de repentecompreendeu o que tinha dado errado todo esse tempo e finalmentedescobriu como o mundo poderia se tornar um lugar bom e feliz. Destavez estava tudo certo, ia funcionar, e ningum teria que ser pregado emcoisa nenhuma.

    Infelizmente, porm, antes que ela pudesse telefonar para algum econtar sua descoberta, aconteceu uma catstrofe terrvel e idiota, e aideia perdeu-se para todo o sempre.

    Esta no a histria dessa garota. a histria daquela catstrofe terrvel e idiota, e de algumas de suas

    consequncias. tambm a histria de um livro chamado O Guia do Mochileiro das

  • Galxias um livro que no da Terra, jamais foi publicado na Terra e,at o dia em que ocorreu a terrvel catstrofe, nenhum terrqueo jamaiso tinha visto ou sequer ouvido falar dele.

    Apesar disso, um livro realmente extraordinrio.Na verdade, foi provavelmente o mais extraordinrio dos livros

    publicados pelas grandes editoras de Ursa Menor editoras das quaisnenhum terrqueo jamais ouvira falar.

    O livro no apenas uma obra extraordinria como tambm umtremendo best-seller mais popular que a Enciclopdia Celestial do Lar,mais vendido que Mais Cinquenta e Trs Coisas para se Fazer emGravidade Zero, e mais polmico que a colossal trilogia filosfica deOolonn Colluphid, Onde Deus Errou, Mais Alguns Grandes Erros deDeus e Quem Esse Tal de Deus Afinal?

    Em muitas das civilizaes mais tranquilonas da Borda Oriental daGalxia, O Guia do Mochileiro das Galxias j substituiu a grandeEnciclopdia Galctica como repositrio-padro de todo o conhecimentoe sabedoria, pois ainda que contenha muitas omisses e textosapcrifos, ou pelo menos terrivelmente incorretos, ele superior obramais antiga e mais prosaica em dois aspectos importantes.

    Em primeiro lugar, ligeiramente mais barato; em segundo lugar, trazna capa, em letras garrafais e amigveis, a frase NO ENTRE EMPNICO.

    Mas a histria daquela quinta-feira terrvel e idiota, a histria de suasextraordinrias consequncias, a histria das interligaes inextricveisentre essas consequncias e este livro extraordinrio tudo isso teveum comeo muito simples.

    Comeou com uma casa.

  • captulo 1

    A casa ficava numa pequena colina bem nos limites de uma vila,isolada. Dela se tinha uma ampla vista das fazendas do oeste daInglaterra. No era, de modo algum, uma casa excepcional tinha cercade 30 anos, era achatada, quadrada, feita de tijolos, com quatro janelasna frente, cujo tamanho e propores pareciam ter sido calculados maisou menos exatamente para desagradar a vista.

    A nica pessoa para quem a casa tinha algo de especial era ArthurDent, e assim mesmo s porque ele morava nela. J morava l h unstrs anos, desde que resolvera sair de Londres porque a cidade odeixava nervoso e irritado. Tambm tinha cerca de 30 anos; era alto,moreno e quase nunca estava em paz consigo mesmo. O que mais opreocupava era o fato de que as pessoas viviam lhe perguntando porque ele parecia estar to preocupado. Trabalhava na estao de rdiolocal, e sempre dizia aos amigos que era um trabalho bem maisinteressante do que eles imaginavam. E era, mesmo a maioria de seusamigos trabalhava em publicidade.

    Na noite de quarta-feira tinha cado uma chuva forte, e a estradaestava enlameada e molhada, mas na manh de quinta um sol intenso equente brilhou sobre a casa de Arthur Dent pela que seria a ltima vez.

    Arthur ainda no havia conseguido enfiar na cabea que o conselhomunicipal queria derrub-la e construir um desvio no lugar dela.

    s oito horas da manh de quinta-feira, Arthur no estava se sentindomuito bem. Acordou com os olhos turvos, levantou-se, andou pelo quartosem enxergar direito, abriu uma janela, viu um trator, encontrou oschinelos e foi at o banheiro.

    Pasta na escova de dentes assim. Escovar.Espelho mvel virado para o teto. Arthur ajustou-o. Por um

    momento, o espelho refletiu um segundo trator pela janela do banheiro.

  • Arthur reajustou-o, e o espelho passou a refletir o rosto barbado deArthur Dent. Ele fez a barba, lavou o rosto, enxugou-o e foi at a cozinhaem busca de alguma coisa agradvel para pr na boca.

    Chaleira, tomada, geladeira, leite, caf. Bocejo.A palavra trator vagou por sua mente, procurando algo com o que se

    associar.O trator que estava do outro lado da janela da cozinha era dos

    grandes.Arthur olhou para ele.Amarelo, pensou, e voltou ao quarto para se vestir. Ao passar pelo

    banheiro, parou para tomar um copo dgua, e depois outro. Comeou adesconfiar que estava de ressaca. Por que a ressaca? Teria bebido navspera? Imaginava que sim. Olhou de relance para o espelho mvel.Amarelo, pensou, e foi para o quarto.

    Ficou parado, pensando. O bar, pensou. Ah, meu Deus, o bar.Tinha uma vaga lembrana de ter ficado irritado com algo que pareciaimportante. Falara com as pessoas a respeito, e na verdade comeava aachar que tinha falado demais: a imagem mais ntida em sua memriaera a dos rostos entediados das pessoas a seu redor. Tinha algo a vercom um desvio a ser construdo, e ele acabara de descobrir isso. A obraestava planejada h meses, s que ningum sabia de nada. Ridculo.Arthur tomou um gole dgua. A coisa ia se resolver; ningum queriaaquele desvio, o conselho estava completamente sem razo. A coisa iase resolver, pensou ele.

    Mas que ressaca terrvel. Olhou-se no espelho do armrio. Ps alngua para fora. Amarelo, pensou. A palavra amarelo vagou por suamente, procurando algo com o que se associar.

    Quinze segundos depois, Arthur estava fora da casa, deitado no cho,na frente de um trator grande e amarelo que avanava por cima de seujardim.

    O Sr. L. Prosser era, como dizem, apenas humano. Em outraspalavras, era uma forma de vida bpede baseada em carbono edescendente de primatas. Para ser mais especfico, ele tinha 40 anos,era gordo e desleixado e trabalhava no conselho municipal.Curiosamente, embora ele desconhecesse este fato, era tambm

  • descendente direto, pela linhagem masculina, de Gengis Khan, emboraa sucesso de geraes e a mestiagem houvessem misturado de talmodo sua carga gentica que ele no possua nenhuma caractersticamongol, e os nicos vestgios daquele majestoso ancestral querestavam no Sr. L. Prosser eram uma barriga pronunciada e umapredileo por chapeuzinhos de pele.

    Ele no era em absoluto um grande guerreiro: na verdade, era umhomem nervoso e preocupado. Naquele dia estava particularmentenervoso e preocupado porque tivera um problema srio com seutrabalho, que consistia em retirar a casa de Arthur Dent do caminhoantes do final da tarde.

    Desista, Sr. Dent, o senhor sabe que uma causa perdida. O senhorno vai conseguir ficar deitado na frente do trator o resto da vida. Tentou assumir um olhar feroz, mas seus olhos no eram capazes disso.

    Deitado na lama, Arthur respondeu: Est bem. Vamos ver quem mais chato. Infelizmente, o senhor vai ter que aceitar disse o Sr. Prosser,

    rodando seu chapu de pele no alto da cabea. Esse desvio tem queser construdo e vai ser construdo!

    Primeira vez que ouo falar nisso. Por que que tem que serconstrudo?

    O Sr. Prosser sacudiu o dedo para Arthur por algum tempo, depoisparou e retirou o dedo.

    Como assim, por que deve ser construdo? Ora! exclamou ele. um desvio. necessrio construir desvios.

    Os desvios so vias que permitem que as pessoas se desloquem bemdepressa do ponto A ao ponto B ao mesmo tempo que outras pessoasse deslocam bem depressa do ponto B ao ponto A. As pessoas quemoram no ponto C, que fica entre os dois outros, muitas vezes ficamimaginando o que tem de to interessante no ponto A para que tantagente do ponto B queira muito ir para l, e o que tem de to interessanteno ponto B para que tanta gente do ponto A queira muito ir para l.Ficam pensando como seria bom se as pessoas resolvessem de umavez por todas onde que elas querem ficar.

    O Sr. Prosser queria ficar no ponto D. Este ponto no ficava em

  • nenhum lugar especfico, era apenas um ponto qualquer bem longe dospontos A, B e C. O Sr. Prosser teria uma bela casinha de campo noponto D, com machados pregados em cima da porta, e se divertiria muitono ponto E, o bar mais prximo do ponto D. Sua mulher, naturalmente,queria uma roseira trepadeira, mas ele queria machados. Ele no sabiapor qu. S sabia que gostava de machados. O Sr. Prosser sentiu seurosto ficar vermelho ante os sorrisos irnicos dos operadores do trator.

    Apoiou o peso do corpo numa das pernas, depois na outra, massentiu-se igualmente desconfortvel com as duas. Era bvio que algumhavia sido terrivelmente incompetente, e ele pedia a Deus que no fosseele.

    O senhor teve um longo prazo a seu dispor para fazer quaisquersugestes ou reclamaes, como o senhor sabe disse o Sr. Prosser.

    Um longo prazo? exclamou Arthur. Longo prazo? Eu s soubedessa histria quando chegou um operrio na minha casa ontem.Perguntei a ele se tinha vindo para lavar as janelas e ele respondeu queno, vinha para demolir a casa. claro que no me disse isso logo.Claro que no. Primeiro lavou umas duas janelas e me cobrou cincopratas. Depois que me contou.

    Mas, Sr. Dent, o projeto estava sua disposio na Secretaria deObras h nove meses.

    Pois . Assim que eu soube fui l me informar, ontem tarde. Vocsno se esforaram muito para divulgar o projeto, no verdade? Querdizer, no chegaram a comunicar s pessoas nem nada.

    Mas o projeto estava em exposio... Em exposio? Tive que descer ao poro pra encontrar o projeto. no poro que os projetos ficam em exposio. Com uma lanterna. Ah, provavelmente estava faltando luz. Faltavam as escadas, tambm. Mas, afinal, o senhor encontrou o projeto, no foi? Encontrei, sim disse Arthur. Estava em exibio no fundo de um

    arquivo trancado, jogado num banheiro fora de uso, cuja porta tinha aplaca: Cuidado com o leopardo.

