classe em farrapos [lisandro braga]

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Classe em farrapos [Lisandro Braga]

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    ClasseemFarraposAcumulaointegraleexpansodo

    lumpemproletariado

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    LisandroBraga

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    lumpemproletariado

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    Copyrightdoautor

    Todososdireitosgarantidos.Qualquerpartedestaobrapodeserreproduzida,transmitidaouarquivadadesdequelevadosemcontaosdireitosdoautor.

    LisandroBraga

    ClasseemFarrapos.Acumulaointegraleexpansodolumpemproletariado.SoCarlos:Pedro&JooEditores,2013.222p.

    ISBN978857993????

    1.Lumpemproletariado.2.Acumulaodecapital.3.Desemprego.I.Ttulo.

    CDD410

    Capa:MarcosAntonioBessaOliveiraEditores:PedroAmarodeMouraBrito&JooRodrigodeMouraBrito

    ConselhoCientficodaPedro&JooEditores:AugustoPonzio(Bari/Itlia);JooWanderleyGeraldi(Unicamp/Brasil);NairF.Gurgel do Amaral (UNIR/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil);Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Rogrio Drago(UFES/Brasil).

    Pedro&JooEditoreswww.pedroejoaoeditores.com.br

    13568

    878

    So

    Carlos

    SP

    2013

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    SUMRIO(CORRIGIR)

    Prefcio

    Introduo

    Acumulao capitalista e lumpemproletariado

    A dinmica da produo capitalista de mercadorias

    A produo de mais-valor e classes fundamentais

    O processo de lumpemproletarizao

    Formao e desenvolvimento do lumpemproletariado

    A expanso do lumpemproletariado no regime deacumulao integral

    A teoria do regime de acumulao integral

    Expanso e criminalizao do lumpemproletariado nos

    EUA

    Lumpemproletarizao e luta de classes na Argentina

    Lumpemproletarizao na era da acumulao integral

    no Brasil

    Mudanas nas relaes de trabalho e toyotismoNeoimperalialismo e capitalismo subordinado

    Desemprego e intensificao da lumpemproletarizao

    Concluses

    Referncias

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    Aclasseemfarrapos:elementosparaumateoriadolumpemproletariado

    LucasMaia

    A discusso sobre as classes sociais algo recorrente no conjuntodas cincias humanas. De diferentes maneiras, a partir de diversosmtodos de abordagem, discutese esse fenmeno bvio, que emnoraras oportunidades to mal compreendido. Desde as diversasideologiasdaestratificaosocial,atasmaisdiversas leiturasapartirda teoria marxista, bem como das derivadas da deformao do

    marxismo

    (bolchevismo,

    socialdemocracia

    etc.),

    que

    as

    classes

    sociais

    vemsendointerpretadasereinterpretadas.Fazer aqui uma antologia de tais interpretaes algo

    completamente contraproducente. Contudo, para situar, tanto nocampotericometodolgico,quantonocampopolticoapresenteobrade Lisandro Braga, fazse necessria umabreve digresso acerca dasprincipaislinhasdeabordagemdasclassessociais.

    Uma primeira linha de interpretao, ligada ideologia da

    estratificaosocial,apresentaaleituradasclassessociais,dopontodevistametodolgico,comoalgocompletamentearbitrrio.Umavertenteaquedivideasociedadeemclassealta,mdiaebaixa.Estamaneirade compreender a questo apresenta vrios inconvenientes. Emprimeirolugar,homogenezaclassesegruposque,depersi,apresentampouca semelhana. Nesta maneira de conceber a questo, entraria naclasse alta, por exemplo, altos executivos de empresas, grandesburocratas estatais, grandes capitalistas (industriais,banqueiros etc.).

    Nas classes mdias, poderiase colocar: intelectuais (mdicos,advogados etc.),burocratas de grandes partidos polticos, professoresuniversitriosetc.Nasclassesbaixas,porexemplo,poderiasercolocadonum mesmo bloco desempregados, operrios, trabalhadoresdomsticos, camponeses etc. Ou seja, o primeiro inconveniente destainterpretaoacercadasclassessociaisodeseprecisarcomexatidoa

    ProfessordoInstitutoFederaldeGois,campusAnpolis.AutordasobrasComunismode conselhos e autogesto social. Par de Minas, MG: Virtual Books, 2010 eAs classessociaisemOcapital.PardeMinas,MG:VirtualBooks,2011.

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    colocao de um ou outro grupo ou classe social na mesmaclassificao.

    Destaprimeiradificuldade,surgeoutra:comodefiniroslimitesqueseparamumaclassedaoutra?Qualolimiteouquaisoscritriosparase

    definir o que classebaixa, mdia e alta? Cada pesquisador, nesteparticular,podeinventaroseu:status,mododevida,rendaetc.Podeseainda acrescentar mais um elemento a este conjunto de dificuldadesmetodolgicas:comoserelacionaouqualanaturezadorelacionamentoentreestesestratossociais?Comopossvelcompreenderarelaodaclassealta,comamdiaecomabaixa?Seestaconcepohomogenezaoque heterogneo, seno conseguedefinir comprecisoos limites

    que

    separam

    um

    estrato

    do

    outro,

    muito

    menos

    ter

    condies

    de

    estabelecerapliade complexade relaesqueas classes estabelecementresi.

    Destemodo,estamaneiradecompreenderadivisoda sociedadeem classes bastante limitada.Estes trs estratos no so capazesdeabarcar o conjuntode classes, fraes de classes egrupos sociais quecompemateiaderelaessociaisqueconstituiassociedadesdeclasse.

    Uma outra tcnica ou metodologia, fundada na ideologia da

    estratificaosocial,quetenta,apartirdaanlisedarenda,definirasclassessociais.Geralmente,quandoseutilizadestaconcepo,divideseasociedadeemclassesA,B,C,D,Eeassimpordiante.Dependendodocritrio, dos objetivos do pesquisador, podese identificar quantasclasses for necessrio. Esta forma de analisar a questo padece dasmesmasdificuldadesda anterior: coloca em umamesma classe socialgrupos,classesefraesdeclassedistintos,adelimitaodeumaclasseparaoutraalgocompletamentearbitrrio,poisreduzseasituaode

    classeaorendimento.Assim,porexemplo,nummesmoestrato(A,B,Cetc.) podese ter indivduos com mesmo rendimento, mas comatividades, modo de vida etc. completamente distintos. Da mesmaformaqueaposturaanterior,tambmestanoconseguecompreenderanaturezadorelacionamentoentreasclasses,poisaoestratificar,apartirde critrios arbitrrios, as classes sociais, no se consegue incluir naanlisearelaoentreumestratoeoutro.ComooestratoAserelacionacom o C, o B com o D etc.? Impossvel definir isto a partir desteprocedimento.

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    Duas constataes so graves com relao ideologia daestratificaosocial:a)asclassesnosoalgoreal,massimresultadodecriao arbitrria, variando as classes de acordo com os critrios,objetivos de cada pesquisador;b) no h histria, nem historicidade

    nestas interpretaes, ou seja, as classes so naturalizadas. Resta aopesquisador, de forma neutra, somente identificlas. Vse, destemodo,anaturezaconservadoradestaabordagem.

    Esta abordagem, embora faa parte da vulgata sobre as classessociais, povoando o imaginrio da populao, no , em hiptesealguma, a nica maneira de conceber a questo. Uma outra, tambmmuitodisseminada,afeitaapartirdainterpretao leninistadaobra

    de

    Marx.

    Lnin,

    um

    dos

    principais

    idelogos

    da

    burocracia

    do

    Partido

    Comunista Russo, bem como um dos principais responsveis peladeformao do pensamento original de Marx, tem tambm suaideologiadasclassessociais.Ointeresseemresgataresteidelogodevese sua importncia na difuso de uma caricatura da obra deMarx.Lnin,aotentaranalisarasclassessociais,afirmaaprofundarastesesdeMarx. Contudo, analisandose os dois pensadores percebese grandesdiferenas:emprimeirolugar,ainterpretaodeLninfundadanum

    economicismo que no se verifica em Marx. Lnin define as classessociais a partir de sua posio frente s relaes de produo e aosmeios de produo. Portanto, de acordo com Lnin, as classes sedefinemsomenteapartirdomododeproduo,ficandooconjuntodapopulao,quenoestdiretamentevinculadoaoprocessoprodutivoforadasclassessociais.Nestamaneirapobredecompreenderasclasses,defineseaburguesia,oproletariado,o campesinato etc.Mas difcilencontrarumlugarnestadefiniopara,porexemplo,ostrabalhadores

    domsticos, intelectuais,burocratasetc.Por istocomumna literaturaleninista as expresses: camadas sociais, pequenaburguesia, classesmdiasetc.

    O uso da expresso camada social algo recorrente na literaturaleninista, geralmente utilizada para qualificar os intelectuais e osburocratas,quesegundoLnineosleninistasnosoclasses,massim,camadas sociais. Com este artifcio ideolgico, conseguese de umatacada s eliminar a posio privilegiada e de dominao que estasclassesexercemsobreasclassesexploradaseoprimidasdasociedade.Agrande questo, do ponto de vista leninista, justamente isentar a

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    burocraciaeaintelectualidadedesuaposiodeclasse,transformandoa em camada social. Mudase a palavra, mas o contedo que ambasexpressam omesmo,ou seja,dequeaburocracia uma classequeexerceatividadedecontroleedomniodentrodasinstituiestpicasda

    sociedade burguesa. Ao fazer isto, Lnin e os demais leninistasbuscavamcamuflarofatodeoPartidoComunistaRussotersetornadoumainstituiodominantedentrodaRssiaeposteriormentenaUnioSovitica.

    Vrias outras interpretaes, oriundas de concepes claramenteburguesas, sobre as classes sociais poderiam aqui ser elencadas:RaimondAron,GeorgesGurvich,AntonyGiddensetc.,mastornariam

    este

    texto

    por

    demais

    extenso.

    S

    retomamos

    as

    duas

    leituras

    anteriores,

    dada sua importncianadivulgao de concepes errneas sobre asclasses, bem como sua influncia sobre as demais interpretaes.Ademais,aexistnciadetodasestasideologiassdemonstraumacoisa,o debate em torno das classes sociais algo premente e necessitasistematizao. Uma grande contribuio a este propsito foi dadarecentementepelaexcelenteobradeNildoViana,publicadaem2012:ATeoria das Classes Sociais em Karl Marx. Diferentemente das

    interpretaes anteriores, Viana faz uma reconstituio fidedigna ecomplexaacercadaleituradeMarxdasclassessociais.Marxnopartia,em suaanlisedas classes, como fazemos idelogosdaestratificaosocial,ouseja,decritriosarbitrriosparadefinireidentificarasclassessociais. Nem muito menos reduzia sua leitura a um economicismoempobrecedor, tal como Lnin. E, de forma alguma, reduziu asociedade capitalista a duas classes, tal como interpretaram Marx ossocilogoseeconomistasdematrizideolgicaburguesa.

    Sua interpretaobuscavaexpressar,nocampodopensamento,asclasses existentes concretamente. Este procedimento metodolgicopermite, analisandose a diviso social do trabalho, identificar umaquantidaderazoveldeclasses,portanto,completamenteantagnicasinterpretaesburguesas de Marx (Aron, Gurvich etc.) que viam naobradeMarxsomenteduasclasses.Qualquer leiturasriadaobradeMarxresultaremconclusooposta.Tambm,qualquerleiturarigorosaperceberoequvocodeLnineos leninistasemgeralemrestringiradefinio de classes em Marx ao processo produtivo e propriedadedosmeiosdeproduo.

