coleção compromisso é ação, volume 2 - coletânea de palestras e experiências

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Page 1: Coleção Compromisso é Ação, Volume 2 - Coletânea de Palestras e Experiências

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Coleção Compromisso é Ação

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Seminários Regionais 2003Programa Prefeito Amigo da CriançaColetânea de Palestras e Experiências

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DIRETORIA EXECUTIVADiretor-presidente: Rubens NavesDiretor Vice-presidente: Isa Maria GuaráDiretor-tesoureiro: Synésio Batista da CostaSuperintendente executiva: Sandra Amaral de Oliveira Faria

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃOPresidente: Carlos Antonio TilkianSecretário: Ismar LissnerMembros Efetivos: Aloísio Wolff, Audir Queixa Giovani, Carlos Rocha Ribeiro da Silva, Daniel Trevisan, Emerson Kapaz, Guilherme Peirão Leal, Hans Becker, José de Menezes Berenguer Neto, José Eduardo P. Pañella, Lourival Kiçula, Márcio Ponzini, Maria Ignês Bierrenbach, Natânia do Carmo Sequeira, Oded Grajew, Sérgio Mindlin e Therezinha FramMembros Suplentes: Antonio Carlos Ronca, João Nagano Junior e Ricardo Vacaro

CONSELHO FISCALMembros efetivos: José Francisco Gresenberg Neto, Mauro Antônio Ré e Vitor Aruk GarciaMembros suplentes: Alfredo Olisan Sette de Oliveira Santos, Érika Quesada Passos e Rubem Paulo Kipper

CONSELHO CONSULTIVOPresidente: Rosa Lúcia MoysesVice-presidente: Silvia Gomara DaffreMembros efetivos: Aldaíza Sposati, Aloísio Mercadante Oliva, Antônio Carlos Gomes da Costa, Araceli Martins Elman, Benedito Rodrigues dos Santos, Dalmo de Abreu Dallari, Edda Bomtempo, Helena M. Oliveira Yazbeck, Hélio Pereira Bicudo, Ilo Krugli, João Benedicto de Azevedo Marques, Joelmir Beting, Jorge Broide, Lélio Bentes Corrêa, Lídia Izecson de Carvalho, Magnólia Gripp Bastos, Mara Cardeal, Marcelo Pedroso Goulart, Maria Cecília C. Aranha Lima, Maria Cecília Ziliotto, Maria Cristina de Barros Carvalho, Maria Cristina S.M.

Capobianco, Maria de Lourdes Trassi Teixeira, Maria Machado Malta Campos, Marlova Jovchelovitch Noleto, Marta Silva Campos, Melanie Farkas, Munir Cury, Newton A. Paciulli Bryan, Norma Jorge Kyriakos, Oris de Oliveira, Pedro Dallari, Percival Caropreso, Rachel Gevertz, Ronald Kapaz, Ruth Rocha, Sandra Juliana Sinicco, Tatiana Belinky, Valdemar de Oliveira Neto e Vital Didonet

PROGRAMA PREFEITO AMIGO DA CRIANÇACoordenadora: Abigail Silvestre TorresEquipe: Adelaide Jóia, Ana Valim, Francisco Cesar Rodrigues, Ivone Silva, Mônica Takeda e Sílvia KawataColaboração: Raul de Carvalho (coordenador do PPAC até maio de 2005), José Carlos Bimbatte Júnior e Rosana Orlando

FICHA TÉCNICAEdição: Maria Pia ParenteRevisão: Verba Agência EditorialFotos: Arquivo Fundação Abrinq

(páginas 10; 52; 55; 56; 58; 70; 85)Fernanda Favaro (páginas 28; 87)Jonathan Nóbrega (páginas 12; 39; 48; 77)

Criação e diagramação: Bbox Design Impressão: LeografTiragem: 10 mil exemplares

ISBN-85-88060-19-1SP 08/2005

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SUMÁRIO

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .08

PARTE I Programa Prefeito Amigo da Criança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07

Gestão MunicipalOlhar a realidade e trabalhar usando as forças vivas do município são ações que produzem políticas e resultados consistentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12Diagnóstico social, a base para políticas públicas consistentes - Maria Luiza Mestriner . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13Políticas públicas, planejamento e gestão: os limites impostos às crianças e aos adolescentes - Ivan Jairo . . . 18Planejamento da atenção social - direitos, pobreza e políticas públicas – Carla Bronzo Ladeira . . . . . . . . . . . . . . . . 22Conectividade e horizontalidade: uma introdução às redes - Cássio Martinho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30Modelo de gestão para o acompanhamento de adolescentes inseridos em medidas socioeducativas de meio aberto - Beat Wehrle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40A cidade real, uma experiência de gestão participativa em Ponta Grossa, PR - Lenir A. M. da Silva . . . . . . . . . . . . . . 49Conselho Municipal de Betim, conhecimento da realidade, capacitação de conselheiros e mobilização da sociedade - Solange Bottaro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51Fazenda-escola Fundamar: construindo a identidade da escola do campo - Maria Lúcia P. Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

PARTE II

Atenção a situações de vulnerabilidadePara transformar o mundo, não bastam leis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58Gravidez na adolescência e políticas públicas- Silvia Cavasin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59Trabalho infantil e redes de proteção aos direitos das crianças e dos adolescentesMargaret Matos de Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62Lei 10097/00 - Lei de aprendizagem: profissionalização e inclusão social - Mariane Josviak . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67O adolescente e o ato infracional - Simone Gonçalves de Assis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71Gestão Municipal - execução das medidas socioeducativas - Rosemary Ferreira de Souza Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78São Carlos: crianças na Febem, nunca mais - Padre Agnaldo Soares Lima - SDB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80Cedeca Interlagos: por uma política social de atenção à juventude - Fábio Silvestre da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83Lua Nova: um novo olhar sobre a gravidez e a maternidade na adolescência - Raquel Barros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86Implementação de medidas socioeducativas em meio aberto no Município de São José do Rio Preto, SP - Maria Aparecida Trazzi Vernucci da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

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Apresentação

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Rubens Naves - Diretor-Presidente da Fundação Abrinq

Ao colocar a criança e o adolescente como prioridade absoluta na Constituição Federal de 1988, a sociedade brasileira almejou fazer o melhor para este importante segmento da população. A normatização de como fazer está no Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, que propõe diretrizes pelas quais as famílias, o Estado e a sociedade podem garantir a proteção integral das crianças e adolescentes: sua sobrevivência, desenvolvimento pessoal e social e sua integridade.

A Constituição, por sua vez, consolida o município como o local da garantia dos direitos do cidadão. O município deve investir na formulação e execução de políticas de saúde e educação, estratégias para o crescimento e desenvolvimento da população infanto-juvenil, oferecendo às famílias desprovidas de condições as possibilidades de cuidar de seus filhos – moradia, saneamento, emprego, alimentação e políticas de assistência social.

Por entender que o prefeito é a liderança desse processo, é que a Fundação Abrinq criou, em 1996, o Programa Prefeito Amigo da Criança, com o objetivo de mobilizar os gestores municipais a implementarem ações locais em favor da criança e do adolescente. Inspirou, também, o Programa a concepção de que a participação ativa da sociedade é fundamental para a constituição da esfera pública e democrática na gestão das políticas sociais.

Como parte das comemorações dos 15 anos da Fundação Abrinq, o PPAC lança a coleção Compromisso é Ação que é composta por três volumes. O Volume 1: “Guia Prefeito Amigo da Criança 2005 – 2008”orienta, passo a passo, a participação dos municípios nesta terceira versão do Programa. As outras duas são resultado da última versão, 2001 – 2004: Volume 2: “Seminários Regionais 2003 Programa Prefeito Amigo da Criança - Coletânea de Palestras e Experiências”–; Volume 3: “Gestão da Política da Infância e da Adolescência no Brasil – Programa Prefeito Amigo da Criança e as possibilidades de transformação”, com relatos das experiências PPAC e artigos de temas afins por reconhecidos profissionais que atuam como pesquisadores e/ou operadores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente em todo o país.

Com estas reflexões esperamos contribuir para o aprofundamento da cultura de gestão política, que queremos, cada vez mais, democrática e participativa, e para implementação de ações que melhorem efetivamente as condições de vida de nossas crianças e adolescentes nos municípios de todo o país.

Se o município é o lugar onde os problemas da infância e adolescência se apresentam, também é o lugar onde as respostas conjuntas devem acontecer.

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Introdução

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O PPAC tem por eixos a identificação, o acompanhamento, a sistematização e a divulgação de experiências de gestão e de implementação de programas desenvolvidos pelos municípios vinculados à Rede Prefeito Amigo da Criança. Para incentivar e dar visibilidade a esses municípios e iniciativas, foram instituídos o Prêmio e o Destaque Prefeito Amigo da Criança.

Neste sentido, ocorreram duas versões do Programa, que acompanha o mandato municipal. A primeira (1997-2000) teve a adesão de 821 prefeitos, com a avaliação e premiação de boas experiências.

Na segunda versão 2001-2004, o número de adesões saltou para 1542. O foco principal de atuação do PPAC no decorrer dessa gestão foi o acompanhamento e avaliação dos indicadores sociais e das políticas públicas voltadas à população infanto-juvenil, tendo em vista contribuir para que as gestões desenvolvessem iniciativas com efetividade na realidade local. Os gestores foram chamados a desenhar, de forma participativa e integrada, o diagnóstico da situação da infância e da adolescência em seu município e construir uma visão de futuro, estabelecendo metas e um plano de ação com as prioridades para quatro anos de sua gestão.

Para sua avaliação, os municípios responderam ao Mapa da Criança e do Adolescente, em três etapas. Na segunda etapa – Mapa 2002 – um conjunto de 499 municípios apresentou o que consideravam os programas estruturantes da política de proteção integral da criança e do adolescente em suas gestões.

Como resultado, está disponível em nosso site: www.fundabrinq.org.br/redeprefeitocrianca um banco de dados com 3.383 experiências municipais voltadas à infância e a adolescência, nas áreas da saúde, educação e assistência ssocial.

No final do processo, foram reconhecidos com o Selo e o Prêmio Prefeito Amigo da Criança 126 municípios, com destaque para Uruará/PA, Timon/MA, Goiânia/GO, Santo André/SP e Porto Alegre/RS.

Com o objetivo de capacitar as gestões municipais integradas à Rede Prefeito Amigo da Criança e os respectivos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA s), durante a versão 2001-2004, o PPAC realizou seminários em várias regiões do país, com temas relevantes do Sistema de Proteção à Criança e ao Adolescente.

Os seminários temáticos regionais, realizados em Betim/MG (dias 26, 27 e 28 de novembro), Blumenau/SC (dias 10, 11 e 12 de dezembro) e São Paulo/SP (dias 15 e 16 de dezembro), em 2003, contaram com a intermediação de especialistas em gestão de políticas públicas e da ciência social, bem como com a apresentação de experiências de diversas organizações que atuam na área da infância e adolescência no país.

O conteúdo das conferências feitas nos seminários é objeto desta publicação, que esperamos possa se constituir em subsídio e instrumento de capacitação aos novos gestores municipais que integram a Rede Prefeito Amigo da Criança.

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PARTE I

Gestão Municipal

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O lha r a rea l idade e traba lha r usando as forças vivas do município são ações que produzem polít icas e resultados consistentes

E s te ca p í t u l o a p re s e nta p a l e s t ras e re l a tos d e

e x p e r i ê n c i as , co m f o co n o s is te m a d e g e s tã o

m u n i c i p a l . M a r i a Lu i za M e s t r i n e r e I va n J a i ro J u n k e s

d ã o i n d i ca çõ e s d e co m o co ns t r u i r p o l í t i cas p ú b l i cas

co nsis te nte s , co m b as e e m u m p l a n e j a m e nto

e s t ra té g i co c r i a d o a p a r t i r d e d a d os d a re a l i d a d e .

Ca r l a B ro n zo re co m e n d a a t u a r n o ce n á r i o d a p o b re za e

d a e x c l us ã o p a ra m e l h o ra r a re a l i d a d e d as c r i a n ças

e d os j o v e ns e m si t u a çã o d e v u l n e ra b i l i d a d e s o c i a l .

Cássi o M a r t i n h o re a l ça a i m p o r tâ n c i a d e us a r

as f o rças v i vas d o m u n i c í p i o p a ra o t i m i za r os

re su l ta d os d as p o l í t i cas p ú b l i cas . B e a t We h r l e

d is co r re s o b re u m m o d e l o d e g e s tã o p a ra o

a co m p a n h a m e nto d e a d o l e s ce nte s i ns e r i d os e m

m e d i d as s o c i o e d u ca t i vas d e m e i o a b e r to .

N o b l o co d as e x p e r i ê n c i as , Le n i r M a i n a rd e s d a Si l va ,

S e c re tá r i a M u n i c i p a l d e A ssis tê n c i a S o c i a l d e

Po nta G ross a , m os t ra u m m o d e l o d e g e s tã o m u n i c i p a l

o r i e nta d o p e l as d e m a n d as d a p o p u l a çã o .

S o l a n g e B o t ta ro e nsi n a a co ns t r u i r u m Co ns e l h o d e

D i re i tos m o b i l i za d o r e a t u a nte , e M a r i a Lú c i a Cos ta ,

ass is te nte s o c i a l d a fa ze n d a - e s co l a Fu n d a m a r,

fa l a d o d e s a f i o q u e é co ns t r u i r u m a e s co l a d e q u a l i d a d e

n o ca m p o , co m o o l h a r n o co nte x to d a co m u n i d a d e .

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O diagnóstico social é efi ciente quando:

– Alcança a dimensão do subjetivo, do cultural, do valor ético.

– Considera os movimentos dinâmicos da sociedade.

– Considera a pluralidade de visões dos diversos atores sociais.

Diagnóstico social, a base para políticas públicas consistentes

O diagnóstico social é um tema fundamental na atualidade, sem o qual não se pode discutir gestão moderna de políticas públicas. Ele está na pauta das organizações governamentais e não governamentais empenhadas em implementar ações consistentes e efetivas para melhorar a qualidade de vida das crianças e dos adolescentes.

É o diagnóstico que determina se a atuação das organizações será pautada pela realidade, com propostas adequadas e viáveis, ou se ficará à mercê do acaso, sem qualquer controle sobre os resultados e impactos das ações empreendidas. O diagnóstico é fonte de conhecimento: levanta dados e informações, caracterizando problemas e necessidades, possibilita o estabelecimento de prioridades e permite a identificação de condições básicas para seu enfrentamento, potencializando a atuação, com otimização de energias, capacidades, insumos e recursos.É um instrumento norteador, indispensável para identificar objetivos, escolher metodologias e estratégias. E se desenvolvido de forma participativa, envolve a comunidade, democratiza o conhecimento e o processo de decisão, mobilizando adesões, parcerias e colaborações.

Conhecer a realidade é a base para construir políticas públicas consistentes e democráticas, com programas e projetos que respondam a necessidades e anseios básicos da população, e assim tenham continuidade e desdobramentos, com impactos positivos no grupo familiar, na comunidade e nos cidadãos.No entanto, é preciso ter uma visão estratégica e processual do diagnóstico, levando em conta que a realidade é dinâmica e se transforma continuamente.Não considerar que o contexto se altera e que há sempre novas possibilidades de cenários, é seguir os modelos

tradicionais de diagnóstico e planejamento, que são circunscritos e datados, ou seja, se restringem a um determinado momento e situação e, dessa forma, estão desatualizados. É importante, portanto, que o diagnóstico seja uma matriz que se completa e recicla periodicamente.

O diagnóstico também não pode caracterizar os problemas apenas nas suas quantificações e dados estatísticos sem alcançar suas dimensões subjetivas. De nada adianta dizer que há infração, que há um alto índice de crianças em situação de risco, se as causas, as relações que provocam esses problemas e os sentimentos neles envolvidos não forem conhecidos.É preciso alcançar a dimensão do subjetivo, do cultural, do valor ético.A existência de uma criança ociosa, por exemplo, tem um leque enorme de problemas correlatos. Ela está ociosa porque a mãe precisa trabalhar e não tem com quem deixá-la. O poder aquisitivo da família é baixo, razão pela qual a criança não pode ter acesso a clubes, esportes, atividades culturais ou cursos de línguas. O diagnóstico deve apurar essa situação.

Via de regra, o diagnóstico é feito de forma fragmentada, por setores e áreas políticas, como se cada um deles tivesse uma problemática exclusiva. A saúde tem seus problemas de mortalidade infantil, mortalidade materna e desnutrição. A educação tem seus problemas de distorção idade-série, evasão e mau desempenho escolar. A assistência social tem as dificuldades da vulnerabilidade econômica e comportamental das famílias. Entretanto, essas questões sociais têm causas que são transversais a todas as áreas. A tendência de compartimentalizar ações

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e confrontar problemas como se eles fossem exclusividade de cada área política é um vício bastante comum, que tem dificultado o alcance da intervenção social.O diagnóstico não pode parar a realidade nem fragmentá-la.

Hoje, as mudanças acontecem com uma rapidez inimaginável. Avanços tecnológicos permitem entrar em

redes mundiais e se comunicar com culturas absolutamente diferentes, o que leva a mudanças de paradigmas e valores. A transformação produtiva mudou as relações de trabalho, de produção e consumo, criando uma nova sociabilidade. Vive-se em uma complexidade social que está produzindo efeitos poderosos sobre as pessoas, os

grupos e a sociedade.Por isso, o diagnóstico não pode ser circunscrito, datado, parado no tempo, nem segmentado.O diagnóstico social tem que considerar a globalidade da questão social e os movimentos da sociedade.

O fato de a Constituição garantir que é dever do Estado prestar atendimento nas áreas da saúde, educação e assistência social, e considerar o cidadão como sujeito desses direitos, exige um novo padrão de gestão das políticas. Não é mais possível fazer coisas irrelevantes, inadequadas, desperdiçando recursos em questões pouco consistentes. É preciso ter uma atuação capaz de produzir impactos e resultados eficientes e efetivos.Há que se considerar também a escassez de recursos para a implementação de políticas públicas e o enxugamento do Estado, em contraposição aos avanços tecnológicos, que exigem uma sofisticação e uma competência para a qual o Estado não está preparado.

A descentralização administrativa, a democratização das políticas e a participação da sociedade civil trouxeram o fortalecimento do terceiro setor e um leque de novos atores sociais atuantes, deliberantes e controladores das políticas públicas. Isso significa que há uma grande diversidade de tendências, tanto na análise dos problemas, como nas possibilidades alternativas de estratégias e intervenções. Assim, hoje, o diagnóstico ficou ainda mais complexo porque tem que contemplar esse pluralismo de tendências e visões da realidade na hora de analisar dados e fatos. É ingenuidade uma prefeitura, uma secretaria da assistência, da saúde, ou da educação, achar que há uma maneira única de ver a realidade e interpretar dados e informações.

De acordo com a ideologia, o partido político, as experiências acumuladas, a formação escolar, as pessoas têm diversas maneiras de ver a realidade. Se essas visões diversificadas não forem incorporadas no diagnóstico, certamente haverá muito mais resistência, ou oposição, do que poderes e forças coesas aglutinadas a favor do projeto. O diagnóstico é fundamental nesse sentido, enquanto instrumento estratégico de arregimentação de forças e adesões. O diagnóstico social é um instrumento especialmente político, pois permite o exercício da democracia. É um espaço de iniciativas pluralistas e de criação de uma força coesa. É a matriz básica de investigação e exploração de dados e informações que subsidia continuamente o processo de intervenção. Permite embasar o planejamento, a execução e a avaliação de resultados e impactos de um projeto. É um instrumento fantástico de monitoramento para a correção contínua de rotas. Por isso deve ser f luído, f lexível, atualizado e reciclado.Segundo John Fridman (apud Matus, 1985), o diagnóstico é fundamental porque é a mediação entre o conhecer e o agir. Se a ação se der sem conhecimento, o agir acontece sem fundamentação, com todas as chances de

De acordo com a ideologia, o partido político, as experiências

acumuladas e a formação escolar, as pessoas têm diversas

maneiras de ver a realidade. Quando essas visões são

compatibilizadas no diagnóstico, ele se torna um instrumento

estratégico de arregimentação de forças e adesões.

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fracasso ou de não obter efetividade. Quando as prefeituras e as instituições só olham para si próprias e não consideram o que a comunidade pensa dos projetos e programas instituídos, é grande a probabilidade desses projetos sucumbirem por falta de estratégias adequadas. Nesse caso, o diagnóstico também contribui para medir o nível de reconhecimento público das instituições.

Com a Constituição de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) houve grande avanço no sistema de gestão das políticas. No entanto, essas políticas pouco mudaram em termos metodológicos e operacionais. As técnicas, os instrumentos e métodos são os mesmos de sempre, com nenhuma criatividade. Por isso, é fundamental melhorar as formas de intervenção. Hoje, a grande possibilidade de inovar na intervenção social, está na realização de bons diagnósticos e planejamentos. Somente conhecendo a fundo a problemática social e sua causalidade, é possível formular estratégias e intervenções inovadoras.

Outra questão fundamental, é que o diagnóstico estabelece o pano de fundo, a referência básica para a avaliação. Ou seja, permite comparar a situação obtida após a intervenção com a que existia antes dela. O que mudou? Quais foram os ganhos? Que alterações de comportamento e atitudes ocorreram, que resultados alteraram a realidade dos usuários, da família e da comunidade?O diagnóstico permite assim, uma boa avaliação de resultados e impactos, pois estabelece as bases para a comparação. Se não há conhecimento de como era a situação das crianças e dos adolescentes antes dos projetos, como identificar as mudanças e os ganhos posteriores?

O diagnóstico possibilita ainda a criação da cultura do registro, da documentação, do relato, do banco de dados, sendo um instrumento altamente pedagógico. Não é só o usuário de um projeto que ganha com uma ação bem planejada, mas também os técnicos, os seus realizadores, pois acumulam experiência e constroem conhecimento.

Finalmente, o diagnóstico permite atender um problema específico, sem perder de vista o contexto todo da questão social. Uma coisa é trabalhar com uma criança desnutrida, achando que esse é um problema só dela. Outra é buscar a origem da desnutrição e vê-la como questão coletiva. Qual é a cultura alimentar dessa família e do seu grupo social? Qual é o poder aquisitivo dessa comunidade em termos alimentícios? Esses dados permitirão atuar com foco na desnutrição infantil, mas com outra abrangência, centrada na articulação entre programas, para todas as demandas correlatas que essa necessidade específica traz.É fundamental também, entender que essas problemáticas adquirem um novo perfil a cada nova conjuntura. Hoje, por exemplo, não se pode trabalhar a desnutrição como se trabalhava há vinte anos.

É preciso olhar a demanda

e os serviços existentes

Na prática, quanto mais atores forem envolvidos na construção do diagnóstico, melhor. Devem participar o executivo, o legislativo, o judiciário e as forças vivas da sociedade – das organizações não governamentais (ONGs), comunidades e movimentos populares. É importantecuidar para que a participação não se restrinja às lideranças já evidenciadas, para não correr o risco de se pautar em visões tendenciosas, e atender a interesses corporativos.Também devem integrar o diagnóstico, os dados já coletados pelas secretarias de uma prefeitura, por exemplo.

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Normalmente, esses dados existem e não são compartilhados. É fundamental abrir as gavetas da prefeitura, dos organismos estaduais e federais que estão sediados nos municípios, das ONGs e coletar o máximo de informações possíveis para serem analisadas.Nesse processo coletivo, é importante envolver os conselhos setoriais, que têm o papel específico de propor e controlar as políticas.

O diagnóstico deve considerar dois lados da realidade. Um deles é o das demandas, necessidades e problemas da população. O outro consiste em mapear quais são os serviços existentes para atender a essas demandas. Qual é o conjunto de serviços públicos, privados, estatais ou do terceiro setor que trabalham com a criança e o adolescente? É necessário levantar os índices numéricos e entender o sistema de relacionamento social implícito nas questões. Ir ao encontro de motivações, interesses, sonhos, aspirações, desejos e ansiedades é uma estratégica capaz de sensibilizar as pessoas. Para isso, é necessário conhecer os mitos, as crenças, a religiosidade, os valores e as culturas para tocar efetivamente os beneficiários dos programas, com vista à sua própria inclusão.

O diagnóstico é um processo

de pesquisa, escuta e debate

Atualmente, não há condições de se fazer uma pesquisa universal, ou seja, ir de casa em casa com um questionário enorme. Há dados secundários disponíveis junto às secretarias da saúde, educação, assistência social, obras e transporte. Existem bancos de dados com informações de municípios, tais como Seade, IBGE, Emplasa. O que falta é apropriação das informações, interpretação ecorrelação entre todos os dados existentes.Somente em casos muito pontuais deve-se recorrer ao levantamento de dados primários. Por exemplo, quando se quer saber qual é o número de crianças que dormem

e trabalham na rua, ou qual é o índice de segmentos infanto-juvenis prostituídos no município, podemos realizar pesquisas universais ou por amostragem, norteando esse foco específico.

No diagnóstico social, também é importante ouvir depoimentos das pessoas mais antigas da comunidade e de pessoas-chave, que podem dar visões representativas do senso comum e do imaginário coletivo, sobre a problemática vivida pela comunidade. O importante é cruzar todos os dados levantados, interpretá-los e compará-los entre si, usando índices de desenvolvimento humano, de pobreza humana, de qualidade de vida e outros que estiverem disponíveis.

Nos municípios de médio e grande porte, o diagnóstico pode ser dividido por micro territórios, identificando-se a problemática de cada bairro ou a demanda de cada faixa etária. É fácil localizar em um mapa os vários bairros, cruzando as demandas da população com as redes de serviços existentes. A problemática pode ser representada graficamente por símbolos, para melhor visualização e entendimento das pessoas.O diagnóstico social, portanto, não se faz de modo isolado, mas por meio de um processo de debate e de discussão. Não se faz só com profissionais, mas com a participação contínua das comunidades, dos bairros e das regiões. Este é o plus do diagnóstico social. Ao mesmo tempo em que se discutem os problemas com a população, discutem-se as prioridades, urgências, emergências,alternativas; e a responsabilidade do Estado (nas suas várias instâncias), das organizações populares, definindo-se os papéis e os tipos de parcerias possíveis.Ainda que atender aos direitos seja atribuição do Estado, a sociedade civil tem um papel preponderante na definição, priorização e no controle social. Portanto, a busca de maior competência cabe a todos os pólos envolvidos.

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Ação intersetorial inova

nas políticas públicas

Hoje, os municípios que estão avançando, criam uma câmara de desenvolvimento social, ou câmara intersetorial, possibilitando que as áreas da assistência, saúde, educação, cultura e outras comecem a discutir problemas comuns. Pode-se realizar capacitações conjuntas para agentes sociais, fazer diagnósticos e planejamentos únicos ou integrados. Não há necessidade de cada área fazer seu próprio diagnóstico. Pode-se realizar eventos, campanhas, seminários, fóruns e conferências em conjunto. A área da criança privilegia essa integração. Um bom começo para redirecionar uma ação é começar a discuti-la intersetorialmente, tentando realizá-la com mais globalidade e abrangência. Pode-se assim, ir às causas e não ficar só nos efeitos. Vale citar como exemplo o município de Santo André, em São Paulo que, a partir de um bom diagnóstico, passou a executar uma ação descentralizada.

Os projetos foram integrados em um programa guarda-chuva, com eixos aglutinadores, que permitem, por exemplo, atender a mãe e a criança, capacitar o pai e encaminhá-lo para um emprego.Projetos interligados levam a melhoria da renda familiar, ampliam o universo de conhecimento dos familiares, fazem os pais se envolverem de fato com a educação da criança, com seu desenvolvimento emocional, cultural e informacional. Dessa forma, a ação se torna o mais abrangente possível. Na questão das drogas, por exemplo, que se apresenta mais complicada, é preciso conhecer o problema específico do município – se é ponto de tráfico; quais são as forças envolvidas; como é a atuação da polícia na questão da drogadição; como é o aliciamento; qual é a atuação das escolas no controle do problema. É preciso também ter uma visão abrangente. Não adianta trabalhar somente as crianças e os adolescentes, culpabilizando-os. É importante analisar as variáveis da questão que são controláveis e as incontroláveis, saber até onde o

projeto pode lidar com o problema e quais as áreas de políticas que devem ser envolvidas. Outra questão é a necessidade de ter uma rede especializada para a recuperação de drogados. Uma cidade que tem essa preocupação e esse problema precisa se organizar no sentido preventivo. Porque a recuperação implica custos, é complexa, depende de centros de referências, de clínicas e profissionais especializados. O que alguns municípios estão fazendo no estado de São Paulo é criar equipamentos regionalizados, porque nem todo município pequeno tem um índice tão alto de demandas, que justifique ter equipamentos especializados. Regionalmente, em consórcios, os municípios podem se apoiar.É importante ref letir que se uma cidade pequena já tem esse problema é sinal de que não investiu na prevenção, não trabalhou o potencial das crianças, não ativou seus talentos, dons, suas habilidades, encaminhando-as positivamente. O município se omitiu na implementação de programas consistentes de lazer, atividades culturais, esportivas, que são mediações insubstituíveis para a educação e desenvolvimento das crianças.

