cinema, música e espaço

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Page 1: cinema, música e espaço

LTURAL

Page 2: cinema, música e espaço

CITxEMA, MUSICA E ESPAÇo

Organização

Roberto Lobato CorrêaZeny Rosendahl

M

"à4uerfRro nr JeNnrno

2009

Page 3: cinema, música e espaço

{ffift

E{EduERl zEditora da UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRORua São Francisco Xavier, 524 - MaracanãCEP 20550-900 - Rio de Janeiro - RJTel./fax: (21) 2581-1188 I 2587-7189wvweduerj.u e4.br / eduerj @uerj.br

Suvnnro

CIt tEva, MUSICA E ESPAÇo

- UMA TNTRODUÇÃO. ........7Ronaaro Loal,ro CoanÊn

Zntv RosnNnlut

. RE-APRESENTANDO OSrutnr C. AtrxnNLzo E. ZoNw

LUGAR PASTICHE.. 15

. UM MAPEAMENTO DE LUGARES

CINEMAÏICOS: íCONES, IDEOLOGIA E O

PODER DA REPRESENTAÇÃO ENGANOSA.. 59Jrw HorruNs

GEocnanA E crNEMA..... .....95,tus ,FlìÁNcrsca nn A;revrno

Musrcn PoPULAR NAS ANALISES

GEOGRAFICAS. ....., 129ltrv KoNc

UNT\,'ERSIDADE DO ESTADODO RrO DEJANETRO

ReitorVice-reitor

Ricardo Vieiralves da CastroMaria Christina Paixão Maioli

Editor ExecutivoAssessoria de GerencialCoordenação de PublicaçãoCoordenação de ProduçãoCoordenação de RevisãoRevisão

CapaDiagramaçãoApoio Administrativo

Italo MoriconiCarmem da MattaRenato CasimiroRosania RolinsFábio FloraPedro NurmiPriscila Thereso GurgelHeloisa FortesEmiìio BiscardiMaria Fátima de Mattos

CATALOGAÇAO NA FONTEUE4J/REDE SIRIUS/NPROTEC

C574 Cinema, música e espaço / Organização, RobertoLobato Corrêa e Zeny Rosendahl. - Rio de

Janeiro: EdUERJ, 2009.176 p.

rsBN 978-8 5-7 51 r-t 47 -5

1. Geografia humana. 2. Música e geografia.3. Cinema.I. Corrêa, Roberto Lobato. II. Rosendahl, Zeny.

cDU 911.13

Copyright O 2009 by EdUERJTodos os direitos desta edição reseryados à Editora da Universidadedo Estado do Rio deJaneiro. É proibida a duplicação ou reproduçãodeste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer meios, sem aautorização expressa da editora.

Page 4: cinema, música e espaço

CINErran. MUStcA E ESpACo

UMA INTRoDucÃo

Roennro Loeero ConnneZnNv RosnNoeHr-

O presente volume aborda duas temá-ticas gue, em graus distintos, não se consti-tuem em temas enraizados na longa tradiçãobrasileira de pesquisa em geografìa.

A primeira envolve as relações entrecinema e espaço, enquanto a segunda, maisconhecida entre nós, é a das relações entremúsica e espaço.

Cinema e música são duas linguagensnas quais são expressas visões de mundo esentimentos diversos, a despeito das dife-renças entre ambas. Como criações sociais,podem ser vistas sob a ótica da espacialidade,atributo intrínseco a toda ação humana. Sãoduas temáticas já longamente constituídascomo objetos de pesquisa entre cientistassociais e aqueles dedicados às humanidadese, particularmente, ao estudo da produçãofílmica e musical. A bibliograÍìa sobre ambosos temas é vasta, revelando a tradição e aintensidade do interesse pelas duas repre-sentações.

Até 1980, aproximadamente, as pesquisasem geografia cultural tendiam a negligenciar

Page 5: cinema, música e espaço

as duas temáticas, limitando-se à análise das

expressões materiais da cultura, a exemploda ênfase nos estudos sobre a paisagemcultural. Cinema e música, especialmenteo primeiro, não faziam parte do conjuntode assuntos correntes da geografia cultural,soando para alguns como temas sem interes-se geogrâftco, a despeito da geograficidadecontida em inúmeros documentários e filmesde ficção e em letras de inúmeras canções.

A partir da renovação da geografia cultural,na qual "significado" passou a constituir-seem "palavra-chave", cinema, música, lite-ratura, pintura e outras artes tornaram-serelevantes para os geógrafos, agora dotadosde outras bases epistemológicas, teóricas emetodológicas que lhes permitem interpretaras representações construídas pelos outros.Em outras palawas, descobrem que a geo-

grafia não está apenas em toda parte, mas

também nas representações a respeito das

paisagens, regiões, lugares e territórios' as

quais são, simultaneamente, reflexos, meios

e condições sociais.O interesse pelo cinema entre os geógra-

fos culturais vai se traduzir em um númerocrescente de estudos, quer na análise de umdado filme, quer envolvendo proposiçõesmetodológicas, dentre outros estudos. Já em

1994 é publica da acoletânea organizada porAitken e Zonn (1994), reunindo inúmeros

artigos sobre a dimensão espacial da produ-

ção fílmica. O presente volume contém dois

dos artigos publicados nessa coletânea.

O primeiro artigo ê assinado por Ai-tken e Zonn e se constitui na introdução

8

do livro Place, power, situation, and spectacle:

a geography of f,lm, na qual os autores nemapresentam, como usualmente se faz, cadaum dos ensaios publicados, nem realizamuma tentativa de construção teórica a par-tir dos ensaios, os quais revelam o caráterembrionário da produção geogrâfica a res-

peito dos Íilmes de documentário e Íìcção.O capítulo estrutura-se com base em umasequência de discussões sobre representaçõesfílmicas envolvendo pessoas, lugares e socie-

dade. Representação e imagem constituema primeira discussão. A segunda gira emtorno das relações entre geografia, teoria docinema e representação, enquanto a terceiraaborda a criação do espaço e do lugar nosfilmes. A quarta e última parte, finalmente,cliscute as relações entre o espectador e aÌlatureza do espetáculo.

A seleção desse capítulo teve, em rea-

lidade, o propósito de introduzir o leitorpouco familiarizado com a temática empauta a um tema considerado de grandeimportância para ampliar o campo de atu-ação do geógrafo em seu papel de tornarinteligíveis as representações que os outrosfazem do espaço.

O segundo artigo, de Jeff Flopkins,"mapeia" os lugares cinemáticos, enfati-zando o poder das representações sobreos espectadores. Para o autor, o filme é

considerado uma paisagem semiótica, im-pregnada de ilusões icônicas. O filme, argu-nrenta Hopkins , cria experiências espaciaise temporais genuínas, a despeito do caráterimaginário dos lugares cinemáticos. Assim,

Page 6: cinema, música e espaço

possui um forte poder criador e recriador

de representações sobre o espaço'

O texto de Ana Francisca de Azevedo,

do Departamento de Geografìa da Universi-

dade do Minho, em Portugal, constitui uma

relevante contribuição para a geografìa cul-

tural. Ao longo dele, a autora mostra como

os filmes, tanto de documentário quanto

de ficção, são representações a respeito da

realidade geográfica. E, como tal, podem re-

produzir ou desafiar representações coletivas

sobre o espaço, lugares e paisagens' Como

representações, os filmes são interpretados

e ieinterpretados pelos espectadores, que

estabelecem uma dada relação com as ima-

gens na tela. Nessa relação, argumenta Ana

Érancisca de Azevedo " cada espectador cria o

lugar fílmico, com base em sua experiência

e ìmaginação. As imagens do cinema são'

assim, sujeitas à polivocalidacle'No volum e Literatura, música e espaço' da

coleçáo Geografia Cultural, foi publicado o

texto de Carney (2007) intitulado "Música

e lugar". Neste volume' publica-se o texto

de iity Kong, geógrafa da Universidade

Nacional de Singapura, que se constitui

em importante análise ctítrca da produção

envolvèndo as relações entre música popu-

lar e espaço. Publicado originalmente em

1995, continuará por longo tempo como

referência básica para aqueles interessados

nessas relações. Mais do que isto, o texto é

um modelo para uma análise crítica de uma

dada temática.Lily Kong discute inicialmente a relati-

va negligência por parte dos geógrafos em

10

relação à música popular. Essa negligênciaancorava-se na tradição da geografra cultu-ral, presa à dimensão material da cultura. Arenovação da geografia cultural üabilrza aincorporaçâo de novas temáticas associadasà dimensão não-material da ação humana,entre elas a da música popular.

Segundo Lily Kong, é possível identi-ficar alguns eixos nas pesquisas realizadasa respeito da música popular: distribuiçãoespacial das formas musicais; atiüdades eartistas; análise da difusão espacial de ritmose estilos musicais; delimitaçáo de áreas deocorrência de um dado ritmo e estilo mu-sical; relações entre música e o caráter e

a identidade dos lugares; e relações entremúsica e certos temas como o meio am-biente. A despeito da contribuição que essas

pesquisas forneceram para o enriquecimentoda geografra, elas são objeto de crítica porparte da geógrafa. Crítica que é sucedidapor uma proposição.

Na seção "Cultura e sociedade na análiseda música", são propostos caminhos parvuma análise geográfica da música popular:

a) significados simbólicos;b) música e comunicação cultural;c) política cultural e música;d) economia e música;e) música e construção de identidades.

Lilv Kong, em realidade, sugere ricos e-, anados caminhos aos geógrafos para uma::lvestigação a respeito da música popular.\esse sentido, o Brasil oferece um amplo

L1

Page 7: cinema, música e espaço

material pvrv pesquisa sobre a temática em

pauta. Dado o limitado e muito recente

desenvolvimento da geografia da música

no país, as pesquisas comportam a adoção

daqueles eixos que foram discutidos e criti-cados por Lily Kong, assim como dos eixos

temáticos por ela sugeridos. Assim, temas

como a difusão espacial de ritmos e estilos

musicais, áreas musicais no passado, de umlado, e significados simbólicos e políticacultural da música popular, de outro, são

bem-ündos.Ressalte-se, no entanto, que a imagi-

nação geográfica possibilita sempre novos

horizontes, e entre eles está, certamente, ainterpretação geográfica das melodias, esta

se constituindo em difícil tarefa, exigindogrande domínio da música, linguagem que

usualmente o geógrafo não conhece.

O interesse pelo cinema e pela música

por parte dos geógrafos brasileiros já é eü-

dente, especialmente em relaçáo à segunda'

Dissertações e artigos acadêmicos fornecem a

eúdência desse interesse, exemplificada pela

dissertação de mestrado de João Baptista

Ferreira de Mello sobre "as composições

musicais relativas à cidade do Rio de Janei-ro" (Mello, 1991). Em relação ao cinema, o

interesse não é somente menor como mais

recente. Sobressaem os artigos de Maria He-

lena Braga eYaz da Costa' uma geógrafa por

adoção, qüe vem se dedicando a essa temá-

tica em uma perspectiva geogrâfrca (Costa,

2002,2005 e 2006). Dissertações de mestrado

e de cursos de graduação, todas muito re-

centes, anunciam o interesse crescente dos

L2

geógrafos pela temática das relações entrecinema e espaço. Qr. este livro incentivernais ainda o interesse já estabelecido.

Referências

AITKEN, S. C. e ZONN, L. E. (orgs.).Place, power, situation, and spectacle: a geogra-

Phy of fiIm. Lanham: Rowman & Littlefield,1994.

CARNEY, G. O. "Música e lugar". InconnÊn, R. L. e ROSENDAHL, Z. (orgs.).Líteratura, música e espaço. Rio de Janeiro:EdUERJ , 2007.

COSTA, M. H. B. e V. da. "Espaço, tem-po e a cidade cinemática". Espaço e Cultura,2002, 13, pp. 63-74.

-. "Çsografia cultural e cinema: prâ-

dcas, teorias e métodos". In ROSENDAHL,Z. e CORRÊA, R. L. (orgs.) . GeograJïa - te-

rnas sobre cultura e espaço. Rio de Janeiro:EduERJ, 2005.

-. "fpagens e narrativas da úolência:

o cinema, o espetáculo e a perspectiva pós-moderna". fn - e MEDEIROS, B. F. (orgs.).Irnagens marginais. Natal: EDUFRN, 2006.

MELLO, J. B. F. de. O Rio de Janeiro dos

compositores da música popular: 1928-1991ttma introduçao (dissertação). UFry, 1991.

L3

Page 8: cinema, música e espaço

RE-npnESENTANDo oLUGAR PASTICHE1

Sruenr C. AtrrnNLao E. ZoNN

Em uma tomada aérea que focaliza emprofundidade a ârida paisagem de um deser-to, surge uma figura solitária, andando comalguma determinação. Esse homem usa umboné vermelho de beisebol e um terno depoliéster. Caminhamos com ele - a câmeradesconfortavelmente próxima - e sentimosseu silencioso desespero. Sua face não revelaqualquer expressão ou sinal de emoção, masseus olhos nos inquietam: eles são desbotadose agrestes como a paisagem que atravessa.Bem mais tarde e depois de, quase morto,ter sido resgatado por seu irmão, passamos asaber que o homem, Travis, está empenhadoem uma busca que é motivada por uma fotoamarfanhada trazida em seu bolso. A fotomostra um terreno vazio na cidade onde ele

' Publicado orisinalmente como "Re-presenting theplace pastiche", em Pk,ce, poue4 situation, and spectacl,e:

a geography of film, organizado por Stuart C. Aitken eLeo E. Zonn (1994). Trata-se da introdução do referidolivro; foram eliminadas as referências aos textos dele.Os organizadores deste livro aeradecem à editora Row-man & Littlefield a permissão para traduzir e publicareste texto. Traduzido por Márcia Trigueiro.

Page 9: cinema, música e espaço

havia esperado superar o fracassado destinode seus pais, construindo uma casa para si

mesmo e para sua família. A cidade - Paris,

Texas - fornece um epônimo para um filmede Wim Wenders que ganhou a Palma de

Ouro no Festival de Cinema de Cannes (Stu-

dlar, 1985, p. 359). A estória de Paris, Texas

(1934) gira em torno da busca de Travis

por seu self e pela família, em um terrenoimprodutivo de mitos norte-americanos: odeserto como a última fronteira, a liberda-de do automóvel e do homem nômade eo santuário da família nuclear.2 Do inícioao final, Wenders ressuscita esses mitose mostra seu potencial destrutivo quando o

protagonista tenta recobrar sua vida.

Paris, Texas recebeu aplausos conside-

ráveis da crítica e atenção acadêmica, não

apenas em termos de sua representação da

cultura norte-americana contemporânea,mas também pela maneira como o filmeancora essa cultura em imagens de lugar e

de paisagens (cf. Kauffmann' 1984; Lennett,1985; Wallis, 1986; Denzin, 1991). Wenders

apresenta as úagens de Travis como uma

experiência fenomenológica que intensificanossa noção de lugares como cenários para'

as atividades que incorporam self e socieda-

de - crepúsculos no deserto com dramática

luz de fundo Para desvanecidas tabuletas

de motéis em néon; casas em Los Angeles

à beira de desfiladeiros, justapostas a tapu-

2 A estória foi insPirada em Motel

de motef, de Sam ShePard (1982).

escreveu o roteiro do filme.

1,6

chronicles lCrônicasShepard também

:te). e depósitos de ferro-velho; autoestradas:>calhando-se pela paisagem. Denby (1984,

: 52) observa que no filme de Wenders-= paisagem é um mito do momento - um::lto que passou pelos meios de expressão: tornou-se autoconsciente": "[...] o Oeste::normes espaços abertos, pequenas constru-,,-re S irregulares, inadequadas, sob amplos, e us: o cômico surrealismo do plástico e do:.éon expostos no grande Lugar Algum."

Paris, no Texas, é um lugar real para:rde Travis viaja sem nunca chegar. Mas,

.:ntrltaneamente, é a corporificação de uma-'-ìsca existencial pelo passado, um espírito:e fronteira que olha para diante e uma-:ítica dos valores que protegem a família:--'-iclear. Depois de se reencontrar com.t'.r filho em Los Angeles, Travis atravessaje novo o deserto, desta vez em busca de:'-.a mulher, que encontrará num bordel: r'Ì Houston. Na penúltima cena, Travisiç clefronta com sua mulher no salão de:'ntasia onde ela trabalha. Eles estão se-

:arados por um espelho através do qual

': clientes podem ver as mulheres, mas as

nr-rlheres podem apenas ouvir os clientes,oor meio de um telefone. Em dado mo-nlento, quando percebe que está falandocom Travis, ela pede para vê-lo. Ela precisacliminuir a luz do seu lado do espelho, aopasso que ele ilumina seu rosto com umalânrpada. O contexto do prostíbulo é ate-:rtrado quando Travis expõe seu self. Essa

)nagtm-ÊyttlD não aprDzs abda o cenáio"r'oyeurístico" do bordel, como também es-

rabelece o ambiente cinemático como uma

t7

Page 10: cinema, música e espaço

metáforapara as vidas dessas duas pessoas.

Enquanto ele conta por que a deixou, os

rostos de Travis e de sua mulher se fundemno espelho. Percebemos que essas duas

pessoas estão separadas por camadas de

suas próprias ilusões, que as impedem de

estruturar e manter a procurada relaçãoamorosa familiar. Suas ilusões representamo mito desumanizador de um sonho norte-americano que separa fisicamente Travis esua mulher, permitindo-lhes apenas umaolhadela fugaz um do outro antes de se-

rem novamente alcançados por imagens de

si mesmos. No dia seguinte, Travis reúne

seu filho e sua mulher e sai dirigindo' na

noite de Houston, em direção ao deserto,

emoldurado pelas luzes resplandecentes da

cidade e da civilização. Em Paris, Tbxas, os

lugares se sintonrzam de maneira clara com

os principais personagens e proporcionamum local válido para a desconstrução da

maneira como a contemporânea sociedade

do Oeste se representa. O que nos deixauma representaçao pós-moderna dos "per-

sonagens o mais prosaicos possível, na pai-sagem mais prosaica possível, apresentados

na enunciação mais prosaica possível' O

pressuposto parece ser que a América do

Norte é um vasto deserto fibroso no qualalgumas poucas ervas conseguem' apesar de

tudo, brotar por entre as fendas" (Newman'

1987, p. 58).O presente livro está direcionado para

uma geografia do cinema na qual pessoas'

espaços e lugares estão incorporados em

uma visão cinemática. Ele se preocupa

1,8

com as representações do cinema de ficçãoe dos documentários sobre nosso mundocontemporâneo. O estudo das inter-relaçõesentre o cinema e a política da representa-cão social e cultural e do uso do cinemacomo um meio de compreender nosso lugarno mundo continua provocador, mas, emgrande medida, inexplorado na geografia.Uma das principais razões para esse descasoé a tradicional ênfase que o geógrafo colo-ca nas condições materiais da vida social,sendo a representação, portanto, subsidiáriada "realidade física". Esse descaso ocorreuapesar do fato de espaço e lugar, que hámuito são temas inseridos na esfera de açãogeográfica, estarem inextricavelmente inte-srados à dinâmica sociocultural e política,sendo, assim, indispensáveis à comunicaçãocinemática. A maneira como são utilizadosos espaços e como são retratad.os os lugaresno cinema reflete normas culturais, costu-mes morais, estruturas sociais e ideologiaspreponderantes. Concomitantemente, oimpacto de um filme sobre um públicopode moldar experiências sociais, culturaise ambientais. E evidente que uma correntecie pesquisa voltada para a produção e con-sumo de espaço e lugar no cinema mereceum sério interesse geográfico. Se, comogeógrafos, concord,amos com muitos dosestudiosos da época pós-moderna que nãoveem grande diferença entre nossa culturapolítica e nossa cultura de celuloide, entrea vida real e a vida "reel" fdos "carretéis" defilme], então a representação cinemática

19

Page 11: cinema, música e espaço

deve ser uma parte essencial da investigação

geográfica.Não pretendemos aqui falar pelos auto-

res d,os ensaios que integram o livro, nem

é nossa intenção resumir seus trabalhos

ou trazê-los para nosso texto' Este volume

não procura estruturar uma coerência ou

uma continuidade teórica para essa ârea

embrionária de pesquisa. Os trabalhos dos

ensaístas são aqui introduzidos quando per-

tinentes com relação a nossos argumentos'

mas não desejamos, de modo geral, impor

uma falsa unidade àquilo que constitui'

essencialmente, uma série de ensaios ex-

ploratórios. Embora geralmente concordem

quanto à necessid'ade de aglutinar' de um

lãdo, as categorias de pessoa, lugar, espaço

e sociedade e, d,e outro, as de realidade e

representaçâo, os autores frequentemente

diicordam sobre como isso pode ser conse-

guido e qual seria o resultado' Muitas das

ãontribuiiOes fundem teoria literária' críttca

de cinema e arte poética com abordagens

mais tradicionais de interpretação e análise

da políti ca, da história e da geografia' Mas'

de maneiras diferentes, cada ensaísta está

convencido da importância da representação

cinemát rca para o entendimento de nosso

Iugarno mundo' e os geógrafos podem ofe-

."i", importantes subsídios para a teoria e

crítica dà cinema. O presente volume está

direcionado para essa lacuna na pesq"i:1'O equilíÈrio deste capítulo é mantido

com diversas discussões que se relacionam

e se apresentam sequencialmente' dos

aspectos mais gerais aos aspectos mais

20

='pecíficos da representação de pessoas,-'-:{ar e sociedade. Inicialmente, abordamos, irlportância do discurso político e da- -,erência intertextual na "representação"j -, cotidiano. Em seguida, investigamos- -,nlo as disciplinas de geografia e de teoriai'-r cinema lidam com as distinções entre-- i representações da vida cotidiana e as:'rndições materiais da vida cotidiana. Em.erceiro lugar, consideramos a convenção:arrativa em função de como os persona-

aens são posicionados e como são criados os..igares no filme. Finalmente, formulamos'-:nla tese sobre os espectadores como aoyeurs

e sobre como eles necessitam do espetáculorara reificarem o cotidiano.