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    AleituradeMarx,comodemonstraViana,bemmaiscomplexaepartedadivisosocialdotrabalho,daoposiodeinteresses,dalutadeclasses,domododevida,mododeatividade,valores,concepesetc.Assim,umaclassesocialnosedefineporsuaposiodiantedosmeios

    de produo. Este procedimento define somente as classesfundamentaisdocapitalismo,ouseja,burguesiaeproletariado.Aestasclassesfundamentaisrelacionaseumconjuntodeoutras,denominadasporVianadeclassessubsidirias,ouseja,queseapropriamdeumaououtra maneira do maisvalor produzido a partir da relao entre asclasses fundamentais. Entre as classes subsidirias, podese citar:burocracia, intelectualidade, lumpemproletariado, trabalhadores

    domsticos

    etc.

    Cadaumadestasclassescomportatambmumconjuntodefraesde classes. A burguesia, por exemplo, fracionase em burguesiacomercial, financeira, industrial,agrria.Oproletariadoem industrial,agrrio, de minas, da construo civil. Aburocracia em partidria,eclesial, empresarial, sindical etc. A intelectualidade em artistas,cientistas etc. Cada uma destas classes e fraes definese por umdeterminadomododeatividade,porsuaposionadiviso socialdo

    trabalho, por determinado modo de vida e rendimentos, pordeterminadosvaloreseinteresses.Oque,pordefinio,colocaumaemrelao com as outras e, por consequncia, as coloca em situao deconflitooudealiana.

    Vse,destemodo,queaconcepodeMarxbemmaiscomplexadoque seapresentaprimeiravista.apartirdestaabordagemqueLisandro Braga trs sua contribuio ao discutir como olumpemproletariado se constitui e evolui ao longo da histria do

    capitalismo.Ottulodaobrabastanteexpressivodeseucontedo.AClasse emFarraposumaalusoaosignificadoetimolgicodapalavralumpemproletariado,ouseja,proletariadoemfarrapos.

    ApesquisahistricaetericadesenvolvidaporBragaumagrandecontribuio teoriamarxistadasclassessociais. Suaanlisedaobrade Marx no que concerne ao lumpemproletariado uma marcaimportante do presente livro. Demonstra como este proletariadoesfarrapado pertence ao capitalismo tanto quanto a burguesia e oproletariado. Contudo, o grande elemento definidor dolumpemproletariado,diferentementedasdemaisclassessubsidirias,

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    ofatodeestarforadadivisosocialdotrabalho.Assim,comodestacaoautor, no existe excluso social, o que implicaria em dizer que olumpemproletariadoestforadasociedade,algoimpossvel.Estaclasseest,naverdade, excludadadiviso socialdo trabalho.OqueBraga

    demonstra,apartirdasobrasdeMarxeEngelsqueaconstituiodarelaocapital, ou seja, da burguesia e do proletariado implica,ontologicamente,nacriaodolumpemproletariado.

    O livroestdividido em trs captulos.NoCaptulo1:AcumulaoCapitalista e Lumpemproletariado, o autor demonstra a relaoinextrincvel entre modo de produo capitalista e formao dolumpemproletariado.ApartirdaanlisedeMarxacercadaLeiGeral

    da

    Acumulao

    Capitalista,

    Braga

    demonstra

    como

    a

    produo

    da

    riqueza enquanto capital implica necessariamente no crescimento dolumpemproletariado. Segundo Marx, o aumento da composioorgnicadocapitalimplicanecessariamentenumcrescimentoabsolutodapopulao trabalhadora,bemcomoemseudecrscimo relativoemrelaoaoconjuntodocapitalinvestido.Assim,odesenvolvimentodocapital reside num crescente aumento do investimento em capitalconstanteemoposio ao capitalvarivel.Ambos crescem em fatores

    absolutos, mas o capital constante cresce relativamente mais que ocapitalvarivel.EstarelaonaturaldocapitalcriaaquiloqueMarxdenominou exrcito industrialde reservaou superpopulao relativa.Em O Capital, Marx referese aos estratos mais inferiores destasuperpopulao relativa como sendo o lumpemproletariado(prostitutas, incapacitados para o trabalho, desempregados crnicosetc.). Braga prope uma ressignificao do termolumpemproletariado,passandoacomporestaclassetodooconjuntodo

    exrcito industrial de reserva. Aps demonstrar a essncia doLumpemproletariado,discute seuprocessode formaohistrica, seumododevida,condiesdeexistnciaetc.desdeaorigemdomododeproduo capitalista at finais do sculo XIX, perodo analisado porMarx.

    A segunda grande contribuio de Braga para uma teoria dolumpemproletariado est presente no Captulo 2: Expanso doLumpemproletariado no Regime de Acumulao Integral. Sua pesquisa,portanto,noserestringeaafirmaroqueMarxdisse,oquedemonstraocarternodogmticodoautoredesuaobra.Marxdesenvolveuos

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    elementosessenciaisdaanlisedomododeproduocapitalistaedasclasses sociais, mas no fez tudo e nem poderia fazlo. Tambm, ocapitalismo contemporneo no mais o do sculo XIX. combasenesta premissa, que Braga se apropria da teoria dos regimes de

    acumulao tal comodesenvolvidaporNildoViananasobrasEstado,Democracia eCidadania eOCapitalismonaEra daAcumulao Integral ediscute o desenvolvimento do lumpemproletariado a partir dodesenvolvimentomesmodomododeproduocapitalista.Asociedademoderna passou por cinco regimes de acumulao: extensivo (darevoluo industrial at finais do sculo XIX); intensivo (de finais dosculo XIX at a Segunda Guerra Mundial); conjugado (da Segunda

    Guerra

    Mundial

    at

    a

    dcada

    de

    1980);

    e

    integral

    (da

    dcada

    de

    1980

    at

    osdiasatuais).Bragaanalisadoisregimesdeacumulaoedemonstracomo o lumpemproletariado se comporta, como classe em cada umdeles.Analisaoregimedeacumulaoextensivo,odiscutidoporMarx,debate realizadonoprimeirocaptulo.Nosegundocaptulo,discuteolumpemproletariado na contemporaneidade, ou seja, no regime deacumulaointegral.Aconclusoaquechegaoautorqueatendncia lumpemproletarizaocadavezmais radicalda sociedade seafirma

    na etapa atual do capitalismo. E isto ocorre tanto nos pasesimperialistas (Estado Unidos, Europa Central etc.) quanto nos decapitalismo subordinado (Amrica Latina, frica etc.). Para os pasesimperialistas, cunhao termolumpemproletarizaoexpansiva,paraospasessubordinadoslumpemproletarizaointensificada.

    A grande contribuio desta parte da obra demonstrar: a) olumpemproletariado, ou seja, misria, desemprego etc. so umarealidade no mundo inteiro, inclusive no centro do capitalismo

    mundial,osEUA;b)olumpemproletariadononecessariamenteumaclassereacionria,contrariandocomestatesevriasabordagens,comoa de Alberto Passos Guimares em seu livro As Classes Perigosas.Continuando a reflexo que j havia feito no captulo 1, quandodemonstrouqueolumpemproletariadofoiativoemvriosprocessosdelutaduranteo regimede acumulao extensivo,duranteo regimedeacumulao integral,suas lutas levaramauma radicalizaobeirandoasraiasdoprocessorevolucionrionaArgentina.Analisa,nesteponto,aaopolticadoMovimentoPiqueteironaArgentinaedemonstraqueo lumpemproletariado no essencialmente contrarevolucionrio. A

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    experincianaArgentina,duranteadcadade1990eosprimeirosanosdadcadade2000odemonstram.

    Finaliza o livro com o Captulo 3: Lumpemproletarizao na Era daAcumulao Integral no Brasil. Demonstra, como rigor analtico, o

    processodeestabelecimentodaacumulao integralnoBrasil,ouseja,dareestruturaoprodutivafundadanotoyotismo,noestabelecimentodoEstadoneoliberal iniciadocomogovernoCollorem1990,processocontinuadoatosdiasatuaisenarelaosubordinadadoBrasilcomospases imperialistas,ondeosajustesestruturaispropostospeloFundoMonetrio Internacional FMI, Banco Mundial etc. arrebentaram aspoucas polticas sociais e garantias trabalhistas que existiam no pas.

    Este

    conjunto

    de

    processos

    agravou

    uma

    situao

    que

    j

    era

    por

    demais

    crnica.Talcomonocasoargentino,alumpemproletarizaonoBrasilfoidrsticaoucomodefineeautor, intensificadaduranteosanosde1990e2000. Isto,contudo,no implicounacriaodeummovimentosocialradicalcomonaArgentina.

    Assim, a presente obra, que agora o leitor tem em mos, umapreciosacontribuioteoriamarxistadasclassessociais.Seuenfoqueest centrado em uma classe social especfica, o lumpemproletariado,

    sendooutrasclassesmarginalmenteanalisadasnolivro.Estaobratem,portanto,vriosmritos: a) interpretardemaneira correta a teoriadeMarxdas classes sociaisemgeraleespecificamente sua concepodelumpemproletariado;b) refundir e ressignificar alguns elementos dateoria de Marx acerca do lumpemproletariado; c) analisar odesenvolvimentodolumpemproletariadoapartirdateoriadosregimesdeacumulao;d)analisarodesenvolvimentodolumpemproletariadono capitalismo contemporneo, ou seja, no regime de acumulao

    integral; e) analisar o significado da luta poltica desenvolvida pelolumpemproletariado, demonstrando que esta classe, devido suascondies de vida e existncia, pode se aliar ao proletariado eprotagonizarprocessosradicaisdeluta.,portanto,obraindispensvelpara quem quer compreender a dinmica das classes sociais nocapitalismo contemporneo, alm de ser, do ponto de vistametodolgico, um importante indicativo do estudo dolumpemproletariado.

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    INTRODUO

    Osestudosqueversamsobreomododeproduocapitalistaesuasclassessociaistendem,geralmente,apriorizaremsuasanlisesapenasas classes fundamentais do capitalismo, isto , a burguesia e oproletariado, a luta de classes derivada da relao estabelecida entreessas classes na produo, suas organizaes, modos de vida etc.. Apartirdadcadade1940comearamasurgirestudos interessadosemcompreenderoutrasclassessociaisnocapitalismo,talcomoosestudos

    sobre

    a

    burocracia

    (RIZZI,

    1983;

    DJILLAS,

    1971)

    ou,

    como

    prefere

    alguns tericos, os gestores (BERNARDO, 2009). No entanto, outrasclasses sociais permaneceram marginalizadas no s na realidadematerial concreta, mas tambm nas anlises tericas. Possivelmente aclasse social que mais nitidamente se encontra nessa situao seja olumpemproletariado.

    O foco central desse trabalho consiste em analisar o processo delumpemproletarizaonoBrasilnoperododevignciado regimede

    acumulao integral (de1990aosdiasatuais).Nossamotivaonasceda necessidade intelectual de compreender as determinaes queenvolvem o crescimento espantoso no Brasil de indivduosdesempregados e empobrecidos, vivendo em situao de rua (semtetos), subempregados, prostitutas, mendigos etc. Trataremos esseconjunto de grupos sociais que compe a totalidade do exrcitoindustrialdereservacomoumaclassesocial:olumpemproletariado.

    O lumpemproletariado insurge das runas do modo de produo

    feudal e das prprias necessidades do modo de produo capitalistanascente, pois com o processo de ruptura com a tradio feudal dapropriedade comumda terra eo surgimentodepropriedades privadas,fruto dos cercamentos, destinadas a funcionarem segundo a lgicamercantil incipiente, milhares de camponeses foram expulsos de suasterraseobrigadosamigraremparaosrecentescentrosurbanosindustriais.Porm,taiscentrosurbanosnoseencontravamhabilitadosa incorporarna novadiviso social do trabalho toda essa gigantesca massa popular.Pelo contrrio, parcela significativa dessa massa se encontrar

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    marginalizada da diviso social do trabalho e formar olumpemproletariado.

