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  • 8/7/2019 Codato, Adriano. Elites e instituies: uma anlise poltica do Estado Novo. In: 31 Encontro Anual da ANPOCS, 200

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    31 Encontro Anual da ANPOCS

    de 22 a 26 de outubro de 2007

    ST-16 Elites e instituies polticas

    Adriano Codato

    (Universidade Federal do Paran)

    Elites e instituies: uma anlise poltica do Estado Novo

    Caxambu MG

    2007

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    Adriano Codato 2

    Resumo:

    Estudo o grupo de polticos profissionais que assumiu a tarefa de representar o conjuntoda classe dominante de So Paulo nas dcadas de 1930 e 1940. Reunidos no ConselhoAdministrativo do estado, incumbidos de revisar todos os atos do interventor federal edos prefeitos municipais, supervisionar o oramento e fiscalizar sua execuo, umadistinta confraria de menos de quinze pessoas governou o estado de So Paulo, ao ladodos dois Interventores, de 1939 em diante. Meu propsito , resumidamente, identificar aorigem social, a trajetria poltica, os valores ideolgicos e a ao burocrtica dessa eliteestratgica, conforme a definio de Suzanne Keller.

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    Introduo

    O objetivo deste trabalho investigar e analisar a composio do DepartamentoAdministrativo do estado de So Paulo.

    Estudo aqui o grupo de polticos profissionais que tomou para si a tarefa de

    representar o conjunto da classe dominante de So Paulo nas dcadas de 1930 e 1940. Ouniverso da pesquisa compreende ao todo 22 indivduos. Meu interesse pelo subgrupode 14 indivduos que integraram o Departamento entre 1939 e 1945.

    Os Departamentos Administrativos foram criados pelo decreto-lei 1202, em 8 deabril de 1939, e passaram a funcionar no segundo semestre desse ano. Sua denominaooriginal era essa mesma: Departamento Administrativo. Quatro anos mais tarde passoua chamar-se Conselho Administrativo1. Ele foi projetado para ser, ao lado doInterventor, um dos dois rgos da administrao estadual, consertando o vazioburocrtico que havia, ou se imaginava haver, principalmente na rea oramentria. Odecreto-lei que previa sua instituio estipulava duas coisas: sua composio e suasatribuies.

    Esses Departamentos estaduais deveriam desempenhar trs funes diferentes:uma funo poltica tal qual uma cmara revisora, teriam de examinar (e poderiamvetar, diga-se) todos os projetos de decretos-leis baixados pelo Interventor ou pelosprefeitos municipais; uma funo econmicaas propostas de oramento e a execuooramentria do estado e de todos os municpios do estado estavam condicionadas suaanlise prvia e aprovao; e uma funo burocrticaeles poderiam, se fosse o caso,readequar a estrutura administrativa dos rgos estaduais, racionalizando suas rotinasinternas, e redesenhar o organograma do governo do ponto de vista da economia eeficincia2.

    Constitudos por poucos membros (de acordo com o texto legal, no mnimo quatro

    e no mximo dez), eles seriam indicados, assim como o Interventor federal, peloPresidente da Repblica. O nmero de conselheiros variava de acordo com a importnciaeconmica do estado, o tipo de encrenca poltica que Getlio Vargas deveria enfrentar e ograu de intriga pessoal entre as vrias faces da oligarquia. So Paulo, Minas Gerais e oRio Grande do Sul ficaram com sete membros cada; o Rio de Janeiro, a Bahia,Pernambuco, o Cear e o Par, cinco; e os demais, quatro3.

    Para definir quem fazia parte da elite poltica adotei, tal qual o estudo de JosephLove sobre So Paulo na Primeira e Segunda Repblicas brasileira, o critrio posicional.A base de constituio desse grupo est na razo direta dos recursos institucionais

    1 O decreto-lei n. 5 511 (de 21 de maio de 1943) mudou sua designao para Conselho por sugesto deGoffredo da Silva Telles Jr. ao Ministro da Justia, Marcondes Filho. De acordo com Goffredo Jr., assessorinformal da presidncia do Departamento paulista, a nova palavra daria uma idia melhor tanto das funeslegislativas quanto das funes representativas que o aparelho possua. Comunicao pessoal. SoPaulo, 11 jul. 1996. Adotarei sempre a denominao Departamento, mesmo para o perodo posterior a1943.2Art. 17, alnea e.3 Portaria n. 2083 de 12 jun. 1939, do Ministrio da Justia e Negcios Interiores.

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    elite?; como ela recrutada?; como ela educada? quais so suas atitudes e valores?;quais so suas funes polticas?; ela domina?; ela governa?; por que meios?7

    Neste paper descrevo e discuto o significado de dois tipos de informao: aorigem social da elite poltica paulista e seus padres de carreira poltico-burocrticos.

    O ensaio est dividido em quatro partes. Na primeira apresento duas grandeshipteses interpretativas para analisar a relao entre elites e instituies no Brasil nesteperodo histrico. Na segunda parte fao uma discusso sobre a teoria e a terminologiaimplicadas nos estudos de elites polticas. Na terceira, fao uma anlise padro da elitepaulista ou, mais propriamente, desse grupo da elite hospedado no DepartamentoAdministrativo. Sistematizo as informaes relativas origem social e carreira polticados quatorze indivduos que passaram pelo DAE-SP. E na ltima procuro discutir seusignificado.

    I. Duas proposies interpretativas

    Dois pontos so aqui os mais relevantes e constituem o pano de fundo da minhaanlise: a organizao institucional do regime ditatorial e, dentro dela, a questo poltica e ideolgica da representao de interesses em contextos no democrticos.

    Essas duas variveis esto conectadas. A estrutura do regime a instituio ,mais que suas prticas, condiciona, em sentido amplo, as formas e os mecanismos derepresentao. Essas por sua vez condicionam, de maneira estrita, os parmetros doprograma em grande parte improvisado de remanejamento de indivduos e grupos nouniverso das elites polticas, alterando tanto sua hierarquia, quanto sua ecologia.

    A primeira relao causal (entre a forma do regime e o modo de representao deinteresses) j foi bem estudada. Contudo, a maioria das anlises dedicou-se a explicar o

    comportamento poltico e a estrutura que molda esse comportamento poltico deapenas dois agentes sociais: os trabalhadores urbanos (controlados pela estrutura sindicaloficial e/ou pelo populismo presidencial) e os empresrios industriais (submetidos aformatos corporativistas de representao de interesses). Como o Estado Novo foiassimilado a um regime poltico sem poltica8 e, por deduo, sem polticos excetoaqueles que gravitavam em torno do presidente da Repblica e que faziam, por suposto, apoltica da Presidncia da Repblica , a ausncia dos mecanismos tradicionais derepresentao de interesses (partidos, eleies, parlamentos etc.) dissimulou o lugar e opapel da classe poltica, sem que, todavia, ela tivesse sido completamente anulada ousimplesmente desaparecido. Como conseqncia, os polticos profissionais tornaram-seora invisveis, ora secundrios, ora importantes apenas porque integravam, atravs dasinterventorias dos estados ou dos departamentos administrativos, um esquema poltico

    7 Para essa lista de perguntas e para o uso rigoroso do procedimento, v. Peter Burke, Veneza e Amsterd.Um estudo das elites do sculo XVII. So Paulo: Brasiliense, 1991, p. 15-24. Espero ter ficado claro que aprosopografia se trata bem mais do que uma tcnica de coleta de dados.8 Ver, a propsito, Thomas E. Skidmore, Brasil: de Getlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. 10 ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 61-62.

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    cujo objetivo e meios intencionalmente os ultrapassavam: a nacionalizao das estruturasde dominao atravs da centralizao do poder no Executivo federal.

    Focado nas classes fundamentais, aquele ponto de vista cuja expresso maisacatada est resumida na idia de Estado de compromisso no deixa de ser curioso, jque a historiografia poltica do perodo 1930-1937 em grande parte apenas uma crnica

    dos acontecimentos polticos, reduzidos a alguns personagens polticos, ou atores, esuas aes/opes polticas. Meu propsito aqui , em resumo, fazer uma sociografia daselites polticas de So Paulo abrigadas no Departamento Administrativo do estado de SoPaulo.

    O argumento que pretendo sugerir (j que sua comprovao exigiria umadiscusso mais extensa daquela que possvel fazer aqui) que o processo de mutao,ou melhor, o transformismo das elites polticas brasileiras (no caso: paulistas) dependeuefetivamente, aps a seleo prvia realizada pelo regime no pessoal poltico, do sucessode um filtro institucional que combinou certo grau de abertura a certos indivduos, comdeterminadas exigncias polticas dirigidas a certos grupos polticos. O processo derecrutamento se deu, portanto, em duas etapas: uma primeira, que poltico-ideolgica,ocorreu fora do Estado (na cena poltica e graas s lutas polticas que definiram aliados eadversrios); e uma segunda, que poltico-institucional, ocorreu no apenas dentro doEstado, mas por meio de seus aparelhos.