RrpnnsnNTAÇAo E TMAGENs: R polÍucaE OS LUGARES DA \IIDA COTIDIANA

Representar é retratar algo de maneiraclara para a própria mente, é devolver paraa sociedade uma imagem de si mesmo ouinterpretar uma ação ou um papel. Eviden-temente, representar é uma das mais antigasfr"rnções da arte e do teatro. Entre outrascoisas, a representação consolida uma sériede estruturas sociais que ajudam os indi-r-íduos a compreender ambientes que deoutro modo seriam caóticos e aleatórios e ase definirem e se localizarert em relação aesses ambientes. Ultimamente, representaçãoganhou significados mais amplos, à medidaque o conceito foi sendo abarcado por di-

21

Page 12: cinema, música e espaço

ferentes disciplinas acadêmicas. Psicólogos

cognitivistas, por exemplo, chamam agora

de "estruturas de representaçáo" o modocomo os indivíduos percebem o mundo(Bobrow e Collins, 7975; MinskY, 1975;Schuurmans e Vandierendonck, 1985). Em

um quadro mais amplo, Foucault (1970,

1972) mostrou como, qualquer que seja omomento, as representações estão ancoradasem uma "episteme" (uma série de saberes)

que afeta a üda pessoal e também a politica, a econômica e a artística. Assim, nãosurpreende o fato de muitos debates nas

ciências sociais, nas artes e nas humanidadesterem se voltado ultimamente Para os modoscomo a experiência cotidiana - a práticada vida e os lugares onde essa prâtrca e

estabelecida - é râapresentada para nós eem nós. Dito de outra forma, agora aceita-

se comumente que a experiência cotidiananão esteja imediatamente "presente", mas

seja rd.apresentada simultaneamente pelas

imagens contraditórias que constituem nosso

mundo pós-moderno e pelas pretensões diá-

rias de nossas identidades de gênero, classe

e raça. Os geógrafos começaram a investigaras representações e os sentidos atribuídos a

lugares e ambientes em termos de sua re-

lação com poder e contestação. Lugares, e

aquilo que neles praticamos, são formados,então, tanto por nossas imagens quanto pornossas identidades. Nesses locais, entramosem contato com as reapresentações de nos-

sas vidas e de nossas atividades: na câmera

onipresente em bancos e lanchonetes; nos

shopping centers; nos bairros aristocráticos; nos

22

::----iÌÌâis de computadores; nos noticiários-::únirìos da televisão; em vídeos e álbuns

r: t,,rtoS da família; em filmes narrativos e- ._ -:nleÌrtários. Nessas imagens, estão retidas,-: :ìftrras dos homens, mulheres e crianças- _:-:enlporâneos e dos lugares por eles ha_...-'dos. Não deve ser subestimado o poderr1i representações de intervir nas incessantes:ansformações da üda diária.

A própria essência da geografi a _ a buscaie nosso sentido de lugar e de self no mun_j,-, - é constituída pela prática de olhar e é,:-a verdade, um estudo de imagens. Nossa-',:lttrra é visual, de vídeo, cinemâtica. E:nla colagem, urrì pastiche dominado pelo:\ro multimeio/vídeo-áudio. O cinema e

= ielevisão transformaram a sociedade (e:-r ez todas as outras sociedades que tiveram. . Ìltato com a câmera) no Oeste contempo_:::teo. Estudiosos dessa cultura e sociedade

':rtenrporâneas observam uma convergência:r-.,.re aquilo que no cotidiano é reale como. ',. tmaginarnos o coticliano.

Baudrillard (lg87, lgSS) afirma que a,.. --iedade contemporânea se conhece ape_. :: por meio dos reflexos que brotam do-:,,, da câmera, e que esse conhecimento

: :ão-reflexivo. Leitura similar é feita por* -::zin (1991, p. viii) quanro à sociedide:- '-nroderna e às individualidad,es cinemá_-*

- 1r Que habitam essa estrutura: *O self pós_-- , Cerno tornou-se um signo de si mesrno,-:-- dtrplo reflexo dramatúrgico ancorado,:".: unl lado, nas representações d.a mídia: r'_rf outro, na vida cotidiana,'. Denzini:;-r;lâ então algumas implicações para o

23

Page 13: cinema, música e espaço

fato de as rsapresentações tornarem-se subs-

titutas da real experiência vivida. Primeiro,a realidade torna-se uma produção social

encenada. Segundo, o real é avaliado em

comparação com sua contrapartida ence-

nada, cinemática. Terceiro, a metáfora da

sociedade dramatúrgica (o teatro como vida)

torna-se a realidade transacional.Para Denzin, Baudrillard e outros,

^sociedade pós-moderna é estruturada e re-

produzida pela "úda como imagem". Gran-

de parte dessa concepção vem de Barthes(1987), um dos primeiros teóricos a decifrar"imagens" da sociedade e a revelar a im-portância de compreendermos a paisagem

cultural cotidiana por outros meios além da

linguagem (Duncan e Duncan, 1992). Queraceitemos ou não essa posição, fìca eüdenteque abandonamos uma compreensão umtanto ingênua das imagens cinemáticas como

coisas que meramente apreendem, imitamott refletem pessoas e lugares. Em vez disso,

como Jeff Hopkins apresenta de maneiraclara, essas imagens são eventos signifìcantes,

não sendo observadas passivamente, mas sim

reconstruídas ativamente à medida que são

vistas. Hopkins estabelece cuidadosamentealguns dos modos como imagens do cinemasão usadas para criar uma "impressáo de

realidade" por meio da rápida sucessão de

signos icônicos. O elemento fundamental de

sua argumentação é uma definição clara de"paisagem" e "lugares" cinemáticos, por meio

da qual ele estabelece a natureza de uma

geografia ancorada na representação. Ho-

pkins também assinala que abordar o fìlme

24

_ :llo Llma parsagem semiótica não está tãc:-s:ante assim de algumas das permanenter::iocupações da geografia com a paisagem::-..rerial. O lugar cìnemâtico que-Hoplirxi.rscreve abrange diversos tipos de tempo, de::Dâco e de geografia, que se aglutinam parar:,,rcÌtrzir uma paisagem heterotopica. Cãmo- rpectadores, podemos ,,suspender

nossa::icrença" e aceitar os signifìcados ,,dúbios,,

- ,:'istmídos nessa paisagem. por exemplo,-,tnrris Wood, no ensaio sobre The outsìders^y:31, ilustra como o diretor Francis Ford-,ppola cria uma paisagem heterotopica ond,e: --rtrrnutfidade se perde porque todos estão

:tILlrrâlados "outside" ["do lado de fora"]-"= a aceitação de signos de afiliação a gru_:. . específicos, que são ,,substancialm..rt.L -r.rs que a totalidade humana,'. Martyn:, -

-...dsn, na análise semiótica que faz de; :,iots of fire (1g8l) e de The tonàtiness of the. .-distance runner (1962), nos fornece ortro

. rcntplo concreto da paisagem heterotópicar:icrita por Hopkins. Bowden mosra como:--úgens-evento estão, nesses dois filmes, re_

:-e :as de códigos semióticos relacionados à--:; de classes britânica. Também estabelece

:-: 'r.rtis relações intertextuais desses filmes

- :r a obra de William Blake, grande poeta. -- lr ersivo britânico.

Embora os filmes não sejam referenciais: '.rnìa realidade além deles próprios, são:-rramente intertextuais no sentido de in__ _ rporarem outros textos culturais e, como- - nsequência, produzirem e comunicarem:--iÍìcado. Esse significado será diferente:.Ja pessoas de diferentes lugares, culturas,

25

Page 14: cinema, música e espaço

classes e momentos históricos' Desenredar

essa intertextualidade é um problema que

apresenta alguma complexidade e torna-

rË mais confuso se admitimos que hoje a

maioria das culturas e sociedades foi de

algum modo atingida pelo cinema e pela

tel-evisão. A capacidade do espectador par-v

"ler" um film. d.p.ttde, além de tudo' de

uma familiaridade com estruturas intertex-

tuais: um conhecimento da linguagem do

cinema em seu atual ponto ,de dese"t:lli

mento e uma compreensão das convençoes

narrativas apropriadas' Uma discussão sobre

à representação intertextual e multivocal

do 'ireal" exige que sejam c-onsideradas as

convenções narrativas que um realizador de

filmes pode adotar pararevelar sua versão da

realidade e que sejam reconhecidas as com-

plexas forças sociais, políticas e ideológicas

q.r. podem afetar essas convenções' Além

de discutirmos algumas dessas convenções

d.e narrativa naquilo em que se reTacionam

com a produção de imagens de lugar' parece

adequâdo resumir as maneiras como alguns

geógrafos e teóricos do cinema abordaram

ã itti.tt.xtualidade e a multivocalidade com

as quais o real é rePresentado'

Cuncnxoo Ao ^RËÁL NA GEoGRAFIA

E NO CINEMA

Uma introdução à teoria contemPo-

rânea da geog rafia humana teria obriga-

toriamente de descrever uma abordagem

26

-:t-. tanto eclética. Alguns diriam que os- . -'-rdos de Doreen Massey, Michael Dear,L.'. icl Harvey e Ed Soja estabelecem uma, j !e coerente païa a teoria contemporâ-r-:: rpós-moderna) da geografia. Outros. -.eririam que deveríamos nos desviar.,:almente da teoria, apelando diretamente:::a a experiência de lugares ou para uma- - rlpreensão especificamente geográfica do:- -lndo. A maioria, contudo, concordaria-.':ú a geografia humana está ancorada nas:- -:tár'eis interseções entre sociedade e espa-- ,. de um lado, e, de outro, entre pessoas

= r',rgar. Evidentemente, há muito debate:.,,'lre as categorias tradicionais que moldami rompreensão de nosso lugar no mundo

= sobre a maneira como re-apresentamos: ússoas, lugar e espaço. O problema de

=:render essas categorias mutáveis talvez::-iha sido melhor resumido pela afirma-

. . ., de E ntrikin ( 1991, p. 5), de que, a:,::ir da vantajosa posição descentrada,' :eoria, o espaço torna-se uma série de:.:t-ões gerais e, assim, perde muito de

t,.. significação para a ação humana. por. -:rf lado, em uma perspectiva centrada no

: - Èno. o lugar deriva significado a partirr: i'-Ìâ relação com os objetivos e interesses-- '-ìn'ì indivíduo. A sugestão de Entrikin:: ,llle o lugar é visto melhor a partir de:.-:.ros "no meio" (in between, Íro original), , ::ece um foco para a prâtica da geografia. -,,cie mica. A seguir, através do estudo de::--rí)s de comunicação populares, discuti-:-'-ls brevemente algumas das formas como: geógrafos lidaram com essa col ocação

27

Page 15: cinema, música e espaço

de Entrikin e, depois, como os teóricos do

cinema defrontaram-se com a representação

da "realidade" geográfica.

Esruoos cnocnÁncos E A

REALIDADE DA ntÍom.

Ultimamente tem haüdo entre os geó-

grafos um interesse crescente pela descrição

áe paisagens culturais através dos meios de

comunicãção de massa. Duas séries de en-

saios são precursores especialmente dignos

de nota. Geography, the media, and popular

culture, organiiado por Burgess e Gold

(1935), foi uma primeira tentativa de reu-

nir a relativamente desconectada literatura

existente sobre geografia e estudos da mídia'

O livro estabelece duas correntes de pensa-

mento oriundas, respectivamente, da Europa

e da América do Norte' A escola europeia

focaliza as relações da mídia com outras

formas culturais e políticas e é regida pelo

estruturalismo e pela semióticà'J^ a escola

norte-americana preocupa-se com os efeitos

da mídia nas atitudes e nos comportamentos

individuais e é regida pela psicologia social e

cognitiva. Mais recentemente, Burgess (1990)

su[eriu que a pesquisa sobre mídia estava

co"ntaminada pétu, tendências reducionistas

de um paradigma comPortamental oriundo

basicamente dos Estados Unidos' Essa crítica

parece um pouco ingênua, especialmente

ãevido à importância atribuída ao feminismo'

à desconstrução e ao pós-modernismo pelos

28

:":.--:d,os norte-americanos sobre mídia (cf.:=:-ier. 1988; Silverman, 1988; Erens, 1990;

-"=:rzin, 1991). Também deveria se creditar: .iograÍia comportamental da percepção

:aro de ter oferecido à disciplina uma::-neira série de teorias coerentes sobre::iens e relações pessoas-ambientes (ver---jen. 1991b, 1992). De qualquer forma,; irectos reducionistas de um paradigmair-rnìportamental em estudos sobre essa dis-ciplina diminuíram tanto na Europa quanto:ra .{mérica, isto em favor dos estudos críticosr culturais, com os pesquisadores tentando,hegar a um acordo quanto às complexas:',rnÇões ideológicas de textos sobre mídia,:,,-)r meio da investigação da produção e

-,-rnsurrìo de significados. Nos ensaios que::rlegram Place images in media, organizador',,r Zonn (1990), a predisposição volta-se:.lra a produção de significado em termosj,-,s que retratam e criam imagens de lugar.'--r propósito dessa coleção é propiciar uma- -,rÌrpreensão dos processos pelos quais a":iormação é transmitida por vários meiosrú comunicação, com um foco específico:.a-s representações de lugar.

Nenhum desses dois volumes de estudosjesenvolvidos por geógrafos preocupa-se.í-)letivamente com os elos específicos en-::e geografia e representação cinemática.\Ìguns trabalhos individuais de geógrafosnencionaram esse tópico. Por exemplo,rstndos anteriores de Zonn (1984, 1985)::atam de paisagens australianas apresenta-jas nos filmes daquele país, recorrendo à:eoria psicológica para abordar as relações

29

Page 16: cinema, música e espaço

entre o público e a paisagem australiana

por meió do filtro da imagem retratada

pelo cinema. Gold (1984, 1985) demonstra

como paisagens urbanas futuristas retrata-

das em filmes como Metropolis (1926)' de

Fritz Lang, e Just imagine (1930), de David

Butler, refletem estruturas sociais e políticas

contemporâneas. Contudo, apenas recente-

mente os geógrafos começaram a prestar

atenção nos filmes como representações

textuais e no poder do cinema de modelar

a cultura contemporânea. Em The condition

of postmod,ernity, Harvey (1989) discorda da

i.p..t..ttaçâo da cultura em Blade runner

(1bS2), de Ridley Scott, e em Wings of desire

(1988), de Wim Wenders' Ele vê ambos os

filmes como parábolas onde conflitos pós-

mod.ernos são colocados em um contexto de

acumulação flexível e de compressão tempo-

espaço. Os conflitos ocorrem entre Pessoas

vivendo em diferentes escalas de tempo e

de resoluções espaciais. Harvey (1989' p'

322) considera que' embora os dois filmes

sejam "retratos brilhantes"' das condições

dã pós-modernidade, especialmente da ex-

periência conflituosa e confusa de espaço

e tempo, nenhum deles tem o Poder de

subverter maneiras estabelecidas de ver ou

de transcender as condições conflituosas do

momento". Ele atribui isso a contradições

inerentes à própria forma cinemática' que se

propõe a "ieduzir as complexas estórias da

uiaá cotidiana a uma sequência de imagens

em uma tela sem profundidade"' A impressão

de Harvey de que as qualidades miméticas

do cinemu, .rrrbora reveladoras, pouco mais

30

:::úm do que espelhar as condições da ex-:'=:rencia vivida não é partilhada por todos- :eógrafos que trabalham com cinema. O

....aio de Aitken (1991a) sobre Bill Forsyth:::.1âlâ que muitos dos filmes desse diretor'i-'-,cêS são inundados por uma narrativa:-::s ampla, que sutilmente transcende e- . --';erte alguns discursos dominantes sobre. -.iltura escocesa. Esses discursos dizem-=.reito a um passado mitificado de heróis,-rntes, porém malsucedidos, ou descrevemi ascoceses como um povo provinciano,- -"do. pobre, avarento, humilde, puritano., :rimeiro discurso é apoiado por filmes- . ,-',lçoodianos, de Rob Roy: the highland rogue-:i:lr a The highlander (1986, também The

" :;'aitder 2: the quickening, 1992, e a série, - .lima de televisão, da Fox Network); o

.::o discurso é exemplificado por uma série:: :llmes dos Ealing Studios, em Londres'r; irÀl galore!, 1949; Geordie, 1955; Rockets

t,' .t',:.t. 1958). Essas representações criam:-.e Escócia contemporânea de capacidade

-.:rintrída, na qual o poder político e a::.ncieza cultural são historicizados e, por-' 1:-:o. tornados inacessíveis. Aitken (19gla):- -'-,rporou uma análise detalhada de estru-.:r e ritmo nos filmes escoceses de For-

.- -.:i rThat sinkingfeeling, 1979; Gregory's girl,- ::r,r: Local hero, 1982; Comfort and joy, lg84),-::3 mostrar que uma montagem comple-,.: - que utiliza aposições, contradições e

-,':aridades no âmbito dos personagens,r:) linhas de diálogo, do ambiente e dos:- -:dentes que compõem a narrativa ime-:-::a - pode comunicar uma narrativa mais

31.

Page 17: cinema, música e espaço

ampla, que subverte discursos dominantes.Mais recentemente, Aitken e Zonn (1993)

refletiram sobre a relação entre narrativasimediatas e mais amplas, ao investigaremos filmes de Peter Weir, sobre masculini-dade e feminilidade em Gallipoli (1981) ePicnic at Hanging Rock (1975). Eles utilizamperspectivas transacionais e psicanalíticaspara discutir as imagens de gênero nesses

dois filmes, ligando-as a diversos conceitosdifundidos pelo ecofeminismo. Nos filmesde Weir, está sugerida uma narrativa maisampla, que comunica uma ordem sexualpós-moderna e suas representações na te-oria social e no cinema contemporâneo.Aitken e Zonn (1993) também evidenciamum ethos masculino dominante, que é partedifusa da identidade nacional australiana.Essa utrltzaçáo uso do cinema popular parareificar a identidade nacional é abordadopor Zonn e Aitken, que enfocam um usomuito mais insidioso de imagens nacionaispreconcebidas sobre gênero, em um filmepara crianças, Storm boy (1976), que foipatrocinado pela Australian Film Commissione pela South Australian Film Corporation.