Sobre a palestrante

Maria Luiza Mestriner é assistente social, pesquisadora do Instituto de Estudos Especiais da PUC-São Paulo e consultora em Gestão Social. Essa palestra foi proferida durante o Seminário de Betim, MG.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAPTISTA, M. V. Planejamento social – Intencionalidade e instrumentação. 2ª edição. São Paulo: Veras Editora, 2002.MATUS, C. Planejamento, liberdade e conf lito. Caracas: Ed. Veplan, 1985.MATUS, C.Política, planejamento e governo. Brasília: Ipea, 1993

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Seria muito interessante averiguar quantos cidadãos sabem qual é a participação

das políticas para infância nos conteúdos programáticos dos

partidos de nossos governantes municipais. (...) Entre os dez

maiores partidos constituídos no país, apenas três têm algumas

propostas para a infância.

Políticas públicas, planejamento e gestão: os limites impostos às crianças e aos adolescentes

São muitos os limites impostos aos jovens em formação, neste início do século XXI, relacionados à construção do seu futuro. Os principais referem-se às condições de trabalho e renda, estabelecidas pelo atual sistema produtivo e pela ineficiência das políticas públicas.

Fruto de uma organização social competitiva e excludente, o atual sistema produtivo gera descartes humanos em escala exponencial, transformando o sonho da ampla empregabilidade em mera utopia. A sociedade industrial e pós-industrial esgotou irreversivelmente sua capacidade de gerar postos de trabalho para absorver os jovens em formação. A principal função do Estado capitalista, a de incluir seus cidadãos nas relações mercantis garantindo os investimentos produtivos e a regulamentação trabalhista, é insuficiente para enfrentar esses problemas, principalmente quando se considera o enorme contingente de jovens que estão chegando à idade produtiva.Configura-se, assim, um grande limite para as instituições públicas e seus gestores responderem satisfatoriamente aos cidadãos em crescimento. Essa é a primeira condição estrutural a ser observada no momento de ref letir sobre o planejamento e sobre a gestão de políticas públicas voltadas ao futuro de nossas crianças e nossos adolescentes.

Uma visão crítica das

atuais gestões municipais

Como alterar a desumanização promovida pelo sistema produtivo e pelas próprias políticas públicas? Qual é o papel do gestor público municipal na construção de um futuro melhor para as crianças e os adolescentes?

Que recursos técnicos têm sido desenvolvidos para ampliar a capacidade de gestão pública?A maioria dos gestores públicos apresenta baixa capacidade de gestão para recriar qualquer coisa, uma vez que suas ações estão limitadas à improvisação e ao amadorismo gerencial da boa vontade política. Tal afirmação pode ser verificada na própria agenda dos prefeitos. Ao consultar os registros das atividades realizadas pelos gestores municipais constata-se a prioridade conferida ao imediatismo, em detrimento dos compromissos que contemplam projetos de médio e longo prazo. Tal prática reduz progressivamente a capacidade pública de promoção e regulação das relações sociais, concedendo aos grupos para-governamentais o destino das ações do governo local.

Um dos fatores determinantes desse amadorismo nas práticas de gestão pública é a fragilidade dos programas partidários e do programa de governo que regem, ou deveriam reger, os mandatos dos prefeitos. O conteúdo programático dos partidos aos quais pertencem os candidatos raramente é explicitado em campanha e os programas de governo apresentados à população geralmente são elaborados por um pequeno grupo de militantes, têm uma linguagem hermética e apresentam medidas eleitoreiras de curto ou médio prazo. É assim que se constituem os pilares de uma gestão inconsistente.Sem propostas de médio e longo prazo, formuladas coletivamente e assumidas publicamente, qualquer governante torna-se alvo fácil da rotina burocrática e dos grupos para-governamentais que assaltam o poder municipal com seus interesses específicos. E, assim, pouco se consegue avançar além do populismo clássico que

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tende a perpetuar o ciclo de miséria que tanto afeta as crianças e os adolescentes em nossos municípios.Seria muito interessante averiguar quantos cidadãos sabem qual é a participação das políticas para infância nos conteúdos programáticos dos partidos aos quais nossos governantes municipais são filiados. O quadro é dos mais lamentáveis, pois entre os dez maiores partidos constituídos no país, apenas três têm algumas propostas para a infância. Talvez, porque criança não vota e merece ser tratada apenas como problema de segurança pública ou objeto do populismo medíocre que impera nas políticas municipais de assistência social.Também caberia perguntar quantas pessoas lembram das políticas para a infância presentes no programa de governo de seu candidato nas últimas eleições. Muito provavelmente, tal conteúdo ficou restrito a um pequeno número de intelectuais orgânicos e à equipe

de marketing da campanha. O que resta na memória popular é o candidato com uma criança no colo, as promessas de creche, de hospital infantil, as propostas para institucionalização dos pedintes ou infratores e as eventuais campanhas de donativos para as crianças.Outro fator que impõe o imediatismo na administração

municipal é a débil capacitação dos grupos gestores para elaboração e gestão de um plano de governo1. Isso ocorre porque as práticas político-partidárias no país estão concentradas para vencer eleições e pouco se preocupam com a efetividade das políticas voltadas para as áreas sociais.Há muitas outras perguntas cabíveis: em quantas administrações o grupo gestor elaborou um plano de ação

de longo prazo e o fez em debate com as organizações sociais? Em quantas prefeituras verifica-se uma gestão sistemática dos projetos declarados como prioritários para a gestão? Em quantas prefeituras a prestação de contas para a população vai além das audiências públicas formais realizadas na Câmara de Vereadores e das vergonhosas campanhas de marketing político realizadas através dos jornais corrompidos para tal fim?

Muitos outros fatores devem ser considerados para responder essas questões e são determinantes da baixa capacidade de governo. Entre eles, encontram-se o vício de contratar pessoal sem concurso público, a péssima capacitação proporcionada aos servidores, a baixa remuneração dos quadros de pessoal, os sistemas de informação precários e o patrimônio sucateado ou dilapidado por elevadas dívidas. Contudo, gostaria de ref letir ainda sobre um último fator de fragilização das gestões públicas: o determinismo medíocre que rege o monitoramento das ações estratégicas.Os sistemas de petição e prestação de contas vigentes nas prefeituras podem ser considerados de baixíssima responsabilização, pois acumulam uma aguda desconexão entre demanda, análise, decisão e cobrança dos compromissos assumidos. Raramente, reuniões de secretariado são acompanhadas de uma análise de cenários, na qual os principais agentes sociais são monitorados em suas ações e o prefeito tem a seu alcance um balanço dos compromissos assumidos nos encontros anteriores e uma análise da relação produto-resultado da ação do seu grupo gestor. Sem cálculo sistemático de probabilidades e elaboração de alternativas,

Ao assumir o mandato, um dos grandes desafi os do

grupo gestor deveria ser elaborar coletivamente um contrato

que fosse assumido por todo o grupo. (...) quando isso não acontece, mesmo a

soma de bons talentos e alguns sucessos acaba resultando em

um fracasso coletivo.

(...) após quatro anos dedicados ao voluntarismo

político, muitas vezes perde-se a representação

popular. Os eleitores alertam para a necessidade de

apurarmos nossos métodos de gestão e tratarmos a política

como uma arte e uma ciência muito exigente.

1 P r o g r a m a d e G o v e r n o é o c o n j u n t o d a s p r o p o s t a s a p r e s e n t a d a s p e l o p a r t i d o o u c o l i g a ç ã o d u r a n t e o p r o c e s s o e l e i t o r a l . P l a n o d e G o v e r n o é o c o n j u n t o d e p r o g r a m a s e p r o j e t o s s i s t e m a t i z a d o s p e l o g r u p o g e s t o r p a r a a g e s t ã o q u a d r i a n u a l .

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os gestores, e a maioria de sua equipe, ficam reféns de informações viciadas e propostas tendenciosas cujo alcance não corresponde às necessidades históricas de nossas comunidades.Finalmente, após quatro anos dedicados ao voluntarismo político, muitas vezes perde-se a representação popular. Assim os eleitores alertam para a necessidade de apurarmos nossos métodos de gestão e desenvolvermos a política como uma arte e uma ciência muito exigente. Felizmente, nas prefeituras premiadas pela Fundação Abrinq, foram encontradas práticas de gestão e projetos sistemáticos dedicados às crianças e aos adolescentes. São bons exemplos a serem seguidos e ampliados para as demais áreas de governo.

Indicações para construir

um novo modelo de gestão

Para romper os ciclos de baixa efetividade na gestão pública, de reprodução e perpetuação da miséria, são necessários recursos avançados de cálculo estratégico. O planejamento se estabelece como a principal ferramenta de gestão para os grupos políticos.Antes de tudo, é necessário destacar que a qualidade das proposições de um governo depende decisivamente da qualidade das informações disponíveis. São necessárias séries históricas confiáveis, pesquisas atuais, confiabilidade das fontes de dados e das avaliações. Quando se inicia um trabalho de planejamento, é muito importante que os membros do grupo se abstenham dos “acho que” e “ouvi falar que”. Tais posturas só contribuem para tornar as avaliações iniciais frágeis e imprecisas. Caso os dados disponíveis sejam inconsistentes, o melhor a fazer é suspender os trabalhos e qualificar as informações.Mas para que um planejamento possa ser considerado estratégico não bastam informações precisas de um único ponto de vista, é fundamental que o levantamento situacional contemple as visões de todos os atores, sejam

eles adversários ou aliados do governo. Desse modo, assume-se que são muitas as explicações possíveis da realidade, assim como são inúmeras as possibilidades de transformá-la. Reconhecer as condições de disputa e influência dos parceiros e dos adversários permite produzir um planejamento estratégico de alta resolubilidade. A segunda indicação refere-se a “o quê fazer”. É o eterno dilema entre ceder às vontades do fisiologismo político ou corresponder ao imperativo das necessidades históricas acumuladas no cotidiano das nossas comunidades. Geralmente as demandas imediatas e pulverizadas são as escolhas mais fáceis, entretanto são insuficientes para marcar positivamente a passagem de um grupo político pelo governo municipal. Nossa contribuição inovadora para o futuro de nossas crianças e nossos adolescentes implica a opção por um planejamento baseado no enfrentamento e na resolução dos problemas dessa população.

Para elaborar propostas criativas nesse sentido, é importante estudar a viabilidade técnica e política dos nossos planos, fazendo um cálculo prévio de tempo, responsabilidades, recursos necessários, oportunidades, adversidades e ações contingenciais, e então definir a intensidade e a cadência dos passos rumo aos resultados esperados. Ter clareza sobre a situação e sobre a própria capacidade de atuar para transformá-la é a condição principal para elaborar projetos criativos e capazes de gerar impactos.

Quatro indicações para construir um

planejamento estratégico de alta resolubilidade:

1.Fazer um levantamento da situação que contemple as visões de todos os atores, aliados e adversários, e que trabalhe com fontes confi áveis de dados.

2. Optar por um planejamento baseado no enfrentamento e na resolução de problemas, em contraposição ao fi siologismo.

3. Estudar a viabilidade técnica e política das propostas de ação, considerando os impactos sobre todos os atores do contexto social.

4. Elaborar um sistema de petição e prestação de contas capaz de garantir a execução do plano, seu monitoramento e avaliação.

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O próximo passo exige o cálculo dos interesses em jogo, portanto considerar a presença do outro é a terceira indicação. É importante levar em conta que cada novo movimento sempre provoca complexas reações por parte dos aliados e dos adversários do governo. Tal formulação parece óbvia, mas é freqüentemente negligenciada pelos gestores que, não raro, agem como se estivessem sozinhos, ditando todas as regras. O alerta para a inf luência exercida pelos demais atores do contexto social muitas vezes é percebido muito tardiamente, quando a derrota já não é reversível.Do cálculo é preciso avançar para o gerenciamento tático-operacional, por meio do desenho dos cenários e acompanhamento de atores relevantes para o plano em questão. Conjugando ambos os recursos pode-se elaborar cálculos de riscos e estabelecer rotas de fuga, também chamadas de contingenciamento tático, para os momentos de maior ameaça ou pressão.

A quarta e última indicação refere-se ao sistema de petição e prestação de contas, que possibilita conferir os devidos méritos e aplicar as necessárias punições para garantir a execução do plano. Nesse momento revela-se toda a importância de estabelecer um contrato objetivo quando se elabora um plano. É necessário que os prazos estejam claramente definidos e sejam assumidos por todo o grupo, que os recursos necessários para a realização de cada operação estejam orçados e disponíveis, e que a relação produto/resultado esteja estabelecida como parâmetro de avaliação. Sem essas condições torna-se inviável o gerenciamento sistemático do plano e as velhas práticas de centralização tornam-se a única saída para evitar um término caótico da gestão municipal.Voltando às perguntas iniciais: qual é o papel dos gestores locais para estimular crianças e adolescentes à recriação da política? Os municípios continuarão se

submetendo a replicação de políticas compensatórias para o alívio temporário dos conf litos gerados pelo atual sistema produtivo? Ou se empenharão em desenvolver políticas sistemáticas de enfrentamento dos maiores problemas que vivemos? Para enfrentarmos de frente nossas mazelas, e incentivarmos nossas crianças a desafiarem os limites a elas impostos, é imperativo considerarmos seriamente a necessidade de aprimorarmos nossas técnicas de gestão pública, comprometendo-as com a construção de um futuro melhor para as crianças e os adolescentes, reconhecendo a ambos “como sujeitos de suas próprias histórias e com o direito de viver com dignidade, respeito e liberdade”2.

Sobre o palestrante

Ivan Jairo Junckes é doutor em sociologia política e consultor-associado da Trajeto Planejamento Estratégico. Essa palestra foi proferida durante o Seminário de Blumenau,SC.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRIGHI, G. O longo século XX. Rio de Janeiro/São Paulo: Contraponto/Unesp, 1996.BROSE, M. Metodologia participativa. Porto Alegre: Editora Tomo, 2001.CASTELLS, M. A Sociedade em rede.São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999.HARDT, M. & NEGRI, A. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001.MATUS, C. Política, planejamento e governo. Brasília: Ipea, 1993MATUS, C. Estratégias políticas: chimpanzé, Maquiavel e Gandhi. São Paulo: Editora Fundap, 1996.OFFE, C. Capitalismo desorganizado. São Paulo: Brasiliense, 1994.

2 Tr e c h o e x t r a í d o d a m i s s ã o d a F u n d a ç ã o A b r i n q .

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Planejamento da atenção social – direitos, pobreza e políticas públicas

Crianças e jovens em situação de risco e vulnerabilidade é um termo usado para designar situações muito diferenciadas: crianças e adolescentes que trabalham, que são vítimas de violência e abuso sexual, abandonadas ou em situação de rua, em conf lito com a lei, em situação de doença crônica, dentre outras situações possíveis. São realidades distintas, mas interligadas. Cada tipo de vulnerabilidade demanda um atendimento específico: lidar com uma criança vítima de violência doméstica ou sexual é diferente de lidar com aquelas que estão em situação de trabalho infantil. Mas pode-se dizer que há algo em comum entre elas: o cenário de pobreza e exclusão no qual essas situações se desenvolvem.É importante ter isso em mente ao formular um projeto que busca garantir direitos para grupos nessas condições. Dada a realidade socioeconômica do Brasil, não é possível garantir direitos sem atuar sobre a pobreza e a exclusão social. Esse é um ponto importante e será o eixo dessa exposição. Não existe uma situação de vulnerabilidade isolada, mas um conjunto de vulnerabilidades que se reforçam mutuamente: baixa renda, condições precárias de moradia, desemprego e subemprego, mães chefes de família com baixa escolaridade, baixo acesso a bens e serviços sociais. Todos são elementos de uma mesma realidade e devem ser vistos em suas complexas interações para que se possa definir uma estratégia de ação para combater o problema.

Além de ter ciência das múltiplas faces da pobreza, é preciso estar atento aos seus mecanismos de perpetuação: a interação entre diversos vetores, contextos e condições, que reproduzem a pobreza ao longo das gerações e caracterizam a pobreza crônica. Dentre o grupo de pobres, existem aqueles que constituem o núcleo duro da pobreza. Para essas pessoas,

não basta oferecer bens de serviços, sendo necessário um atendimento muito específico, pois trata-se de uma situação de pobreza que perpassa gerações e que está interligada em várias dimensões. É o caso do jovem que precisa começar a trabalhar e sai da escola antes de terminá-la. Nessas condições, geralmente ele consegue trabalhos precários, com remuneração baixa e sem muitas perspectivas de futuro, isso acaba reforçando o ciclo da pobreza. Como fazer para transformar esse círculo vicioso num círculo virtuoso de autonomia e superação da pobreza? Esse é o grande desafio: abordar situações específicas com a visão de um contexto mais amplo, buscando alterar o cenário de pobreza extrema.

Há muitas questões que devem ser consideradas ao se planejar ações visando garantir direitos. A primeira delas refere-se à complexidade do objeto da intervenção. A segunda está relacionada ao tema da pobreza e da exclusão, condição que fragiliza a garantia de direitos. Finalmente, é preciso considerar as implicações desses pontos para o desenho de estratégias de intervenção, salientando os elementos que têm sido apontados como potencializadores do fim da condição de exclusão social.

A complexidade dos problemas

e programas sociais

José Sulbrandt sistematizou os elementos característicos dos problemas e programas sociais. Um ponto central refere-se à noção de complexidade dos problemas sociais. Há uma multiplicidade de causas e fenômenos de diversas naturezas que se combinam para produzir determinados problemas sociais. Há fatores sociais, econômicos, familiares, individuais e culturais em interação, dificultando a identificação das causas predominantes ou mais relevantes para explicar a produção de um eterminado problema, o que remete à multicausalidade dos problemas sociais.

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O desconhecimento do problema leva à ambigüidade no estabelecimento de objetivos

e metas. (...) O ponto de partida para a formulação da

ação é o conhecimento mais preciso do problema.

Planejar uma intervenção implica em defi nir procedimentos

de avaliação e sistematização das experiências, para criar conhecimento e diminuir a

fragilidade das metodologias.

Para planejar uma intervenção, o primeiro passo consiste em definir melhor o problema. O fato de existirem múltiplas causas e a dificuldade de identificar claramente as relações de causa e efeito têm um impacto profundo na formulação de propostas de intervenção.

O desconhecimento do problema leva à ambigüidade no estabelecimento de objetivos e metas, não permitindo

definir, ao certo, aonde se quer chegar com a intervenção. Tem-se uma tendência para buscar objetivos múltiplos, intervenções que sejam capazes de aumentar a auto-estima, combater o trabalho infantil, melhorar a condição da família, tudo ao mesmo

tempo. Pretende-se alcançar um conjunto de resultados diversos com o mesmo projeto. O ponto de partida para a formulação da ação é o conhecimento mais preciso do problema. É necessário ter clareza quanto a isso.

Além da multicausalidade e da ambigüidade no estabelecimento de metas, outro ponto importante é que nas intervenções sociais não se sabe ao certo o que fazer para resolver um problema. O que determina a entrada de uma menina no mundo da prostituição? O que é necessário e suficiente fazer para reverter essa condição? Quando se lida com determinados tipos de projetos nos quais não se tem um conhecimento sistematizado tanto das causas quanto dos efeitos buscados com cadaação, trabalha-se por tentativa e erro, com base em hipóteses e suposições, mais do que com base em certezas. É o que se hama da tecnologia branda na área social. As bases explicativas dos problemas são frágeis e não há clareza quanto aos resultados das intervenções.O que é necessário fazer para alterar um padrão de

convivência social, uma situação de violência sexual ou familiar? A resposta não é simples. Na área ambiental, por exemplo, é fácil perceber que para combater a poluição das águas é preciso parar de jogar esgoto no rio. Na área social, as soluções nunca são tão claras. Na verdade, não existe conhecimento válido e absoluto, não há suficientes estudos e avaliações que mostrem que para alcançar determinado resultado, há alguns caminhos que são mais promissores do que outros. Esse é um ponto importante. Planejar uma intervenção implica em criar procedimentos de avaliação e sistematização das experiências, exatamente para criar conhecimento e diminuir a fragilidade das metodologias.

Existem ainda fatores de outra natureza, que dizem respeito à organização e ao ambiente social e político no qual os projetos são desenvolvidos. No contexto de um projeto social há um conjunto de diferentes instituições atuando: secretarias, conselhos, ONGs parceiras, agências financiadoras, governos estadual e federal, associações comunitárias e religiosas, entre outras. Essa multiplicidade de organizações envolvidas coloca desafios para quem está formulando e gerindo o programa. É preciso negociar mais, considerar prazos maiores para fechar uma proposta e levar em conta as diversas visões, valores e interesses de cada ator.No caso de um adolescente infrator, por exemplo, um membro da igreja poderá recomendar a prática de uma atividade espiritual ou religiosa para solucionar o problema da ressocialização. Já uma instituição laica, poderá dizer que melhorar a renda da família é a condição para reestruturar o grupo familiar como unidade acolhedora do adolescente infrator. Essa multiplicidade de interesses e visões, dado o conjunto de

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Não se pode desconsiderar esses agentes – o cantineiro da escola, a enfermeira do posto de saúde que aplica a vacina,

o monitor que está com o adolescente infrator, o técnico

que visita a família –, pois são eles de fato que traduzem

as intenções do programa.

instituições envolvidas no desenvolvimento do projeto, é um ponto crucial no momento de formular programas.Há que se pensar também na política burocrática e na fragmentação da organização pública. As instituições defendem espaços de poder e de protagonismo e isso fica evidente, por exemplo, no caso de uma ação conjunta de diversos atores, na qual se disputa a paternidade do projeto. Embora este pareça ser um problema menor, é legítimo e deve ser considerado, pois contribui para aumentar a complexidade do contexto no qual a implementação de um projeto ocorre.

Um outro ponto que tem sido destacado na literatura refere-se à importância dos funcionários e agentes que estão na linha de frente do projeto, cara a cara com o usuário. No caso de um programa para o adolescente infrator, por exemplo, tem-se o suporte do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dos direitos, da proteção integral e de toda uma organização internacional. O que acontece quando o monitor do programa de privação

de liberdade vem do sistema penitenciário e acha que o ECA é algo negativo? As atitudes e o envolvimento das pessoas que atuam na ponta são determinantes do sucesso de um programa. Não se pode desconsiderar esses agentes – o cantineiro da escola, a enfermeira do posto de saúde que aplica a vacina, o monitor

que está com o adolescente infrator, o técnico que visita a família –, pois são eles de fato que traduzem as intenções do programa. Um programa ou projeto não é a tradução linear, mecânica ou automática de uma concepção. Vários autores chamam a atenção para isso: o cenário de incertezas, com suas turbulências, interesses divergentes e multiplicidade

de atores, é um cenário de condições pouco controláveis. Diante disso, a gestão de um programa deve ser encarada como um processo contínuo de formulação e implementação, monitoramento e avaliação. E aqui há um outro ponto, que se refere à baixa capacidade do aparato administrativo dos aparelhos públicos: a precariedade dos sistemas de informação, monitoramento e avaliação leva a resultados igualmente frágeis e precários. Essa deficiência do sistema de gestão é um elemento que dificulta a formulação, gestão e avaliação de projetos sociais.

Pobreza e exclusão fragilizam

a garantia de direitos

Não é possível garantir direitos de forma efetiva e sustentável sem alterar o cenário de pobreza. O pressuposto é que a superação da pobreza é o primeiro direito, o direito básico, a partir do qual serão construídos todos os outros. Embora se possa atuar sobre direitos específicos, sem o equacionamento da pobreza não se processa a efetiva garantia de direitos. Mesmo em se tratando de um programa específico de violência doméstica, por exemplo, há que se considerar que ele é permeado por uma situação macroestrutural, econômica e social mais ampla, que tem a ver, no limite, com a questão da pobreza. Essa consciência pode ser a base para uma convergência maior das ações. Isso não quer dizer que a violação de direitos ocorra apenas em condições de pobreza, sendo uma condição exclusiva dos pobres ou excluídos. De fato não é. Entretanto, ao se enfatizar a garantia de direitos, não é possível desconsiderar o cenário de pobreza, no qual a violação de direitos se desenrola. Por isso a necessidade de uma ref lexão sobre as diferentes visões da pobreza.Um enfoque tradicional percebe pobreza como insuficiência de renda, sendo pobres aqueles sem recursos mínimos que permitam a subsistência. Uma visão um

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Pobreza não é só insufi ciência de renda.

Tem uma dimensão subjetiva, que envolve identidade, papéis

sociais, valores, normas e interações sociais. (...) não basta

oferecer vaga na escola, cesta básica ou cursos de formação.

Essas ações, isoladamente, não têm sustentabilidade.

pouco mais expandida define como pobres aqueles que não satisfazem a um conjunto de necessidades consideradas básicas para uma vida digna e relaciona-se com o acesso a bens e serviços públicos. Na década de 1990 ganhou corpo o enfoque das capacidades (do professor de economia Amartya Sen), que norteou a elaboração do paradigma e do índice de desenvolvimento humano. Nessa perspectiva, o desenvolvimento social tem que estar vinculado ao aumento da renda, mas também ao aumento das possibilidades de viver uma vida longa, com dignidade, com acesso ao conhecimento e à liberdade de escolha.

Se a pobreza é vista como insuficiência de renda, as políticas públicas se voltam para a geração de renda e crescimento econômico. Mas se a pobreza é entendida como falta de capacidade para realizar coisas, abre-se um leque maior de alternativas para enfrentá-la. Esse enfoque ampliou o campo de análise e evidenciou que a pobreza não é uma questão apenas material. A pobreza tem uma dimensão subjetiva, que envolve

aspectos como identidade, papéis sociais, valores, normas e interações sociais. Há uma dimensão mais “imaterial” da pobreza. O que essa concepção aponta é que existem dimensões não monetárias que interferem nas condições de pobreza, e que são relativas a processos de natureza psicossocial. Trata-se de um conjunto de

valores e comportamentos de baixa auto-estima, baixa expectativa quanto ao futuro, subalternidade, dependência, resignação, apatia. Diante disso, não basta atuar apenas na dimensão material, oferecendo vaga na escola, cesta básica ou cursos de

formação, por exemplo. Essas ações, isoladamente, não têm sustentabilidade, pois não têm capacidade de transformar aquela família, aquele indivíduo e aquela condição de pobreza. A concepção de exclusão, por sua vez, amplia a percepção dos aspectos menos tangíveis existentes nas condições de pobreza e enfatiza claramente os elementos de natureza social presentes nessas situações. Para alterar as condições de exclusão social, não é suficiente o repasse de bens ou a prestação de serviços tangíveis, sendo necessário um outro conjunto de ações voltadas para que as pessoas, as famílias e as comunidades adquiram poder.

Diretrizes estratégicas para o

planejamento da intervenção social

Quando se olha para a pobreza a partir de uma perspectiva ampliada, isso implica em um modo de atuação em termos de políticas públicas, que contempla dimensões mais subjetivas e desenvolve atividades capazes de lidar com elas. Dagmar Raczynski mostra que uma estratégia sustentável de superação da pobreza deve estar apoiada em duas rodas que se movimentam juntas, como uma engrenagem, uma favorecendo a outra. Uma roda diz respeito à oferta de bens, serviços e programas públicos e sociais, e a outra é relativa à atuação dos indivíduos, grupos e comunidades. É necessário atuar nas duas frentes, para se alcançar resultados sustentáveis e efetivos.Uma primeira diretriz refere-se à heterogeneidade da pobreza e à necessidade de desenvolver ações adequadas que correspondam às demandas da população. Existem particularidades nas diversas situações de vulnerabilidade que devem ser enfrentadas de forma quase individualizada. Programas genéricos dificilmente são capazes de atender às especificidades de todas as famílias. Para enfrentar a problemática do abuso sexual

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Sobretudo tem-se a tarefa de articular políticas e programas

de naturezas diferentes: estruturais e emergenciais.