    Nesse sentido, gostaria de estipular duas hipteses mais ambiciosas sobre arelao entre elites e instituies no Brasil neste contexto preciso:

    (i) a diviso e a reordenao entre os diversos grupos de elite (elites

    nacionais, elites regionais; elites sociais, elites polticas etc.) , em grandemedida, o resultado da hierarquia estipulada pelos crculos dirigentes do

    regime entre os diferentes nveis decisrios do sistema estatal;

    (ii) a transformao dos perfis sociais das elites polticas estaduais oefeito tanto das transformaes nas condies de competio poltica nacena poltica, quando da estrutura institucional concebida para recrut-la

    e conform-la aos propsitos do regime ditatorial;

    Essas sugestes constituem o ponto de partida da anlise, to minuciosa quantopossvel, da origem social dos representantes da classe politicamente dominante de SoPaulo, e das suas trajetrias polticas. Ela (a anlise) talvez ajude a pr em perspectivano somente o caso dos paulistas nos anos 1940, mas tambm o destino das demaisoligarquias estaduais sob o Estado Novo.

    II. Teoria e terminologiaUma palavra sobre a terminologia empregada neste paper, seu significado, seus

    pressupostos tericos e suas implicaes.

    As posies de comando no espao social esto repartidas entre as classeseconomicamente dominantes e as classes politicamente dirigentes, ou a elite poltica(tomadas aqui como sinnimos, portanto). Nesse sentido, a noo de elite (poltica) no

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    substitui o conceito de classe (dominante), j que no so termos intercambiveis9; nem oemprego da expresso classe poltica em certas passagens significa uma adeso doanalista aos pressupostos tericos da teoria das elites (ou do autor aos princpiosnormativos dos elitistas). Apenas assinalam com nomes diferentes, coisas diferentes.

    Utilizo a palavra elite e a expresso elite poltica, ou mais raramente,

    classe poltica num sentido puramente descritivo: refiro-me a uma unidadeemprica sujeita a observao e medio10. Atravs desse termo, cujo sentido trai trsidias: a de minoria, a de hierarquia e a de distino, eu quero designar o grupoespecializado de polticos profissionais (se quiser, os polticos de carreira) que controlamrecursos polticos (posies institucionais, por exemplo), comandam organizaespolticas (partidos, por exemplo) e exercem as funes de governo (no Executivo e noLegislativo). Eles tm na atividade poltica seu meio de vida e o poder poltico como seuobjetivo exclusivo, como definiu Max Weber11. Ainda que esteja de acordo com o maissingelo senso comum, no custa lembrar que

    algum que participe ativamente da poltica luta pelo poder e pode faz-lo deduas maneiras: como um meio para atingir outros fins (que podem ser altrustas

    ou egostas), ou como um meio de alcanar o poder pelo poder, isto , paradesfrutar da sensao de prestgio que decorre da sua posse12.

    O poder pode ser um meio, como na relao de representao, ou um fim, comona situao, mais freqente do que se imagina, de auto-representao. Em ambos os casosos profissionais da poltica so uma unidade de anlise (um grupo funcional), ligados sclasses, camadas ou categorias sociais (por suas origens), mas separados delas por suasfunes e papis no sistema de dominao. Michel Offerl possivelmente exagera umpouco, mas no contradiz o aspecto que quero ressaltar aqui, ao afirmar que as posiespolticas no so mais analisveis a partir das propriedades [sociais] dos seus ocupantes,mas pelas propriedades posicionais e situacionais que permite defini-las13.

    Elites polticas podem, ou no, representar classes. Mas geralmente fazem issoenquanto representam a si mesmas. Como Pierre Bourdieu sugeriu, os agentes polticosservem os interesses dos seus clientes na medida em que (e s nessa medida) se servemtambm ao servi-los. Disso se pode concluir que a relao que os vendedoresprofissionais dos servios polticos (homens polticos, jornalistas polticos etc.) mantm

    9 Ver Tom B. Bottomore, As elites e a sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974, p. 14 e segs. Para amesma idia, conferir Anthony Giddens, A estrutura de classes das sociedades avanadas. Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p. 145 e segs.10 Ver Ricardo Cinta, Estructura de clases, lite del poder y pluralismo poltico. Revista Mexicana deSociologia, Mexico, v. 39, n. 2, abr.-jun. 1977, p. 443.11 Anthony King prope uma definio mais melodramtica: polticos de carreira par excellence sohomens e mulheres que comem, dormem e at sonham com poltica. Ver The Rise of the CareerPolitician in Britain and its Consequences. British Journal of Political Science, vol. 11, n. 3, jul. 1981, p.269.12 Max Weber, The Profession and Vocation of Politics. In: Lassman, Peter & Speirs, Ronald (eds.). Weber:Political Writings. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, p. 311.13 Michel Offerl (dir.), La profession politique, XIXe-XXe sicles. Paris: Belin, 1999, p. 10.

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    com seus clientes sempre mediada [...] pela relao que eles mantm com seusconcorrentes14. Isso significa que o problema da representao no se coloca maisconforme o modelo formulado por Weber, isto , como um problema em torno de duasalternativas excludentes (os polticos ou representam a si mesmos, ou representam osoutros), mas como duas realidades justapostas.

    H no mnimo trs questes que decorrem desse postulado. A primeira refere-se relao entre a esfera das prticas polticas e a esfera dos interesses sociais. S possvelpensar na autonomia dos representantes polticos tendo como suposto (lgico e histrico)a autonomia do campo da representao poltica. Recorrendo a uma imagem a fim deilustrar a idia: o jogo, e os jogadores,pressupem o tabuleiro. A segunda questo refere-se natureza da relao entre todos os jogadores no espao social ou, para simplificar,entre a elite social e a elite poltica. Ela a relao pode ser pensada em termossubjetivos (a origem social da elite poltica) ou em termos objetivos (a funo social daelite poltica). O entusiasmo diante de uma ou outra , feitas as contas, a razo dadivergncia principal da polmica Miliband-Poulantzas15. A terceira questo refere-se scondies sociais de produo dos prprios jogadores. A autonomia do campo (e do jogo)

    poltico a condio para produzir a profisso poltica e seus especialistas: osprofissionais da poltica. Quanto menos diletantes, mais tendem a desenvolver interessescorporativos ou para falar como Weber, buscar o poder pelo poder; quanto maisinteressados em si prprios, mais tendem a reforar e ampliar aquela autonomia. Aquesto fundamental seria ento compreender e explicar a regra do jogo (poltico). elaque determina as propriedades do campo de jogo, fixa os pr-requisitos para participar dapartida e determina a margem de manobra dos jogadores16.

    A tipologia dos polticos muito variada. Ela inclui, para o perodo queanalisamos, a transio das figuras (estereotipadas) do coronel, no mundo rural, para obacharel, no mundo urbano, num ambiente em que predomina socialmente o oligarca.C. Wright Mills props uma diferena mais neutra e em alguns aspectos mais til: h ospolticos partidrios, os polticos burocratas e os polticos no-profissionais. Os primeirosfizeram carreira na organizao partidria e ocuparam postos eletivos; os segundos, naadministrao do Estado e foram mais que servidores pblicos, chegando ao topo dealguns centros de poder; os ltimos combinam recrutamento por nomeao (e no poreleio) para nveis superiores da administrao (governo federal), o que explica carreiraspolticas mais curtas e feitas longe do executivo e do legislativo17.

    A fim de padronizar um pouco a linguagem, sabidamente confusa nessa rea, ediminuir a arbitrariedade dos nomes que mencionam a classe poltica, adotarei o

    14 Pierre Bourdieu, A representao poltica. Elementos para uma teoria do campo poltico. In: _____. Opoder simblico. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 177, grifo do autor.15 Ver, em especial, Nicos Poulantzas, The Problem of the Capitalist State. New Left Review, London, n.58, November-December 1969 e Ralph Miliband, The Capitalist State Reply to N. Poulantzas. New LeftReview, London, n. 59, January-February 1970.16 Para permanecer na metfora, P. Bourdieu nota que a adeso incondicional ao jogo e s coisas que estoem jogo no se manifesta nunca de modo to claro como quando o jogo chega a ser am eaado enquantotal. Pierre Bourdieu, A representao poltica, ibid., p. 173.17 Ver C. Wright Mills, A elite do poder, op. cit., p. 271-276.

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    seguinte vocabulrio. Ele est de acordo com a separao que fiz acima entre classeseconomicamente dominantes e classes politicamente dirigentes (ou elite poltica) eintroduz algumas diferenciaes apenas do ponto de vista morfolgico.