Geógrafos também consideraram o esta-

belecimento das narrativas mais amplas quepodem ser encontradas em documentarios.Natter eJones (1993) abordam o uso que odiretor Michael Moore faz de montagem e

ritmo no documentário Roger U me (1990),que versa, ostensivamente, sobre a fracas-

sada tentativa de Moore de confrontar opresidente da General Motors, Roger Smith,mas focaliza também as consequências sociais

32

: econômicas do fechamento das fábricasi.1 General Motors em Flint, Michigan- A.. rrrariva mais ampla de Moore desnúda as- ,nsequências locais da ganância corporativa.\:rrer e Jones ligam o trabalho dé Moore1 _, de Bertolt Brecht, no sentido de quei.',i objetivo não é somente entreter, mas-:nbém instruir, por meio de várias técnicasr-,t, âmbito da narrativa imediata (monta_.-nì. música popular, desfamiliarização e.-ienação), para esdmular novas maneirasl- pensar em oposição ao capitalismo (a:-en-ariva mais arnpla). Eles também discutem=

-objetiüdade" na tradição d,a fìlmagem de-ì,-rCltrrìerÌtários, no sentido de q.r" Moora.-nÌ o objetivo de trazer sua própria pers_:ectiva para os temas que retrata em Rogn;- t/t€. Wolfgang Natter aprofunda sua d-is_,.-r-i5f,s sobre a objetividade do documentário=tt Roger U me mediante uma análise das- ,,nvenções da narrativa utilizadas por WalterR.irrtmann em Berlin, sym.phony of aiüy (lg}7).ru-,lltaremos logo a discutir o realismo, mas é-:llportante notar que o ..efeito realidade', doj,lcurrìeÍrtário é, como no filme de fìcção, o:esr-rltado do bom desenvolümento de uma'ede de convenções da narrativa que são.,-,cial e culturalmente mediadas (Natter e

-,i,,,,Ìtes, I 993) . Outro geógrafo, Jenkins ( I gg0),:rostra como um relato dessa mediação é am_:liado pela compreensão dos muitos ,,níveis

ie explanação" que podem ser desvelados na:rodução de documenrários. Ele elabora umestudo impressivo sobre como a produçãoCe um documentário influencia o ietrato de1'.rgar. Seu tema ê o filme de 50 minutos de

33

Page 18: cinema, música e espaço

David Kennard intitulado Eating (1984), Qrre

focaliza a alimentação e a agricultura em di-

ferentes áreas da China. Jenkins enumera as

tendenciosidades dos filmes ocidentais sobre

a China e, então, procura desemaranhar a

extremamente complexa série de práticas,

pessoas e eventos que abrangem o processo

de produção do filme. Sua perspectiva está

colocada em termos da produção de signi-

ficados, mas claramente se preocupa com

as tendenciosidades dos fìimes ocidentaisreferentes ao Terceiro Mundo. A naturezade tais tendenciosidades, incluindo a pre-

ocupação com a eftcâcra do Estado-nação,

prossegue em outros textos.

Esruoos soBRE cINEMA E

REALIDADT crocnÁnce

Curiosamente, há certa ressonância en-

tre a teoria geográfica contemporânea e os

estudos sobre cinema, no sentido de uma

iconoclasia contra categorias estabelecidas,

como ressaltam teóricos como ChristianMetz, Stephen Heath, Sol Worth, RaymondBellour, Norman Denzin, Roland Barthes,

Jean-Louis Baudry e Thierry Kuntzel' Aprincipal preocupação desses teóricos gira

em torno da produção de signiÍïcado notexto de um Íìlme, nos modos como umtexto constrói um tema a ser exibido e nos

modos como o próprio mecanismo da pro-dução cinemáti ca afeta a representação e oreal.IJma parte da discussão sobre teoria do

34

,_:::.r qì_le se refere à prâtica da geografra:* - ::sDeito ao aspecto mimético do ciÀema.-' :. r srÌa capacidade de criar um modelo

. _ - r _, do mundo, ou seja, construir uma re_r-_,--- re na mis-en-scènedo cinema de ficção ou

-- :poração de uma série de convençõest,: r..-:r-àtiva. Logo voltaremos a falar sobre:*i.:: i.rnvenções de narrativa, mas primeiror:" :rtoS contestar a noção de realismo no. ::::a. Se o cinema, mais do que represen_'" - :-rstitui a realidade, então precisamos::":rsar a distinção entre cinema de ficção'.,-- . ! cinema documentário, que tradicio_: :l-enre se baseia em um nível intencional: :t.rlismo. Também precisamos consid.erar--:.dosamente quem toma decisões sobre, :e é e o que não é representado, como.:f resentado, o grau de ,,objetiüdade"

as_.-::.do a essa representação e os contextos: :11â recepção.

\os anos 1930 e 1940, o realismo poé_

::paco do cinema é o espaço da reahdádebição e o triunfo do cinema: l'_re a ambrçao e o triunfo

'.. -reproduzir a vida" (Sad(Sadoul, 1972).1-o:im. a câmera "captura a realidade" e faz::::ega da "natureza apreendida no ato,,.:-;'is a Segunda Guerra Mundial, vieram.

-r-emanha, que preferiam luz natural, con_:-\ros ao ar livre e atores não_profissionais=::t situações e narrativas do cotidiano que- _,rrespondiam especificamente aos even_: -,r que eles retratavam. Na mesma época,:lrerores soúéticos como Sergei Eisenstein

35

Page 19: cinema, música e espaço

( 1949 ) estavam abrindo novos caminhoscom KinuPraada (crnema-verdade) e o uso

de montagem editada. Embora John Golde Stephen Ward estabeleçam a força dorealismo documentário britânico dos anos

1950 e 1960, quando os diretores de cinematentaram estabelecer a "trivialidade" da üdaem British Ì{au Towns, foi o neorrealismo dos

dramas ingleses "cozirtha-pia" que captou opensamento socialista e humanista em tornode pessoas comuns, em lugares do cotidiano(ver Higson, 1984).

Nessa época, o realismo na Produçãonorte-americana de cinema tomou uma for-ma ligeiramente diferente. Embora diretoresde documentários, como Paul Strand e Leo

Hurwitz, tenham sofrido a influência de Ser-

gei Eisenstein e do Kino-Praada, eles estavam

muito mais preocupados em documentar a

"verdadeira" relação com os eventos que es-

tavam retratando do que com o interesse de

Eisenstein em "criar um efeito cinemâtico".Esse tipo de realismo norte-americano atin-

giu seu auge com a obra de Andy Warhol'Seus dois primeiros filmes - Sleep (1965, umhomem dormindo durante seis horas) e Em-

pire (1967 , o Empire State Building simples-

mente parado ali) - eram tão elementares

e rotineiros que atraíram Pouca atenção

artística ou comercial (Colacello, 1990, p'29). Um descaso tão evidente pela técnica

do cinema e pela convenção cinemáticafez com que comentaristas como Arnheim(1969) opinassem que, se o cinema tentasse

reprodu zir mecanicamente a vida real, então

não constituiria uma forma de arte.

36

Uma perspectiva "realista,' contempo_:::lea sobre o cinema tem em Kracauer-:ôU) seu defensor mais convincente. Em

r rr\ e s palavras, essa perspectiva considera:- *úm assiste a filmes como mais do que*:- espectador; ele deixa escapar o real e- '-raído pelo filme porque este lhe d,á a- --.ão de partilhar indiretamente da vida=:: roda a sua plenitude. Dessa forma, os:-:etores, cautelosos, devem representar:- . filmes eventos e personagens em tod.o. :eu ser fenomenológico, para que o es_:.:rador possa assumir a posição de par-.- - iDante. O cinema disfarça o real ausente,:r uma realidade simulada e construída

: --,;rrÌpensa essa ausência devolvendo para, -spectador partes de uma inteireza ima-.-:iária (cf. Lacan, 1978; Aitken e Zonn,-:13r. Além disso, e mais importante, tod.o:--:re é inerente e inevitavelmente subjetivo: -orÌto tal, possibilita o mau uso potencialr - conceito de "objetividade" quando apli-- - 'Co à feitura de "documentários,', porque,:.as formas de expressão procuram des--É:rrrar os realizadores do filme (e uma: ,ricão ideológica) em favor do tema, que=':á fixado no mundo social e físico. Esse::-,-rdo de pensar o cinema encontra forte:..:onância com a "crise de representação"l- ie ora impregna a maioria das ciências. -,ciais, inclusive a geografia (cf. Clifford,-:36; Clifford e Marcus, 1986; Barnes e)-rncan, 1992). Podemos suscitar uma,.cri-tr de representação" com base na simples: e rspectiva de que nada no mundo é fixo: imutável. E agora que estabelecemos as

37

Page 20: cinema, música e espaço

coisas sobre fundações em movimento. Nãohá mais nenhum lugar de visão privilegiadaa partir de onde se possam mapear os mo-dos de vida humanos (Clifford, 1986,p.22).Ao mesmo tempo em que tem uma relaçãofotográfica com a realidade, o cinema é umdiscurso, às vezes uma visão pessoal, massempre somente uma versão da realidadeda qual ele passa por ser a representação(Hedges, 1991, p.35).Dizendo de formasimples, tornou-se claro que toda versão(imagens, representações, filmes) de umoutro é também, e talvez mais, a construçãode um self e a produção de um texto. Filmesnorte-americanos sobre locações "exóticas"geralmente dizem mais sobre o capitalismoe sobre Hollywood do que sobre v poéticacultural de onde foram filmados.

Assim, um desafio de importância pre-mente é a conceitualização da comunicaçáodo cinema em termos das estruturas sociais

que guiam e são guiadas por aqueles querealizam filmes e pelo público, em umainterdependência complexa, dinâmica e

simbiótic a. Hâ sinais de um maior interes-se em estabelecer elos entre os filmes e os

contextos geográficos e históricos específicosem que eles são produzidos e consumidos.Essa necessidade foi reconhecida por pesqui-sadores desse meio de expressão, que cada

vez mais focahzaram a significação políticado cinema e como ele subverte ou sustentaideologias e formas culturais dominantes (cf.

Short, 1981;Rattigan, 1991). Gerald MacDo-nald examina a colagem da política culturalglobal, abordando a tensão criada entre o

38

- =:ceiro Cinema (o cinema da política ra_- _ il r e a condição do Terceiro Mundo. A:rpreensão da produção e do consumo

:, crÌlema na atual sociedade global deve:-_Ìuir uma análise da interdependência:: lugares e sentidos que não privilegiam. :inema como uma mercadoriã. Assi-, o. :.edvo do Terceiro Cinema é colocar_se, d.e-::- lado, contra o interesse pelo lucro doJ::neiro Cinema, baseado .- Hollywood,= Ce outro, contra o elitismo do Segundo- -rema, orientado para a arte. para MãcDo_-.1d. além do estudo da produção artística: -écnica, uma geografia do cinema, ou a:-.:dr do cinema, detém-se nas ramificaçõesr-;iais e políticas de seu consumo. Ele afir_:-,. que diretores latino-americanos como:::nando Solanos e Octaüo Getino estavam:::re os primeiros a compreender e articu_,:: os contextos limitados do discurso e da- -,nvenção narrativa do cinema derivado do:.pitalismo global.

Voltamos, então, à capacidade de umi-rte produzir e sustentar sentido _ que,:rro no documenrário quanto no filme deiccão, não deriva do grau d.e ,,realismo"

doi1me, mas da construção bem-sucedida de'-::lta série de convenções narrativas. Mais::lrportante ainda: é pelo menosprezo oupela desconstrução da convenção narrativallÌe os discursos dominantes podem ser:ontestados. Agora nos deteremos em uma.onsideração mais explícita sobre a relação-ntre convenção narrativa e a criação de,ugares no espaço do cinema.

39

Page 21: cinema, música e espaço

Cnrecao DE ESPAÇo E LUGAR No cINEMA

É aatto que "eventos acontecem"'

Michael Snow (in Heath, 1981 , P' 24)

A capacidade de um filme possuir sen-

tido é a maior medida de seu sucesso' A

produção de sentido que é compreendidapot .,* público constitui, é claro, a essên-

ãiu bári.a da comunic açío cinemática, mas

os atuais processos de comunicaçã'o são

de natureza e função bastante complexas'

Em um nível, o espaço criado pelo filme é

simplesmente o fotograma dentro do qual

um tema está situado, e 24 desses fotogra-

mas passam diante de nossos olhos a cada

segundo. Esse espaço possibilita que o tema

ao nme se desdobre de inúmeras maneiras'

que podem ser controladas pelo diretor'Contudo, mais do que um espaço neutro'

essas tomadas necessitam de ser lidas como

luga,res reais, com seu próprio sentido de

geografia e história. Como tais, elas au-

ienticam a ficção do cinema narÍ^tivo e a"realidade" do cinema documentário' Isso

nos con d:uz a uma questão hoje colocada

com insistência prática e crítica na produção

de filmes e na teoria do cinema, referente

ao modo como o espaço cinemático pode

construir lugares que "sustentem" a açío

do filme. Como sugere Larry Ford, lugares

não interessavam de modo especial nos fil-

mes mais antigos' porque geralmente eram

percebidos como meros panos de fundo

puru a açío viva. Mas logo os realizadores

40

-= fìlmes perceberam que, para a ação ter-:,dibilidade e para o público suspenderr.-. descrença, o lugar e o espaço do filme:.- Ceriam ser amplamente explorados; en---:-,. começaram por utilizar e expandir as

- :r'enções narrativas da literatura para criar,,:ìares e espaços que pudessem "sustentar", .cão. Ford discute o uso da sombra para:::resentar ruas e vielas malevolentes nos

---::^es noir norte-americanos dos anos 1920

- -',r30. A cidade torna-se um lugar com ca-

:=:'.erísticas humanas: má, sinistra, alienada.

-, ,tttor sugere que o retrato de uma cidade:-atStrâ se perdeu com a introdução da cor= rlle só em filmes mais recentes, como:,:,1,e ìunner (1982, 1992) e Batman (1989),

rerÌero noir conseguiu impor-se em Íilmes- -.,rridos. Í{áL importantes convenções nar-:-lrvas no uso da cor e, quando um diretor. - :ro Woody Nlen, em Annie Hall (1977),r:^-\â de considerá-las para estabelecer um- :llraste entre Nova Iorque e Los Angeles,. iesultados são bastante provocadores.

Embora cor e sombra sejam partes:--Dortantes da convenção narrativa, a

=.e rrcão foi dirigida prioritariamente para-':icnlações espaciais e temporais" e para- -:f os de espaço" e suas determinações ou:---DtrÌras (Burch, 1973; Heath, 1981). Como-.:kobson especificou há muitos anos, "o,-: ema trabalha com vários e diversificados-:-.{mentos de objetos que diferem em sua

::-r{nitude, e também com fragmentos de. -:lpo e de espaço igualmente diversificados;:-c modifica as proporções desses fragmentos: -rs justapõe em termos de contiguidade,

41,

Page 22: cinema, música e espaço

ou similaridade e contraste" (1933, p. 46).Christina Kennedy apresenta um bom exem-plo de como um diretor de cinemajustapõeimagens e personagens para criar uma nar-rativa de proporções espetaculares e míticas.Lawrence of Arabia (1962), de Daüd Lean, é

um retrato complexo de um personagemesquizofrênico em um tempo e lugar esqui-zofrênicos. Retratando o deserto de maneirasdiferentes, Lean ressalta as mudanças nasrelações de Lawrence com as pessoas à suavolta e com as culturas ârabe e britânicanas quais está enredado. Assim, dunas on-dulantes, vastos panoramas e crepúsculosno deserto realçam o desenvolümento doheroísmo de Lawrence, juntamente comseus grandiosos planos para a ,\râbia; su-

perfícies de terrenos alcalinos e paisagenssemeadas de monótonas rochas sublinhama deterioração do autocontrole de Lawrencee a revolta dos árabes.

O ritmo descritivo e narrativo do ci-nema opera continuamente para transfor-mar novamente lugar em espaço, quandopaisagens são descentradas para enfatrzara ação e o espetáculo. Parece, então, queexiste uma tensão importante entre o lugarno filme e o espaço do filme. Contudo, háuma maneira pela qual essa tensão é trans-cendida pela animação da paisagem comoparte da narração ou descrição. Situa-seaí uma importante geografia do filme. Olugar torna-se espetáculo, um significantedo tema do filme, uma metáforapara o es-

tado de espírito do protagonista. O uso doespaço cinemático dessa maneira pode ser

42

:. .:úroso. Lugares podem ser representados::: . que permeiem o sentido descritivo e o:-. *rt -, da narrativa ou podem ser construídos- :spaÇo cinemático para serem utilizados--,::leras vezes em circunstâncias variadas.I .:rportante usar o espaço do filme para:'-1. lugar, porque, como sugerem as pala-:.,'s de Michael Snow que abrem esta seção,

::- r gens-evento cinemáticas são demarcadas:":.a autenticidade do lugar. De acordo comï=,th (1981, p. 24), a ação de um filme: -:ende estreitamente da construção e--: -apropriação do lugar". O espaço de-:, filme é preparado antecipadamente- :lo imagem estática, uma série de cenas:= rr.rndo ligadas a uma estória. Articular.::,J.s de fundo é fazer com que a atenção* espectador se concentre nos atores e- r-- SeLIS diálogos. Somente quando a cena.: ftrndo torna-se o primeiro plano/ator- -lnra mis-en-scène, urn lugar dinâmico de, - "o. um espaço contínuo que atraí o es-: :ctador como participante, um movimento:: posicionamento e posicionado - é que a- nr-enção de narrativa cinemática torna-se. :^evante. Os personagens movimentam-se

- ,, e spâÇo de um lugar enquadrado e depoisìjem, criando a necessidade de reenqua-j:amento por um movimento da câmera- -l por uma nova tomada. As transições'ssim produzidas colocam de forma aguda o:roblema da construção fílmica de espaço,ie se obter uma coerência de lugar e de

'e posicionar o espectador como o sujeito-rnificado e unificador de sua visão. A visãoia imagem é sua clareza narratla, e essa

43

Page 23: cinema, música e espaço

clareza depende da negação do espaçopelo lugar, do constante centramento dofluxo de imagens, dos eventos acontecendoe do movimento narrativo (Heath, 1981,pp. 36-9). O espaço fixo é problemâtico,porque não cria lugar. O espaço cinemáticoprecisa ser dinâmico, em prol da unidadeda ação, do lugar e da visão do especta-dor. Essa unidade é concebida a partir dasconvenções narrativas da literatura, que ocinema explorou e ampliou.

O ritmo e a dinâmica do filme n.arra-tivo - sua estética e potencial comunicativoe seu papel na percepÇão do filme - foramum foco importante dos teóricos-diretoresdo cinema soviético dos anos 1920 e 1930(cf. Jackobson, 1933; Eisenstetn, 1943, 1949).Alguns desses teóricos sugeriram que aacuidade e o envolvimento intensificadosdo espectador com o filme muitas vezesestão associados à violaçã,o fílmica das con-venções narrativas da literatura, por meioda montagem visual e de outras técnicas.Para Eisenstein (1949), a "colisão de ideias"que compõe a imagem-evento cinemáticapode ser vista como uma violação especialda convenção narrativa. Worth (1981, p. 51)reinterpreta como "conflito" a "colisão" deEisenstein e propõe uma dialética pela qualuma imagem-evento representa um conjuntode "ideias", e, da colisão de uma imagem-evento com outra, emergiria uma terceiraimagem-evento. As imagens do cinema tan-to podem abranger eventos comuns comoextraordinários. Um bom diretor explora a

transformação dialética que ocorre com a

44

--':aposição satisfatória de imagens-evento: :rlrns e extraordinárias (Aitken, 1991a).ì.ir-rmindo, elas criam um espetáculo.

O vovnun E A NATUREZA oo psprrÁcut-o

A narrativa nunca exau-re a imagem... A narrativanunca pode conter o filmeinteiro, que permanentemen-te ultrapassa suas ficções.Stephen Heath (1975, p. l0)

\ão há descontinuidades no tempo e:- espaço da vida real. Isso também não

,,- -rrre com o cinema. Mas como é possível:S:ú rÌlâlabarismo com espaço e tempo no. -:.e ma sem causar aflição no espectador?-{ " duas respostas possíveis para essa ques-

=-,. Primeiro, a composição e ritmo de um:ì-::re e a aderência a alguma convenção-,.:rativa conhecida produzem o efeito de.:e algum evento está realmente acontecen-'. Segundo, isso estabelece uma "imagem".

r criação de uma imagem em algum tipojt narrativa sugere que cenas distintas em.:npo e espaço não são arbitrárias. Se as-:ragens do fìlme produzissem uma forte-:::pressão espacial em vez de uma imagem:e lugar que autentica a Íicção, então a mon-:fem e outras convenções narrativas seriam: rovavelmente impossíveis. São sua parcial-::ealidade e nossa disposição de suspender

' descrença que fazem do cinema um meio

45

Page 24: cinema, música e espaço

tão poderoso. Existe, contudo, uma tensãoentre imagem e ritmo, no sentido de 9üe,embora a narrativa procure fixar o sentidode uma imagem, Ìlrá. sempre mais do quea rrarrativa pode assegurar. Nesse sentido,Harvey (1989, p.32I) tem razáo quando dizque o cinema reduz "as complexas estóriasda üda cotidiana a uma sequência de ima-

gens em uma tela sem profundidade". Nãoobstante, essa assertiva ignora a posição doespectador como um participante ativo quecompreende a convenção narrativa e está

disposto a suspender a descrença para ser

transportado para além da narrativa imedia-ta de um filme. Ao mesmo temPo em queimagens-evento são organizadas predomi-nantemente para assegurar a importânciada narrativa, elas se manifestam como algo

fascinante nelas mesmas, uma fonte de prazerüsual, um espetáculo. Então, estabelece-se

uma tensão não apenas entre espaço e lu-gar, mas, simultaneamente, entre narrativae espetáculo.