    Uma nuvem passou no cu. Projetou uma sombra sobre Arthur Dent,

  • deitado na lama fria, apoiado no cotovelo. Projetou uma sombra sobre acasa de Arthur Dent. O Sr. Prosser olhou-a, de cara feia.

    No chega a ser uma casa particularmente bonita. Perdo, mas por acaso gosto dela. O senhor vai gostar do desvio. Ah, cale a boca! Cale a boca e v embora, voc e a porcaria do seu

    desvio. Voc sabe muito bem que est completamente sem razo.A boca do Sr. Prosser abriu-se e fechou-se umas duas vezes,

    enquanto por uns momentos seu crebro foi invadido por visesinexplicveis, porm terrivelmente atraentes: via a casa de Arthur Dentsendo consumida pelas chamas, enquanto o prprio Arthur corria aosgritos do incndio, com pelo menos trs lanas bem compridas enfiadasem suas costas. Vises como essas frequentemente perturbavam o Sr.Prosser e o deixavam nervoso. Gaguejou por uns instantes e depoisrecuperou a calma.

    Sr. Dent. Sim? O que ? Gostaria de ressaltar alguns fatos para o senhor. O senhor sabe que

    danos esse trator sofreria se eu deixasse ele passar por cima dosenhor?

    O qu? Absolutamente zero disse o Sr. Prosser, afastando-se

    rapidamente, nervoso, sem entender por que seu crebro estava cheiode cavaleiros cabeludos que gritavam com ele.

    Por uma curiosa coincidncia, absolutamente zero era o quanto odescendente dos primatas Arthur Dent suspeitava que um de seusamigos mais ntimos no descendia dos primatas, sendo, na verdade, deum pequeno planeta perto de Betelgeuse, e no de Guildford, comocostumava dizer.

    Tal suspeita jamais passara pela cabea de Arthur Dent.Esse seu amigo havia chegado ao planeta Terra h uns 15 anos

    terrqueos e se esforara ao mximo no sentido de se integrar nasociedade terrquea com certo sucesso, deve-se reconhecer. Assim,por exemplo, ele passara esses 15 anos fingindo ser um ator

  • desempregado, o que era perfeitamente plausvel.Porm cometera um erro gritante, por ter sido um pouco displicente

    em suas pesquisas preparatrias. As informaes de que ele dispunha olevaram a escolher o nome Ford Prefect, achando que era um nomebem comum, que passaria despercebido.

    No era alto a ponto de chamar ateno, e suas feies eramatraentes, mas no a ponto de chamar ateno. Seus cabelos eramavermelhados e crespos e ele os penteava para trs. Sua pele pareciater sido puxada a partir do nariz. Havia algo de ligeiramente estranhonele, mas era algo muito sutil, difcil de identificar. Talvez os olhos delepiscassem menos que o normal, de modo que quem ficasseconversando com ele algum tempo acabava com os olhos cheios dguade aflio. Talvez o sorriso dele fosse um pouco largo demais e desse asensao desagradvel de que estava prestes a morder o pescoo deseu interlocutor.

    Para a maioria dos amigos que fizera na Terra era um sujeitoexcntrico, porm inofensivo: um beberro com alguns hbitos meioestranhos. Por exemplo, ele costumava entrar de penetra em festas nauniversidade, tomar um porre colossal e depois comeava a gozarqualquer astrofsico que encontrasse, at que o expulsassem da festa.

    s vezes ele ficava desligado, olhando distrado para o cu, como seestivesse hipnotizado, at que algum lhe perguntava o que ele estavafazendo. Ento, por um instante, Ford ficava assustado, com um arculpado, mas logo relaxava e sorria.

    Ah, estou s procurando discos voadores brincava, e todo mundoria e lhe perguntava que tipo de discos voadores ele estava procurando. Dos verdes! ele respondia com um sorriso irnico, depois ria sgargalhadas por alguns instantes e da corria at o bar mais prximo epagava uma enorme rodada de bebidas.

    Essas noites normalmente terminavam mal. Ford tomava usque atficar totalmente bbado, se encolhia num canto com uma garotaqualquer e dizia a ela, com voz pastosa, que na verdade a cor dosdiscos voadores no tinha muita importncia.

    Depois, cambaleando meio torto pelas ruas, de madrugada, comfrequncia perguntava aos policiais que passavam como se ia para

  • Betelgeuse. Os policiais normalmente diziam algo assim: O senhor no acha que hora de ir pra casa? o que eu estou tentando fazer, meu chapa, estou tentando era o

    que Ford sempre respondia nessas ocasies.Na verdade, o que ele realmente procurava quando ficava olhando

    para o cu era qualquer tipo de disco voador. Ele falava em discosvoadores verdes porque o verde era a cor tradicional do uniforme dosastronautas mercantes de Betelgeuse.

    Ford Prefect j havia perdido as esperanas de que aparecesse umdisco voador porque 15 anos muito tempo para ficar preso emqualquer lugar, principalmente num lugar to absurdamente chatoquanto a Terra.

    Ford queria que chegasse logo um disco voador porque sabia fazersinal para discos voadores descerem e porque queria pegar carona numdeles. Ele sabia ver as Maravilhas do Universo por menos de 30 dlaresaltairianos por dia.

    Na verdade, Ford Prefect era pesquisador de campo desse fabulosolivro chamado O Guia do Mochileiro das Galxias.

    Os seres humanos se adaptam a tudo com muita facilidade. Assim,quando chegou a hora do almoo, nos arredores da casa de Arthur jhavia se estabelecido uma rotina. O papel de Arthur era o de ficar seespojando na lama, pedindo de vez em quando que chamassem seuadvogado, sua me ou lhe trouxessem um bom livro. O Sr. Prosser ficoucom o papel de tentar novas tticas de persuaso com Arthur de vez emquando, usando o papo do Para o Bem de Todos, o da MarchaInevitvel do Progresso, o de Sabe que Uma Vez Derrubaram MinhaCasa Tambm mas Continuei com Minha Vida Normalmente, bem comodiversos outros tipos de propostas e ameaas. O papel dos operadoresdos tratores, por sua vez, era o de ficar sentado, tomando caf eexaminando a legislao trabalhista para ver se havia um jeito deganhar um extra com aquela situao.

    A Terra seguia lentamente em sua rbita cotidiana.O sol estava comeando a secar a lama em que Arthur estava deitado.Uma sombra passou por ele novamente.

  • Oi, Arthur disse a sombra.Arthur olhou para cima com uma careta, por causa do sol, e

    surpreendeu-se ao ver Ford Prefect em p a seu lado. Ford! Tudo bem com voc? Tudo bem disse Ford. Escute, voc est ocupado? Se estou ocupado? exclamou Arthur. Bem, tenho apenas que

    ficar deitado na frente desses tratores todos seno eles derrubam minhacasa, mas afora isso... bem, nada de especial. Por qu?

    Em Betelgeuse no existe sarcasmo, por isso Ford muitas vezes noo percebia, a menos que estivesse prestando muita ateno.

    timo disse ele. Onde a gente pode conversar? O qu? exclamou Arthur Dent.Por alguns segundos, Ford pareceu ignor-lo, e ficou olhando

    fixamente para o cu, como um coelho que est querendo seratropelado por um carro. Ento, de repente, acocorou-se ao lado deArthur.

    Precisamos conversar disse, num tom de urgncia. Tudo bem disse Arthur. Pode falar. E beber. Temos que conversar e beber, uma questo de vida ou

    morte. Agora. Vamos ao bar l na vila.Olhou para o cu de novo, nervoso, como se esperasse algo. Escute, ser que voc no entende? gritou Arthur, apontando para

    Prosser. Esse homem quer demolir a minha casa!Ford olhou para o homem, confuso. Ele pode fazer isso sem voc, no ? Mas eu no quero que ele faa isso! Ah. Escute, o que que voc tem, Ford? Nada. Nada de mais. Escute... eu tenho que lhe dizer a coisa mais

    importante que voc j ouviu. Tenho que lhe dizer isso agora e tem queser l no bar Horse and Groom.

    Mas por qu? Porque voc vai precisar beber algo bem forte.Ford olhou para Arthur, e este constatou, atnito, que estava

    comeando a se deixar convencer. No percebeu, claro, que foi por

  • causa de um velho jogo de botequim que Ford aprendera nos portoshiperespaciais que serviam as regies de minerao de madranita nosistema estelar de Beta de rion.

    O jogo era vagamente parecido com a queda de brao dos terrqueose funcionava assim:

    Os dois adversrios sentavam-se a uma mesa, um de cara para ooutro, cada um com um copo sua frente.

    Entre os dois colocava-se uma garrafa de Aguardente Janx(imortalizada naquela velha cano dos mineiros de rion: Ah, no med mais dessa Aguardente Janx/ No, no me d mais um gole deAguardente Janx/ Seno minha cabea vai partir, minha lngua vaimentir, meus olhos vo ferver e sou capaz de morrer/ Vai, me d umgolinho de Aguardente Janx).

    Ento, cada lutador tentava concentrar sua fora de vontade sobre agarrafa para inclin-la e verter aguardente no copo do adversrio, queento era obrigado a beb-la.

    Depois enchia-se a garrafa de novo, comeava uma nova rodada, eassim por diante.

    Quem comeava perdendo normalmente acabava perdendo, porqueum dos efeitos da Aguardente Janx deprimir o poder telepsquico.

    Assim que se consumia uma quantidade previamente estabelecida, operdedor era obrigado a pagar uma prenda, que costumava serobscenamente biolgica.

    Ford Prefect normalmente jogava para perder.

    Ford olhou para Arthur, que estava comeando a pensar que talvezquisesse mesmo ir at o Horse and Groom.

    Mas e a minha casa...? perguntou, em tom de queixa.Ford olhou para o Sr. Prosser e de repente lhe ocorreu uma ideia

    maliciosa. Ele quer demolir a sua casa? , ele quer construir... E no pode porque voc est deitado na frente do trator dele? , e... Aposto que podemos chegar a um acordo disse Ford. Com

  • licena! gritou ele para o Sr. Prosser.O Sr. Prosser (que estava discutindo com o porta-voz dos operadores

    dos tratores se a presena de Arthur Dent constitua ou no um fator deinsalubridade mental no local de trabalho e quanto eles deveriamreceber neste caso) olhou em volta. Ficou surpreso e ligeiramentealarmado quando viu que Arthur estava acompanhado.