Políticas estruturais, que atuem profundamente na condição da pobreza – como distribuição de renda e de terra são combinadas

com ações pontuais e emergenciais, de outra natureza.

e da violência, dada a diversidade de causas e condições familiares, é preciso ter programas muito f lexíveis, capazes de fazer frente a essas demandas específicas. A retaguarda oferecida pelas redes de serviços entra aí, para que não se tenha a reinvenção do programa cada vez que este se depara com um problema diferente. A existência de uma rede de serviços é o que permite ao programa chegar naquelas problemáticas de violação de direitos específicos de forma mais efetiva. Quando se fala em f lexibilidade, está-se falando em um programa que não é engessado, padronizado, e sim, um programa maleável, capaz de se adaptar a casos mais particulares. Esse ponto articula-se com a centralidade dos níveis locais e comunitários para o desenvolvimento de ações estratégicas de proteção social e de garantia de direitos.

Outra diretriz estratégica tem a ver com a multidimensionalidade da pobreza, o que remete ao tema da integração de intervenções sociais e ao desenvolvimento da intersetorialidade. Se a origem dos problemas que afetam crianças e adolescentes é multidimensional, atuar em um elemento de forma isolada não irá resolvê-los. É necessário desenvolver ações que atuem nas diversas dimensões do problema. Uma abordagem intersetorial da intervenção é promissora para dar conta da multidimensionalidade da pobreza e das formas de privação de direitos. É preciso buscar uma atuação mais integrada, agregando vários setores da ação pública para fazer frente aos problemas da realidade. Isso não é fácil, pois demanda um processo de mudança a longo prazo. Implica em partilhar poder de decisão, partilhar recursos, buscar uma outra lógica de atuar, que seja diferente da lógica histórica que rege as políticas públicas do Brasil. Sobretudo tem-se a tarefa de articular políticas e programas

de naturezas diferentes: estruturais e emergenciais. Políticas estruturais, que atuem profundamente na condição da pobreza – como distribuição de renda e de terra são combinadas com ações pontuais e emergenciais, de outra natureza.

Uma terceira diretriz refere-se ao fortalecimento da autonomia de

indivíduos. Se o objetivo é transformar as situações e dimensões psicossociais já citadas, é preciso desenvolver tecnologias capazes de promover posturas mais ativas e autônomas. Um elemento fundamental nesse sentido refere-se às relações entre os agentes públicos e os beneficiários. Por meio de interações prolongadas no tempo, intensas e complexas, os agentes públicos atuam como catalisadores para alterar as posturas de subserviência, dependência e baixa auto-estima presentes na população beneficiada. As regras e os critérios de elegibilidade e permanência nos programas também são importantes de serem considerados, pois favorecem ou limitam a autonomia presente e futura dos indivíduos. Critérios restritos de focalização podem ter como conseqüências o aumento do estigma, e determinados mecanismos ou armadilhas nas regras dos programas podem dificultar a autonomia e a aquisição de poder das pessoas. Por exemplo, em determinados programas voltados para famílias com renda abaixo da linha de pobreza, se a renda familiar aumenta em função da entrada no mercado de trabalho de um membro da família, esta deixa de receber um determinado beneficio, o que favorece uma situação de dependência e certamente não contribui para a expansão da autonomia e das capacidades.Para saírem da condição de pobreza, as pessoas não podem ser simplesmente receptoras de bens e serviços. Não é fácil convencer um menino que está na rua que ele tem que ir para um abrigo, sair da rua e abrir mão da liberdade

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A relação de confi ança que se estabelece entre os agentes

dos programas e as famílias é o item central. Bem como é

central o acesso a recursos, bens e serviços, que constituem a

outra roda, o outro ingrediente necessário para a superação

efetiva da pobreza

Vários estudos mostram a relação entre o nível de

envolvimento das pessoas com os problemas da comunidade,

o grau de participação e cooperação e o desempenho mais efi caz das intervenções.

que tem. Há todo um processo de convencimento para que ele possa superar esse comportamento de risco e construir alternativas de vida. Tais dinâmicas estão presentes na maioria dos programas desenvolvidos no campo da garantia de direitos e da promoção do desenvolvimento social. Não é fácil alterar identidades, valores, atitudes e comportamentos. Mas é crucial para que os resultados pretendidos sejam alcançados. O êxito de programas como esses depende da adesão por parte do destinatário. A relação de confiança que se estabelece entre os agentes dos programas e as famílias é fundamental, assim como o acesso a recursos, bens e serviços, que constituem a outra roda, o outro ingrediente necessário para a superação efetiva da pobreza.

Uma quarta diretriz tem relação com o papel dos ativos, individuais e coletivos, para a superação das condições de pobreza, vulnerabilidade e ruptura de direitos.Trata-se de valorizar dimensões humanas, sociais e culturais existentes nas comunidades e nos indivíduos;

valorizar o que se tem de recursos e o que pode ser incrementado. Um recurso importante diz respeito à capacidade da coletividade de formar redes, estabelecer relações sociais de confiança e ações de cooperação. O capital social tem sido cada vez mais enfatizado no campo das políticas públicas

como um elemento essencial nas estratégias de superação da pobreza. Uma outra diretriz para o planejamento das ações refere-se à participação. Existem evidências de que em comunidades mais participativas, nas quais as pessoas dão mais atenção ao que é público, os programas funcionam melhor, a busca de soluções comuns é maior.

Vários estudos mostram essa relação entre o nível de envolvimento com os problemas da comunidade, o grau de participação e cooperação e o desempenho mais eficaz das intervenções. Nesse caso trata-se de possibilitar a participação efetiva dos diversos atores envolvidos, principalmente dos beneficiários, potencializando mecanismos e instâncias de controle público, fortalecendo conselhos, ouvindo as pessoas, dando tempo para as lideranças. O Estado deve atuar favorecendo o incremento do capital social, porque essa dinâmica permanece depois que o governo sai, depois que o programa acaba. É algo que a comunidade conquista, que as pessoas ganham.

Gestão e projetos: a

importância dos resultados

Os projetos sociais são instrumentos de planejamento que buscam produzir impactos na realidade. A alteração das condições de vida e na situação dos direitos processa-se por meio de ações e projetos. Quando se fala em gestão de resultados, está se falando dessa preocupação fundamental com o impacto que se quer provocar na realidade, nas condições de vida das pessoas e comunidades.Por isso é preciso uma atenção a esse ponto, ter clareza dos objetivos e das metas, conhecer a lógica de um projeto, ou seja, explicitar a hierarquia de objetivos que o sustenta: a partir do exame das causas e da descrição de um problema tem-se a definição do objetivo, ou seja, o efeito que se quer gerar com a intervenção. A partir

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do objetivo, são estabelecidas as metas, os componentes e as atividades. É importante ter clareza sobre o que se pretende com cada atividade, com cada componente do projeto. O planejamento, com a busca de objetivos claros e mensuráveis, é um importante aliado para a garantia de direitos. Bons projetos permitem viabilizar direitos, que se relacionam, sobretudo, com a questão da justiça social, da cidadania, da superação da pobreza. Trabalhar nesse foco é viabilizar a base para os direitos humanos e sociais. Essa é a condição básica para superação da vulnerabilidade de crianças e jovens.

Sobre a palestrante

Carla Bronzo Ladeira Carneiro é professora e pesquisadora da Escola de Governo – Fundação João Pinheiro, Minas Gerais. Essa palestra foi proferida durante o Seminário de Betim, MG.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, B. L. D. & CARNEIRO, C. B. L. Ref lexões e sugestões para uma política estadual de combate à pobreza persistente. Diagnóstico BDMG. Minas no século XXI, 2002.RACZYNSKI, D. Equidad, inversion social y pobreza. Innovar en como se concibe, diseña y gestiona las políticas y los programas sociales. Mimeo. Documento preparado para o seminário Perspectivas Innovativas en Política Social. Desigualdades y Reducción de Brechas de Equidad, MIDEPLAN – CEPAL, 23-24 de maio de 2002. SULBRANDT, J. A avaliação dos programas sociais: uma perspectiva crítica dos modelos usuais. In: KLIKSBERG, B. Pobreza: uma questão inadiável. Brasília: Enap, 1994.

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Conectividade e horizontalidade: uma introdução às redes 3

O texto a seguir propõe uma reflexão sobre o conceito de rede, com base nas idéias do físico austríaco Fritjof Capra sobre as características organizacionais dos sistemas vivos presentes na natureza.

Redes estão em todo lugar. Fala-se de redes celulares, de redes neurais artificiais, redes sociais, redes organizacionais, sociedade-rede, empresa-rede, marketing de rede, trabalho em rede, rede de redes. Atualmente, a figura da rede é a imagem mais usada para designar ou qualificar sistemas, estruturas ou desenhos organizacionais caracterizados por uma grande quantidade de elementos – pessoas, pontos de venda, entidades ou equipamentos, dispersos no espaço, mas com alguma ligação entre si. Entretanto, nem tudo que apresenta esses três aspectos – quantidade, dispersão geográfica e interligação, é uma rede.Um grupo de pessoas reunidas numa sala de aula ou num escritório é designado pelos termos equipe, turma ou time. Há quem designe esse mesmo grupo com o nome de rede, quando as pessoas se encontram em lugares físicos diferentes, conectadas pela internet. Qual é a diferença? O que mudou?

Denominar qualquer trabalho conjunto de rede é um equívoco, pois se baseia apenas na forma aparente da rede, desconsiderando um de seus aspectos mais importantes: a dinâmica de relacionamento horizontal que a rede proporciona. Pensar apenas no aspecto da ligação entre elementos distantes leva à afirmação de que qualquer grupo opera como rede. Uma burocracia, por exemplo, é uma estrutura que conta com elementos, próximos ou distantes, interligados. Sob esse ponto de

vista, poderia ser considerada rede. Mas não é.Quando tudo se torna rede, indiscriminadamente, essa vigorosa idéia-força perde brilho e poder explicativo. E o que é pior, deixa de mostrar algumas de suas características mais preciosas: seu poder criador de ordens novas e seu caráter libertador. Quando tudo é rede, estruturas velhas e novas, modos convencionais e modos inovadores de fazer, estratégias de opressão e estratégias de libertação confundem-se sob uma pretensa mesma aparência. Se não puder estabelecer algumas distinções, o conceito de rede deixa de ter sentido e passa a não servir para nada. É preciso, pois, estabelecer um conceito de rede com contornos mais precisos, enfatizando sua natureza eminentemente democrática, aberta e emancipatória.

A rede tem sido um instigante objeto de estudo de várias áreas do conhecimento humano, da biologia à matemática, às ciências sociais. As abordagens variam conforme os instrumentos de análise e as bases teóricas de cada área. Mas de um modo geral, os estudos sobre redes ganharam um caráter fortemente interdisciplinar, ligado às várias correntes do chamado pensamento sistêmico e das teorias da complexidade.Um dos mais conhecidos divulgadores desses estudos interdisciplinares que têm a rede como protagonista é o físico austríaco Fritjof Capra, autor de A teia da vida.Capra identifica a rede como um padrão comum a todos os organismos vivos.“Onde quer que encontremos sistemas vivos – organismos, partes de organismos ou comunidades de organismos – podemos observar que seus componentes estão arranjados à maneira de rede. Sempre que olhamos para a vida, olhamos para redes. (...) O padrão da vida, poderíamos dizer, é um padrão de rede capaz de auto-organização.” (Capra, 2001)Esse conceito de rede é fundamentado em práticas e

3 E s t e t e x t o c o m p õ e m - s e d e t r e c h o s s e l e c i o n a d o s d o l i v r o R e d e s : u m a i n t r o d u ç ã o à s d i n â m i c a s d a c o n e c t i v i d a d e e d a a u t o - o r g a n i z a ç ã o , p u b l i c a d o p e l o W W F B r a s i l , e m 2 0 0 3 .

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princípios democráticos, emancipatórios e que transferem poder do ponto de vista político e social, sustentáveis do ponto de vista ambiental, abertos e polifônicos do ponto de vista cultural. É um projeto deliberado de organização da ação humana. Não como uma entidade ou instituição, como o termo organização pode sugerir, mas como um padrão organizativo, que tem uma forma muito própria de operar. Esse padrão ajuda os atores sociais a empreender, obter resultados e promover a transformação da realidade, com princípios e procedimentos que já trazem embutidos o exercício dessa transformação.

As dinâmicas da rede

Um conjunto de pontos interligados. Assim pode ser definida a rede, de uma maneira muito breve, segundo seu aspecto formal aparente, como mostra a figura abaixo.

Embora a forma seja um fator decisivo, o desenho da rede não é suficiente para explicá-la ou caracterizá-la como um sistema com propriedades e um modo de funcionamento específicos. São essas propriedades que dão caráter de rede à rede. Fritjof Capra apresenta uma delas:“A primeira e mais óbvia propriedade de qualquer rede

é a sua não-linearidade – ela se estende em todas as direções. Desse modo, as relações num padrão de rede são relações não lineares. Em particular, uma inf luência, ou mensagem, pode viajar ao longo de um caminho cíclico, que poderá se tornar um laço de realimentação. (...) Devido ao fato de que as redes de comunicação podem gerar laços de realimentação, elas podem adquirir a capacidade de regular a si mesmas. Por exemplo, uma comunidade que mantém uma rede ativa de comunicação aprenderá com seus erros, pois as conseqüências de um erro se espalharão por toda a rede e retornarão para a fonte ao longo de laços de realimentação. Desse modo, a comunidade pode corrigir seus erros, regular a si mesma e organizar a si mesma.

Realmente, a auto-organização emergiu talvez como a concepção central da visão sistêmica da vida, e, assim como as concepções de realimentação e auto-regulação, está estreitamente ligada às redes.” (Capra, 2001)Capra, nessa análise, demonstra como a circulação da informação de forma não linear, ou seja, aleatória, não controlada, é capaz de produzir um processo circular de aprendizagem crescente que leva à reorganização dos próprios elementos do sistema. Capra parte de um aspecto morfológico – a não-linearidade, para chegar a uma propriedade organizacional da rede – sua capacidade de auto-organização. O que se destaca aqui, justamente, é o que as definições formais de rede não conseguem demonstrar: o conjunto de pontos-e-linhas da rede produz organização. É, na verdade, uma forma de organização.Uma outra dimensão importante da lógica organizacional das redes – que as definições que levam em conta apenas os aspectos formais também não consideram, é a sua diferenciação em relação à hierarquia. Capra identifica essa distinção entre rede e hierarquia na sua análise dos sistemas vivos:“Desde que os sistemas vivos, em todos os níveis, são redes, devemos visualizar a teia da vida como sistemas

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vivos (redes) interagindo à maneira de redes com outros sistemas (redes). (...) Em outras palavras, a teia da vida consiste de redes dentro de redes. Em cada escala, sob estreito e minucioso exame, os nodos da rede se revelam como redes menores. Tendemos a arranjar esses sistemas, todos eles aninhados dentro de sistemas maiores, num sistema hierárquico, colocando os maiores acima dos menores, à maneira de uma pirâmide. Mas isso é uma projeção humana. Na natureza, não há acima ou abaixo, e não há hierarquias. Há somente redes aninhadas dentro de redes.” (Capra, 2001)

A capacidade de operar sem hierarquia parece ser uma das mais importantes propriedades distintivas da rede. Entretanto, se é correto afirmar, como Capra, que não há hierarquia na natureza, o mesmo não se pode dizer das sociedades humanas. Ao contrário, pirâmides são um desenho institucional bastante comum. A hierarquia, desde sempre, parece ser o modo natural da organização dos relacionamentos humanos. Porém, quando se estuda o funcionamento das redes sociais, em particular aquelas de caráter estritamente informal e não institucional, aparecem fenômenos organizativos não verticais, isto é, não hierárquicos, funcionando produtivamente na sociedade.A hierarquia se expressa, de forma bem evidente, na estrutura vertical da pirâmide. Da mesma maneira, a arquitetura da rede representa a não-hierarquia. Sua propriedade organizacional mais característica é a horizontalidade, ou seja, um conjunto de pontos interligados de forma horizontal, organizados de forma não hierárquica. Esse é um aspecto decisivo quando se considera a rede como um padrão organizativo e um modo de operação de caráter emancipatório. Para entender essa formulação, é preciso examinar as características morfológicas da rede, a começar pela sua dinâmica motriz, a chamada conectividade.

A conectividade

Num diagrama qualquer de rede há, necessariamente, pontos e linhas. Os pontos representam as unidades que compõem a rede: pessoas, organizações, equipamentos e locais. As linhas representam as relações entre esses elementos. Podem ser canais de comunicação, estradas, dutos ou fios. Recebem o nome de links, arestas, ligações, conexões.As linhas são mais importantes do que os pontos num desenho de rede. Isso porque são as conexões que fazem a rede, dando ao conjunto uma forma orgânica. O fenômeno de produção dessas conexões – a conectividade,constitui a dinâmica de rede, que só acontece quando as ligações se estabelecem de modo contínuo.

Compreender a dinâmica da conectividade passa ainda pelo exame de mais uma característica da curiosa dialética ponto-e-linha no âmbito da rede. Cada conexão representa sempre um par de pontos, pois a ligação só se estabelece quando existem dois elementos a serem ligados. Nesse sentido, uma linha vale por dois pontos. Em compensação, cada ponto pode estar na origem de uma infinidade de linhas.O poder da rede advém dessa propriedade de multiplicação inerente ao processo de fazer conexões. É isso que produz a aparência intrincada de malha da rede e confere complexidade ao seu desenho. A medida da rede é o número de conexões, não de pontos. Quanto mais conexões (linhas) existirem numa rede, mais densa ela será. Quanto maior for o número de conexões, mais compacta, integrada, coesa e orgânica será a rede.

Abertura

As redes são formadas por um conjunto infinito de pontos. São sistemas abertos, em constante relacionamento com o meio. Tal consideração, ao que parece, vale tanto para os sistemas vivos estudados por

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Capra quanto para as redes sociais. Sem intercâmbio com o meio não sobrevivem os organismos vivos – células, plantas, animais, ecossistemas, nem as sociedades humanas.A abertura da rede para o meio externo tem implicações diretas e profundas sobre a dinâmica de conectividade. De fato, a abertura potencializa e maximiza os efeitos dessa dinâmica. É ela que permite que as conexões continuem sendo estabelecidas. A propriedade de não-linearidade da rede, conforme Capra demonstra, é ela própria condicionada por esse caráter necessariamente aberto do sistema. A rede só pode estender-se em todas as direções, e não numa só, por conta da extensão de campo que tem pela frente.

Expansão e multiplicação

A experiência concreta de uma pessoa em uma comunidade humana, e o modo como tece suas relações pessoais, esclarece ainda melhor duas propriedades morfológicas da rede – a não-linearidade e a configuração aberta, e mais uma terceira característica, o seu dinamismo organizacional. Pessoas conhecem pessoas o tempo todo, e o fato de continuarem conhecendo gente nova é uma evidência da configuração aberta da rede da qual participam.A propriedade da não-linearidade da rede – e sua conseqüência, o poder de expansão e multiplicação –, aparece com nitidez na situação corriqueira da ampliação do círculo de amizades de uma pessoa. O processo é simples: pessoas conhecem pessoas por intermédio de outras pessoas. Num primeiro momento, conhecem amigos de seus amigos. Mais tarde, conhecem amigos dos amigos dos amigos e adiante, amigos dos amigos dos amigos dos amigos. Como em ondas ou círculos, à medida que o tempo passa e se aprofundam as relações interpessoais, mais e mais pessoas vão se integrando ao sistema de relacionamentos de cada um.

Esse processo de ampliação das possibilidades de encontro pessoal expressa a não-linearidade das conexões na rede. É dessa forma que uma rede é construída, ponto a ponto, linha a linha, e se expande.A razão de tal movimento permanente é a própria conectividade. Conexões produzem conexões, e novos pontos conectados incorporam ao sistema as conexões que carregam. A rede de uma pessoa torna-se imensa pelo simples fato de que os pontos da sua rede são pessoas que possuem suas próprias redes e fazem conexões a todo momento, tal como ela o faz. Cada ponto (pessoa), ao estabelecer uma conexão, amplia os limites da rede. Ao fazê-lo, permite o estabelecimento de novas conexões com outros pontos (mais pessoas), que, com suas próprias conexões, vão empurrando os limites da rede para mais longe à medida que o fenômeno acontece.

Descentralização

Nesse ponto, já se pode vislumbrar um dos motivos pelos quais redes são associadas com horizontalidade e ausência de hierarquia. A morfologia da rede não comporta um centro – porque cada ponto conectado pelo emaranhado de linhas pode ser centro, dependendo do ponto de vista e do ponto de partida do diagrama. Uma pessoa pode ser o centro da sua rede, do mesmo modo e ao mesmo tempo que seu amigo é o centro de sua própria rede, assim como os demais amigos também são os centros de suas redes particulares. Descentralização é o termo que se usa para designar a distribuição de atividades, informações ou poder, no âmbito de um sistema qualquer. No caso das redes, a descentralização é uma propriedade da forma do sistema. Redes são sistemas descentrados por definição.Entre outros motivos, isso acontece porque

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a dinâmica que rege as redes está sustentada não na existência ou posição de um ponto, mas na ocorrência e no acionamento das conexões. Como o princípio de organização se baseia na conexão, na relação, e não no ponto (no elemento, no participante), deixa de haver possibilidade de centralização. Se redes não têm centro, também não têm periferias. Elas se misturam. Como afirma Capra, redes aninham-se dentro de redes.

Transitividade

Em escala, as redes multiplicam-se, desdobram-se, misturam-se dinamicamente pela ação da miríade de pontos que alastram suas conexões de maneira aleatória. Mas, se olharmos esse processo de expansão da rede de forma minuciosa, iremos notar que tudo é resultado de uma ação pequena e pontual: uma conexão. Uma única conexão, entre milhares possíveis, aciona a organização de toda uma rede. Toda a riqueza e a potencialidade do fenômeno de expansão das redes estão representadas nesse ato singelo.A conexão é responsável pela reprodução de toda a dinâmica do sistema pelo simples fato de ligar a rede a outra rede. Ao apertar a mão de qualquer pessoa até então desconhecida, virtualmente ligam-se duas redes, instalando caminhos ou pontes para a passagem de outras conexões. A esse processo dá-se o nome de transitividade.Um ponto da rede é via de passagem para outro ponto. As conexões de um ponto servem como conexões de segundo grau ao ponto imediatamente anterior. É pela transitividade que os pontos que não possuem todas as conexões possíveis podem chegar a tê-la.

O acionamento

Redes, durante quase todo o tempo, são estruturas invisíveis, informais, tácitas. Elas perpassam os momentos da vida social, mas praticamente não se

mostram – “são as conexões ocultas”, como diria Capra; ou a “estrutura submersa”, nas palavras de Alberto Melucci. Na prática social, cada pessoa possui muitos círculos de relacionamento, mas não sabe quantos ou quais são. Na verdade, as pessoas, de modo geral, só vêem a rede quando precisam dela.Um dos exemplos mais comuns de uso da rede em caso de necessidade são as campanhas de sangue, quando pessoas se mobilizam para obter a doação de um determinado tipo sangüíneo para um parente enfermo. Essas pessoas passam a buscar, em seus círculos de relacionamento, um a um, indivíduos de um certo tipo sangüíneo, e tentam convencê-los a fazer a doação. A busca por emprego é outra ação que torna a rede visível. Muitas vezes, atividades recreativas, como as gincanas, por exemplo, também evidenciam a natureza estruturada em rede dos relacionamentos sociais.

A rede aparece quando é acionada. Só esse acionamento é capaz de revelar a sua morfologia. Quando há uma necessidade, uma missão, uma convocação, a rede se põe a funcionar, deixa de ser invisível e torna-se o insumo necessário para a ação. Acionar a rede significa colocar em ação deliberada as comunidades das quais o indivíduo faz parte.Esse aspecto é muito importante para a compreensão de uma característica específica das redes sociais e, por extensão, de todas as redes. Redes são fenômenos coletivos, isto é, sua dinâmica implica em relacionamento de grupo, seja ele um conjuntos de proteínas, células, espécies, sites na internet, pessoas ou comunidades. A dinâmica das redes é o resultado da ação de conexão de muitos em interação produtiva. Nesse sentido é que a referência à comunidade tem absoluta pertinência no campo das redes sociais. O acionamento da rede aciona uma dinâmica de comunidade. Esse fato é determinante para o debate sobre a rede como organização humana.

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A organização não hierárquica

Uma rede é uma arquitetura plástica, não linear, aberta, descentralizada, plural, dinâmica, horizontal e capaz de auto-regulação. É uma forma de organização caracterizada fundamentalmente pela sua horizontalidade, isto é, pelo modo de inter-relacionar os elementos sem hierarquia.O conceito de organização tem a ver com ordem – é o processo de ordenar um conjunto de elementos em torno de um objetivo ou finalidade. Hierarquia tem a ver com controle, governo, poder de decisão. Uma organização sem hierarquia, seria, nessa acepção, um processo no qual um conjunto de elementos estaria ordenado sem a mediação de qualquer controle ou governo. Essa definição parece um contra-senso, para um mundo acostumado à noção de ordem associada a controle e comando. Mas, como bem demonstrou Fritjof Capra (na esteira das contribuições de Ilya Prigogine, Benoît Mandelbrot, Humberto Maturana e Francisco Varela, entre outros), é nessa ordem sem governo que se baseia o padrão de organização de todos os sistemas vivos.

Essa ordem é produzida por uma dinâmica de auto-ajuste recíproco entre cada um dos elementos que compõem a rede, em função de laços de realimentação. Os elementos da organização-rede se ajustam uns aos outros, em função de seus erros e acertos, até o estabelecimento de um modo coordenado de funcionamento. É um processo de intenso movimento e rearranjo. Não há um controle central em tal dinâmica, isto é, não há um elemento que comanda o grupo. A organização emerge das relações entre os elementos. É um processo de auto-organização. Nunca o termo coordenação foi tão bem empregado. Na rede, a ordem é uma co-produção de todos.Quando se pensa em organização é muito comum associar essa idéia a um jeito certo de dispor os elementos. Um sistema organizado seria, nessa acepção, aquele que encontrou a sua maneira correta de funcionar. Mas em um sistema como a rede, que é fruto da auto-regulação,

das idas e vindas de arranjos e ajustes recíprocos, a organização é sempre um processo, nunca um estado final. No momento em que encontra uma maneira correta de funcionar, o sistema depara-se com uma outra maneira correta, e com outra e mais outra.A dinâmica da multiplicação não linear das conexões impede que haja qualquer estabilidade na rede. O sistema fica organizado, isto é, em permanente processo de organização, quando e porque está em movimento. Sua ordem é móvel e instável. Nesse sentido, quando se fala de rede, o termo organização deve ser entendido sempre como uma ação contínua de organizar, nunca como um resultado pronto e acabado.

Por esse motivo, as redes são formas não institucionais de organização. São mais parecidas com dinâmicas de organização espontânea do que com instituições caracterizadas por um conjunto de atribuições, papéis, regulamentos, cargos e departamentos. Em razão dessas características especiais, a rede requer um modo de operação distinto das formas tradicionais de funcionamento das organizações hierárquicas, burocracias e instituições. São vários os princípios que compõem esse modo de operação:

Ação voluntária

A primeira pré-condição da rede é a participação voluntária. Aqui reside, talvez, uma das razões mais simples da capacidade da rede de trabalhar sem hierarquia: pessoas ou organizações participam da rede quando querem e porque assim o desejam. Elas não são obrigadas a fazê-lo; decidem compartilhar do projeto coletivo da rede porque acreditam e investem nele.A rede sustenta-se numa lógica da participação baseada no livre exercício da cidadania e em vínculos de solidariedade estabelecidos de forma espontânea. Outro elemento importante da lógica da participação na rede é

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a gratuidade, conforme a descreve Alberto Melucci, em sua análise da ação voluntária:“A ação voluntária implica a adesão livre a uma forma de solidariedade coletiva e ao pertencimento a uma rede de relações da qual se participa por escolha. Outra característica é a gratuidade dos serviços oferecidos (...). A ação voluntária é caracterizada pelo fato de que os benefícios econômicos não constituem a base da relação entre os que dela participam, nem entre esses e os destinatários da ação.” (Melucci, 2001, p. 117)A noção de gratuidade é importante por dois motivos. Primeiro, ela demonstra que não é a lógica da troca econômica que orienta as relações no interior da rede. Em segundo lugar, fornece as bases para se compreender o espírito de cooperação que rege todo o trabalho. A gratuidade, que não se encaixa em lugar nenhum no arcabouço conceitual do mercado, é portanto a condição subjacente à participação na rede.