Narrativa - em parte, o senti-do de algo que está ausente, ins-

talando um desejo de exPlorar,de descobrir o que está faltando,de dirigir-se para uma nova cena,

e a possibilidade de conseguir o

que é desejado; dessa maneira,motivada por uma curiosidadevoyeurística. E esPetáculo - o

espectador confrontado Poruma imagem que é tão fasci-

nante que parece completa; não

mais o sentido de algo ausente;voyeurismo obstruído em ummomento de fetichismo (Higson,1984, p. 3).

Eriste aí também uma importante geo-.:-.-ia feminista (cf. Aitken e Zonrt, 1993).,{-:irer- (1975) assinala que voyeurismo e

-::chismo, como formas de prazer üsual,,.i - parte da clássica narrativa dos filmes,- -.inçoodianos, nos quais "o espectador--a. a câmera olha, o personagem mas-

. -.-:r'ro olha, e a personagem feminina é

':,1d' (Saco, 1992, p. 28). Dito de ourra:--.:'ieira, nesses filmes as mulheres nunca sãoi:lÌ-esentadas como self rnas como o ou,tro,

-,rntinente negro, o amor insuflado no-r')r ou os valores dos quais a protagonista

:: --: te iltando escapar. Voyeurismo envolve--:- processo pelo qual a "contemplação:-..crilina" procura exercer poder sobre o

-.e to de seu olhar, marcando-"a" como' . :ìpada" (Mulvey,1975, p. 11). Fetichismo,:.. : outro lado, envolve a adoção da imagem:::.rnina como um espetáculo tão completo, -.- desautoriza o complexo de castração:-r-.culino. Em vez de querer punir o outro:=:::inino, o fetichista o alça como um objeto:. desejo ao nível de espetáculo. Assim, o:=-rchismo leva a uma reificação da imagem:.::rinina, como está tipificada no culto da

=.:rela de cinema (Mulvey, \975, pp. 13-

- + . A atitude militante de Mulvey contra o.,

-,.. eurismo e o fetichismo convencionais da::,ação dos espectadores masculinos com as

:-..ilheres nos fìlmes de Hollywood forneceu

46 47

Page 25: cinema, música e espaço

a primeira reflexão feminista das relaçõesentre espectadores, realizadores de cinemae convenções narrativas dentro das fron-teiras de uma ideologia patriarcal (Penley,1988, p. 6). Flitterman (1985) ampliou atese de Mulvey para quando o personagemmasculino é tornado o objeto de desejo (cf.Saco, 1992, p. 29). Nesse contexto, o gênerodo buddy-rnoaie lfilme de camaradas] - taiscomo Gallipoli e The outsiders - é percebidopor escritores feministas como adotandoum erotismo homossexual ativo que afastaa necessidade da mulher representada comoo outro (por exemplo, Silverman, 1988). Elesafirmam que o gênero buddy-moaie afasta oproblema que se observa com as mulheresretratadas no cinema de narrativa contem-porâneo, que têm pouca relevância alémde sua representação como objetos sexuais.Esses críticos feministas sugerem que a pre-ocupação se volta para os vários tipos deregressão masculina - física, psicológica e

histórica - que conjugam nostalgia do pas-

sado e da infância com temores masculinosrelativos ao corpo (Modleski, 1991).

Embora haja muito mérito na teoriapsicanalista feminista, consideramos quea participação de um espectador em umfilme é dinâmica e muda continuamenteà medida que o texto se desenvolve e pormeio da ação da convenção narrativa. Essa

perspectiva decorre da teoria transacional,e seu valor é deixar em aberto a questão daprodução de diferença sexual no filme, emvez de presumir de antemão a sexualidadedo personagem ou observador. Em resumo,

48

: rsicanálise feminista das narrativas do_-:únìa não vai muito longe porque sua: , :.srrução do espectador, da mesma forma: -,r a "vida como imagem,' d.e Baudrillard,: :xclusivamente em termos do processot: tÌlrerpelação. Argumentamos, com Sac<r-:12. p. 30), que a possibilidade de inter_::t-ão pelo espectador d.eve permanecer

1t":1â e que necessitamos de um diálogo: _ ]co que permita dar conta das maneiras:,:.-s quais espectadores e realizadores de,_:rnla possam conscientemente resistir a- .::ativas dominantes.

Os filmes ainda são representações do'";.. no entanto, e assim, quando o lugar é-j:-.:. parte integral da narrativa, muitas vezes: -- -:Ìizado metaforicamente como uma ,.ge_

'.:'eiìa da mente". Esse trabalho metafór[o: --:l rexto substituto para a vid.a, muitas:-:S discursivo na forma e disjuntivo no

-:-: rcto. Dito de outra forma, lugares man_::. acão no espaço cinemático de modo a:a:imar a representação como um eshdo-: rspírito. Dizemos isso no mesmo sentido:: -iameson (1984, p. g0), quando ele des_"::-..' o "mapeamento cognitivo,' como uma:.":. para a compreensão de representações). '.rcionais (imagens) como parte de uma- :alidade mais ampla e não representávelr: ::lodo adequado". O espaço cinemático,:*:-1o. pode ser üsto como um mapeamento. , -ririvo utilizado para reafirmar o self apre_:.-iendo parcialmente o real. Esse moáelo:-. -:iui um modo particular de olhar como. - 'e

n'ação, uma praxis para a geografia do:-::-e . uma crença d.e que podemo s aer o

49

Page 26: cinema, música e espaço

real rra representação cinemática. O retratodo lugar torna-se um "signo de realidade" -inferindo-se que ele expressa uma geografia,

uma história, uma memória, um sentido.

Questionamos anteriormente a distinção(para a geografia) entre as representações

da realidade e as condições materiais da re-

alidade. Se essa mesma questão tivesse sido

colocada no início da história do cinema, a

resposta seria dada sem grande problema' De

forma breve, a resposta teria reverberado a

assertiva de Louis Lumière de que o espaço

do cinem a é o espaço da realidade e que a

ambição e o triunfo do cinema são "reprodu-

zir avida" (Sadoul, 1972). Mais tarde essa su-

gestão foi desconsiderada porque signifìcava

qn. u câmera "capturava a realidade" e fazia

i .tttt"ga da "Írat:ureza apreendida no ato"'

Hoje, a noção de que o reel [o "carretel" de

um fìlme] é também o real seria talvez mais

digna de crédito, porque' em outro sentido

importante, a realidade - a combinação de

cinema e mundo - é uma questão de repre-

sentação; e a representação, por sua vez, é

uma questão de discurso; e o discurso é, em

parte, a organizaçâo de imagens e a constru-

iao a. convenções narrativas. A câmera não

reflete a realidade, mas a crra, dotanclo-a de

sentido, discurso e ideologia. E essa dotação

pode e deve ser contestada.Se concordamos com essa posição, pare-

ce então que tanto os geógrafos quanto os

teóricos do cinema devem estar convergindo

para preocupações similares. São preocupa-

ções que giram em torno de apresentar e

râapresentar os contextos dinâmicos da expe-

50 51

-:.,ncia üüda. Para os geógrafos, isso significa:s:ar ancorado basicamente nos lugares que.-.bitamos, enquanto os teóricos dã cinema::-\ergâIÌì uma ancoragem no espaço cine_:-,rico. Acreditamos que a experiência viüda: -ìfÌìâ fusão de rcapresentações ancoradas,,; um lado, em imagens cinemáticas e, d.e, -.:ro, em nossos lugares e práticas. Eviden_,::itente, muito ainda precisa ser dito sobre

:errato cinemático de pessoas e lugares e_ _:no a representação cinemática pode refor_-:: oll subverter os discursos que constituem. i ieografias contemporâneas.

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58

IIUM MAPEAMENTO DE LUGARES

] \EMATICOS: ÍCONES. IDEOLOGIA

_ O PODER DA REPRESENTACÃO

ENGANOSAl

Jnrr HorxrNs

Se a construção do lugar está no cerne-: geografia humana (Tuan, 1991, p. 684),. :roção de um lugar cinemático é, então,-:roCUpação fundamental para uma geo-.:'Íia do cinema. Compreender a formação: ,-i implicações sociopolíticas de um lugar

- mo este significa um desafio especialmente:--r-icado, devido à natureza rncorpórea doi::rbiente fílmico. Pela mistura de pessoas

- de tecnologia, tanto na frente como atrási' tela, uma imagem cinemática bidimen-i.,rnâl de luz e sombra projetada torna-se

\ realização deste trabalho foi possível graças a

*::-a bolsa de estudos de pós-doutorado na McMas-..: University, patrocinada pelo Social Sciences andl-::manities Research Council of Canada. Publicado::4inalmente como "A mapping of cinematic places:

, -' ,,rs, ideology, and the power of (mis)representation",--'. Place, pown, situation, nnd spectacl.e: a geography ofÌ".r. organrzado por Stuart C. Aitken e Leo E. Zonn

^ !t94). Os organizadores deste livro agradecem à

. iitora Rowman & Littlefield a permissão para tra-:'-uir e publicar este artigo. Traduzido por Márcial:izueiro.

Page 31: cinema, música e espaço

uma paisagem cinemática ilusória, tridimen-sional. Essa paisagem tem uma geografiaprópria, que coloca o espectador em umlugar cinemático onde espaço e tempo sãocomprimidos e expandidos e onde ideais,costumes, valores e papéis sociais podem serconfirmados ou subvertidos. O prazer pro-porcionado pelo cinema reside parcialmenteem sua capacidade de criar sua geografracinemática própria, mas também se deve aoseu poder. Consequentemente, a paisagemcinemática não é um lugar neutro de entre-tenimento, nem uma documentaçáo objetivaou espelho do "real", mas sim uma criaçãocultural ideologicamente impregnada, pelaqual sentidos de lugar e de sociedade sãofeitos, legitimados, contestados e ocultados.Intervir na produção e no consumo da pai-sagem cinemática nos possibilitará questionaro poder e a ideologia da representação e apolítica e os problemas de interpretação.Mais importante ainda, contribuirá na tarefamais ampla de mapear a geografia social,espacial e política do cinema.

Este texto faz uma incursão introdu-tória na abstrata e escassamente mapeadapaisagem do cinema, por meio de umaabordagem semiótica à questão da repre-sentação no cinema e da interpretação docinema. Tratar o filme como uma paisagemsemiótica - como um constructo humano.cultural, de signos e sistemas de signos sis-

tematicamente relacionados - significa levarem consideração persistentes preocupaçõesgeográficas com a avaliação da paisagem e

fundamentar teoricamente a produção e

60

. consumo da imagem fílmica a partir de

^rl campo bastante desenvolvido de estu-j -,s sobre cinema. Depois de clarificar os

, -,nceitos de "paisagem cinemática", "lugar

- :remático" e "semiótica", discuto a maneira

-,itìo as imagens de cinema são usadas para::lar uma "impressão de realidade" pela rá-

: rda sucessão de signos icônicos. A atenção:ão está voltada para os sentidos de lugar:-'rratados no filme, mas para os processos

itnióticos que criam a imagem fílmica e

=.imulam os espectadores a experienciar,-:l lugar cinemático ideologicamente im-::e gnado. O poder da imagem fílmica de

r:DreserÌtar de maneira enganosa o mundo:-:terial e social reside, conforme defendo,::r SLIâ capacidade de enevoar as fronteiras1-, espaço e do tempo, da reprodução e da

'-:rr.rlação, da realidade e da fantasia, e de

- :ì,scrÌrecer os traços de sua própria produção. :.ologicamente fundamentada-

O rtlun coMo uMA PAISAGEIT snlttórIce

ì

Estudos sobre cinema, semiótica e ge-

- -aÍìa partilham uma conexão üsual que

- - -rece uma fonte estimulante de insights

r -ianto à construção de cultura e ao (.e):'zer dos costumes, normas e valores da

.-,ciedade. A constituição visual e o papel

-trtral da "paisagem" na geogtafta, o fato

rc qlle o cinema é basicamente um meio

lc comunicação visual, a preocupação da

-.niótica com a produção e a interpretaçío

6l

Page 32: cinema, música e espaço

da cultura em tod.as as suas modalidades,tudo isso se combina para proporcionar umdiscurso potencialmente rico^sobre a (re)apresentação da cultura pelo cinema.

As tentativas de descrever, explicar eavaliar a feitura, o meio de .*prerrão, opúblico e as implicações do cinema inciuí-ram uma ampla variedade de perspectivas,que vão desde a esrérica (Arnheim, lg57),1j1!."pológica (Colier, 1967), a linguística(Bollag, 1gS8) e a psicológica (WoHËnsteine Leites, lg70) às abordu .r* mais recen_tes: a feminista (Kaplan, úgg), a marxisra(Zavarzadeh, lggl) e a psicanalítica (Ber_land, lgSZ). A semióticã, em parricular,nos últimos trinta anos tornou-se um ramoespecialmente bem desenvolüdo de estudossobre o cinem a, trazer-tdo importantes con_tribuições para nossa compreensão sobre aestrutura ou ,,linguagem"

do cinema, sobrea constituição da imagem ou signo Íílmicoe sobre os processos comunicaiivos do ci_n:ma (por exemplo, Wollen , lg72; Metz,1974: Lorman, 1976;Worrh, lggl; Winfried,1990). Embora conceiros geográn.", ,ui,coïo "espaço", ,,lugar" e ,,cãn âiio,, tenhamsido utilizados por teóricos do cinema (p;;exemplo, Lotman, lg76; Boggs, lgTB; dch_nathmeier, lg87) _ e apesar da naturezainterdisciplinar dos estuãos sobre cinema-, surpreendentemente têm sido poucos ostrabalhos elaborados por geóg.ufor, comhonrosas exceções (pó, ."ãrnpto, Burgesse Gold,- 1985; Eyles e peace, tggO; AitËrr,1991). É imensa, como assinaiamos no final,a amplitude da potencial pesquisa que se

62

:fre para uma geografìa do cinema. Portan-- -r. corìeçarei situando as preocupações espe-

- ífìcas deste estudo - ícones, representaçãorngâroSa e interpretação - no interior dos

-,rnceitos muito mais amplos de paisagem,--rgar e semiótica.

Analisar um filme como uma paisagemlandscape) é uma porta de entrada lógica

para a geografia do cinema. Paisagens, sejamelas naturais ou culturais, físicas ou imaginá-:ias, são, antes de tudo, constructos visuaisPorteous, 1990). O sufixo scape signifìca

-representação" ou "vista de" (Sykes, 1982,p. 935); land-scape é urr'a representação darerra: o ambiente real ou imaginado que noscircunda (|akle, 1987). Em outras palavras,paisagem é um ponto de visão, uma imagemcultural que representa e estrutura nossaarea em torno (Cosgrove e Daniels, 1988).Uma paisagem pode ser representada porr'ários meios: flora e fauna em um parque,pintura em uma tela, palavras impressas emum romance ou poema, declarações verbaisem uma conversa, a imagem fotográfica deum cartão postal. A pintura de paisagens, as

paisagens literárias e as fotografias de paisa-gens são, por exemplo, temas de pesquisabem estabelecidos na geografia (Pocock,1981; Cosgrove, 1984; Marsh, 1985; Osborne,1988; Sandberg e Marsh, 1988, entre outros).Explorar a "esfera do cinema", talvez omodo de representação visual mais populare acessível da sociedade contemporânea,com exceção da televisão, não é um desvioradical de estudos mais convencionais sobrepaisagens; é, sim, uma razoável ampliação

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Page 33: cinema, música e espaço

de nosso principal interesse na ,,üsão,' (,, sca_

!ind') de nosso mundo.Uma paisagem fílmica, ou uma paisagem

cinematica, poderia ser definida, no sentidomais amplo do termo, como uma represen-tação fílmica de um meio ambiente real ouimaginado, visto por um espectador. Talpaisagem, deúdo a seu meio de expressão,é uma forma de representação especialmen-te sofisticada e poderosa. por uma rápidasucessão de fotografias estáticas, d.e volumee de moümento, produz-se uma ilusão deprofundidade que, quando combinada comsom (diálogo, música e/ou efeitos sonoros),cria um meio ambiente onde as fronteirasentre o real e o imaginário, o fato e a fic-ção, ficam indistintas. Outros meios, comoa literatura, a pintura ou o teatro, tambémpodem enevoar nossas sensibilidades, maso cinema é peculiar, devido à aparênciade realidade atribuível à imagem do filmee à obscuridade de sua própria produção(Baudrillard, 1987; Allen, lggl). Em ourraspalavras, as visões/locais parecem "reais,',enquanto os processos de sua produçãopermanecem enigmáticos, mágicos. Comodiscutiremos adiante, esse ambiente de veros-similhança, onde as distinções entre o real eo imaginário tornam-se nebulosas, coloca oespectador em um lugar cinemático no qualo prazer, o poder e a ideologia do cinemaprimeiro se manifestam.

Um lugar cinemático desafia à noçãoconvencional de lugar porque não está liga-do a uma localização espec ífica no espaçofísico. Geralmente, lugar é definido como

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-:l'ì centro de valor experienciaclo T'.1::--.'--:17. p. 4; cf. Billinge, 1986, p. 3461 . Ce'ntr.

:-clica uma posição em um sistema espacial.

-rra locahzaçâo, mas um centro de vaior:-.ão precisa estar fisicamente acessível ou:l,rado no espaço absoluto (Adams, 1992).

- n centro é apenas um ponto focal que

:,,,rde tomar muitas formas: uma pessoa, um-::-iefâto, um ambiente imaginário transmiti-

-i,,r por um romance. como observa Tuan,. rgar é um centro de sentido construído: ela experiência; ele precisa ser experien-

-:aclo (1975, p. 152). O filme é um centroie sentido na medida em que é um ponto:,rcal para a construção de ideias, valores e

:rperiências compartilhadas. O filme é fisi-

- amente acessível apenas no sentido de que

:odemos entrar em um cinema e escolher',irÌì assento, ou ligar um aparelho de vídeo: desabar no sofá da sala de estar, mas estes

.ão apenas pontos de partida Para o lugar

-inemático. Somente o estado de espírito de'-ìm espectador, uma "suspensão voluntâttaia descrença" (Boggs, 1978, p. 22), permi--.rrá a experiência do lugar cinemático. A'.ocalização física é irrelevante - qualquer,,-inema ou sala de estar será suficiente -,:r'Ìas a situação do espectador permaneceiì,xada; o centro do valor sentido permaneceencorado na experiência do filme, na relação

espectador-meios de expressão. Portanto, o

ir-rgar cinemático não se limita ao mundo:epresentado na tela (uma geografìa no:-ilme), mas aos sentidos construídos pelaesperiência do filme (uma geografia dofìlme). Os sentidos constituídos pelo filme

65

Page 34: cinema, música e espaço

não refletem ou informam apenas sobreespaço, lugar e sociedade, mas participamativamente na produção e consumo dossistemas culturais mais amplos, dos quaiseles são uma parte.

Em vista de seu insight teórico e de suautilidade analítica na (re)produção e inter-pretação da cultura, a semiótica - estudode signos, sistemas de signos, significaçãoe comunicação oferece uma forma demapear a paisagem cinemática e, assim,de intervir na construção do lugar cinemá-tico. Numa perspectiva semiótica, cultura éum eterno processo de produzir sentidossobre e a partir da sucessão contínua depráticas sociais e experiências compartilhadas(Fiske, 1989). Como a cultura é ao mesmotempo mediadora e meio de interação so-cial, criações culturais como filmes podemser interpretadas semioticamente, isto é,como uma série de signos ou textos sistema-ticarnente relacionados (Gottdiener, 1982;Sebeok, 1986). O pressuposto subjacentefundamental é que os seres humanos seconstituem, e ao seu mundo, por e atravésdos signos e sistemas de signos que elesmesmos constroem.