    Sim? Que foi? perguntou. O Sr. Dent j voltou ao normal? Ser que podemos supor, para fins de discusso perguntou Ford

    , que ainda no? E da? suspirou o Sr. Prosser. E podemos tambm supor prosseguiu Ford que ele vai ficar a o

    dia inteiro? E ento? Ento todos os seus ajudantes vo ficar parados a sem fazer nada

    o dia todo? Talvez, talvez... Bem, se o senhor j se resignou a no fazer nada, o senhor na

    verdade no precisa que ele fique deitado aqui o tempo todo, no ? O qu? O senhor, na verdade repetiu Ford, paciente , no precisa que ele

    fique aqui.O Sr. Prosser pensou um pouco. Bem, , no exatamente... Precisar, no preciso, no... disse

    Prosser, preocupado, por achar que ele, ou Ford, estava dizendo umabsurdo.

    Ento o senhor podia perfeitamente fazer de conta que ele aindaest aqui, enquanto eu e ele damos um pulinho no bar, s por meiahora. O que o senhor acha?

    O Sr. Prosser achava aquilo perfeitamente insano. Acho perfeitamente razovel... disse, com um tom de voz

    tranquilizador, sem saber quem ele estava tentando tranquilizar. E, se depois o senhor quiser dar uma escapulida pra tomar um

    chope disse Ford , a gente retribui o favor. Muito obrigado disse o Sr. Prosser, que no sabia mais como

    conduzir a situao , muito obrigado, muita bondade sua... Franziu

  • o cenho, depois sorriu, depois tentou fazer as duas coisas ao mesmotempo, no conseguiu, agarrou seu chapu de pele e rodou-o no alto dacabea nervosamente. S podia achar que havia ganhado a parada.

    Ento prosseguiu Ford Prefect , se o senhor tiver a bondade devir at aqui e se deitar...

    O qu? exclamou o Sr. Prosser. Ah, desculpe disse Ford , acho que no soube me exprimir muito

    bem. Algum tem que ficar deitado na frente dos tratores, no ? Senoeles vo demolir a casa do Sr. Dent.

    O qu? repetiu o Sr. Prosser. muito simples disse Ford. Meu cliente, o Sr. Dent, declara que

    est disposto a no mais ficar deitado aqui na lama com uma nicacondio: que o senhor o substitua em seu posto.

    Que histria essa? disse Arthur, mas Ford cutucou-o com o ppara que se calasse.

    O senhor quer disse Prosser, tentando captar essa nova ideia que eu me deite a...

    . Na lama. , como disse, na lama.Assim que o Sr. Prosser se deu conta de que na verdade era ele o

    perdedor, foi como se lhe retirassem um fardo dos ombros: essasituao era mais familiar para ele. Suspirou.

    E em troca disso o senhor vai com o Sr. Dent at o bar? Isso disse Ford , isso mesmo.O Sr. Prosser deu uns passos nervosos frente e parou. Promete? disse ele. Prometo disse Ford. Virou-se para Arthur: Vamos, levante-se e

    deixe o homem se deitar.Arthur ps-se de p, achando que tudo aquilo era um sonho.Ford fez sinal para o Sr. Prosser, que se sentou na lama, triste e

    desajeitado. Tinha a impresso de que toda a sua vida era uma espciede sonho, e s vezes se perguntava de quem era aquele sonho, e se odono do sonho estaria se divertindo. A lama envolveu suas ndegas epenetrou em seus sapatos.

  • Ford olhou para ele, muito srio. Nada de bancar o espertinho e derrubar a casa do Sr. Dent

    enquanto ele no estiver aqui, certo? Nem pensar rosnou o Sr. Prosser. Jamais passou pela minha

    cabea prosseguiu, deitando-se sequer a possibilidade de fazer talcoisa.

    Viu o representante do sindicato dos operadores de tratores seaproximar, deixou a cabea afundar na lama e fechou os olhos. Estavatentando encontrar argumentos para provar que ele prprio no passaraa representar um fator de insalubridade mental. Estava longe de estarconvencido disso sua cabea estava cheia de barulhos, cavalos,fumaa e cheiro de sangue. Isso sempre acontecia quando ele se sentiainfeliz ou enganado, e jamais entendera por qu. Numa dimensosuperior, da qual nada sabemos, o poderoso Khan urrava de dio, mas oSr. Prosser limitava-se a tremer um pouco e a resmungar. Comeou asentir que lhe brotavam lgrimas por trs das plpebras. Quiproqusburocrticos, homens zangados deitados na lama, estranhosindecifrveis impondo-lhe humilhaes inexplicveis e um exrcito noidentificado de cavaleiros rindo dele em sua mente que dia!

    Que dia! Ford Prefect sabia que no tinha a menor importncia se acasa de Arthur fosse ou no derrubada, agora.

    Arthur continuava muito preocupado. Mas ser que a gente pode confiar nele? perguntou. Eu, por mim, confiaria nele at o fim do mundo. Ah disse Arthur. E quanto falta pra isso? Cerca de 12 minutos disse Ford. Vamos, preciso beber alguma

    coisa.

  • captulo 2

    Eis o que diz a Enciclopdia Galctica a respeito do lcool: umlquido voltil e incolor formado pela fermentao dos acares.Acrescenta ainda que o lcool tem o efeito de inebriar certas formas devida baseadas em carbono.

    O Guia do Mochileiro das Galxias tambm menciona o lcool. Dizque o melhor drinque que existe a Dinamite Pangalctica.

    Afirma que o efeito de beber uma Dinamite Pangalctica como terseu crebro esmagado por uma fatia de limo colocada em volta de umagrande barra de ouro.

    O Guia do Mochileiro tambm lhe dir quais os planetas em que sepreparam as melhores Dinamites Pangalcticas, quanto ir custar umadose e quais as ONGs existentes para ajudar voc a se recuperarposteriormente.

    O Guia do Mochileiro ensina at mesmo como preparar a bebida porconta prpria. Eis o que diz o livro:

    Pegue uma garrafa de Aguardente Janx.Misture-a com uma dose de gua dos mares de Santragino V ah,

    essa gua dos mares de Santragino!, diz. Ah, os peixes de Santragino!Deixe que trs cubos de Megagim Arturiano sejam dissolvidos na

    mistura (se no foi congelado da maneira correta, perde-se a benzina).Deixe que quatro litros de gs dos pntanos de Flia borbulhem

    atravs da mistura em memria de todos aqueles mochileiros bem-aventurados que morreram de prazer nos pntanos de Flia.

    Faa flutuar, no verso de uma colher de prata, uma dose de extrato deHipermenta Qualactina, plena da fragrncia inebriante das sombriasZonas Qualactinas, sutil, doce e mstica.

    Acrescente um dente de tigre solar algoliano. Veja-o dissolver-se,espalhando os fogos dos sis algolianos no mago do drinque.

  • Jogue uma pitadinha de Znfuor.Acrescente uma azeitona.Agora s beber... mas... com muito cuidado...O Guia do Mochileiro das Galxias vende bem mais que a

    Enciclopdia Galctica.

    Seis chopes duplos disse Ford Prefect ao barman do Horse andGroom. E depressa, porque o fim do mundo est prximo.

    O barman do Horse and Groom no merecia ser tratado desse jeito,era um senhor de respeito. Ajeitou os culos e encarou Ford Prefect.Ford ignorou-o e virou-se para a janela, de modo que o barman encarouArthur, que deu de ombros, como quem tambm no entendeu, e nodisse nada.

    Ento, o barman disse: Ah, ? Um belo dia pro mundo acabar.E comeou a tirar os chopes.Tentou outra vez. E ento, o senhor vai assistir ao jogo hoje tarde?Ford virou-se para ele. No, no tem sentido disse, e virou-se para a janela novamente. Quer dizer que o senhor acha que nem adianta? insistiu o barman.

    O Arsenal no tem a menor chance? No, no disse Ford. s que o mundo vai acabar. Ah, mesmo, o senhor j disse respondeu o barman, olhando

    agora para Arthur por cima dos culos. Seria uma boa sada para oArsenal, escapar da derrota por causa do fim do mundo.

    Ford olhou de novo para o velho, realmente surpreso. Na verdade, no disse, franzindo a testa.O barman respirou fundo. A esto, seis chopes.Arthur sorriu para ele, sem graa, e deu de ombros outra vez. Virou-se

    para trs e dirigiu um sorriso sem graa ao resto do bar, caso algummais tivesse ouvido a conversa.

    Ningum tinha ouvido nada, e ningum entendeu por que Arthurestava sorrindo para eles daquele jeito.

  • Um homem sentado ao lado de Ford no balco olhou para os dois,depois para os seis chopes, fez um rpido clculo de cabea, chegou aum resultado que lhe agradou e sorriu de forma boba e esperanosapara eles.

    Nem pensar disse Ford , so nossos. Dirigiu ao homem umolhar que faria um tigre solar algoliano continuar a fazer o que estivessefazendo.

    Ford jogou uma nota de cinco libras no balco, dizendo: Pode ficar com o troco. O que, cinco libras? Muito obrigado, meu senhor. Voc tem dez minutos pra gastar isso.O barman decidiu que era melhor ir fazer outra coisa. Ford disse Arthur , voc pode por favor me explicar que histria

    essa? Beba disse Ford. Ainda faltam trs chopes. Voc quer que eu beba trs canecos de chope na hora do almoo?O homem do lado de Ford sorriu e concordou com a cabea, satisfeito.

    Ford ignorou-o e disse: O tempo uma iluso. A hora do almoo uma iluso maior ainda. Muito profundo disse Arthur. Essa voc devia mandar pra

    Selees. Eles tm uma pgina pra gente como voc. Beba. Por que trs canecos de chope de repente? um relaxante muscular, voc vai precisar. Relaxante muscular? Relaxante muscular.Arthur olhou para dentro do caneco. Ser que eu fiz alguma coisa de errado hoje disse ele ou ser

    que o mundo sempre foi assim, s que eu estava encucado demais praperceber?

    Est bem disse Ford. Vou tentar explicar. H quanto tempo agente se conhece?

    H quanto tempo? Arthur pensou um pouco. Deixe ver, unscinco anos, talvez seis. A maior parte desse tempo pareceu fazer algumsentido na poca.

  • Est bem disse Ford. Qual seria a sua reao se eu lhe dissesseque no sou de Guildford e sim de um pequeno planeta perto deBetelgeuse?