    Como h uma especializao funcional da elite poltica, um setor exerce funesexecutivas (isto , o governo), outro funes legislativas (nos parlamentos). O primeiro

    designarei, seguindo a sugesto de Ralph Miliband, elite estatal (que no se confunde,note, com a burocracia em sentido estrito). A elite estatal formada pelo conjunto depessoas que se encontram na cpula das instituies do sistema estatal, controlando-as.So essas pessoas que exercem o poder de Estado18. Os polticos por profisso so apenasuma parte da elite estatal, que pode reunir militares, intelectuais, especialistas, tcnicosem posies de assessoria, comando etc. O segundo setor a elite parlamentar. Quantomais profissional a poltica, mais profissionais so os membros da elite parlamentar. Apassagem de um setor da elite para outro usual. Fred Block rene ambos os grupos notermo dirigentes estatais (state managers)19. No vejo muita vantagem nisso,principalmente quando se sabe que os legislativos, mesmo nas democracias avanadas,tm pouca ou nenhuma capacidade poltica. Raymond Aron, que procurou, em vo,

    estabelecer alguma ordem nesse terreno, fala ora em classe poltica20, ora em pessoalpoltico21, que um nome mais simples e, supe-se, ideologicamente mais neutro paradesignar a mesmssima coisa. Os dois termos querem indicar a minoria que se dedicaefetivamente s funes de governo (que idntico, para ele, ao exerccio do poder).Assim, a elite poltica compreende dois setores, sendo um deles aquele que nosinteressa mais de perto: a elite estatal, sediada no Executivo. Os polticos de carreiratambm podem ser designados pelas expresses usuais classe poltica, pessoalpoltico, a oligarquia, ou mais especificamente, a oligarquia regional, termo utilizadoaqui para manter o referente histrico, e por duas ou trs razes adicionais.

    Ao lado dessa nomenclatura, penso que seria til introduzir uma segundadiferenciao, ou uma diferenciao de segunda ordem. Ela diz respeito no mais especializao funcional, como a anterior, mas estratificao regional das classesdirigentes: h, como se intui, elites nacionais e elites regionais.

    18 Ver Ralph Miliband, El Estado em la sociedad capitalista. 13. ed. Mxico: Siglo XXI, 1985, p. 50-67. Amesma expresso no mesmo sentido empregada por Michael Mann. Ver dele O poder autnomo doEstado: suas origens, mecanismos e resultados. In: Hall, John A. Os Estados na Histria. Rio de Janeiro:Imago, 1992, p. 167.19State managers are those at the peak of the executive and legislative branches of the state apparatus.

    Sometimes occupants of these positions are on loan from capitalist firms, but they operate in a situation thattends to be dominated by people for whom politics is a vocation, whether advancement comes throughpursuit of elective or appointive offices. Fred Block, Beyond Relative Autonomy: State Managers asHistorical Subjects. In: _____. Revising State Theory: Essays in Politics and Postindustrialism. Philadelfia:Temple University Press, 1987, p. 201, nota 9.20 Ver Raymond Aron, Classe social, classe poltica, classe dirigente. In: _____. Estudos Sociolgicos. Riode Janeiro, Bertrand Brasil, 1991, p. 155.21 Ver Raymond Aron, Categorias dirigentes ou classe dirigente. In: _____. Estudos sociolgicos, op. cit.,p. 212-213.

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    Renato Perissinotto chama a ateno para uma dificuldade real derivada daexpresso oligarquias regionais que, segundo ele, obscurece a anlise dos chamadosconflitos regionais na Primeira Repblica e, creio, no ps-1930 tambm. H doisgrandes problemas em seu uso indiscriminado: a ocultao de divergncias e a ocul taode semelhanas. O termo sugere que em cada regio (ou estado) h completa coeso de

    interesses e, externamente, completa diferenciao.No primeiro problema, o termo oligarquia regional (oligarquia paulista,oligarquia mineira etc.) oculta as divergncias que efetivamente existem nointerior da classe dominante de cada regio. [...] Tal concepo [...] impede-nosde analisar as relaes de subordinao que existem entre as diversas fraes daclasse dominante, seja na economia agroexportadora ou naquelas voltadas para omercado interno, remete-nos regio como um todo, obscurecendo a relaoentre as partes, ou melhor dizendo, obscurecendo a prpria existncia das partes.O segundo problema o oposto do primeiro. De acordo com a expressooligarquia regional, cada regio representa um interesse especfico, diverso dosinteresses das outras oligarquias regionais. Fica difcil, ento, encontrar algo decomum entre as classes e fraes dominantes das diversas regies do Pas, algo

    que poderamos chamar de um interesse geral do bloco no poder22.Na realidade, como as classes e fraes no tm ainda uma existncia nacional,

    todos os conflitos do perodo, que so, conforme essa viso, conflitos de classe, tendema assumir uma feio regional e aparecerem como conflitos entre regies e no comoaquilo que so de fato: conflitos sociais.

    Essas diferenciaes, todas muito teis para entender inclusive as contradieseconmicas da dcada de 1930 em diante, no so todavia vlidas para definir e explicara dinmica em outros nveis do todo social. Nesse caso, o econmico apresenta umamorfologia derivada da oposio entre mercado externo e mercado interno23que no acompanhada como tal no nvel poltico. Tanto o princpio de diviso quanto a lgica

    que comanda as tomadas de posio no mercado poltico no so s diferentes dalgica e do princpio do mercado econmico, mas podem estar em oposio a ele, ouserem simplesmente indiferentes. Da mesma maneira, os bens que se disputa em cadaum desses mercados so distintos, sendo os termos de intercmbio, para insistir naimagem, valorizados ou desvalorizados conforme suas regras prprias. Um exemploeloqente dessa dessemelhana pode ser extrado da Revoluo de 1930. Luciano Martinssustentou, a propsito desse episdio (cujo ncleo , como sabemos, a questo sucessriaum tema poltico, portanto), que a disputa principal que anima o movimento e o conduzpara frente a crise da confederao oligrquica diz respeito s modificaes nahierarquia poltica entre os diferentes subsistemas regionais e suas elites. O modelo dedominao a questo social nunca esteve em jogo.

    A questo central e que d, a meu ver, a dimenso da mudana poltica ocorrida e no da ruptura, que no h a seguinte: a convergncia de foras

    22 Renato Monseff Perissinotto, Bloco no poder e conflitos regionais na Primeira Repblica. Revista deSociologia e Poltica, Curitiba, n. 1, 1993, p. 30.23 Ver Nelson Werneck Sodr, Histria da burguesia brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 1967, p. 179-180.

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    heterogneas que fazem a revoluo torna-se possvel porque o que se joga em30, o que est em crise, no a dominao oligrquica, mas a confederaooligrquica, atravs de uma crise de uma determinada forma de Estado que erasua expresso poltica em plano nacional e de uma dada forma de Estado com aqual praticamente se confundia o sistema poltico. O que se contesta, em sntese, a oligarquia enquanto elite dirigente e no enquanto classe dominante. a tanto

    que, a meu ver, se reduz em 30 a crise da oligarquia24.As elites polticas tradicionais, ou as classes dirigentes, diferena das classes

    dominantes, tm, e continuam tendo, no s uma existncia, mas uma essnciaregional, como demonstram, alis, todas as brigas pela conquista e pelo comando doaparelho do Estado durante e depois da Revoluo. A regio d a forma de luta, fornece aplataforma e circunscreve, para os atores, a imagem de si e dos outros o contedo,portanto. A guerra dos oligarcas contra os tenentes, para relembrar um s aspecto desseprocesso, deriva do fato bsico desses ltimos serem forasteiros, e no porque fossemrepresentantes de um interesse social especfico (como, de fato, eram). A prpria divisoda cena poltica em dois plos antagnicos, um nacional, outro estadual, testemunha deuma guerra de posies disputada com armas prprias e idias prprias. Os conflitospolticos, em grande parte dirigidos pelas rivalidades e ressentimentos estaduais, sovividos atravs da linguagem ideolgica peculiar a cada uma dessas foras, conforme sev na oposio entre o discurso do tenentismo nacionalista e o discurso do regionalismopaulista. Institucionalmente, a separao mais ntida talvez porque traduza noestratgias diferentes, mas possibilidades (ou capacidades sociais) diferentes. Assimcomo os movimentos da contra-elite (tenentes, comunistas, fascistas) so canalizados pororganizaes nacionais (o Clube 3 de Outubro, a ANL e a AIB), e esto orientados porplataformas tambm nacionais, os movimentos da elite so canalizados por seus prpriospartidos estaduais, dos quais s abriro mo fora, em defesa dos interesses polticosestaduais. Mesmo as associaes entre faces rivais das oligarquias assumiro, a partirde 1933, a forma nova, mas no surpreendente da frente nica estadual: FUP, FURGSetc., o que sintomtico da permanncia da scio-lgica que sugeri.

    Esse um universo extremamente complexo e da mesma maneira que se devefalar de classes dirigentes regionais (ou oligarquias estaduais), por oposio s nacionais,h tambm aqui uma hierarquia ou uma estratificao propriamente poltica. Asposies de elite e, portanto, os grupos de elite podem ter mais ou menos poder,prestgio, influncia, autoridade etc. Assim, existe tanto uma alta oligarquia, quanto umabaixa oligarquia (ou uma sub-elite), sendo suas capacidades polticas distintas.

