coco de umbigada
TRANSCRIPT
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2011 daniela bastos dos santos Coordenao GeralDani Bastos
Coordenao de PesquisaDani Bastos
Produo ExecutivaDani Bastos
Registro Fotogrfico e Assistente de PesquisaTenily Sales
Registro Fotogrfico e AudiovisualAlcides Ferraz
Projeto GrficoZ Ricardo
Edio/Reviso de TextoAroma Bandeira
Assistente de ProduoMnica Santana
________________________________________________________ Bastos, Dani.
Coco de Umbigada: cultura popular comoferramenta de transformao social / Dani Bastos;Recife: Editora Daniela Bastos dos Santos, 2011.244p.:il. Acompanha CD em bolso.ISBN 978-85-912743-0-7 1. Culturas Populares e Tradicionais.l. Bastos, Dani. ll. Ttulo.
CDD-B980.03
________________________________________________________
Direitos reservados Daniela Bastos dos [email protected]
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Em primeiro lugar ao nosso grandioso Olorum que, na
sua generosidade, nos concede a beno de alcanar nossos
objetivos; Aos orixs - nosso caminho, situao e destino;
minha me Edna Gomes Bastos, pelo eterno incentivo; Maria
de Ftima Diniz Costa - Me Ftima de Oxum Nin Nin, pela
doce e acolhedora orientao espiritual; Aos amigos-irmos e
fotgrafos Alcides Ferraz e Tenily Sales, meus companheiros
de todas as horas durante este trabalho; Z Ricardo, por
acreditar na proposta; Beth de Oxum, Quinho Caets,
Oxaguiam, Ialod, Mayra e Yna, a Daniel Lus, a Cristiano - o
Tkralzy, a Luciano Lima, a Armandinho do Reggae, Robinho
e a todos integrantes do Ponto de Cultura Coco de Umbigada,
moradores da comunidade do Guadalupe e frequentadores
da Sambada de Coco do Guadalupe; Aos Mestres Gris Me
Lcia de Oy e a comunidade do Terreiro Il Ax Oy Togun,
Agradecimentos
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Mestre Zeca do Rolete e toda sua famlia, Mestre Pombo Roxo
e Mestra Aurinha do Coco; Professora Glauciane Maciel e
todo corpo docente da Escola Pblica Municipal Maria da
Glria Advncula; A Kennedy Piau - por me guiar pelo rduo
caminho acadmico; A Afonso Oliveira - pela credibilidade no
meu trabalho como produtora cultural das culturas populares
e tradicionais; Aroma Bandeira; por me ajudar a trilhar os
caminhos da literatura; Mnica Santana, a Marcelo Renan e
equipe do Centro de Formao, Pesquisa e Memria Cultural
- Casa do Carnaval; Funarte; A todos aqueles que dieta ou
indiretamente contriburam para que este livro sasse da
esfera do sonho e se tornasse uma realidade.
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Captulo 1O Coco e a Sambada - Manifestaes Culturais Nordestinas ................................ 25
Captulo 2Sambada de Coco do Guadalupe - Resistncia e Protagonismo CulturalHistrico da Sambada de Coco ............................................................................... 47A Pr-produo da Sambada de Coco ..................................................................... 79A produo da Sambada de Coco do Guadalupe .................................................... 95Problemas Enfrentados: Descaso do Poder Pblico,Intolerncia Religiosa e Perseguio Policial ......................................................... 99
Captulo 3Mestres Gris do Terreiro da Umbigada .............................................................. 119Me Lcia de Oy .................................................................................................. 133Mestre Zeca do Rolete .......................................................................................... 147Mestra Aurinha do Coco ....................................................................................... 161Mestre Pombo Roxo .............................................................................................. 175
Captulo 4A parceria do Ponto de Cultura Coco de Umbigadacom a Escola Pblica Municipal Maria da Glria Advncula ................................ 187
Captulo 5Consideraes ....................................................................................................... 203
Captulo 6Pernambuco se Envergonha com ao da Polcia Militar ..................................... 217Repertrio e Ficha Tcnica do CD Demo do Coco de Umbigada .......................... 227
Captulo 7Referncias Bibliogrficas .................................................................................... 233
ndice
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Um relato com alma, ritmo e esprito
Afonso Oliveira
Joo Pessoa, 09 de setembro de 2011
Dani Bastos nos brinda com um daqueles livros que nos recolhemos em um canto para no sermos incomodados. Uma rede embaixo de uma palmeira em praia deserta o ideal. E a mergulhamos por inteiro at sentirmos nosso corpo sambar, a alma se revoltar e o esprito ficar mais esperanoso.
Esse pequeno e precioso relato em forma de livro nos ensina o que uma rede cultural; como nasce uma tradio e como ela se relaciona com seu tempo; como os cantos aos ancestrais trazem energias para as culturas de matrizes africanas e brasileiras; de onde surge a liderana nas horas de horror impostas pelo Estado; como se constri uma sociedade mais coletiva a partir do quase nada, ao redor de apenas um tambor; como o programa Cultura Viva transformou vrias sociedades brasileiras; como crianas
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bem orientadas e educadas podem construir ideais, sonhos e encher os homens de esperana.
Nossa pesquisadora e produtora cultural fala da fora da mulher para quebrar regras, enfrentar a polcia e bater o tambor. Essa sua identificao com a luta de Beth de Oxum para mim a maior motivao desse livro. Outra motivao tambm se faz latente: o respeito aos mestres e suas histrias de vida e ensinamento. E quanto ensinamento se encontra na me preta Lcia de Oy, outra mulher forte, e Dani se entrega de corpo e alma ao redigir suas palavras!
O captulo que me tomou com fora o que enumera toda a pr-produo e produo da Sambada de Coco. Ele traduz a certeza de que as comunidades devem se apoderar dos meios de produo de sua prpria cultura. Dani Bastos sabe da importncia desse trabalho, porque tambm uma produtora cultural, e sempre trabalhou com projetos para uma camada pobre da sociedade, e nos resultados desses projetos coloca sempre em destaque o trabalho da comunidade.
Ela fortalece a memria do povo brasileiro a partir desta histria em que mergulhou profundamente. quase um depoimento, onde a pesquisa um complemento e no a essncia. Uma forma necessria para a compreenso da produo cultural coletiva e comunitria, cujos atores escrevem suas histrias e estas histrias sero impressas neste livro de uma tradio que no morrer to cedo. E Dani
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nos mostra isso ao contar a violncia policial que sofreu o Ponto de Cultura Coco de Umbigada naquele fatdico sete de fevereiro.
O bairro do Guadalupe j viveu muitas histrias ao longo de sua organizao. Nesse momento, quem l faz a histria so todos que esto envolvidos direta e indiretamente com o O Ponto de Cultura Coco de Umbigada. O Ponto inspirador, pulsante, democrtico e o mais importante produo cultural comunitria e responsvel.
Agora, leitores e admiradores da cultura popular, s restam a vocs procurarem um cantinho e mergulharem nessa histria que vem de Pernambuco, esse Estado de contradies e maravilhas. Maravilhas como a histria de Quinho Caets, Beth de Oxum, seus filhos e uma comunidade que se apoderou e que tem uma rdio chamada Amnsia. Uma comunidade que soube valorizar o trabalho dessa incansvel produtora cultural e pesquisadora.
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Prefacio
Kennedy Piau
Darcy Ribeiro afirma, em seu livro O povo brasileiro, que
o processo de mestiagem no Brasil criou um homem novo.
Ao longo do tempo as etnias indgena, portuguesa e africana
serviram para a formao de esse novo grupo, esse outro que
j no mais o ndio autctone, ou o negro africano, ou o
portugus.
Neste novo pas de dimenso continental e de nova gente
marcado pela desigualdade , a formao cultural, fruto da
transmisso oral, gerou processos de hibridizao (troca,
mistura) que formataram a diversidade cultural brasileira. H
comunidades que preservam os valores tradicionais, advindas
de setores historicamente marginalizados, que produzem
manifestaes culturais de carter popular e dinmicas,
exercendo uma funo no contexto em que esto inseridas.
Muitas destas manifestaes agregam e difundem valores
como a solidariedade, a humildade, o esprito coletivo, o
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respeito aos mais velhos e natureza, prprios deste tipo
de organizao social. Estas manifestaes contm formas
de experincia esttica que no se especializaram, no se
restringiram aos aspectos formais, no se transformaram
em algo cujo nico sentido o de ser produzido para uma
contemplao esnobe ou para o mercado, como acontece nos
campos das artes chamadas eruditas.
Com a arte tradicional como o caso do Coco de Umbigada
diferente. Como nos diz Roberto Da Mata, ela satisfaz uma
funo social, compe o imaginrio popular, se relaciona com
os demais aspectos da vida social das comunidades. Nesse tipo
de manifestao artstica (ou cultural), a forte relao entre a
natureza e cultura cria uma lgica prpria diferente da lgica
racionalista, na qual predominam os interesses econmicos.
Segundo este autor, a relao com as lendas e os mitos seria
uma das maiores caractersticas da cultura e da arte tradicional,
demonstrando uma viso mais holstica (mais global e integrada)
do mundo, no qual a natureza e a cultura, os mortos e os vivos, o
mundo do real e o mundo do imaginrio se relacionam de forma
intensa. As festas e as manifestaes artsticas das comunidades
tradicionais reafirmam um mundo mgico, opondo-se, desta
forma, lgica racionalista da sociedade capitalista onde
predomina o interesse do mercado e a busca pelo lucro. Assim,
para o autor, o popular reintroduziria no mundo individualizado
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capitalista a velha generosidade da troca, na qual os seres
humanos dentro das relaes interpessoais, como filhos, amigos
e parentes, tm a obrigao de dar e receber.
No entanto, a imposio do modelo de desenvolvimento
baseado nos valores dominantes da cultura ocidental, na ideologia
do progresso, na busca de lucros imediatos e na imposio da
indstria cultural tem alterado radicalmente a produo material
e simblica destas comunidades e suas manifestaes artsticas.
Cada vez mais, a lgica do capital, na sua imposio pelo
lucro financeiro, se intensifica impulsionada pela recente etapa
do processo de globalizao. Esta globalizao, falsamente
apresentada como um intercmbio econmico e cultural
equilibrado entre todos os pases do mundo, na realidade seria uma
tentativa de mundializao da cultura do consumo, como afirma
Renato Ortiz. Ao tornar-se impositiva, a globalizao levaria a
um desmantelamento dos modos de vida que ainda trazem em
si elementos que no formam parte da lgica capitalista. Este
desmantelamento se daria principalmente atravs da indstria
cultural e dos meios de comunicao de massas.