Autonomia e diversidade

A ação voluntária, baseada na vontade livre, é condição para integrar a rede, é expressão de autonomia. Nas estruturas verticais, a ordem organizacional se dá às custas da perda de autonomia de seus integrantes. O poder é sempre acumulado pelo nível de comando imediatamente superior, que se apropria dele. Na rede, ao contrário, a autonomia é o fundamento do modo de operação. A dinâmica da conectividade é baseada num princípio de ação autônoma: as conexões se fazem de forma não linear e imprevisível, conforme a vontade, o interesse ou a decisão de cada um dos participantes. Da mesma maneira, o trabalho em rede depende, a todo momento, da ação autônoma de cada um. Depende de participação ativa, sem a qual nenhuma iniciativa vai adiante.O respeito à autonomia dos integrantes da rede não significa ausência de acordos e normas. Seu

funcionamento depende de um pacto que orquestre uma coordenação das autonomias, garantindo, em um só movimento, a ação coletiva e a individualidade de cada membro da rede. Como decorrência, na medida em que os integrantes da rede são diferentes entre si, aparece um outro fundamento básico do modo horizontal de operação, que é o respeito à diferença. Autonomia e diferença são duas faces de uma mesma concepção. O respeito a esses princípios implica em uma série de desafios gerenciais e operacionais que levam à conformação de outros princípios organizacionais que garantem a horizontalidade do sistema – isonomia, insubordinação, desconcentração de poder, multiliderança e democracia.Tais princípios, de caráter eminentemente político, representam um investimento na participação, na criatividade e na diversidade, característico da teoria e da prática libertárias. São princípios que fazem parte da morfologia da rede. A arquitetura não linear e complexa da conectividade não admitiria outro modo de operação.

Isonomia e insubordinação

A isonomia é a característica que mais facilmente distingue uma organização horizontal de uma hierarquia. Há isonomia quando todos são iguais perante um mesmo conjunto de normas e seguem a mesma lei de maneira indistinta. Numa organização horizontal há isonomia: todos são iguais politicamente, isto é, têm direito ao mesmo tratamento e compartilham os mesmos direitos e deveres. A hierarquia baseia-se no contrário da isonomia. Há, de maneira clara e manifesta, uma diferenciação entre os indivíduos, pela qual alguns têm mais direitos e poderes do que outros. Nas estruturas verticais, a relação entre poder e direitos é direta:

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quanto mais poder, mais direitos; quanto menos poder, menos cidadania. Numa organização horizontal deve haver uma situação de paridade. Pares estabelecem entre si relações de equilíbrio e eqüidade. Essa condição exige um desenho organizacional que os mantenha, necessariamente, no mesmo nível. Enquanto a hierarquia se caracteriza por uma organização estruturada em níveis, a horizontalidade define-se justamente pela existência de um nível só, num único plano horizontal no qual todos vivem como pares. Forçosamente, esse arranjo dá lugar a um princípio básico das redes, que é o da insubordinação. Não havendo cadeia de comando, ninguém se subordina a ninguém, ninguém dá ordens a ninguém. Esse absoluto respeito à autonomia e à autodeterminação, por sua vez, exige que a rede exercite um jeito de trabalhar amplamente baseado em cooperação e decisão compartilhada.

Desconcentração de

poder e multiliderança

O poder é o personagem central das estruturas organizacionais. Organogramas são diagramas que, mais do que apresentar os postos e as divisões de uma organização, mostram as posições e os f luxos de poder. Na hierarquia, um aumento gradativo na concentração de poder ocorre conforme se escala os níveis da pirâmide. Eventualmente, há um único detentor de todo o poder.Nas estruturas horizontais, não há poder concentrado. Ao contrário, o poder está diluído entre todos os pontos que compõem a rede. A morfologia da rede evidencia a impossibilidade de se definir um centro para a teia das conexões – o que, de certa forma, impediria por si só a concentração. Na rede, o poder é de todos. Todavia, embora isso faça sentido, nem sempre é o que acontece. Muitas vezes,

a rede não funciona, como um organismo, totalmente direcionada para uma ação específica e movida por uma única razão. Mas essas situações parecem ser extraordinárias. De modo geral, a dinâmica das redes é uma enorme somatória de ações simultâneas diferenciadas, na qual muitos (e não todos) participam, empreendem, colaboram e exercem sua cidadania. Quando a rede, como um só corpo, realiza uma ação concertada, então, necessariamente, o poder é exercido pelo conjunto dos participantes.Mas há um outro caso, mais freqüente, em que a rede opera num modo de ação difusa onde as posições de poder se combinam diferentemente.

O processo de desconcentração de poder que ocorre no modo da ação difusa talvez seja uma das propriedades mais relevantes e instigantes da lógica das redes. Esse processo se dá por meio de uma dupla operação – em primeiro lugar, a rede dilui o poder, repartindo-o entre os pontos e em seguida, fortalece cada um desses pontos. Como cada ponto, pelas propriedades morfológicas da rede, pode ser o centro do sistema, cada integrante recebe um investimento de confiança e poder para cumprir tal função. Essa distribuição difusa do poder produz uma estrutura organizacional que muitos analistas chamam de policéfala, ou seja, com várias cabeças. Capra demonstrou que os sistemas vivos mantêm operações de auto-regulação. Nas redes humanas, a auto-regulação se dá pela ação das múltiplas lideranças. São elas que produzem a dinâmica multifacetada, as soluções originais, a capacidade adaptativa, a criatividade e a inventividade próprias da rede.Longe de implicar em uma situação de equilíbrio, a horizontalidade impõe, ao contrário, enormes desafios ao processo organizativo da rede. Para que funcione como tal, ela necessita criar mecanismos de articulação dessas multilideranças, que estão em todos os lugares.

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O trabalho em rede só é efetivo quando dá conta de promover sinergia entre elas, de conectá-las e interligá-las num diálogo produtivo. Articular múltiplas lideranças implica também em comunicação, operação conjunta e um tipo especial de coordenação.

Coordenação e democracia

Organização realizada de forma coletiva, operação conjunta, co-produção de ordem, co-trabalho. Essas expressões revelam os princípios de colaboração, cooperação e coordenação fundamentais para a existência da rede, sem os quais a dinâmica da conectividade torna-se vazia e sem sentido. A rede aciona essa dinâmica de comunidade, por meio de um processo de interlocução (comunicação), ação coordenada (coordenação) e decisão compartilhada (democracia).Embora as redes sejam o terreno fértil para a ação difusa e diferenciada, elas são, necessariamente, dinâmicas coletivas. Permitem e valorizam a ação individual, mas se caracterizam pela relação entre um conjunto grande e diferenciado de atores. A rede é um espaço de relacionamento e, como tal, promove a interação entre os participantes. Tal interação implica em comunicação intensa e inf luências recíprocas, em que as pessoas vão construindo, moldando, alterando impressões, idéias, visões de mundo, valores e projetos. É um ambiente de troca e auto-regulação coletiva, baseado na comunicação. É ela que transforma essa coleção de elementos díspares em um grupo, um todo orgânico, uma comunidade.

Nesse processo, a comunicação não só é um meio de interação. É o insumo necessário para a organização da rede. A diversidade dos integrantes e sua dispersão espacial exigem um trabalho de comunicação permanente para dar organicidade

ao conjunto. A articulação das múltiplas lideranças e a devida coordenação de suas ações diferenciadas só é possível mediante a troca de informação. Esse é o elemento regulador do sistema.Estes dois aspectos – ambiente de relacionamento e processos de comunicação – sustentam outro princípio do funcionamento das redes: a democracia. É o pressuposto lógico da desconcentração de poder, do respeito à autonomia e à diversidade e da multiliderança. Aqui, o aspecto mais evidente se refere aos mecanismos de resolução de conf litos, de construção coletiva de consensos e de decisão compartilhada. Não haveria outro modelo possível de tomada de decisão numa rede. É por meio dessa via democrática e múltipla, de co-ordenação e co-decisão, que a rede controla as ações que realiza.

Curiosamente, a experiência das redes indica que muito pouco das suas ações é controlada ou precisa do controle do coletivo. A prática da ação difusa, ao contrário, na qual cada integrante da rede toma suas decisões e empreende suas ações, prescinde, na maior parte das vezes, de consulta ao grupo. Os pontos da rede, autônomos e investidos de poder, basicamente operam sem pedir permissão, orientados por um princípio de autogoverno compartilhado por todos. Um grande pacto inicial, uma espécie de consenso primordial e orientador da rede, é o parâmetro das ações e decisões difusas. Este, tem se revelado suficiente para alimentar a participação, promover a integração e evitar desvios de conduta, sem que seja necessário fazer uso da força, uma prerrogativa comum dos comandos centrais das organizações hierárquicas.O autogoverno na rede é possível porque ela é, antes de qualquer coisa, uma comunidade de propósito. Quando pessoas decidem participar da rede ou se integrar à sua dinâmica, o fazem em função de um objetivo comum. A adesão voluntária é a garantia do

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estabelecimento de laços numa rede. Mas essa adesão só nasce em função de um motivo que consiga reunir em torno de si as expectativas e os investimentos de cada um dos diferentes integrantes. O respeito a esses propósitos e valores e sua atualização e repactuação permanente são o que mantém uma rede coesa. É também o que permite que uma ação difusa da multiliderança ocorra sem erros de princípio. Desse modo, o compartilhamento de objetivos e valores está para o trabalho colaborativo da rede assim como a autoridade e o poder de mando estão para os sistemas verticais hierárquicos. O surgimento das redes ocorre quando um propósito comum consegue aglutinar diferentes atores e convocá-los para a ação. O elemento de coesão das redes é uma idéia-força, uma tarefa, um objetivo. Algo que parece frágil como princípio organizacional, mas quando potencializado pela ação voluntária se constitui em um poderoso agente de transformação.

Sobre o palestrante

Cássio Martinho é jornalista, consultor em gestão de redes e terceiro setor e coordenador executivo da ONG CoMover de Belo Horizonte. A palestra foi proferida durante o Seminário de Betim, MG.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPRA, F. A teia da vida – Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix/Amana-Key, 2001. MELUCCI, A. A invenção do presente – Movimentos sociais nas sociedades complexas. Petrópolis: Vozes, 2001.MARTINHO, C. Redes – Uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-organização. Brasília: WWF Brasil, 2003.

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Modelo de gestão para o acompanhamento de adolescentes inseridos em medidas socioeducativas de meio aberto – Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade e/ou envolvidos no ciclo de violência

O presente documento contém a normalização dos serviços referentes ao processo de municipalização de Liberdade Assistida e de qualificação das medidas socioeducativas em meio aberto.

Considerações gerais

No contexto do reordenamento institucional da assistência social na cidade de São Paulo, a Secretaria de Assistência Social (SAS) da Prefeitura de São Paulo organiza a Política de Proteção Social à Criança, ao Adolescente e ao Jovem a partir de um sistema de ações e responsabilidades que articula três eixos de serviços com ofertas específicas de atenção:

a) prevenção – serviços de convívio, autonomia e provisão para criança, adolescente e jovem, com prioridade àqueles mais sujeitos a vulnerabilidades e risco pessoal e familiar;

b) proteção – serviços de acolhida e de encaminhamento da criança e do adolescente em situação de direito violado;

c) reinserção – serviço de acompanhamento de adolescentes julgados autores de ato infracional e/ou envolvidos no ciclo da violência.

Os serviços desenvolvidos em cada um desses eixos compõem o Sistema de Proteção Social Básica e Especial à Criança, ao Adolescente e ao Jovem, que articula um conjunto de ações – integradas

quer em sua finalidade e operação, quer em sua gestão, por meio de parcerias entre órgãos estatais e organizações da sociedade civil.

Justif icativa

O eixo de reinserção no Sistema de Proteção Social Básica e Especial à Criança, ao Adolescente e ao Jovem deve garantir serviços de proteção jurídico-psicossocial e de acompanhamento da execução das Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviços à Comunidade (PSC). Os princípios básicos que norteiam a consolidação desse eixo são:• Art iculação intersecretar ial das ações da prefeitura e art iculação intergovernamental conectando as ações da prefeitura, governos do estado e federal; no âmbito do Execut ivo, Leg islat ivo e Judic iár io.

• Consol idação de parâmetros universais e de qual idade na reinserção de adolescentes julgados autores de ato infracional ou envolvidos no ciclo da violência.

• Diferenciação do processo socioeducat ivo com o processo judic ial, uma vez que o pr imeiro deve ter caráter prevent ivo e se estender ao per íodo pós-medida judic ial, garant indo condições de reinserção social.

Objetivo

Ter implantado e consolidado uma nova concepção e um novo formato de gestão e execução dos serviços de acompanhamento de adolescentes inseridos em medidas socioeducativas em meio aberto (Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade) e/ou envolvidos no ciclo da violência por meio de serviços articulados de acompanhamento a adolescentes inseridos nessas medidas (Núcleos Socioeducativos, Serviços de Proteção Jurídico-Psicossocial, Incubadora, Módulo de Gerenciamento Técnico e Administrativo).

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Metodologia – estratégia de ação

Pressupostos metodológicos do modelo de gestão para acompanhamento de adolescentes inseridos em Medida Socioeducativa em Meio Aberto

O acompanhamento dos adolescentes inseridos nessas medidas deve visar à sua atenção integral, observando:• A determinação de representante do Ministério Público ou Poder Judiciário, em relação ao devido direito à defesa.

• A natureza do ato infracional, circunstâncias, personalidade e situação sociofamiliar do adolescente.

• A possibilidade de combinar as medidas socioeducativas com as de proteção, em articulação com os Conselhos Tutelares, sempre levando em conta as necessidades de socialização do adolescente.

• O respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento.No atendimento e acompanhamento de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em meio aberto, o orientador socioeducativo deve pautar-se pelos seguintes princípios:

• Respeito à integralidade do adolescente e à sua condição de pessoa em desenvolvimento.

• Construção de processo pedagógico que pode se iniciar na fase f inal do cumprimento da internação (nos casos de progressão de medida) e deve encerrar-se quando o adolescente e sua família forem considerados aptos a desenvolverem seu plano de vida de modo independente. Esse prazo final pode estender-se para além do encerramento da medida socioeducativa, revelando que o tempo e o vínculo existem além da medida judicial.

• Reconstrução ou estabelecimento de vínculos familiares e sociais, valores e projeto de vida.

• Relacionamento entre adolescentes, orientador e equipe de trabalho baseado em vínculo de confiança e diálogo.• Construção conjunta – adolescente, família/responsável

e orientador, do Plano Personalizado de Atendimento, a partir dos anseios e das potencialidades dos adolescentes.

• Financiamento e infra-estrutura adequados para a realização dos programas.

• Atuação articulada com outros segmentos da sociedade civil e órgãos públicos, baseada no princípio da incompletude institucional.

• Programa como parte de uma polít ica universal de atenção ao adolescente e jovem.

• Formatação das equipes de trabalho – equipe multidisciplinar, de modo que haja a complementaridade interdisciplinar e interdimensional.

• Formação inicial mínima para o orientador – segundo grau completo, ou a ser completado no prazo máximo de dois anos.

• O acompanhamento socioeducativo proposto supera o modo tradicional de atendimento segregado de adolescentes inseridos em medida socioeducativa. Essa concepção se pauta no diagnóstico de que há um número significativo de adolescentes envolvidos no ciclo de violência não inseridos em medida socioeducativa. O programa proposto busca responder não apenas à justa preocupação da defesa social, mas privileg ia a socioeducação, buscando acompanhar adolescentes envolvidos no ciclo da violência e, entre eles, os adolescentes inseridos em medida socioeducativa em meio aberto.

Parâmetros metodológicos

do processo de acompanhamento

O período da medida socioeducativa é limitado. Deve ser potencializado como tempo pedagógico, para construir caminhos que transcendam a realidade que originou o ato infracional. Há que se olhar para esse tempo limitado de forma estratégica, planejando coletivamente, para que cada ator assuma suas responsabilidades no alcance dos objetivos propostos, sendo ator e autor no processo.

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O tempo de acompanhamento se divide nas seguintes fasesFase do processo de acompanha-mento de adolescentes inseridos em medidas socioeducativas em meio aberto

Marcas pedagógicas de cada fase específi ca

Fase pré-medida – APROXIMAR-SE do adolescente (em caso de internação) e de sua família

– PREPARAR o processo de acom-panhamento

– A forma de acompanhamento nessa fase precisa ser, neces-sariamente, CONSENSUADA com a FEBEM-SP

Tempo médio de acompanhamento de seis meses

Fase inicial – ACOLHER o adolescente e sua família

– OUVIR e SENTIR o adolescente e sua família

– MOTIVAR o adolescente e sua família

Fase de consolidação do Plano Personalizado de Atendi-mento como compromisso coletivamente construído

– RESPONSABILIZAR o adoles-cente e sua família

– PLANEJAR com o adolescente e sua família

– FIRMAR COMPROMISSOS com o adolescente e sua família

Fase do acom-panhamento

– PROVOCAR o protagonismo do adolescente e de sua família

– ENCAMINHAR o adolescente e sua família para a rede de serviços

– ACOMPANHAR o adolescente e sua família, avaliando coleti-vamente e periodicamente o caminho feito

Fase de encer-ramento

– AVALIAR com o adolescente e sua família a trajetória cons-truída

– CONCLUIR o período da MEDIDA SOCIOEDUCATIVA em meio aberto

Fase pós-medida – CONCLUIR gradualmente o processo de acompanhamento

Quadro 1: Visualização das fases de acompanhamento

socioeducativo

E D U C A Ç Ã O

P R O F I S S I O N A L I Z A Ç Ã O

S A Ú D E

C U LT U R A

T R A B A L H O

R E D E D E S E R V I ÇO S

Poder Judiciário: Audiência de Apresentação(Adolescente e Família)

Apresentação no Centro de Referência da SAS Regional ou organização conveniada

(dependendo de acordo com o Poder Judiciário) (Adolescente e Família):

- Interpretação da Medida

Organização conveniada:

Atendimento pré-Medida do

adolescente interno em Unidade

Educacional e da Família) APROXIMAR

E PREPARAR

H A B I TA Ç Ã O

E S P O R T E S L A Z E R

Acompanhamento pela organização conveniada

Fase de Consolidação do Plano Personalizado de Atendimento:

RESPONSABILIZAR, PLANEJAR, FIRMAR COMPROMISSOS

Fase do Acompanhamento: PROVOCAR, ENCAMINHAR, ACOMPANHAR

Definição no Fórum:

– Prorrogação,

– Regressão,

– Extinção

Organização conveniada:

Atendimento pós-Medida

(do adolescente e daFamília)CONCLUIR

Fase do Encerramento: AVALIAR,CONCLUIR

Fase Inicial: ACOLHER, OUVIR, SENTIR, MOTIVAR

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O período da medida socioeducativa é limitado.

Deve ser potencializado como tempo pedagógico,

para construir caminhos que transcendam a realidade que originou o ato infracional. Há que se olhar para esse tempo

limitado de forma estratégica, planejando coletivamente,

para que cada ator assuma suas responsabilidades no alcance dos objetivos propostos, sendo ator e

autor no processo.

Serviços propostos para a objetivação

da metodologia socioeducativa

O modelo de gestão proposto diferencia as atribuições de acompanhamento socioeducativo, que pressupõem um vínculo essencial entre o adolescente e o orientador, das atribuições de orientação técnica-jurídica, psicológica e social, que estão situadas no eixo da defesa de direitos. A proposta desse modelo de gestão é não fragmentar a ação socioeducativa, que deve ser integral e integradora. Assim, a prática cotidiana de acompanhamento aos serviços de atendimento fica sob total responsabilidade dos denominados Núcleos Socioeducativos.

Os serviços de Proteção Jurídico-Psicossocial se articulam permanentemente com os Núcleos Socioeducativos e com a Rede de Serviços e contam com o suporte das Incubadoras Sociais e dos Módulos de Gerenciamento Técnico e Administrativo.O conjunto de serviços articulados tem como objetivo essencial romper com o ciclo da violência, orientando e motivando os adolescentes a construírem caminhos de fortalecimento da auto-estima,

capacidade de interação (resiliência), autonomia e protagonismo, rumo à emancipação, inserção, inclusão e cidadania.

Quadro 2: Contextualização dos serviços articulados de acompanhamento socioeducativo

Ciclo de violência

Ato infracional

Medida socioeduca-tiva em meio aberto

Liberdade assistida

Prestação de Serviços A

com

pan

ham

ento

e O

rien

taçã

o

Rede de Serviços

Serviço de ProteçãoJurídico- Psicossocial

SP JPS

Núcleo Sócioeducativo NSF

Módulo

Incubadora

Auto- Estima

Resiliência

Autonomia

Protagonismo

Travessia

Emancipação

Inserção

Inclusão

Cidadania

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Descrição dos serviços previstos pelo modelo de gestãoServiço Descrição do serviço

Núcleo Socioeducativo – Estratégia de nucleação de educadores próximo do local de moradia de adolescentes em medida socioeduca-tiva, garantindo o vínculo com a família e o avizinhamento.– Projetos de acompanhamento conveniados com organizações da sociedade civil.– Demanda atendida não maior que 90 adolescentes por núcleo de modo a usar organização administrativa de baixo impacto.– Equipe interdisciplinar composta de, em média, 15 adolescentes por orientador.– Desenvolvimento articulado do conjunto de atividades constantes na tabela ”Atividades propostas para o processo de acompanhamento de adolescentes em Medida Socioeducativa em Meio Aberto e/ou envolvidos no ciclo de violência“.

Módulo de Geren-ciamento Técnico e Administrativo

– Serviço de controle de informações de atenção aos adolescentes, guarda de relatórios, unidade de documen-tação gerencial de ONGs que produzam os serviços no acompanhamento socioeducativo.– O módulo de gerenciamento pode ser territorializado no Centro de Referência de Assistência Social, no serviço de Proteção Jurídico-Social e Apoio Psicológico, no Núcleo Socioeducativo ou mesmo na Incubadora Social. A opção depende da realidade de cada área regional quanto à incidência da demanda, sua localização e as cara-cterísticas das ONGs da região.– Desenvolvimento articulado do conjunto de atividades constantes na tabela ”Atividades propostas para o processo de acompanhamento […]“

Serviço de Proteção Jurídico-Psicológico-Social

– Serviço direto ou sob convênio com função articuladora na área territorial de abrangência da atenção aos adolescentes em risco, sob medidas socioeducativas, vitimados e no ciclo de violência.– Orientação em caso de ameaça ou violação dos direitos individuais e coletivos.– Atuação técnica e processual de defesa do adolescente autor de ato infracional inserido em medida socioedu-cativa em meio aberto.– Defesa dos direitos difusos e coletivos em relação ao adolescente e sua família.– Articulação permanente com os órgãos do Poder Judiciário e os Conselhos de Defesa.– Orientação do adolescente e da família que apresentem necessidades de ordem psico-afetiva através de at-endimentos individuais e de grupos de convivência.– Desenvolvimento articulado do conjunto de atividades constantes na tabela ”Atividades propostas para o processo de acompanhamento […]“

Incubadora – Prestação de serviços específicos e especiais por adolescentes envolvidos com o uso de drogas.– Disponibiliza horas de profissionais para qualificar a metodologia de ação, os instrumentos técnico-operativos, sistematizar o conhecimento produzido e manter contínua capacitação de pessoal e horas especializadas de profissionais de modo a enriquecer o processo de reinserção do adolescente.– Oferecimento de profissionais especializados para realização de oficinas pedagógicas, de arte-educação etc., conforme demanda dos adolescentes acompanhados.– A Incubadora Social consiste numa oferta potencial de trabalho especializado para qualificação de pessoas, métodos, instrumentos e técnicas operacionais.– Capacidade técnica para garantir qualidade metodológica no processo de operação.– Desenvolvimento articulado do conjunto de atividades constantes na tabela ”Atividades propostas para o processo de acompanhamento […]“

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Quadro 3: Articulação dos serviços de acompanhamento socioeducativo

Núcleo Socioeducativo

- NSE

Módulo de Gerenciamento

Técnico e Adminsitrat ivo -

MGTA

Incubadora

SAS Defende CR AS Equipes

Dis tr i tais

Outras Secretar ias

af ins : Educação,

Saúde, Cultura , Espor te

etc .

Rede de Ser v iços

Ser v iços de Proteção Jur ídico -

Psicossocial

* S A S D E F E N D E : S u p e r v i s ã o d e d e f e s a e p r o v i s ã o d e d i r e i t o s d e p r o t e ç ã o , p r o t a g o n i s m o e e q ü i d a d e s o c i a l , a r t i c u l a d o j u n t o à s s e g u r a n ç a s s o c i a i s A CO L H E ( P r o g r a m a s d e A c o l h i d a ) , CO N V I V E ( P r o g r a m a s d e C o n v í v i o ) e P R O V Ê ( P r o g r a m a s d e P r o v i s ã o d e b e n e f í c i o s) , é e i x o p r o g r a m á t i c o d o P l a n o d e A s s i s t ê n c i a S o c i a l d a C i d a d e d e S ã o P a u l o .

* * C R A S : C e n t r o d e R e f e r ê n c i a d e A s s i s t ê n c i a S o c i a l ; é a p o r t a d e e n t r a d a d o s i s t e m a d o s s e r v i ç o s s o c i o a s s i s t e n c i a i s d a s S A S e s e l o c a l i z a n a s 31 s u b p r e f e i t u r a s , n a C o o r d e n a d o r i a d e A s s i s t ê n c i a S o c i a l e D e s e n v o l v i m e n t o e , d e n t r o d e s t a , n a S u p e r v i s ã o d e A s s i s t ê n c i a S o c i a l .

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Atividades propostas para o processo de acompanhamento de adolescentes em medida socioeducativa em meio aberto e/ou envolvidos no ciclo de violênciaAtividades personalizadas com adoles-centes e família

– Atendimentos individuais de adolescentes– Atendimentos individuais de familiares– Atendimentos individual com adolescente e responsável– Atendimentos grupais de adolescentes– Atendimentos grupais de familiares– Atividades de lazer e de cultura– Oficinas pedagógicas e culturais– Atendimento psicoterápico– Atendimento jurídico-social– Atendimento específico para superação de problemas de drogadição– Construção coletiva de propostas inovadoras de prestação de serviço à comunidade (PSC)

Visitas – Visitas domiciliares– Visitas à escola (para acompanhar solicitações oriundas de escolas, acompanhamento de adolescentes e capacitação da rede escolar)– Visitas ao lugar de trabalho (quando for para o benefício do adolescente atendido, isto é, quando o empregador estiver ciente da MEDIDA SOCIOEDUCATIVA)– Visitas aos locais para os quais foram efetuados encaminhamentos (ex.: clínica etc.)– Inserção e acompanhamento do adolescente no equipamento de cumprimento da prestação de serviço

Articulações externas

– Articulação com a rede escolar para inserção de adolescentes na vida escolar– Articulação permanente com Programas Oficiais de Atendimento ao Adolescente e com as Entidades Comunitárias de Atendimento ao Adolescente para inserção em cursos de capacitação, profissionalização etc.– Articulação permanente com empresas e comércio para inserção de adolescentes no mundo do trabalho– Articulação permanente com equipamentos públicos (no sentido de capacitação, acompanhamento e avaliação) para inserção de adolescentes– Articulação permanente com o Conselho Tutelar para questões específicas ( por exemplo, garantia de matrícula escolar, medidas de proteção etc.)– Articulação permanente com a rede de serviços da Segurança Pública– Participação permanente em redes e articulações de defesa, garantia e promoção dos direitos dos adolescentes

Funcionamento interno – Rotina diária para organização de questões administrativas (prestação de conta, movimentação bancária etc.) e para

encaminhamento de questões emergenciais (emergências pessoais da demanda etc.)– Encontros de planejamento, supervisão, avaliação e capacitação– Elaboração de relatórios informativos, de acompanhamento e de encerramento conforme critérios do Poder Judiciário– Processo de monitoramento e avaliação por meio de sistema informatizado

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Mecanismos de acompanhamento e avaliação

Supervisão institucional – a SAS fará o processo de supervisão, avaliação e (re)planejamento dos serviços conveniados propostos por meio da Coordenadoria de Defesa de Direitos (SAS Defende), utilizando seus instrumentos de regulação de parceria na Política de Assistência Social.

Os parâmetros de avaliação dos serviços prestados serão os resultados e as aquisições esperados dos beneficiários – fortalecimento de auto-estima, desenvolvimento de autonomia e resiliência, fortalecimento de vínculos familiares e sociais, desenvolvimento de capacidades e potencialidades, desenvolvimento de oportunidades de convívio, aquisições culturais, redução de situações de violência, risco e vulnerabilidade, desenvolvimento de protagonismo social, acesso a benefícios e serviços socioassistenciais.Entre os mecanismos de acompanhamento destacam-se as equipes distritais das Supervisões de Assistência Social e o Comitê Gestor Central, composto por SAS Defende, representantes das Supervisões de Assistência Social envolvidas e representantes das organizações parceiras.