    Essas definies sugerem trs problemas tpicos dessa rea de estudos: a questoda estrutura da elite (a hierarquia poltica entre suas faces), a questo dahomogeneidade ou heterogeneidade (social) da elite e a questo da coeso (ou do grau de

    integrao) da elite. Cada uma est, por sua vez, relacionada a um indicador: no primeirocaso, s formas de recrutamento; no segundo, s propriedades sociais (origem) ouprofissionais (carreira) dos agentes polticos; e, no terceiro caso, aos processos desocializao e transmisso de idias e valores entre os membros do grupo.

    24 Luciano Martins, A revoluo de 1930 e seu significado poltico. In: CPDOC/FGV. A revoluo de 1930:seminrio internacional. Braslia: Ed. UnB, 1983, p. 678-679, itlico do autor.

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    O uso descritivo (e no normativo) que fao da expresso elite poltica e,principalmente, toda uma srie de distines analticas que esto na base desse uso adistino entre aqueles que dominam e aqueles que governam; a distino entre aquelesque detm o poder de Estado e aqueles que controlam o aparelho do Estado; a distino,mais abstrata, entre poder de classe e poder de Estado impede que a classe poltica

    seja confundida ou assimilada ao patronato poltico. Na verso mais importante onde oemprego dessa frmula est a servio de uma concepo especfica do processo polticobrasileiro (culturalista e anti-histrica25), Raymundo Faoro sustenta, como se recorda, queo estamento burocrtico, uma camada social amorfa, impera, rege e governa emnome prprio, num crculo impermevel de comando, servindo-se para isso dosinstrumentos polticos derivados de sua possedo aparelhamento estatal26. Uma frmulatelegrfica de expressar minha perspectiva a seguinte: parece-me mais adequado suporque elites polticas podem ou no representar classes (serem, portanto, permeveis)enquanto representam a si mesmas. Nesse caso, elites polticas podem representarinteresses de classes atravs do controle patrimonialista das instituies estatais. Opatrimonialismo, entendido como a propriedade de aparelhos ou recursos pblicos

    uma das formas, entre outras, que essa relao de representao pode assumir. A varivelque parece regular a extenso dessa posse o regime poltico. Em regimes ditatoriais oEstado Novo, por exemplo onde no h competio pelos postos polticos, o fenmeno mais ostensivo.

    A discusso aqui no , portanto, a dos interesses econmicos que os polticosrepresentam (problema tpico quando se pensa a relao entre a classe dominante e seusprocuradores polticos e ideolgicos), mas a da caracterizao sociolgica desse grupo ede suas funes para a reproduo de um dado sistema de dominao.

    III. A elite

    Muito embora a documentao histrica desse perodo (arquivos privados,correspondncias pessoais, documentos oficiais, depoimentos de protagonistas etc.) tratequase exclusivamente das disputas polticas intra-regionais e inter-regionais, no htantos estudos sobre os polticos profissionais como se poderia esperar. Os atorespolticos, para falar na terminologia dessa literatura, so tema quase sempre debiografias (ou memrias e autobiografias) e o que conta aqui so os feitos e fatos dahistria de um indivduo, mais que a estrutura poltica na qual esto inseridos. Essaocorrncia deve-se possivelmente mais metodologia de estudo (ou natureza das

    25 Ver Simon Schwartzman, Atualidade de Raymundo Faoro. Dados, vol. 46, n. 2, 2003, p. 207-213.Consultar tambm Simon Schwartzman, Nota sobre o patrimonialismo e a dimenso publica na formaoda Amrica Latina contempornea. Digit., dez. 2006, texto no publicado, p. 1.26 Raymundo Faoro, Os donos do poder: formao do patronato poltico brasileiro. 11. ed. So Paulo:Globo, 1997, vol. II, p. 737 e p. 745, respectivamente; grifos meus. Faoro utiliza indistintamente vriostermos para descrever o mesmo grupo social, resultado de uma ordem patrimonialista onde os benspblicos so privativos desse estrato social: a comunidade poltica (p. 733), o aparelhamento poltico(p. 737), o estamento poltico (p. 738), o estamento diretor (p. 739), o estamento condutor (p. 7 47),os detentores autoritrios (p. 741), o patronato poltico (p. 747), o patriciado (p. 748).

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    fontes) do que a quaisquer opes tericas27. Quatro perguntas simples sobre osprofissionais da poltica, tomados como um grupo de elite, quase nunca so postas: quemso?; de onde vm?; o que fazem?; como pensam?

    O ideal seria poder abordar trs ou mais casos exemplares (Rio Grande do Sul,Pernambuco, Minas Gerais, por exemplo) para formar ou uma viso de conjunto da

    transformao do perfil das elites polticas aps 193728, ou uma viso particular dadinmica de cada unidade da federao. A quantidade de informaes exigida, aliada disperso das fontes (e a barafunda da maior parte dos arquivos pblicos), tornou invivelum exame da lgica poltica especfica dos diferentes estados. Somem-se a essesempecilhos prticos dois preconceitos usuais presentes nos estudos da rea: de um lado, ocarter centralizador e a poltica nacionalista do Estado Novo contriburam para quehouvesse, por um bom tempo, grande desinteresse pela dimenso regional do regime 29;de outro, a suposio de que as ocorrncias da poltica regional eram, na realidade, to satualizaes do que acontecia no nvel nacional, ele prprio tratado a partir de categoriassocietais ou econmicas (e no polticas) quase sempre muito genricas (formas deproduo, estgios de desenvolvimento, dinmica de classes etc.)30. Isso, verdade,

    impediu anlises comparadas com So Paulo, dificultando generalizaes que poderiamser feitas a partir desse caso concreto. No entanto, permitiu apreender a peculiaridade dospaulistas.

    Desconfio que no se julga adequadamente essa temporada da histria polticanacional se no se repensa quais so os direitos de entrada (isto , os meios e os modos)no microcosmo poltico, ele prprio em plena transformao. O estudo do caso de SoPaulo durante os oito anos da ditadura de Vargas ilustrativo em mais de um aspectoquando se trata de compreender a relao concreta entre elites polticas e instituiespolticas.

    Os meios compreendem, resumidamente, as pr-condies (os atributos) que

    um grupo de elite tem de exibir para ter acesso arena poltica. Eles tanto so sociais,isto , envolvem origem, formao, profisso etc., quanto institucionais, ou seja,envolvem cargos, postos, posies na carreira poltica. Os modos abrangem asinstituies, ou mais propriamente, os mecanismos institucionais que servem de caminho

    27 Ver Aspsia Camargo, Os usos da histria oral e da histria de vida: trabalhando com elites polticas.Dados, vol. 27, n. 1, p. 5-28, 1984.28 Penso aqui num trabalho como o de J. Love e B. Barickman, que cotejaram as informaes sobre as elitespolticas e sociais de trs estados (Pernambuco, Minas Gerais e So Paulo) a partir dos estudos do prprioJoseph Love, de John D. Wirth e de Robert M. Levine sobre as lideranas regionais no Brasil entre 1889 e

    1937. Ver, a propsito, Elites regionais. In: Heinz, Flvio M. (org.), Por outra histria das elites, op. cit., p.77-97.29 Para o argumento, v. Ren Gertz, Estado Novo: um inventrio historiogrfico. In: Silva, Jos LusWerneck da (org.). O feixe e o prisma: uma reviso do Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991, p.112.30 A observao de Simon Schwartzman, A Revoluo de 30 e o problema regional. In: UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, Simpsio sobre a Revoluo de 30 . Porto Alegre: ERUS, 1983, p. 367-368.Para uma explicao do argumento, ver Simon Schwartzman, Bases do autoritarismo brasileiro, op. cit., p.26 e segs., e em especial p. 36-37.

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    (as avenidas, na expresso de Anthony Giddens) para que esses profissionais dapoltica se constituam enquanto tais31. Como o sistema poltico, em especial durante oEstado Novo, era muito fechado, impossvel se referir ao processo de recrutamento daselites polticas sem pensar nas instituies estatais que o tornaram possvel. Neste casoespecfico, o critrio de recrutamento (o como) pode ser bem mais importante que a

    fonte de recrutamento (o quem). A vantagem aqui, ao levantar esse problema, que sepode indicar tanto a funo poltica quanto o significado social desses aparelhosburocrticos que do acesso privilegiado ao universo poltico. Por outro lado, quando seidentifica os locais de ingresso no jogo se pode isolar, para fins de anlise, o grupo deelite eleito e apontar, o mais fielmente possvel, as qualidades (social backgrounds) queo tornaram apto para o exerccio do poder.

    Quem essa novaelite? Para esclarecer esse ponto deve-se apresentar e discutiros atributos polticos e sociais mais importantes dos grupos dirigentes em So Paulo nadcada de 1940.

    Tomo a questo da elite poltica paulista do ponto exato em que Joseph Love adeixou. Seu estudo, que cobriu o intervalo entre 1889 (data da proclamao da Repblica)e 1937 (ano do golpe do Estado Novo), examinou as relaes complexas entre a dinmicasocial, a dinmica econmica e a dinmica poltica do estado de So Paulo durante operodo do apogeu e declnio do federalismo32.