Um "signo" é "tudo gue, no âmbito deconvenção previamente estabelecida, podeser tomado como algo que representa outracoisa" (Eco, 1976, p. 16). "Significação" é oprocesso social pelo qual "algo" (significante)vem a representar "outra coisa" (significado);discutindo esse processo, a semiótica torna-se aplicável a um imenso leque de objetos,eventos, tópicos e disciplinas, inclusive à

66

.=, trafia e aos estudos sobre cinema. \st::-':ropósito da semiótica é basicamente her-

*-:nèutico: desenvolver e aplicar teoria sobre

, :rodução de cultura e os processos de inter-

: :etação (Denzin, 1985;Jules-Rosette, 1990)'

::rbalho que está estreitamente relacionado,. elgumas preocupações permanentes da ge-

, gafia, como compreender os sentidos das

:aisagens, o que os lugares signifìcam para as

-Jessoas e como paisagens e lugares podem.e r interpretados (Smith, 1988). Abordar o:rlme como uma paisagem semiótica' como

-lnra imagem cultural socialmente construída,-ru colTto sistema de signos que representa

e estrutura um meio ambiente oferece uma

forma de questionar a própria representação

e interpretação do lugar cinemático.

Ilusons ICoNICÁ,s Do LUcAR ctxrltÁrtco

A paisagem cinemática constitui uma

série extremamente complexa de sistemas de

signos auriculares e visuais criados por quem

faz cinema, pelo meio de expressão e pelo

espectador. Aqui nos limitaremos a discutira produção semiótica de signos visuais do

meio de expressão cinemática como üstos

pelo espectador, e não, digamos, os efeitos

comunicativos pretendidos por quem reahza

o fìlme ou as possíveis mensagens visuais

ou auriculares recebidas pelo espectador' Aimagem na tela é o primeiro componente da

paisagem cinemática, porque é a fotografiaprojetada que oferece a estrutura básica,

67

Page 35: cinema, música e espaço

o foco inicial para a construção de ideias,valores e experiências compartilhadas pelosespectadores. Lugares, evidentemente, sãomais do que simples constructos visuais,mas os signos sônicos do lugar cinemáticovão além do âmbito deste texto. Como osantigos espectadores do cinema que assistiama filmes mudos, vamos inicialmente nos fa-miliartzar com as imagens visuais, antes depassarmos às "falad.as".

Worth define o filme como "imagens emmovimento pelo tempo, através do espaço,com sequência" ( 1981 , p. 54; cf. Aitken,1991) . Discutindo criticamente a imagemfílmica como um signo icônico e revelandosua ilusão de movimento pelo tempo atravésdo espaço, pod,emos começar v subverter opoder do cinema pela melhor compreensãode como as espacialidades e temporalidadesdo lugar cinemático são construídas. Depoisde realizar esse mapeamento, tratarei das

questões do poder, da ideologia e da repre-sentação enganosa.

Os espectadores submetem-se volunta-riamente à sedução do lugar cinemáticodevido, pelo menos parcialmente, à auto-ridade conferida à visão. Tendo em vista ofato de que noventa por cento do conhe-cimento humano sobre o mundo externosão atribuídos à percepção visual (Dodwell,1966; cf. Gold, 1980, p. 52), é considerávelo poder da imagem fílmica para "fazeÍcrer". Por exemplo, quando a câmera ci-nematográfica foi inventada por ThomasEdison, ela foi saudada como a máquinaque iria objetivamente apreender a realidade

68

como ela realmente era (Worth, 1981). Emvez de representar o mundo por imagensdesenhadas à mão, ou prosa descritiva,que poderiam se parecer ou evocar umasimilaridade com o mundo real, a imagemfotográfica foi vista como um verdadeiromapeamento do mundo frente à câmera.O filme capturava a verdade visível: verera acreditar.

No entanto, o que o espectador do filmetestemunha não é o real, mas aquilo queMetz chama de "impressão da realidade": osentido de experienciar um espetáculo qua-se real (1974, p. 4). A produção do "quase

real" ou da "realidade cinemática" é um dos

problemas centrais da teoria do cinema, e

as intricadas e variadas explicações sobre elavão muito além do objetivo deste texto. Noslimitaremos aqui a duas noções que aguça-rão a percepção sobre o lugar cinemático:a signiÍïcaçao do signo fílmico (a imagemfotográfica que representa outra coisa) e aaparência de movimento gerada por umarápida sucessão de imagens estáticas em se-

quência. As formas icônicas e a ilusão icônicade moümento se combinam para incentivara construção, pelo espectador, de um espaçoe tempo imaginários, um "lugar cinemático",e é aí que o poder e os efeitos ideológicosdo cinema começam a se manifestar.

Adotando a tricotomia de Charles San-ders Peirce (1955) - ícone-índice-símbolo -para descrever como os signos são criados,como interagem e como operam nos filmes,pode-se propor uma explicação objetiva e

abrangente sobre "impressão de realidade",

69

Page 36: cinema, música e espaço

"suspensão da descrença" e temporalidadese espacialidades do lugar cinemático. Aocontrário do que comumente se pensa,essa tricotomia não é uma tipologia estáticade signos mutuamente exclusivos. Icones,índices e símbolos não são tipos de signosper se, e sim três tipos de significação: ico-nizaçã,o, indexação e simbolização (Eco,1985). Qualquer signo ou fotograma dofilme pode ser constituído por todos essestrês processos, mas em graus variados, eue,como discutido abaixo, estão no âmago dacapacidade de um filme de estimular o "fazercrer" (Leskosky, 1988).

Tipo de signo Significado por Processo Exemplos

Icone Similitude Pode verFotos, está-

tuas

Índice Conexão causal Pode sintetizarFumaça )

foso

Símbolo Convencão socialPrecisa

aprender

Palawas,

rituais

Como resumido no diagrama, a relaçãoentre o significante e o significado determi-na o tipo de significação. Essa relação podeser de similitude, de conexão causal ou deassociação convencional (Berger, 1984).

Quando a relação é de similitude, como nocaso de uma fotografia, o signo é um ícone,

o significante (fotografia) se assemelha aosignificado (pessoas, objeto ou fenômenorepresentado pela fotografia). Um índice éum signo no qual o significante está física,causativa ou sintomaticamente conectadoao significado. Fumaça, por exemplo, é umíndice de fogo porque é causada por este

70

último. IJm símbolo é a forma mais abstratade signo, porque precisa ser aprendido;não existe qualquer semelhança física,/visualou conexão causal entre o significante e osignificado. Por exemplo, a palavra escrita"cidade" e sua pronúncia verbal são símbolosabstratos socialmente construídos, represen-tando um determinado tipo de assentamentohumano na hierarquia urbana. Um signocinemático - uma imagem fotográfica querepresenta alguma coisa - pode ser signifìca-do das três maneiras, mas em graus variadose com resultados diversos.

Por exemplo, imaginemos um fotogramaem um filme documentário, mostrando umatomada, com grande abertura de lente, doperfìl dos edifícios de uma cidade. Essa ima-gem é um ícone, um índice ou um símbolo?

Quão forte poderia ser a impressão de umacidade do filme "quase real", e quanto es-

forço seria necessário para "voluntariamentesuspendermos" nossa descrença, por ser a

cidade do filme meramente uma imagemprojetada de luz e sombra, e não uma cidadereal? A cidade do filme é significada pelostrês processos semióticos. A imagem proje-tada é um signo icônico porque representaou assemelha-se de maneira convincente comaquilo que os espectadores experienciamvisualmente, ou deveriam esperar experien-ciar, com relação a uma cidade no mundomaterial cotidiano. A imagem é também umíndice, porque tem uma conexão causal como mundo material. O perfil dos edifíciosna telâ foi criado pela luz refletida de umacidade "real", que atinge a película virgem

7l

Page 37: cinema, música e espaço

para produzir uma representação da cidadeno filme. A imagem da cidade pode aindaser lida como um símbolo de qualquer dasinúmeras convenções socialmente construí-das: aventura, mistério, progresso, seduçãoetc. Como se trata de um filme documen-tário, um autêntico registro "ao vivo" deacontecimentos reais, mostrando pessoas eobjetos reais em um espaço e tempo reais(Singleton, 1986), os espectadores aceitammais facilmente a cidade do filme como real,o que diminuirá o esforço necessário paraa suspensão de sua descrença.

Consideremos agora a outra ponta docontinuum da realidade do cinema. Ima-ginemos um fotograma em um desenhoanimado mostrando o perfil dos edifíciosde uma cidade. Perguntamos novamentese essa imagem do filme é um ícone, umíndice ou um símbolo. Quão forte poderiaser a impressão de uma cidade do filme"quase real"? Quanto esforço seria necessá-rio para "voluntariamente suspendermos"nossa descrença, por ser a cidade do filmemeramente uma imagem projetada de luze sombra, e não uma cidade real? Como aimagem do documentário, a imagem do de-senho animado também é constituída pelostrês modos de significação, mas em grausdiferentes e com efeitos variados. A cidadedo desenho animado é um signo icônico,porque é reconhecível como uma cidade; elase parece com a linha de edifícios de umacidade, embora seja uma imagem fotográficade uma representação desenhada à mão doperfil dos edifícios de uma cidade. Existe

72

uma conexão causal com o mundo real, masa relação de indexação é menos direta. Aimagem da cidade na tela também é criadapela luz refletida de um objeto na frente dacâmera, que atinge a película virgem e pro-duz no filme uma representação da linha deedifícios, mas a cidade na frente da câmeranunca foi "real", e sim uma representaçãodesenhada à mão. Assim, o simbolismo dacidade desenhada é aumentado, porque suasienificação é mais abstrata: a imagem dacidade é a representação fílmica de umarepresentação desenhada à mão de umperfil imaginário de edifícios. A imagem dacidade ainda pode ser lida como um sím-bolo de aventura ou mistério, por exemplo,mas um espectador que tenha aprendidoa interpretar desenhos animados tambémaguardará, o inesperado. Devido ao fato deo filme ser um desenho animado, uma sé-

rie "animlda" de desenhos fotografados deeventos, pessoas, objetos, tempos e espaçosfictícios (Singleton, 1986), o espectador se

disporá menos a aceitar a imagem do filmecomo "real" e antecipa - na verdade, podedeleitar-se com - distorções daquilo quepoderia experienciar visualmente em umacidade do mundo material cotidiano. A im-pressão de realidade é diminuída, enquantose intensifica o esforço necessário para vo-luntariamente se suspender a descrença.

Embora todas as imagens fílmicas, emdocumentários ou desenhos animados,tenham graus variados de iconicidade, in-dexação e simbolismo, que funcionam paraaumentar ou diminuir a impressão de reali-

73

Page 38: cinema, música e espaço

dade e a suspensão de descrença, o processode iconização e, talvez, o aspecto particularmais importante na construção do lugar ci-nemático, porque a imagem fílmica é umarepresentação üsual. E a semelhança üsívelcom o mundo real (e não a conexão causalou a convenção social) que torna a imagemfílmica imediatamente legível (fay1usi, 1988).Para que o espectador consiga se engajar na"transferência de realidade", deixar o mundoreal e entrar, mesmo que parcialmente, nolugar cinemático imaginário, o espetáculona tela deve assemelhar-se, mesmo que delonge, ao espetáculo da vida cotidiana (Mi-try, 1963, p. 183; cf. Metz, 1974, p. 11). "Osespetáculos da üda real têm movimento",assinala Metz (1974, p. 7), por isso o poderdo cinema para encorajar a transferênciareside basicamente em sua capacidade deprojetar uma ilusão icônica de movimento.

A ilusão é produzida por uma combina-ção de talento artístico, tecnologia e enganosensorial. Parte da beleza artística do cinemaestá na capacidade de um diretor e editorserem bem-sucedidos ao reunir em uma"montagem" uma série de tomadas ou cenas,para dar ao espectador uma impressão demoümento contínuo (Bau dry, 1,97 4; Mamet,1991). Não são totalmente compreendidosos processos perceptuais-cognitivos quepossibilitam ou impelem os espectadoresa construir movimento quando uma sériede imagens fotográficas estáticas (ícones)é projetada em uma tela à velocidade de24 fotogramas por segundo (Anderson e

Anderson, 1978; Nichols e Lederman, 1978;

74

Laughlin, McManus e D'Aquili, 1990). Nãoobstante; pàrà todos os efeitos, a rápidasucessão de signos icônicos é interpretadacomo moúmento, e o movimento é usadopelos produtores e espectadores do filmep^ra signifìcar espaço e tempo no Íilme,dar continuidade e unidade à narrativa dofilme e estruturar o lugar cinemático (Fell,re75).

" Motion" pictures fimagens "em moúmen-to"] são signos com alto grau de iconicidadeporque se assemelham de modo convincentecom o moümento no mundo real. Mas porque o movimento deveria estimular umaimpressão de realidade e um estado de des-

crença que não são conseguidos por outrosmeios visuais, como uma pintura ou umafotografia? Metz (1974, pp. 7-9) afirma queo moümento aumenta de três maneiras osentido de realidade objetiva. Primeiro: pelofato de o movimento ser parte da experiênciada vida cotidiana, a apresentação de objetose pessoas movendo-se na tela através doespaço e do tempo desenvolve um sentidode ação "ao vivo", de acontecimento "real".Em segundo lugar, o moümento confere à

imagem fílmica um sentido de corporalidade,profundidade e volume que imagens imóveisnão podem evocar; ele faz uma superfícieplana parecer tridimensional. E, finalmente,o moümento no filme é experienciado comomovimento no mundo real. Em outras pala-vras, a experiência visual do movimento nofilme não pode ser diferenciada da experi-ência visual do moümento no mundo real: o

75

Page 39: cinema, música e espaço

moümento no filme não é real, mas há umapresença real do movimento no filme.

Diversas técnicas podem ser usadas pararepresentar movimento, e todas elas estimu-lam no espectador um sentido de movimentopelo espaço e pelo tempo (Leskosky, 1988;Bordwell, 1991). Um fìlme de ação ao vivo,como um documentário, fotografa eventosque ocorrem na frente da câmera (um "even-to profílmico"), que são então pro.jetadoscomo uma representação em movimento doevento real. Um desenho animado, contudo,produz um movimento que não existe narealidade empírica. Fotografando uma sériede desenhos, cada um deles representandouma pose e/ou perspectiva ligeiramentediferente, e projetando-os em um conjuntorápido e unificado de imagens, um sentidovisual de movimento é produzido, e nãoreproduzido. A posição e o moümento dacâmera também podem criar um sentidode moümento que representa o espaço demaneiras diferentes. Tomadas feitas ern lowangle [plano baixo] , pan [panorâmica], tiltfmovimento da câmera de cima para baixoou de baixo para cima] e tracking [ajuste daslentes da câmera], por exemplo, deÍinem nãoapenas o espaço da imagem, mas também aposição ou perspectiva perceptível do espec-tador. A impressão de movimento tambémpode ser acelerada ou diminuída quando se

faz com que a película passe pela câmera emvelocidade maior ou menor que os habituais24 fotogramas por segundo. Assim, o tem-po também é afetado pelo movimento; naverdade, movimento é tempo. A velocidade

76

do movimento da câmera e a duração e aordem das imagens do filme podem, porexemplo, reforçar, modificar ou deslocar osentido de tempo. Quer seja produzido poreventos "profílmicos" ou animados, pelo mo-vimento da câmera ou por efeitos especiais, omovimento desempenha um papel essencialna definição da experiência do espaço e dotempo no filme.

O pneznn DA oNIpRESENÇA caocnÁrrc,R

Fonte: baseado em Fell, 1975, pp. 57-81'

Se bem-sucedidas, as imagens icônicas de

forma e movimento promovem um tipo detransferência espacial e temporal que estimu-la a construção do lugar cinemático - lugarque é heterotópico, rra linguagem pós-moderna.Como descrito no diagrama, existem diversos

tipos de tempo, de espaço e de geograftaoperando no ambiente fílmico.Hâ o sentidoobjetivo de tempo e de espaço no ambientematerial da sala de projeção. O filme come-

ça, se desenvolve e termina dentro daquiloque poderia, de maneira não-rigorosa, ser

chamado de tempo "medido pelo relógio",com o espectador fisicamente sentado a

Tipo Tempo Espaço Geografia

Subjetivo

Experiência do

temPo

(temporalidade)

Experiência do

espaço

(espacialidade)

Do filme à lu-

gar cinemático

Fictício Epoca, dia, noite (lenário, IocaçãoNo filme )

descrição do lugar

Objetivo Medido pelo relógio Tela, poltrona

Do cinema àlugar do espec-

tador

77

Page 40: cinema, música e espaço

uma certa distância da tela, dentro de umasala de projeção tangível. Quando as luzes

diminuem e começa a projeção, o espectadorfica propenso a tornar-se menos conscientedas margens da tela, das cortinas, da sala

de projeção e dos outros espectadores; a

geografia no filme se expõe. Pela utllizaçãode imap;ens icônicas, tempos, espaços e

lugares fictícios são representados na tela;diminui a distância psicológica entre o filmee o espectador. A perda de pistas sobre apassagem do tempo "real", combinada como uso de tropos fílmicos, tais como as folhasde um calendário movendo-se rapidamentepara signifìcar a passagem do tempo, oufìgurinos de época representando um tempopassado, induzirá os espectadores a pôr delado o tempo objetivo, medido pelo relógio,e a sincronizar seu sentido interior de tem-po com aquele que é expresso na tela. Emvirtude de estarem encerrados em uma salaescura, semjanelas, os espectadores tambémficam sem maior eüdência, além da pessoamais próxima, do espaço físico que ocupam.As imagens icônicas de outros ambientes e

a ilusão de movimento projetada na telaestimulam os espectadores a descartar oespaço objetivo ou imediato e a ampliarseu sentido subjetivo de espaço, para incluiraquele espaço representado diante deles; ageografia do filme se desdobra.

Assim, justapondo signos que significamoutros tempos e espaços, o cinema promoveexpansões e compressões nas sensibilidadestemporais e espaciais dos espectadores; as

fronteiras do tempo e do espaço podem

78

tornar-se permeáveis e enevoadas. O espec-

tador fica simultaneamente dentro e forado filme, construindo tanto fantasia quantorealidade, avançando e recuando em distân-

cias, üsitando diversos cenários e tempos'experienciando, sem sair de seu assento,

aquilo que Fell denominou de uma espécie

de "onipresença geográfìca" (1975, p. 63).Essa interface - um tipo de lugar contradi-tório, múltiplo, do real e do imaginado, de

outros tempos e espaços - é heterotópica:

um espaço "capaz dejustapor' em um lugar

único e real, diversos locais que são, em si

mesmos, incompatíveis" (Foucault, 1986, p'

25; cf. Soja, 1989, p. 17). Um estado de es-

pírito tornado tâo fâcrl pela verossimilhança

ãos ícones e pela ilusão de moümento pode,

para aqueles que desejam se envolver na

suspensão da descrença, fazer com que suas

temporalidades e espacialidades desabem

em um presente esquizofrênico, embora

prazeroso, ond.e as fronteiras do passado,

presente e futuro, do aqui e do ali, fiquem

àistorcidas em um "agoÍa" e um "em toda

parte" heterotóPicos.O lugar cinemático é uma situação

peculiar que desnuda o real e o irreal' Os

espectadores não acreditam seriamente que

transcendem o espaço físico e o tempo ob-

jetivo, "desconectando-se" assim do mundoreal, como sugere Mitry (1963, p. 183; cf'

Metz, 1974, p. 11), e conectando-se comple-

tamente com outro mundo. Quando muito,a transferência de realidade é intermitente'Os espectadores são hipócritas espaciais e

temporais, engajados em uma forma de jogo

79

Page 41: cinema, música e espaço

que exige aquilo que Lotman chama de"Llma experiência dupla" - simultaneamenteesquecendo e lembrando que a experiên-cra é cle origem imaginária (1976, p. l7).Essa relação dual pode criar uma situaçãosemiótica complexa, onde é difícil, se nãoimpossível, fazer distinções entre o real e oimaginário. O tempo e o espaço representa-dos na tela são realmente imaginários, masa experiência temporal e espacial é genuína.Consequentemente, muito do poder e dosefeitos ideológicos do cinema é encontradonos sentidos dúbios construídos pela expe-riência do filme, uma experiência que é,antes de tudo, geográfìca.