    Posteriormente,oprpriodesenvolvimentodaproduo capitalistademercadoriasetodaasuadinmicaalimentaroodesenvolvimentode

    um lumpemproletariado que tende a crescer assustadoramente nasociedadecapitalista.Nofundo,essaclassesocial,apsaconsolidaodocapitalismo, deriva da luta de classes estabelecida entreburguesia eproletariado na produo e formar aquilo que Marx denominou deexrcito industrial de reserva e cumprir duas funes essenciais nocapitalismoqueconsisteempressionarossalriosparabaixoemanteraclasse trabalhadora dividida e enfraquecida na disputa por espao no

    mercado

    de

    trabalho.

    A

    totalidade

    desse

    exrcito

    industrial

    compe

    a

    classesocialaquidenominadadelumpemproletariadoeamesmapassaaser parte integrante da lgica reprodutora do modo de produocapitalista, tendendo a crescer assustadoramente em perodos de criseeconmica.

    A importnciade se compreendero lumpemproletariado luzdeuma teoriamarxistadasclassessociaissejustificapelanecessidadedeapreendlo enquanto uma classe social formada pela totalidade do

    exrcito industrial de reserva, isto , toda gama de desempregados,subempregados, mendigos, semtetos etc. que se encontrammarginalizados da diviso social do trabalho e que na atualconfiguraodocapitalismo tendeaseencontrarcadavezmais,eemmaior nmero, nessa situao. O capitalismo ao longo de seudesenvolvimento conviveu com a lumpemproletarizao e deladependeu, porm a condio de lumpemproleatariado em diversosmomentoshistricoseraacompanhadapelapossibilidadederetorno

    condio de classe operria e/ou trabalhadora em geral. Nacontemporaneidade,apossibilidadedessamassaenormedeindivduosseproletarizarem novamente cadavezmaisdifcil, apesarde aindaocorrer, pois aquilo que anteriormente representava uma fase detransio lumpemproletariadoproletariado tem se tornado,duranteavignciado regimedeacumulao integral,nummododevidademilharesde indivduosem todoomundo (MARTINS,1997).Conseqentemente, o enfrentamento condio delumpemproletariado,assimcomoacondiodeproletariado,depende

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    intimamentedadestruiodasociedadequelhespossibilitaaexistnciaedelasdependeparaexistir,isto,ocapitalismo.

    Almdisso,tornasedefundamentalimportnciadiscutiroquehpor de trs dos constructos ideolgicos incluso/excluso social que,

    desde aproximadamente a dcada de 80 e 90 na Europa,especificamente na Frana, se tornaram dominantes nos discursosacadmicocientficos e governamentais, pois tentar compreender atotalidade das relaes sociais no capitalismo a partir de uma visodualista abstrata que mais obscurece tais relaes do que a esclarece,acaba por revelar a tentativa das classes dominantes de ocultar umprocesso que acompanha o desenvolvimento histrico do modo de

    produo

    capitalista:

    a

    lumpemproletarizao

    expansiva

    (capitalismo

    imperialista)eintensificada(capitalismosubordinado).Ao falar de excluso social deve se questionar de onde se est

    excludo, pois ningum est excludo socialmente uma vez que noexistem indivduos excludos da pertena de classe social. Todoindivduopertenceaumaououtraclassesocial.Oqueacontecequeolumpemproletariado,umaclassesocialinerenteaocapitalismotalcomoaburguesiaeoproletariado,encontrasemarginalizadodadiviso social

    do trabalho enoda sociedade comoum todo,pois isso impossvel.Almdisso,aideologiadainclusosocialnoexplicaemquecondieseparaondesepretendeincluirostaisindivduosexcludos,ouseja,nodemonstra que se houvesse a possibilidade da incluso, algobastantecontestvel e duvidvel, essa se daria no reino do trabalho alienado,precarizadoeintensificadoquenegaamultiplicidadedapotencialidadefsicaeespiritualdoserhumanoe,consequentemente,apositividadedainclusoestariaameaada.

    Em escala mundial possvel perceber que o processo delumpemproletarizaopassaporumafasedeexpansonaEuropa,EUAe sia, a partir da dcada de 1980, com a consolidao do regime deacumulaointegral.NossoproblemadepesquisaincideemsabersenoBrasil, pas de capitalismo subordinado, que convive, desde o final dosculo XIX, com um alto ndice de indivduos lumpemproletarizadoshouve uma intensificao desse processo? Se houve, quais so suasespecificidades, ou seja, qual a relao entre o regime de acumulaointegralnoBrasileaintensificaodalumpemproletarizaonessepas?

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    Responderaesseproblemacentraleaoutrosdelederivados,possuiimportnciaacadmicaesocialfundamental,poispodecontribuircoma reconstruodeuma teoriadas classes sociaisnoBrasilqueofereaferramentas mais eficazes para a compreenso da dinmica social

    brasileira e possibilite, tambm, um combate ideologia dominanteque, a partir dos seus constructos ideolgicos (marginalidade social,incluso e excluso social, aes afirmativas, igualdade deoportunidadesetc.),camuflamarealidadesociale,conseqentemente,reproduz o status quo, dificultando a construo de uma concretaalternativa social, fundada na autogesto da sociedade, que sirva aoenfrentamento incisivocontraamanutenoe reproduodabarbrie

    capitalista.

    Como intuitode compreenderaAcumulao integral e expansodolumpemproletariado, nosso trabalho ser dividido em trs captulos. Oprimeiro captulo intituladoAcumulao capitalista e lumpemproletariadotrar uma discusso terica acerca da acumulao capitalista, suasclasses fundamentais, a relao entre a acumulao e olumpemproletariado e a formao e desenvolvimento dessa classesocial no regime de acumulao extensivo. Nesse captulobuscamos

    compreenderolumpemproletariadocomoumaclassesocialinerenteaomododeproduo capitalista eque tende, assim comono regimedeacumulao extensivo, a se ampliar e se intensificar no regime deacumulaointegral.

    Para dialogar com a hiptese de que no regime de acumulaointegral a lumpemproletarizao sofre um processo de expanso,discutiremos no segundo captuloA expanso do lumpemproletariado noregimedeacumulaointegralcomointuitodedemonstrarquemesmoem

    pases de capitalismo imperialista, como o norteamericano, possvelvisualizar um amplo processo de lumpemproletarizao e decriminalizao do lumpemproletariado. Nesse captulo, discutiremos,tambm, o processo de lumpemproletarizao e luta de classes naArgentina.Paraisso,discutiremosasituaoargentinaque,nosltimosanos da dcada de 1990 at os dias atuais, vem experimentando umintensoprocessode lumpemproletarizaoderivadodas conseqnciasdo regime de acumulao integral e da adoo irrestrita cartilhaneoliberal.Opropsitodediscutirasituaoargentina sejustificapelofato de que a intensificao da lumpemproletarizao nesse pas

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    provocou uma radicalizao da luta de classes, demonstrando que, noregime de acumulao integral, a postura poltica dolumpemproletariado pode ser marcada por um carter fortementecontestador que ameaa a permanncia da ordem capitalista. Dessa

    forma,a tesesegundoaqualaposturapolticado lumpemproletariadonacontemporaneidadeapresentasecomoumapossibilidaderealdeumaalianarevolucionriacomoproletariadoseconfirmaeomitosegundooqualaposturapolticadolumpemproletariadosemprepassveldesercooptadaeutilizadaaserviodetramiasreacionriasdesmentida.

    No terceiro e ltimo captulo, discutiremos o processo delumpemproletarizao no Brasil. Nosso objetivo demonstrar a

    singularidade

    desse

    processo

    em

    um

    pas

    de

    capitalismo

    subordinado.

    Paraisso,discutiremosasprincipaismudanasocorridasnasrelaesdetrabalho e o toyotismo no Brasil, a relao entre neoimperialismo,capitalismo e neoliberalismo subordinado. Por fim, realizaremos umadiscusso sobre desemprego e intensificao da lumpemproletarizaocomo intuitodeevidenciarquenocapitalismosubordinadooprocessodelumpemproletarizaotendeaserintensificado.Parademonstraressaintensificao, iremos analisar as condies de existncia de uma das

    fraes de classe do lumpemproletariado mais degradadas nocapitalismo:os semtetosoupopulaoem situaode rua (PSR).Paraessa anlise, contaremos com as informaes fornecidas pelos estudosrealizados por Maria Lucia Silva e que resultaram na obra Trabalho epopulaoemsituaoderuanoBrasil(2009).

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    ACUMULAOCAPITALISTAELUMPEMPROLETARIADO

    A proposta central desse trabalho compreender o

    lumpemproletariadoluzdeumateoriadasclassessociais,analisandoo como uma classe social composta pela totalidade do exrcitoindustrial de reserva (desempregados, semteto, mendigos,subempregados, prostitutas etc.). Constatase que o processo delumpemproletarizao,queemergeconcomitantementeaoprocessodeproletarizao, no perodo de consolidao do capitalismo, vem seexpandindo no regime de acumulao integral, tanto nos pases

    imperialistas

    quanto

    nos

    pases

    subordinados,

    de

    uma

    forma

    jamais

    vista em outros perodos do capitalismo, exceto no perodo deemergnciadessemododeproduo.Comopropsitodeelucidartalconstatao analisaremos o processo de lumpemproletarizao noregime de acumulao extensivo (da Revoluo industrial ataproximadamente 1871) e, posteriormente, no regime de acumulaointegral para, a partir da,buscar constatar que esse processo vemsofrendoumaexpansonacontemporaneidade semelhantepocado

    primeiroregimedeacumulaocapitalista,dominanteemquasetodoosculoXIX1.Para melhor compreender a dinmica da acumulao capitalista,

    suas leis, tendncias e contra tendncias, assim como a formao dolumpemproletariadoeseupapelnoprocessodeacumulaodecapital,realizaremos, nesse captulo, uma discusso acerca das mltiplasdeterminaes que envolvem o modo de produo capitalista, aproduoeextraodemaisvalor (suadeterminao fundamental),a

    lei geral da acumulao capitalista e o processo delumpemproletarizaoderivadodela. Visando,tambm,compreenderasmudanashistricaspelasquaisocapitalismosofreemsuasformas(processo de valorizao, formas estatais e relaes internacionais), ahistriado capitalismo serapresentadaaqui enquantouma sucessoderegimesdeacumulao,demonstrandoasespecificidadesdoregime

    1Paraumaanlisepormenorizadadoregimedeacumulaoextensivo,passandopelo

    intensivo e intensivoextensivo, at chegar ao regime de acumulao integral, cf.VIANA(2009).

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    deacumulaointegralesuasimplicaesnoprocessodeampliaodolumpemproletariadonacontemporaneidade(VIANA,2009).

    A dinmica da produo capitalista de mercadorias

    A sociedade capitalista, comoj afirmaraMarx, se caracterizaporuma imensa coleo de mercadorias, porm no haveria nenhumanovidade histrica nessa sociedade se a forma como se produz taismercadorias no fosse absolutamente indita na histria dahumanidade, pois verdade que a anlise da mercadoria por elamesmanorevelaosegredodaexploraocapitalista.Porconseguinte,poderamos, ento, questionar sobre as razes que levaram Marx ainiciarsuaobrasobreomododeproduocapitalista(Ocapital,vol.1,1867) com a anlise sobre a mercadoria e porque, ainda hoje, vriosautores,crticosdaeconomiapoltica,continuamainiciarsuasanlisessobre tal modo de produo, tambm, pela mercadoria, ao invs deirem direto ao processo de produo e explorao dos trabalhadorespelocapital?