    Arthur deu de ombros, com indiferena. Sei l disse, bebendo um gole. Por qu? Voc acha que capaz

    de dizer uma coisa dessas?Ford desistiu. Realmente, no valia a pena se preocupar com aquilo

    naquele momento, com o fim do mundo to prximo e tudo o mais.Limitou-se a dizer:

    Beba. E acrescentou, como quem d uma informao como outraqualquer: O fim do mundo est prximo.

    Arthur sorriu sem graa para o resto do bar, outra vez. O resto do barfez cara feia para ele. Um homem lhe fez sinal para que parasse desorrir para eles e cuidasse de sua prpria vida.

    Hoje deve ser quinta-feira, pensou Arthur, debruando-se sobre ochope. Nunca consegui entender qual a das quintas-feiras.

  • captulo 3

    Nessa quinta-feira em particular, alguma coisa deslocava-sesilenciosamente atravs da ionosfera, muitos quilmetros acima dasuperfcie do planeta; alis, muitas algumas coisas, dezenas de coisasachatadas, grandes e amarelas, cada uma do tamanho de um quarteirode prdios, silenciosas como pssaros. Voavam serenas, banhando-senos raios eletromagnticos emitidos pela estrela Sol, sem pressa,agrupando-se, preparando-se.

    O planeta l embaixo ignorava sua presena quase completamente, oque era justamente o que elas queriam. Aquelas coisas amarelaspassaram por Goonhilly despercebidas; sobrevoaram Cabo Canaveralsem que os radares acusassem nada; Woomera e Jodrell Bankignoraram sua passagem uma pena, j que era exatamente esse tipode coisa que estavam procurando h muitos anos.

    A nica coisa que acusou sua presena foi um aparelhinho pretochamado sensormtico subeta, que ficou piscando discretamente naescurido da mochila de couro que Ford Prefect sempre levava consigo.O contedo da mochila de Ford era bastante interessante: se algumfsico terrqueo olhasse dentro dela, seus olhos saltariam para fora dasrbitas. Era para esconder essas coisas que Ford sempre jogava porcima de tudo, na mochila, um ou dois roteiros amassados de peas deteatro, dizendo que estava estudando um papel para uma pea. Alm dosensormtico subeta e dos roteiros, Ford levava um polegar eletrnico um basto curto e grosso, preto, liso e fosco, com interruptores eponteiros numa das extremidades e um aparelho que parecia umacalculadora eletrnica das grandes. Este ltimo possua cerca de 100pequenos botes planos e uma tela quadrada de dez centmetros, naqual podia ser exibida instantaneamente qualquer uma dentre ummilho de pginas. Parecia um aparelho absurdamente complicado, e

  • esse era um dos motivos pelos quais a capa plstica do dispositivotrazia a frase NO ENTRE EM PNICO em letras grandes e amigveis.O outro motivo era o fato de que este aparelho era na verdade o maisextraordinrio livro jamais publicado pelas grandes editoras da UrsaMenor O Guia do Mochileiro das Galxias. O livro era publicado sob aforma de um microcomponente eletrnico submson porque, se fosseimpresso de forma convencional, um mochileiro interestelar iria precisarde diversos prdios desconfortavelmente grandes para acomodar suabiblioteca.

    No fundo da mochila de Ford Prefect havia algumas esferogrficas,um bloco de anotaes e uma toalha de banho grande, comprada naMarks and Spencer.

    O Guia do Mochileiro das Galxias faz algumas afirmaes a respeitodas toalhas.

    Segundo ele, a toalha um dos objetos mais teis para um mochileirointerestelar. Em parte devido a seu valor prtico: voc pode usar a toalhacomo agasalho quando atravessar as frias luas de Beta de Jagla; podedeitar-se sobre ela nas reluzentes praias de areia marmrea deSantragino V, respirando os inebriantes vapores martimos; voc podedormir debaixo dela sob as estrelas que brilham avermelhadas nomundo desrtico de Kakrafoon; pode us-la como vela para descernuma minijangada as guas lentas e pesadas do rio Moth; podeumedec-la e utiliz-la para lutar em um combate corpo a corpo; enrol-la em torno da cabea para proteger-se de emanaes txicas ou paraevitar o olhar da Terrvel Besta Voraz de Traal (um animalestonteantemente burro, que acha que, se voc no pode v-lo, eletambm no pode ver voc estpido feito uma anta, mas muito, muitovoraz); voc pode agitar a toalha em situaes de emergncia para pedirsocorro; e, naturalmente, pode us-la para enxugar-se com ela se aindaestiver razoavelmente limpa.

    Porm o mais importante o imenso valor psicolgico da toalha. Poralgum motivo, quando um estrito (isto , um no mochileiro) descobreque um mochileiro tem uma toalha, ele automaticamente conclui que eletem tambm escova de dentes, esponja, sabonete, lata de biscoitos,

  • garrafinha de aguardente, bssola, mapa, barbante, repelente, capa dechuva, traje espacial, etc., etc. Alm disso, o estrito ter prazer ememprestar ao mochileiro qualquer um desses objetos, ou muitos outros,que o mochileiro por acaso tenha acidentalmente perdido. O que oestrito vai pensar que, se um sujeito capaz de rodar por toda aGalxia, acampar, pedir carona, lutar contra terrveis obstculos, dar avolta por cima e ainda assim saber onde est sua toalha, esse sujeitoclaramente merece respeito.

    Da a expresso que entrou na gria dos mochileiros, exemplificada naseguinte frase: Vem c, voc sancha esse cara dupal, o Ford Prefect?Ta um mingo que sabe onde guarda a toalha. (Sancha: conhecer, estarciente de, encontrar, ter relaes sexuais com; dupal: cara muito incrvel;mingo: cara realmente muito incrvel.)

    Bem enroladinho na toalha, dentro da mochila de Ford Prefect, osensormtico subeta comeou a piscar mais depressa. Quilmetrosacima da superfcie do planeta, as enormes algumas coisas amarelascomearam a se espalhar. No observatrio de Jodrell Bank, algumresolveu que era hora de tomar um ch.

    Voc tem uma toalha a? Ford perguntou a Arthur de repente.Arthur, lutando com seu terceiro caneco de chope, olhou ao redor. Uma toalha? Bem, no... por que, era pra eu ter? Arthur havia

    desistido de sentir-se surpreso; pelo visto, no adiantava nada.Ford estalou a lngua, irritado. Beba insistiu.Naquele momento, o rudo surdo de alguma coisa se espatifando,

    vindo da rua, misturou-se ao murmrio de vozes dentro do bar, msicada jukebox e aos soluos do homem ao lado de Ford, para quem eleacabara pagando um usque.

    Arthur engasgou-se com a cerveja e ps-se de p num salto. O que foi isso? gritou. No se preocupe disse Ford. Eles ainda no comearam. Ainda bem disse Arthur, relaxando. Deve ser s a sua casa sendo demolida disse Ford, virando seu

    ltimo chope.

  • O qu? berrou Arthur. De repente quebrou-se o encantamento queFord lanara sobre ele. Arthur olhou ao redor, desesperado, e correu ata janela. - Meu Deus, isso mesmo! Esto derrubando a minha casa.Que diabo eu estou fazendo aqui neste bar, Ford?

    A esta altura do campeonato, no tem muita importncia disseFord. Deixe que eles se divirtam.

    Isso l diverso? gritou Arthur. Diverso!Ele olhou de novo pela janela e constatou que ambos estavam

    falando sobre a mesma coisa. Diverso, o cacete! berrou Arthur, e saiu correndo do bar, furioso,

    brandindo uma caneca de chope quase vazia. Naquele dia, Arthurdefinitivamente no fez amigos no bar.

    Parem, seus vndalos! Destruidores de lares! gritava Arthur. Seus visigodos malucos, parem com isso!

    Ford teria de ir atrs dele. Virou-se depressa para o barman e pediu-lhe quatro pacotes de amendoins.

    Tome a disse o barman, colocando os pacotes no balco. So28 pence, por favor.

    Ford foi generoso: deu ao homem mais uma nota de cinco libras edisse que ficasse com o troco. O barman olhou para a nota e depoispara Ford. De repente estremeceu: teve momentaneamente umasensao que no compreendeu, porque nenhum terrqueo jamais aexperimentara antes. Em momentos de grande tenso, todas as formasde vida existentes emitem um pequeno sinal subliminar. Este sinalsimplesmente comunica uma noo exata e quase pattica do quanto acriatura em questo est longe de seu local de nascimento. Na Terra,nunca se pode estar a mais de 26 mil quilmetros do local denascimento, uma distncia no muito grande, na verdade, e portantoesses sinais so demasiadamente fracos para serem percebidos. FordPrefect estava naquele momento sob grande tenso, e nascera a 600anos-luz dali, perto de Betelgeuse.

    O barman ficou desnorteado por um momento, atingido pela sensaochocante e incompreensvel de distncia. Ele no sabia o quesignificava aquilo, mas olhou para Ford Prefect com mais respeito,quase com reverncia.

  • O senhor est falando srio? perguntou ele, sussurrando baixinho,o que teve o efeito de fazer com que todos se calassem no bar. Osenhor acha que o mundo vai mesmo acabar?

    Vai disse Ford. Mas hoje?Ford havia se recuperado. Sentia-se mais irreverente do que nunca. disse, alegre , daqui a menos de dois minutos, na minha

    opinio.O barman no conseguia acreditar na conversa que estava tendo,

    mas tambm no conseguia acreditar na sensao que acabara deexperimentar.

    Podemos fazer algo a respeito? No, nada respondeu Ford, enfiando os amendoins no bolso.Algum de repente soltou uma gargalhada no bar silencioso, rindo da

    burrice de todos.O homem ao lado de Ford j estava meio alto. Com esforo, focalizou

    os olhos em Ford. Eu pensava disse ele que quando o mundo acabasse todo

    mundo tinha que deitar no cho ou enfiar a cabea num saco de papel,ou coisa parecida.

    Se voc quiser, pode disse Ford. Foi o que disseram pra gente no exrcito disse o homem, e seus

    olhos comearam sua longa jornada de volta para o copo de usque. Isso vai ajudar? perguntou o barman. No disse Ford, com um sorriso simptico. Com licena, tenho

    que ir embora. Deu adeus e saiu.O bar ainda permaneceu em silncio por um instante, e depois o

    homem da gargalhada estrepitosa atacou de novo, deixando todos semgraa. A garota que ele arrastara at o bar meia hora antes j odetestava cordialmente a essa altura e provavelmente ficaria muitosatisfeita se soubesse que, dentro de uns 90 segundos, ele iria seevaporar em um sopro de hidrognio, oznio e monxido de carbono.Porm, quando chegasse a hora, ela tambm estaria ocupada demaisse evaporando para se preocupar com isso.