Maria Nazareth Ferreira afirma que a cultura hegemnica,
identificada como a cultura das elites dos pases ricos, se impe
cada dia mais, mundializando a cultura do consumo e do modo
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de vida capitalista. H, neste sentido, um desmantelamento dos
modos de vida tradicionais e a desintegrao de valores culturais
que trazem em si formas de explicao, compreenso e vivncia
diferentes daquelas defendidas pela cultura dos pases centrais,
mais poderosos econmico poltica e militarmente. Enquanto
na cultura hegemnica dos pases centrais est presente o
individualismo, a concorrncia e a depredao da natureza, nas
culturas tradicionais encontraram valores como a reciprocidade,
o respeito ao outro e biodiversidade, que podem nos ajudar na
busca por um novo parmetro de construo social.
Neste sentido importante a iniciativa do Ministrio
da Cultura, atravs da Funarte, de incentivar pesquisas que
tenham como objeto de estudo as artes tradicionais no Brasil. E
, por outro lado, louvvel que este incentivo no tenha ficado
restrito ao mbito meramente acadmico e possa ter chegado
gente como Dani Bastos.
Pessoalmente, sinto-me satisfeito pelo convite para
escrever este pequeno texto. Primeiro porque conheci Dani
durante uma pesquisa de campo em que tive o prazer de conhecer
o trabalho do Ponto de Cultura Ncleo de Memria e Produo
Cultural Coco de Umbigada e pude constatar o importante e
diversificado trabalho que estas pessoas desenvolvem com tanto
empenho, seriedade e leveza. Senti-me satisfeito por poder
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contribuir minimamente quando da elaborao do projeto, e
entusiasmado ao perceber agora que uma pessoa que, em um
determinado momento, fez parte do meu objeto de estudo
simultaneamente sujeito na produo de novos conhecimentos.
Neste sentido, este livro expressa um olhar de dentro, um
olhar engajado de quem se encontra no olho do furao. A
crtica, prpria do mundo da universidade, se encontra com a
necessidade de um texto que possa ser compreendido por um
conjunto amplo e diversificado de leitores. Alm de se propor
a compreender as implicaes sociais do trabalho relacionado
ao Ponto de Cultura, a autora afirma ou reafirma seu
compromisso em socializar tal compreenso, possibilitando aos
mestres da cultura popular e aos brincantes em geral o acesso
a suas prprias memrias e s reflexes que podem ser usadas
como instrumento de luta contra a histrica opresso qual
estas comunidades foram e so submetidas.
Segundo porque posso perceber no texto o
apoderamento de uma lutadora que consegue navegar com
determinao nos mares da academia e nos mares da cultura
tradicional sem negar neste trnsito o que h de melhor nos
dois campos: a crtica e a paixo.
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O Coco uma manifestao da cultura popular
que possui mltiplas vertentes que se proliferam pela
regio nordeste brasileira: Coco de roda, Coco de praia,
Coco de embolada, Coco de rojo, Coco de zamb, Coco
de umbigada, entre muitos outros.
Muitos pesquisadores e estudiosos concordam que
a origem do folguedo vem da troca de experincias
entre indgenas e africanos, provinda provavelmente
dos cantos de trabalho da atividade coqueira. Para
suavizar a intensa jornada de trabalho, os quebradores
de coco versavam e rimavam sobre o seu dia a dia. Para
quebrar a casca do fruto, colocavam-no em uma pedra
e batiam-no com outra at a rachadura. Acredita-se
surgir da o ritmo da manifestao.
Captulo 1Sambada: Manifestao Cultural Nordestina
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
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H um consenso entre os Mestres e brincantes
entrevistados por ns e a bibliografia consultada para
esta pesquisa. Segundo ambas as fontes, o Coco era
uma brincadeira mais recorrente no perodo junino,
presena constante nos festejos para So Joo, So
Pedro e Santana. Ocasionalmente, fazia-se o Coco em
festividades familiares ou em momentos de folga. Nas
ltimas duas dcadas, com a criao e implementao
das polticas culturais que reconheceram e incluram
as expresses artsticas das manifestaes de culturas
populares e tradicionais nas programaes culturais,
passamos a ver tambm o Coco em outros ciclos
festivos, como por exemplo, durante o carnaval.
No encontramos na literatura o conceito ou a
definio da expresso Sambada de Coco. Os Mestres
e brincantes entrevistados neste trabalho definem a
Sambada como a festa, a reunio, o encontro, o espao
para cantar, danar, tocar, celebrar, ou seja, Sambada
o espao para brincar, sambar o Coco.
Tambm so poucas as referncias ao significado
de Sambada de Maracatu de Baque Solto, uma
manifestao da cultura popular encontrada na Zona
da Mata do Estado de Pernambuco, cujos brincantes
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Dani Bastos
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so em sua maioria trabalhadores do corte da cana de
acar. Fazendo uma analogia, o conceito de Sambada
de Maracatu de Baque Solto assemelha-se ao da
Sambada de Coco. A Sambada se constitui o espao
onde os trabalhadores rurais se congregam, cantam,
danam, conversam, bebem, fumam bastante. Alm de
ensaio diverso, o lazer das classes subalternas da
Zona da Mata. (Medeiros, 2005, p. 102).
Nas expresses e manifestaes das culturas
populares e tradicionais difcil demarcar com preciso
o incio e o trmino do que trabalho e do que lazer,
em qual momento o som que ecoa dos tambores
direcionado para os humanos ou para as divindades;
os limites so tnues, interligados. Assim a Sambada
de Coco, uma amlgama, mistura heterognea, tudo ao
mesmo tempo, agora.
Partindo dessa breve explanao sobre as origens
da manifestao do Coco e de um dos espaos onde
realizada, iremos mergulhar no universo da Sambada
de Coco do Guadalupe, realizada h treze anos pelo
Ponto de Cultura Coco de Umbigada, de Olinda,
Pernambuco. Abordaremos um pouco da sua origem,
dos seus protagonistas, do seu processo de produo,
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
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dos seus mecanismos de difuso, da sua interface com as
ferramentas da tecnologia, dos problemas enfrentados,
das suas parcerias, dos seus Mestres, do seu cotidiano.
Vamos conhecer a histria do casal rastafri Beth
de Oxum e Quinho Caets, dos seus quatro filhos
Oxaguiam, Ialod, Mayra e Yna e de todos que
integram o Ponto de Cultura Coco de Umbigada que,
guiados pela musicalidade ancestral evocada pelo toque
da secular zabumba, tomaram nas mos as rdeas de
seus destinos, empoderaram sua comunidade e fizeram
da cultura popular a ferramenta para a transformao
social, experincia que virou modelo replicado hoje por
vrios Pontos de Cultura em todo o Brasil.
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Dani Bastos
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1. Beth de Oxum | Foto: Alcides Ferraz2. Quinho Caets | Foto: Tenily Sales3. Daniel Lus | Foto: Alcides Ferraz4. Ponto de Cultura Coco de Umbigada
Guadalupe - Olinda - PE | Foto: Alcides Ferraz5. Crianas | Foto: Tenily Sales6. DJ NK Cumbia | Foto: Alcides Ferraz7. Cristiano Lopes, o Tkralzy | Foto: Alcides Ferraz8. Armandinho do Reggae
Coordenador da Rdio Amnsia FM | Foto: Tenily Sales9. Luciano Lima | Foto: Alcides Ferraz10. Detalhe do quadro de avisos do Ponto de Cultura Coco de Umbigada | Foto: Tenily Sales11. No Guadalupe a umbigada no perde pra ningum | Foto: Tenily Sales12. Beth de Oxum e a pequena Yna | Foto: Tenily Sales13. Beth de Oxum e o tambor | Foto: Tenily Sales
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
A Sambada de Coco do Guadalupe uma brincadeira
de herana familiar de origens entre os sculos XVIII e XIX.
A famlia Barbosa, residentes na Aldeia de Paratibe, no
municpio de Paulista, Estado de Pernambuco, tinha a prtica
de realizar a Sambada de Coco com seus familiares e com a
comunidade, tendo como protagonistas dessa atividade os
Mestres de Coco Joo Amncio e Z da Hora.
Com as mortes dos Mestres, a Sambada de Coco se
calou por quase 40 anos. Em junho de 1998, a musicista,
mobilizadora e articuladora social Maria Elizabeth Santiago
de Oliveira, a Beth de Oxum, retomou a luta pela tradio
ancestral da Sambada de Coco junto com seu marido, o msico
percussionista Jos Carlos Barbosa, de nome artstico Quinho
Caets, e os filhos, Oxaguiam, Ialod, Mayra e Yna herdeiros
Captulo 2Sambada de Coco do Guadalupe:Resistncia e Protagonismo Cultural
Histrico da Sambada de Coco
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familiares da brincadeira, respectivamente neto e bisnetos dos
referidos Mestres de Coco. Beth de Oxum recuperou a secular
zabumba ancestral usada pelos antigos Mestres para animar
a roda de Coco. Com muito empenho e autoestima o grupo
voltou a realizar a Sambada, todo primeiro sbado de cada
ms. O intuito era promover o pertencimento e consolidar a
brincadeira do Coco na comunidade do Guadalupe, situada no
entorno do Stio Histrico da cidade de Olinda, Pernambuco.
Atualmente a Sambada de Coco se realiza todo primeiro
sbado de cada ms na Rua Joo de Lima, o popular Beco da
Macaba, em frente ao n. 42, (onde se localiza o Il Ax Oxum
Kar ou Terreiro da Umbigada), Guadalupe, Olinda PE. Tem
carter ldico, amplo e gratuito garantindo populao o
direito de fruio aos bens de natureza imaterial.
Com a realizao sistemtica da Sambada de Coco com
periodicidade mensal, podemos dizer que retomou-se
um costume. Hobsbawn nos alerta para a importncia da
distino entre costume e tradio. Segundo o autor, costume
o termo mais adequado para denominar as prticas dos
povos ou grupos das culturas populares ou tradicionais,
pois o costume incorpora gradativamente alteraes e
mudanas, assim como a prpria vida. J a tradio regida
pela continuidade artificial, pela referncia ao passado com
formas quase que obrigatrias.
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
O costume, nas sociedades tradicionais, tem a dupla funo de motor e volante. No impede as inovaes e pode mudar at certo ponto, embora evidentemente seja tolhido pela exigncia de que deve parecer compatvel ou idntico ao precedente. Sua funo dar a qualquer mudana desejada (ou resistncia inovao) a sano do precedente, continuidade histrica e direitos naturais conforme o expresso na histria. O costume no pode se dar ao luxo de ser invarivel, porque a vida no assim nem mesmo nas sociedades tradicionais. (Hobsbawn e Ranger, 1997, p. 10).