À Febem-SP caberá, em conjunto com a SAS, avaliação periódica dos serviços municipalizados, alémdo controle de prestação de contas dos recursos financeiros por ela repassados. Serviços de acompanhamento socioeducativo – avaliar as políticas públicas é essencial pois expõe o processo de construção das medidas de equivalência social. Avaliar implica em julgar, enunciar uma forma ideal para um determinado estado de coisas, atribuir uma medida de comparação entre mundos diferentes,

indicar a importância da construção de um novo senso comum sobre os atributos da igualdade e da justiça. Para qualificar o processo de monitoramento e avaliação, a SAS está na fase final de desenvolvimento de um sistema informatizado e integrado de acompanhamento das medidas socioeducativas, contendo instrumentos de avaliação e monitoramento do acompanhamento socioeducativo de adolescentes inseridos em medida socioeducativa em meio aberto e/ou envolvidos no ciclo da violência. Esse sistema se articula com o processo de informatização dos serviços socioassistenciais em fase de implantação na SAS (Banorgas – Banco Público de Dados de Organizações e de Serviços de Assistência Social da Cidade de São Paulo e Banco de Usuários). Pressupondo o princípiode articulação dos serviços públicos, o sistema informatizado e integrado de acompanhamento das medidas socioeducativas deve articular-se como o SIPIA II.

O instrumento em fase conclusiva de elaboração analisa a ação socioeducativa do ponto de vista da organização social, do programa de medidas socioeducativas em meio aberto e da atividade socioeducativa proposta e desenvolvida. Do ponto de vista metodológico, o sistema de avaliação e monitoramento trabalha em três planos: o primeiro é o Plano Descritivo. Sua finalidade é a construção do universo de categorias descritivas das ações realizadas. Não tem caráter normativo, mas descreve os elementos que compõem a caracterização do universo das medidas socioeducativas em meio aberto, qualificando inclusivea própria organização social responsável pelas atividades socioeducativas. O segundo passo é o Plano Analítico. Este tem como finalidade a produção de conhecimento crítico sobre o trabalho desenvolvido pelo programa, a dinâmica institucional e o funcionamento da rede de proteção social e do sistema

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de garantia de direitos. Ele processa os dados do Plano Descritivo e analisa as correlações entre suas variáveis. O terceiro passo, finalmente, é o Plano Prospectivo, compreendido enquanto instância de planejamento. Ele orienta as atividades socioeducativas e os procedimentos institucionais conforme os parâmetros estabelecidos pelo Plano Analítico.

Sobre o palestrante

Beat Wehrle (Tuto) coordenou entre 2003 e 2004 o processo de municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto na então Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS). É sócio fundador do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Interlagos (Cedeca Interlagos),

no qual atua como secretário de gestão e organização. Essa palestra foi proferida durante o seminário de São Paulo, SP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Secretaria Municipal de Assistência Social e Secretaria Especial de Direitos Humanos. As medidas socioeducativas em meio aberto como garantia de proteção social aos adolescentes e jovens na Cidade de São Paulo. São Paulo, 2004.Sistematização das conclusões da comissão interinstitucional sobre o processo de municipalização das medidas socioeducativas (MSE) em meio aberto. Diário Oficial do Município. São Paulo,8 de março de 2003.

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A cidade real, uma experiência de gestão participativa em Ponta Grossa, PR

A cidade paranaense de Ponta Grossa tem uma população de quase 275 mil habitantes, 40% dos quais vivem na pobreza ou abaixo da linha da pobreza. Tem alto índice de desemprego e 4,5 mil famílias moram em favelas. A atenção à saúde é precária, e 2,5 mil crianças de 0 a 15 anos estão fora da escola. Há poucos espaços públicos de lazer e esporte; o índice de violência urbana é crescente e a cidade vem perdendo sua identidade cultural.

A articulação e a participação dos diversos atores da sociedade foi a base para alterar a condução das políticas públicas no município, em busca da inclusão social e do desenvolvimento. Uma das primeiras ações foi criar o Núcleo de Planejamento Estratégico e Participação Popular, para que o governo pudesse orientar suas ações pelas demandas da população e articular as políticas setoriais de modo a concentrar todos os esforços na mesma direção. O novo modelo de gestão baseia-se na intersetorialidade e na co-responsabilidade das áreas de Assistência Social, Educação, Saúde, Cultura, Esporte e Lazer.A partir do trabalho do Núcleo, todas as ações do governo foram planejadas com base em cinco pilares, considerados fundamentais: inclusão social, participação popular, ebulição cultural, modernização administrativa e cidade bonita, e boa de morar.

Inclusão social

Trabalha na perspectiva de articular as diferentes organizações, os serviços e programas de natureza pública, privada e comunitária para dar atenção integral às necessidades dos segmentos mais vulneráveis da população.

Participação popular

Este pilar inaugura uma nova relação entre a sociedade e o governo, por meio de mecanismos democráticos como o Orçamento Participativo e os Conselhos Populares e Setoriais. Os Conselhos de Vilas reúnem as principais lideranças comunitárias: o médico, a enfermeira da unidade de saúde, o diretor da escola e as lideranças religiosas, esportivas e culturais. São fóruns de participação popular e política, nos quais se debatem e propõem soluções para os problemas da comunidade.

Ebulição cultural

Tem como foco resgatar o patrimônio histórico e as expressões culturais da população. Foi criada uma fundação para desenvolver as políticas culturais do município.

Modernização administrativa

Consistiu na informatização de todos os setores administrativos, agilizando a prestação dos serviços e permitindo o acompanhamento da execução financeira pela população. A prefeitura implantou uma Praça de Atendimento, na qual funcionam as principais secretarias e departamentos, diminuindo a burocracia e, conseqüentemente, o tempo de espera da população para ser atendida.

Cidade bonita e boa de morar

Tem o foco na melhoria da qualidade de vida das pessoas. As principais ruas dos bairros estão sendo recuperadas, com ampliação da rede de água e esgoto, revitalização de espaços públicos, urbanização de lotes e construção de núcleos habitacionais.

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Principais projetos

Dentre os projetos implementados, destaca-se o Cata-vento, destinado a crianças e adolescentes entre 7 e 18 anos incompletos, criado com o objetivo de minimizar as situações de risco pessoal e social. Coordenado e monitorado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, é desenvolvido em parceria com organizações não governamentais de atenção à criança e ao adolescente, e funciona em núcleos regionalizados. Trabalha na perspectiva da inclusão social, buscando a socialização por meio da educação para a cidadania. As crianças e os adolescentes atendidos freqüentam a escola em um período e, no outro, participam das atividades do Cata-vento. Recebem assistência médica, odontológica, refeições diárias, e desenvolvem atividades sociais, pedagógicas, esportivas e artístico-culturais. Atualmente, há mais de mil crianças e adolescentes inseridos em diversas atividades.

Um outro projeto realizado nessa mesma perspectiva de inclusão é o Viva o Circo, que consiste em oficinas de circo, com atividades de criação e execução artística. Além de promover a preservação e a difusão da cultura circense, as crianças e os adolescentes aprendem a participar de uma atividade coletiva, que envolve o respeito pelo outro e a co-responsabilidade.Para o público empresarial, a prefeitura criou o Selo Social, em 2002, para certificar e valorizar as empresas que operam de acordo com a legislação vigente, estão em dia com suas obrigações fiscais e desenvolvem projetos de responsabilidade social interna e externa. Dentre os projetos externos, destaca-se o investimento maciço em educação, por parte dos colégios particulares, com ênfase na promoção do

voluntariado entre seus alunos, que atuam em um grande número de Centros de Educação Infantil. Do total dos projetos externos realizados pelo Selo Social, 77,8% são operacionalizados por organizações não governamentais e 22,2% por órgãos governamentais.Outro investimento do governo de Ponta Grossa, com o intuito de conectar o planejamento estratégico com as estruturas de mobilização popular, é o fortalecimento dos conselhos e entidades de defesa dos direitos. São os conselhos, enquanto canais promotores de diálogo entre os diversos atores governamentais e não governamentais, arenas nas quaisse praticam a partilha de poder e a co-gestão. São espaços fundamentais de participação cidadã, em relação à elaboração e ao controle de políticas públicas setoriais, ou na gestão de programas governamentais focalizados. (IPARDES, 2003).

Sobre a palestrante

O relato dessa experiência foi feito por Lenir Aparecida Mainardes da Silva, assistente social e Secretária Municipal de Assistência Social do município de Ponta Grossa, PR, por ocasião do Seminário de Blumenau, SC.

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Conselho Municipal de Betim: conhecimento da realidade, capacitação de conselheiros e mobilização da sociedade

O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da cidade mineira de Betim foi criado logo após a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e o Fundo da Infância e da Adolescência da cidade recebeu sua primeira doação em 1994. Desde então, o conselho vem atuando de forma positiva e a performance do fundo tem sido uma das melhores do país. Há pelo menos três aspectos determinantes para o bom funcionamento do Conselho de Betim: o conhecimento das necessidades locais, a atuação efetiva dos conselheiros e a mobilização da sociedade, uma vez que a maior parte dos recursos provém de empresas privadas.

Um dos primeiros procedimentos adotados pelo Conselho de Direitos de Betim, a fim de ampliar seus recursos, foi sensibilizar os contadores da cidade, disseminando o conhecimento da lei e dos procedimentos necessários para que as empresas destinassem parte do imposto de renda devido para o Fundo da Infância do município.A eleição da nova diretoria da classe apresentou-se como um segundo momento de sensibilização desses profissionais, que têm um papel fundamental no processo de destinação dos recursos advindos da Renúncia Fiscal, uma vez que são eles que operacionalizam a ação. Outra ação usual do CMDCA de Betim é enviar mala direta para as empresas de maior faturamento na cidade, no período que antecede a destinação dos recursos.O material é bastante esclarecedor quanto ao mecanismo do FIA e quanto à responsabilidade da gestão dos recursos, que é do Conselho Municipal dos

Direitos e não da prefeitura. Os empresários, em sua grande maioria, ainda desconhecem esse aspecto e temem que o dinheiro seja usado pela prefeitura em ações político-partidárias e não em benefício direto da criança e do adolescente da cidade. Esclarecer esse processo é da maior importância. Com o objetivo de sensibilizar o empresariado, por ocasião da 3a Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente, em 2003, o CMDCA convidou pessoas que são referência no Brasil inteiro, na divulgação do FIA. Entre eles, Álvaro Machado, Presidente da Fundação Belgo e Francisco Azevedo, do Instituto Telemig Celular. Ambos apresentaram suas experiências, incentivando as empresas a aderirem ao FIA e mobilizando os empresários de Betim para essa ação solidária.

O segundo aspecto determinante do bom funcionamento de qualquer conselho é que ele tenha uma estrutura organizacional eficiente. O Conselho de Betim tem uma secretaria executiva atuante, composta por profissionais muito comprometidos. Isso facilita todo o processo de captação, acompanhamento e avaliação dos resultados. Pelo fato dos conselheiros serem voluntários e não disporem de muito tempo para dedicar ao conselho, a existência de uma estrutura competente é fundamental.Um outro aspecto primordial é o conhecimento da realidade. Como diz Fernando Elias, do Instituto Telemig Celular, “é fundamental dispormos de um diagnóstico da cidade, no que se refere à criança e ao adolescente, porque quando uma empresa destina recursos, o conselho precisa saber quais são as prioridades e as demandas do município”. Esse conhecimento prévio é importante, para que a formatação do projeto seja feita de forma extremamente clara. A transparência é outro quesito fundamental, que deve permear a relação com os empresários e as ONGs. É preciso que eles tenham

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acesso à prestação de contas, que é feita para a Secretaria do Planejamento, que possam acompanhar o projeto, desenvolvido pela instituição, e que haja clareza quanto aos resultados alcançados. A maior referência do bom funcionamento, seriedade e organização do Conselho de Betim é o seu longo relacionamento com os parceiros, entre eles, a Localiza Rent a Car, empresa de Belo Horizonte que, desde 2000, destina recursos para a ONG Missão Ramacrisna, para o desenvolvimento de um projeto de arte-cultura e educação.

Sobre a palestrante

O relato dessa experiência foi feito por Solange Bottaro, co-fundadora do Grupo de Instituições Sociais (GIS), rede de organizações sociais de Belo Horizonte. Atualmente exerce as funções de superintente da Missão Ramacrisna e diretora da Associação Comercial e Industrial de Betim (Aciabe). Foi presidente do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente de Betim, de janeiro de 2000 a maio 2003.Proferido durante o seminário de Betim, MG.

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Fazenda-escola Fundamar: construindo a identidade da escola do campo

Criada pela Fundação 18 de Março (Fundamar), com o apoio da Secretaria de Educação de Minas Gerais, a Fazenda-escola Fundamar assumiu um dos maiores desafios da educação no campo: oferecer um ensino de qualidade e manter a freqüência na escola. Em virtude da intensa mobilidade dos alunos – 30% de rotatividade em 2003, provocada pela inconstância do trabalho no campo e a intensa migração para a periferia da cidade, a pedagogia Fundamar é centrada na construção da identidade e do pertencimento dos alunos.

A pedagogia da Escola Fundamar se expressa por meio de seus três principais projetos, voltados para crianças de educação infantil e ensino fundamental e que, de certa forma, abraçam toda a comunidade rural.Cadernos de Estudos Sociais – construídos com as turmas de 2ª, 3ª e 4ª séries, desde 1993, os cadernos partem de uma abordagem de pesquisa e sistematização da realidade dos alunos como objeto de conhecimento escolar. Entre os temas tratados está o dialeto caipira, a religiosidade popular, a arquitetura rural, o compadrio e a cultura de massa; a mecanização da lavoura do café, o alcoolismo e as novas formas de sociabilidade fortemente presentes no meio rural.

A partir da sociologia da cultura rústica de Antonio Candido, da pesquisa participante de Carlos Rodrigues Brandão e da geografia de Milton Santos, crianças e adultos são desafiados a montar croquis e maquetes, a construir reálias, jogos interativos, peças de teatro, vasculhar histórias, fotografias e depoimentos dos antigos; visitar algumas fazendas e indústrias, centros de cultura e museus de Paraguaçu e de Machado. A partir disso constroem desenhos, fotografias,

raciocínios e textos sobre o Tempo e o Espaço de suas comunidades. Outra vertente desse projeto é pesquisar como as crianças de 7 a 11 anos constroem seus conceitos de Tempo e Espaço, no contexto de transição entre o rural e o urbano; o rústico e o tecnológico; o natural e o social; o local e o globalizado.Pedagogia das Oficinas – coordenadas por artesãos, cada oficina da Fundamar procura congregar o fazer artesanal com ref lexões sobre o mundo. Assim, o tempo gasto na fiação de um novelo de lã, o peso da argila demandada por uma peça de cerâmica, as figuras geométricas das formas de tecer cestos, a produção do húmus na horta e o movimento pendular dos brinquedos de marcenaria, são temas do cotidiano que levam adultos e crianças a ref letir sobre matemática, geografia, história e ciências.Todas as oficinas, resguardadas as peculiaridades das faixas etárias e do processo artesanal de cada uma, desenvolvem os mesmos projetos pedagógicos, também construídos coletivamente. Esse eixo comum faz com que todos os artesãos possam trocar seus relatórios de prática, suas dúvidas e descobertas, com os demais colegas e com isso construir uma pedagogia de educação não formal dentro de um contexto eminentemente escolar. Em 2003, foram desenvolvidos quatro projetos: Idosos, Conhecendo nossas Of ic inas,Sexualidade e Gravidez na Adolescência, e Port inar i – o Pintor do Brasil. Em 2004, dentro do projeto As Novas Tecnolog ias e a Escola estão sendo estudados o rádio, a fotografia, a televisão e a internet.

Educação Infantil – integra-se aos princípios pedagógicos já enunciados, com alguns destaques:• Acolhimento precoce das crianças a partir de 18 meses, dentro de um espaço escolar, pressupondo a continuidade do processo educativo até a conclusão do ensino fundamental.

• Garantia de atendimento, pela Secretaria de

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Educação de Minas Gerais, das 140 crianças de educação infantil. É a única exceção no estado, o que pode significar um bom precedente para estender esse direito constitucional a todas as crianças dessa faixa etária vindas das demais escolas públicas, rurais e urbanas.

•Possibilidade de acolhimento de todos os irmãos da família em um mesmo espaço, garantindo a proteção dos menores pelos maiores e a freqüência de todos à escola, já que os maiores ficam desobrigados da eventual guarda dos pequenos em casa.

• Ampliação do círculo de convivência da criança pequena que, na roça, está cada vez mais isolada, dada a redução da prole e o esvaziamento das colônias das médias e grandes fazendas de café.

A fazenda-escola fundamar e

a proteção integral à criança

Além da estrutura física e dos aparatos institucionais que viabilizam a educação e a proteção de 545 crianças, a pedagogia da Fundamar tem outros significados no cotidiano das comunidades que atende há quase 20 anos. A fazenda-escola mantém um índice de freqüência diária em torno de 92%, número bastante significativo, considerando as distâncias e dificuldades de locomoção no campo. Portanto, mais do que assegurar a matrícula é necessário manter a criança na fazenda-escola durante oito horas diárias nos 200 dias do calendário escolar. Esse esforço não é só da criança, mas de toda a família; não é só da instituição, mas de cada educador que toma para si a tarefa de levar a sério a criança como sujeito de direitos, entre eles o direito ao conhecimento do mundo.Ao acolher as famílias de trabalhadores rurais e instituir uma pedagogia que traga as mudanças e as permanências; as conciliações e os conf litos; as

frustrações e os desejos por elas vividos, a Fundamar vem conseguindo, dentro de suas muitas limitações, construir um núcleo de convivência, de identidade e porvir para essas comunidades.Ao instrumentalizar as crianças e os jovens para desenhar outro projeto de futuro, que não o precoce ingresso no trabalho ou à margem do trabalho, muitas vezes aceito por falta de opções, a Fundamar talvez mostre que o caminho mais eficaz de proteção integral à criança seja a escola pública atenta ao contexto de sua comunidade. Escola pública, no sentido de escola de todos nós.

Sobre a palestrante

O relato dessa experiência foi feito por Maria Lúcia Prado Costa, assistente social da Fazenda-escola Fundamar, por ocasião do Seminário sobre o Combate ao Trabalho Infantil, em Blumenau, SC.

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PARTEI I

Atenção a situaçõesde vulnerabilidade

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Pa ra transforma r o mundo, não bastam leis .É preciso que o governo, a famí l ia e a sociedade aprendam a o lha r as crianças e os adolescentes como sujeitos de d i reitos

E s te ca p í t u l o a p re s e nta p a l e s t ras e re l a tos d e

e x p e r i ê n c i as , co m f o co n a a te n çã o a s i t u a çõ e s d e

v u l n e ra b i l i d a d e d e c r i a n ças e a d o l e s ce nte s . S i l v i a Ca va z i n

d is c u te a g ra v i d e z n a a d o l e s cê n c i a d o p o nto d e v is ta

d o u n i v e r s o f e m i n i n o e m as c u l i n o . M a rg a re t h M a tos d e

Ca r va l h o e M a r i a n e J os v i a k fa l a m d a i m p o r tâ n c i a

d o t ra b a l h o co n j u nto d o g o v e r n o , d a fa m í l i a

e d a s o c i e d a d e p a ra co m b a te r o t ra b a l h o i n fa nt i l

e p ro m o v e r a p ro f is s i o n a l i za çã o d os a d o l e s ce nte s ,

re sp e i ta n d o a Le i d e A p re n d i za g e m . S i m o n e G o n ça l v e s d e

A ssis e R os e m a r y Fe r re i ra i n d i ca m ca m i n h os p a ra re i ns e r i r

o a d o l e s ce nte a u to r d e a to i n f ra c i o n a l , a p a r t i r

d e u m a re f l e x ã o s o b re o q u e é a a d o l e s cê n c i a

e a v is ã o q u e os j o v e ns tê m d e s i m e sm os .

N o b l o co d as e x p e r i ê n c i as , S ã o Ca r l os , SP, re v e l a u m a

f o r m a i n o va d o ra e e f i ca z d e l i d a r co m os a d o l e s ce nte s

a u to re s d e a to i n f ra c i o n a l , S ã o J os é d o R i o Pre to , SP

a p re s e nta su a i n i c i a t i va e o Ce d e ca I nte r l a g os m os t ra

ca m i n h os d e p re v e n çã o e d e i ns e rçã o s o c i a l . A ass o c i a çã o

p a u l is ta Lu a N o va e nsi n a a o l h a r p a ra a g ra v i d e z n a

a d o l e s cê n c i a co m o u m a p e r sp e c t i va d e c re s c i m e nto

e a m a te r n i d a d e co m o u m a o p o r t u n i d a d e d e v í n c u l o .

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Gravidez na adolescência e políticas públicas

As reflexões propostas neste texto sugerem que para entender a gravidez na adolescência é preciso ir além do que os números mostram. Essa percepção é fruto do trabalho da ECOS, ONG que atua no campo da Comunicação ligada à Sexualidade.

A gravidez na adolescência é um assunto muito presente hoje em dia e de grande complexidade. Principalmente porque não se sabe, ao certo, o que leva uma adolescente à maternidade. Há quem pense que as jovens engravidam por estarem fortemente inebriadas pelo desejo de serem mães. Outros analisam que elas tentam mostrar o quanto podem se tornar responsáveis ao assumir um filho. É possível que não se trate de uma coisa nem outra. Pode ser acaso, descuido, ingenuidade, submissão, e tantos outros fatores. O discurso de muitas jovens que engravidam na adolescência evidencia uma clara associação entre a realização da maternidade e a expectativa de mudança de status social ou de valorização pessoal. Entretanto, responsabilizar o indivíduo não pode mascarar o papel da sociedade. Existem políticas públicas para essa faixa etária? Os adolescentes estão sendo ouvidos na busca de soluções?É fato que apesar de tantas mudanças sociais ocorridas nos últimos anos, a maternidade ainda faz parte da socialização de qualquer menina. Seu grande valor vincula-se à idéia de ser mãe. Mesmo com a variedade de papéis desempenhados atualmente pelas mulheres na sociedade, o papel de mãe nunca foi ameaçado.

E a família, como vê a gravidez na adolescência? Sabe-se que o núcleo familiar, os meios de comunicação, as escolas e outros agentes sociais têm papel determinante no comportamento dos jovens de ambos os sexos.

A família, mesmo aquela que não dialoga abertamente sobre sexualidade, dá as primeiras noções sobre o que é ou não adequado, por meio de gestos, expressões, recomendações e proibições. É interessante observar que a atual mudança de valores, acirrada por variáveis de natureza socioeconômica, não chega a afetar o desejo da maioria das famílias de ver suas proles seguindo a trajetória de vida considerada ideal pela maioria dos cidadãos – formação escolar, trabalho, autonomia financeira e constituição de uma nova família.

A sociedade e, por conseqüência, a família, considera que a faixa etária entre os 12 e os 20 anos é a idade de formação escolar e preparação profissional. Defende que é preciso atingir a maioridade, terminar os estudos, ter um bom trabalho e um bom salário, para então estabelecer uma relação amorosa duradoura. A responsabilidade pelos filhos e filhas é atribuída à idade adulta e restrita ao âmbito da família. A gravidez, a maternidade e a paternidade na adolescência alteram essa trajetória tida como natural e emergem socialmente como problema e risco a ser evitado.

Em termos gerais, o Brasil apresenta uma curva descendente na taxa de fecundidade total. No entanto, hoje há mais mulheres entre 10 e 14 anos e entre 15 e 19 anos que têm filhos, do que há algumas décadas. Apenas no último Censo Demográfico (2000) a faixa etária de 10 a 14 anos foi considerada como idade reprodutiva da mulher. Isso permitirá maior visibilidade desse grupo etário, daqui para a frente, nas análises das questões de saúde sexual e reprodutiva.

As estatísticas brasileiras revelam uma curva descendente

na taxa de fecundidade total. Hoje, entretanto, o número de

meninas entre 10 e 19 anos que têm fi lhos é maior do que há

algumas décadas.

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O Censo 2000 mostra que cerca de 43 milhões da população feminina (61,52% do total), a partir de 10 anos, tiveram filhos. Do total de 8,5 milhões de adolescentes na faixa de 10 a 14 anos, 37 mil foram mães – 0,43% do total. Na faixa de 15 a 19 anos, 15% de quase 9 milhões de jovens tiveram filhos. Recortando as faixas etárias, do total de jovens entre 15 e 17 anos, 8% já têm filhos e dentre elas, 18% deram à luz a mais de um. Entre 18 e 19 anos, quase 900 mil mulheres, ou 24%, tiveram filhos e 34% delas tiveram mais de um. Contrariando o esperado para as adolescentes, cresceu o número de meninas de 10 a 14 anos e de jovens de 15 a 19 anos que tiveram filhos. O número de jovens que tiveram mais de um filho é significativo.Essas constatações preocupam. Merecem respostas sociais que reconheçam que jovens de ambos os sexos precisam ser alvos de políticas públicas relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos, inclusive meninas na faixa etária de 10 a 14 anos. Ainda que do ponto de vista estatístico 0,43% seja um percentual pouco relevante, isso significa mais de 37 mil meninas com filhos, 25% delas com mais de um.

A participação do homem

no universo feminino

A gravidez, de um modo geral, tem sido vista e tratada como uma questão exclusiva do universo feminino. São poucas as agendas que relatam experiências de pais adolescentes. Pouco se sabe dessa realidade, a não ser que, geralmente, o jovem é um personagem com pouca presença e voz.Existe todo um universo masculino de valores a ser revisto. A saúde reprodutiva e a escolha na utilização de métodos contraceptivos ainda são tratados como assuntos de mulher. Se por um lado, existe uma variedade maior de métodos

disponíveis para as mulheres, isso não justifica a postura ausente dos homens. Como elementos ativos nessa história, eles deveriam se empenhar em fazer uso de algum método de contracepção.A epidemia de Aids e as políticas de prevenção que incentivam o uso da camisinha vêm alterando essa situação. Ainda assim, o ideal seria que, independentemente do HIV, os homens pensassem na sua saúde reprodutiva e na de sua companheira com cuidado e atenção, buscando mudar comportamentos cristalizados que atribuem à mulher toda a responsabilidade pela contracepção e pelo número de filhos.

Os direitos sexuais e

reprodutivos do adolescente

As dificuldades de encarar o exercício da sexualidade de adolescentes como um fato têm sido um dos principais obstáculos para a implantação de programas de educação sexual e de serviços de saúde reprodutiva para jovens. A experiência tem mostrado que boa parte das mulheres adultas não tem acesso aos diversos métodos contraceptivos existentes. Em relação às jovens, a situação é ainda pior. A falta de opção das mulheres para decidir sobre sua vida reprodutiva tira-lhes a autonomia sobre seu destino.

O trabalho de educação sexual na escola é o de problematizar, questionar e ampliar o leque de conhecimentos e de opções para que os próprios alunos escolham seu caminho. Há que se pensar a questão da sexualidade, não de forma isolada, mas como parte do currículo escolar, a ser trabalhada de modo contínuo. O professor não pode se furtar a informar os adolescentes que eles são sujeitos de direitos e devem se preparar para exercer uma vida sexual e reprodutiva saudável, lançando mão dos recursos de saúde

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sociais disponíveis. É importante garantir a inclusão de temáticas relativas à saúde e à sexualidade na adolescência nos planos voltados para essa faixa etária. Projetos de educação sexual nas escolas com retaguarda nos serviços de saúde também precisam ser articulados. A orientação sobre sexualidade e saúde reprodutiva para o pai e a mãe adolescentes, após o parto, também deve ser garantida, assim como a facilidade de acesso aos métodos contraceptivos, inclusive a Contracepção de Emergência.

Para que as mães possam continuar a freqüentar a escola, é importante o apoio do serviço de creche ou da própria família. Outro ponto importante é a implementação de projetos comunitários que ofereçam atenção integrada aos adolescentes, envolvendo saúde, reforço escolar, esportes e profissionalização. Para conhecer mais de perto a realidade da gravidez na adolescência e os reais motivos que levam as jovens a engravidar com tão pouca idade, também é necessário abrir canais de escuta e investir em estudos e pesquisas que levem em conta as diferentes faixas etárias. Deve-se considerar que diversos fatores podem levar uma jovem a engravidar nos anos iniciais da adolescência, e que esses fatores podem ser outros, no caso de jovens que se tornam mães nos anos finais dessa fase da vida.Também não se pode descartar a possibilidade da gravidez ser resultante de abuso sexual, principalmente nos anos iniciais da adolescência. A violência e o abuso sexual são assuntos relevantes para debate.