    O barman pigarreou. Quando se deu conta, estava dizendo o

  • seguinte: ltimos pedidos, por favor.

    As enormes mquinas amarelas comearam a descer e a acelerar.Ford sabia que elas estavam vindo. No era assim que ele queria

    voltar para o seu planeta.

    Correndo pela alameda, Arthur j estava quase chegando em casa.No percebeu como havia esfriado de repente, no percebeu o vento,no percebeu a chuva torrencial e irracional que comeara a cairsubitamente. S viu os tratores passando por cima dos destroos do quefora sua casa.

    Seus brbaros! gritou. Vou processar o conselho municipal earrancar deles at o ltimo centavo! Vocs vo ser enforcados,arrastados e esquartejados! E chicoteados! E cozidos em leo fervente...at... at... at vocs no aguentarem mais.

    Ford ainda estava correndo atrs dele, muito depressa. Muito, muitodepressa.

    E depois tudo de novo! gritou Arthur. E quando terminar voupegar todos os pedacinhos e pisar em cima deles!

    Arthur no percebeu que os homens estavam correndo dos tratores, etambm no percebeu que o Sr. Prosser olhava para o cu,desesperado. O que o Sr. Prosser havia percebido era que as coisasamarelas enormes estavam atravessando as nuvens, ruidosamente.Coisas amarelas impossivelmente enormes.

    E vou continuar pulando neles gritou Arthur, ainda correndo ateu ficar cheio de bolhas, ou at eu pensar numa coisa ainda maisdesagradvel pra fazer, a...

    Arthur tropeou e caiu para a frente, rolou e terminou deitado decostas no cho. Finalmente percebeu que estava acontecendo algumacoisa. Apontou para o cu.

    Que diabo isso? gritouFosse o que fosse, a coisa atravessou o cu com toda a sua

    monstruosidade amarela, rasgou o cu com um estrondo estonteante esumiu na distncia, deixando atrs de si um vcuo que se fechou com

  • um bang alto o suficiente para empurrar os ouvidos para dentro docrebro.

    Outra coisa amarela veio em seguida e fez exatamente a mesmacoisa, s que ainda mais alto.

    difcil dizer exatamente o que as pessoas na superfcie do planetaestavam fazendo agora, porque na verdade elas prprias no sabiamdireito o que estavam fazendo. Nada fazia sentido correr para dentrode casa, correr para fora de casa, gritar surdamente no meio dabarulheira. Por todo o mundo, as ruas das cidades explodiam de gente,carros se enfiavam uns nos outros quando o barulho desabava sobreeles e depois se afastava, como um gigantesco maremoto sobre serras evales, desertos e oceanos, parecendo achatar tudo aquilo que atingia.

    Apenas um homem permanecia parado, olhando para o cu, com umatristeza imensa nos olhos e protetores de borracha nos ouvidos. Elesabia exatamente o que estava acontecendo, e j o sabia desde queseu sensormtico subeta comeara a piscar no meio da noite ao lado deseu travesseiro, fazendo-o acordar assustado. Era por isso que ele vinhaesperando esses anos todos, mas quando decifrou os sinais, sozinhoem seu pequeno quarto escuro, sentiu um frio no corao. De todas asraas existentes na Galxia que podiam vir fazer uma visitinha aoplaneta Terra, pensou ele, por que tinham que ser justamente osvogons?

    Fosse como fosse, ele sabia o que tinha de fazer. Quando a navevogon sobrevoou o lugar onde ele estava, Ford abriu sua mochila.Jogou fora um exemplar de Jos e a Extraordinria Tnica de SonhosTecnicolor e um exemplar de Godspell: ele no ia precisar daquilo nolugar para onde ia. Tudo estava pronto, tudo estava preparado.

    Ele sabia onde estava sua toalha.Um silncio sbito tomou conta da Terra, talvez pior ainda que o

    barulho. Por algum tempo, no aconteceu nada.As grandes espaonaves pairavam imveis no cu, sobre todas as

    naes da Terra. Pairavam imveis, imensas, pesadas, completamenteparadas no cu, uma blasfmia contra a natureza. Muitas pessoasentraram em estado de choque quando suas mentes tentaram entendero que estavam vendo. As naves pairavam imveis no cu da mesma

  • forma como os tijolos no o fazem.E continuava no acontecendo nada.Ento ouviu-se um leve assobio, um sbito assobio espaoso de

    fundo sonoro ao ar livre. Todos os aparelhos de som do mundo, todos osrdios, todas as televises, todos os gravadores, todos os alto-falantes,de agudos, graves ou frequncias mdias, em todo o mundo,silenciosamente se ligaram.

    Todas as latinhas, todas as latas de lixo, todas as janelas, todos oscarros, todas as taas de vinho, todas as chapas de metal enferrujado,tudo foi ativado, funcionando como uma caixa de ressonnciaacusticamente perfeita.

    Antes de ser destruda, a Terra assistiria a uma demonstrao daperfeio absoluta em matria de reproduo sonora, o maior sistemade som jamais construdo. Mas no se ouviu um concerto, nenhumamsica, nenhuma fanfarra, e sim uma simples mensagem.

    Povo da Terra, ateno, por favor disse uma voz, e foimaravilhoso. Som quadrafnico perfeito, com nveis de distoro tobaixos que o mais corajoso dos homens no conseguiria conter umalgrima.

    Aqui fala Prostetnic Vogon Jeltz, do Conselho de Planejamento doHiperespao Galctico prosseguiu a voz. Como todos vocscertamente j sabem, os planos para o desenvolvimento das regiesperifricas da Galxia exigem a construo de uma via expressahiperespacial que passa pelo seu sistema estelar e infelizmente o seuplaneta um dos que tero de ser demolidos. O processo levar poucomenos de dois minutos terrestres. Obrigado.

    O sistema de som voltou ao silncio.Um terror cego se apoderou de toda a populao da Terra. O terror

    transmitia-se lentamente atravs das multides, como se fossemlimalhas de ferro sobre uma chapa de madeira e houvesse um mdeslocando-se embaixo da madeira. Instaurou-se novamente o pnico,uma vontade desesperada de fugir, s que no havia para onde.

    Observando o que estava acontecendo, os vogons ligaram o sistemade som outra vez. Disse a voz:

    Esta surpresa injustificvel. Todos os planos do projeto, bem como

  • a ordem de demolio, esto em exposio no seu departamento localde planejamento, em Alfa do Centauro, h 50 dos seus anos terrestres, eportanto todos vocs tiveram muito tempo para apresentar qualquerreclamao formal, e agora tarde demais para criar caso.

    O sistema de som foi desligado novamente e seu eco foi morrendo portodo o planeta. As naves imensas comearam a virar lentamente no cu,com facilidade. Na parte de baixo de cada nave abriu-se uma escotilha,um quadrado negro vazio.

    A esta altura, algum tinha conseguido ligar um transmissor de rdio,localizar uma frequncia e enviar uma mensagem s naves vogons,falando em nome do planeta. Ningum jamais ouviu o que foi dito,apenas a resposta. O imenso sistema de som voltou a transmitir. A vozestava irritada:

    Como assim, nunca estiveram em Alfa do Centauro? Ora bolas,humanidade, fica s a quatro anos-luz daqui! Desculpem, mas, se vocsno se do ao trabalho de se interessar pelas questes locais, oproblema de vocs. Aps uma pausa, disse: Energizar os raiosdemolidores.

    Das escotilhas saram fachos de luz. Diabo de planeta aptico disse a voz. No d nem pra ter pena.

    E o sistema de som foi desligado.Houve um silncio terrvel.Houve um rudo terrvel.Houve um silncio terrvel.A Frota de Construo Vogon desapareceu no negro espao

    estrelado.

  • captulo 4

    Longe dali, no brao oposto da Galxia, a uma distncia de 500 milanos-luz da estrela Sol, Zaphod Beeblebrox, presidente do GovernoImperial Galctico, navegava pelos mares de Damogran. Seu barcodelta com drive inico brilhava luz do sol de Damogran.

    Damogran, o quente; Damogran, o remoto; Damogran, o quasecompletamente desconhecido para todos.

    Damogran, morada secreta da nave Corao de Ouro.O barco deslizava rapidamente sobre a gua. Ainda levaria algum

    tempo para chegar a seu destino, porque a geografia de Damogran no nada prtica. Consiste apenas em algumas ilhas desertas de tamanhomdio a grande, separadas por oceanos de rara beleza, mas de umavastido chatssima.

    O barco seguia em frente.Devido a sua incmoda geografia, Damogran sempre foi um planeta

    deserto. Foi por isso que o Governo Imperial Galctico escolheuDamogran para o projeto Corao de Ouro, porque o planeta era muitodeserto e o projeto Corao de Ouro era muito secreto.

    O barco deslizava rpido pela superfcie do mar, o mar que separavaas principais ilhas do nico arquiplago de tamanho aproveitvel emtodo o planeta. Zaphod Beeblebrox vinha do pequeno cosmoporto dailha da Pscoa (o nome era uma coincidncia sem nenhum significado em galacts, pscoa quer dizer pequeno, plano e castanho-claro) para ailha do projeto Corao de Ouro, cujo nome era Frana, em mais umacoincidncia sem nenhum significado.

    Um dos efeitos colaterais do projeto Corao de Ouro era uma sriede coincidncias sem significado.

    Mas no era por coincidncia que aquele dia, o dia da coroao doprojeto, o grande dia do lanamento, o dia em que a nave Corao de

  • Ouro seria finalmente revelada a uma Galxia maravilhada, era tambmum dia muito especial para Zaphod Beeblebrox. Foi pensando nesse diaque ele havia decidido concorrer Presidncia, uma deciso quecausou grande surpresa em toda a Galxia Imperial ZaphodBeeblebrox? Presidente? No aquele Zaphod Beeblebrox? Ele,presidente?* Muitos encararam o fato como prova de que todo ouniverso havia afinal pirado completamente.

    Zaphod sorriu e aumentou a velocidade do barco.Zaphod Beeblebrox, aventureiro, ex-hippie, bon vivant, (trambiqueiro?,

    possivelmente) manaco por autopromoo, pssimo emrelacionamentos pessoais, frequentemente considerado um doidovarrido.

    Presidente?Mas o universo no havia enlouquecido, pelo menos no em relao

    a isso.Apenas seis pessoas em toda a Galxia conheciam o princpio no

    qual se baseava o governo galctico, e sabiam que, uma vezproclamada a inteno de Zaphod Beeblebrox de concorrer Presidncia, a coisa estava mais ou menos resolvida: ele tinha tudopara ser presidente.