Encontramos a reflexo de Hobsbaw no seguinte exemplo.
At meados da dcada de 60, a grande maioria dos
brincantes de Maracatu de Baque Virado(1) , era constituda
por praticantes do candombl, considerando que a brincadeira
foi criada pelos negros africanos vindos para o Estado de
Pernambuco na condio de escravos e possua fortes vnculos
com a religio.
(1) Tambm conhecido como Maracatu de Nao Africana, folguedo tpico do carnaval do Recife, criado pelos africanos que vieram para o Estado de Pernambuco na condio de escravos. considerado uma das manifestaes ldicas mais prximas das razes africanas do folclore brasileiro. Acredita-se que sua origem a festividade catlica de reis-negros, celebrada na Festa do Rosrio. Nos arquivos da Irmandade do Rosrio dos Pretos, do bairro de Santo Antonio (Recife) h documentos sobre a celebrao da coroao de reis negros desde os tempos coloniais. Nos grupos mais tradicionais, h ainda memria daquela festa e seus integrantes continuam a realizar reverencias com cnticos em honra de Nossa Senhora do rosrio, na porta de suas igrejas. A marca da cultura africana est na msica e na dana, como tambm na organizao social dos grupos e na sua ligao com os cultos afro-brasileiros. Esta ligao to forte que o maracatu tomado como uma expresso religiosa. Na verdade o maracatu tem sido manifestao ldica dos grupos religiosos jeje-nag do Recife.
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Nessa poca, o Maracatu de Baque Virado era
considerado uma brincadeira de negros, de xangozeiros(2),
de vagabundos ou de pobres e estes eram alguns dos motivos
pelos quais a brincadeira no era muito apreciada pelas
classes mais favorecidas. Mas na dcada de 90, por influncia
do movimento mangue-beat, ocorre uma valorizao das
manifestaes culturais populares pernambucanas e em
especial, do Maracatu de Baque Virado e esse olhar das elites
sobre o Maracatu transforma-se ou inverte-se. Muitos jovens
pertencentes s classes sociais mdias e altas se interessam
pelo brinquedo e comeam a freqentar os bairros da periferia
do Recife, a ingressar e participar ativamente das Naes de
maracatu, sem necessariamente ter laos com o candombl.
Hoje esses grupos so compostos de um perfil bastante
heterogneo de pessoas e isso se atribui a essa maravilhosa
caracterstica de serem ao mesmo tempo os mesmos e outros.
So simultaneamente os mesmos Maracatus de Baque Virado
de sculos atrs e outros, pois tambm so Maracatus de
Baque Virado contemporneos.
Hoje o folguedo se resume ao cortejo o desfile de uma corte real negra, obedecendo ao estilo das procisses catlicas. Conta com uma orquestra exclusivamente de percusso, chamada de baque-virado, constituda de bombos, tarol, caixa-de-guerra, gongu e mineiro, em numero variado, de acordo com a organizao do grupo.O canto denominado de toada tirado por um dos dirigentes do grupo e respondido em coro pelos demais desfilantes.
(2) No Estado de Pernambuco, os cultos de matriz africana tambm eram conhecidos por Xangs, conseqentemente seus praticantes eram denominados xangozeiros.
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
Seguindo a linha de raciocnio colocada por Hobsbawn,
entendemos que se os grupos de Maracatu de Baque Virado
fossem seguir a tradio risca, provavelmente j estariam
extintos ou seriam pouqussimos ainda em atuao, pois
o mundo e a sociedade mudaram. Mas na busca constante
pela continuidade, os grupos se adaptaram, absorveram as
mudanas histricas, sociais e culturais que o tempo traz
impreterivelmente, se reinventaram. Mantiveram o costume
e com isso trazem o ressignificado de sua prpria existncia.
A brincadeira se fortalece no Guadalupe, onde Beth
de Oxum j exercia uma mobilizao sociocultural popular
atravs do seu Terreiro Cultural o Terreiro da Umbigada
(3). E assim se iniciou o projeto No Guadalupe o Coco de
Umbigada. A atividade comeou no quintal do Terreiro e
logo em seguida ganhou a rua, transformando-se ao longo
de treze anos ininterruptos na tradicional Sambada de Coco
do Guadalupe, que mobiliza atualmente um pblico rotativo
aproximado de 2.000 mil pessoas que engloba os moradores
da comunidade do Guadalupe e localidades do entorno
(Amaro Branco, Bonsucesso, Barreira do Rosrio, Monte, V8 e
Cohab), coquistas(4), brincantes, Mestres Gris(5), comunidade
dos terreiros de Candombl e da Jurema Sagrada, artistas,
produtores culturais, gestores pblicos, turistas, imprensa,
professores e estudantes universitrios, comerciantes
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informais, entre outros. Na perspectiva de manuteno,
salvaguarda e continuidade, a Sambada valoriza a diversidade
cultural da manifestao do Coco e suas vertentes e promove
a difuso desta brincadeira.
a autoestima de uma comunidade!, brada Beth de
Oxum repetidas vezes durante a Sambada de Coco.
Em 2004, o Coco de Umbigada torna-se um Ponto de
Cultura, atravs do I Edital Pblico dos Pontos de Cultura
do Programa Cultura Viva do Ministrio da Cultura, na
gesto do Ministro Gilberto Gil. Este Programa promove
a diversidade cultural brasileira, atravs da cultura, da
educao e da cidadania. Os Pontos so uma parceria entre o
Governo Federal e a sociedade civil, e contemplam iniciativas
culturais que desenvolvam atividades de arte, cultura,
cidadania e economia solidria em suas comunidades.
(3) Atualmente o Terreiro de Matriz Africana Il Ax Oxum Kar.(4) Coquista o todo aquele que pratica cotidianamente atravs da msica e da dana o Coco manifestao e ritmo popular nordestino de origem afro-indgena que possui vrias vertentes pelo Nordeste brasileiro afora. Alguns exemplos: Coco de roda, Coco de embolada, Coco de rojo, Coco de Umbigada, entre outros.(5) Abrasileiramento de griot, palavra francesa (Turino, 2009, p. 97). So considerados Gris, todos aqueles que detm um saber adquirido ao longo de suas vidas, pela experincia prtica ou pela intuio. O Gri um guardio da memria e da histria oral de um povo ou comunidade, so lideres que tm a misso ancestral de receber e transmitir os ensinamentos das e nas comunidades. (www.cultura.gov.br) Alguns exemplos: Yalorixs, Babalorixs, Parteiras, Rezadores, Contadores de Histria, Mestres de percusso popular, Pajs, entre outros.
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Dani Bastos
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Os Pontos recebiam na poca recursos do Governo
Federal (185 mil reais, divididos em cinco parcelas
semestrais) para potencializarem seus trabalhos, podendo
ser com compras de instrumentos musicais, figurinos,
equipamentos multimdias, contratao de profissionais,
produo de espetculos, eventos, entre outros. Ponto
de Cultura um conceito. Um conceito de autonomia e
protagonismo sociocultural (Turino, 2009, p. 15).
O Ponto de Cultura Coco de Umbigada tem sede na
Rua do Guadalupe, No. 380, Guadalupe, Olinda PE, e
tem como misso a preservao da memria e a difuso
da cultura popular, com nfase na manifestao do Coco
e suas vertentes. Nessa regio concentram-se um nmero
expressivo de artistas populares, grupos culturais e
agremiaes carnavalescas da cidade de Olinda, municpio
outorgado como 1 Capital Brasileira da Cultura, sendo,
portanto uma das regies mais importantes culturalmente
dentro do Estado de Pernambuco, apesar de, em
contraponto, a localidade apresentar uma das maiores
densidades demogrficas, o que gera problemas sociais
como escassez de empregos, transporte insuficiente,
dificuldade no acesso educao, habitaes precrias,
aumento da poluio, o que consequentemente acarreta
danos ambientais e agrava a questo da sade, acarretando
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
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numa diminuio da qualidade de vida. um dos mais
baixos IDH(6) da cidade.
Com o reconhecimento, a legitimao e o incentivo
do Governo Federal, o Coco de Umbigada fortalece e
amplia suas aes e atividades iniciando um processo de
transformao social irreversvel.
To ou mais importante que o recurso o processo de transformao que o Ponto de Cultura desencadeia: respeito e valorizao das pessoas da prpria comunidade, novas formas de pactuao entre Estado e sociedade, fortalecimento da autonomia, conexo em rede, intensificao da troca de saberes e fazeres, liberao de sonhos e energias criativas. Os valores que o Ponto de Cultura agrega vo alm dos monetrios (Turino, 2009, p. 43).
Algumas destas aes e atividades desenvolvidas
so as oficinas contnuas de incluso sociocultural. s
teras acontecem a Oficina de Ritmos, Cantos e Danas
de Umbigada do Brasil. Seus participantes so crianas,
adolescentes, jovens msicos e simpatizantes da arte
percussiva.
(6) IDH (ndice de Desenvolvimento Humano) um ndice que serve de comparao entre os pases, com objetivo de medir o grau de desenvolvimento econmico e a qualidade de vida oferecida populao. Este ndice calculado com base em dados econmicos e sociais. No clculo do IDH so computados os seguintes fatores: educao (anos mdios de estudo), longevidade (expectativa de vida da populao) e Renda Nacional Bruta.
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Dani Bastos
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ministrada por Beth de Oxum e Quinho Caets,
e os contedos trabalhados so os ritmos e a dana de
manifestaes populares brasileiras de raiz afro-indgena,
a exemplo do Coco, Jongo, Tambor de Crioula e Samba
de Roda; j as quartas a vez da Oficina de Incluso
Digital/Tecnologia da Informao e Comunicao, que
direcionada para o pblico adolescente e adulto jovem.
Trabalha a incluso digital utilizando o software livre(7) e
explora o uso inteligente das ferramentas da tecnologia.
Outras aes e atividades que merecem destaque so: O
Tele Centro Umbigada, que disponibiliza diariamente, em
mdia dez computadores para acesso gratuito internet; o
Cine Clube Macaba, que aproxima a comunidade da stima
arte, lazer considerado elitista e muitas vezes inacessvel
no aspecto financeiro a moradores das periferias; a Rdio
Amnsia FM, que entra no ar todos os dias levando sua
rica e diversa programao para cerca de 700 ouvintes; a
Ao Gri(8) , que promove encontros intergeracionais e,
usando a prtica da oralidade, integra o Ponto, a escola e
os Mestres de tradio oral, smbolos da ancestralidade
do povo brasileiro; os grupos musicais Coco de Umbigada,
Coco de Umbigadinha, Ciranda de Acalanto e Afox Filhos
da Oxum que fazem apresentaes artsticas em festivais,
congressos, mostras culturais e eventos afins pelo Brasil
afora. Essas so as aes desenvolvidas pelo Ponto de
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
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Cultura, que ainda tem flego e incentiva e estimula a
gerao de trabalho e renda com os moradores locais sob a
proposta da economia justa e solidria.