    O essencial no modo de produo capitalista no se encontra

    simplesmente

    no

    fato

    desse

    modo

    de

    produo

    se

    caracterizar

    como

    umaimensacoleodemercadorias,massimnofatodetalproduodemercadorias se equivalerproduo e extraodemaisvalor.Noentanto,

    esteessencialnopoderiaserestudadoseno tivessepreviamentemostradoque a mercadoria a forma social que tem de revestir qualquerbem naeconomia capitalista. A mercadoria o fenmeno concreto da produocapitalista;enquantofenmeno,elanobastaparacaracterizarocapitalismo,

    mas impea sua formaparticulara todosos fatores eprodutosdo trabalhoefetuadonascondiescapitalistas.Aprimeiracondiodacompreensodocapital(e,comosever,doseudevir)verbem,noselementosdoprocessoeconmico capitalista, no apenas objetos,bens de produo e de consumo,foras de trabalho, produtos materiais desempenhando uma funo tcnicadeterminada,masmercadoriasquepossuemvalor(BARROT,1977,p.54).

    exatamenteporcontadessanovidadequeMarxiniciasuaobraOCapital (1967) com a anlise sobre a mercadoria. Ele foi o primeiro

    terico a elaborar uma teoria sistematizada do modo de produocapitalista, por isso a partir dele quebuscaremos compreender as

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    determinaesdessemododeproduo.OpropsitodeKarlMarxnasuaobraOCapital(1967)consisteemrevelaraexploraodasociedadecapitalista que possui seu fundamento na extrao de maisvalor noprocessodeproduodemercadorias.Visandocompreenderaessncia

    (no sentidoontolgico)damercadoria,Marx, apartirdo mtododaabstrao, procura descobrir suas mltiplas determinaes e suadeterminaofundamental.

    No captuloAmercadoria do volume I deO capital, o autor iniciaquestionandooquedeterminaovalordamesma.Pararesponderaessaquesto,primeiramente,tornasenecessrio,segundoMarx,saberoquehdecomumemtodasasmercadorias.Eleacabaafirmandoqueoque

    h

    de

    comum

    que

    as

    mesmas

    so

    produtos

    do

    trabalho

    humano

    e

    que

    otempodetrabalhosocialmentenecessriogastoemsuaproduoestdiretamenterelacionadocomadeterminaodoseuvalor.

    No entanto, cabe indagar: como Marx chega a tal concluso? Amercadoriaaomesmotempovalordeusoevalordetroca.Enquantovalor de uso a mercadoria deve possuir utilidade para, enfim, serconsumida. Tais valores de uso so portadores materiais do valor detroca,ou seja, somercadorias.Tomemosos seguintesexemplospara

    melhor compreender a questo dos valores. Se 01 determinadocaminhoequivalea03determinadosautomveisou02determinadostratores, logo 03 desses automveis valem o mesmo que 02 dessestratores ou 01 desse caminho. Por conseguinte, possuem a mesmaexpresso do seu contedo. Sendo assim, podese concluir que 03automveis e 02 tratores, assim como 01 caminho,possuem algo decomumedamesmagrandeza,mesmosendo,enquantovaloresdeuso,coisasdistintas.Percebese,ento,quehumaterceiracoisaalmdos

    valoresdeusoede trocanasquaiseles se reduzem.Emqueconsisteessaterceiracoisa?

    As mercadorias enquanto valores de uso possuem diferenasqualitativas e enquanto valores de troca possuem apenas diferenasquantitativas. Enquanto valores de troca, as mercadorias possuemapenas uma propriedade comum: so produtos do trabalhohumano.Assim, Marx descobre em que consiste a terceira coisa eafirma:

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    deixandodeladoentoovalordeusodoscorposdasmercadorias,restaaelaapenasumapropriedade,queadeseremprodutosdotrabalho.Entretanto,oprodutodotrabalhotambmjsetransformouemnossasmos.Seabstramoso seu valor de uso, abstramos tambm os componentes e formas corpreasquefazemdelevalordeuso.Deixajdesermesaoucasaoufioouqualqueroutracoisatil.Todasassuasqualidadessensoriaisseapagaram.Tambmjnooprodutodotrabalhodomarceneirooudopedreirooudofiandeirooudequalqueroutro trabalhoprodutivodeterminado.Aodesaparecerocartertil dos produtos do trabalho, desaparece o carter til dos trabalhos nelesrepresentados, e desaparecem tambm, portanto, as diferentes formasconcretas desses trabalhos, que deixam de diferenciarse um do outro parareduzirse em sua totalidade a igual trabalho humano, a trabalho humanoabstrato(1985,p.47).

    Dessaforma,oquesepodeperceberqueasmercadoriaspossuemcomo propriedade comum o fato de serem produtos do trabalhohumano, uma simples gelatina de trabalho humano indiferenciado,trabalhohumanoabstrato.Concluise,ento,queotempodetrabalhosocialmente necessrio para produzir uma mercadoria que determinaseu valor. Vale destacar que o autor est tratando do tempo mdiosocialdetrabalhoenodotempodetrabalhoefetivo,etratasedovalordamercadoriaenodoseupreo.Adiferenadeumvaloremrelaoaoutro meramente quantitativa. A grandeza quantitativa do valor medidaatravsdo tempode trabalhogastonasuaproduoque,porsua vez, medido pela sua durao (horas, dias etc.). Porm, essetrabalho trabalho abstrato, ou seja, trabalho social mdio e notrabalhoconcreto.Sendoassim,

    portanto,apenasoquantumdetrabalhosocialmentenecessrioouotempode trabalhosocialmentenecessrioparaproduodeumvalordeusooque

    determinaagrandezadeseuvalor.Amercadoriaindividualvaleaquiapenascomo exemplar mdio de sua espcie. Mercadorias que contm as mesmasquantidadesde trabalhoouquepodem serproduzidasnomesmo tempodetrabalho, tm, portanto, a mesma grandeza de valor. O valor de umamercadoriaestparaovalordecadaumadasoutrasmercadoriasassimcomootempodetrabalhonecessrioparaaproduodeumaestparaotempode

    trabalhonecessrioparaaproduodeoutra(MARX,1985,p.48).

    O trabalho humano utilizado na produo de uma mercadoria

    possui duplo carter: trabalho concreto e trabalho abstrato.Primeiramente,otrabalhoprodutordevalordeuso,produzparaser

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    tiladeterminadasnecessidades.Poroutrolado,taltrabalhoabstrato,produzmaisvalor,acrescentavalormercadoria. Talduplicidadedotrabalhosereproduznamercadoriacomovalordeusoevalordetroca.A mercadoria enquanto coisa de valor imperceptvel. Somente

    representavalorquandoexpressatrabalhosociale,consequentemente,o seu valor s pode ser expresso numa relao scio mercantil demercadoriasparamercadorias.

    Marx compreende o concreto (real) como sendo sntese demltiplas determinaes, mas que possui uma determinaofundamental. De acordo com o mtodo da abstrao desenvolvidoporele,oconcretodadopontodepartida,vistoqueantesdapesquisa

    ele

    se

    encontra

    no

    nvel

    das

    representaes

    cotidianas,

    senso

    comumenoseapresentadeimediatoemsuaessncia,masapartirdas abstraes atingimos o concretodeterminado, pensado. Isto ,noincio,temosoconcretodado,arepresentaocotidianadofenmenoaser estudado, ou seja, a aparncia. Depois de pesquisar, atravs daabstrao chegamos ao concretopensado, determinado. Porconseguinte,oconcretodado transpassadoparaoconcretopensado,possibilitando expresslo, teoricamente, em sua totalidade(VIANA,

    2006).Dessamaneira,quepodemosafirmarqueopreodamercadoriaoconcretodeterminado,eoprocessodeabstraopossibilitou chegarao valor, sua determinao fundamental. Portanto, o queMarxbuscafazernocaptuloAmercadoria superaroconcretodado,aaparncia,atravsdaabstrao,chegandoessnciadeterminaofundamental paraassim chegarao concretodeterminado,que amercadoria emsuasmltiplasdeterminaes.

    Resta,agora,sabermosquerelaessociaisconcretasexistementreaproduodemercadoriaseadefiniodovalordasmesmas,ouseja,deque forma se define o valor de uma mercadoria na sociedadecapitalista?

    2.1.1 A produo de mais-valor e classes fundamentais

    Creionosernecessriorealizargrandesanlisesparaconcluirmosqueaproduocapitalistasocorreseamesmaforgeradoradelucro,ou seja, se a classe capitalista detentora dos meios de produo

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    necessita,aoproduzirmercadorias,vendlasnomercadoporumvalorsuperioraoscustosdasuaproduo,consequentementeovalorfinaldacomercializao deve ser maior do que os gastos com maquinaria,matriasprimasesalrios.Dessemodo,todocapitalista

    querproduzirumamercadoriacujovalorsejamaisaltoqueasomadosvaloresdasmercadoriasexigidasparaproduzila,osmeiosdeproduoeaforadetrabalho,paraasquaisadiantouseubomdinheironomercado.Querproduzirnosumvalordeuso,masumamercadoria,nosvalordeuso,masvalorenosvalor,mastambmmaisvalia(MARX,1985,p.155).

    Tanto as mquinas quanto as matriasprimas apenas repassamseusvaloresnoprocessoprodutivo,porconseguinteotrabalhodeveser

    processodevalorizao,poiscomoaprpriamercadoriaunidadedevalor de uso e valor de troca, seu processo de produo tem de serunidade de processo de trabalho e processo de formao de valor(MARX, 1985, p. 155). Ento, devemos questionar de onde e de quemaneiravemoacrscimodevalor?

    Anteriormentej foi adiantado que o valor de uma mercadoria determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessrio para

    produzi

    la,

    portanto

    a

    fora

    de

    trabalho

    (capital

    varivel)

    o

    nico

    elementoqueacrescentavalormercadoria.Dessamaneira,

    aforadetrabalhoumamercadoriaparticular,completamentediferentedosmeios de trabalho. Enquanto que estes ltimos fornecem ao produto o seuvalor, a forade trabalho no s fornece o seu prprio valor como tambmacrescenta o valor do trabalho que ela realiza. criadora de trabalho; e,portanto, de valor. O seu consumo produtivo: d mais do que custou(BARROT,1977,p.58).

    O processo de constituio do valor de determinado produto compostopordiferentesdeterminaesenvolvidasnaproduo.DeumladotemosaquiloqueMarxdenominoudecapitalconstante,ouseja,aparte do capital que se converte em meios de produo matriasprimas, maquinaria e meios de trabalho em geral. Do outro ladoencontrase o capital varivel, isto , a fora de trabalho que alm dereproduzir seus custos adiciona maisvalor, gera excedente (MARX,

    1985).Nestesentido,percebesequeocapitalconstanteapenasrepassaseuscustosduranteoprocessodeproduoenquantoocapitalvarivel,

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    almde repassar seus custos, consistenonico elementopresentenoprocesso produtivo capaz de agregar maisvalor mercadoria. Marxchamaesseconjunto(capitalconstante+capitalvarivel)decomposioorgnicadocapital(MARX,1985a).

    A composio orgnica do capital expressa, consequentemente, atendncia declinante da taxa de lucro mdio, pois com o intuito degarantira reproduo ampliadado capital,a classe capitalista investecada vez mais em meios de produo (trabalho morto), que apenasrepassa seus custos,e cadavezmenosem forade trabalho (trabalhovivo) que o nico elemento gerador de maisvalor. Portanto, se oelementoqueapenasrepassacustosampliaemdetrimentodoelemento

    que

    gera

    mais

    valor,

    desenvolve

    se

    a

    tendncia

    declinante

    da

    taxa

    de

    lucro

    mdio2.Taltendnciadeextremaimportnciaparaacompreensodadinmicadocapitalismoedesuastransformaeshistricas,poisrevelaumadaspotencialidadesfundamentaiscausadoradacrisecapitalista.