    O trabalho de Love ressalta a homogeneidade (social e poltica) da elite polticapaulista, mesmo num contexto de grandes mudanas econmicas e sociais. Considerandoque os membros da elite estudada33 so mais urbanas que as elites do perodo imperial(1822-1889) e que poucos indivduos provm de famlias tradicionais (quatrocentonas),em que dimenses se podem aferir essa homogeneidade?

    Agrupando as informaes apresentadas por Love em duas grandes classes composio social e carreira poltica o que se v que, do ponto de vista social, no h

    ningum no grupo de origem proletria e somente 5% so filhos de imigrantes. A grandemaioria de catlicos (com a exceo de um ateu, Jorge Tibiri, que foi presidente doestado por duas vezes), brancos (s h dois mulatos: Francisco Glicrio e ArmandoPrado, que depois integraria o Departamento Administrativo paulista) e homens (a nicamulher, Maria Tereza de Azevedo, integrou a comisso executiva do Partido

    31 Ver Anthony Giddens, Elites in the British Class Structure. In: Stanworth, Philip & Giddens, Anthony(eds.). Elites and Power in British Society. Cambridge: Cambridge University Press, 1974.32 Joseph Love, A locomotiva: So Paulo na federao brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e Terra,1982, captulo 5: A elite poltica, p. 215-247. Para um resumo das suas concluses e uma comparaocom as pesquisas de Robert M. Levine sobre Pernambuco e John D. Wirth sobre Minas Gerais, v. JosephLove, Um segmento da elite poltica brasileira em perspectiva comparativa. In: CPDOC/FGV. A revoluode 1930: seminrio internacional. Braslia: Ed. UnB, 1983, p. 47-92.33 Essa elite compreende um universo de 263 pessoas que se ocuparam das principais decises polticas emnvel estadual nos partidos e nos governos (p. 13 e p. 385). O critrio de identificao dessa elite oposicional. Na sua definio, A elite poltica [...] composta pelos ocupantes dos cargos maisimportantes no governo e nos partidos dominantes, tanto a nvel estadual como federal, ent re 1889 e 1937(Id., ibid., p. 215). Para a relao de cargos polticos, ver p. 389-390. Para a relao nominal de seusocupantes, v. p. 397-411.

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    Constitucionalista apenas por um ano) e 43% tem alguma relao de parentesco entre si.Noventa e dois por cento da elite possui diploma universitrio, 70% so advogados e agrande maioria havia se formado na Faculdade de Direito de So Paulo 34. H 41% deempresrios (industriais, banqueiros ou comerciantes) e um tero deles mantm algumnegcio em comum, sendo que quase metade desse grupo (48%) mantm ligaes com o

    exterior. Do ponto de vista poltico os achados de Love so os seguintes: setenta porcento possuem base poltica fora dos seus municpios de origem, sendo que 67% (de 238indivduos para os quais se obteve a informao), na capital do estado. A principal via deacesso elite (o primeiro posto ocupado) para 34% a comisso executiva de algumpartido poltico. Enquanto menos de um tero dos membros da elite poltica paulistaserviu no Congresso Federal (Cmara e Senado), 49% fizeram parte da Cmara Estadual.Trata-se de uma elite provinciana.

    Se dividirmos o grupo de 263 indivduos em trs geraes polticas diferentes (a1a.: aqueles nascidos em 1868 ou anteriormente, e que tiveram sua maior experinciapoltica no Imprio; a 2a.: aqueles nascidos entre 1869 e 1888, que atingiram amaioridade em meados da I Repblica; e a 3a.: aqueles nascidos em 1889 e depois disso,

    que atuaram somente no perodo republicano) pode-se ter uma idia melhor da dinmicadessa elite no tempo35.

    Tomando a terceira gerao de polticos paulistas em comparao com a primeira,o que se v o seguinte: aumentou a taxa de recrutamento e treinamento poltico empostos de comando no prprio estado de So Paulo. Essa tendncia acompanhou oaumento do nmero de indivduos da elite nascidos em So Paulo (de 78% para 89%). Abase poltica da maioria do grupo continuou sendo a capital do estado (68%) e o aumentodo nmero de indivduos que entraram na elite antes dos quarenta anos (59% contraapenas 25%) pode explicar a diminuio da experincia no legislativo da terceira geraoquando comparada com a primeira. Enquanto apenas 29% dos ltimos no haviamocupado postos de liderana parlamentar, 60% dos primeiros nunca haviam sido nempresidentes das Cmaras e Senados (no nvel estadual e federal), nem lderes da maiorianessas casas. Os laos familiares entre os membros da elite poltica deixaram de ser toimportantes quanto antes (33% contra 57%) e houve uma notvel modificao no perfilocupacional do grupo. Trinta e cinco por cento eram magistrados na primeira gerao daelite e s 9% na ltima. A ocupao que mais cresceu, em termos proporcionais, foi a deprofessor. Quase 40% exerciam o magistrio na terceira gerao, mas apenas 15% naprimeira36.

    34Love lembra que difcil minimizar a importncia da Faculdade de Direito de So Paulo como ncleo

    de formao de lderes polticos. Alm de seu papel dentro do estado, dali saiu um impressionante nmerode ocupantes dos mais altos cargos nacionais tanto durante o Imprio como na Primeira Repblica. Mais dametade dos ministros imperiais entre 1871 e 1889 foram ali educados. Sete dos 12 presidentes da RepblicaVelha receberam seu diploma na Escola de Direito de So Paulo. O mesmo sucedeu com um presidenteinterino [Delfim Moreira] e ainda outro estudou naquela faculdade por algum tempo [Nilo Peanha]. JulioPrestes, igualemente aluno do Largo de So Francisco, no chegou a tomar posse pelas razes conhecidas.Id., ibid., p. 217. Para a lista dos presidentes cf. nota 6 s p. 243-244.35 Do universo total, 46% pertenciam primeira gerao, 34% segunda e 20% terceira. Id., ibid., p. 224.36Id., ibid., p. 224 e a Tabela 5.2 na p. 225. Certamente, essa no era a ocupao principal.

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    O que aconteceu com a elite poltica paulista durante o Estado Novo? Ela semelhante ou diferente da dos carcomidos? Ainda que no haja uma base similar paracomparao, dado que o universo de Love bem maior do que o nosso, e maisrepresentativo das categorias dirigentes como um todo, a anlise do grupo social queintegra o Departamento Administrativo do estado pode revelar um conjunto de

    informaes importantes para compreender o padro de diferenciao, enfrentamento e,posteriormente, de aglutinao da classe poltica37.

    No caso da unidade mais problemtica do Pas, quem deveria compor oDepartamento Administrativo de So Paulo? As perguntas bsicas aqui so as seguintes:quem so esses quatorze indivduos (o total de membros que passou pelo aparelho at1945) responsveis pela gesto administrativa do estado de So Paulo e pelarepresentao poltica da elite poltica paulista?38 E quais foram suas respectivastrajetrias polticas?

    O quadro 1 resume e expe certos dados. Eles permitem indicar brevemente ospadres de carreira e as origens sociais dessa elite da elite. O leitor ver que o grupo composto em grande parte pelos polticos que controlavam a situao estadual antes daRevoluo de 1930 e por alguns que detinham uma posio cativa na elite poltico-parlamentar da Repblica Velha.

    INCLUIR O QUADRO 1 AQUI

    Por ser um grupo muito reduzido, muito alta a homogeneidade desse segmentoda elite quanto a atributos naturais (cor, religio, ascendncia e gnero). Todos sohomens e catlicos romanos, por educao ou tradio familiar (at onde foi possvelestimar). O nico carola declarado era Marrey Jr. E h um s mulato (Armando Prado)

    entre a quase totalidade de brancos, como se poderia esperar. Nove haviam nascido noestado de So Paulo e o mesmo nmero tinha atrs de si famlias tradicionais na

    37 Uma anlise bem mais completa desse problema deveria integrar a esse universo das elites polticas osinterventores federais no estado (no caso: Jos Joaquim Cardoso de Melo Neto, Ademar de Barros, Jos deMoura Resende e Fernando de Souza Costa), seus respectivos secretrios de governo, os prefeitosmunicipais (das 270 cidades), o chefe do Departamento das Municipalidades, o chefe do DepartamentoEstadual de Imprensa e Propaganda etc. Isso daria uma radiografia mais exata dos diversos grupos de elite,mas tornaria o estudo inexeqvel em funo da escassez de informaes disponveis. Alm de identificar aorigem social da classe poltica e suas trajetrias, seria interessante, ao ampliar o universo, estipular ograu de conscincia, solidariedade e coeso do grupo dirigente. Trata-se de uma elite dividida ou unificada?Isto : os membros que participam do Departamento Administrativo do estado formam um grupo poltico parte, oposto Interventoria ou h uma complementaridade de interesses entre as elites representadas nosdois aparelhos? Como isso pode ser medido? Qual o grau de colaborao do Departamento no processodecisrio? Ele aprova todas as iniciativas da Interventoria? H uma circulao de elites entre os doisaparelhos? Etc.38Questo diferente de saber que interesses (de classe) eles representavam (na hiptese de representaremalgum). Para isso seria preciso, ao invs de atribuiressa relao de representao, ou deduzi-la, indicarempiricamente a correspondncia entre as classes economicamente dominantes em So Paulo e o grupodirigente.