O Ponto de Cultura Coco de Umbigada uma referncia
da regio nordeste do Brasil dentro do Programa Cultura
Viva, tendo conquistado diversos prmios: Prmio Culturas
Populares 2007; Prmio Escola Viva 2007; Prmio
Pontinhos de Cultura/Ludicidade 2008; Prmio Cultura
e Sade 2008; Prmio Mdias Livres 2009; Ao Gri
2007/2008 e 2008/2009; Prmio Asas, entre outros.
Podemos afirmar que a Sambada de Coco do Guadalupe o cerne, o eixo central, a mola mestra do Ponto de Cultura Coco de Umbigada. nesta ocasio que os participantes das oficinas, os locutores da Rdio Livre Amnsia FM, os Mestres de tradio oral, brincantes e colaboradores do Ponto de Cultura de diversas reas do conhecimento exercitam a troca dos saberes e fazeres adquiridos e praticados durante o dia a dia da instituio.
(7) Conforme a definio de software livre criada pela Free Software Foundation, Software Livre, ou Free Software, o software que pode ser usado, copiado, estudado, modificado e redistribudo sem restrio. A forma usual de um software ser distribudo livremente sendo acompanhado por uma licena de software livre (como a GPL ou a BSD), e com a disponibilizao do seu cdigo-fonte. (http://br-linux.org/faq-softwarelivre/).(8) A Ao Gri Nacional uma ao compartilhada no mbito do Ministrio da Cultura atravs da Secretaria de Cidadania Cultural, SCC-MinC e o Ponto de Cultura Gros de Luz/Lenis-BA, visa a preservao das tradies orais das comunidades e a valorizao dos Gris, Mestres e Aprendizes enquanto patrimnio cultural brasileiro (www.cultura.gov.br).
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A realizao da Sambada de Coco do Guadalupe um modelo no que diz respeito produo cultural independente dentro do Estado de Pernambuco que apesar da vasta diversidade cultural ainda apresenta poucos espaos culturais gratuitos fora dos grandes ciclos festivos carnavalesco, junino e natalino.
Grande parte de nossa diversidade cultural est margem dos mercados de produo cultural, consequncia de polticas pblicas de cultura baseadas no lucro, nos eventos de qualidade duvidosa, nas formas equivocadas de incentivos culturais e nas desigualdades econmicas (Oliveira, 2010, p. 22).
O Coco de Umbigada se empoderou, e no aceita a
condio de refm que muitas vezes o poder pblico e a
iniciativa privada insistem em impor aos artistas e grupos das
culturas populares e tradicionais. O empoderamento devolve
poder e dignidade a quem desejar o estatuto de cidadania, e
principalmente a liberdade de decidir e controlar seu prprio
destino com responsabilidade e respeito ao outro (Pereira,
2006). O Ponto de Cultura Coco de Umbigada subverte, resiste,
se auto-organiza, protagoniza, cria e recria seu prprio palco
e suas prprias formas de realizao, difuso e fruio de sua
produo cultural.
Dentro deste contexto, a Sambada de Coco do Guadalupe,
como uma das atividades realizadas pelo Ponto de Cultura,
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
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uma prova viva, concreta e real de que possvel realizar uma
gesto cultural apesar das adversidades, da insuficincia de
recursos financeiros e de apoios institucionais. uma proposta
de organizao e mobilizao social e popular que poderia ser
adaptado e inserido nas polticas pblicas de cultura e replicado
em outras comunidades do Estado.
Acho que a Sambada do Guadalupe uma resistncia
cultural, um encontro, uma celebrao das pessoas que querem
ver o Coco sobreviver, diz a professora de ingls Joana de
Farias Melo, frequentadora da Sambada h 7 anos.
A Sambada de Coco do Guadalupe engloba vrias atividades
que dialogam entre si durante sua realizao.
A primeira delas o Cine Clube Macaba, que se inicia por
volta das 19h e exibe em um telo montado em frente ao Il Ax
Oxum Kar filmes escolhidos pela equipe do Ponto de Cultura.
Essa escolha geralmente norteada pelo mesmo critrio da
criao do projeto grfico, que o tema da Sambada de Coco
daquele ms, mas pode exibir tambm um lanamento de alguma
produo de um cineasta local, por exemplo. Essa atividade
rene uma plateia de 500 pessoas em mdia, formada em sua
maioria por crianas e jovens acompanhados geralmente pelos
pais ou responsveis, moradores da comunidade e entorno,
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Dani Bastos
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pelos comerciantes ambulantes e seus familiares, cineclubistas
e apreciadores do audiovisual em geral. O objetivo do Cine
Clube Macaba democratizar o acesso produo audiovisual
pernambucana e nacional filmes, documentrios, animaes
e vdeos focados nas culturas populares e tradicionais de matriz
africana e indgena , promover a autoestima e o pertencimento
do pblico morador da comunidade e seu entorno e demais
frequentadores da brincadeira em relao identidade social,
tnica e cultural.
Em seguida, o DJ NK Cumbia inicia as atraes musicais
da noite, esquentando a plateia. Emanuel Albuquerque, que
toda rapaziada conhece tambm como Nekinho, morador
da efervescente comunidade de Peixinhos, em Olinda, a qual
ganhou notoriedade nos anos 90 por ser o bero de grandes
artistas do movimento mangue beat, como o saudoso Chico
Science, ex-integrante da banda Nao Zumbi. O estilo do
discotecrio, como se auto-define NK Cumbia, percorre
pelos diversos ritmos da musicalidade latina, como a salsa,
merengue, bolero, cumbia e guaracha, lapidado por um extenso
e intenso trabalho de pesquisa com antigos guaracheiros de
seu bairro e arredores.
Depois, a vez do Coco de Umbigadinha. O grupo fruto
das oficinas Ritmos, Cantos e Danas de Umbigada do Brasil e
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
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O Coco e suas vertentes, ministradas no Ponto de Cultura
Coco de Umbigada por Beth de Oxum e Quinho Caets
com a comunidade infanto-juvenil. No existem o que os
grupos artsticos e culturais compreendem como ensaios, a
brincadeira do Coco se incorporou ao dia a dia das crianas
do Guadalupe, uma prtica cotidiana, espontnea, como
ir escola ou assistir desenho animado na televiso.
tambm um dos grupos de difuso musical do Ponto e
o exerccio prtico da continuidade da brincadeira e da
formao de futuros Mestres e brincantes. Sem destoar
da maioria das casas regida pela orix Oxum, a emanao
da alegria da presena vivaz das muitas crianas uma
das caractersticas marcantes do Ponto de Cultura Coco
de Umbigada. um momento ldico, pueril da Sambada,
muito apreciado e aplaudido pelo pblico.
A ltima atrao da noite tem incio por volta das
22 horas, quando o Grupo Coco de Umbigada principal
representante da musicalidade do Ponto de Cultura
comea a pisada. Sob a liderana de Beth de Oxum, vrios
coquistas e os Mestres Gris do Terreiro da Umbigada,
apresentam um repertrio que inclui composies
autorais e do cancioneiro popular, estabelecendo a troca
de saberes e fazeres das matrizes africanas e indgenas at
alta madrugada em Olinda.
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
Pra onde tu vai, menina?
Vou pra Olinda brincar
Pra onde tu vai, rapaz?
Vou pra Olinda brincar
Vou danar Coco de Umbigada
At o sol raiar
No Guadalupe a umbigada no
perde pra ningum, de Beth de Oxum.
A msica a linguagem guia, o vnculo, o elo com
a continuidade ancestral da Sambada de Coco. Durante
toda a noite loas tradicionais, de domnio pblico
e tambm composies autorais so entoadas pela
musicista Beth de Oxum, pelos Mestres Gris e por
vrios outros coquistas annimos do grande pblico. As
msicas autorais do grupo Coco de Umbigada reforam
a autoestima, o sentimento de pertencimento, a
identidade tnica, cultural e religiosa, pois contam a
trajetria e histria do grupo, apresentam seus atores
sociais, louvam suas divindades e entidades espirituais,
falam sobre o cotidiano da comunidade do Guadalupe,
entre outros temas. Uma pequena mostra pode ser
conferida no CD com trs faixas autorais do grupo Coco
de Umbigada que integra este livro.
-
Para os povos de matriz africana a msica e a dana, a
festa em si um presente dos orixs, como conta a lenda:
Dizem que certa vez Orunmil veio TerraAcompanhando os orixs em visitaa seus filhos humanos,Que j povoavam este mundo,j trabalhavam e se reproduziam.Foi quando ele humildementepediu a Olorum-OlodumareQue lhe permitisse trazer aos homensalgo novo, belo e ainda no imaginado,Que mostrasse aos homens a grandezae o poder do Ser Supremo.E que tambm mostrasse o quanto OlorumSe apraz com a humanidade.Olodumare achou justo o pedidoE mandou trazer a festa aos humanos.Olodumare mandou trazer aos homensa msica, o ritmo, a dana.Olodumare mandou Orunmil trazerpara o Ai os instrumentos, os tamboresque os homens chamam de ilu e bat,os atabaques que eles denominamde rum, rumpi e l,o xequer, o g e o agog eoutras pequenas maravilhas musicais.Para tocar os instrumentos,Olodumare ensinou os alabs,Que sabem soar os instrumentosque so a voz de Olodumare.E os enviou, instrumentos e msicos,pela mo de Orunmil.Quando ele chegou Terra, acompanhando os orixsE trazendo os presentes de Olodumare,A alegria dos humanos foi imensa.E, agradecidos, realizaram ento
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
A primeira e grande festa neste mundo,Com toda a msica que chegara do Orumcomo uma ddiva,Homens e orixs confraternizando-se coma msica e a dana recebidas.Desde ento a msica e a dana estopresentes na vida dos humanosE so uma exigncia dos orixs quandoeles visitam nosso mundo.
(Prandi, 2001, p. 446, 447)
Nesse contexto, os tambores exercem um papel sagrado,
so veculos de comunicao. No passado, transmitiam as
mensagens entre as tribos, pois estas se situavam a distncias
considerveis umas das outras e possuem tambm a
propriedade de estabelecer o elo entre as dimenses, ligando,
fazendo a comunicao entre o Orum (Cu, mundo dos orixs)
e o Ai (Terra, mundo dos homens).