A ECOS e o trabalho

de comunicação em sexualidade

As ref lexões deste texto são conseqüência do trabalho da ECOS – Comunicação em Sexualidade. É uma organização não governamental, criada em 1989,

com o objetivo de trabalhar questões relacionadas à saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes e jovens. Sua proposta é contribuir para a promoção e transformação de valores e comportamentos relacionados à sexualidade, saúde e direitos reprodutivos, e prevenir o uso indevido de drogas, sempre sob a ótica da erradicação das discriminações de gênero, idade, classe e raça.Há aprendizagens importantes a serem transmitidas, principalmente no que se refere à comunicação. A discussão sobre sexualidade, principalmente na adolescência, deve ser feita com os próprios adolescentes e também com seus pais, usando todo tipo de material de apoio, tais como livros, boletins, manuais e vídeos temáticos.

Outro ponto é o desenvolvimento de recursos humanos. As atividades voltadas para a melhoria da qualidade de vida dos adolescentes e jovens, também devem envolver aqueles que os educam, numa ação conjunta com secretarias de saúde, educação e outras áreas relacionadas. A ECOS capacita educadores realizando workshops, cursos e seminários, abordando temas ligados à saúde reprodutiva e sexualidade, direitos humanos, uso indevido de drogas e relações de gênero. É importante salientar que a realização constante de pesquisas sempre indica a melhor forma de trabalhar a sexualidade, nas suas diversas manifestações.

Sobre a palestrante

Sylvia Cavasin é socióloga, pesquisadora e diretora de desenvolvimento de projetos da ECOS. Essa palestra foi proferida durante o Seminário de Betim, MG.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que a área da infância deve ter

preferência na formulação de políticas públicas e também

prioridade, ou seja, destinação privilegiada de recursos públicos.

Trabalho infantil e Redes de Proteção aos direitos das Crianças e dos Adolescentes

A proteção integral das crianças e adolescentes, garantida pela Constituição Brasileira não se verifica na prática. Explora-se o trabalho infantil, as crianças são submetidas à exploração sexual-comercial e a atividades penosas e insalubres. É preciso refletir sobre o papel de todas as forças vivas da sociedade, para garantir efetivamente, que as crianças sejam crianças. Que tenham a infância respeitada.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) tem como prioridade combater a exploração do trabalho infantil, em consonância com o artigo 227 da Constituição Federal, que dispõe que “todos os direitos das crianças e dos adolescentes são absolutamente prioritários”. O MPT tem o dever de zelar pelo cumprimento da legislação e também traçar, como prioridade, a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, em especial, daqueles que trabalham. A atividade do MPT está centrada nas Convenções Internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), principalmente, as Convenções 138 e 182, que foram ratificadas pelo Brasil e integram o seu ordenamento jurídico. Portanto, devem ser cumpridas em todo o país. Merece destaque a Convenção 182, que trata da eliminação das piores formas de exploração do trabalho infantil, especialmente a exploração sexual-comercial de crianças e adolescentes e o seu envolvimento em atividades perigosas e insalubres. Regulamentando a Convenção 182, o Brasil publicou a portaria nº 20, da Secretaria de Inspeção do Trabalho – 20/2001, do Ministério do Trabalho. Nessa portaria, aparecem 81 atividades proibidas para menores de

18 anos. Essas atividades não nasceram nos escritórios ou gabinetes de burocratas, como comumente se aponta quando se criticam as ações do governo. Nesse caso, foi criada uma comissão quatripartite, ou seja, com representação de quatro instituições – sindicatos dos trabalhadores, sindicatos das empresas, Governo Federal e Ministério Público do Trabalho. Essa comissão se reuniu por um bom tempo, até delinear as 81 atividades. Destaca-se que, por pressão de alguns setores, em especial o fumageiro, a portaria foi modificada para excluir da seqüência da produção alguns tipos de atividades. Isso demonstra que certos setores econômicos conseguem, por meio de pressão, modificar a legislação interna, em prejuízo dos direitos das crianças e dos adolescentes.

É fundamental considerar o que está expresso na legislação, no caso, o artigo 227 da Constituição, um dos poucos artigos nascidos de uma iniciativa popular – foram colhidas mais de 500 milhões de assinaturas para que esse dispositivo legal fizesse parte da Constituição Federal. Posteriormente, o Estatuto da Criança e do Adolescente especificou o seu entendimento sobre o princípio da prioridade absoluta, talvez imaginando que viesse a acontecer o que está de fato acontecendo – muitos administradores públicos das três esferas do governo têm feito vistas grossas ao princípio da prioridade absoluta, como se não entendessem seu significado.Ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu artigo 4º, entre no mérito dessa questão, o MPT tem tido dificuldades para tratar do tema com os administradores públicos. Quando o artigo 4º

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O Estado não faz qualquer exigência sobre a qualifi cação

dos conselheiros tutelares, cuja função primordial é zelar para

que as crianças e os adolescentes tenham seus direitos respeitados.

Muitos são eleitos sem terem o menor conhecimento sobre

o Estatuto da Criança e do Adolescente.

fala dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, especialmente nas alíneas “c” e “d”, diz que esse público “tem preferência na formulação das políticas públicas”. Isso é bastante claro – a área da infância e juventude tem preferência na formulação de políticas públicas e também prioridade – “destinação privilegiada de recursos públicos”.

Os direitos da criança

e do adolescente, na prática

A cada fim de ano, os Conselhos Tutelares devem elaborar um plano de ação municipal para contemplar o atendimento de toda a demanda não encaminhada durante o ano. O plano é oficialmente encaminhado

para o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). Cabe destacar que é dever de ambos os conselhos colaborar na elaboração do Orçamento Público. Portanto, quando o CMDCA recebe o documento oficial com a demanda do município, sua tarefa é pensar na política pública adequada para atender aquela

demanda e no investimento público necessário.Essa deliberação do CMDCA tem força de lei, não sendo necessário encaminhá-la para a Câmara de Vereadores. É preciso apenas enviar um comunicado oficial ao Poder Público – especialmente para as secretarias relacionadas, para que estas incluam em suas propostas orçamentárias o montante necessário para fazer frente às políticas públicas indicadas. Sabe-se, porém, a distância que separa a prática das disposições da lei. Ouve-se muitas críticas ao

Estatuto da Criança e do Adolescente, tratado como “uma lei para o primeiro mundo”, ou “incompatível com a realidade do Brasil”. É o caso de se perguntar por que, na prática, as coisas não dão resultado. Sabe-se que os Conselhos Tutelares são eleitos para um mandato de três anos. O ECA não faz nenhuma exigência quanto aos conselheiros – pode ser qualquer pessoa da sociedade, desde que envolvida na área da infância e da adolescência. Muitos são eleitos sem terem o menor conhecimento sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. É bastante demorado capacitar um conselheiro tutelar, isso quando há interesse do Estado e do município em investir nessa capacitação. Caso contrário, o conselheiro passará três anos sem saber ao certo qual é a sua função. Esse é um grande problema –o mandato termina e o conselheiro sequer encaminha para o Conselho Municipal as necessidades do município. Imaginando que o Estado cumpra o seu papel, que o município capacite adequadamente os conselheiros tutelares e que eles encaminhem ao CMDCA as necessidades do município, surge um outro problema, muito comum.

No estado do Paraná, por exemplo, muitas vezes, os Conselhos Municipais são presididos por secretarias municipais ligadas à área da infância e da adolescência, da assistência ou da ação social. Quem está à frente dessas secretarias, normalmente, são as primeiras-damas. É um dado do estado do Paraná, que possivelmente deve ser verdadeiro em outros estados e regiões.A primeira-dama é quem dirige, mesmo que ela desconheça a Lei Orgânica da Assistência Social e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ainda é bastante difundida a idéia de que cuidar de criança e adolescente é papel da primeira-dama, papel de mulher. Mulheres são a maioria em todos os eventos ligados a essa área. No estado do Paraná, alguns homens têm

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É comum a primeira-dama dirigir a política de Assistência

Social e da Infância e da Adolescência, na base dos chás benefi centes, sem pensar em uma política global. Não raro,

ela desconhece a Lei Orgânica da Assistência Social e o Estatuto da

Criança e do Adolescente.

Muitas vezes, o CMDCA delibera políticas públicas e o montante

do orçamento necessário para atender à demanda,

mas o município não inclui a deliberação na sua proposta orçamentária. (...) Cabe ao

Ministério Público do Estado intervir nesse caso e,

não raro, ele se omite.

De nada adianta ter um estatuto muito bem elaborado

se, na prática, as coisas são desvirtuadas. Todas as forças vivas da sociedade devem se

empenhar na mudança.

demonstrado interesse, mas ainda há uma predominância feminina nos fóruns de erradicação do trabalho infantil e nos conselhos dos direitos da criança.É comum a primeira-dama dirigir a política de assistência social e da infância e adolescência na base dos chás beneficentes, sem pensar em uma política global. Muitas vezes, as instituições não governamentais que participam do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente ficam atreladas às decisões da pessoa que dirige o

Conselho Municipal. Ou porque têm interesses – como no caso dos convênios diferenciados, ou porque não querem contrariar a primeira-dama. Então, para que a entidade em questão possa continuar atendendo crianças e adolescentes, acaba se submetendo às decisões da presidência municipal e não se faz nenhuma deliberação contrária aos interesses do Poder Executivo. Sendo assim, quem decide, na verdade, o que o conselho vai deliberar é a gestão municipal.Uma outra hipótese é a existência de um Conselho Municipal forte. Seu presidente conhece o Estatuto e a Lei Orgânica de Assistência Social. Sabe o papel do Conselho Municipal, deliberou políticas públicas e o montante do orçamento necessário para atender à demanda, e encaminhou oficialmente para o Poder

Público Municipal. Nesse caso, o administrador público municipal deve, obrigatoriamente, incluir na sua proposta orçamentária aquela deliberação. Caso contrário, caberá ao Ministério Público do Estado exigir que o município observe essa deliberação. Seja por meio de um termo de compromisso de ajustamento de conduta, ou até mesmo de uma ação civil pública. Esse procedimento é raro. Dificilmente um município é chamado a responder uma ação desse gênero. Ou porque faltou toda a tramitação, ou por omissão do Ministério Público. Ainda há muitos promotores públicos omissos, deliberadamente, por excesso de trabalho, ou por entenderem a legislação de outra forma.

Imaginando que, nesse caso hipotético, o Ministério Público não tenha sido omisso e tenha ajuizado uma ação civil pública contra o município, a ação vai para a justiça estadual, passando a depender da sensibilidade do juiz. Infelizmente, a Justiça brasileira nem sempre distribui justiça, o que gera outros problemas. Uma outra possibilidade é essa proposta orçamentária chegar à Câmara de Vereadores para ser aprovada, sem incluir a deliberação do Conselho Municipal. É possível, nesse caso, que a sociedade civil organizada e os fóruns de defesa dos direitos da criança e do adolescente se mobilizem e cobrem dos vereadores um posicionamento.É comum, na aprovação de orçamentos municipais,

que o Poder Executivo tenha maioria na Câmara de Vereadores, e nem sempre são os interesses públicos que prevalecem. O Poder Legislativo Municipal, em especial, tem servido mais para chancelar as ações do Poder Executivo do que para legislar. Quem está criando leis é o Poder Executivo e não o Legislativo.

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Segundo o IBGE, a média de escolarização no Brasil é de 5,5 anos. É de se perguntar se isso não está relacionado

diretamente com a exploração do trabalho infantil.

É urgente assegurar escola para todas as crianças,

garantindo a continuidade de programas específi cos de

proteção nessa área, como é o caso do Programa de Erradicação

do Trabalho Infantil (Peti).

Os mitos do

trabalho infantil

Enfocando especificamente a questão do trabalho infantil, há alguns mitos nessa área. O primeiro deles afirma que é melhor a criança trabalhar do que ficar na rua exposta à droga, à exploração sexual ou roubando. Ou rouba, ou se droga, ou então vai trabalhar. Como se não existissem outras possibilidades.O segundo mito diz que a criança que trabalha fica mais esperta e tem mais chances de vencer na vida do que aquelas que ficam em casa, protegidas. Na verdade, as crianças que trabalham ou estão na rua, só desenvolvem o instinto de sobrevivência, embora pareçam mais inteligentes. Há estudos que

comprovam que a criança que trabalha prejudica seu desenvolvimento escolar.

Se para um adulto já não é fácil enfrentar uma jornada dupla, dá para imaginar a dificuldade

que é, para uma criança, dar conta do estudo, do trabalho e ainda da responsabilidade de levar dinheiro para casa, pois os irmãos dependem daquela renda? O prejuízo ao desenvolvimento escolar é mais do que certo. A criança não consegue acompanhar o estudo, tem um rendimento baixo e abandona a escola. Não é preciso comentar o quanto o estudo e a qualificação são importantes nos dias de hoje, em que nem o diploma universitário garante acesso a um posto de trabalho. O Brasil carrega a vergonhosa estatística de média de escolarização de 5,5 anos. É de se perguntar se isso não está relacionado diretamente com a exploração do trabalho infantil. E muitas pessoas ainda afirmam com orgulho: “eu trabalhei quando era pequeno e consegui vencer”. Como se a situação fosse

a mesma e o mundo não tivesse mudado. Ainda em relação ao ensino, um dos slogans usados pelo Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil é “Lugar de Criança é na Escola”, justamente por entender que por meio da escolarização será possível mudar a realidade das famílias que levam os filhos para o trabalho. Pais que trabalharam quando eram crianças e abandonaram a escola ganham pouco, sobrevivem de pequenos serviços e são obrigados a incluir os filhos em alguma atividade para complementar a renda. Essa situação perdura, de geração para geração, num círculo vicioso e perverso.Portanto, é urgente assegurar educação para todas as crianças, garantindo a continuidade de programas específicos de proteção nessa área como é o caso do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Essa questão requer constante vigilância.

Recentemente, o Fórum Estadual do Paraná de Erradicação do Trabalho Infantil escreveu uma moção de repúdio a uma proposta de diminuição da idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho para 12 anos. Elaborado pela Promotoria da Infância e Adolescência de Londrina, o texto afirmava que a primeira lei nacional que tratou do trabalho infantil – o decreto-lei nº 1313, de 1891, já fixava em 12 anos, a idade mínima para ingressar no mercado de trabalho. É de se notar que o decreto é do século retrasado, quando as mulheres ainda não votavam. Em vez de pensar para a frente, garantindo que as crianças permaneçam por mais tempo na escola, propôs-se reduzir a idade de trabalho para 12 anos, como uma estratégia

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Há uma legislação municipal, que vigora nas cidades do litoral

do Paraná, que condiciona os alvarás de permissão de trabalho dos vendedores ambulantes, ao compromisso de não explorar o

trabalho infantil.

para evitar drogas e gravidez precoce. Eram esses os fundamentos da proposta de Londrina. Para refutá-la, o Fórum baseou-se num levantamento do contingente de desempregados adultos no país – 7,7 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Segundo as estatísticas não oficiais, esse número supera os 20 milhões. Como é possível defender a redução da idade mínima ou os benefícios do trabalho infantil, quando não há postos de trabalho nem para os adultos? Cada criança e cada adolescente envolvido no trabalho está tirando o posto de um adulto. E quem deve trabalhar é adulto, não criança. Quem deve assegurar a subsistência aos filhos são os pais.

Atualmente, pesa sobre os ombros de muitas crianças e adolescentes a responsabilidade de cuidar da família, de serem os provedores do lar.Enquanto não for possível garantir postos de trabalho para todos os adultos, todos os pais e mães de família, é uma aberração defender o trabalho infantil. Mesmo o trabalho do adolescente.No estado do Paraná há uma tentativa de fazer com que todos os municípios aprovem uma lei municipal que condicione os alvarás de funcionamento de estabelecimentos comerciais ao compromisso de não explorar o trabalho infantil, com base na legislação referente à idade mínima e à proibição do trabalho perigoso, insalubre e penoso, para menores de 18 anos. A única possibilidade de trabalho do adolescente é a partir dos 14 anos, como aprendiz, de acordo com legislação específica.Essa legislação municipal já foi aprovada no litoral paranaense. Hoje, nenhum comerciante consegue o alvará – mesmo autorizado para o comércio ambulante nas praias, se não assumir esse compromisso. Na

temporada seguinte, caso tenha havido alguma denúncia de exploração ou alguma criança tenha sido f lagrada trabalhando, o comerciante não consegue mais a autorização para vender salgadinho, refrigerante, ou o que quer que seja. Vale citar um trecho inicial do livro A escola do mundo

ao avesso, do escritor uruguaio Eduardo Galeano:“A nossa sociedade moderna tem tratado as crianças ricas, os filhos dos ricos, como dinheiro, para que eles se acostumem a atuar como o dinheiro atua. Sem respeitar as pessoas, passando por cima de tudo, achando que podem comprar tudo (...) a nossa sociedade também tem tratado

os filhos dos pobres como lixo, para que eles se habituem com essa idéia. De que são lixo e que, portanto, não podem aspirar a nada. E que permaneçam nessa condição. (...) Nós temos mantido as crianças que não são ricas, nem pobres, na frente de um televisor, na frente de um computador ou na frente de um vídeo game, para que elas se acostumem a essa vida prisioneira e enxerguem na vida lá fora apenas um risco. E se acomodem a essa situação. (...) Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser apenas crianças.”

Sobre a palestrante

Margaret Matos de Carvalho é procuradora do Ministério Público do Trabalho lotada no Paraná, coordenadora do Fórum Lixo e Cidadania do Paraná, e integrante da coordenação colegiada de várias instâncias nesse estado, tais como o Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil e a Comissão Estadual do Peti. Essa palestra foi proferida durante o Seminário de Blumenau, SC.

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Lei 10097/00 – Lei de Aprendizagem: profissionalização e inclusão social

De um lado, temos um texto da Constituição Federal. Do outro, um texto de Plínio Marcos, dramaturgo brasileiro. É interessante notar que os dois falam da mesma coisa: de uma co-responsabilidade da família, do governo e da sociedade, na proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. A Lei de Aprendizagem, tema central deste texto, é um exemplo de como a legislação pode ser efetiva quando existem políticas públicas que a sustentem, e há a interação da família e da sociedade no processo.

É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (CF, art. 227)

“Só um vidro separa o pão da fome.” Plínio Marcos, dramaturgo brasileiro, costumava citar esse verso de Bertolt Brecht, acrescentando que existem as metrancas protegendo o vidro para impedir que a fome quebre o vidro. Pálido de espanto, constato que o medo é tanto e mora dentro de tantos, que até os amesquinhados por mil e uma fome berradoras, em fúria, trucidam o que não se conteve, o que quis quebrar os vidros. E matam e trucidam na vã esperança de acabar com a violência que os aperta num terrível sufoco. Matam e trucidam o que não se conteve e quebrou o vidro que separava sua fome do pão, para mostrar que não acreditam na polícia, mas que anseiam por justiça e ordem que não têm. Justiça e ordem das quais são desvalidos os famintos. E assim vai morrendo um povo que era generoso. Vai morrendo de

desespero de se ver morrer. (...) E esses anjos escapados do monturo, estão, com suas agressões, dando o troco puro do que receberam da sociedade. Quando atacam estão fazendo a devolução do desamor que receberam de nós todos, cidadãos contribuintes, que só queremos não ser incomodados por esse bando de criaturas já não reconhecidas como nossos semelhantes, tudo porque nós mesmos negligenciamos em relação a eles e permitimos que se criassem na miséria, sem terem os mesmos conceitos de bem e de mal, de certo e de errado, que norteiam nossas vidas de cidadãos contribuintes.

O direito do adolescente

à profissionalização

Nesse sentido, é faculdade e talvez até dever do cidadão observar o artigo 260 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90, que estabelece que os contribuintes poderão deduzir do imposto de renda devido o total das doações feitas aos fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente – Nacional, Estaduais ou Municipais – conforme limites estabelecidos na Instrução normativa 86/94, de 26 de outubro de 1994. Os conselhos tem por finalidade a definição de políticas públicas e o gerenciamento de recursos destinados a desenvolver projetos na área da infância. A previsão legal de renúncia do governo federal para projetos destinados à infância e adolescência permite que questões urgente dessa área sejam definidas pelos Conselhos, consoante projetos apresentados. Bem como a dedução do Imposto de Renda devido de até 6% pessoas físicas e 1% jurídicas, tributada em lucro real para os Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.

A profissionalização é um dos direitos da criança e do adolescente, contemplados na Constituição Federal. Portanto, é dever da família, da sociedade e do poder público fazer com que esse direito se cumpra.

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4 F a z e m p a r t e d o S i s t e m a S , o S e r v i ç o N a c i o n a l d e A p r e n d i z a g e m I n d u s t r i a l ( S e n a i ) , S e r v i ç o N a c i o n a l d e A p r e n d i z a g e m C o m e r c i a l ( S e n a c ) , S e r v i ç o N a c i o n a l d e A p r e n d i z a g e m d o Tr a n s p o r t e ( S e n a t ) , S e r v i ç o N a c i o n a l d e A p r e n d i z a g e m R u r a l ( S e n a r ) e S e r v i ç o N a c i o n a l d e A p r e n d i z a g e m d o C o o p e r a t i v i s m o ( S e s c o o p ) .

A Lei 10097/00, ou Lei de Aprendizagem dispõe que as empresas de médio e grande porte devem contratar um número de adolescentes aprendizes equivalente a um mínimo de 5% e um máximo de 15% do seu quadro de funcionários cujas funções demandem formação profissional. Devem ser desconsideradas as atividades penosas, perigosas e insalubres; cargos de gerência ou direção; ou aqueles que exigem habilitação profissional de nível técnico ou superior consoante a própria Lei e as Normativas do Ministério do Trabalho e Emprego.

A Lei estabelece que a profissionalização do adolescente é uma etapa do seu processo educativo (art. 62 do ECA) e portanto, a razão de ser do trabalho é aprender, e não, produzir. A aprendizagem implica em alternar teoria e prática, sendo que a prática comumente ocorre nas empresas e a teoria em uma das instituições do Sistema S4; organização não governamental registrada no Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente ou escola técnica.

A responsabilidade compartilhada

entre poder público e sociedade

O Estado Democrático de Direito tem limitações materiais para cumprir a sua função social, razão pela qual deve haver uma racionalização do uso dos recursos. São muitos os critérios adotados para priorizar esta ou aquela área, mas há dois princípios determinantes: as metas do Estado Brasileiro de reduzir as desigualdades sociais e a pobreza, e o texto constitucional que considera as crianças e os adolescentes como prioridade absoluta. No caso da Lei 10097/00, o Estado deve implementar políticas públicas de proteção e profissionalização do adolescente, podendo ainda celebrar convênios com entidades aptas a ministrarem aprendizagem, ou seja

organizações sem fins lucrativos devidamente registradas nos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente. O Ministério Público do Trabalho tem atuado firmando Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta para que os legisladores e administradores públicos percebam a necessidade de protagonizar a mudança social advinda da profissionalização de adolescentes. A União, o Estado e o município devem ser agentes integradores dessa oferta de cursos de profissionalização, que podem se traduzir na prática em jornada ampliada ou contra-turno escolar, tal como ocorre no programa federal denominado programa de erradicação do trabalho infantil, trabalho educativo nos moldes do art. 62 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e aprendizagem da Lei 10097/00. Nos deteremos mais precisamente sobre a Lei 10097/00, não adentrando nas outras figuras de profissionalização aqui referidas.

Aprendizagem

de adolescentes

Para que haja a contratação de aprendizes de 14 a 18 anos conforme o artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal, de modo que a aprendizagem encontre respaldo na lei, é necessário observar os seguintes pontos:

1. Deve ser respeitada toda a leg islação referente ao assunto, a saber: Lei 10097/00, que modif icou os arts. 428 a 433 da CLT, CF/88, art. 7º, inciso XXXIII; Lei 8069/90, Portar ia 702/01 do MT, portar ia 20/01 do MTE e Instrução normat iva 26/01.

2. O contrato de aprendizagem é um contrato especial, f irmado entre a empresa ou inst ituição sem

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f ins lucrat ivos e o adolescente, ajustado por escr ito e por prazo determinado, com anotação na carteira de trabalho, não podendo exceder o per íodo de dois anos.

3. O adolescente aprendiz não pode exercer at iv idades insalubres, per igosas, penosas e em horár io noturno (art. 7º, XXXIII/CF, art. 405, I E § 5º/CLT e art. 67, I e II/ECA e Portar ia 20/01 do MTE).

4. É proibida a aprendizagem em locais prejudic iais à formação do adolescente, ao seu desenvolvimento f ísico, psíquico, moral e social, em horár ios e locais que prejudiquem a sua freqüência na escola.

5. O adolescente aprendiz deve receber assistência dos pais e responsáveis, bem como ter seu processo de aprendizagem na empresa acompanhado por um funcionár io capacitado.

6. O adolescente aprendiz tem garant idos todos os direitos t rabalhistas e previdenciár ios, tais como fér ias, 13º salár io, fundo de garant ia, auxí l io-doença, auxí l io-acidente, aposentador ia por inval idez, salár io-famí l ia, l icença maternidade, salár io mínimo, direitos colet ivos previstos em instrumentos normat ivos e vale t ransporte.

7. É proibido o fracionamento das fér ias (art. 134, § 2º, CLT).

8. A jornada do aprendiz que ainda não concluiu o ensino fundamental é de no máximo seis horas por dia, podendo ser ampliada até oito horas após a conclusão do mesmo. Entende-se, porém, que a jornada deve ser menor para viabil izar a escolar idade e a efet iva prof issional ização.

9. Ao aprendiz são vedadas a compensação e a

prorrogação de jornada (horas extras). Nem mesmo em caso de força maior, o empregador pode ex ig ir que o aprendiz prorrogue sua jornada. O aprendiz não é contratado para produz ir e sim para aprender, recebendo formação técnico-prof issional para exercer um of íc io.

10. Os encargos trabalhistas são os mesmos previstos pela CLT para os demais t rabalhadores da empresa. A única diferença é a redução para 2%, da al íquota de recolhimento do FGTS.

11. O contrato de aprendizagem se ext ingue no seu termo, quando o aprendiz completa 18 anos (recentemente, a medida provisór ia 251/05 alterou a idade máxima para 24 anos) ou quando termina o curso de aprendizagem. Pode também ser rescindido quando houver desempenho insuf ic iente, inadaptação do aprendiz, falta disc ipl inar g rave nos termos do art. 482 da CLT, ausência injust if icada à escola regular que implique em perda do ano let ivo, ou a pedido do aprendiz.

Conclusão

Ao final, cabe a nós, sociedade civil organizada, integrada por famílias em suas mais diversas formações ou ainda, individualmente, bem como integrantes do Estado na condição de eleitores, servidores públicos, políticos, entre outros, nos apercebermos do “outro”, muitas vezes excluído e não reconhecido, nesse caso a criança e o adolescente, como aquele que nos clama por uma solução. Essa solução deve ser expressa em oportunidades e políticas públicas eficazes, para que através da profissionalização num contexto educativo, o adolescente tenha acesso ao mundo do trabalho, quando possuir 16 anos ou ainda como adolescente aprendiz a partir dos 14 anos. Nada obsta, no entanto, que ante essa idade tenha acesso a programas

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de jornada ampliada, contra-turno escolar ou programas nos moldes do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil instituído pelo Governo Federal em parceria com municípios. Esse programa proporciona aos jovens brasileiros o resgate de sua cidadania por meio de uma bolsa, da obrigatoriedade de ir à escola e da jornada ampliada.

Sobre a palestrante

Mariane Josviak é procuradora do Trabalho, mestranda em direito cooperativo e cidadania, especialista em Direito do Trabalho, Direito Contemporâneo, Direito das Relações

Trabalhistas Internacionais e Direito Constitucional, integrante dos Fóruns Lixo e Cidadania, Erradicação do Trabalho da Criança e Regularização do Adolescente e Aprendizagem, no Paraná. A palestra foi proferida durante o Seminário de Blumenau, SC.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONTRERAS, J.A. Plínio Marco, a crônica dos que não tem voz. São Paulo: Boitempo, 2002.SARLET, I. A ef icácia dos direitos fundamentais.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

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Segundo os resultados da pesquisa realizada com alunos das redes pública e particular de São Gonçalo, RJ, mesmo os jovens que sofreram violência familiar, física, psicológica ou sexual, têm uma visão de si

essencialmente positiva.