    O que elas realmente no entendiam era por que Zaphod resolvera secandidatar.

    Zaphod deu uma guinada sbita com o barco, levantando um lenoldgua.

    O dia havia chegado; o dia em que todos entenderiam quais haviamsido as intenes de Zaphod. Aquele dia era a razo de ser dapresidncia de Zaphod Beeblebrox. Era tambm o dia em que elecompletava 200 anos de idade, mas isto era apenas mais umacoincidncia sem qualquer significado.

    Enquanto seu barco atravessava os mares de Damogran, ele sorria deleve, pensando no dia maravilhoso e divertido que tinha pela frente.Relaxou os msculos e descansou os dois braos preguiosamente noencosto, e ficou dirigindo o barco com um brao adicional que eleinstalara recentemente embaixo de seu brao direito, para melhorar seudesempenho no esquiboxe.

  • Sabe cantarolou ele para si prprio , voc realmente um caraincrvel.

    Mas seus nervos cantavam uma cano mais estridente do que umapito para chamar cachorro.

    A ilha da Frana tinha cerca de 30 quilmetros de comprimento pornove de largura; era arenosa e em forma de crescente. Na verdade,dava a impresso de ser menos uma ilha propriamente dita do que umasimples maneira de definir o formato e a curvatura de uma grande baa.A impresso era ressaltada pelo fato de que a costa interior do crescenteconsistia apenas em penhascos ngremes. Do alto dos penhascos, oterreno seguia um declive gradual at a costa oposta, nove quilmetrosadiante.

    No alto dos penhascos havia um comit de recepo.Era constitudo basicamente de engenheiros e pesquisadores que

    haviam construdo a nave Corao de Ouro humanoides em suamaioria, mas havia um ou outro atomeiro reptiloide, dois ou trsmaximegalacticianos verdes silfoides, um ou dois fissucturalistasoctpodes e um Huluvu (o Huluvu uma tonalidade de azulsuperinteligente). Todos, com exceo do Huluvu, trajavam jalecos delaboratrio de gala, multicoloridos e resplandecentes; o Huluvu foratemporariamente refratado num prisma capaz de ficar em p,especialmente para a ocasio.

    Havia um clima de enorme empolgao entre eles. Trabalhando emequipe, haviam atingido e ultrapassado os limites ltimos das leisfsicas, reestruturado a configurao fundamental da matria, forado,torcido e partido as leis das possibilidades e impossibilidades, masapesar disso o que mais os entusiasmava era a oportunidade deconhecer um homem com uma faixa alaranjada em volta do pescoo (odistintivo tradicional do presidente da Galxia). Talvez at no fizessemuita diferena se eles soubessem exatamente quanto poder exercia opresidente da Galxia: absolutamente nenhum. Apenas seis pessoas naGalxia sabiam que a funo do presidente no era exercer poder, e simdesviar a ateno do poder.

    Zaphod Beeblebrox era surpreendentemente bom no seu trabalho.A multido exultava, deslumbrada pelo sol e pela percia do

  • presidente, que fazia o barco contornar o promontrio e entrar na baa. Obarco brilhava ao sol, ao deslizar pela superfcie em curvas abertas.

    Na verdade, o barco no precisava encostar na gua, j que ele seapoiava numa camada de tomos ionizados, mas para fazer efeito elevinha equipado com umas quilhas finas que podiam ser baixadas paradentro dgua. Elas levantavam lenis dgua no ar e rasgavam sulcosprofundos no mar, que espumava na esteira do barco.

    Zaphod adorava fazer efeitos: era sua especialidade.Virou a roda do leme subitamente. A embarcao descreveu uma

    curva fechada bem rente ao penhasco e parou, balanando ao sabordas ondas suaves.

    Segundos depois, Zaphod j estava no tombadilho, acenando esorrindo para mais de trs bilhes de pessoas. Os trs bilhes depessoas no estavam fisicamente presentes, porm assistiam a tudoatravs dos olhos de uma pequena cmera-rob tridimensional, quepairava no ar ali perto, subserviente. As proezas do presidente faziammuito sucesso junto ao pblico: era para isso que elas serviam, mesmo.

    Zaphod sorriu outra vez. Trs bilhes e seis pessoas no sabiam, masa proeza daquele dia seria mais incrvel do que qualquer coisa que elasesperassem.

    A cmera-rob aproximou-se para fazer um close da cabea maispopular (ele tinha duas) do presidente, e ele acenou outra vez. Suaaparncia era mais ou menos humanoide, afora a segunda cabea e oterceiro brao. Seus cabelos claros e despenteados apontavam paratodas as direes, seus olhos azuis brilhavam com um sentidoabsolutamente incompreensvel e seus queixos estavam quase semprecom a barba por fazer.

    Um globo transparente de sete metros de altura flutuava ao lado deseu barco, balanando as ondas, brilhando ao sol. Dentro dele flutuavaum amplo sof semicircular, estofado com um esplndido courovermelho.

    Quanto mais o globo balanava, mais o sof permaneciacompletamente imvel, como se fosse um rochedo transformado emsof. Mais uma vez, o objetivo principal daquilo era fazer efeito.

    Zaphod atravessou a parede do globo e refestelou-se no sof. Ps

  • dois braos sobre o encosto do sof, e com o terceiro espanou umpouco de poeira que tinha no joelho. Suas cabeas olharam ao redor,sorridentes; ps os ps sobre o sof. Se no conseguisse se conter, iacomear a gritar, pensou ele.

    Debaixo da bolha a gua fervia, subia, esguichava. A bolha elevava-se no ar, balanando-se na coluna de gua. Subia mais e mais,refletindo raios de sol em direo ao penhasco. Subia impulsionadapela gua que esguichava debaixo dela e caa de volta na superfcie domar, dezenas e dezenas de metros abaixo.

    Zaphod sorriu, imaginando o efeito visual.Um meio de transporte absolutamente ridculo, porm belssimo.No alto do penhasco o globo parou por um instante, pousou numa

    rampa gradeada, rolou at uma pequena plataforma cncava e l parou,por fim.

    Aplaudido entusiasticamente, Zaphod Beeblebrox saiu da bolha. Suafaixa alaranjada brilhava ao sol.

    O presidente da Galxia havia chegado.Esperou que os aplausos morressem e levantou a mo, saudando a

    multido. Oi disse.Uma aranha do governo chegou-se at ele e tentou lhe entregar uma

    cpia de seu discurso previamente preparado. As pginas 3 a 7 daverso original estavam naquele momento flutuando no mar deDamogran, a uns dez quilmetros da baa. As pginas 1 e 2 haviam sidoencontradas por uma guia-de-crista-frondosa de Damogran e j haviamsido incorporadas a um novo e extraordinrio tipo de ninho que a guiainventara. Era construdo basicamente de papier mch, e erapraticamente impossvel para um filhote de guia recm-sado do ovoescapar de dentro dele. A guia-de-crista-frondosa de Damogran ouviravagamente falar de luta pela sobrevivncia da espcie, mas no querianem saber dessa histria.

    Zaphod Beeblebrox no ia precisar de seu discurso preparado edelicadamente recusou a cpia oferecida pela aranha.

    Oi repetiu.Todo mundo sorriu para ele, ou pelo menos quase todo mundo. Viu

  • Trillian no meio da multido. Era uma garota que Zaphod conhecerarecentemente ao visitar um planeta, incgnito, como turista. Era esguia,morena, humanoide, com longos cabelos negros e ondulados, uma bocacarnuda, um narizinho estranho e saliente e olhos ridiculamentecastanhos. Seu leno de cabelo vermelho, amarrado de modo diferente,e seu vestido longo e leve de seda marrom lhe davam uma aparnciavagamente rabe. No que ningum ali jamais tivesse ouvido falar nosrabes, claro. Os rabes haviam deixado de existir muito recentemente,e mesmo no tempo em que eles existiam estavam a 500 mil anos-luz deDamogran. Trillian no era ningum em particular, ou pelo menos eraisso que Zaphod dizia. Ela simplesmente andava muito com ele e lhedizia o que pensava a seu respeito.

    Oi, meu bem disse para ela.Ela lhe dirigiu um sorriso rpido e tenso e desviou o olhar. Ento

    olhou novamente para ele por um momento e sorriu de forma maiscalorosa mas agora ele j estava olhando para outro lado.

    Oi disse para um pequeno grupo de criaturas da imprensa, queestava a pouca distncia dali, ansioso para que parasse de dizer oi ecomeasse logo a dizer coisas que eles pudessem publicar.

    Zaphod sorriu, pensando que dentro de alguns instantes ia dar a elescoisas muito interessantes, mas muito interessantes, mesmo, parapublicar.

    Porm o que ele disse em seguida no interessou muito s criaturasda imprensa. Um dos funcionrios do partido conclura, irritado, que opresidente obviamente no estava a fim de ler o discurso fascinante quehavia sido preparado para ele, e acionara um interruptor no controleremoto que tinha no bolso. Ao longe, uma enorme cpula branca que sedestacava contra o cu rachou ao meio, abriu-se e foi lentamentedobrando-se sobre o cho. Todos ficaram boquiabertos, emborasoubessem perfeitamente que aquilo ia acontecer, j que eles prprioshaviam construdo a cpula.

    Embaixo dela havia uma imensa espaonave, de 150 metros decomprimento, esguia como um tnis de corrida, perfeitamente branca eestonteantemente bonita. Bem no centro dela, invisvel para quemolhava de fora, havia uma pequena caixa de ouro que continha o

  • aparelho mais alucinante jamais concebido em toda a Galxia, o qualdeu o nome nave o Corao de Ouro.

    Uau! disse Zaphod Beeblebrox ao ver a nave Corao de Ouro.Tambm, no tinha outra coisa a dizer.

    E repetiu, porque sabia que isso ia irritar a imprensa: Uau!Toda a multido virou-se para ele, cheia de expectativa. Zaphod

    piscou o olho para Trillian, que alou as sobrancelhas e arregalou osolhos para ele. Ela sabia o que ele ia dizer agora, e achava-o muitoexibido.

    realmente incrvel disse Zaphod. realmente incrivelmenteincrvel. to incrivelmente incrvel que acho que estou com vontade deroub-la.

    Uma maravilhosa frase presidencial, absolutamente apropriada. Amultido riu, satisfeita, os jornalistas apertaram os botes de suasrepormticas subeta e o presidente sorriu.