A zambumba ancestral centenria da famlia Barbosa,
quando resgatada por Quinho Caets na casa de um tio,
teve o couro e as cordas renovadas, mas conserva ainda o
mesmo bojo de macaba, o mesmo aro de jenipapo e carrega
a imantao da energia das vrias mos que a percutiram e a
repercutiram ao longo de mais de um sculo. Quinho Caets
expressa o simbolismo desse tambor que alinhava a trajetria
dessa herana cultural.
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Aquele tambor t ali como celebrao, tem vez que eu fao ritual, eu boto fogo, uma coisa bem indgena, um smbolo, pra ns uma coisa muito rica, como se t todo mundo, vamos dizer assim: em um minuto de silncio, t? Veja s como eu fao a sensibilidade, ento, aquele tambor pra tocar como se fosse um smbolo mesmo que voc levanta ele e diz: t aqui o trofu do teu povo, t aqui o trofu da minha nao que at hoje existe, n? Que t vivo at hoje mostrando pro mundo todo esse ritmo, que onde eles cantavam, onde eles se abraavam, brincavam... a t o fogo, onde eles brincavam com aqueles instrumentos, era brincadeira, mas a brincadeira hoje pra ns responsabilidade, carregamos um smbolo de um povo, de uma nao, dentro de um ritmo, de uma cultura muito grande que o nosso Brasil(9).
Em forma de rodzio, todos os Mestres Gris e coquistas
recebem a chance de mostrar seu estilo e seu trabalho. A
oportunidade garantida, tanto na exposio quanto na
fruio da produo cultural, pois a organizao da noite
feita luz do compartilhamento. Nesse contexto, possvel
encontrar semelhanas com o perodo carnavalesco, pois
simultaneamente todos so palco e plateia.
Na verdade, o carnaval ignora toda distino entre atores e espectadores. [...] Os espectadores no assistem ao carnaval, eles o vivem, uma vez que o carnaval pela sua prpria natureza existe para todo o povo (Bakhtin, 1987, p. 06).
(9) Depoimento prestado por Quinho Caets a esta pesquisa, coletado no dia 05 de abril de 2011.
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
Durante a Sambada, no mnimo interessante observar
as belas e exmias performances de dana tanto dos coquistas
quanto do pblico. uma dana permeada de expresses
corporais peculiares, caractersticas, espontneas, intuitivas.
No h coreografias, tcnicas ou regras pr-estabelecidas,
como nas modalidades e estilos ensinados nas academias
e escolas de dana. O processo de aprendizagem se d na
vivncia, na participao das rodas de Coco. Mas alguns
brincantes demonstram, que alm das habilidades artsticas
e corporais, ainda possuem o dom de se conectar com a
dimenso ancestral/espiritual da qual oriunda a brincadeira
do Coco a Jurema Sagrada.
No podemos deixar de ressaltar aqui as referncias
ancestrais/religiosas da manifestao do Coco que so o
Candombl e o culto da Jurema Sagrada. Essa ancestralidade/
religiosidade o fio condutor e mantenedor das diversas
manifestaes populares e tradicionais presentes no nosso
Estado. A ancestralidade/religiosidade o alicerce, o motivo pelo
qual essas manifestaes resistiram historicamente represso,
violncia, intolerncia e ao preconceito at os dias atuais.
Desde a infncia, Beth de Oxum frequentava os Terreiros de
Candombl e de Jurema da periferia de Olinda, sua cidade natal.
Ainda conserva a memria viva das lembranas das festividades
-
para os santos Cosme e Damio, santos catlicos que no
sincretismo religioso so relacionados aos Ibejis, orixs gmeos
protetores das crianas muito cultuados no nordeste do Brasil.
Em sua juventude quando militava no Movimento Negro
Unificado e integrava o Afox Alafin Oy, do qual chegou
a ser presidente, Beth achava que era filha da orix Oy,
pois identificava-se com o arqutipo da mulher guerreira,
independente, destemida, caractersticas dessa deusa africana.
Mas quando de frente para o jogo de bzios, orculo das religies
de matriz africana pelo qual se conhece o orix regente da
pessoa, quem falou foi Oxum. No incio Beth ficou um pouco
inconformada, mas aos poucos, conhecendo melhor as nuances
da deusa, veio o encantamento.
Oxum era muito bonita, dengosa e vaidosa, ela gostava de panos vistosos, marrafas de tartaruga e tinha, sobretudo, uma grande paixo pelas joias de cobre. Antigamente, este metal era muito precioso na terra dos iorubas. S uma mulher elegante possua joias de cobre pesadas. Oxum era cliente dos comerciantes de cobre. Omiro wanran wanran wanran om iro! A gua corre fazendo o rudo dos braceletes de Oxum! (Verger, 1997).
Hoje, reconhecemos imediatamente Oxum em todos os cantos
do Ponto de Cultura Coco de Umbigada na cor amarela das paredes,
nas crianas que correm e brincam livres incansavelmente, nas portas
sempre abertas para todos que chegam. Oxum est presente at no
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
nome artstico e agora religioso de sua coordenadora, Beth de Oxum.
Oxum a madrinha do Coco de Umbigada.
Recentemente Beth recebeu a patente de Ebami (10) pelas
mos de Me Lcia de Oy, e inaugurou o Il Ax Oxum Kar
o Terreiro da Umbigada, que completou dois anos agora em
julho de 2011. Para Beth, as duas mais importantes misses
das casas de candombl so o acolhimento indiscriminado de
todos aqueles que por caminhos e motivos variados chegam aos
Terreiros, independente da etnia, da crena religiosa, da faixa
etria, da sexualidade, da classe social, da condio econmica;
e tambm a consolidao da famlia, quer seja a famlia
sangunea, como a famlia construda pelos laos espirituais.
O homem ocidental contemporneo, cada vez mais urbano,
distanciou-se da natureza. Concebe-se um ser superior, parte,
individual e no um ser integrado aos ecossistemas e biomas.
O desmatamento, a poluio, a matana de animais, tudo isto
distancia o homem do universo espiritual e, na tica da matriz
africana, afasta o homem da natureza e consequentemente
dos orixs, pois os orixs so a prpria natureza a gua, o
ar, as plantas, as pedras, a terra, por exemplo, so alguns dos
elementos cultuados pelos adeptos do Candombl.
(10) Pessoa no Candombl que j cumpriu o perodo de iniciao, na feitura de santo, j tendo feito a obrigao de sete anos.
-
Beth de Oxum uma das maiores representantes
atuais do protagonismo feminino dentro do universo das
culturas populares e tradicionais. Durante muito tempo o
papel da mulher dentro dos folguedos esteve em segundo
plano, ofuscado pela predominncia do machismo em nossa
sociedade. Foi uma das primeiras mulheres no Estado de
Pernambuco a quebrar o tabu da relao entre a mulher e
o tambor, rompeu paradigmas e deu a volta nos palcos do
mundo tocando os instrumentos de percusso.
Em parceria com Me Lcia de Oy e o Il Ax Oy
Togun, desenvolvem as atividades do Ponto de Cultura
Ensinamentos de Me Preta, cujo intuito maior promover
encontros das mulheres que esto frente de Terreiros de
matriz africana e indgena e tambm que so lideranas
comunitrias, articulando em rede e fortalecendo as aes
do segmento de gnero.
A Sambada de Coco do Guadalupe um encontro
simultneo de opostos complementares: passado e presente,
sagrado e profano, tradio e modernidade, palco e plateia,
humano e espiritual, amalgamados, mesclados, conectados
e combinados em uma grandiosa celebrao mgica e
atemporal. Caminhando na linha tnue de delimitao
dessas esferas, percebemos que a Sambada de Coco do
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Dani Bastos
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Guadalupe uma brincadeira que extrapola, que transcende
o puro entretenimento; ela uma louvao, um chamado,
um momento de encontro atemporal com a ancestralidade.
Sem fugir regra das brincadeiras populares de rua,
no auge da Sambada temos a sensao de passar para
outra dimenso. Para compreender a Sambada de Coco do
Guadalupe em sua totalidade necessrio um novo olhar,
preciso se desprender das certezas. Deveramos talvez
utilizar o macroscpio de Jol de Rosnay (1995, p. 15).
O macroscpio filtra os pormenores, amplia o que os liga, pe em evidncia o que aproxima. No serve para ver maior ou mais longe, mas sim para observar aquilo que simultaneamente demasiado grande e por demais complexo para os nossos olhos.
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
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1. Beth de Oxum e Quinho Caets | Foto: Alcides Ferraz2. Mayra, Lalod e Yna | Foto: Tenily Sales3. Desenho feito por Lalod | Foto: Ded4. Mayra, 8 anos em frente ao
Ponto de Cultura Coco de Umbigada | Foto: Tenily Sales5. Detalhe da parede do Ponto de Cultura Coco de Umbigada | Foto: Tenily Sales6. Il Ax Oxum Kar | Foto: Tenily Sales
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
O processo de pr-produo da Sambada de Coco do
Guadalupe tem incio com o envio de ofcios com cerca de
quinze dias de antecedncia para os seguintes rgos pblicos
municipais:
SEPLAMA Secretaria de Transportes, Controle
Urbano e Ambiental/Prefeitura de Olinda, solicitando
autorizao para realizao do evento;
SEPACCTUR Secretaria de Patrimnio e Cultura/
Prefeitura de Olinda, solicitando o envio dos banheiros
qumicos;
1BatalhodePolciaMilitar, solicitandopoliciamento
para o evento visando garantir a segurana e harmonia do mesmo.
A pr-produo da Sambada de Coco do Guadalupe
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Dani Bastos
Em todos os ofcios constam as mesmas informaes de
local, data e horrio: Rua Joo de Lima, em frente ao No. 42,
Guadalupe, Olinda PE, das 19h as 01h.
O passo seguinte a escolha do tema da Sambada de
Coco, que geralmente guiado a partir do calendrio do
Candombl Nag pernambucano ou da Jurema Sagrada,
ou seja, dedica-se o tema da Sambada aos orixs e/ou s
entidades reverenciadas naquele ms. So levadas em
considerao tambm as atividades realizadas naquele
determinado perodo no Ponto de Cultura.
Escolhido o tema, vem a criao do projeto grfico do
cartaz de divulgao da Sambada de Coco do Guadalupe,
que fica sob a responsabilidade do jovem Daniel Lus
Albuquerque, 20 anos, msico e monitor de tecnologia
da informao do Ponto de Cultura. J o texto que
acompanha o cartaz de divulgao elaborado ora por
Ronaldo Eli, assessor de comunicao do Ponto de Cultura
Coco de Umbigada, ora pela Beth de Oxum, ou s vezes
coletivamente pela equipe do Ponto.