O ponrn E A IDEoLoGIA DA

REPRESENTNC"qO ENGANOSA

O poder e os efeitos ideológicos dolugar cinemático não são encontrados sim-plesmente no conteúdo ou nas conotaçõesda imasem fílmica e na narrativa que elesajudam a criar (por exemplo, papéis este-reotipados de gênero, a moral da estória),mas na própria construção das formasicônicas e na ilusão de movimento quepromovem as temporalidades e espacialida-des do filme. Espaço e tempo constituem arnoldura dentro da qual as pessoas ordenamsuas experiências (Lynch, \972, p. 241), e

na experiência cinemática não é diferente;espaço e tempo constituem a tela abstratado lugar cinemático. A "cenografia", como

80

Bordwell eloquentemente chama o espaçodo filme (1991 , p.229), não é uma tela defundo passiva, mas um agente poderoso naestruturação da experiência fílmica. Alémdisso, a significação do tempo e do espaçono filme - os processos sociais e técnicospelos quais luz e sombra são tidos comorepresentando outro tempo e espaço (outracoisa) - está, ela mesma, ideologicamenteimpregnada. Talvez o poder do cinema para(re)produzir as normas, os valores e os cos-tumes da sociedade esteja em sua capacidadede representar de maneira enganosa aquiloque ele representa de modo sutil, quase invi-sível. Esse poder é exercido, primeiramente,na significação do espaço no fìlme.

Em sentido muito amplo, "poder" é

um relacionamento social assimétrico noqual uma pessoa, grupo ou instituiçãotem a capacidade de influenciar, se nãodeterminar, como outras pessoas, gruposou instituições agem (Abercombrie et al.,1988a). Se exercida de maneira a excluira participação de outras pessoas, gruposou instituições, a relação de poder podeser descrita como "dominação". Em termossemióticos, ideologia é um "'sistema de signi-ficação que auxilia a realização de interessesparticulares' e dá sustentação a 'relaçõesde dominação' específicas" (Thompson,1981, 1984; cf. Gregory, 1986, p. 214). Asignificação é necessariamente ideológica,porque o processo de estabelecer sentidosexclui intrinsecamente outros sentidos, e as

convenções sociais que possibilitam partilharsentidos são, elas mesmas, ideologicamen-

8L

Page 42: cinema, música e espaço

te construídas. Portanto, todos os signos

são ideologicamente carregados, porque o

processo de significação é uma forma de

ãir..ttto ideológico (Eyles e Evans, 1987).

Os signos são um veículo para o exercíciodo poder e da dominação que podem ser

atingidos e mantidos de diferentes maneiras:

força, persuasão, consenso ou por um apelo

à autoridade (Wrong, 1979).O poder daqueles que fazem cinema

está em sua capacidade de determinar aconstrução do filme, de escrever e plasmar

sua apresentação e então projetáJo parvuma audiênci a catwa que não pode partici-par da produção das imagens à sua frente'A conotaçâo ou significado dos signos e anarrativa que eles abrangem são a manifes-

tação mais óbüa da maneira como a ideo-

logia age por meio do cinema (Thompson'

1990, pp. 60-6). Os sentidos atribuíveis àimagem fílmica, sejam eles intencionais ou

não, podem legitimar modos como as coisas

são feitas ou pensadas ao representarem

personagens, gêneros, papéis e relações

sociais como ,,corretos" e "rÌaturais", assim

excluindo, ou talvez denegrindo, outras al-

ternativas. Além disso, a representação dos

valores e costumes sociais subjacentes pode

ser obscurecida por efeitos e espetáculos

especiais. Os fazedores de filmes detêm cla-

ramente um imenso poder na configuração

do lugar cinemático, pela org^nrzação e pelo

conteúdo (significado) dos signos do filme

que escolhem; e, nesse sentido, eles podem

dominar os esPectadores.

82

O poder do meio de expressão fílmicoestá na sua capacidade de ocultar a mecâ-nica de sua própria produção. Um meiomenos óbüo e bem mais sutil de expres-são ideológi ca ê a construção da imagemreal ou signiÍìcante que representa "outracoisa". Em outras palavras, a luz-e-sombraque significa ou constitui o significado ouconotação (sentido) de uma imagem fílmicaé, ela própria, ideologicamente impregnada.Pode-se dízer que os significantes dominamo espectador de duas maneiras. Em primeirolugar, a produção ou significação da imagemfílmica não é uma relação direta entre oespectador e a tela; sempre há a presençade um terceiro fator oculto: a câmera (Metz,1975). Os espectadores não podem saberqual a preparação técnica envolvida naapresentação da imagem projetada. O meiode expressão fílmico dá poder a quem fazcinema e o retira da audiência, ao ocultarefeitos especiais, ilumin ação, maquiagem,lentes de filtro e a encenação de pessoas,objetos e acontecimentos na frente da câ-mera (Barthes, 1982). Em segundo lugar,devido ao fato de a produção da imagemser ocultada, a relação entre o signifìcantee o significado pode ser falseada e sub-sequentemente representada de maneiraenganosa por uma audiência convencidarpela autoridade que atribui à sua própriarisão) de que aquilo que é apresentado natela tem uma semelhança com o rnundo real..\ capacidade de convencer pela semelhan-ça icônica e pela ilusão de moúmento, aomesmo tempo em que mascara a produção

83

Page 43: cinema, música e espaço

de seu próprio significante, intensifìca os

efeitos ideológicos do lugar cinemático, ao

fomentar objetificação, reificação, alienaçãoe dissimulação (Abercombrie et al., 1988b,1988c). A pretensa mágica da tela prateada éuma forma de objetificação pela qual os es-

pectadores separam as criações culturais quepersoniÍìcam a criatividade humana de seus

criadores humanos (pot exemplo, pessoas

reais, e não atores em cena, saltando de altosedifícios). As imagens podem ser reificadas ealienadas, se vistas como entidades naturaisou autônomas além do controle humano(por exemplo, o endeusamento de um atorfamoso). A posição dominante da imagemfílmica relativamente ao espectador tambémpode ser oculta ou dissimulada quando se

apresenta como algo que não é.

O que a imagem fílmica não é? Ela não

é uma reprodução da realidade. Diferente-mente dos primeiros entusiastas do cinemano século XX, os teóricos contemporâneosreconhecem agora que o cinema não refletea realidade, mas imagens (Baudry, 1974)-As imagens fílmicas podem se parecer como "algo" que elas representam, mas nãosão o "algo". Elas têm apenas uma relação

icônica, de indexação e/ou simbólica como que quer que representem. Em todo tipode visualizaçáo, seja ela um esboço, umapintura ou uma fotografia, ltá. um grau de

semelhança ou iconicidade, mas alguns sig-

nos - como aqueles em um filme, particu-larmente documentários - também têm umalto grau de indexação. O encobrimento da

produção dos signifìcantes e a autoridade

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atribuída às formas icônicas e à ilusão demoümento podem facilitar de tal forma asuspensão da descrença e tornar a impressãode realidade tão estreitamente reminiscenteda experiência úsual do mundo real, queimagens fílmicas podem ser erroneamenteinterpretadas como possuidoras de uma per-feita conformidade com a realidade objetiva:uma relação direta, de indexação, com omundo empírico. Paradoxalmente, é por essaconformidade com o real que o signo fílmicoganha seu poder de representação enganosada realidade. Essa conformidade, como Bau-drillard observa, é "o demônio nocivo dasimagens" (1987). Quando a distância entre osignifìcante e o significado diminui a pontode o signo fílmico não representar outracoisa a não ser a si mesmo, quando ocorreLrma interrupção na cadeia de significação deal modo que a imagem é autorreferencial,os sentidos significados não são reais, mashiper-reais (Baudrillard, 1983). Em outraspalavras, quando os ícones se assemelhamperfeitamente a algo que nunca existiu,então as imagens não são reproduções doreal, mas "simulacros" - cópias para as quaisnão existem originais.

Portanto, em sua essência, o poder docinema pode residir (bastante literalmente)em sua capacidade de representação enga-rìosa. Esse poder é exercido pelos fazedoresde filmes para sustentar uma ideologiacle fazer crer. Essa ideologia é consumada:.través de um meio de expressão capazd.e mascarar a produção de seus próprios.ienificantes. Esses significantes dominam

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Page 44: cinema, música e espaço

uma audiência cuja suspensão voluntártada descrença e cuja impressão de realidadesão construídas por sua própria iconizaçãode signos fílmicos e pela autoridade queos espectadores atribuem ao seu própriosentido de visão. Se bem-sucedidos, esses

processos semióticos combinados podempromover sensações temporais e espaciaisque constituem um ambiente heterotópicono qual pode ser difícil, se não impossí-vel, perceber distinções entre o real e oimaginário, a reprodução e a simulação.Envolver-se com um lugar cinemático é umato de "reconhecimento enganoso" (Doane,1991, p. 19) baseado em representação en-ganosa. O poder do espectador de cinemadeve, portanto, resid.ir na capacidade deexperienciar o filme criticamente.

PnoxrHms ATRAÇoES: MAIS

QUESTOES, OUTROS MAPAS

Estudar um filme por sua beleza esté-

tica e por seus meios de produção técnicae artística é em si mesmo um valioso em-preendimento, mas não para o geógrafo.Nossa investigação fundamental diz respeito,certamente, às implicações sociais, políticase espaciais do filme. Se este é o caso, os

únicos efeitos ideológicos do filme que im-portam, que têm algum significado no estudoda política cultural do cinema, são aquelesexperimentados fora das salas de projeção.Talvez as questões fundamentais devam

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orbitar em torno dos valores, costumes.estruturas sociais e geografìa representadospelo cinema e seu impacto, se algum existe,sobre o mundo real. O que acontece, poÍexemplo, se e quando os sentidos atribuídosa imagens na tela são transferidos por umaaudiência pàra o mundo material e social?O hiper-real torna-se - tornou-se - um mo-delo para- a realidade? Se as imagens fílmicaspodem influenciar a moda, os gostos musi-cais, os brinquedos, nosso vocabulário, nãoé ingênuo pensar que elas não participamna estruturação de nossos valores, de nossasrelações sociais e talvez de nosso comporta-mento em (e na construção de) um mundorzaP Não há uma geografia a partir do cinemaaguardando nossa investigação?

Apreender a relação sociedade-cinemae suas implicações para as esferas mais am-plas - sociais, políticas e geográficas - dasquais ela é uma parte talvez seja o objetivoprincipal de uma eeografia do cinema. Comoteóricos convencionais do cinema, estamosinteressados na construção e na narrativado filme e na representação na tela deespaços, lugares, pessoas, poder, costumese valores. Isso, no entanto, apenas comoum meio para compreender, além das salasde projeção, as experiências geográficas dofìlme e as possíveis ramifìcações pàra a ge-ografia. E quase triüal defender, como fi2,que os fìlmes podem mentir, que a imagemfílmica pode distorcer a realidade empírica,que a vida real pode imitar a arte reel (dos"carretéis" de filme); bem diferente é com-preender como isso ocorre. Esse processo

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Page 45: cinema, música e espaço

e importante se queremos entender comoopera a experiência geográfìca do filme,se queremos iniciar nossa leitura crítica docinema. Muitas outras questões precisamser lançadas e outros mapas precisam serelaborados, entretanto.

Nesse mapeamento preliminar dapaisagem cinemática, apresentei umaexplicação sobre a maneira como umaimagem fílmica icônica pode levar os es-

pectadores a experienciar um tempo e umespaço ideologi camente impregnados, umcentro de valor sentido que é constituídosobre uma tela abstrata de lwz e sombra.{Jtilizei uma abordagem semiótica comoum meio de compreender a construção daimagem fílmica e seu papel na criação deum lugar cinemático. Interpretar filmes é

um empreendimento escorregadiço, aindamais desanimador quando, como mostrei,tornamos explícitas as complexidades da re-presentação enganosa no filme. Numa épocaem que se fala do domínio da imagem, effiuma "sociedade de espetáculos", onde os

ambientes dos meios de expressão estão se

tornando mais sofisticados e onde a fantasiapermeia cada vez mais nossas geografiassociais e materiais, há muito que aprenderde uma geografia do filme.

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GEocnAFtA E ctNEMAl

ANe FneNCISc,A nn Az-nr,'nocl

A mr,'nsucAÇAo crocnÁncA EM cINEMA:

Âuetto, oBJETo E PRoBlEntÁrtcas

Embora aparentemente distanciados,a geografia e o cinema contam com umafertilização mútua que remonta ao usode material fílmico por parte de geó-grafos e exploradores com o objetivo de

retratar e evocar a realidade de lugaresdistantes e exóticos. Em certo sentido,seguindo o percurso da pintura e da foto-grafia, o cinema vê-se inscrito na própriatradição geográfica, praticamente desde

a gênese do meio nos finais do séculoXIX. Nas décadas de 1950 e 1960, o uso

de documentários como forma de ilustrare retratar diferentes lugares era prática

: Publicado originalmente em 2006 em Ensaios de

gograf.a cultural, organizado por João Sarmento, AnaFrancisca de Azevedo e José Ramiro Pimenta. Os

organizadores do presente livro agradecem à Livra-

na Editora Figueirinhas, Porto, pela permissão para

uanscrição deste artigo.

Page 49: cinema, música e espaço

comum entre geógrafos, sendo o cinemaperspectivado como uma 'Janela sobre a re-alidade". Na década de 1980, a investigaçãogeográfica em cinema começa a constituir-secomo campo de estudos preocupado com odesenvolümento de uma perspectiva críticaao uso de filmes enquanto retrato rigorosodo mundo, dos lugares e das pessoas noslugares. Questionava-se a perspectiva do ci-nema enquanto 'janela sobre a realidade",pondo-se em causa o uso do documentárioenquanto descrição objetiva do espaço.

A preocupação dos geógrafos debru-çados sobre as relações entre o cinema e

a geografia associava-se a questões emer-gentes no seio dos estudos de cinema e

dos media e ecoava vozes provenientes dediversas disciplinas dentro das ciências so-ciais, nomeadamente a antropologia, quequestionavam o lugar do documenrário comodescrição objetiva da realidade. Acusava-sea diluição ou um esbatimento de fronteirasentre o documentário e o filme de ficção,e chamava-se a atenção para a necessidadede encarar o filme no seu conjunto comorepresentação. Na verdade, com o desen-volvimento do cinema enquanto indústriacultural, a produção de fìlmes capazes defuncionar como meio de entretenimentoaumentava e influenciava cada vez mais arealização tanto dos fìlmes de ficção comodos documentários. Em ambos, a evocaçãode um sentido de lugar e a exploração dasqualidades estéticas da paisagem sursiam deforma recorrente como elementos apelativospara a fixação das audiências, implicando a

96

produção de representações enviesadas darealidade. Especificamente no documentário,aquilo que se denunciava era o nível deobjetividade que lhe era rradicionalmenreassociado, o qual era construído no quadrodo realismo narrativo que estruturava cadafilme (Cook, 1996).

O nível de realismo objetivo propostopelo documentário era supostamente cons-truído ao longo do processo de realização dofilme, dando a ideia de que o retrato factualproduzido durante o processo de criação danarrativa não era alvo de manipulação. Nãoobstante, as preocupações com o realismonarrativo faziam com que os realizadoresrecorressem a convenções narrativas queaumentavam o pendor subjetivo dos fenô-menos descritos, dos retratos de naturezae dos lugares representados. Questionava-se assim o pendor objetivo desse tipo defilme e seu uso para efeitos de investigaçãoe educação. Enfatizava-se seu caráter ficcio-nal, por ser fundado "mais na criação dorealismo narrativo do que na representaçãofactual" (Kennedy e Lukinbeal,1997, p. 40).Chamava-se ainda a atenção para o fato deque os filmes são sempre construídos deacordo com um ponto de vista específico,de acordo com a perspectiva de seu criador.\Iertava-se para os níveis de subjetividadeintroduzidos por essa perspectiva (e peloseu quadro cultural) no processo de cons-trução de um filme, salientando-se que essesníveis condicionam a forma de retratar osItrgares, pelo modo como interferem noato de selecionar aspectos específicos da

ìiil

itir

iill

ilil

ü

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Page 50: cinema, música e espaço

realidade factual. Interferindo na produçãode mensagens particulares sobre os luga-res, a perspectiva do autor do filme viriaa condicionar o modo como as audiênciaspercebem o espaço retratado. Paralelamente,chamava-se a atenção para o potencial des-

critivo de inúmeros fìlmes de ficção e parasua capacidade de construir sentidos paralugares. Apelava-se à riqueza do conteúdoobjetivo de muitos desses filmes e à sua capa-

cidade de retratar os lugares e os indivíduosnesses lugares (diversos filmes do neorrealis-mo italiano, por exemplo, afiguram-se comodocumentos riquíssimos para a exploraçãodas relações dos indivíduos com o espaço e

da construção social da paisagem). A fortetradição geográfica de estudo e interpretaçãoda paisagem potenciava esse tipo de análise,

que veio a expandir-se ao cinema de Íìcção

no seu conjunto. A manipulação da paisagem

por meio de diversas técnicas cinemáticascom o objetivo de produzir uma determinadaimagem de lugar tornou-se recorrente em

cinema, suscitando a preocupação dos geó-

grafos. Desse modo, introduzia-se o estudo

do objeto fílmico em toda a sua diversidadenos domínios da investigação geográfica.

O quadro crítico emergente dessas

novas posturas proporcionou um redimen-sionamento do cinema enquanto objeto de

investigação geogrâftca. O cinema enquanto'Janela sobre a realidade geogrâfrca" enco-

bria a natu;eza do filme como representação

subjetiva e parcial do mundo, que denotasempre o ponto de vista do realizador,animado pelas expectativas mais diversas

98

em relação ao próprio filme. As técnicasde produção dos Íìlmes, os personagens, otrabalho da luz e do som, o uso de certosângulos, o ritmo e a sequência das imagens,assim como o modo de edição dos fìlmes,constituem algumas das técnicas a que osrealizadores recorrem para produzir umadeterminada representação do mundo retra-tado pelo filme. Trespassado de signiÍìcadosgeográficos, o filme pode reproduzir ouclesafiar representações coletivas e estere-otipadas sobre os lugares, pois cada filmeenfatrza sempre um determinado "olhar"sobre o espaço. As qualidades miméticasdo próprio meio que enfatrzam a verossimi-lhança, assim como o desenvolümento dosmodos convencionais de representação e danarrativa linear, fazem com que esse "olhar"cinemático seja frequentemente tido comoclescrição fìdedigna da realidade, informan-do o observador relativamente ao conteúdogeográfìco do fìlme.

Apesar de ainda ser um campo relati-vamente negligenciado dentro da geografrahumana, a investigação geográfica em cine-ma desenvolüda nas últimas décadas vemdesafiar o próprio modo como percebemosos lugares através desse meio, propondo umaperspectiva crítica e reflexiva, por parte doobservador, relativamente ao conteúdo geo-gráfìco do filme e potenciando o questionardas descrições ou retratos frequentementeestereotipados do mundo e dos lugaresrepresentados.

Mas o redimensionamento do cinemaenquanto objeto de investigação geográfica

99

Page 51: cinema, música e espaço

resultava também da evolução dos sistemas

de pensamento transdisciplinar e da dinâmi-ca produzida pelo cultural turn em geografiahumana. Este moümento de redimensiona-mento do cinema como objeto de estudogeográfico prendia-se com a necessidadede compreender o papel da cultura nosmodos de perceber e organizar o espaço,

na sequência da revisão da teoria culturaloperada nas últimas décadas. O redimensio-namento do cinema como objeto de estudogeográfico surgia na sequência dos traba-lhos desenvolvidos por autores como Peter

Jackson, Doreen Massey e Denis Cosgrove,preocupados com a análise da produção e

reprodução de significados de lugar por meiode diferentes produtos culturais. A ênfase nos

diferentes produtos culturais, pelo modocomo estes representam lugares, associava-

se, assim, à tentativa de compreensão dos

significados produzidos e reproduzidos pelas

mais variadas formas culturais. Aquilo queinteressava perceber era como se definiam as

representações dos lugares e as representa-

ções dos indivíduos nos lugares em produtosculturais tão diversos como a poesia ou a

pintura, a música e o cinema. Respondia-Se, desse modo, ao apelo de geógrafoscomo Yi-Fu Tuan (1991), que enfatizavama necessidade de se reconhecer o poder dalinguagem e das imagens na criação doslugares, e ecoavam vozes anteriores quealertavam para a necessidade de analisar o

papel da imaginação e da memória, assim

como da experiência pessoal, na constru-

ção dos lugares e da imagem dos lugares.