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    sociedade paulista ou na poltica do estado. S um indivduo entre os 14 (Miguel Reale)era filho de imigrantes. Nada muito diferente do perodo pr-revolucionrio.

    Se para a elite estudada por Love possuir um diploma universitrio era umacondio importante para entrar na vida poltica, aqui a qualificao imprescindvel. exceo de um nico mdico de formao, o coronel Mario Lins, poltico do interior,

    da regio da Mogiana, fazendeiro e membro do diretrio central do PRP39, e de PlnioMoraes, graduado na escola de Farmcia de So Paulo, mas na verdade poltico,industrial e comerciante em Tiet (SP), 11 dos 14 membros que passaram peloDepartamento Administrativo do estado entre 1939 e 1945 foram alunos na Faculdade deDireito de So Paulo. Espcie de escola de governo da elite poltica paulista elafornecer, nas primeiras dcadas do sculo XX, os quadros do PRP e do PD e que maistarde integraro o aparelho. Se descontarmos Antonio Gontijo, literato e diretor da revistaDigesto Econmico da Associao Comercial de So Paulo durante 26 anos, mas comextensa carreira poltico-burocrtica a servio dos perrepistas40, todos os outros 13conselheiros so polticos profissionais. Como atividade secundria mais da metade dogrupo so tambm advogados e/ou professores e h poucos fazendeiros (somente trs),

    uma informao relevante quando se lembra que a economia do estado era de base rural.Praticamente ningum tem um negcio no comrcio ou na indstria. Eles integram oDepartamento Administrativo no por suas pretensas qualificaes tcnicas (embora osaber jurdico seja um capital importante no campo poltico e a leitura de seus pareceresdemonstre isso), mas sim porque todos tm uma extensa carreira poltica efreqentemente pertenceram a cargos de direo dos partidos oligrquicos do estado.Nem coronis, nem bacharis, portanto.

    A questo dos advogados merece uma observao. Na verdade, no caso dosbacharis em cincias jurdicas e sociais nunca se tratou do uso das competnciasprofissionais (tcnicas) para fins polticos; mas, antes de qualquer coisa, do uso polticoque a suposta competncia profissional confere: a eloqncia, o manejo das leis eregulamentos etc.

    Metade do grupo era da segunda gerao poltica e a outra parte, exceo dojovem professor Miguel Reale que assumiu uma cadeira no DAE-SP com apenas 32 anos,da terceira. Eram, portanto, o mais acabado exemplo dos carcomidos que a Revoluode 1930 pretendia ter aposentado. Somente dois conselheiros (Armando Prado e JooCarvalhal Filho) assumiram o posto aps os 60 anos. A maioria (onze indivduos) serviuao Estado Novo com idades entre os 41 e os 60 anos. A mdia de idade ao assumir essaposio na elite era por volta dos 50 anos. Suas carreiras comeavam depois dos 30 anos(sete indivduos), mas havia um grupo de quatro conselheiros que entrara na poltica

    39 Ele, alis, s foi nomeado depois que Horacio Lafer, deputado federal pelo Partido Constitucionalista,desistiu da indicao de Vargas para o cargo. Cf. O Estado de S. Paulo, 4 jul. 1939, p. 1; v. tambm oCorreio da Manh, 24 jun. de 1939, p. 14.40 Antnio Gontijo foi funcionrio da Secretaria da Agricultura de So Paulo de 1927 a 1930. Em 1936,assume o cargo de secretrio-geral do Departamento Nacional do Caf, sob a direo de Luiz Toledo PizzaSobrinho. Em 1938 torna-se funcionrio do Ministrio da Agricultura durante a gesto de Fernando Costa.Em 1939 ocupa seu primeiro e nico cargo poltico: chefe da Casa Civil, no escritrio dos interventoresfederais. Cf. Afrnio Coutinho, Brasil e brasileiros de hoje. Rio de Janeiro: Editorial Sul-americano, 1961.

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    antes disso. Os mais velhos nesse ltimo grupo (cinco indivduos situados na faixa entreos 51 e os 60 anos) possuam uma longa trajetria na vida poltica de So Paulo. Abiografia resumida de seis deles ilustrativa das duas correntes a majoritria, oriundado PRP, e a minoritria, do PD que integram o Departamento Administrativo de SoPaulo.

    Arthur de Aguiar Whitaker fora deputado estadual pelo Partido RepublicanoPaulista em nada menos que cinco legislaturas seguidas a partir de 1916. Em 1926 seriaprefeito de Jaboticabal (SP) e em 1928 torna-se Presidente da Cmara Estadual (antigaAssemblia Legislativa) e membro da Comisso Executiva do PRP, at 1930. Nesseperodo acumula com todas essas a funo de presidente do Tribunal de Justia do Estadode So Paulo durante o governo de Julio Prestes. Como se deveria esperar, ops-se aomovimento de outubro de 1930.

    Cyrillo Jnior, que foi, como Whitaker, membro do Departamento Administrativodo Estado de So Paulo de 1939 at 1945, havia sido deputado estadual por duas vezesantes da Revoluo (1925-1927; 1928-1930) e ocupava uma cadeira como deputadofederal pelo PRP em 1930, quando perdeu seu mandato. Na reconstitucionalizao doPas, voltou ao legislativo e foi o lder da oposio ao Partido Constitucionalista naAssemblia Constituinte de So Paulo e na 1. Legislatura (1935-1937). Figura de relevodo PRP41 e diretor do Correio Paulistano, ope-se Revoluo, motivo da depredaode sua casa e de seu escritrio de advocacia durante as manifestaes de apoio aomovimento. Cyrillo Jnior tem participao ativa no Movimento constitucionalista de1932, e faz parte da Frente nica Paulista (FUP). um dos signatrios do Manifesto delderes do PRP, divulgado em janeiro de 193242.

    O doutor Goffredo da Silva Telles, pai, fazendeiro em Araras (SP) e diretor deinmeras associaes culturais e literrias em So Paulo, inicia sua trajetria poltica em15 de janeiro de 1926, dia em que assume o mandato de vereador Cmara Municipal de

    So Paulo pelo Partido Republicano Paulista43

    , e permanece no cargo at o final da 12

    Legislatura. reeleito vereador para a 13 Legislatura no incio de 1929. Cumpre omandato at outubro de 1930, ano em que participa da oposio Revoluo44. Compe aFrente nica Paulista e como lder do PRP nomeado prefeito de So Paulo em maio de1932. Com a derrota da Revoluo Constitucionalista, preso por Getlio Vargas por

    41O Estado de S. Paulo, 20 de maro de 1945, p. 3.42 Cyrillo Jnior, que havia colaborado com o coronel Euclides Figueiredo na organizao do levantearmado, foi levado preso para o Rio de Janeiro e em seguida deportado para Lisboa. FGV-CPDOC.Dicionrio histrico-biogrfico brasileiro (1930-1983). Rio de Janeiro, Forense-Universitria/Finep, 1983,vol. I, p. 796.43 Cf. Gustavo Milliet e F. I. da Gama Jr., (orgs.). Annaes da Camara Municipal de So Paulo: 1926 (1o.anno da 12a. Legislatura). So Paulo: Ferrari & Losasso, s.d.44 Segundo Goffredo da Silva Telles Jnior, quando o movi mento passa por So Paulo, a comitiva deGetlio Vargas faz questo de desfilar diante de sua residncia. Comunicao pessoal, maio de 1998.

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    alguns meses e depois se exila na Frana45. Em 1939 seria nomeado pelo mesmo GetlioVargas presidente do Departamento Administrativo de So Paulo46.