Iremos dar um exemplo concreto, para facilitar a
compreenso desta etapa. Durante a pesquisa de campo
deste projeto, ns acompanhamos a pr-produo da
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
Sambada que seria realizada no ms de abril de 2011. O
tema fez referncia mostra dos resultados de trs meses
de atividades realizadas pelos participantes da oficina
Hackeando Parangol, desenvolvida pela artista Cinthia
Mendona (RJ), que trabalhou a construo de artefatos
com materiais luminosos (LEDs). A Oficina teve o incentivo
do Prmio Interaes Estticas 2010/Residncias Artsticas
em Pontos de Cultura/Funarte. J o texto, cita a presena da
nossa equipe realizando a pesquisa de campo para compor
este livro, resultado final do nosso projeto.
O passo seguinte o envio do cartaz de divulgao
atravs da mailing list composta de cerca de 5000 endereos
eletrnicos, direcionada ao pblico alvo de Pontos de
Culturas, comunidade de Terreiros de Matriz Africana
e Indgena, grupos de culturas populares e tradicionais,
agremiaes carnavalescas, movimentos sociais,
movimentos de radiolivristas, de cineclubistas, produtores
culturais, entre outros segmentos. O cartaz tambm
postado no blog do grupo(11) e nas principais redes sociais,
a exemplo do Facebook.
(11) http://sambadadecoco.blogspot.com
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A Rdio Amnsia FM 89,5 mega-hertz uma mdia
livre que chegou ao Ponto de Cultura Coco de Umbigada
atravs de uma oficina promovida pelo Prmio Interaes
Estticas/Funarte e se consolidou com o projeto aprovado no
edital de Pontos de Mdias Livres do Ministrio da Cultura
que possibilitou a compra dos equipamentos antena e
transmissor. O desempenho foi tamanho que o equipamento
de rdio plantou razes no Coco (Gutierrez, 2009, p. 59).
Partindo da compreenso que a comunicao um direito
humano e social, a Rdio Amnsia possui em sua grade
de programao diversos programas protagonizados por
moradores da localidade. Seu Ablio, comerciante local, realiza
aos sbados o programa Forrozo do Ablio, com repertrio de
Luiz Gonzaga, Trio Nordestino e outros baluartes do autntico
forr nordestino; Armandinho do Reggae, Coordenador da
Rdio Amnsia, vai ao ar diariamente com seu programa
Conexo Reggae, trazendo desde o lendrio Bob Marley as
recm-criadas bandas da periferia da regio metropolitana;
o jovem monitor de tecnologia Daniel Lus, vem com o
Conscincia Hip Hop, com nfase no hip hop nordestino; o
Babalorix Ivanildo de Oxssi o responsvel pelo programa
Boa Tarde Vodunce, no qual temas referentes matriz africana
so debatidos com convidados; Beth de Oxum, seus filhos e as
demais crianas da comunidade fazem o Brincar para o sonho
alimentar, promovendo a importncia da cultura da infncia.
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
Comunicadores de outras comunidades tambm integram a
grade, como o DJ NK Cumbia que difunde a msica latina
frente do Coco de la Cumbia.
Os objetivos da Rdio Amnsia so a garantia ao direito
comunicao atravs da democratizao dos meios de
comunicao, o acesso informao e fazer a difuso da
produo musical no contemplada pelas mdias convencionais.
Em um raio de 40 km de alcance, divulga a Sambada de Coco e
suas atividades. a rdio que esqueceu do seu dinheiro, diz o
slogan durante a toda a programao.
Por outro lado, a questo envolve um grande paradoxo,
um contrassenso. O Governo Federal d com uma mo e
tira com a outra. O equipamento foi adquirido com recursos
provindos de um prmio do Ministrio da Cultura, mas
o Ministrio das Comunicaes no autoriza a concesso
facilmente. Este processo torna-se burocrtico, moroso,
levam anos. De um lado, um ministrio potencializando a
polifonia; de outro, instituies da mesma repblica podando
essas novas falas (Turino, 2009, p. 21).
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A legislao que regulamenta as rdios comunitrias bastante restritiva e no se ajusta realidade viva das comunidades que querem se expressar legitimamente. Processos de concesso de rdios comunitrias levam anos para a serem autorizados, gerando um descompasso entre a vontade das comunidades em romper com o monoplio da mdia e a legislao (Turino, 2009, p.21).
A Sambada de Coco do Guadalupe j um evento
assimilado pelos brincantes, simpatizantes e frequentadores
das brincadeiras e manifestaes das culturas populares e
tradicionais de Pernambuco, que j sabem de cor o refro
repetido h treze anos pela Me Beth de Oxum: Todo primeiro
sbado do ms, no Guadalupe, o Coco de Umbigada.
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1. Igreja do Guadalupe - Olinda - PE | Foto: Alcides Ferraz2. Beco da Macaba Guadalupe - Olinda - PE | Foto: Alcides Ferraz3. Rose | Foto: Alcides Ferraz4. Beth de Oxum no Il Ax Oxum Kar | Foto: Alcides Ferraz
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Os primeiros preparativos da produo da Sambada
de Coco a limpeza do local, a montagem e teste dos
equipamentos de som e iluminao, a fixao da faixa do
evento comeam na parte da manh, por volta das 9h30
e so realizados pelos prprios componentes do Ponto de
Cultura: o Coordenador Pedaggico Quinho Caets, o msico
Luciano Lima, o locutor da Rdio Amnsia FM Armandinho
do Reggae e o jovem monitor de tecnologia Daniel Lus.
Em grande parte dos grupos de culturas populares e
tradicionais e principalmente nos Terreiros de Candombl,
onde a base das relaes de parentesco, as refeies tem um
significado sagrado e tambm social. Comer antes de tudo
se relacionar (Beltrame, 2008, p. 245). O alimento deve ser
compartilhado, o ritual da comida intensamente simblico:
A produo da Sambada de Coco do Guadalupe
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acolhimento, fartura, troca, estabelece vnculos,
fortalece laos, une. A Me Beth e sua famlia, as crianas
da comunidade, os visitantes, os oficineiros, os msicos, os
pesquisadores, a equipe do Coco de Umbigada: todos almoam
no Il Ax Oxum Kar.
Do meio para o final da tarde j comeam a chegar os
comerciantes informais de alimentos e bebidas que trabalham
na Sambada. Instalam-se pelo Beco da Macaba, com seus
carros de mo, carroas, isopores, engradados, fogareiros e
demais utenslios. Cachorro-quente, churrasquinho, pastel,
queijo assado e outras iguarias regadas a muitas e muitas
cervejas geladas compem o cardpio da noite. Festa sem
comida e bebida porque no d mesmo!, diz sorrindo o
msico Luciano Lima. Para a maioria dos ambulantes, a
Sambada proporciona o complemento da renda familiar. D
pra arrumar um trocado, diz a comerciante Alcineide Maria,
de 32 anos, que negocia onde tem festa de rua na cidade de
Olinda. Infelizmente aqui em Olinda no tem nada, lamenta.
No paradoxo do binmio tradio-modernidade, o Ponto
de Cultura Coco de Umbigada um dos grupos de cultura
popular que habilidosamente incorporou com maestria
e criatividade no seu cotidiano o dilogo inteligente da
tradio com as novas ferramentas da tecnologia. A Revista
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
Vida Simples (2009) traz uma matria sobre Beth de Oxum
intitulada Guardi Ciberntica, reportando-se a como Beth
usou os mecanismos da modernidade para favorecer a
tradio.
Integrando o Programa Digital do Ministrio das
Comunicaes atravs da Rede Mocambos, rede que articula
comunidades quilombolas urbanas e rurais em todo Brasil,
o Coco de Umbigada ampliou a capacidade de atendimento
do Tele Centro Umbigada que funciona diariamente,
disponibilizando gratuitamente dez computadores para a
comunidade do Guadalupe e entorno, promovendo o acesso
incluso/alfabetizao digital para pesquisas, trabalhos
escolares e atividades afins, utilizando uma metodologia
prpria que foca o uso inteligente dessas ferramentas, visando
informao e a comunicao, estimulando a produo
de contedos. Em entrevista a Revista Ministrio das
Comunicaes (2008), Beth de Oxum afirma que a internet
mudou o paradigma da nossa comunidade.
Foi essa parceria com as novas tecnologias, a insero e
conexo nas redes virtuais que repercutiu o grito de socorro
e o clamor por justia perante a violncia policial sofrida pelo
grupo como veremos a seguir.
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
Em nossa pesquisa, verificamos que o Ponto de Cultura Coco
de Umbigada solicita atravs de ofcios apoio para a realizao da
Sambada de Coco do Guadalupe, conforme detalhamos no captulo
anterior. Porm, no dia 02 de abril de 2011, quando chegamos a
Olinda s 9h e samos ao trmino da Sambada de Coco, por volta de
3h da madrugada, constatamos que nem sempre as solicitaes so
atendidas pelos rgos competentes.
Neste dia, os banheiros qumicos no foram enviados, nem a
Polcia Militar apareceu. Esse fato gera transtornos, aborrecimentos
e desentendimentos com a vizinhana. Para ilustrar a situao,
trazemos um exemplo concreto. Se a Secretaria de Patrimnio e
Cultura/Prefeitura de Olinda no envia os banheiros qumicos, em
determinado momento os frequentadores da Sambada vo ter que
fazer suas necessidades fisiolgicas em algum lugar, mesmo que esse
Problemas Enfrentados: Descaso do Poder Pblico,Intolerncia Religiosa e Perseguio Policial.
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lugar seja o porto de algum morador da localidade. bvio que da
surgir no mnimo um descontentamento.
A presena da polcia militar transmite a sensao de segurana e
inibe um pouco os pequenos delitos. Alguns Mestres, vrios brincantes
e comerciantes informais queixam-se da falta de segurana na volta
para casa ou a caminho da parada de nibus ou txi. No so poucos
os relatos de assalto. Mas importante ressaltarmos aqui que isso
no uma situao exclusiva da comunidade do Guadalupe, Olinda
ou Pernambuco. uma situao presente em todas as periferias
brasileiras. Em muitas delas a polcia mais temida que os bandidos.
Infelizmente ainda existe tratamento diferenciado da polcia para
com a populao, principalmente quando essa parte da populao
tem a cor da pele mais escura, quando o poder aquisitivo dessa
populao menor e quando o conhecimento dos direitos humanos
praticamente inexistente.