    Enquanto sorria, seu corao batia desesperadamente e seus dedostateavam a pequena bomba paralisomtica que trazia no bolso.

    De repente, no aguentou mais. Virou ambos os rostos para o cu,soltou um tremendo grito, formando um acorde de terceira maior, jogou abomba no cho e saiu correndo por entre aqueles rostos sorridentesimobilizados.

  • captulo 5

    Prostetnic Vogon Jeltz no era bonito de se ver. Nem outros vogonsgostavam de olhar para ele. Seu nariz alto e abobadado elevava-seacima de uma testa estreita e porcina. Sua pele verde-escura eborrachuda era grossa o suficiente para permitir-lhe jogar e bem ojogo da poltica do funcionalismo pblico vogon, e to resistente guaque lhe permitia sobreviver por perodos indefinidamente longos nofundo do mar a profundidades de 300 metros, sem qualquer efeitonegativo.

    O que no significa que ele sequer houvesse nadado algum dia, claro. No tinha tempo para isso. Ele era do jeito que era porque, hbilhes de anos, quando os vogons pela primeira vez saram dos maresprimevos da Vogsfera e foram arfar nas praias virgens do planeta,quando os primeiros raios do jovem e forte Vogsol os atingiram naquelamanh, foi como se as foras da evoluo houvessem simplesmentedesistido deles, virado para o outro lado, cheias de averso,considerando-os um erro infeliz e repulsivo. Nunca mais os vogonsevoluram: no deviam sequer ter sobrevivido.

    Se sobreviveram, isso se deveu teimosia e fora de vontadedessas criaturas de raciocnio preguioso. Evoluo?, pensavam elas.Evoluo pra qu? E o que a natureza se recusou a fazer por eles ficoupor isso mesmo, at que pudessem consertar as grosseirasinconvenincias anatmicas atravs da cirurgia.

    Enquanto isso, as foras naturais do planeta Vogsfera estavamtrabalhando mais do que nunca, fazendo hora extra para compensar oerro anterior. Criaram caranguejos geis, cobertos de joias cintilantes,que os vogons comiam, quebrando suas carapaas com marretas deferro; rvores altas, extraordinariamente esguias e coloridas, que osvogons derrubavam e queimavam para cozinhar a carne dos

  • caranguejos; criaturas elegantes, semelhantes a gazelas, de pelossedosos e olhos orvalhados, que os vogons capturavam para sentar emcima. Elas no serviam como meio de transporte porque suas espinhaspartiam-se imediatamente, mas os vogons sentavam-se em cima delasassim mesmo.

    Assim, o planeta Vogsfera atravessou tristes milnios at que osvogons descobriram de repente os princpios do transporte interestelar.Poucos anos vogs depois, todos os vogons j haviam migrado para oaglomerado de Megabrantis, o centro poltico da Galxia, e agoraconstituam a poderosssima espinha dorsal do funcionalismo pblico daGalxia. Tentaram adquirir cultura, tentaram adquirir estilo e boasmaneiras, mas sob quase todos os aspectos o vogon moderno poucodifere de seus ancestrais primitivos. Todo ano eles importam 27 milcaranguejos cintilantes de seu planeta nativo e passam muitas noitesdivertidas bebendo e esmigalhando caranguejos com marretas de ferro.

    Prostetnic Vogon Jetz era um vogon mais ou menos tpico, j que eraabsolutamente vil. Alm disso, no gostava de mochileiros.

    Em uma pequena e escura cabine nas entranhas mais profundas danave capitnia de Prostetnic Vogon Jetz, um fsforo acendeu-senervosamente. O dono do fsforo no era um vogon, mas sabia tudosobre os vogons, e tinha toda a razo de estar nervoso. Chamava-seFord Prefect.*

    Olhou ao redor, mas no dava para ver quase nada; sombrasestranhas e monstruosas formavam-se e tremiam luz bruxuleante dofsforo, mas o silncio era completo. Silenciosamente, Ford agradeceuaos dentrassis. Os dentrassis so uma tribo indisciplinada degourmands, um povo selvagem, porm simptico. Recentemente vinhamsendo empregados pelos vogons como comissrios de bordo em suasviagens mais longas, sob a condio de que ficassem na deles.

    Os dentrassis achavam isto timo, porque adoravam o dinheiro vogon,que uma das moedas mais slidas do espao, porm detestavam osvogons. Os dentrassis s gostavam de ver um vogon quando ele estavachateado.

    Graas a esse pequeno detalhe, Ford Prefect no fora transformado

  • numa nuvenzinha de hidrognio, oznio e monxido de carbono.Ford ouviu um leve gemido. luz do fsforo, viu uma forma pesada

    mexendo-se no cho. Rapidamente apagou o fsforo, ps a mo nobolso, encontrou o que procurava e tirou-o do bolso. Abriu o pacote esacudiu-o. Ajoelhou-se. A forma mexeu-se de novo. Ford Prefect disse:

    Eu trouxe uns amendoins.Arthur Dent mexeu-se e gemeu de novo, produzindo sons incoerentes. Tome, coma um pouco insistiu Ford, sacudindo o pacote. Se

    voc nunca passou antes por um raio de transferncia de matria, deveter perdido sal e protena. A cerveja que voc tomou deve ter protegidoum pouco seu organismo.

    Rrrrr... disse Arthur Dent. Abriu os olhos. Est escuro. disse Ford Prefect , est escuro, sim. Luz nenhuma disse Arthur Dent. Escuro, completamente.Uma das coisas que Ford Prefect jamais conseguiu entender em

    relao aos seres humanos era seu hbito de afirmar e repetircontinuamente o bvio mais bvio, coisas do tipo Est um belo dia, ouComo voc alto, ou Ah, meu Deus, voc caiu num poo de dez metrosde profundidade, voc est bem?. De incio, Ford elaborou uma teoriapara explicar esse estranho comportamento. Se os seres humanos noficarem constantemente utilizando seus lbios pensou ele , elesgrudam e no abrem mais. Aps pensar e observar por alguns meses,abandonou essa teoria em favor de outra: se eles no ficaremconstantemente exercitando seus lbios pensou ele , seus crebroscomeam a funcionar. Depois de algum tempo, abandonou tambm estateoria, por ach-la demasiadamente cnica, e concluiu que, na verdade,gostava muito dos seres humanos. Contudo, sempre ficava muitssimopreocupado ao constatar como era imenso o nmero de coisas que elesdesconheciam.

    concordou Ford , nenhuma luz. Deu uns amendoins a Arthure perguntou-lhe: Como que voc est se sentindo?

    Que nem numa academia militar, em posio de sentido disseArthur. A toda hora, um pedacinho de mim desmaia.

    Ford, sem entender, arregalou os olhos na escurido. Se eu lhe perguntasse em que diabo de lugar a gente est

  • perguntou Arthur, hesitante , eu me arrependeria de ter feito estapergunta?

    Estamos a salvo disse Ford, levantando-se. Ah, bom. Estamos dentro de uma pequena cabine de uma das espaonaves

    da Frota de Construo Vogon. Ah disse Arthur. Pelo visto, voc est empregando a expresso

    a salvo num sentido estranho que eu no conheo.Ford acendeu outro fsforo para tentar encontrar um interruptor de luz.

    Novamente surgiram sombras monstruosas. Arthur ps-se de p eabraou seus prprios ombros, apreensivo. Formas aliengenashorrveis pareciam cerc-lo; o ar estava cheio de odores ranosos queentravam em seus pulmes sem terem sido identificados, e um zumbidograve e irritante impedia que ele concentrasse sua ateno.

    Como que viemos parar aqui? perguntou, tremendo um pouco. Pegamos uma carona disse Ford. Espere a! disse Arthur. Voc est me dizendo que a gente

    levantou o polegar e algum monstrinho verde de olhos esbugalhadosps a cabea pra fora e disse Oi, gente, entrem a que eu deixo vocs nasada do viaduto?

    Bem disse Ford , o polegar na verdade um sinalizadoreletrnico subeta, e a sada do viaduto, no caso, a estrela de Barnard,a seis anos-luz da Terra; mas no geral mais ou menos isso.

    E o monstrinho de olhos esbugalhados? verde, sim. Tudo bem disse Arthur , mas quando eu vou voltar para casa? No vai disse Ford Prefect, e encontrou o interruptor. Proteja os

    olhos... acrescentou, e acendeu a luz.At mesmo Ford ficou surpreso. Minha nossa! disse Arthur. Estamos mesmo dentro de um disco

    voador?

    Prostetnic Vogon Jeltz contornou com seu corpo verde edesagradvel a ponte de comando da nave. Sempre se sentiavagamente irritado aps demolir planetas povoados. Desejou que

  • algum viesse lhe dizer que estava tudo errado, pois a ele poderia daruma bronca e se sentir melhor. Jogou-se com todo o peso no seu bancona esperana de que ele quebrasse, dando-lhe um bom motivo para seirritar, mas o banco limitou-se a ranger, como se reclamasse.

    V embora! gritou ele para um jovem guarda vogon que entravanaquele instante na ponte de comando.

    O guarda desapareceu imediatamente, um tanto aliviado. Assim, noseria ele quem teria de dar a notcia que acabava de ser recebida. Eraum despacho oficial informando que estava sendo lanado naqueleinstante num centro de pesquisas do governo em Damogran um novotipo maravilhoso de espaonave que tornaria desnecessrias todas asvias expressas hiperespaciais.

    Outra porta abriu-se, mas dessa vez o capito vogon no gritou,porque era a porta que dava para a cozinha, onde os dentrassistrabalhavam. Uma refeio agora seria tima ideia.

    Uma enorme criatura peluda entrou com uma bandeja e um sorriso demaluco.

    Prostetnic Vogon Jeltz ficou contente. Sabia que quando um dentrassiestava sorridente daquele jeito era porque havia alguma coisaacontecendo na nave que lhe daria um pretexto para ficar irritadssimo.

    Ford e Arthur olhavam ao redor. Bem, o que voc acha? perguntou Ford. Meio bagunado, no ?Ford olhou contrafeito para os colches encardidos, copos sujos e

    roupas de baixo malcheirosas de aliengenas espalhados pela cabineapertada.

    Bem, isto aqui uma nave de servio disse Ford. Estamos numadas cabines dos dentrassis.

    Mas no eram vogons ou coisa parecida? disse Ford. Os vogons mandam, os dentrassis cozinham.