    A relaoque seestabeleceentreasduas classes fundamentaisdocapitalismo,ouseja,entreaburguesiaeoproletariado,umarelaode compra e venda, pois a burguesia compra no mercado tantomatriasprimas,maquinariaeoutrosmeiosdetrabalho,assimcomoa

    fora de trabalho. Porm, essa ltima, ao contrrio dos meios detrabalho,noapenasconsumidaduranteaproduo,mas tambmgeradora, pois o acrscimo de valor que a fora de trabalho realizapossibilitaaocapitalistaacumularcapitaisumavezqueareposiodoscustos e o dispndio com fora de trabalho salrios equivalemapenasaumaparceladomaisvalorproduzido.J,ovalordocapitalconstante reaparece no valor do produto, mas no entra no novoprodutovalorcriado(MARX,1985,p.241).

    Esse o segredo da explorao capitalista: a existncia do maisvalor s possvelquandooproletariado se encontra completamenteseparadodoresultadodoseutrabalho,quepassaasersubstitudoporum salrio equivalenteapenasaumaparcela infinitamentemenordoqueorealmenteproduzido.Destaforma,percebesequearelaoentre

    2Estatendnciaconstitudadevidoaodesenvolvimentodasforasprodutivas,pois

    quanto mais desenvolvida a tecnologia e quanto mais esta entra no processo deproduo,menosseutilizaaforadetrabalho,queafontegeradorademaisvalor(VIANA,2009,p.93).

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    capitalista eproletariado fundadana explorao deuma classenoprodutora,masqueapropriadoresultadodetrabalhoalheionopago,sobreaclasseprodutora.Nessesentido,

    a chave do aumento do lucro o aumento da parte nopaga do dia detrabalhoem relaopartepaga,aumentodoprodutoexcedenteem relaoaoprodutonecessrioparafornecerosmeiosdesubsistnciado trabalhador,ouaumentodataxademaisvalia(EATON,1965,p.99).

    Portanto, a produo capitalista de mercadorias corresponde produo de maisvalor e esse pode ser obtido de duas formas. Aprimeiraforma,denominadademaisvalorabsoluto,produzidapeloprolongamento das jornadas de trabalho. A segunda forma,denominadademaisvalorrelativo,decorredaampliaodaproduono mesmo perodo de tempo ou at mesmo emjornadasde trabalhoreduzidas.Cabe,porconseguinte,indagar:Comoissopossvel?Comoosoperriospodemproduzirmaisnomesmoperododetempo?

    Historicamenteaburguesiavemutilizandoduasprincipais formasde ampliao da produtividade. Uma forma a organizaoracionalizadadoprocessodeproduoaqualosoperriospassamaser

    minuciosamente controlados, fiscalizados, rigidamente disciplinados,cronometradosevigiadospelosespecialistasnessa funo,espciesdeagentes carcerrios da produo (BRAGA, 2009). Os horrios parautilizaodobanheiro,realizaoderefeieseparasadadefumantesdolocaldaproduovemsofrendoumasignificativadiminuio.

    Alm dessas formas, ainda existe o sistema de multas por atraso,pordestruiodeferramentas,pordescuidocomasmquinas,etc.Comisso, a classe capitalista objetiva evitar o desperdcio de tempo

    necessrioparaaproduodemaisvalor,poisocapitalpersonificado,o capitalista, cuida de que o trabalhador execute seu trabalhoordenadamenteecomograuadequadodeintensidade(MARX,1985,p.244).Outra formaconsistenoconstanteaperfeioamentotecnolgicoutilizadoparaodesenvolvimentodemquinascadavezmaiseficientese produtivas. Dessa forma, os capitalistas garantem a ampliao daprodutividadeoperria.

    JohnEaton,emsuaobraManualdeeconomiapoltica(1965),aindanosapresenta outra estratgia capitalista que consiste na forma depagamentodesalrios.Segundoele,

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    as formas de pagamento de salrios constituem uma batalha entre oempregadoreossindicatos.Salriotarefa,ouseja,salriopagodeacordocoma produo proporciona ao capitalista um meio de obrigar o trabalhador afazer mais durante o dia de trabalho, j que disso depende quanto otrabalhadorlevaparacasa.primeiravista,podeparecerqueopagamentodesalriostarefa contradiz o que dissemos anteriormente sobre os salrios e ovalorda forade trabalho,comocorrespondendoaproximadamenteaovalordosmeiosdesubsistnciadotrabalhador.Opagamentoporpea,ouseja,deacordo com a produo, sugere que quando esta se eleva, os salrios seelevaro de forma correspondente. Isso s ocorre a prazo muito curto. Aexperincia de muitas dcadas mostrou aos trabalhadores que os salriostarefaso,nofinal,fixadosempreosbaseadosemsalriotempo,enasomadeartigosqueotrabalhadordevecomprarparaviver.Seaproduoaumentaacentuadamente,entoopreopagounitariamentelogoreduzido.Osalrio

    tarefadetodoumdiadetrabalhopode,certo,serumpoucomaisdoqueosalriotempododia,masaissosecontrapeofatodequeamaiorintensidadedetrabalhoaumentaasnecessidadesdotrabalhador.Paraocapitalista,porm, compensador pagar pelo trabalho executado,j que essa produo extraaumenta o volume de maisvalia numa proporo que excedeconsideravelmentequalquerextrapagoemsalrios(EATON,1965,p.101).

    Apedraangulardalutadeclassesnocapitalismo,conformejdiziaMarx, gira em torno da disputa pelo controle do tempo de trabalho,

    pois sedeum ladoaburguesiavisaampliaraextraodemaisvalorsobre o tempo de trabalho do proletariado, esse visa diminulo edevido aos interesses antagnicos dessas classes, o processo devalorizaoacabaporsermarcadopeloconflito.Porisso,aburguesiasev coagida a desenvolver formas cada vez mais eficazes de controlesobre o trabalho operrio, enquanto esse se v tambm coagido adesenvolverformasdelutasqueavancememdireodiminuiodo

    tempo

    de

    trabalho

    para

    extrao

    de

    mais

    valor.

    Consequentemente,

    isto ocorre devido ao fato de que no prprio processo de trabalho,simultaneamenteprocessodevalorizao,quesedaproduodemaisvalor.Desta forma, o trabalhador, ao resistir emutilizar toda a sua capacidade detrabalho,tendeadiminuiraextraodemaisvalor.porissoquesurgeumalutanasunidadesdeproduo,emqueocapitalistabuscacontrolaraforadetrabalhoparaque elanodesperdice tempo e,porconseguinte, faadecairoseulucro(VIANA,2009,p.49).

    A determinao fundamental da organizao do trabalho nasociedadecapitalistaa lutadeclassesentreburguesiaeproletariado,

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    porm necessrio compreender, de forma pormenorizada, como serelacionaburguesiaeproletariadonoprocessodeproduo,comosedalutadeclassesecomoamesmainterferenaorganizaodotrabalhoenaalteraodosregimesdeacumulao.

    O ser humano se humaniza ao realizar atividades essencialmentehumanas, interferindonanaturezaapartirdo trabalhoemcooperaocomoutros sereshumanos,objetivando,dessamaneira, reproduzirascondies materiais da sua existncia. Essa a essncia do trabalhoautnomo,ouseja,agarantiadareproduodoprprioseresuaautorealizaototal.Jo trabalhoalienadoanegaodaessnciahumanaexistente no trabalho, pois, com a diviso social do trabalho e a

    instaurao

    do

    controle

    do

    processo

    de

    produo

    pelo

    no

    trabalhador,

    se instituia totalseparaoentreoprodutoreoprodutoecom issoohomemnoproduzmaisasgarantiasdasnecessidadeshumanas,massimmercadoriasquenolhepertence(MARX,2004).

    Aafirmaodo capital realizasenanegaodoproletariadoumavezqueeste,noprocessodeproduo,desempenhaatividadesalheiass suas necessidades, no atinge atravs de suas potencialidades suaauto realizao total, encontrase completamente separado dos

    produtosdoseutrabalhoe,dessaforma,alienase.SegundoMarx,otrabalhadorssesente,porconseguinteeemprimeirolugarjuntoasiforadotrabalhoeforadesinotrabalho.Estemcasaquandonotrabalhae,quandotrabalha, no est em casa. O seu trabalho no , portanto, voluntrio, masforado, trabalhoobrigatrio.O trabalhono,por isso,asatisfaodeumacarncia, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. Suaestranhezaevidenciaseaqui topuraque, to logo inexistacoero fsicaououtraqualquer,fogesedotrabalhocomodeumapeste.Otrabalhoexterno,otrabalhonoqualohomemseexterioriza,umtrabalhodeautosacrifcio,demortificao. Finalmente, a externalidade do trabalho aparece para otrabalhador como se no fosse seu prprio, mas de outro, como se no lhepertencesse,comoseelenotrabalhonopertencesseasimesmo,masaoutro(2004,p.83).

    Porcontadessecarteralienadodotrabalho,oproletariadoprocuraincessantemente encontrar formas que garantam o mnimo da suaintegridade fsica no trabalho e isso se evidencia nas inmeras

    possibilidadesemaneirasde resistnciae luta contraaexploraodocapital. Essas atitudes de resistncia ocorrem de diversas formas, tais

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    como as mais pacficas e camufladas como a operao tartaruga, oabsentesmo, o atraso nos locais de trabalho, a destruio de peas eferramentas que emperram o desenrolar da produo, as constantesidasaobanheiroesuademoraetc.

    Vale lembrar que a luta operria pelo controle e diminuio dotempo de trabalho destinado produo de maisvalor representaapenasoprimeiromomentodalutaoperria,ouseja,essalutaequivaleaomomentoimediatodalutadeclasses.Contudo,ointeressehistricodoproletariadosefundanatendnciaemeliminaraexistnciadomaisvalornasuatotalidade3.Almdessasformasimediatas,aslutascontraaexploraodotrabalhotendemaadquiriremmomentosdecriseede

    radicalidade,

    uma

    postura

    mais

    nitidamente

    poltica4

    ,

    tal

    como

    perceptvelnosprocessosde realizaodegrevesqueatingemcartergeral,comaocupaode fbricaseautoorganizaodaproduo,noqualoproletariadodeixadeserumaclasseemsiparasetornarumaclasse para si. Essa dinmica acompanha o desenvolvimentocapitalista desde o seu nascimento at os dias atuais e inmerosexemplos histricos poderiam ser citados: As revolues de 1848 naEuropa,aComunadeParisem1871,asexperinciasrussasapartirdos

    sovietes em 1905 e 1917, a revoluo alem nas dcadas de 1920, aocupao de fbricas na Argentina do final da dcada de 1990 at

    3Quaissoosinteresseshistricosdoproletariado?Abolirarelaocapital,ouseja,as

    relaesdeproduocapitalistas,oquesignificaaboliraclassecapitalista,asimesmoenquanto classe e a todas as demais classes. Mas os interesses histricos doproletariadonoselimitamaessetrabalhodestrutivo,pois,aomesmotempoemquedeve abolir omodo de produo capitalista, eledeve construirum novo mododeproduo. O processo de destruio , aqui, ao mesmo tempo, um processo deconstruo. E como podemos apreender esse processo de construo, ou seja, aformao de um novo modo de produo. Isto s pode ser descoberto atravs daexperinciahistricadomovimentooperrio.Portanto,acompreensodomododeproduocapitalistaemsuahistoricidadeeaprticahistricadaclasseoperriaoquenospermitedescobrirquaissoos interesseshistricosdestaclasse.Sodestesinteresseshistricosquederivamosinteressesimediatos(VIANA,2008,p.87).

    4O termopoltica empregado aqui derivado da idia de lutade classes em sentidoamplo e no no sentido comumente adotado que resume a luta poltica s lutasparlamentares,eleitoraisouatravsdegolpearmadovisandoconquistadoEstado.

    Umavezque,paraMarx,ofundamentalparaacompreensodeumasociedadesosuas relaesdeproduo, logo este por essnciao localprivilegiadoda lutadeclassesetodasasdemaislutaspolticasderivamda.

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    aproximadamente 2004 e assim por diante. Essa uma tendnciaintrnsecaaomododeproduocapitalista.