No ano de 2009, a Sambada de Coco do Guadalupe sofreu
com a perseguio e a violncia policial. O ocorrido repercutiu
nas redes virtuais de norte a sul do pas. De forma geral, todos
ns temos conhecimento seja atravs de livros e documentos
histricos, de filmes e produes audiovisuais, em explanaes
ou palestras na escola ou na universidade ou mesmo ouvindo
relatos de memria e depoimentos de antigos brincantes que,
durante uma determinada poca em nosso pas, para os terreiros
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
de Candombl ou de Jurema Sagrada pudessem bater ou para
que as agremiaes carnavalescas e brinquedos populares
sassem s ruas, por exemplo, era necessrio pedir autorizao
delegacia, deixando bem claro o dia e horrio e muitas vezes
o nome completo e documento de identificao das pessoas que
iriam estar naquele local ou participando daquela atividade. Caso
contrrio, a penalidade era a chegada truculenta da fora armada
da polcia, sem d nem piedade disposta a espancar, apreender
e quebrar os instrumentos musicais e objetos de culto, prender,
humilhar, desmoralizar. Pois a prtica do candombl e das diversas
manifestaes e expresses das culturas populares e tradicionais
eram consideradas contraveno, proibidas no mbito da lei.
Mas existe uma enorme diferena entre ouvir falar
e vivenciar tal situao. Podemos pelo menos imaginar a
enormidade do desespero sentido pelos nossos antepassados,
nossos avs, bisavs, tataravs, no momento em que estavam
louvando os orixs ou estavam com suas agremiaes ou seus
brinquedos na rua e a polcia chegava destruindo os objetos
do folguedo. Eles no tinham a quem recorrer, a quem pedir
socorro, a quem denunciar, a quem pedir justia. As opes
eram correr para escapar, ou resistir e apanhar, ser preso,
constrangido e algumas vezes se deparar com a morte e,
apesar disso, conservar a f e a esperana de que um dia, no
futuro, as coisas pudessem ser diferentes.
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Dani Bastos
Tivemos, sim, muitas conquistas, inclusive no mbito da
legislao, pois a constituio brasileira garante a liberdade
de credo e diz ainda que o Estado proteger as manifestaes
oriundas das culturas populares e tradicionais, assim como
qualquer dano ou ameaa a esse patrimnio sero punidos. A
lei existe, mas nem sempre cumprida, e em pleno sculo XXI
ainda nos deparamos com a intolerncia, com o preconceito,
com a perseguio e com a violncia, como veremos na descrio
a seguir, elaborada a partir do que foi coletado por nossa equipe
em entrevistas realizadas com os participantes do Ponto de
Cultura Coco de Umbigada, brincantes e freqentadores da
Sambada e moradores da comunidade do Guadalupe durante a
etapa da pesquisa de campo deste projeto.
Dia 07 de fevereiro do ano de 2009. Dia de Sambada de
Coco na comunidade do Guadalupe, o Coco de Umbigadinha,
j fazia a passagem de som, para iniciar sua apresentao, que
neste dia tinha um sabor especial, sabor de bolo confeitado,
feito especialmente para comemorar a aprovao do projeto
Uma brincadeira chamada Coco de Umbigadinha no Edital
Pontinhos de Cultura/Ludicidade (12) , do Ministrio da Cultura.
(12) Ao constituda atravs de edital do prmio Pontinho de Cultura institudo pelo Ministrio da Cultura atravs da Secretaria da Cidadania Cultural e da Secretaria de Articulao Institucional do Programa Mais Cultura. Os Pontinhos de Cultura visam mobilizar, sensibilizar e desenvolver conjuntamente com instituies pblicas e entidades sem fins lucrativos a elaborao de atividades para a implementao e difuso dos direitos da criana e do adolescente, principalmente no que tange o direito de brincar enquanto patrimnio cultural
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
A aura de comemorao e alegria que circundava os primeiros
momentos da Sambada de Coco foi substituda por um sentimento
de constrangimento e medo. O motivo foi a chegada de vrias viaturas
das Polcias Civil e Militar do Estado de Pernambuco das quais
desembarcaram cerca de 40 policiais usando coletes a prova de bala e
pesados armamentos. Indagaram pela responsvel pelo evento, Beth
de Oxum, que se apresentou. Os policiais falaram que receberam
uma denncia e esto com ordem de cancelar a brincadeira, baseados
na Lei do Sono ou Silncio. Beth de Oxum argumentou que tinha
autorizao dos rgos municipais competentes para realizar a
celebrao mensal e mostrou ao policial os ofcios enviados pelo
Ponto de Cultura com a autorizao conseguida e tambm os ofcios
recebidos com as respectivas respostas, todas positivas. Apontou para
o banner do evento, para as logomarcas dos apoiadores Prefeitura
de Olinda, Fundarpe (13) Governo do Estado de Pernambuco e
Ministrio da Cultura. Mas nada disso foi suficiente. Em entrevista,
Beth de Oxum declarou:
O Capito Daniel Pereira disse que era mentira que tnhamos esse apoio, que forjamos um banner, pois o Ministrio da Cultura no apoiaria projeto de um povo com estes cabelos. [...] Tudo a mando do Major Marcos Pereira e do seu irmo Capito Daniel Pereira, moradores da nossa comunidade do Guadalupe. A me evanglica e eles no aceitam, no toleram e no respeitam o nosso trabalho e a religiosidade de matriz afro (Gutierrez, 2009, p. 62).
(13) Fundao do Patrimnio Histrico e Artstico de Pernambuco www.fundarpe.pe.gov.br
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Os equipamentos de som comearam a ser recolhidos e
colocados nas caminhonetes da Policia. Algum na plateia instigou:
Vamos fazer como faziam nossos avs, na voz e na palma da mo.
E as crianas do Coco de Umbigadinha, fazem ecoar a centenria
zabumba, acompanhada pelos pandeiros e ganzs. A polcia arrancou
os instrumentos das mos das crianas. A comunidade vaiou os
policiais. Vo prender ladro! gritaram indignados os moradores.
O comandante da operao insistiu para que Beth de
Oxum o acompanhasse at a delegacia, para, segundo ele,
dar explicaes da infrao que estaria cometendo contra
a Lei do Sono. Ela recusou-se. Falou que fazer Coco no era
mais crime. Beth de Oxum telefonou para Mrcia Souto, na
poca Secretria de Cultura de Olinda e relatou o que estava
acontecendo e pediu explicaes, pois no dia anterior, sexta
feira dia 06 de fevereiro tudo foi combinado em uma reunio
na qual estavam presentes os representantes do municpio de
Olinda e da prpria Polcia Militar para acerto de normas para
a realizao da Sambada, Mrcia Souto tranquilizou Beth, disse
que iria enviar o Secretrio de Controle Urbano, o Sr. Joo Luiz
para acompanhar Beth delegacia para reaver a aparelhagem
de som e os instrumentos musicais. Quando o Secretrio Joo
Luiz, Beth de Oxum e Me Lcia de Oy chegam delegacia
de Casa Caiada Olinda defrontaram com o Capito Daniel,
o Major Marcos e o Tenente responsvel pela operao que
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
h poucos momentos atrs queria prender a Beth de Oxum.
O delegado alegou ao Secretrio Joo Luiz que o som da
Sambada excedia o percentual de decibis permitidos por lei. O
Secretrio respondeu que a competncia de medir o percentual
de decibis em festividades de rua era da sua Secretaria e no
da Polcia Militar de Pernambuco. Os instrumentos voltaram
para casa no mesmo dia. O equipamento de som chegou no
dia seguinte, pelas mos de uma delegada que tinha recebido
um telefonema do Prefeito de Olinda, o Sr. Renildo Calheiros
solicitando a devoluo do material do Coco de Umbigada, um
dos Pontos de Cultura mais importantes de Olinda e do Brasil.
No outro dia Beth redige um relato, um desabafo detalhado
sobre toda a situao ocorrida e dispara para as redes virtuais
de comunicao compartilhada.(14) O clamor do Coco de
Umbigada e seu pedido de ajuda ecoam, repercutem os quatro
cantos do pas. O resultado foi uma cobrana nacional do ponto
de vista poltico ao Governo do Estado de Pernambuco e ao
Ministrio da Cultura. Em seguida, o grupo lana a campanha:
Diga no violncia, diga sim Sambada de Coco, que rendeu ao
grupo participao em documentrios, entrevistas, palestras e
eventos afins para relatar o abuso sofrido e relatar a experincia
de enfrentamento da situao.
(14) O e-mail de Beth de Oxum pode ser conferido nos anexos deste livro.
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Alguns exemplos foram: promoveu a reflexo sobre o ocorrido
numa roda dilogo coletivo realizado em Olinda pelo Ponto de
Cultura e Convivncia e Cultura e Paz, de So Paulo; gravou um
programa de rdio efetivado pela Escola Municipal Maria da Glria
Advncula, com os locutores da Rdio Amnsia, os frequentadores da
Sambada, os moradores e os comerciantes da comunidade; participou
no documentrio Um rosto no espelho, do cineasta paraense Renato
Tapajs; compartilhou a dorida experincia no evento Observa e Toca
Malakoff, projeto que mesclava debates e apresentaes artsticas,
promovido pela Fundarpe; entre outros.
A violncia sofrida nesse dia foi marcante, deixou uma cicatriz
que no tem como ser removida do corpo, da alma, da memria,
da vida de todos aqueles participantes do Coco de Umbigada, sejam
brincantes ou frequentadores da Sambada de Coco do Guadalupe.
decepcionante a constatao do ainda longo e rduo caminho
para a erradicao da intolerncia, da perseguio, do descaso e
da discriminao contra as manifestaes oriundas das culturas
populares e tradicionais. Essa uma ferida aberta e inflamada que
lateja em nossa sociedade. Uma doena social que no pode mais ser
ignorada, que tem que ser tratada com eficincia, curada.
Os danos causados por este trgico dia nos aspectos morais e
psicossociais so imensurveis. A pequena Mayra Kar, de apenas
8 anos de idade, terceira filha de Beth de Oxum e Quinho Caets,
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aps o acontecido passou um perodo com medo de brincar o
Coco. Ela perguntava: Me, a polcia veio prender a gente porque
a gente canta coco ou porque temos o cabelo rasta?. Para ns, fica
a seguinte reflexo: Quem se responsabiliza pela reparao de um
trauma dessa natureza?