    Foram eles que nos deram carona. Estou meio confuso disse Arthur. D uma olhada nisso disse Ford, sentando-se num dos colches e

    mexendo em sua mochila.

  • Arthur apalpou o colcho nervosamente e depois sentou-se tambm:na verdade, no havia motivo para ficar nervoso, j que todos oscolches cultivados nos pntanos de Sqornshellous Zeta so muito bemmortos e ressecados antes de serem utilizados. muito raro um dessescolches voltar vida.

    Ford deu o livro a Arthur. Que isso? perguntou Arthur. O Guia do Mochileiro das Galxias. uma espcie de livro

    eletrnico. Tem tudo sobre todos os assuntos. Informa sobre qualquercoisa.

    Arthur revirou nervosamente o aparelho. Gostei da capa disse ele. No entre em pnico. Foi a primeira

    coisa sensata e inteligvel que me disseram hoje. Eu lhe mostro como funciona disse Ford. Pegou o livro das mos

    de Arthur, que continuava a segur-lo como se fosse um pssaro mortoh duas semanas, e tirou-o de dentro da capa. Aperte esse boto aquique a tela acende e aparece o ndice.

    Uma tela de cerca de oito por dez centmetros iluminou-se ecomearam a aparecer caracteres em sua superfcie.

    Voc quer saber sobre os vogons. Ento s digitar vogon, assim. Ford apertou umas teclas. Veja.

    As palavras Frota de Construo Vogon apareceram em letras verdes.Ford apertou um grande boto vermelho embaixo da tela e um texto

    comeou a correr por ela, ao mesmo tempo que uma voz calma econtrolada ia lendo o que estava escrito:

    Frota de Construo Vogon. Voc quer pegar carona com vogons?Pode desistir. Trata-se de uma das raas mais desagradveis daGalxia. No chegam a ser malvolos, mas so mal-humorados,burocrticos, intrometidos e insensveis. Seriam incapazes de levantarum dedo para salvarem suas prprias avs da Terrvel Besta Voraz deTraal sem antes receberem ordens expressas atravs de um formulrioem trs vias, envi-lo, devolv-lo, pedi-lo de volta, perd-lo, encontr-lode novo, abrir um inqurito a respeito, perd-lo de novo e finalmentedeix-lo trs meses sob um monte de turfa, para depois recicl-lo como

  • papel para acender fogo.A melhor maneira de conseguir que um vogon lhe arranje um drinque

    enfiar o dedo na garganta dele, e a melhor maneira de irrit-lo alimentar a Terrvel Besta Voraz de Traal com a av dele.

    Jamais, em hiptese alguma, permita que um vogon leia poemas paravoc.

    Arthur ficou olhando para a tela. Que livro esquisito. Ento como foi que pegamos essa carona? justamente essa a questo. O livro est desatualizado disse

    Ford, guardando-o dentro da capa. Estou fazendo uma pesquisa decampo pra nova edio revista e aumentada, e uma das coisas que euvou ter que fazer mencionar que agora os vogons esto empregandodentrassis como cozinheiros, o que facilita as coisas pra ns.

    Uma expresso contrariada surgiu no rosto de Arthur. Mas quem so esses dentrassis? Gente finssima disse Ford. So disparado os melhores

    cozinheiros e os melhores preparadores de drinques, e esto se lixandopra todo o resto. E sempre do carona pras pessoas, em parte porquegostam de companhia, mas acima de tudo para irritar os vogons. O que exatamente o tipo de coisa que voc precisa saber se um mochileirosem muita grana a fim de ver as maravilhas do Universo por menos de30 dlares altairenses por dia. Meu trabalho esse. Divertido, no ?

    Arthur parecia perdido. incrvel disse, olhando de testa franzida para um dos outros

    colches. Infelizmente, fiquei parado na Terra bem mais tempo do que eu

    pretendia prosseguiu Ford. Fui passar uma semana e acabei presol por 15 anos.

    Mas como foi que voc chegou l? Foi fcil, peguei carona com um gozador. Um gozador? . Mas... o que um...? Gozador? Normalmente um filho de papai rico que no tem o que

  • fazer. Fica zanzando por a procurando planetas que ainda no fizeramnenhum contato interestelar e vai l pirar as pessoas.

    Pirar as pessoas? Arthur comeou a pensar que Ford estavagostando de complicar a vida para ele.

    disse Ford , fica pirando as pessoas. Vai a um lugar bemisolado onde tem pouca gente, a pousa ao lado de um pobre infeliz emque ningum jamais vai acreditar e fica andando na frente dele, comumas antenas ridculas na cabea, fazendo bip-bip e outros rudosengraados. Realmente, uma tremenda criancice. Ford recostou-se nocolcho, apoiando a cabea nas mos; aparentava estar irritantementesatisfeito consigo mesmo.

    Ford insistiu Arthur , no sei se minha pergunta idiota, mas oque que eu estou fazendo aqui?

    Bem, isso voc sabe disse Ford , eu salvei voc da Terra. E o que aconteceu com a Terra? Ah. Ela foi demolida. Ah, sei disse Arthur, controlado. Pois . Foi simplesmente vaporizada. Escute disse Arthur , estou meio chateado com essa notcia.Ford franziu a testa, e pareceu estar pensando. , eu entendo disse, por fim. Eu entendo! gritou Arthur. Eu entendo!Ford ps-se de p num salto. Olhe para o livro insistiu ele. O qu? No entre em pnico. No estou entrando em pnico! Est, sim. Est bem, estou. O que voc quer que eu faa? Venha comigo e se divirta. A Galxia um barato. S que voc vai

    ter que pr esse peixe no ouvido. Que diabos voc quer dizer? perguntou Arthur, de modo bastante

    delicado, pensou ele.Ford mostrou-lhe um pequeno vidro que continha um peixinho

    amarelo, que nadava de um lado para o outro. Arthur olhou para ele,

  • sem entender. Queria que houvesse alguma coisa simples ecompreensvel para que ele pudesse se situar. Ele se sentiria melhor se,juntamente com a roupa de baixo dos dentrassis, as pilhas de colchesde Sqornshellous e o homem de Betelgeuse que lhe oferecia umpeixinho amarelo para colocar no ouvido, pudesse ver ao menos umpacotinho de flocos de milho. Mas ele no podia; logo, sentia-seperdido.

    De repente ouviu-se um rudo violento, vindo de um lugar que Arthurno conseguiu identificar. Ficou horrorizado com aquele barulho, queparecia um homem tentando gargarejar e lutar contra toda uma alcateiade lobos ao mesmo tempo.

    Pss! disse Ford. Escute, pode ser importante. Im... importante? o comandante da nave dando um aviso. Quer dizer que assim que os vogons falam? Escute! Mas eu no sei falar vogon! No precisa. s pr esse peixe no ouvido.Ford, com um gesto rpido, levou a mo ao ouvido de Arthur, que teve

    de repente a desagradvel sensao de que um peixe estava seenfiando em seu conduto auditivo. Horrorizado, ficou coando o ouvidopor uns instantes, mas aos poucos seu rosto foi assumindo umaexpresso maravilhada. Estava tendo uma experincia auditivaequivalente a ver uma representao de duas silhuetas negras e derepente passar a entend-la como um candelabro branco, ou de olharpara um monte de pontos coloridos e de repente ver neles o nmeroseis, o que significa que seu oculista vai cobrar uma nota preta paravoc trocar as lentes dos culos.

    Arthur continuava ouvindo aquela mistura de gritos e gargarejos, sque de repente aquilo de algum modo havia se tornado perfeitamenteinteligvel.

    Eis o que ele ouviu...

  • captulo 6

    Grito grito gargarejo grito gargarejo grito grito grito gargarejo gritogargarejo grito grito gargarejo gargarejo grito gargarejo gargarejogargarejo grito slurpt aaaaaaargh se divertindo. Repetindo mensagem.Aqui fala o comandante desta nave, por isso parem de fazer o queestiverem fazendo e prestem ateno. Em primeiro lugar, nossosinstrumentos acusam a presena de dois mochileiros a bordo. Oi,mochileiros, onde quer que estejam. Eu gostaria de deixar bem claroque vocs no so em absoluto bem-vindos a bordo. Eu trabalhei duropara chegar aonde estou hoje e no virei comandante de uma nave deconstruo vogon apenas pra servir de txi para aproveitadoresdegenerados. Enviei uma equipe de busca e assim que vocs foremencontrados sero expulsos da nave. Se tiverem muita sorte, lerei pravocs alguns dos meus poemas primeiro.

    Em segundo lugar, estamos prestes a saltar para o hiperespao eseguir rumo estrela de Barnard. Ao chegar l, vamos ficar na oficinadurante 72 horas para reparos e ningum sair da nave durante esseperodo. Repito: todas as licenas de desembarque esto canceladas.Acabo de sofrer uma desiluso amorosa. Logo, no quero ver ningumse divertindo. Fim da mensagem.

    O rudo cessou.Arthur constatou, envergonhado, que estava deitado no cho, todo

    encolhido, feito uma bola, com os braos apertados em torno da cabea.Sorriu, meio sem graa.

    Sujeito encantador disse ele. Gostaria de ter uma filha, s praproibir que ela se casasse com um deles...

    No seria preciso disse Ford. Os vogons tm menos sex appealque um desastre de carro. No, no se mexa acrescentou quandoArthur comeou a se esticar. melhor ficar assim mesmo para se

  • preparar pra entrar no hiperespao. uma sensao desagradvel,como uma bebida.

    O que h de desagradvel em uma bebida? Pergunte como um copo dgua se sente.Arthur pensou um pouco. Ford. Que ? O que que esse peixe est fazendo no meu ouvido? Est traduzindo pra voc. um peixe-babel. Consulte o livro, se

    quiser.Jogou o Guia do Mochileiro para Arthur e depois encolheu-se todo,

    em posio fetal, preparando-se para o salto para o hiperespao.Nesse instante, o crebro de Arthur se abriu em dois.Seus olhos viraram-se do avesso. Seus ps comearam a escorrer do

    topo do crnio.A cabine ao seu redor achatou-se, rodopiou, desapareceu, fazendo

    com que Arthur fosse chupado para dentro de seu prprio umbigo.Estavam passando pelo hiperespao.

    O peixe-babel, disse O Guia do Mochileiro das Galxias, baixinho, pequeno, amarelo e semelhante a uma sanguessuga, e provavelmente a criatura mais estranha em todo o Universo. Alimenta-sede energia mental, no daquele que o hospeda, mas das criaturas aoredor dele. Absorve todas as frequncias mentais inconscie