    Umamplodebatesociolgicojexisteemtornodessamudanadepostura do proletariado, porm no nosso interesse resgatar tal

    debate, mas to somente apresentlo segundo a perspectiva doproletariado, ou seja, procurando compreender quem essa classesocial,comoserelacionacomasociedadecapitalistaecomoenxergatalsociedade a partir da experincia que mantm com a mesma. Emsntese, essa perspectiva, segundoMarx, marcaria aunidade entreoquevistoeaformacomosev(Viana,2007,p.75).

    A anlise que Marx realiza sobre o proletariado consiste em uma

    anlise

    sobre

    a

    ontologia

    do

    proletariado,

    sobre

    sua

    essncia

    e

    no

    sua

    aparncia. Sendo assim, possvel encontrar na teoria de Marx umaanlise sobre o serdoproletariado, conforme explicitado na seguintepassagem:nosetratadesaberqueobjetivoesteouaqueleproletrio,ouatoproletariadointeiro,temmomentaneamente.Tratasedesaberoqueoproletariadoeoqueeleserhistoricamenteobrigadoafazerdeacordocomesteser(Marx&Engels,1979,p.55).

    Nesse sentido, a resistncia implementada pelo proletariado no

    visa apenas adquirir, de imediato, melhores condies de trabalho evida, mas, tambm, a abolio do trabalho alienado e da extrao demaisvalor que seu fundamento. Nesse processo histrico deenfrentamentooproletariadoformasuaconscinciadeclasseaonegarotrabalhoalienadoeaconscinciaheterodeterminadaderivadadele,ebuscaafirmarnaprtica (trabalhoautnomo)e,consequentemente,naconscincia, sua autodeterminao. Portanto, constri suas estratgiasde lutas,abandonaestratgiasultrapassadaseforjanovosmecanismos

    de resistncia e avano da luta em direo construo daquilo queMarxdenominoudelivreassociaodeprodutores.

    A luta de classes entreburguesia e proletariado, assim como aproduodemaisvalor,representadoisdosprincipaisfundamentosdomodo de produo capitalista. O processo de trabalho na sociedadecapitalistamarcadoporduascaractersticascentraisqueconsistemnofatodoproletariado trabalhar sobreocontroledaburguesia (trabalhoheterogerido)quecomprousuaforadetrabalhoeofatodoprodutodotrabalho ser apropriado pelaburguesia, via extrao de maisvalor.

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    Percebese ento que o trabalho processo de valorizao (MARX,1985).

    A luta de classes no processo de produo mediada por umconjuntoderelaesqueexistemtantodentroquantoforadoprocesso

    diretamenteprodutivo.Tal lutaem tornodoprocessodeproduodemaisvalor a determinao fundamental do enfrentamento entre aclasse capitalista e a classe operria no processo de produo demercadorias (VIANA, 2009). No entanto, esse enfrentamento seexpandeparaoutrasesferasdasrelaessociais.Bastapercebermosqueoconflitoquese inicianosculoXIXentrecapitalistaseoperriosemtornodadiminuiodajornadadetrabalhooperria(aproximadamente

    de

    16

    horas

    dirias)

    resulta

    numa

    alterao

    jurdico

    institucional

    que

    possibilitasuareduopara10horasdiriase,posteriormente,08horasdirias.nessecontextoquese iniciaa reaoburguesaparaevitarareduo da taxa de maisvalor, respondendo com a organizaocientfica do trabalho elaborada por Friedrich Taylor em sua obraPrincpiosdaAdministraoCientfica(1987).

    importante destacar queburguesia e proletariado compem asclassessociaisfundamentaisdomododeproduocapitalista,masque,

    noentanto,coexistemoutrasclassessociaisque, inclusive,derivamdacomplexa relaoque seestabeleceentreessasclasses fundamentaisedalutadeclassesnoprocessodeproduo.Umadessasclassessociais,equeobjetocentraldesseestudo,olumpemproletariado.Concluiseque o modo de produo capitalista engendra tanto um processo deproletarizaoquantoumprocessodelumpemproletarizao,ou,comoprefere Offe, uma proletarizao ativa e uma proletarizao passiva(OFFE, 1984). sobre a dinmica formadora do lumpemproletariado

    que,apartirdeagora,prestaremosnossaanlise.

    2.1.2 O processo de lumpemproletarizao

    Paracompreenderaformaodolumpemproletariadonoregimedeacumulao extensivo5, recorreremos, fundamentalmente,anlisede

    5PredominantedesdearevoluoindustrialatofinaldosculoXIX,caracterizavase

    pelo predomnio da extrao de maisvalor absoluto, pelo Estado liberal e peloneocolonialismo(VIANA,2009,p.95).

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    MarxcontidanasuaobraOCapital,vol.2(1985a).NocaptuloXXIIIdovolume 2 de O Capital A lei geral da acumulao capitalista Marxprocurou demonstrar que no processo capitalista de produo demercadorias h uma tendncia em promover uma acumulao

    ampliadade capitalporum lado eporoutro lado, h, tambm,umatendnciasimultneaempromoverocrescimentoampliadodamisriadaclassetrabalhadora.Segundoele,

    a acumulao de riqueza num plo , portanto, ao mesmo tempo, aacumulao de misria, tormento de trabalho, escravido, ignorncia,brutalizaoedegradaomoralnoplooposto,isto,doladodaclassequeproduzseuprprioprodutocomocapital(MARX,1985a,p.210).

    A discusso terica que Karl Marx realiza nesse captulo,buscacompreenderaleigeraldaacumulaocapitalista,suastendnciasecontratendncias.Aquielaserutilizadaparapensaroprocessohistricodeformao do lumpemproletariado e sua dinmica no regime deacumulaoextensivo.Paraisso,analisaremosolumpemproletariadoluzdeumateoriadasclassessociais,considerandooumaclassesocialcompostapelatotalidadedoexrcitoindustrialdereserva.Dessemodo,

    o conceito de lumpemproletariado equivale classe social formadapelosindivduosqueseencontrammarginalizadosnadivisosocialdotrabalhoealijadosdomercadodeconsumo,equecompemossetoresmaisempobrecidosdedesempregados,mendigos,semteto,prostitutas,delinquentes,subempregadosetc.dasociedadecapitalista.

    Sendo assim, nossa anlise se distancia de algumas anlisesdominantes e presentes nos discursos acadmicos e cientficos quebuscacompreenderasociedadeapartirdeumadualidadeabstrataque

    afirmaaexistnciadosincludos/excludossociaiseque,nofundo,noconsegue explicar muita coisa, pelo contrrio, obscurece a totalidadedasrelaessociaisaoocultartodaacomplexidadeenvoltanoprocessodelumpemproletarizaoqueacompanhaodesenvolvimentohistricodeproduoereproduodocapitalismoedesuasclassessociais.

    Nesseprimeiromomento,oobjetivoresgataradiscussorealizadapor Karl Marx sobre o processo de acumulao de capital e sua

    dinmica

    geradora

    de

    uma

    superpopulao

    relativa

    ou

    do

    lumpemproletariado. Na primeira parte deste captulo intitulada

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    Demanda crescente dafora de trabalho com a acumulao, com composio

    constante do capital, o autor j apresenta o assunto geral da suadiscusso, ou seja, da influncia que o crescimento do capital exercesobre o destino da classe trabalhadora. Marx considera que a

    composiodo capitale suasmodificaesconstituemos fatoresmaisimportantesnessainvestigao.

    Intentandomelhorcompreenderessaanlise,trilharemosomesmocaminhodoautor,reconstituindoseupensamento.Deacordocomele,acomposio do capital deve ser entendida a partir de uma duplaperspectiva:primeiramenteelefazumaanlisedaperspectivadovalorna qual afirma que a composio orgnica do capital determinada

    pela

    proporo

    em

    que

    ele

    se

    reparte

    em

    capital

    constante

    (valor

    dos

    meiosdeproduo)ecapitalvarivel(valordaforadetrabalho),somaglobal dos salrios. Posteriormente, ele apresenta a perspectiva damatria, ou seja, como ela funciona no processo de produo. NessaanliseMarxafirmaquecadacapitalsereparteemmeiosdeproduo(composio valor) e fora de trabalho viva (composiotcnica)(MARX,1985a).

    Aproduodecapital formadapordoiscomponentesexistentes

    no processo de produo denominado de trabalho morto (matriaprima,maquinariae tecnologiaemgeral)e trabalhovivoqueconsistena forade trabalhooperria.Comovimosanteriormente,oprimeironotemcapacidadedegerarvaloreapenasrepassaseuscustosduranteoprocessoprodutivo,josegundoanicaforageradoradecapital,ou seja, acrescenta mercadoria mais do que o valor gasto na suaproduo.Por issoessecapitalextradenominadomaisvalor.Sendoassim,apsumciclogeradordemaisvalor,aburguesiatendeaaplicar

    parte desse na expanso da produo o que implica necessidade deampliao do mercado consumidor e maior demanda por fora detrabalho.

    Nessesentido,o

    crescimentodocapitalimplicacrescimentodesuaparcelavarivelconvertidaem fora de trabalho. Uma parcela da maisvalia transformada em capitaladicional precisa ser sempre retransformada em capital varivel ou fundo

    adicionaldetrabalho(MARX,1985a,p.187).

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    NosculoXIX,comopassardosanosonmerode trabalhadoresocupadoscresceuemrelaoaosanosanterioresecom issochegouseaopontodasnecessidadesdaacumulaocresceralmdacostumeiraofertadetrabalhoeassimtendeuaocorrerumaumentosalarial.Porm,

    independentemente, do aumento salarial e da gerao de condiesmaisfavorveisparaaclasseoperriaesuamultiplicao,issoemnadamodificouocarterbsicodaproduocapitalista.Emoutraspalavras,a explorao do proletariado em sua totalidade mantmse a mesma,vistoque essa explorao revelasena extraodemaisvalor (sua leiabsoluta)enonopreodosalrio,sejaelequalfor.vlidoressaltarqueo aumento salarial implica apenas nadiminuioquantitativade

    trabalho

    no

    pago

    (mais

    valor)

    que

    o

    trabalhador

    concede

    ao

    capitalista,noentanto,essadiminuionuncapodeiratopontoem

    que ela ameace o prprio sistema (MARX, 1985a, p. 192). Aacumulaocapitalistapromovenamesmaescalaaampliaodaclassetrabalhadora,vistoque

    areproduodaforadetrabalho,que incessantementeprecisa incorporarseao capital como meio de valorizao, no podendo livrarse dele e cujasubordinaoaocapitalsveladapelamudanadoscapitalistasindividuaisa que se vende constitui de fato um momento da prpria reproduo docapital. Acumulao do capital , portanto, multiplicao do proletariado

    (MARX,1985a,p.188).

    Marxdemonstraqueesseprocesso,noentanto, tendeapromoverumdecrscimonaacumulao.Issosignificaqueapartirdomomentoem que ocorre uma diminuio na acumulao, ocorre, do mesmomodo,umadiminuiodanecessidadeporforadetrabalho,ouseja,a

    desproporo que existia entre capital e fora de trabalho razo doaumento salarial desaparece (momentaneamente)eassimoprocessode acumulao capitalista elimina seus prprios obstculos. Logo, osalrio volta a decrescer. Advertese, no entanto, que at aqui Marxanalisavasomenteumafaseparticulardesseprocesso,ouseja,aquelaem que o crescimento adicional de capital ocorre com composiotcnica do capital constante. Mas o processo ultrapassa essa fase

    (MARX,

    1985a,

    193).