A violncia atinge de vrias maneiras os grupos de culturas
populares e tradicionais. No Estado de Pernambuco, as apresentaes
artsticas, nas ocasies de grandes ciclos culturais como o carnaval e
os festejos juninos, ou em festivais culturais, difcil vermos artistas
das culturas populares e tradicionais serem a principal atrao da
programao. De forma geral, esses grupos so lotados nos palcos de
apoio, com menor visibilidade, infraestrutura precria, equipamento
de som de qualidade inferior, muitas vezes sem camarim, outras
tantas vezes sem alimentao, sem uma boa divulgao nas mdias,
em um horrio que no favorece o comparecimento do pblico. Existe
tambm um enorme abismo se compararmos os cachs dos grupos e
artistas das culturas populares e tradicionais com os cachs dos artistas
que esto em evidncia atravs das mdias convencionais aliadas de
uma indstria cultural que impe um modelo nico, padronizando a
cultura, a identidade e a diversidade brasileira, encobrindo-as com um
manto de invisibilidade.
As produes culturais das culturas populares e tradicionais
ainda so consideradas, pela maioria dos gestores pblicos e pelos
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agentes do mercado cultural, como uma produo menor ou inferior.
Temos rarssimos negros e ndios no poder. Obviamente, isso se
reflete nas polticas pblicas. muito difcil contemplar algo que se
desconhece. O programa Cultura Viva, do Ministrio da Cultura, na
gesto de Gilberto Gil foi um marco divisor na histria das polticas
pblicas de cultura desse pas. Houve muitas falhas, lacunas, questes
que ficaram em aberto, mas tambm houve avanos indiscutveis
no reconhecimento, valorizao e na democratizao dos recursos
pblicos para a cultura com segmentos da sociedade praticamente
ignorados em gestes anteriores como as crianas, idosos, povos
tradicionais (quilombolas, indgenas, ciganos), expresses das culturas
populares e comunidade LGBT.
Existem aqueles que como Beth de Oxum e Quinho Caets que
no se entregam e que no desistem; persistem, insistem e perseveram
na busca dos seus ideais, fazendo das ferramentas da tecnologia suas
aliadas; das mdias livres sua assessoria de comunicao; inteirando-
se sobre as formas burocrticas de funcionamento do poder pblico;
apropriando-se dos editais e chamadas pblicas; munindo-se com as
armas propostas pelo sistema vigente para poder lutar, se no de igual
pra igual, pois a distncia e as barreiras so enormes; mas para poder
se contrapor com dignidade e propor outros modelos de produo,
mostrando alternativas mais horizontais, justas, colaborativas,
compartilhadas, mltiplas e diversas, fazendo seus prprios palcos,
mostrando que todos tem direito a um lugar sob o sol.
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1. Detalhe da parede do Ponto de Cultura Coco de Umbigada | Foto: Tenily Sales2. Crianas da comunidade do Guadalupe assistindo ao Cine Clube Macaba | Foto: Tenily Sales3. Exibio do Cine Clube Macaba | Foto: Tenily Sales4. Matria com Beth de Oxum na Revista Vidas Simples | ano 2009.5. Matria do Jornal do Commrcio | 04 Setembro de 2009.
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Este captulo (15) dedica-se aos guardies dos saberes e
fazeres das culturas populares e tradicionais oriundos das
matrizes africanas e indgenas, alicerce dos brinquedos e
manifestaes culturais brasileiros: os Mestres de Tradio
Oral, ou Gris, como so denominados mais recentemente
por influncia do Programa Cultura Viva do Ministrio da
Cultura atravs da Ao Gri. Essa uma ao que faz refletir
sobre a dimenso sagrada da vida e da lgica da convivncia
econmica baseada na partilha, dois aspectos to preservados
pelas culturas tradicionais brasileiras (Turino, 2009, p. 95).
Os Mestres Gris tem uma funo imprescindvel dentro
da organizao dos povos de culturas populares e tradicionais
cuja forma de transmisso dos saberes e fazeres feita
atravs da oralidade. Os Gris viram, ouviram e vivenciaram
Captulo 3Mestres Gris do Terreiro da Umbigada
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
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os acontecimentos no decorrer de suas vidas, enquanto eram
crianas, jovens e adultos, e agora que esto velhos, eles
costuram o passado, o presente e o futuro com a linha mgica
da memria.
Em nossa sociedade urbana contempornea os valores
predominantes estimulam o culto excessivo juventude,
como se esta etapa da vida fosse superior e melhor s outras.
Ela apenas uma das fases da existncia humana. Por outro
lado, em culturas populares e tradicionais, o ancio muito
respeitado. Me Stella de Oxssi, Yalorix do Il Ax Op
Afonj, de Salvador, traz em seu artigo No outono da vida
(16) uma reflexo sobre este tema:
Na cultura yorubana, o velho um heri, pois conseguiu vencer a morte, que nos procura e ronda todos os dias. Ele tem sempre a ltima palavra, a qual no deve ser contestada. Tanto que comum em frica, a pessoa que ainda no completou 42 anos se manter calada durante as assembleias comunitrias, a fim de exercitarem a importante arte de ouvir. No candombl, tentamos seguir a tradio que herdamos e ensinamos aos iniciantes essa difcil arte. Mesmo que o iniciante se ache com razo, ele tem o dever de ouvir o mais velho de cabea baixa e pedir a beno, por respeito. Todavia, no lhe negado o direito, de em momento outro, justificar-se.
(15) Este captulo considerar as falas dos Mestres Gris parte integrante e indissocivel da redao da autora, portanto sem diferenciao de margens ou peso e corpo da fonte.(16) http://www.atarde.com.br/mundoafro/?p=4217
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
A Ao Gri por meio de editais pblicos apoiou projetos
socioculturais de Pontos de Cultura em parcerias com escolas,
universidades e entidades do terceiro setor cujo intuito fosse a
valorizao das prticas da oralidade e dos conhecimentos dos
Mestres Gris. Cada projeto aprovado contemplava at seis
pessoas por Ponto de Cultura, e o apoio vinha na forma de uma
bolsa mensal no valor de R$ 450,00 (17) . No Ponto de Cultura
Coco de Umbigada, os Mestres Gris atuavam numa parceria
com a Escola Pblica Municipal Maria da Glria Advncula, cujo
objetivo geral a preservao e transmisso da memria e das
prticas da matriz africana e da brincadeira do Coco. Numa
semana os integrantes do Ponto e os Gris iam Escola e na
semana seguinte a Escola ia ao Ponto.
Nos encontros semanais, realizados nas tardes de sexta feira,
aconteciam atividades variadas, como as oficinas de Coco, onde
eram trabalhados pedagogicamente os contedos da brincadeira do
coco: a msica (canto, percusso, processo de composio), a dana,
a histria de cada Mestre participante, os principais coquistas de
Olinda. De outra vez, eram promovidas rodas de dilogo sobre
determinado tema (cultura de paz, meio ambiente, quilombos
urbanos e rurais, etc) com a participao de professores e alunos da
Escola, da equipe do Ponto, dos Mestres Gris, dos moradores da
comunidade e convidados.
(17) Turino, 2009, p. 98.
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Dani Bastos
Constatamos na fala dos quatro Mestres entrevistados
Me Lcia de Oy, Mestre Zeca do Rolete, Mestra Aurinha
do Coco e Mestre Pombo Roxo que o principal benefcio
trazido pela Ao Gri, alm de promover os encontros
intergeracionais e criar a oportunidade de transmisso dos
conhecimentos, de levar os saberes no acadmicos para o
ambiente escolar e do estmulo financeiro, embora pequeno,
contribua para auxiliar o transporte e a alimentao do
Mestre Gri no dia da atividade na Escola ou no Ponto de
Cultura; conclumos a partir dessa pesquisa foi que a maior
contribuio da Ao Gri se deu pelo reconhecimento, pela
valorizao, pela legitimao, pela outorga dessas pessoas
condio de Mestres, de detentores dos saberes e fazeres de
uma tradio oral, ancestral, secular que durante muito tempo
foi desconsiderada pela sociedade em geral, e no raras vezes
at pela prpria famlia, amigos e vizinhana desses Mestres
como um conhecimento banal, inferior ou at mesmo intil.
Tentamos enfatizar em cada entrevista apresentadas a
seguir as particularidades de cada Mestre, o que caracteriza
cada um deles. Com vocs, os Mestres Gris do Terreiro da
Umbigada.
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1. Grafitagem na parede do Il Ax Oxum Kar | Foto: Alcides Ferraz2. Dani Bastos e Beth de Oxum | Foto: Tenily Sales 3. Sambada | Foto: Alcides Ferraz4. Oxaguiam | Foto: Tenily Sales
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
Ao ficar frente a frente com Me Lcia de Oy, a
sensao que temos a de estar diante de uma esplendorosa
majestade africana. Aos 64 anos, Lcia Maria Crispiniano
da Silva possui uma aura que resplandece o sagrado.
Fundou o Il Ax Oy Togum h 42 anos, localizado no
bairro do Janga, municpio de Paulista, e esta a sua
prioridade, a sua essncia, a sua misso de vida.
Candombl entrega e f, ensina Me Lcia. Uma f
que testada pela manh, tarde e noite: cotidianamente.
A partir da iniciao religiosa voc no mais dono da sua
prpria vida. Seu orix quem rege, quem determina,
quem tem o poder do sim e do no sobre seus caminhos.
A trajetria pelo sagrado exige muita seriedade, muito
respeito, muita venerao. Porque no uma religiosidade
Me Lcia de OyO sagrado o que me permeia.
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Dani Bastos
s dos sins, tem muitos nos e tem muitos porqus,
explana Me Lcia. Isto no para qualquer um. Segundo
a sacerdotisa, tudo na vida tem um preo, e o preo dos
saberes do sagrado alto, altssimo, revela Me Lcia. o
preo da caridade, o preo da doao.
No universo das religies de matriz africana, o
conhecimento um merecimento e a humildade requisito
imprescindvel no percurso da busca por este saber. Me
Lcia nos conta que no seu tempo de aprendiz, o ato de
perguntar no era bem visto aos olhos dos mais velhos.
Eu ficava l no meu cantinho, bem quietinha, vendo ela
limpar... e tirar o que era do sagrado, da obrigao, o que
era para partilhar com aquela congregao e muitas vezes
eu escrevia, mas eu era incapaz de perguntar: Porque a
senhora est fazendo assim? At pelo respeito, n? Ela
era mais velha.... O aprendizado acontecia atravs da
observao, com a convivncia junto s Yalorixs mais
antigas. Mas hoje o processo de ensino-aprendizagem
tem que ser diferente, em sua opinio: Voc no deve
banalizar, popularizar quem herda a matriz... Mas tem
alguns adendos que voc tem que consentir, a juventude
agora outra... Hoje voc no tem como contrapartida a
rebeldia, a vontade de viver, a vontade de conhecer, hoje
voc tem as drogas....
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Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformao Social
Defensora ferrenha e engajada do exerccio do
matriarcado dentro do candombl, prtica ainda tmida
dentro do Estado de Perna