L00

Esse apelo remetia a" preocupações quedesde muito cedo se tornaram manifestasem geografra. Já na década de 1940, JohnWright salientava a necessidade de que osgeógrafos se debruçassem sobre a expressãodas concepÇões geográficas em literatura e

em arte, de forma a compreender o papelda imaginação e seu "lugar" na produçãodo conhecimento geográfico.

Entendido como artefato cultural, ocinema afigurava-se como objeto passível deproporcionar um vasto campo de análise emgeograÍia humana. Redimensionado enquan-to forma cultural, o cinema, nas suas maisvariadas expressões, ajuda a compreender opapel da memória e dos diferentes imaginá-rios geográficos na criação das imagens delugar e na construção das paisagens culturais.Veiculando significados sobre lugares e sobrea relação dos indivíduos com os lugares, ocinema vê-se reconfigurado como campode análise, proporcionando a compreensãode como os indivíduos percebem e repre-sentam o espaço, das relações emotivas queassociam as pessoas aos lugares, dos valores,da moral, da ideologia e da êtrca que subjazcada construção do espaço em cada períodoe em cada contexto sociocultural. Definiam-se assim o tema, o objeto e um quadro deproblemáticas de análise para um recente-mente criado campo de estudos. Definia-se, de igual modo, um novo domínio queampliava os desafios da geografta culturalcontemporânea. O estudo do cinema respon-dia à necessidade de revelar os significadoslatentes envolüdos na produção e na reali-

L0L

Page 52: cinema, música e espaço

zvção de filmes, permitindo a compreensãode como esses significados são consumidospelas audiências. A análise desses processos

proporcionaria a compreensão do papel docinema no que diz respeito a reforçar ou a

pôr em causa a relação dos indivíduos comos lugares, clariÍìcando o poder de interpe-netração de "geografias reais" e "geografias

míticas" na construção da realidade factuale da ação humana. Por meio dessa análise,

a geografia do cinema proporciona umaperspectiva crítica sobre as políticas culturaissubjacentes à construção de um filme e àsua estnrturação enquanto 'Janela sobre a

realidade geográfrca" .

A ênfase no cinema como objeto de

análise e na representação do espaço, dolugar e da paisagem como problemáticasde investigação veio consolidar o conjuntodas abordagens de pendor transdisciplinarque marcaram os desenvolvimentos recentes

da geografìa humana. Ao abrir a geografiahumana para os estudos em cinema, a inves-

tigação geográfìca em cinema vinha pôr em

diálogo áreas científicas que se encontravambastante distanciadas, contribuindo para omoümento de aproximação entre as ciên-

cias sociais, as humanidades e as artes. Emsentido lato, a geografia do cinema explorao modo como os filmes podem ser usados

para elucidar conceitos e problemáticastratados atualmente em geografia humana.Esse domínio científico não se constitui combase em um invenúrio descritivo dos retratosde espaço proporcionados por cada filmeou pelo levantamento das salas de cinema

102

e áreas geográficas destinadas à projeção defilmes para consumo. Estas constituem tão só

as dimensões mais visíveis de um complexofenômeno que objetiva o filme como arte-fato cultural, estruturante das mais diversaspráticas cotidianas de indivíduos e gruposnas sociedades contemporâneas. Elementoativo dos circuitos econômicos nessas so-

ciedades, o cinema enquanto fenômeno e

experiência extravasa largamente os limitesdas salas de projeção, tanto mais que umaparte significativa dessa experiência 1á nãoé pública e pontual, informando as práticascotidianas privadas dos indiúduos e entrandono domínio do consumo doméstico.

A geografia do cinema mostra que os

fìlmes podem poterrciar ou subverter nossoconhecimento dos lugares. Como salientaNicholson ( 1991, p. 29) , "para muitos denós a percepÇão geográfica do lugar, da re-lação com o nosso meio envolvente e com omundo é, em grande medida, condicionadapelos filmes". Tendo impacto sobre o modocomo conhecemos e percebemos o espaço,o cinema é trespassado de significados geo-gráficos. Não obstante, cada filme é sempreum retrato subjetivo e parcial da realidadefísica que representa. A exploração dos filmescomo "objeto de análise geográfica" permite,assim, aprofundar o papel do cinema noque diz respeito à revelação e evocação delugares específicos. Por meio dele, exploram-se os mecanismos de atribuição do sentidode lugar prevalecentes em cada período e

em cada contexto cultural, analisando-seo modo como se procedeu à fixação de

L03

Page 53: cinema, música e espaço

tcaracterísticas espaciais determinadas e arespectiva relação com aspectos associadosà construção e perpetuação de identidades,nas mais diversas escalas (local, regional,nacional, global).

Em sentido mais restrito, e tendo emconta abordagens definidas por diferentesautores, a geografia do cinema como do-mínio de investigação recai sobre a análisedo cinema como produto cultural que in-terfere na definição da interação entre osindivíduos e o espaço refletindo estruturassociais e ideologias, sobre a análise da paisa-gem cinemática como representação cultural(Azevedo,2004), sobre o efeito da indústriacinematográfica e da produção de filmes nodesenvolvimento econômico e na promoçãode regiões e lugares (Holloway e Millington,1999), sobre os aspectos geopolíticos dosfilmes $enkins, 1990; Godfrey, 1993; Klaus,2004), ou ainda sobre a análise do eÍèito dasforças hegemônicas e contra-hegemônicasna representação dos lugares (Rose, 1994).Refletindo diferentes perspectivas teóricas emetodológicas, a investigação nesse domíniovaria consideravelmente. Por exemplo, as

análises de pendor mais sociológico defi-nem um conjunto de abordagens debruça-do sobre aspectos como o papel do filmena produção e reprodução de valores dosgrupos dominantes (Burgess e Gold, 1985),enquanto as análises de pendor cognitivistadefinem abordagens mais debruçadas sobreaspectos como o papel do cinema enquantomediador das relações entre o indivíduo e

o ambiente (Aitken, 1991).

104

Enquanto sintoma das grandes alteraçõesverificadas no seio da geografia humana, oestudo do cinema em geografia reflete duasgrandes tendências: de um lado, o desen-volvimento das abordagens humanistas edos estudos da paisagem e, de outro, o de-senvolvimento dos estudos socioculturais. Aprimeira tem como problemáticas de análiseas representações de paisagem e o significa-do dos lugares nos filmes; as aproximaçõesmetodológicas manifestam um pendor maisinterpretativo, estando mais associadas àshumanidades, à história da arte, à críticaliterária e à estética. A segunda centra asproblemáticas de análise nas políticas socio-culturais subjacentes a cada filme, investi-gando relações de subordinação e domínioque trespassam a construção do significadofílmico; as aproximações metodológicas estãomais associadas à sociologia e aos métodosde análise qualitativa. Christina Kennedy e

Christopher Lukinbeal (1997) enfatizam essanaürreza bipolar da investigação geográÍicaem cinema desenvolüda nas últimas déca-das, acusando a necessidade de erosão dosquadros teóricos e metodológicos bipolares.Não obstante, uma análise sustentada dasabordagens dos diferentes autores revelague, mais do que "a naturalização de ideo-logias baseada numa racionalidade bipolar"(Kennedy e Lukinbeal, 1997) entroncadanessas duas grandes tendências, a diferençade aproximações objetiva, isso sim, o carátereminentemente holístico do conjunto dainvestigação nesse domínio. Permitindo adefinição de problemáticas de análise debru-

L05

Page 54: cinema, música e espaço

çadas sobre aspectos específìcos decorrentesda exploração do cinema como objeto deinvestigação geográfica e, paralelamente,possibilitando o recurso a metodologias deinvestigação de natureza diversa, essas duas

grandes tendências apenas iludem o carâterplural do próprio domínio de investigação, e,

ao mesmo tempo, o diálogo subterrâneo quepercorre as abordagens dos diversos autores,o qual se funda no respeito por seus perfisbiocientíficos. Definidas a postura autoral doinvestigador (a sensibilidade e o posiciona-mento perante uma problemâtica de inves-

tigação) e sua relação com o objeto fílmico(enquanto parte das audiências), os perfìsbiocientífìcos apresentam o posicionarnentodo investigador em torno daquelas duas

grandes tendências, e não dentro delas. Es-

truturadas as problemáticas em torno dessas

tendências de investigação, a interpenetraçãodos diferentes quadros teóricos funda umdomínio de investigação cuja riqueza advérn,

antes de mais nada, do aprofundamentodo diálogo intradisciplinar, dentro de umadisciplina cuja ütalidade radica na própriaporosidade transdisciplinar.

A nxpnruÊxcra ctxBl,tÁrtc,a:

DA RTPRESENTAQA,O DO ESPAÇO A

coNSTRU(Ao Do LUGAR rÍr-utc;o

Contribuindo p^ra a modelação das

experiências e das inter-relações de indi-víduos e lugares, o cinema figura-se como

L06

objeto de análise passível de eúdenciar al-guns dos contornos ainda pouco exploradosda complexa produção do espaço associadaaos "ambientes de ecrã" que caracterizamuma boa parte da prática e da experiênciahumana no mundo contemporâneo. Se essas

práticas e essa experiência se estruturamhoje, tendo em conta a ação dos ambientesmediatizados na tela (o mundo virtual e

das imagens) no cotidiano de indivíduos e

grupos, a compreensão da interação dessaspráticas com o território físico surge comodesafio inalienável.

A exploração de uma problemática deanálise em geografra do cinema deve ter emconta as paisagens culturais emergentes emcontextos mediados por ambientes de tela,elucidando as dinâmicas incessantes que vãoocorrendo entre os indivíduos e o meio emque operam e permitindo a compreensãodas novas e complexas espacialidades assimgeradas. A tentativa de compreender a assimi-lação do espaço pelo cinema objetiva-se pelaanálise da participação das espacialidadesmodernas nos sistemas de representação quefundam a ação humana aos seus níveis maisvariad.os. Se o cinema, enquanto indústriacultural, dá voz a essas espacialidades, elasse estruturam, por seu turno, no seio deuma cultura vídeo-visual potenciadora doevento-imagem. O geógrafo Stuart Aitken(1991) definiu no início da década de 1990os contornos fundamentais do cinema en-quanto meio potenciador do evento-imagem,expandindo a teoria transacionalista de LeoZonn. Essa noção de evento-imagem é par-

107

Page 55: cinema, música e espaço

ticularmente relevante quando se pretende

compreender o cinema como mediador das

relações entre o ser humano e o espaço'

Chamando a atenção para as complexas

dinâmicas geradas pelas relações entre os in-

divíduos e o ambiente físico que estruturama própri a ação humana, Aitken evidencia o

carâter transacional da experiência cinemá-

tica. As modalidades de comunicação ativa-

das por essa experiência estão associadas às

qualidades espaciotemporais ativadas pelo

próprio meio. Aitken explica o caráter dessas

inter-ações com base na teoria transacionalis-

ta, enfatizando a necessidade de se compre-

enderem essas modalidades de comunicação

como função de transações específicas em

curso entre os indivíduos e o ambiente' Usada

como base teórica para diversos estudos em

paisagem (Zube e Kennedy, 1990), a teoria

i.ansácionalista importada da psicologia da

percepÇão ambiental estabelece que as rela-

iO.t entre o ser humano e o ambiente são

dinâmicas, estando incrustadas nos contextos

físico e sociocultural e sendo afetadas pelo

tempo e pela mudança. A interaçâo entre o

ser humano e o ambiente físico é, portan-to, alicerçada em valores culturais que vão

sendo progressivamente alterados; por isso,

a compreensão dos valores culturais é cru-

cial para a análise das relações entre o ser

humano e o espaço, pois esses valores ditam

a forma de ver e experimentar a paisagem

(Kennedy e Lukinbeal, 1997). Também no

que diz respeito ao cinema' a produção e

á recepeão de um filme são afetadas porvalores culturais que fazem com que se veja

L08

o lugar representado num filme através deuma série de "filtros perceptivos" resultan-tes também das experiências biográficas e

das expectativas dos indivíduos envolvidos(Kennedy e Lukinbeal, 1997). O rerrarode um lugar proporcionado pelo cinema é

assim afetado e ê o resultado integral doespaço físico retratado (ou em que se bus-cou inspiração), do(s) criador(es) da imagemque operou (operaram) para a concepçãodo filme, do meio e das audiências (Zonn,1990). Nesse sentido, o estudo da construçãode significados espaciais pelo cinema e domodo como indivíduos e grupos respondemàs representações espaciais veiculadas pelosfilmes pode ser encarado como parte deum dinâmico processo de trocas entre o serhumano e o ambiente.

Partindo do princípio de que a intera-ção entre os indivíduos e o ambiente nãoé um processo de adaptação estável, Aitkenevidencia a importância da mudança comoparte integral dessa experiência. A mudançaproporcionada pela experiência fílmica naforma de perceber o espaço e o territóriointroduz o evento, potenciando a transfor-mação das relações entre o observador e omundo físico. O cinema, enquanto poten-ciador desse evento-imagem, funciona comoativador na transformação das relações entreos indivíduos e o espaço. Logo, desde suaconcepção, o filme importa um conjuntode referências de espaço físico que se revelade forma alterada (mesmo o registro mais"puro" de imagens do mundo físico é emsi mesmo uma representação). Ao entrar

109

Page 56: cinema, música e espaço

em contato com a imagem fílmica, o con-sumidor da imagem (audiências) desenvolveuma interação específìca com o espaço quelhe é apresentado, a qual está associada à

sua experiência e às expectativas em relaçãoao filme. Ao ser mediado pelos ambientesda tela, o espaço assim retratado não é

recebido de forma direta, mas consumidoindireta e literalmente emoldurado. tendoenr conta, entre outros fatores, a tecnologiaque o suporta, a perspectiva do realizador,os objetivos do produtor e as convençõesculturais sob as quais se estrutura a opçãoestética subjacente a cada filme.

A experiência do espaço num filme re-sulta, pois, do potencial comunicacional dofilme e da dimensão estética de sua estrutu-ra. O impacto dessa experiência cinemâtrcadecorre da natureza do próprio eventofílmico, gue, por meio de uma série de téc-

nicas (como a montagem, editing), organrzaum conjunto de fatos numa ação à qualsão atribuídos uma sequência e um ritmo.Nesse processo, o cinema opera a anexaçãoe a justaposição de fragmentos espaciotem-porais, em grande medida recolhidos domundo físico ou nele inspirados. A alteraçãodas lógicas de contiguidade, similaridadeou escala é uma das transformações que ofìlme introduz nos objetos que representa,às quais o espaço físico não escapa. Essas

transformações estão frequentemente nabase da experiência cinemática, acionandoa mudança perceptiva do mundo físico e

propondo novas relações.

LL0

Definido como "uma sequência de pla-nos que úolam ou enfatizam o ritmo deum filme e, como taI, se afiguram comonível fundamental de comunicação entre orealizador e o observador" (Aitken, 1ggl,p. 106), o evento-imagem potencia a lógicatransacional entre o ser humano e o espaço.A análise do evento cinemático implica terem conta as diversas lógicas transacionais quetrespassam cada experiência fílmica, nome-adamente aquelas que ditam a posição dorealizador ert relação ao seu mundo físico eque são fundamentais para se compreender oprocesso de concepção de cada obra. Daquipartirá o processo de seleção de imagensrecolhidas do mundo ordinário ou que nelefoi buscar inspiração. Esse processo resultada interpretação das categorias espaciais danarrativa por parte do realizador e de suaintenção de localização da ação. A localizaçãoda ação e as diversas técnicas usadas pelorealizador para assegurar a continuidadeespaciotemporal à narrativa geram a trans-formação do espaço narrativo num "lugarleeítimo da ação" (Aitken, lggl), o qual éfrequentemente pensado tendo em üsta aassegurar o realismo do ambiente represen-tado. A representação do espaço no cinemae a objetivação do lugar legítimo da açãosão efeitos do evento cinemático. As lógi-cas transacionais dos persona€ïens com seumundo tornam-se manifestas através desseespaço de representação. Essas lóeicas sãoveiculadas pelo evento cinemático, ajustando-se ou colidindo com as lógicas transacionaisdas audiências. O lugar legítimo do filme

11'1,

Page 57: cinema, música e espaço

ê, em última instância, construído pelasaudiências e pelas interpretações do espaço

representado, sendo, portanto, resultantede suas lógicas transacionais. A interpre-taçã"o das trocas entre os indivíduos e as

paisagens cinemáticas permite, dessa forma,compreender o modo como se desenvolvemdeterminadas imagens de lugar que vêm a

tornar-se "construtos da própria realidade"(Zonn, 1990) e que emergem na sequência

de uma profunda mudança das relaçõesentre o indivíduo e o ambiente.

Como salientam Aitken e Zonn (1994)'

no mundo contemporâneo, marcado pelamediação dos ambientes da tela, as experiên-cias do cotidiano não são sentidas imediata-mente, mas antes elas nos são representadas,

tornando-se "modelos para a interação social

e para as nossas experiências de lugar" (Ken-

nedy e Lukinbeal, 1997, p. 38). A autentici-dade da experiência de lugar vê-se, assim,

reequacionada no seio de uma sociedade

defìnida como dramatúrgica, na qual nos

conhecemos por meio das representações(Kennedy e Lukinbeal, 1997, p. 38). Esta é

apresentada como um fenômeno transacio-

nal em que a realidade e as representações

estão ligadas em um processo dinâmico e

contínuo de transferências e transformações(Aitken e Zonn, 1994). Nesse contexto, aexperiência de lugar proporcionada pelocinema, a experiência mediada do espaço, é

cada vez mais uma experiência central. Não

obstante, essa experiência radica frequen-temente no consumo de imagens fílmicas

trespassadas por ideologias hegemônicas e

112

por significados que veiculam sérias políti-cas de lugar. Enquanto construção social,o lugar fílmico afirma-se frequentementecomo arena de interpenetração de forçashegemônicas e contra-hegemônicas (Rose,

1994). Dando voz à ideologia de gruposculturais específicos, o cinema e a indús-tria cinematográfica disseminam valores e

normas culturais diversos (por exemplo,conforme o tipo de filme ou o gênero), os

quais estão bem patentes nas representaçõesde espaço que veiculam.

Frequentemente orientadas para o su-

cesso comercial do filme, as representaçõesde espaço em cinema resultam muitas vezes

de dois imperativos básicos: da seleção dolugar pelas suas qualidades estéticas e/oupelas suas qualidades de adequação aos

imperativos da narrativa fílmica. Tudo isso

tendo em conta o sucesso comercial do filme,que determina em muitos casos a definiçãodo lugar legítimo da ação. Nesses casos, a

construção do lugar legítimo da ação, oudo lugar fílmico, obedece à estruturaçãodo realismo narrativo que percorre grandeparte dos filmes comerciais. Essa manipula-

ção da componente espacial operada pelocinema implica normalmente a exploraçãode representações culturais de rtatwreza e

de lugar, eue não poucas vezes subvertemaspectos cruciais do próprio lugar, de formaa reforçar construções estereotipadas de

determinada paisagem cultural. A naturezaseletiva das porções de espaço físico repre-sentado pelo cinema com Íìns unicamentecomerciais indicia lugares fílmicos ideolo-

113

Page 58: cinema, música e espaço

gicamente saturados, perpetuando políticasde lugar hegemônicas e geografias míticas

veiculadas pelas culturas dominantes. Esses

lugares fílmicos resultam normalmente de

uma construção que tem associada a promo-ção de espaços culturais específicos definidoscomo representativos de grupos ou nações.