    Marrey Jniorfoi vereador em So Paulo antes e depois da Revoluo de 1930 edeputado estadual por trs vezes at 1927, quando se elegeu Cmara Federal peloPartido Democrtico, agremiao que ajudou a fundar. Ao contrrio dos trs primeiros,

    perrepistas, foi membro ativo da Comisso Executiva do PD (em 1926-1927 e em 1930-1931) e dirigiu o jornal do partido, o Dirio Nacional47. Ainda como deputado federalpelo PD, Marrey Jnior compe a chapa da Aliana Liberal, tendo inclusive articulado,com outros, a visita a So Paulo de Getlio Vargas e Joo Pessoa [...]. A visita, como sesabe, resultou em importante comcio48. Como membro de destaque da FUP, presodepois da Revoluo Constitucionalista. Getlio Vargas anota o evento em seu dirio em21 de dezembro de 193249. De 1941 a 1943, Marrey Jnior compe o DAE-SP, ocupandoo lugar de Renato Paes de Barros50. Ele deixaria o Departamento em novembro de 1943,quando ento substitudo por Armando da Silva Prado. Em 1945, posiciona-se a favorda redemocratizao e funda, com Miguel Reale, o Partido Popular Sindicalista (PPS), doqual assume a presidncia. O PPS mais tarde formar, com outras agremiaes, o Partido

    Social Progressista (PSP) de Ademar de Barros51.Marcondes Filho nasceu em So Paulo em 1892. Advogado de prestgio (atuando

    na rea de direito comercial) e jornalista, formou-se na Faculdade de Direito de So Pauloem 1914. Fez sua carreira poltica no PRP. Foi vereador na Cmara Municipal de SoPaulo e lder da bancada situacionista (PRP) (1926) e deputado federal pela mesma

    45 FGV-CPDOC. Dicionrio histrico-biogrfico brasileiro (1930-1983). Rio de Janeiro, Forense-Universitria/Finep, 1983, 4o vol., p. 3337.46 Os trs, Whitaker, Cyrillo Jr. e Goffredo da Silva Telles iro permanecer no Departamento

    Administrativo por todo o perodo (i.e., por 76 meses), at sua extino, provisria, em 1945.47 Sobre a liderana de Marrey Jnior, segue-se a opinio de Paulo Nogueira Filho: A gloriosa organizaodemocrtica teria de surgir lastreada de valores da alta sociedade paulista, da burguesia independente, dasprofisses liberais, da classe estudantil e de alguns elementos populares agremiados em torno de MarreyJnior. Paulo Nogueira Filho, Ideais e lutas de um burgus progressista. Rio de Janeiro: Jos Olympio,1965, p. 152 apud Maria Victoria de Mesquita Benevides. A UDN e o udenismo. Ambigidades doliberalismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 236.48 FGV-CPDOC. Dicionrio histrico-biogrfico brasileiro (1930-1983). Rio de Janeiro, Forense-Universitria/Finep, 1983, vol. III, p. 2112. importante sublinhar que Marrey Jnior liderava umacorrente que, em oposio s faces que encaravam a nova situao com reservas, tendia estreitacolaborao com lideranas tenentistas. Id., ibid.49 Cf. Getlio Vargas: dirio. So Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1995, Vol. I,

    p. 165.50 Cf. Ata da 80 sesso ordinria do Departamento Administrativo do Estado de So Paulo. So Paulo.Departamento Administrativo do Estado. Atas das sesses do Departamento Administrativo do Estado deSo Paulo de 1941 (de 25 mar. At 29 jul. 1941). So Paulo: manuscrito, 1941.51Marrey Jr. percorreu um caminho poltico diverso do de seus companheiros de Diretrio Central doPartido Democrtico. Depois de integrar o Departamento Administrativo do estado foi Secretrio daJustia em 1943, durante o Estado Novo. Enfim, depois de 1946 elegeu-se vereador e deputado estadualpelo partido que Vargas idealizara, o Partido Trabalhista Brasileiro. Maria Lgia Coelho Prado, Ademocracia ilustrada. O Partido Democrtico de So Paulo, 1926-1934. So Paulo, tica, 1986, p. 139.

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    legenda do PRP (SP) de 1927 a 1930. Apoiou a candidatura de Jlio Prestes Presidncia da Repblica e ops-se Revoluo de 30. Fez oposio ao GovernoProvisrio revolucionrio, tendo sido um dos signatrios do Manifesto divulgado peloPRP contra o mesmo (1932). Aps a derrota do movimento constitucionalista paulista, doqual tomou parte, afastou-se das atividades polticas (1932). Durante o Estado Novo foi

    Vice-Presidente do DAESP (1939-1941); Ministro do Trabalho, Indstria e Comrcio(1941-1945); Ministro Interino da Justia e Negcios Interiores (1942-1943); Ministro daJustia e Negcios Interiores (1943-1945). No contexto da redemocratizao foi um dosprincipais dirigentes e organizadores do PTB. [...] Durante o Estado Novo foi um dosprincipais organizadores da Conferncia dos Conselhos Administrativos dos Estadosrealizada no Rio de Janeiro - DF (1943) e um dos idealizadores e Presidente do CNPICdurante o Estado Novo (1944-1945). [Foi tambm] um dos mais destacados dirigentesideolgicos do Estado Novo. Durante sua gesto no Ministrio do Trabalho coordenou ostrabalhos que resultaram na implantao da CLT [...]52.

    Antonio Feliciano foi membro do Departamento Administrativo do Estado de SoPaulo de 1941 a 1945. Nasceu em Paraibuna (SP) em 1899 e graduou-se na Faculdade de

    Direito de So Paulo em 1919. Vereador em Santos (1926-1928; 1936-1937), foitambm: deputado estadual (1928-1930), deputado constituinte (1946) e deputado federal(1946-1950; 1951-1953; 1959-1962; 1963-1966; 1967-1970). Vice-lder do PartidoSocial Democrtico na Cmara dos Deputados (1952; 1962). Tornou-se prefeito deSantos (SP) (1953-1957) e logo depois, Ministro do Tribunal de Contas do Estado de SoPaulo (1958).

    Alguns dados agregados do uma idia mais geral da trajetria poltica do grupocomo um todo.

    Mario Lins e Arthur de Aguiar Whitaker representavam a Mogiana, mas a basepoltica de nove entre os 14 conselheiros era a capital do estado. Os demais eram

    provenientes da regio Central (Plinio de Moraes), do Litoral Sul (Antonio Feliciano) edo Vale do Paraba (Cesar Costa). No ser um poltico do interior parecia ser acondio para participar da vida poltico-burocrtica do estado.

    Do conjunto de indivduos que passaram pelo Departamento Administrativo deSo Paulo entre 1939 e 1945, dez deles eram provenientes do PRP, um do PC (RenatoPaes de Barros), um da AIB (Miguel Reale) e praticamente todos (includos os doisdemocrticos Antonio Feliciano e Marrey Jnior) se abrigaro depois numa das duasmquinas partidrias varguistas: dois no PTB (Marcondes Filho e Marrey Jnior) e nadamenos do que nove no PSD53.

    A experincia poltica desse grupo pode ser medida por alguns indicadores. O

    primeiro posto poltico assumido na carreira era principalmente o de vereador (seteindivduos) e a minoria, deputado estadual (trs indivduos). Onze indivduos dessa elitetinham, antes da nomeao para o Departamento Administrativo do estado de So Paulo,

    52 Srgio Soares Braga, Quem foi quem na Assemblia Constituinte de 1946: um perfil socioeconmico eregional da Constituinte de 1946. Braslia, Cmara dos Deputados, Coord. de Publicaes, 1998, p. 106.53 De Renato Paes de Barros no conhecemos o destino. Plnio de Moraes faleceu em 1941 e apenas MiguelReale ingressou num partido autenticamente paulista (o PPS e logo depois o PSP).

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    alguma experincia legislativa: sete haviam sido ou vereador e/ou deputado estadual ehavia cinco ex-deputados federais. Oito haviam ocupado algum cargo no executivo,especialmente em secretarias de governo (estadual e municipal).

    IV. AnliseH algumas concluses que se pode tirar dessas informaes sobre o perfil scio-

    poltico da elite paulista e algumas interpretaes sobre a lgica de funcionamento doregime que elas autorizam.

    Como se v, essa elite da elite, reintegrada ao sistema poltico num lugar dedestaque no aparelho regional do Estado e num espao importante (em termossimblicos) para o regime ditatorial, no era formada nem por coronis do interior, nempor bacharis da capital. Se esses lderes, que de alguma maneira representavam semprocurao formal a oligarquia paulista, no tinham, na hierarquia social, uma posio(status) equivalente a um Antnio Prado ou a um Jorge Tibiri 54 (com a exceo talvezde Goffredo da Silva Telles, no por coincidncia o presidente do DAE-SP), erajustamente porque eram polticos profissionais. E foi nessa condio (e segundo minhahiptese por causa dessa condio) que integraram o Departamento Administrativo doestado de So Paulo.

    O paradoxo aqui que o regime que aboliu os partidos e extinguiu osparlamentos, banindo a poltica como atividade profissional, foi o mesmo que contribuiupara institucionalizar um espao poltico com admirvel autonomia diante do podereconmico e muito distante das famlias dos notveis e dos prceres estaduais de SoPaulo.

    Em termos menos precisos, mas mais descritivos, o Estado Novo isolou trsgrupos anteriormente fundidos: homens de riqueza, homens de status, homens de poder.

    Como reduziu demais a classe poltica (em termos quantitativos), pde, exatamente porisso, diminuir a coincidncia entre a classe dominante e a classe dirigente. Os clculos deLove e Barickman indicavam uma taxa de sobreposio ente rulers e owners deinacreditveis 60% no incio dos anos 193055. Diante de outros pases, o caso paulista mais discrepante ainda: contra 56% de proprietrios na classe poltica de So Paulo, osEstados Unidos contavam, entre fins do XIX e incio do XX, com 15%, o Mxico com7% e a Argentina com 31%56.