O adolescente e o ato infracional

Os caminhos para lidar com o adolescente que cometeu ato infracional estão na própria compreensão do que é a adolescência. É um período de transição entre a infância e a vida adulta, com mudanças nos planos físico, sexual, cognitivo e emocional. É uma fase de desafios, contradições, inseguranças e oposições, de impulsividade, excitabilidade e sentimentos ambíguos: sentir-se forte, imortal, capaz de tudo e, ao mesmo tempo, feio, desengonçado, deselegante.

Para facilitar a compreensão dessa fase, é necessário saber como os adolescentes se vêem. Em 2002, foi realizada uma pesquisa nesse sentido, com 1.685 alunos das redes pública e particular de São Gonçalo, RJ. Os jovens foram convidados a escrever cinco palavras que expressassem seus sentimentos e sua visão sobre si mesmos (Assis & Avanci, 2003). As 8 mil palavras proferidas revelaram:• Visão muito posit iva de si própr ios: exuberância,

excitação, beleza, intel igência, amizade, “irados” – 77,1%, dos termos mencionados relacionam-se a atr ibutos posit ivos e somente 18,1% aos negat ivos.

• Auto-imagem de pessoas aleg res, bem-humoradas e extrovert idas aparecem em 23,5% dos termos ut il izados – legal, fel iz, aleg re, simpát ico, br incalhão, divert ido, engraçado, extrovert ido.

• Beleza – aparece em 8% dos termos, o que possivelmente indica sat isfação com o corpo.

• Amizade, ajuda, atenção, car inho, compreensão e cuidado com as pessoas – aparecem em 14,3% dos termos.

• Competência pessoal – intel igente e responsável são expressões que traduzem essa auto-visão, mencionada em 11,7% dos termos.

• Valores ét ico-morais posit ivos – foram revelados em 9,9% dos termos: sincero, f iel, humilde, honesto.

• Atr ibutos que ref letem impulsiv idade e ag ressiv idade foram pouco mencionados.

A respeito da pesquisa, é fundamental considerar que uma visão de si tão positiva não significa a realidade, e sim, uma representação social de jovens de diferentes estratos sociais que se superpõe às visões freqüentemente negativas a seu respeito. Uma outra abordagem acrescenta questões como álcool, drogas e violência, quando se solicita a visão desses adolescentes sobre o outro, ou seja, sobre a adolescência de forma ampla e genérica.

Mesmo os jovens que sofreram violência familiar, física, psicológica ou sexual revelaram uma visão de si essencialmente positiva, embora os atributos negativos estivessem mais presentes. A proporção foi de 21,1% de palavras críticas mencionadas por esse grupo, contra 15,1% entre aqueles que não sofreram violência familiar. As palavras com conotação negativa mais utilizadas têm o significado de introversão; satisfação mediana de si; insatisfação com o corpo; estados emocionais de tristeza e mau humor; atitudes anti-sociais e distanciamento das pessoas; inquietude, impulsividade e incompetência.Pode-se dizer que a dinâmica da violência e da

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Pensar os adolescentes em confl ito

com a lei do ponto de vista da promoção de comportamentos

saudáveis requer mudança de paradigma. Trata-se de compreender

os fatores de risco e promover fatores

de proteção.

Segundo estatísticas do Ministério da Justiça/IPEA, o Brasil tinha 7.755 adolescentes privados

de liberdade no fi nal de 2002. Do universo pesquisado:

62% eram não brancos;

51% estavam fora da escola;

6% eram analfabetos;

34% cursaram até 4ª série;

50% cursaram entre a 5ª e a 8ª séries;

43% trabalhavam, na época em que cometeram o ato infracional;

12,7% não tinham renda familiar;

26,2% tinham renda menor que 200 reais; 41% entre 200 e 400 reais;

81% viviam com a família;

29,6% estavam internados por roubo; 18,6% por homicídio; 14,8% por furto;8,7% por tráfi co de drogas.

85,8% eram usuários de drogas (maconha, cocaína/crack, álcool).

(Silva & Gueresi, 2003)

desvalorização conduz a uma diminuição da confiança nas próprias percepções, que levam a sentimentosde impotência. Ainda assim, o sentimento positivo prevalece.

Caminhos de intervenção,

a partir da visão dos adolescentes

As representações dos adolescentes indicam formas de intervenção e trabalho, baseadas na mudança

de paradigmas, de modo que sua auto-imagem seja reconhecida e considerada nas estratégias de promoção da qualidade de vida e de saúde, com finalidade de prevenção. As atividades relacionadas aos comportamentos de risco, por exemplo, devem resultar de um intenso trabalho sobre a auto-estima e a construção da identidade do adolescente, priorizando a ressocialização e a responsabilização, em detrimento da punição e da repressão.

Essa mudança de paradigma requer ainda reconhecer a adolescência e a juventude como potenciais transformadoras da sociedade. Com suas condutas desafiadoras, sua inconformidade com a ordem vigente e pelas manifestações culturais que propicia, a juventude se distingue das outras gerações.

Essa distinção não decorre da faixa etária, mas do “conteúdo que [a juventude] simboliza, sendo responsável por determinar, de forma mais veemente, o ritmo da história”, como afirma Chaves Junior (1999).Pensar os adolescentes em conf lito com a lei do ponto de vista da promoção de comportamentos saudáveis requer mudança de paradigma. Trata-se de compreender os fatores de risco e promover fatores de proteção.

Os fatores de risco

Individuais – condições de saúde física e mental; características de personalidade; nível de inteligência e dificuldade de aprendizado; baixo rendimento e abandono escolar; problemas de comportamento (hiperatividade, impulsividade, pouca concentração, controle comportamental deficiente, agressividade, comportamento anti-social em geral); uso de substâncias químicas; porte de armas; fatores de gênero.

Familiares – discórdia, separações, doenças e violência.

Sociais – amigos infratores; envolvimento em gangues e grupos armados; nível socioeconômico baixo ou estigmatizado; dificuldade de aceitar regras, normas, obrigações, reciprocidade e confiança nas relações sociais e instituições; mudanças demográficas e sociais abruptas, tais como emigração, urbanização e ausência de políticas sociais voltadas para os jovens; sofrimento com a má distribuição de renda e a incapacidade da estrutura política oferecer proteção social.

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Uma pesquisa domiciliar realizada no município do

Rio de Janeiro, com um universo de 914 jovens, revelou que

a violência familiar independe do estrato social:

Agressão verbal – 75,1% acontece nos estratos altos/médios versus

72,3% nos populares;

Violência – um, em cada quatro jovens, recebe tapas, bofetadas, empurrões e até violências mais lesivas, tais como agressões por

armas – 26,3% nos estratos altos/médios versus 24, 4% nos

populares;

Violência em seu grau mais severo – 14,5% nos estratos

altos/médios e 16,3% nos populares

Os dados atualmente disponíveis revelam uma excessiva quantidade de fatores de risco incidindo sobre os adolescentes privados de liberdade.A realidade do risco social se traduz em comunidades de baixo poder aquisitivo, com precária infra-estrutura de serviços de atendimento e poucas opções de lazer. Por outro lado, o grupo de amigos dos infratores faz parte do mundo do crime, gerando maior estímulo à opção pelo risco. Além disso, a vida sexual desses adolescentes inicia-se por volta dos 10 aos 13 anos, trazendo como conseqüência a gravidez precoce – em virtude da baixa utilização de métodos contraceptivos e ausência de medidas preventivas contra a

contaminação por DST/Aids. Abortos, episódios de agressão física conjugal, estão associados a esse quadro.

Outro fator de risco nessa trajetória pode ser a presença da violência familiar – agressão verbal, física ou sexual; convivência com atos criminosos; pais com problemas mentais, com comportamento anti-social, violentos ou envolvidos com a criminalidade; relações familiares com baixo envolvimento e afeto parental, disciplina punitiva e pouca supervisão sobre os filhos; famílias numerosas, com muitos conf litos, poucos laços sociais e baixo nível socioeconômico.

Embora os problemas familiares entre adolescentes envolvidos em atos infracionais sejam de elevada magnitude, a violência familiar não depende de estrato social, desmentindo a idéia de que apenas as famílias pobres ou em situação de risco social praticam a violência. Uma pesquisa domiciliar realizada no município do Rio de Janeiro (Minayo et al., 1999), com um universo de 914 jovens, revelou que agressões verbais e violência são tão comuns nos estratos altos e médios da sociedade quanto nos populares.Uma outra pesquisa realizada por Mello (1999), buscou apontar a questão da violência familiar, analisando o brincar de crianças com idades entre 4 e 7 anos, constatando que:• Crianças inst itucional izadas, vít imas de

maus-tratos manipulavam br inquedos com pouca elaboração, sem integ ração e com per formance infer ior. O espaço de br incar era usado com agressiv idade ou passividade, com muita movimentação e extrapolação dos l imites. Os comportamentos eram agressivos e impulsivos; passivos e defensivos; pouco cr iat ivos ou amadurecidos precocemente. As cr ianças eram controladas e dependentes da relação com o adulto.

• Crianças inst itucional izadas, não-vít imas de maus-tratos eram mais equil ibradas no br incar, porém, mais passivas e dependentes na relação com o adulto.

• Crianças com os pais, não-vít imas de maus-tratos, t inham equil íbr io no br incar, autonomia e independência na relação com o adulto.

A fragilidade familiar, bem como a propiciada pelo meio inf luencia os caminhos adotados pelos adolescentes autores de ato infracional, em conjunto com seus atributos individuais. São fatores de inf luência (Assis, 1999; Assis & Constantino, 2001):

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É possível, por meio de ações e programas, promover

o bem-estar do indivíduo – com o fortalecimento e

desenvolvimento de habilidades pessoais, com a convivência

na família, na escola e na comunidade, e com a presença

de instâncias capazes de funcionar como fatores de proteção para o indivíduo.

Realidade emocional e financeira – supervisão precária, f reqüente separação dos pais e ausência da mãe nos lares (trabalho), instabilidade nos cuidados iniciais; distanciamento da figura paterna (abandono familiar e morte); relacionamentos comumente marcados por agressões físicas e emocionais; precário diálogo intrafamiliar.

Pobreza e exclusão social – ausência de redes sociais de apoio, configurando um quadro freqüente de isolamento social.

História familiar de agravos à saúde – muito comuns os casos de Aids, problemas psiquiátricos, câncer, alcoolismo, dependência de drogas, seqüelas físicas de ferimento à bala, acidente vascular cerebral e outras doenças não identificadas.

Histórias familiares de envolvimento em atos infracionais.

História familiar de acidentes e violências – suicídios, mortes por queimaduras e acidentes em geral; agressões e assassinatos.

Os fatores de proteção

Se de um lado, a fragilidade familiar é significativa nessa trajetória, de outro, a família, a escola e a sociedade podem ser responsáveis por fatores protetores que dificultem a ocorrência de infração juvenil. Por exemplo, atitudes de intolerância frente a infrações, e de recusa à violência praticada por pais e pessoas significativas para a criança. Também merecem ser destacadas – a adoção de valores e normas sociais; de atitudes que levem a criança/adolescente a compreender as conseqüências dos próprios atos; bom envolvimento na escola (acadêmico e relacional); envolvimento dos diferentes membros da família em atividades de lazer

educativas (artísticas, esportivas); relações com adultos que sejam afetuosas e seguras; supervisão familiar; nível de inteligência (curiosidade, criatividade, rendimento escolar); envolvimento com amigos intolerantes aos comportamentos infracionais e violentos; e religiosidade. (Surgeon General, 2001)

Ainda nessa perspectiva de criar e promover a resiliência em adolescentes autores de ato infracional, é preciso destacar o papel da sociedade nesse processo. Para tanto é necessário adotar uma abordagem que enfoque os fatores positivos que levam um indivíduo a superar a adversidade, ao invés de centrar nos fatores de risco. É possível, por meio de ações e programas, promover o bem-estar do indivíduo – com o fortalecimento e desenvolvimento de habilidades pessoais, com a convivência na família, na escola e na comunidade, e com a presença de instâncias capazes de funcionar como fatores de proteção para o indivíduo.

A sociedade pode ser tutora de resiliência.Resiliência é um processo interativo entre a pessoa e seu meio, que possibilita o desenvolvimento de uma vida sadia, mesmo em ambientes não sadios. Um estudo que acompanhou recém-nascidos havaianos até os 40 anos de idade mostrou que os anos iniciais da vida infantil são de extrema importância, como base da formação de indivíduos que serão resilientes até a meia-idade; boa parcela dos indivíduos não resilientes na infância e adolescência se tornam resilientes em estágios mais tardios da vida, ao receberem e

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Para permitir o desenvolvimento sadio dos

jovens autores de ato infracional, é preciso combater alguns

mitos. O primeiro é o da não recuperação e o segundo é o

da punição. Existem inúmeras avaliações que mostraram a

inefi ciência dos programas de abordagem militar, que incutem

o medo e aplicam punições.

aproveitarem o suporte externo de suas comunidades de convivência (Werner & Smith, 2001).

Nessa perspectiva de promoção da resiliência é necessário combater alguns mitos. O primeiro deles é o da não recuperação. A mais completa tradução desse mito está na afirmação de que nenhum tratamento ou ressocialização funciona para jovens infratores. A análise de 443 programas norte-americanos avaliados mostrou que 45% dos jovensinfratores, em instituições

om enfoque de reabilitação, não reincidiram na infração (entre os que recebem outro tipo de tratamento a porcentagem aumenta para 50%). Considerando-se apenas os programas de reabilitação que integram várias estratégias de atuação, o percentual de recidiva é ainda menor – 32% a 38%, indicando que estratégias múltiplas de abordagem dão melhor apoio aos jovens. Notou-se também grande redução da reincidência infracional quando o tratamento foi feito na própria comunidade do jovem e não em uma instituição fechada e distante do universo do infrator (Sherman et al, 1997).

Outro mito a ser combatido é o da punição, traduzido na seguinte afirmação: “jovens infratores tratados como adultos têm menor possibilidade de reincidência infracional”. A esse respeito, destaca-se que inúmeras avaliações mostraram a ineficiência dos programas de abordagem militar, que incutem o medo e aplicam punições, ou de programas que priorizam apenas o aconselhamento individual ou coletivo dos jovens.Dentre os programas que não mostraram efeito na redução da violência, ou pior, elevaram a reincidência, estão os campos militares, programas em instituições

Procedimentos presentes em programas de sucesso (mesquita et al, 2004):

Melhoria do relacionamento familiar– treinamento de habilidades parentais; educação

sobre desenvolvimento infantil e fatores que predispõem para o comportamento violento;

atividades para desenvolver a comunicação entre pais e filhos e a resolução de problemas. Essa

forma de prevenção é indicada para famílias com crianças pequenas e famílias em situação de risco.

Visitas domiciliares – a comunidade auxilia as famílias em situação de risco, acompanhando o

pré-natal e a saúde materno-infantil, dando apoio em educação e emprego para os pais, aumentando

a confi ança da família nos serviços sociais e melhorando a saúde mental da família.

Intervenções sociocognitivas – geralmente realizadas em escolas, envolvem educadores e

alunos. Buscam estimular habilidades em crianças e adolescentes que lidam com situações difíceis, tais

como ser humilhado ou desprezado por colegas. São baseadas na negociação, pensamento crítico,

tomada de decisões; identificação, elaboração e formas de lidar com sentimentos como raiva e inferioridade; antecipação das conseqüências

dos comportamentos agressivos; busca de formas alternativas e não violentas de resolução de

conflitos; julgamento moral.

Intervenções com orientadores (mentores) – adultos com capacidade de desempenhar

papel signifi cativo para a criança ou adolescente, supervisionam e orientam o comportamento

do pupilo, funcionando como um fator protetor contra comportamentos violentos. Essa forma é

especialmente utilizada nas comunidades e escolas.

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carcerárias ou psiquiátricas, tratamento judicial de adultos, programas baseados no medo e na punição, e aconselhamento por pares (Surgeon General, 2001).Finalmente, há algumas questões pr ior itár ia s para efetivamente a ssegurar a mudança de paradigma no atendimento ao adolescente autor de ato in f racional. Uma delas é que nada é feito para acompanhar o in f rator após a internação, denotando ausência do papel da Justiça, que não tem conseguido dar continuidade aos procedimentos de proteção. Essa lacuna deve ser sanada, se realmente houver a determinação de se implantar a meta deressociali zação desses jovens.

Outra questão é que as instituições sociais necessitam repensar seu papel na prevenção da infração juvenil. Melhorar a qualidade da atuação dessas instituições precisa ser alvo de políticas públicas concretas e urgentes. Há que se criar meios de diminuir o elevado índice de evasão das escolas, melhorar o processo pedagógico nelas existentes, implementar creches, criar cursos profissionalizantes e outros suportes institucionais nas comunidades. É também necessário exercer controle e sanção no que se refere à violência doméstica, estabelecendo medidas concretas para apoiar as famílias. Vale destacar que medidas do setor de justiça e segurança são fundamentais e complementam as medidas protetoras necessárias.Essas iniciativas podem ser tomadas pela sociedade, quando se considera a in f ração juvenil como um problema coletivo e não apenas individual ou familia r.

Quatro est ratégia s se mostram especialmente importantes e possuem o melhor custo-benefício (Sherman et a l, 1997):• Intervenções na infânc ia p recoce (v i s i t a s domic i l i ares

e p ré-escol a) para famí l i a s em s i tuação de r i sco;

• Tre inamento para pa i s d e famí l i a s com c r iança s que demonst ram compor t amentos ag ress ivos na escol a;

• Prog ramas na s escol a s públ i ca s que buscam a p revenção p r imár ia dos c r imes e da v io l ênc ia;

• Int ervenções p recoces para jovens inf ratores. Algumas dessa s a ções d e p revenção t êm resu l t ados em prazos ma i s l ongos, espec ia lmente a s int ervenções sob re c r i ança s muito pequenas. Só depoi s d e 15 anos é poss ível most rar a redução do número de jovens envolv idos em inf rações.

O gasto econômico desses programas nos Estados Unidos var ia de 28 dólares por estudante/ano, para custear um programa escolar que atinja alunos e pais, a 4.500 dólares, necessár ios para atender um jovem, com terapia multi s si stêmica que alcance toda a família. Vale mencionar que para cada dólar gasto com tratamento multi s si stêmico para jovens in f ratores, o governo economiza 14 dólares em gastos futuros com a justiça cr iminal.Pensar em mudança de paradigma implica na necessidade de uma ampla discussão sobre o conhecimento teór ico e prático essencial para promover, avaliar e reorganizar os serviços de atendimento aos adolescentes em conf lito com a lei, bem como para estabelecer o diálogo entre prof i s sionais e instituições, e destes com a sociedade em geral, a lém de disponibil idade para investi r na capacidade de mudança dos seres humanos.

Sobre a palestrante

Simone Gonçalves de Assi s é pesquisadora titular do Centro Latino-americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli – Claves/Ensp/Fiocruz. Essa palest ra foi profer ida durante o Seminár io de São Paulo, SP.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Assis, S.G.Traçando caminhos em uma sociedade violenta: a vida de jovens infratores e seus irmãos não-infratores. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999.Assis, S.G. & Constantino, P. Filhas do mundo: infração juvenil feminina no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001.Assis, S.G. & Avanci, J. Q. Labirinto de espelhos: desenvolvimento da auto-estima na infância e adolescência. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.CHAVES JUNIOR, E.O. Políticas de juventude: evolução histórica e definição. Cadernos Juventude, Saúde e Desenvolvimento. Ministério da Saúde, Brasília, 1999, p.41-48. MELLO, A. C. M. P. C. O brincar de crianças vítimas de violência física doméstica. Tese de Doutorado, São Paulo: Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 1999.Mesquita Neto, P; Assis, S.G.; Chasin, A.C.M.; Daher, M. & Ricardo, C.M. Relatório sobre a prevenção do crime e da violência e a promoção da segurança pública no Brasil. Rio de Janeiro: Secretaria Nacional

de Segurança Pública (SENASP)/ Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) /Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), 2004. (Relatório preparado para o Projeto Arquitetura Institucional do Sistema Único de Segurança Pública.)Minayo, M.C.S.; ASSIS, S.G.; SOUZA, E.R. et al. Fala Galera: Juventude, Violência e Cidadania na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.Sherman, L.W. et al. Prevention Crime: What Works, What Doesn’t, What’s Promising: A Report to the United States Congress. Washington, DC: National Institute of Justice, 1997.Silva, E. & Gueresi, S. Adolescentes em conf lito com a lei: situação do atendimento institucional no Brasil. Texto para discussão nº 979. Brasília: Ipea, 2003. Surgeon General´s Scientific Advisory Committee on Television and Social Behavior. Television and growing up: the impact of televised violence. Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 1972.WERNER, E. & SMITH, R.S. Journeys from childhood to midlife. Risk, resilience and recovery. Ithaca: Cornell University Press, 2001

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Gestão Municipal – execução das medidas socioeducativas de Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida

Dentre os desafios que se colocam para os gestores está a habilidade de articular políticas inter e intra-governamentais, olhando para a complexidade vivida pelos adolescentes autores de atos infracionais.

O Estatuto da Criança e do Adolescente propõe um sistema de atendimento e garantia de direitos e uma nova forma de gestão, “(...) através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios” (ECA, art. 86), que garantam a crianças e adolescentes o acesso a políticas sociais de saúde, educação, cultura, esporte, lazer, habitação, trabalho, assistência social. Dessa forma a gestão para alcançar resolubilidade de objetivo –proteção integral – tem que se fazer integrada. O desenvolvimento do trabalho com adolescentes em Liberdade Assistida e/ou Prestação de Serviços à Comunidade, medidas socioeducativas determinadas pelo Juizado da Infância e Juventude, na cidade de São Paulo, se organiza na política de assistência social.

A efetividade dessa linha programática da assistência social se coloca nas atividades próprias do serviço e na possibilidade de que os adolescentes e suas famílias tenham acesso às políticas públicas de educação, saúde, trabalho, entre outras. A maioria dos adolescentes autores de ato infracional está precariamente inserida no ensino formal e, muitas vezes, já foi excluída do mesmo; além disso, tem dificuldade de acesso à renda, a atividades de lazer, cultura e esporte, fundamentais para a faixa etária em questão. Esses adolescentes, ao receberem a

medida socioeducativa, adquirem o direito à proteção social especial da assistência social. Trata-se então, em muitos casos, da possibilidade de alcançar direitos de cidadania às avessas, o que exige do serviço de assistência social construir, com o adolescente e sua família, caminhos de inclusão social que lhes permita responder de forma adequada às regras sociais vigentes, retomando assim a condição cidadã. Também se deve considerar a prerrogativa do governo do estado na execução da medida socioeducativa de internação e a responsabilidade dos municípios na execução, acompanhamento das medidas socioeducativas em meio aberto (Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida) e, assim, reforçar os princípios estabelecidos na Constituição Federal e incorporados no Estatuto da Criança e do Adolescente, no que diz respeito à importância da relação entre União, estados e municípios e entre o governo e a sociedade civil.

A integração das instâncias que operam na área do adolescente considerado autor de ato infracional – Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Segurança Pública e Executores das medidas socioeducativas – é fundamental para o reconhecimento das competências e responsabilidades do município, além de pressuposto da qualidade de atendimento.Definir de forma clara e objetiva a medida socioeducativa oferece melhores condições para se pensar em processos, que se realizam em diferentes instâncias de governo, e torna possível desenvolver um plano político-pedagógico que identifique com clareza as atribuições, os espaços e as formas de troca de informações sistemáticas e estratégias para a consecução de metas e objetivos.Nesse sentido, é importante falar sobre o desafio colocado para os gestores na realização

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A comunicação, o esclarecimento prestado

à opinião pública e a formação de agentes públicos são estratégias

importantes na instalação de programas de proteção especial

que correspondam aos anseios de signifi cativos setores

da sociedade brasileira, traduzidos no Estatuto da Criança e do Adolescente..

Nota-se que direitos fundamentais da infância e adolescência continuam sendo violados – crianças

de/na rua; trabalho infantil; exploração

sexual e prostituição; violência institucional e

familiar –, a despeito das ações implementadas

pelo Estado e pela sociedade civil, representando

um dos maiores desafi os a ser enfrentado pela sociedade brasileira.

de políticas articuladas inter e intra-governamentais, à medida que a complexidade vivida por adolescentes autores de ato infracional e por suas famílias exige dos serviços clareza de competências, troca de informações sistemáticas, estabelecimento de estratégias, metas e objetivos a serem alcançados.A assistência ao adolescente autor de ato infracional requer do gestor uma análise do território onde o adolescente experimentou e experimentará a liberdade; do arranjo familiar que o jovem tem como referência; dos vínculos significativos que ele possui, vínculos com a vizinhança, as organizações sociais; dos desejos e das potencialidades do adolescente; da rede de serviços pública e privada existente na localidade de origem do jovem para que ele possa construir sua inclusão cidadã.

Outra questão, enfrentada pela gestão na implementação dos princípios da Doutrina da Proteção Integral, consubstanciada no Estatuto da Criança e do Adolescente, se revela no debate público que ainda se movimenta – política pública/filantropia; criança e adolescente sujeito de direitos/criança e adolescente tutelados; criança e adolescente em situação ir regular/proteção integral –, em diferentes espaços, traduzindo forças e interesses da sociedade brasileira.Assim, é importante ter claro que o trato de crianças e adolescentes, principalmente das camadas populares, ainda se caracteriza pela tutela ou pela repressão. E nesse sentido, a comunicação, o esclarecimento prestado à opinião pública e a formação de agentes públicos são estratégias importantes na instalação de programas de proteção especial que correspondam aos anseios de significativos setores da sociedade brasileira, traduzidos no Estatuto da

Criança e do Adolescente. O atual processo de implantação do ordenamento legal e institucional também traz questões inquietantes para gestor: i) o papel dos Fóruns de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente; ii) a relação Conselhos de Direitos x Conselhos Tutelares x

Conselhos de Assistência Social; iii) a relação entre os conselhos e os poderes Executivo, Judiciário, Legislativo e Ministério Público; iv) a morosidade do reordenamento institucional na realização da atual política de atendimento; v) a dificuldade do Estado e da sociedade civil em conviver com a “partilha” do poder.Aliada a essas questões, nota-se que direitos fundamentais da infância e adolescência continuam sendo violados – ainda há crianças de/na rua; trabalho infantil; exploração sexual e prostituição, violência institucional e familiar –, a despeito das ações implementadas pelo Estado e pela sociedade civil, representando ainda um dos maiores desafios a ser enfrentado pela sociedade brasileira.

Sobre a palestrante

Rosemary Ferreira de Souza Pereira é assistente social, mestre em Serviço Social pela PUC-SP, assessora técnica de gabinete da Secretaria da Assistência Social do Município de São Paulo. Essa palestra foi proferida durante o Seminário de São Paulo, SP.

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São Carlos: crianças na Febem, nunca mais

O município de São Carlos está localizado na região sudeste do Estado de São Paulo e tem 190 mil habitantes, sendo 65 mil com menos de 19 anos. Tem o menor índice de mortalidade infantil do estado e ocupa o 17O

lugar do ranking dos municípios com melhor IDH. A partir dos levantamentos realizados na área social, visualizados no Mapa da Pobreza, São Carlos vem propondo políticas públicas com base em dados da realidade. Elegeu como prioridade as políticas para a infância e a juventude e assumiu, como principal desafio, não encaminhar mais adolescentes para a Febem.

Desde 2000, vem acontecendo um movimento crescente no município para que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja cumprido, principalmente no que diz respeito ao atendimento do adolescente autor de ato infracional, concretizado no Núcleo de Atendimento Integrado (NAI). Essa é a porta de entrada de todo o processo de atendimento, que se baseia em dois aspectos fundamentais: a atuação conjunta do Poder Público municipal, do governo estadual e da sociedade civil, e a consideração do adolescente no contexto maior da sua existência, e não de seu ato infracional isoladamente.O NAI é um caminho importante como ação curativa, e sobretudo preventiva, para os municípios de porte médio e grande, que queiram enfrentar de forma nova e eficaz o problema dos adolescentes autores de ato infracional. O sistema funciona porque as forças do município trabalham integradas, atuando nas áreas da saúde,

educação, assistência social e relacionamento familiar. E o custo disso tudo é muito baixo, pois a administração conjunta com o Estado permite otimizar recursos e oferecer um serviço de qualidade.