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    Ocrescimentoabsolutodocapitalduranteseutranscursohistricoreflexo da sua capacidade de ampliar o desenvolvimento daprodutividadedo trabalhosocialtornandoasuaprincipalalavancadeacumulao.Aprincipalexpressodessecrescentedesenvolvimentoda

    produtividade do trabalho advm do volume crescente dos meios deproduo em comparao com a fora de trabalho, ou seja, nodecrscimodagrandezadofatorsubjetivodoprocessodetrabalho,emcomparaocom seus fatoresobjetivos (MARX,1985a,p.194).NessemomentoMarxjesttratandodamudanaqueacomposiotcnicadocapital(foradetrabalhoviva)sofrenodecursododesenvolvimentodomododeproduocapitalista.Senaprimeirafasedeacumulaoa

    multiplicao

    do

    capital

    representava

    multiplicao

    do

    proletariado,

    agoraessarelaotendeaseinverter,pois

    essamudananacomposio tcnicadocapital,ocrescimentodamassadosmeiosdeproduo,comparadamassada forade trabalhoqueosvivifica,refleteseemsuacomposioemvalor,noacrscimodacomponenteconstante

    dovalordocapitalcustadesuacomponentevarivel(MARX,1985,p.194).

    Aquij possvel perceber que no processo de desenvolvimento

    capitalista, a parte do maisvalor reconvertida na ampliao daproduoviaaumentodotrabalhomorto(maquinariaetecnologiaemgeral) tende a ultrapassar significativamente o trabalho vivo ou ocomponente varivel do capital orgnico (fora de trabalho) e,consequentemente, diminui a demanda por fora de trabalhoaumentandoodesemprego.Portanto,

    esse movimento no sentido de acrescer a parte das mquinas em relao

    foradetrabalho,aaumentaraprodutividadedotrabalho,tendeadiminuiraintensidade da demanda de foradetrabalho pelos capitalistas, tende, porconseguinte,acriardesemprego,nocasoemqueofertade foradetrabalhopelos trabalhadores diminua tambm. O progresso tcnico, realizado emcondiescapitalistadeproduo,assimumfatordeexpulsodeempregospelocapital(SALAMA&VALIER,1975,p.86).

    Com essa mudana o capitalismo contrai uma tendncia a tornarsuprflua ou subsidiria uma parcela populacional significativa da

    classe trabalhadora que passa a ampliar o lumpemproletariado.Vejamosmelhoresseprocesso.

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    Inicialmente a acumulao de capital aparece apenas como umaampliao quantitativa, porm, percebese que ela realizase tambmnuma alterao qualitativa ininterrupta de sua composio comampliao crescente dos meios de produo, tais como maquinaria e

    tecnologia em geral, em detrimento da fora de trabalho empregadanumavelocidadeinfinitamentemaiordoqueaanteriormenteexistente.Oresultadodessaalteraoqualitativaapresentasedaseguinteforma:

    aacumulaocapitalistaproduzconstantementee issoemproporosuaenergia e s suas dimenses uma populao trabalhadora adicionalrelativamentesuprfluaousubsidiria,aomenosconcernentessnecessidadesdeaproveitamentoporpartedocapital(...)Apopulaotrabalhadoraproduz,portanto,emvolumecrescente,osmeiosdesuaprpriaredundnciarelativa.Essauma leipopulacionalpeculiaraomododeproduocapitalista,assimcomo,de fato,cadamododeproduohistrico temsuas leispopulacionaisparticulares,historicamentevlidas(MARX,1985,p.199200).

    Marx denominou essa populao trabalhadora suprflua desuperpopulaorelativaeacompreendeucomoparteimprescindveldofuncionamentodomododeproduocapitalista,pois

    ela

    constitui

    um

    exrcito

    industrial

    de

    reserva

    disponvel,

    que

    pertence

    ao

    capital de maneira to absoluta, como se ele o tivesse criado sua prpriacusta.Elaproporcionassuasmutveisnecessidadesdevalorizaoomaterialhumano sempre pronto para ser explorado, independente dos limites do

    verdadeiroacrscimopopulacional(MARX,1985,p.200).

    Almdafunodemodeobradisponvelparaasnecessidadesdocapital, porm nem sempre utilizada, e em grande quantidade nareserva,oexrcito industrialdereservacumpreoutrafunoessencial

    no capitalismo que a de pressionar os salrios para baixo. Eletransformase, assim, numa das principais alavancas da acumulaocapitalista uma vez que a oscilao dos salrios passa a ser reguladapelo movimento de expanso e contrao desse contingentepopulacionalformadopeloexrcito industrialdereserva.Aocontrrioda ideologia populacional malthusiana6 que possui uma concepo

    6AleidapopulaodeMalthussefundamentanarelaoentremeiosdesubsistnciae aumentopopulacional (e istogera sua explicao sobre as causasda fome edamisria). Segundo Malthus, a populao cresce em progresso geomtrica (2, 4, 8,

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    abstrata e ligada aos interesses de classe daburguesia, a teoria dapopulaoemMarxbuscaanalisaradinmicapopulacionalnointeriordomododeproduocapitalista,pois

    a dinmica populacional no pode ser compreendida se extrada, arrancadaparafora,doconjuntodasrelaessociaisnasquaisemerge.Estepressupostometodolgico ser seguido por Marx na sua teoria da populao, que , naverdade, uma teoria da dinmica populacional sob o capitalismo (VIANA,2006,p.1011).

    Segundo Marx, o exrcito industrial de reserva existe em diversasocasiespossveisetodotrabalhadorocompedurantetodootempoemqueestdesempregadoparcialou inteiramente.Esseexrcitode reserva

    ousuperpopulaorelativapossuitrsformas:lquida,latenteeestagnada.NosgrandescentrosindustriaismodernosdosculoXIXostrabalhadoresconstantementeeramorarepelidos,oraatradosemmaiorproporo.Issoocorrede tal formaque,mesmoemproporodecrescenteem relaoampliao da produo, o nmero de trabalhadores ocupados crescia.Nessecasoasuperpopulaoexisteemformalquida(fluente).

    certoqueaacumulaocapitalistaexigeumnmerocrescentede

    fora

    de

    trabalho,

    porm

    em

    proporo

    cada

    vez

    menor

    em

    relao

    ao

    capitalconstante.Porissoaindstrianecessitadetrabalhadoresatsuaidadeadulta,todaviaatingidatalidadeotrabalhadorseencontravadetalformaexauridoquesomenteumapequenaparcelacontinuavasendoempregada enquanto maior parte demitida,pois est constitui umelemento da superpopulao fluente, que cresce com o tamanho daindstria. Parte emigra e, de fato, apenas segue atrs o capitalemigrante(Marx,1985,p.207).Portanto,ocapitalnecessitademassas

    maioresdetrabalhadoresem idadejovememassasmenoresem idadeadulta.Por contadessa realidadequemesmoexistindoumagrandeparcela da populao desocupada havia milhares de queixasreclamandoanecessidadedebraosparaotrabalho.precisolembrarque alm da baixa expectativa de vida entre os trabalhadores, o

    16...) e a produo de alimentos (meios de subsistncia) em progresso aritmtica(1,2,3,4...),oquegerariaaescassez,afome.Marxumseverocrticodessaconcepo,

    opondolhe tanto a questo metodolgica quanto os seus equvocos tericosderivadosde suaconcepometafsica, ligadaadeterminados interessesdeclasse(VIANA,2006,p.1011).

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    desgaste da fora de trabalho era to grande que mal o trabalhadoratingeaidademedianaelecainasfileirasdosexcedentesoupassadeumescalomaisaltoparaummaisbaixo.Asoluoencontradapelocapital para esse problema era a promoo de casamentos precoces

    entre a classe trabalhadora e a premiao para as famlias queoferecessemseusfilhosparaaexplorao.

    A segunda forma de superpopulao relativa latente apontadaporMarxprovenientedaconsolidaodocapitalismonaagriculturaeque tendeapromoverumademandadecrescenteabsolutade foradetrabalho. Deste modo, a populao trabalhadora rural sofre umarepulsonoacompanhadademaioratraoe,consequentemente,

    partedapopulaoruralencontrase,porisso,continuamentenaiminnciadetransferirse para o proletariado urbano ou manufatureiro e espreita decircunstncias favorveis a essa transferncia. Essa fonte da superpopulaoflui, portanto, continuamente. Mas seu fluxo constante para as cidadespressupe uma contnua superpopulao latente no prprio campo, cujovolume s se torna visvel assim que os canais de escoamento se abalamexcepcionalmentedemodoamplo.O trabalhadorrural,por isso,rebaixadoparaomnimodosalrioeestsemprecomumpnopntanodopauperismo

    (MARX,1985,p.207208).

    A terceira forma de superpopulao relativa denominada deestagnadacompostaporparceladoexrcitoativodetrabalhadores,noentantoocupadadeformabastanteirregular.Essacategoriaforneceaocapitalfonteinesgotveldeforadetrabalhodispostaaserexploradaumavezque suacondiodevidaencontrasemuitoabaixodonvelnormal mdio da classe trabalhadora e que, portanto, faz dessapopulao uma [...]base ampla para certos ramos de explorao docapital.caracterizadapelomximodotempodeservioemnimodesalrio[...]Seuvolumeseexpandenamedidaemque,comovolumeeaenergiadaacumulao,avanaaproduodaredundncia(MARX,1985,p.208).

    Finalmenteacamadamaismiserveldasuperpopulao relativaequeresidenadesgraadopauperismo.ConformeafirmaBellon,

    oltimoresduodasuperpopulaorelativahabitao infernodopauperismo.

    Abstraindodosvagabundos,doscriminosos,dasprostitutas,dosmendigosede todoessemundoaque sechamaasclassesperigosas,estacamadasocial

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    compesedetrscategorias:osdesempregadoscapazesdetrabalhar;osfilhosdos rfos; enfim as vtimas da indstria: doentes estropiados, vivas,trabalhadoresidososetrabalhadoresdesqualificados(1975,p.44).

    Portanto,

    aqui

    reside

    a

    lei

    geral

    da

    acumulao

    capitalista:

    quanto

    maiorariquezasocialeagrandezaabsolutadoproletariadoesuaforaprodutiva, tanto maior o exrcito industrial de reserva ou, conformedefinidoporns,olumpemproletariado.Nessesentido,portanto,

    quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e oexrcito industrialde reserva, tantomaioropauperismooficial.Essaa leiabsoluta geral da acumulao capitalista. Como todas as outras leis,

    modificadaemsuarealizaoporvariadascircunstncias(MARX,1985,p.

    209).

    Ao encerrar o resgate da anlise de Marx sobre A lei geral daacumulaocapitalistaconclumosqueessaanlisecorroboraaafirmaoe percepo que esse autor possua desde o inciodos seus trabalhosgerminais,escritosemParisem1844,equeemdeterminadomomentoassimprotestava:

    o

    trabalhador

    se

    torna

    tanto

    mais

    pobre

    quanto

    mais

    riqueza

    produz,

    quanto

    mais a sua produo aumenta em poder e extenso. O trabalhador se tornauma mercadoria to mais barata quanto mais mercadorias cria. Com avalorizao do mundo das coisas aumenta em proporo direta adesvalorizao do mundo dos homens. O trabalho no produz somentemercadorias;eleproduzasimesmoeaotrabalhadorcomoumamercadoria,e

    istonamedidaemqueproduz,defato,mercadoriasemgeral(MARX,2004,p.80).

    O

    conceito

    de

    lei

    a

    que

    se

    refere

    Karl

    Marx

    no

    XXIII

    captulo

    do

    volume 2 de O Capital deve ser entendido aqui como equivalente atendncia. Nesse sentido, sua reflexo aponta para uma tendnciaexistente no capitalismo de gerar tanto riqueza, quanto misria empropores diretas ao avano das potencialidades produtivas. Istosignificaqueolumpemproletariadoresultadodaprpriadinmicadomododeproduocapitalistaeque,portanto,essaclassesocial,assimcomo suas classes fundamentais aburguesia e o proletariado so

    intrnsecasaessemododeproduo.