    54

    Sobre as carreiras do Conselheiro Antonio da Silva Prado (1840-1929) e do primeiro presidente doestado de So Paulo, Jorge Tibiri (1855-1928), v. Antnio Barreto do Amaral, Dicionrio de histria deSo Paulo. So Paulo: Governo do Estado de So Paulo, 1980, p. 365-366 e 461-462.55 V. Joseph L. Love & Bert J. Barickman, Rulers and Owners: A Brazilian Case Study in ComparativePerspective. The Hispanic American Historical Review, Vol. 66, No. 4, Nov., 1986, cit.56 Joseph Love, Um segmento da elite poltica brasileira em perspectiva comparativa. In: CPDOC/FGV. Arevoluo de 1930: seminrio internacional. Braslia: Ed. UnB, 1983, Tab. 8, p. 72. Os dados referentes Argentina so uma mdia ponderada de alguns momentos entre 1889-1946; os dados referentes aos EUAso para os anos 1877-1934; ao Mxico, 1917-1940.

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    Em meados dos anos 1940, da bancada de trinta e oito constituintes de So Paulo,apenas sete indivduos eram, conforme a classificao de Srgio Braga, proprietrios.Quando se olha para a bancada paulista na Assemblia Constituinte de 1946 o trao maisrelevante no a renovao geracional que, em rigor, no h (quase 40% da bancadapossua 51 anos ou mais). o fato da maior parte dos representantes polticos serem

    polticos profissionais ou terem na poltica sua atividade principal.Com base nesses indicadores e na induo que propus, no seria de todo estranho

    imaginar que, mais do que depurar a elite poltica, o Estado Novo, atravs da suaaparelhagem institucional (incluindo aqui departamentos administrativos, interventorias,departamentos das municipalidades, prefeitos municipais etc.), produziu uma nova elitetrocando, ao menos em parte, um pessoal poltico por outro. As propriedades sociais e/ouprofissionais dos agentes polticos a varivel chave dessa explicao sugere umprocedimento semelhante quele realizado na elite intelectual do regime. Uma amostradesse universo (os autores de Cultura Poltica que escreviam sobre temas polticos) fazver que mais de 80% desses redatores de justificativas do regime esto vinculados ou aogoverno ou ao Estado e que 55% so ou jornalistas ou beletristas, funes que, na

    hierarquia especfica que h no interior desse universo, do acesso intelligentsia, masno garantem, por si mesmas, projeo, prestgio e status, nem fazem deles grandesintelectuais57. O paralelismo aqui se no evidente eloqente: funcionrios convertidosem pensadores (mais do que pensadores empregados como funcionrios) tanto quantopolticos secundrios convertidos em prceres da poltica estadual58.

    Por ltimo, obrigatrio enfatizar o que me parece ser um dos aspectos maisdecisivos nesse caso: o tamanho deste grupo. Quatorze indivduos (o total de membrosque passaram pelo DAE-SP entre 1939 e 1945), sete de cada vez, deveriam concentrar,resumir e expressar toda a complexidade da cena partidria paulista das dcadas de vintee trinta. Eles haviam se tornado nada mais, nada menos que os herdeiros polticos de todaelite poltica estadual antes reunida e dividida nas siglas do PRP, PD, FUP, PC e AIB59.Na verdade, essa ao mesmo tempo a razo objetiva da sua fora (ou melhor, do seupoder) enquanto indivduos, e da sua relativa fraqueza enquanto grupo ( medida que nogovernavam de fato).

    Sua fora individual como polticos (pois disso que se trata, enfim), num regimeque baniu o poltico profissional e estigmatizou a poltica como atividade menor dianteda administrao racional, a expresso do poder pessoal que renem em funo dolugar que ocupam. Eles so os responsveis por examinar, julgar e decidir todas asquestes de governo, inclusive as da administrao dos duzentos e setenta municpios do

    57

    V. Adriano Codato e Walter Guandalini Jr, Os autores e suas idias: um estudo sobre a elite intelectual eo discurso poltico do Estado Novo. Revista de Estudos Histricos, v. 32, p. 145-164, 2003. Analisamoscento e vinte e quatro artigos publicados em Cultura Poltica escritos por setenta e trs colaboradores.58 Pode-se especular que, talvez, um dos motivos entre todos os outros para a fraqueza dos partidosnacionais em So Paulo durante o perodo populista se deva justamente a essa defasagem entre umaclasse poltica criada pelo Estado Novo e a ausncia de uma classe poltica remanescente dos partidosoligrquicos.59 PRP, Partido Republicano Paulista; PD, Partido Democrtico; FUP, Frente nica Paulista; PC, PartidoConstitucionalista; AIB, Ao Integralista Brasileira.

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    estado de So Paulo. Sua fraqueza poltica, por outro lado, enquanto os nicosrepresentantes do conjunto da elite, vm da dificuldade de, a longo prazo, cumprir essepapel de representao tal como planejado. As numerosas relaes de interdependnciaou de subordinao entre faces de elite, as rivalidades e oposies, os interessespolticos de indivduos ou grupos e, principalmente, os interesses sociais que esto na

    base dessa elite poltica e que nem sempre so conciliveis, dificilmente poderiamencontrar uma soluo adequada numa arena to restrita.

    Concluses

    Quando se toma dois pontos da histria nacional para comparao, 1930 e 1950,por exemplo, fica difcil negar que tenha ocorrido uma renovao em termosgeracionais, sociais, econmicos e ideolgicos das elites polticas. O intervalo entre asduas datas, e os vrios subperodos onde as liberdades polticas estiveram ou suspensas,ou controladas, alm de todos os eventos polticos importantes dessa poca (umarevoluo (1930), uma contra-revoluo (1932), seis eleies (1933, 1934, 1936, 1945,

    1947, 1950), duas Constituies (1934, 1946), um golpe de Estado (1937), umcontragolpe de Estado (1945)), aceleram uma troca de turno que seria mais longa se fossenatural ou espontnea: por morte, afastamento imposto ou voluntrio, perda de prestgioem funo da perda de capital social (status) ou econmico (renda) etc. Amodernizao do Pas (que aqui equivale industrializao mais urbanizao aceleradas)fez com que a elite poltica passasse a ser recrutada tambm em outros grupos sociais(nas camadas mdias, por exemplo60). As lutas pelo desenvolvimento nacionalimplicam, por sua vez, que os interesses que sero legitimados e/ou sancionados peloEstado passem a ser outros, o que se comprova nas infinitas disputas do tipo: mercadointerno versus mercado externo; indstria versus agricultura; burocracia versus burguesiaetc. Por ltimo, e talvez mais importante que as oposies entre projetos ideolgicos

    distintos, as restries legais e/ou polticas sobre a cena poltica e, conseqentemente,sobre os direitos de participao da elite poltica tm um efeito definitivo sobre quemparticipa, como participa, onde participa.

    Ainda que esses movimentos tenham tido impacto sobre o universo das elitespolticas imediatamente antes, durante e depois do Estado Novo, penso que necessrioser aqui bem mais especfico.

    A estrutura institucionaltanto as regras, quanto as prticas da derivadas quedepois de 1937 regula o ingresso de determinados indivduos na arena poltica e ascondies polticas que governam a movimentao de determinados grupos no interior douniverso da elite no apenas pretendem tornar o sistema mais lgico (ou estvel,

    como me referi acima); pretendem tambm, ou antes de tudo, conformar os perfis dosvelhos grupos nova lgica do sistema.

    Nesse sentido, sem que tenha havido realmente um processo de circulao daselites (para retomar a frmula clssica de Pareto: a substituio da elite pela contra-elite),

    60 a constatao de Michael L. Conniff. Ver The National Elite. In: Conniff, Michael L. e McCann, FrankD. (eds). Modern Brazil: Elites and Masses in Historical Perspective. Lincoln: University of NebraskaPress, 1989. Seu estudo refere-se aos ocupantes de cargos executivos no Brasil dentre o perodo 1930-1983.

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    ocorreu uma mudana que no chegou a ser, todavia, uma renovao completa nosperfis dos representantes polticos da elite poltica estadual (ao menos no caso de SoPaulo). Os atributos (sociais, profissionais, polticos) dos grupos de elite definidos peloregime e sancionados pelos mecanismos e aparelhos encarregados de recrut-los somenos elitistas do que aqueles tpicos da Repblica Velha, sem serem, contudo, mais

    populares. Isso por que muda o tipo de recrutamento sem que mude radicalmente afonte do recrutamento. O fenmeno mais curioso aqui que h uma inverso na lgica dopatrimonialismo: embora, para todos os efeitos, a elite comande e controle oDepartamento Administrativo, na realidade o Departamento Administrativo, enquantoprocurador e executor dos propsitos do regime, que comanda e controla a elite. A idiacentral que mais do que resultado do grande programa de cooptao federal, a elitepoltica que reina no Estado Novo de certa forma produzida pelo regime para o regime.Da que no se trate apenas, embora tambm, da transposio de integrantes da elite indivduos de um campo poltico (oligrquico) a outro (autoritrio), mas da assimilao,decapitao e destruio das elites adversrias a fim de produzir uma nova classedirigente: aquilo que Gramsci designou por transformismo61.

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