Os princípios do NAI

Boa parte dos adolescentes que passam pelo NAI será inserida em medidas socioeducativas. Para tanto, é necessário que elas funcionem no município e atuem de modo eficaz.Número adequado de técnicos, espaço físico bem estruturado, trabalho em rede e opções de atividades são alguns elementos que garantem a qualidade e a eficiência das medidas socioeducativas em meio aberto. Após anos de atendimentos feitos diretamente pelos técnicos da Febem, em condições bastante limitadas, São Carlos municipalizou o atendimento em 1999. A organização não governamental Salesianos, interessada na causa, firmou convênio com o Estado e passou a contratar diretamente os técnicos e a organizar a proposta pedagógica. Com uma infra-estrutura básica de salas para atendimentos e de telefone, computador, TV, vídeo e uma pequena cozinha, o atendimento médio passou de 35 para 85 adolescentes. Tudo isso feito com qualidade e com resultado comprovado pelo número de adolescentes não reincidentes. Atualmente, a instituição trabalha com sete técnicos (psicólogos, assistentes sociais, pedagogo, terapeuta ocupacional, advogado) e atende 150 adolescentes.

O atendimento também acontece em outros espaços: cursos de formação profissional em sindicatos e entidades, práticas esportivas no SESI, SESC e em academias particulares, oficinas com a participação de alunos de universidades, passeios e visitas culturais.

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A criação da Comissão

de Liberdade Assistida

A Comissão de Liberdade Assistida foi precursora do Núcleo de Atendimento Integrado, realizando o pressuposto fundamental do NAI: parceria e integração.Diversos segmentos foram envolvidos para fortalecer o trabalho: as secretarias da Assistência Social, da Saúde, da Educação, a coordenadora regional da Febem, os conselhos de Direitos e Tutelar, a Segurança Pública, a Universidade, uma advogada e outros voluntários, a representante do SADS e de entidades interessadas, o Judiciário, o Ministério Público e a ONG Salesianos. Esse grupo, reunindo-se mensalmente, discutiu desde o espaço para os atendimentos, alimentação e passes de ônibus, até o projeto da Semiliberdade. O trabalho em conjunto trouxe idéias inovadoras, abriu novas portas e fortaleceu o projeto, dando complementaridade aos serviços.

O projeto da Semiliberdade

A idéia e o empenho de São Carlos de evitar, ao máximo, o envio de adolescentes para a Febem de São Paulo, desencadearam a necessidade de implementar, mais e melhor, o atendimento dos autores de ato infracional na cidade.Das ref lexões da Comissão de Liberdade Assistida nasceu uma proposta inovadora: o primeiro projeto de Semiliberdade conveniado pela Febem, com uma organização não governamental, funcionando em uma chácara cedida por um empresário da cidade.

Como funciona o NAI

A idéia central que permeia o trabalho do NAI é que a vida do adolescente é muito mais ampla do que o ato infracional visto isoladamente, fora do contexto maior da sua existência. Em outras palavras, o furto, o roubo,

ou qualquer outro delito cometido pelo adolescente tem um antes, um durante e um depois. Não se trata simplesmente de julgar a transgressão cometida, mas, principalmente, de conhecer o adolescente e o significado do delito na sua história de vida.O ponto de partida é procurar conhecer o adolescente e oferecer-lhe um espaço único, no qual ele possa receber todo o apoio: desde os primeiros procedimentos policiais até a decisão final do juiz. O atendimento integrado, com suporte nas áreas de saúde, educação, lazer e relacionamento familiar começa no momento em que o jovem chega ao NAI. Mesmo quando o juiz determina a sua custódia, por razão de ato infracional grave ou outros, o núcleo oferece espaço adequado e educadores para o cumprimento dos artigos 175 e 108 do ECA. Esse setor é de responsabilidade da Fundação Estadual do Bem-estar do Menor (Febem) e tem capacidade para oito adolescentes.O apoio oferecido num mesmo local, ainda que alguns serviços aconteçam necessariamente fora dele, permite uma ação integrada, mais ágil e mais fácil para a família, que não precisa procurar auxílio nos quatro cantos da cidade. Importante, também, é o fato de se criar um serviço inteiramente voltado ao adolescente, oferecendo local e condições nas quais ele se sinta bem e aceite ser ajudado.

Principais resultados

Em pouco mais de quatro anos de trabalho, o núcleo apresentou resultados importantes:• Atendimento a todos os casos indistintamente

– o NAI funciona 24 horas por dia, inclusive nos domingos e fer iados e atende desde pequenas até g randes infrações;

• Agilização da apuração e da imposição de medida socioeducativa – da apuração do ato infracional até

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a decisão do juiz e o encaminhamento do adolescente, o processo é muito ág il, não levando mais do que sete dias no caso das infrações mais simples;

• Maior facilidade para a custódia – mesmo nos casos de reincidência, ou quando a famí l ia não se apresenta imediatamente para l iberar o jovem, é possível mantê-lo al imentado e cuidado, no aguardo da or ientação do juiz;

• Adolescentes já não assumem mais a culpa no lugar dos maiores – a permanência do adolescente em espaço separado dif iculta a inter ferência dos adultos no sent ido de convencê-lo a assumir toda a culpa pela infração, no lugar do maior.

• Atendimento muda reação do adolescente – atendido por educadores em um ambiente educat ivo (l impo, espaçoso e digno), o adolescente pode mostrar com muito mais facil idade o seu lado bom, seus medos e inseguranças, o que facil ita o trabalho de or ientação e acompanhamento.

• Polícia avalia positivamente – as pol íc ias mil itar e c iv il aval iam posit ivamente o trabalho do NAI, pois este ag il iza o seu trabalho, aumenta sua possibil idade de atendimento e contr ibui para a diminuição das ocorrências envolvendo adolescentes.

• Quadro de infrações mostra uma realidade otimista– as estat íst icas mostram que os t ipos de infrações que acontecem hoje, em São Carlos, são simples em sua maior ia, pr incipalmente se comparadas às de outros municípios de igual porte. O número de infrações g raves prat icadas por adolescentes é muito pequeno e a ressocial ização se mostra possível em quase todos os casos.

• Mudança no perfil do adolescente – a resposta e a conseqüência rápida que o NAI dá à prat ica do ato infracional, faz com que o adolescente que hoje chega ao núcleo, mesmo quando envolvido em uma infração g rave, seja um jovem que não fez trajetór ia no mundo da cr iminal idade e não traz as marcas dessa convivência (g ír ias, reg ras, at itudes). Antes do NAI, o sent imento de impunidade pela morosidade do atendimento faz ia com que os adolescentes tomassem gosto pela cr iminal idade e, convivendo com maiores, assumissem comportamentos t ípicos do mundo da cr iminal idade. Hoje, as conseqüências rápidas são um est ímulo para que o jovem mude logo sua trajetór ia. Conseqüentemente, mesmo os que têm se envolvido em atos infracionais g raves não demonstram famil iar idade com o mundo do cr ime e o trabalho com os mesmos se torna muito mais produt ivo, já que estão mais abertos à proposta pedagóg ica.

Sobre o palestrante

O relato desta experiência foi feito pelo padre Agnaldo Soares Lima – SDB (Salesiano de Dom Bosco), coordenador do NAI. Mais informações podem ser obtidas no site www.linkway.com.br/nai ou pelo e-mail [email protected] , durante o seminário de São Paulo, SP.

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Cedeca Interlagos: por uma política social de atenção à juventude

Este relato tem o objetivo de promover uma reflexão sobre a execução das medidas socioeducativas em meio aberto, a partir da experiência vivida pelo Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Interlagos (Cedeca Interlagos), bairro da zona sul da cidade de São Paulo. Os operadores sociais e todos os atores envolvidos na aplicação e execução da medida devem perceber-se como mediadores do processo de construção e produção do conhecimento. Seu papel é estabelecer espaços de troca com os adolescentes e familiares, buscando trilhar com eles caminhos que os façam valorizar relações, investir em seus potenciais humano-artísticos, esportivos e profissionais, e construir seus projetos de vida pessoal e social.

O Cedeca Interlagos foi fundado em 1999 por um grupo de educadores sociais. Nasceu da experiência acumulada durante anos de trabalho comunitário nas favelas de Interlagos e junto aos movimentos populares do bairro paulistano da Capela do Socorro. Dá assessoria aos movimentos populares, às comunidades locais, associações de moradores e entidades de atendimento, com o olhar voltado para a realidade da criança e do adolescente. Com o objetivo de romper o ciclo da violência e da exclusão social, a missão do Cedeca Interlagos é defender os direitos da criança e do adolescente por meio da proteção jurídico-social, na lógica da proteção integral e na ótica de políticas públicas com participação popular.A metodologia de atuação do Cedeca Interlagos é de defesa dos direitos a partir de uma relação construída e autônoma entre o sujeito da violência, o agente violador e o defensor que possibilita

a justiça social. O trabalho é desenvolvido por uma equipe multidisciplinar de 49 funcionários, 3 diretores e 2 conselheiros.

O cenário da periferia

A realidade das crianças e dos adolescentes que moram nas periferias das grandes cidades, neste caso, especificamente, na Capela do Socorro, tem sido marcada pelas relações injustas de poder e pela má distribuição de renda que se impõem sobre as camadas populares, gerando sérias conseqüências sociais. A mera luta pela sobrevivência, sem perspectivas de projeto de uma vida digna, leva a criança e o adolescente a uma acentuada falta de capacidade de lidar com as questões e os conf litos surgidos no cotidiano. Eles se tornam incapazes de ler e interpretar, não só as palavras, mas a própria realidade, comprometendo o potencial de se tornarem cidadãos ativos e de transformarem suas próprias vidas. Tudo isso, somado à realidade do desemprego, da miséria, falta de moradia adequada, educação, saúde e exposição à violência, faz com que a criança e o adolescente, sem muito discernimento e referencial, corram o risco de ultrapassar limites, cometendo atos infracionais prejudiciais ao seu desenvolvimento.Impedidos de construir positivamente suas identidades em função da enorme escassez de recursos concretos e simbólicos, os adolescentes buscam saídas na luta pela sobrevivência. O tráfico de drogas e o crime organizado são sedutores, oferecendo aos jovens recursos simbólicos compensatórios para sua invisibilidade social.

Os adolescentes improvisam uma construção pelo avesso de si próprios: sentem-se valorizados e fortalecem a auto-estima a partir do reconhecimento negativo que obtêm dos outros quando lhes provocam medo. O medo torna esses meninos visíveis.

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Instrumentos de

transformação social

O Brasil ainda está muito longe de extinguir o problema que leva a criança e o adolescente a cometer atos infracionais. Muitas vezes, não é possível evitar que esses atos sejam cometidos e quando isso ocorre, é preciso buscar formas alternativas de intervenção, que sejam transformadoras da realidade dessas crianças, desses adolescentes e de suas famílias. Algo como disputar com o tráfico e suas armas, o desejo e o imaginário da juventude excluída. Nesse sentido, o Cedeca Interlagos trabalha com os seguintes projetos:

• Projeto Abrindo Horizontes – atende, por ano,140 adolescentes em situação de dif iculdade pessoal e social. Oferece of ic inas de arte-educação – pintura, fotog raf ia, g raf ite, teatro, c idadania e jovem autor.

• Projeto de Liberdade Assistida – acompanha, por ano, 500 adolescentes em conf l ito com a lei, inser idos em medida socioeducat iva de Liberdade Assist ida.

• Projeto de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) – acompanha, por ano, 120 adolescentes em conf l ito com a lei, inser idos em medida socioeducat iva de Prestação de Serviço à Comunidade. É um projeto pioneiro na cidade de São Paulo, com a execução colet iva da medida.

• Serviço de Atendimento Psicológico – aconselha cem famí l ias da comunidade por meio de atendimentos individuais e em grupo. A at iv idade é desenvolvida por um grupo de dez psicólogos voluntár ios.

• Núcleo de Defesa – acompanha adolescentes em situação de dif iculdade social e pessoal, com aconselhamento jur ídico a eles, suas famí l ias e à comunidade em geral, atuação

técnica nos processos judic iais de adolescentes, mobil ização e organização da comunidade na luta por direitos difusos e colet ivos.

• Grupo de Estudos do Serviço Social – é um grupo de assistentes sociais que procura discut ir temas pert inentes à atuação do Cedeca Interlagos, para disponibil izar o conhecimento acumulado na academia e promover a ref lexão da prát ica.

• Núcleo de Formação e Pesquisa – real iza anualmente cursos de formação para educadores sociais provenientes de trabalhos comunitár ios, organizações sociais e pastorais sociais; aprofunda o conhecimento nas áreas da arte-educação, comunicação, psicolog ia, noções jur ídicas, direitos humanos, planejamento part ic ipat ivo de projetos e gestão de organização social e captação de recursos, e faz pesquisas específ icas para conhecer a real idade social, econômica, pol ít ica e cultural da cr iança e do adolescente.

• Oficina de Talentos – é um projeto, com duração de um ano, para a real ização de of ic inas diversas. Para as mães dos adolescentes e mulheres da comunidade são oferecidas of ic inas de confecção de arranjos de f lores, cestas comemorat ivas e velas; para 50 adolescentes, of ic ina de br inquedos c inét icos.

• Futebol Libertário – é um projeto de acompanhamento alternat ivo de adolescentes inser idos em medidas socioeducat ivas. Esse projeto ut il iza o potencial educat ivo do esporte como alternat iva aos caminhos formais e t radic ionais de atendimento. No momento, o Futebol Libertár io está parado por falta de f inanciamento.

Para viabilizar esses projetos, o Cedeca Interlagos conta com os seguintes parceiros:

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Febem – parceira financeira de transferência e acompanhamento técnico.Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS)– parceira no processo de qualificação das medidas socioeducativas em meio aberto. A execução da prestação de serviço à comunidade já foi descentralizada nos 31 Centros de Referência de Assistência Social instalados nos territórios das subprefeituras da cidade. As bases para a municipalização da Liberdade Assistida estão sendo preparadas.Fundação Abrinq – parceira técnica que permitiu testar o modelo de apoio socioeducativo que a SAS chama de incubadora social.

Sobre o palestrante

O relato dessa experiência, durante seminário de São Paulo, SP, foi feito por Fábio Silvestre da Silva, psicólogo, mestrando em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, especialista em Psicologia do Esporte pelo Instituto Sedes Sapientiae, coordenador de grupo no Projeto Esporte Talento, parceria do Cepeusp e Instituto Ayrton Senna, diretor do Cedeca Interlagos com experiência em medidas socioeducativas, supervisor de estágios pelo Sedes Sapientiae, consultor do Instituto Sou da Paz, consultor da Amiche dei Bambini (AiBi) e consultor em Psicologia do Esporte da Interação Psicologia e Esporte. E-mail: [email protected]

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Lua Nova: um novo olhar sobre a gravidez e a maternidade na adolescência

A Lua Nova é uma organização não governamental cuja missão é oferecer para as mães adolescentes em situação de risco a possibilidade de se estruturarem para viver com seus filhos. Ela parte dos pressupostos que a gravidez na adolescência pode ser vista como perspectiva de crescimento e não apenas como risco; que mãe e filho podem ser vistos como uma família e não como indivíduos independentes e que a maternidade na adolescência pode ser uma oportunidade de criar vínculos.

Cada vez que nasce uma criança filha de uma jovem usuária de droga, moradora de rua ou em situação de prostituição, a história de exclusão social se repete. A certeza de que essa realidade pode mudar impulsionou a criação da Associação Lua Nova, na cidade paulista de Araçoiaba da Serra, no ano 2000. Sua missão é oferecer às mães adolescentes em situação de risco, a possibilidade de se estruturarem para viver com seus filhos, por meio de um processo terapêutico-social, capaz de criar alicerces para um futuro digno. A associação criou uma estrutura de acolhimento, na qual essas jovens não são discriminadas por serem mães e têm o direito de não se separarem dos filhos, fortalecendo o vínculo.

A Lua Nova não é uma comunidade terapêutica. É um espaço aberto onde há convivência e troca de experiências entre a organização e as adolescentes. Elas participam de oficinas de trabalho em grupo, de higiene e estética, maternidade, sexualidade, drogas e cidadania, e têm acesso aos serviços de saúde e educação formal. Todas as adolescentes da

comunidade assumiram o seu papel no grupo, com autonomia e responsabilidade. Esse papel inclui desde cuidados com a casa e os filhos, até o respeito a regras e rotinas.A Lua Nova também tem uma estrutura de reinserção social, baseada na idéia de que a instituição pode oferecer recursos, mas a tarefa de construir um projeto de vida é de cada um. Esse trabalho acontece na República Lua Crescente, que é um espaço transitório entre a comunidade e a efetiva reinserção social das jovens. Funciona nos moldes de uma verdadeira república, e cada unidade tem duas adolescentes que se responsabilizam pela sua organização.Atualmente, a Lua Nova atende 31 adolescentes e jovens de 13 a 24 anos e 30 crianças de 0 a 7 anos. Grande parte delas se aproximou da entidade sozinha, por conhecer o trabalho. Outras foram encaminhadas pelos Conselhos Tutelares, Varas da Infância e Juventude e organizações não governamentais. Na maior parte dos casos, o pai é ausente ou desconhecido e são muitas as mães com mais de um filho. Há casos de meninas de vinte e poucos anos com quatro filhos.A Lua Nova atua com poucos recursos e sua sustentabilidade depende dos colaboradores, de um convênio com o Governo do Estado de São Paulo e de doações. Todos os serviços prestados são gratuitos: atendimento psicoterápico individual e grupal, assistência à saúde, educação, reforço escolar, noções estéticas, momentos lúdicos e culturais, profissionalização e geração de renda, além das atividades de cuidados rotineiros da casa e dos filhos. Entre os projetos desenvolvidos atualmente, destacam-se:• Criando arte – é uma fábr ica de bonecas que permite

gerar renda, desenvolver talentos, prof issional izar, e dar ao trabalho um caráter lúdico e educat ivo. A renda média mensal das adolescentes é de 280 a 300

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reais. A fábr ica é organizada como uma cooperat iva e a idéia é formar pequenos núcleos produt ivos, com jovens mães empreendedoras. Entre os vár ios produtos que saem da fábr ica, destacam-se as bonecas, pelo seu forte apelo lúdico, visto que vár ias dessas adolescentes nunca br incaram de boneca.

• De mão em mão – esse projeto consiste na formação de núcleos de geração de renda e inclusão social, em pequenas comunidades locais e reg ionais, vulneráveis do ponto de vista de DST’s, HIV/Aids, prost ituição, pobreza extrema e drogas. O foco do projeto são adolescentes e mulheres e a idéia é que elas passem de pessoas assist idas a mult ipl icadoras de tecnolog ias. Já ex istem diversos núcleos funcionando na cidade paulista de Sorocaba e arredores.

• Estrelas coloridas – são of ic inas culturais/terapêut icas, nas quais mães e f i lhos interagem por meio de at iv idades de teatro, expressão corporal, musical ização e comunicação escr ita.

Principais resultados

Como resultados do trabalho, constata-se que 58% das jovens atendidas cuidam dos filhos; 37% são autônomas, 26% moram com a família, 49% voltaram a estudar, 55% se mantêm no emprego por mais de três meses; 32% trabalham nas profissões aprendidas nas oficinas; 18% retornaram à situação de rua e 55% se mantêm fora de risco após sair da Associação Lua Nova.

Rede de parcerias

A Lua Nova estabeleceu parcerias com diversas instituições e com o poder público buscando discutir,

ref letir e elaborar propostas de ação adequadas para a construção de políticas públicas mais ousadas e eficientes. Para desenvolver suas atividades, estabeleceu parceria com o Projeto de Redução de Danos de Sorocaba (causados pelo abuso de drogas), a Cáritas da Alemanha e a Unesco, a fim de somar recursos para acolher o usuário de drogas e seus familiares, oferecendo alternativas de sustentabilidade para eles e para a população vulnerável.

Sobre a palestrante

O relato dessa experiência foi feito por Raquel Barros, da organização Lua Nova, durante o seminário de Betim, MG.

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A equipe técnica de projetos de atendimento aos adolescentes autores de ato

infracional deve focar atenção nas famílias e na comunidade

do jovem, agregando valor a tudo que faz. É preciso

recuperar e construir a história de cada adolescente atendido,

mesmo que isso seja feito a partir das cicatrizes

que este traz em seu corpo. Cada jovem é um sujeito

de direitos, de desejos e de capacidade cognitiva.

Implementação de medidas socioeducativas em meio aberto no Município de São José do Rio Preto, SP

São José do Rio Preto, localizada a noroeste do estado de São Paulo, a 435 quilômetros da capital, tem 360 mil habitantes. Destes, aproximadamente 140 mil são jovens.Embora esteja entre os municípios com menor número de habitantes socialmente excluídos – ocupa o 17º lugar do ranking no estado de São Paulo, e o 39º no país – o crescimento da criminalidade e da violência tem assustado e mudado a rotina de vida da população. Isso requer formulação de políticas públicas para o combate da pobreza e a inclusão dos jovens. Por sua localização,

o município, situado no entroncamento de rodovias importantes e próximo a três estados brasileiros (Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso), está na rota do trafico de drogas.

O crescimento do desemprego, o aumento do mercado informal, a alta concentração de renda e a precariedade nas relações de trabalho atingem na maioria das vezes os jovens das classes populares. Estes ficam sem perspectiva de trabalho e sem esperança

frente à vida, situação que aumenta a vulnerabilidade frente ao uso, abuso e tráfico de drogas.Todo atendimento de adolescentes autores de ato infracional necessita de uma equipe de educadores capazes de exercer uma autoridade que evite tanto a arbitrariedade própria doautoritarismo, tão presente nas unidades da Febem, como a licenciosidade viciada e facilitadora. A

metodologia requer uma prática educativa que possibilite ao sujeito alcançar essa maioridade, como dizia Kant, que possibilite ao adolescente poder pensar por si mesmo e servir-se do próprio entendimento sem necessidade de tutores nem da direção de outro. Uma educação que não formepara a adaptação, mas para a liberdade, isto é, para a crítica rigorosa e consistente, para o senso crítico e para formas alternativas de pensar, sentir e viver. A equipe técnica de projetos de atendimento aos adolescentes autores de ato infracional deve focar atenção nas famílias e na comunidade do jovem, agregando valor a tudo que faz. É preciso recuperar e construir a história de cada adolescente atendido, mesmo que isso seja feito a partir das cicatrizes que este traz em seu corpo. Cada jovem é um sujeito de direitos, de desejos e de capacidade cognitiva.

A Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida

em São José do Rio Preto

A Secretaria Municipal da Assistência Social, do Trabalho e dos Direitos da Cidadania executa a Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida desde sua municipalização em 1997.De 1997 a 2001, o atendimento era realizado num único local, a Casa da Criança e do Adolescente, por uma equipe multidisciplinar. A partir de 2001, a municipalização foi descentralizada e o atendimento passou para os Núcleos de Assistência Social (NAS), localizados em diferentes bairros da cidade, mais próximos da comunidade e da família do adolescente. Isso possibilitou um vínculo maior entre o adolescente, sua família e o técnico responsável pelo acompanhamento.

O convênio Liberdade Assistida/Febem possibilitou a contratação, para o ano de 2002, do serviço terapêutico do Instituto Rio-pretense de Psicodrama.

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O atendimento grupal do adolescente e de sua família foi feito por meio desse serviço, que facilitou o entendimento da dinâmica de cada família. Em novembro de 2002 realizamos um encontro entre os adolescentes em liberdade assistida e os técnicos. Nesse encontro foi avaliada a importância de se constituir uma equipe específica para o atendimento da Liberdade Assistida e introduzir o atendimento terapêutico.

Medida socioeducativa de prestação

de serviço à comunidade (PSC)

Essa medida foi executada em São José do Rio Preto por uma instituição que não tinha registro no Conselho Municipal da Assistência Social nem no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. A metodologia utilizada era arbitrária e tendenciosa e o adolescente não era levado a ref letir sobre seu ato e as conseqüências dele. Para 2003 propusemos a execução do projeto, que teve início em agosto, em parceria com a Cáritas Diocesana. Essa organização assumiu as duas medidas – Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade –, sob a coordenação da Secretaria Municipal da Assistência Social

Tipo de infração: furto (40%), seguido de roubo, estupro, homicídio, dano.

Dos 59 adolescentes, 58 são do sexo masculino e 1 do feminino.Tipo de infração: roubo, furto, tráfico de drogas (6%), homicídio.

Dos 63 adolescentes, 60 são do sexo masculino e 3 do feminino.Tipo de infração: roubo e furto, em primeiro lugar, seguidos de tráfico de drogas, lesão corporal, homicídio, porte de arma. Observamos a diminuição da idade dos infratores. Desde agosto de 2003, as Medidas socioeducativas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade fazem parte do Projeto GOL (Grupo Opção pela Liberdade), sob coordenação da Secretaria Municipal da Assistência Social, em parceria com a Cáritas Diocesana e a Febem.

Atendimento de medida socioeducativa de liberdade assistida ( janeiro a dezembro de 2003)

Número de adolescente Idade

08 19 anos

32 18 anos

06 17 anos

13 16 anos

02 15 anos

02 14 anos

Total: 63

Atendimento de medida socioeducativa de liberdade assistida ( janeiro a dezembro de 2001)

Número de adolescente Idade

02 20 anos

05 19 anos

23 18 anos

07 16 anos

04 15 anos

02 13 anos

Total: 43

Atendimento de medida socioeducativa de liberdade assistida ( janeiro a dezembro de 2002)

Número de adolescente Idade

02 20 anos

11 19 anos

16 18 anos

13 17 anos

13 16 anos

04 15 anos

Total: 59

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Temos na cidade, 62 adolescentes cumprindo

medida de liberdade assistida e 38 prestando serviços à

comunidade. O total de vagas para Liberdade Assistida é de 70, e 40 para Prestação de Serviços à Comunidade. Esses números

nunca foram ultrapassados. Temos observado que, quanto mais adolescentes cumprem

essas duas medidas, menor é o número de

internações na Febem.

Temos na cidade, 62 adolescentes cumprindo medida de liberdade assistida e 38 na prestando serviços à comunidade. O total de vagas para Liberdade Assistida é de 70, e 40 para Prestação de Serviços à Comunidade. Esses números nunca foram ultrapassados. Temos observado que, quanto mais adolescentes cumprem essas duas medidas, menor é o número de internações na Febem.

Uma grande dificuldade sentida pelos profissionais, e que já foi motivo de debate, é o alto índice de remissão de pena concedida pelo promotor da Infância e Juventude. Isso impede que o adolescente ref lita sobre seu ato e a conseqüência dele, resultando na volta à criminalidade, só que dessa vez as infrações cometidas são mais graves. Esse dado fica claro no seguinte ofício recebido pela Secretaria Municipal da Assistência Social: A Promotoria de Justiça da Infância e Juventude no seu ofício 56/03 de 09 de maio de 2003 informa que no decorrer dos meses de fevereiro, março e abril passados concedeu aos 434 adolescentes atendidos, 322 remissões, 71 representações e 41 arquivamentos.

A concretização do que

preconiza o artigo 88 do ECA

O Núcleo de Atendimento Integrado ao Adolescente (NAIA) de São José do Rio Preto é a concretização do artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que preconiza:Art. 88 – São diretrizes da política de atendimento:V – integração operacional de órgãos do judiciário,Ministério Público, Defensoria, Segurança pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial ao adolescente

a quem se atribua autoria de ato infracional;VI – mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade.

A integração dos órgãos viabiliza o cumprimento dos artigos 171 a 190 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no que se refere à apuração do ato infracional atribuído ao adolescente. Além disso, possibilita acomodar e prestar atendimentos básicos ao jovem, desde o momento de sua apreensão até o cumprimento das medidas socioeducativas ou da internação – que pode ser provisória ou de meio aberto.Desde final de 2002 estamos ref letindo e buscando subsídios para melhorar o atendimento às crianças e aos adolescentes em nossa cidade. Num encontro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Condeca) ocorrido em São Paulo, em novembro de 2002, conhecemos o Padre Agnaldo e a equipe do Núcleo de Atendimento Integrado (NAI) de São Carlos. Iniciamos contatos e a mobilização de grupos representativos da sociedade civil, conselhos tutelares, conselhos de direitos, Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, polícias civil e militar. São José do Rio Preto tem uma Vara da Infância e Juventude, mas não tem juiz específico nomeado. Atualmente essa nomeação é nossa maior reivindicação.

Sobre a palestrante

O relato dessa experiência foi feita por Maria Aparecida Trazzi Vernucci da Silva, assistente social e coordenadora do Departamento da Criança e do Adolescente da Secretaria Municipal da Assistência Social, do Trabalho e dos Direitos da Cidadania de São José do Rio Preto durante seminário de São Paulo, SP.

A integração dos órgãos viabiliza o cumprimento dos

artigos 171 a 190 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

no que se refere à apuração do ato infracional atribuído ao adolescente. Além disso,

possibilita acomodar e prestar atendimentos básicos ao jovem,

desde o momento de sua apreensão até o cumprimento

das medidas socioeducativas ou da internação – que pode ser provisória ou de meio aberto.

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