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    Antesde iniciarmosadiscussodoprximosubttulogostaramosde melhor explicitar nosso debate acerca do lumpemproletariadoenquantoclassesocial.ApesardeMarxnoterpromovidoumaanlisepormenorizadadolumpemproletariado,domesmomodocomoeleno

    elaboroude forma sistematizadauma teoriadas classes sociais,aindasimpossvelencontraraolongodesuavastaobraelementosquenospossibilitemrecuperaralgunspontosessenciaisparaareconstruodeuma teoria das classes sociais em Karl Marx. O prpriolumpemproletariado em diversos momentos e obras discutidas porMarx7 aparece como compondo uma classe social. No entanto talaparecimento no ocorre de forma aprofundada e teorizada

    sistematicamente

    (VIANA,

    2011).

    AliadofaltadeumateoriaexplcitadasclassessociaisnaobradeMarx, outro problema nos impossibilita de recorrer completamente aesse autor para compreender o lumpemproletariado no capitalismocontemporneo. O principal problema, nesse caso, seria o que Vianadenomina de senectudes, ou seja, os aspectos inatuais devido smudanashistricas,nasquaisasmudanasnasrelaesdeproduoedesenvolvimento capitalista promoveram emergncia e alterao na

    divisodeclassesenointeriordelas[...](VIANA,2011,p.08).Sendoassim,nopossvelanalisarolumpemproletariadosomenteapartirdoqueMarxescreveu,poisdevidoataissenectudeselimitesdasprpriasanlises realizadasporele sobreessa classe social, tornasedeextrema importncia ressignificar o conceito de lumpemproletariadopara que esse d conta da realidade concreta na contemporaneidade.Nossos esforos caminham nesse sentido e seguem as contribuiesrealizadasporViananasuaobraAteoriadasclassessociaisemKarlMarx

    (2011).Em nossa anlise, o lumpemproletariado ressignificado na

    contemporaneidadeapartirdeumateoriamarxistadasclassessociais.

    7Paraconstataroqueaquiestsendoafirmado,bastarecorrersanlisesrealizadaspor

    Marxsobreolumpemproletariadoeperceberqueasmesmasestoinseridasemumadiscussomaisamplasobreasclassessociaisesuas lutas.Logo,possvelperceberqueolumpemproletariadoentranessadiscussoenquantoumadessasclassessociais

    envolvidanadinmicadalutadeclasses.ParaissoverasseguintesobrasdeMarx:OManifestocomunista(1998);Odezoitobrumrio(1997);AslutasdeclassesnaFranade1848a1850(2008).

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    Noentanto,noficamospresosanlisequeKarlMarxrealizasobreolumpemproletariado, o que no significa que abandonamos ascontribuiesdesseautorparapensartalclassesocial,mastosomenteque procuramos ir alm dele sem necessariamente abandonlo. Em

    outraspalavras,utilizamosascontribuiesexistentesao longodesuavasta obra para pensar o conceito de classes sociais. Dessa forma,afirmamos que o lumpemproletariado composto pela totalidade doexrcito industrial de reserva (desempregados, subempregados,mendigos, semteto, prostitutas etc.) uma vez que os indivduos quecompem essa totalidade possuem caractersticas em comum e quepossibilitam sua definio como classe, da mesma forma divises

    apontadas

    pelo

    conceito

    de

    fraes

    de

    classe.

    Assim

    como

    as

    demais

    classessociaisdocapitalismo,oseumododevidaquepossibilitasuaunificao como classe. No entanto, ao contrrio das demais classessociaisquesounificadasapartirdasuaposionadivisosocialdotrabalhocapitalista,o lumpemproletariadoseunificapelacondiodemarginalidadenadivisosocialdotrabalhoetalcondiootornaumaclassesocial(VIANA,2012).

    Comojfoidito,nenhumindivduoencontraseforadadivisodas

    classes sociais, isto , todos os indivduos pertencem determinadaclassesocial.Sendoassim,restaentoresponderasseguintesquestes:Aqueclassesocialpertencemaquelesqueseencontrammarginalizadosda diviso social do trabalho, ou seja, a que classe social pertencemdesempregados,subempregados,semtetos,mendigos,prostitutasetc.?Umavezqueostermosexrcitoindustrialdereservaesuperpopulaorelativa no expressam nenhuma classe social, tornase necessrioencontrar a classe social na qual a totalidade desse exrcito e dessa

    superpopulao pertence. Segundo nossa anlise, tal classe social olumpemproletariadoeoquenospossibilitaessaafirmaoo fatodeque toda essa gama heterognea de fraes de classe que compe olumpemproletariado pode ser unificada em torno de um elementocomumatodaselas:acondiodemarginalidadenadivisosocialdotrabalho.

    Tratase de um grande equvoco considerar os desempregadoscomo pertencentes classe trabalhadora conforme fazem diversos

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    tericos8.EsseocasodaautoraMariaLuciaLopesdaSilvaqueemsuaobraTrabalhoepopulaoemsituaoderuanoBrasilconsideraque

    os desempregados de longa durao e a populao em situao de ruano

    constituem uma classe isoladamente. Mas certo tambm que tm umavinculaodeclasse.Anopropriedadedemeiosdeproduoeasubsistnciapelavendadesua forade trabalhosocondiesqueoscaracterizamcomoparcelasdaclassetrabalhadora,embora,nasituaoemqueseencontram,noestejamconseguindo realizarnemavendadasua forade trabalho (2009,p.129130).

    Ora, como algum pode pertencer classe trabalhadora ou aoproletariado, como ns preferimos denominar os trabalhadores que

    produzem maisvalor, sem estar empregada em alguma atividadelaboral, sem produzir maisvalor? Para ns, os indivduos antespertencentes classe trabalhadora em geral ou ao proletariadocompemo lumpemproletariadodurante todoo tempo emque estodesempregadosparcialou inteiramente, independentedoperodo emqueseencontramnessacondio,sejaumasemana,umms,umanoouotempoquefor.

    Formao e desenvolvimento do lumpemproletariado

    Comopropsitoderesponderaumdosproblemascentraisdessetrabalho, ou seja, as determinaes da expanso dolumpemproletariado na contemporaneidade, analisaremos,primeiramente, a formao e desenvolvimento dessa classe social noregimedeacumulaoextensivopara,noprximocaptulo,analisaras

    multiplicidades

    de

    determinaes

    que

    envolvem

    a

    expanso

    dessa

    classenoregimedeacumulaointegralesuasconsequncias,tantono

    8 Alguns casos so ilustrativos dessa interpretao. Recentemente em uma mesa

    redonda ocorrida durante o I SimpsioTrabalhadores e aProduo Social, promovidopeloCentrodeMemriaOperria(CEMOP),entreosdias19a21deoutubrode2011,na cidade de Sumar/SP, todos os palestrantes (Andria Galvo/UNICAMP,JairPinheiro/UNESP, Maria Orlanda/UNESP, Marcelo Badars/UFF) deram a mesmaresposta minha pergunta que questionava se os desempregados argentinos que

    compunham o movimento piquetero eram membros da classe trabalhadora ou dolumpemproletariado? A resposta foi que tais desempregados pertenciam classetrabalhadora.

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    capitalismo imperialista quanto no capitalismo subordinado(especificamentenaArgentinaenoltimocaptulonoBrasil).

    Dessa forma,objetivamosapreenderasmudanasepermanncias,tanto formais,quantoessenciais,das tendnciashistricosociaisqueo

    lumpemproletariado possui na contemporaneidade. Para isso,analisaremoso lumpemproletariadoenquantoumaclassesocialquedeterminadahistoricamenteeque,portanto,seucomportamentosocialepolticotendeaserdeterminadodeformadiferenciadaemcontextoshistricos distintos. Por conseguinte, o lumpemproletariado e suastendncias no sero tratados aqui de forma estanque, como sepossusse uma essncia no seu serdeclasse que sempre o coagisse a

    adotar

    posturas

    polticas

    conservadoras

    e

    reacionrias,

    estando

    passivo

    de ser frequentemente cooptado como sugerediversos tericos que oanalisaram(GUIMARES,2008;FREITAS,2010).

    Atransformaodedinheiro,mercadorias,meiosdeproduoedesubsistnciaemcapitalspodeocorreremdeterminadascircunstnciasqueseapresentadaseguintemaneira.Aexistncianomercadodeduasespcies de possuidores de mercadorias essencial, pois de um ladoestoospossuidoresdedinheiro,meiosdeproduo e subsistncia e

    que temcomo finalidadevalorizaromontantededinheiroquepossuiatravs da compra de fora de trabalho alheia, do outro ladotrabalhadores livres dispostos a venderem sua nica mercadoria, aforade trabalho (MARX,1985a).Com essapolarizaodomercadoesto dadas as condies fundamentais da produo capitalista(MARX,1985a,p.262).

    Para os nossos intentos cabe indagar: qual a origem dessesindivduospossuidoresunicamentedamercadoriaforadetrabalhona

    sociedadecapitalista?Nasociedadecapitalistaqueemergeapartirda,todososindivduosdispostosavenderemsuaforadetrabalhoteroavendadasuamercadoriagarantidanessemercado?Ouumaparcelasignificativa desses indivduos ir compor outra classe social econtribuiro com o processo de produo capitalista de outrasmaneiras, assim como podem, enquanto classe, contribuir com suadestruio? E dessa forma podemos, ento, acreditar que tal classepertence modernidade e, consequentemente, s poder ser abolidacomaaboliodocapitalismo?

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    Apartirdo finalda segundametadedo sculoXIV a servido seencontra praticamente abolida na Inglaterra. O grosso da populaorural inglesa era constitudo nessa poca, e principalmente no sculoXV,decamponeses livreseeconomicamenteautnomos,quenosseus

    momentoslivrestrocavamsuaforadetrabalhoporumassalariamentonas grandes propriedades fundirias. Alm dos salrios essescamponeses recebiam um terreno arvel de aproximadamente quatroacresepossuamodireitodeusufruirdaspropriedadescomunais,nasquais criavam seu gado e extraam os elementos necessrios paraaquecerseuslareseprepararseusalimentos,taiscomoalenhaeaturfa.

    O desenvolvimento dos grandes centros industriais ingleses,

    juntamente

    com

    o

    crescimento

    paulatino

    da

    sua

    populao,

    est

    diretamente relacionado com as grandes transformaes que veioocorrendo,desdeaproximadamenteosculoXIVatosculoXVIII,napropriedadedaterra.De formageral,esseprocessoficoudenominadode cercamentos (enclosures)9 e foi caracterizado por uma intensa eviolentaondadedesapropriaocamponesadesuaspropriedadesedasterrascomunais,acompanhadadaexpulsodemilharesdecamponesesparaasnascentescidades.

    Emdiversosmomentosemtodaahistria inglesadesseperodo,apopulao camponesa foi violentamente desapropriada e obrigada amigrar para os grandes centros urbanos industriais. Dessa forma erafornecido indstria capitalista aquilo que ela necessitava paratransformardinheiro,maquinariaematriasprimasemcapital,ouseja,a indstria necessitou de indivduos completamente despojados dosmeiosmateriaisgarantidoresdasuaexistnciaesobrevivnciaparaqueassim pudessem livremente vender sua fora de trabalho aos

    capitalistas.Aquireside,sinteticamente,portanto,afrmulaencontradapelanascenteburguesia inglesaparadar incioproduo capitalistademercadorias.

    9Ocercamentoconsistiunaprticaadotadapelosgrandes latifundiriosdecercaros

    campos,acompanhadodaexpulsodoscamponesesquealiresidiametrabalhavam,comointuitodeutilizaraterravisandoobtenodemaioreslucros.Aprticamaiscomum era a de cercar os campos para a criao de ovelhas, que passava a

    representarumapossibilidadedemaioreslucrosnavendadasualparaasnascentesindstrias txteis. Essa prtica se inicia ainda no final do sculo XV, mas adquireflegoeintensidadeapartirdosculoXVI.

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    O resultado direto dessa expropria