A natureza trafisacional da experiência ci-

nemática é, portanto, objetivada, em grandemedida, pela construção do lugar fílmico.A assimilação do espaço representado emum filme, a atribuição de significados a umlugar por um indivíduo ou grupo e a par-tilha desses significados assumem-se comoparte integrante dessa mesma experiência.A partilha de significados em torno de umfilme torna-o um produto cultural carregado

simbolicamente e com o poder de ativar va-

lores, sensações, desejos e práticas espaciais-

Sendo cultural e contextualmente específìco,

o lugar fílmico é ao mesmo tempo porção do

espaço físico factual (ou sua evocação), ele-

mento do enredo e elemento da experiênciafílmica. Nutrido por estereótipos alusivos aos

lugares retratados, o lugar fílmico é muitomais complexo do que o conjunto de este-

reótipos que representa- Frequentemente,o lugar fílmico não existe na "realidade",

embora possa fazer parte de um imagináriogeográfico coletivo. Nesse sentido, o cinema

é responsável pela criação de lugartt -:,se entendermos o esPaço como construçao

social, o cinema desempenha papel deter-

minante nessa construção.Como meio que ativa a estruturação das

subjetividades, o cinema desempenha um pa-

LL4

pel importante nos processos de articulaçãoe ïnterpretação da experiència socìal, assïm

como na negociação e contestação intersub-jetiva dessa experiência (Williams. 1994).Independentemente das forlras arrsti:l-i;..pelas diversas audiências que consonlerlum filme (etnicidade, gênero e classe social.

entre outros fatores que constituem sua hete-

rogeneidade), a construção do lugar fílmico,enquanto parte da experiência cinemática,denuncia a participação das audiências na

fantasia fílmica. A construção assim opera-

da põe em contato e estabelece a conexãoentre fragmentos isolados (e pessoais) dessa

experiência, aos quais se atribui sentidocoletivamente de acordo com as diversasidentidades de grupo. A negociação dossignificados fílmicos por parte das audiênciasdepende, então, do conteúdo da representa-

ção enquanto resultante das instituições quedefinem sua função social e do processo decomunicação que resulta do envolvimentodos indivíduos com o filme. Dentro desse

processo, a capacidade de desenvolver leitu-ras críticas relativamente ao conteúdo ideo-lógico do filme está associada ao problemado posicionamento do sujeito observador,/consumidor do filme e ao questionamentode sua estabilidade identrtária.

O papel dos enredos e a construçãoda narrativa são normalmente orientadospor fatores que acionam a identifìcação dedeterminadas audiências com o conteúdofílmico, visando proporcionar o envolvimen-to e a potenciação da experiência fílmica. Amanipulação das categorias espaciais de um

115

Page 59: cinema, música e espaço

filme está também associada à ativação daideia de identidade, de forma a facultar umacorporização da ação a escalas variadas (docorpo ao território). Estando dependente doposicionamento do espec tador / consumidor,a construção do lugar fílmico parece estarmuito frequentemente associada à manipula-ção de representações culturais dominantesde natureza e de paisagem e a uma posiçãohegemônica que perspectiva o territórioenquanto objeto de prazer üsual.

Diversos autores têm-se debruçado sobrea persistência de uma "ideologia invisível"(Williams, 1994) subjacente à construçãoda narrativa cinernâtica, ideologia essa quecondiciona a produção do espaço fílmico.Percorrendo a produção de imagens deterritório e a construção de lugares fílmicos,essa ideologia funciona como elemento es-

truturante das mais diversas representaçõescinemáticas e da posição do espectador/audiências. Segundo Linda Williams (1994),trespassa o cinema narrativo convencional,ilude a pluralidade histórica e contextual denruitas e distintas audiências (perspectivas deobservação), fomentando a posição passivado observador relativamente a um ponto devista específico e no ato de consumir umfilme. O espectador, como "sujeito passivo",encontra-se, assim, em posição de assumiruma ideologia dominante veiculada pelofilme e associada à absorção de valores e

perspectivas estereotipadas de espaço veicu-lados pela representação. Nesse quadro, ocinema de narrativa convencional é enten-dido como extensão corrtínua do idealismo

116

ocidental e dos valores associados a perspec-tivas hegemônicas que enfatizam o domíniodo espectador masculino e heterossexual, oespectador eurocêntrico, branco e burguês,investido do poder e da coerência ilusóriosde sua própria superioridade (Williams,1994). A consciência dessa ideologia queestrutura uma parte significativa da experi-ência cinemática alerta-nos para a naturezado prazer nutrido pelo sujeito-espectadorpela identificação com imagens que nadatêm de neutro ou de "natural". Ao veicularesse tipo de mensagem, o discurso fílmicosurge paraJonathan Crary (1994) como in-separável das tecnologias de dominação e doespetáculo (tecnologias da üsão e represen-tação), popularizadas a partir dos finais doséculo XIX, naturalizando, em muitos casos,a posição de indivíduos e grupos dentro deuma sociedade.

A capacidade de produzir e reproduzirespaços, por meio da experiência perceptivae sensorial ativada pelo cinema, é desencade-ada pelas qualidades expressivas do cinemaenquanto forma de arte que perpetua e

recria as mais diversas tradições de repre-sentação espacial. Desenvolvendo múltiplasconvenções associadas à representação doespaço, o cinema dá continuidade a preo-cupações que historicamente marcaram aorientação de diversas técnicas e tecnologiasassociadas às dinâmicas visuais e da percep-ção e que condicionaram o desenvolümentoda arte moderna. As qualidades expressivasdo meio são decorrentes, em grande medida,das tradições de representação espacial em

117

Page 60: cinema, música e espaço

artes, da cenografia e da arquitetura cênicae da paisagem. Enquanto objeto de desejofrequentemente negligenciado, o espaçovê-se representado pelo cinema das maisvariadas formas. Essas formas de represen-tação do território que povoam o cinemasintetizam toda uma tradição artística derepresentação do espaço desenvolvida pelacultura ocidental, tornando manifestos osmais variados elementos da cultura üsualque circulam através de um filme. Enten-dido como produto cultural que reúne as

mais variadas referências de outras artes, ocinema busca sua legitimação no universointermediático da tecnologia e das artes,numa época apelidada por Walter Benjamincomo "da reprodutibilidade técnica dasobras de arte". Nutrido pela experiênciaaudiovisual coletiva, o cinema, enquantoarte, potencia aquele universo carregadodos espectros e atravessado pelo poder tec-nomediático do simulacro. Nesse sentido, ocinema assemelha-se a uma alegoria, comomeditação autoconsciente sobre o diálogoentre as diferentes formas de representaçãoem que se especializou a cultura ocidental,sobre a interface entre arte e tecnologia,tradição e modernidade.

Angela Dalle Vacche (1996) sublinhaessa dimensão metacinemática do meio,alertando p^ra a multiplicidade e para aheterogeneidade de referências artísticas queos filmes integram no seu espaço textual e

que condicionam as trocas no decorrer doevento fílmico. A dialética palavra-imagem-som que percorre a nature za da imagem

118

fílmica torna esse quadro de transferênciae proliferação compulsivas de sinais instáveisnum universo ainda mais complexo. Para aautora, o cinema não opera um mero reflexodas imagens recebidas pela história de arte;antes, este rearranja suas referências, frontei-ras e prioridades, por meio de uma intensaatividade intertextual (Vacche, 1996). Ope-rando o desmembramento de referênciasartísticas herdadas e rearticulando-as atravésdos múltiplos textos de um filme, cada obrade arte cinemática participa na construçãoda natureza arnbígua do lugar fílmico.

Nutrido pela história cultural de repre-sentação e exibição do espaço no mundoocidental moderno, o pictorialismo cinemá-tico absorve todo um conjunto de códigose tradições provenientes dos mais diversosmoümentos. Por isso, Bruno (2002) chama a

atenção para a natureza da arquitetura gene-alógica do espaço fílmico, entendendo-a noquadro de uma estética pitoresca da práticaturística de consumo espacial. Defendendoque o cinema deve seus códigos frente às

representações pitorescas de espaço, postas

em voga pela estética topográfica setecentistae pelos discursos sobre o jardim, a autoraenfatiza o significado das trocas entre o ser

humano e o ambiente postas em relevo pelomeio. Fomentando novos tipos de espaciali-dade associados à objetivação da paisagemcomo cenário e como espetáculo retratadodentro de um enquadramento ou 'Janela

de representação", o moümento pitorescodenunciava as novas relações do indivíduocom o território. testemunhando uma ordem

ttg

Page 61: cinema, música e espaço

social e econômica que valorizava a terracomo capital cultural. Potenciando a posiçãodo indivíduo enquanto sujeito observadore do território enquanto objeto observado,o movimento estético pitoresco radicavana posição do sujeito enquanto observadore consumidor de um objeto (o território)tornado espetáculo de consumo e alvo deprazer contemplativo. Mas radicava tambémna posição do sujeito enquanto observador/viajante, nutrido pela vertigem do movi-mento no espaço; o sujeito, supostamenteestático, ia consumindo sensorialmente (e,de um modo muito específico, üsualmente),no ato de vaguear que fundava esse mesmomovimento. Desse modo, os códigos e as

convenções que marcam o desenvolvimentoda cultura visual moderna associavam-se tam-bém a uma obsessão cultural pela viagem e

pelo moümento, assim como pela ideia dafruição estética da paisagem enquanto corpode colonização sociocultural. Ao descenderdesse movimento, o pictorialismo cinemá-tico üria ativar uma "pulsão geopsíquica"(Bruno, 2002) latente em cada observador,propondo-lhe aviagem itinerante e a prâticade um espaço cênico móvel disposto pelofilme. O cinema funcionaria, assim, comoa inscrição de um desejo espacial, pois, aoserem absorvidos pelo cinema, tais códigos e

convenções, tais práticas de intercepção entreo mundo físico e a ação humana, üriam aditar a prâtica do lugar fílmico.

A dupla posição do espectador (observa-dor e viajante) em que estribou o pictoria-lismo cinemático decorre de uma tradicão

120

cultural à qual se associa a colonizaçãosimbólica do espaço. Efetivada no decursoda prática do lugar fílmico pelo espectador/viajante, essa colonizaçã,o afigura-se comomodo de atribuição de sentido ao espaçocênico e móvel do próprio filme. Em grandemedida associada aos sinais e aos símbolosque pontuam pictoricamente o filme, a colo-nização simbólica do espaço é operada peloespectad or /wajante aparentemente imóvel,passivo e solitário, frà sua experiência denavegação do lugar fílmico.

Enquanto prática cultural, a experiênciado lugar fílmico implica a descodificação deuma infinitude de ícones e a interpretaçãode sua função na narrativa por parte doespectador. A partilha do capital simbólicodo filme prende-se, por isso , vo própriomovimento proporcionado pela construçãodesse lugar como forma de apropriaçãoe de territorialização. A atividade desseespectador, designado por Gian Piero Bru-netta como "icononauta", desenvolve-seassim na esfera de um habitus em relaçãoao ato de absorver a imagem e aos modosde representação do espaço (de que as re-presentações do tipo "perspectiva do olhoda ave" são um exemplo elucidativo). Anatureza da experiência fílmica alimenta-se , em grande medida, da impregn açãodo tecido espectatorial desse habitus, que éconstruído com base na sua mútua relaçãocom o objeto de arte e com as tecnologiasda üsão e representação desenvolvidas pelacultura moderna ocidental. O consumo doespaço cinemático desenvolve-se pela ação

t21

Page 62: cinema, música e espaço

desse habitus, que deflagra a viagem do es-pectador e seu dealbar pelo lusar fílmico.Denunciando paralelamente a reproduçãoda prática cotidiana do espaço, esse dealbardefìne a natureza híbrida da presença doicononauta no lugar fílmico como o habi-tante temporário do lugar legítimo da ação;paralelamente dentro e fora dele, turista e

visitante, habitante e criador, explorador e

usuário. Enquanto produto cultural e formade arte, cada filme proporciona um mapa deitinerários e de trajetórias üvas, envolvendoseus habitantes temporários e seus üajantesnas mais diversas práticas espaciais.

Apesar da forte inscrição do pictorialis-mo cinemático nas tradições modernas derepresentação, potencialmente cada experi-ência fílmica excede em muito as práticasvisuais e o consumo predefinido de uma dadarepresentação espacial. A dimensão física(sensorial e corpórea) e a "reversibilidade"concreta da percepção que nutre a experi-ência cinemática eüdenciam um fenômenode comunicação que excede em muito arecepção descomprometida de estímulosaudioüsuais. Como salienta Viüan Sobchack(1994, p. 37), enquanto forma humana decomunicação simbólicà, "o cinema usa mo-dos de existência corporizados (ver, ouür,os movimentos físico e reflexivo), [...] comoa substância da sua linguagem". Ao transporo sentido de experienciar diretamente omundo (através da visão, da audição ou domovimento), o cinema transpõe a corporrza-ção dessa experiência (e a consciência dela)para aqueles que a recebem na forma de

122

experiência indireta ou secundária. Dessemodo, as bases de estruturação da nossa ex-periência direta de espaço são utilizadas pelocinema para produzir um lugar legítimo daação. A base intersubjetiva da comunicaçãocinemática irradia da corporização subjetivae da natrrreza sensitiva e expressiva do meio;a experiência fílmica assenta sempre na ativi-dade da úsão e da percepção cinemática noseu conjunto como conexão mútua do filme,do espectador e do mundo físico e material.A partilha desse espaço cinemático entre oobservador e o filme, sua negociação e ü-vência íntimas, decorre da consciência dessanatureza dupla e reversível da percepçãocinemática (do cinema enquanto mediadorda experiência direta do mundo e da expe-riência direta como mediação) (Sobchack,1994). Nesse quadro, a construção do lugarfílmico e seu significado experiencial podemser entendidos como expressão das relaçõesdo indivíduo com o mundo, nas quais apercepção cinemática funciona como media-dora dessas mesmas relações. A experiênciacorporizada do mundo, enquanto dimensãoontológica da ação humana, vem fundar aexperiência cinemática e, retroativamente,esta redimensiona a experiência direta doespaço e da realidade factual.

Enquanto dimensões estruturantes daexperiência fílmica, a troca e a reversibilida-de da percepção e da expressão propiciama liberdade significante dos observadoresindividuais detentores das mais diversasposicionalidades, potenciando o eventocinemático. A natureza dinâmica da per-

123

Page 63: cinema, música e espaço

cepção e os fundamentos intrassubjetivos e

intersubjetivos da comunicação cinemáticapotenciam a especificidade da experiênciacinemática, contrariando a transcendênciatotalitária das estruturas psíquicas e ideoló-gicas veiculadas por determinados filmes eque atentam contra aquela mesma liberdade.Considerado como objeto estético e expres-sivo, como objeto perceptivo ou cultural,retórico e reflexivo (Sobchack, 1994), ofilme tem sido perspectivado como um veí-culo pelo qual o significado é representadoou produzido. No entanto, a especificidadeda experiência fílmica encontra-se precisa-mente na sua n tÌüÍezà enquanto estruturareversível que correlaciona a atiüdade dapercepção e expressão e a comutação entreas duas como base para a emergência dasignificação e do significado cinemáticos.Dessa relação transitiva entre objeto obser-vado e sujeito observador emerge um espaçoconcretamente habitado e intersubjetivo,um terceiro espaço (Sobchack, 1994), queexcede o próprio corpo indiüdual do espaçorepresentado e sua situação única: o lugarfílmico. Habitado pelo espectador, esse lugaratravessado por múltiplos tempos e espaçostransporta-o numa navegação ficcional.Essa viagem cinestética proporcionada pelofilme ao espectador aparentemente imóvel,transportado pela fantasia e pelo desejo,torna-o um viajante,/explorador que vagueianos territórios mobilizados pela experiênciafílmica através das mais diversas paisagenscinemáticas. A navegação ficcional do ob-servador por esses territórios imaginários,

124

conectando e dando sentido às referênciasespaciais do filme, objetiva sua prática dolugar fílmico. Corporizando o movimentodo Íìlme, o observador atravessa e interpretaos mundos que se vão articulando na tela,construindo seu próprio itinerário fílmico.Desse modo, o consumidor de cinematorna-se um viajante itinerante pela prâtrcaimaginária e intersubjetiva de cada paisagemcinemática.

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\27

Page 65: cinema, música e espaço

Musrca PoPULAR NAS ANALTsES

GEOGRAFICASl

Lrrt" Korvc

A música popular como uma área deinvestigação geográÍica ainda não foi deü-damente explorada. Os estudos existentesestão de certa forma distantes das recentesquestões teóricas e metodológicas que reügo-raram a geografia social e cultural (ver, porexemplo, Cosgrove eJackson, 1987; Cosgro-ve, 1989, 1990; Jackson, 1989; Anderson eGale, 1992; Barnes e Duncan, 1992). Nestetexto abordarei a interface entre geografia e

música popular, focal\zando especifìcamenteas contribuições dessa investigação para oconhecimento cultural e social.

Na sequência, discutirei inicialmenteas razões da relativa indiferença dos geó-grafos pela música popular e por que esse

desdém não deveria persistir. Depois, apre-sentarei uma breve reüsão das tendências

I Publicado originalmente como "Popular music ingeographical analyses", em Progress in Human Geography,

1995, 19 (1), pp. 183-98. Os organizadores deste liwoagradecem a autoïização da editora Sage Publicationspara traduzir e publicar este artigo. Traduzido por\Íárcia Trigueiro.

Page 66: cinema, música e espaço

encontradas na pesquisa geográfrca sobremírsica popular. Finalmente, utilizandocomo trampolins para o debate perspectivasre-teorizadas no conhecimento geográfìcocultural, discutirei como as linhas de pesqui-sa existentes podem ser expandidas. Nestaúltima seção, de modo especial, não serão

exageradamente enfatizadas as diferençasentre geógrafos e não-geógrafos, sob penade afastarem ainda mais nossa compreensãode música popular, cultura e sociedade.Na verdade, utilizo bastante os estudos desociólogos e de teóricos culturais, tanto emseus insights teóricos quanto em suas análises

empíricas.

MusIce populÁR NA ANAl.Isn crocúnce?

A relativa indiferença dos geógrafospela cultura popular (aí incluída a música

popular) reflete a longa permanência dofoco cultural geográfìco na cultura de elite.Burgess e Gold (1985, p. 15) assinalam, comoexemplo, o estudo geográfico da literatura"séria", que há muito foi incentivado "erÍrvezdo amplo leque da cultura popular [...] [eresulta de] uma visão do 'valor' relativo da

cultura de elite aersus a cultura popular". Naverdade, como os autores continuam exem-

plifìcando, os geógrafos, por longo tempo,foram "profundamente elitistas" em seus

interesses. A cultura popular foi encaradacom desdém como "mero entretenimento"trivial e efêmero. No entanto, essa hege-

L30

monia da cultura de elite foi recentementecontestada, uma resposta ao fato de quea própria condição de comum da culturapopular disfarça sua importância como as"fontes propulsoras da consciência popular,'(Harvey, 1984, p. 7).

Mesmo quando teve início o movimentoque deixava de privilegiar a cultura de eliteem busca de um reconhecimento mais explí_cito da importância de se analisar a culturapopular, o fato de as questões geográficasterem permanecido em grande parte visual_mente orientadas significou não se prestarmuita atenção à música popular ou a qual_quer tipo de música. Os sentidos do olfato,tato, gosto e audição foram negligenciadoscomo consequência da ênfase nos .modos

dever" (|ackson, 1989, p.l7l). Como Valentine(1993) assinala, modos de ouvir e modos decheirar, por exemplo, estruturam o espaçode maneira diferente da visão; contudo,eles continuam bastante negligenciados(ver Porteous, 1985, lgg0, sobre paisagemolfativa fsmellscape] ). Tentativas de discussãosobre a importância de paisagens sonoraslsoundscapes] foram centradas em paisagensruidosas lnoisescapesf , na análise objetiva ena experiência qualitativa de sons que carac_terizam diferentes lugares urbanos e rurais,tais como sons naturais (por exemplo, oscantos de pássaros e o vento na árvore) esons produzidos pelo homem (por exemplo,tráfego, bandas no parque) (ver porteous,1990), embora algum interesse recente te-nha se desenvolüdo na direção da pesquisamusical. Em 1993, realizou-se no [Jniversity

131

Page 67: cinema, música e espaço

College, Londres - organtzada pelo Social

and Cultural Geography and Economic Ge-

ography Study Groups do Institute of BritishGeographers, juntamente com o Landscape

Research Group -, uma conferência inti-tulada "The place of music" ["O lugar da

música"l (ver também Smith, 1994).Contudo, inúmeras razões Podem ser

enumeradas para o estudo geográfico da

música em geral e da música popular es-

pecificamente. É notável a penetração da

música na sociedade. Em todas as sociedades

conhecidas, a música tem presença. ComoPerris (1985, pp. 3-4) resume de maneiraclara,

somos incansavelmente atingidospela música, embora frequente-mente não nos demos conta de

sua presença. A música nos alcan-

ça a partir do aParelho estéreo

de nossa casa e em nossos carros'é tocada nos bancos, edifícioscomerciais e suPermercados, e

acompanha a ação de filmes eprogramas de televisão, jogandosutilmente com nossas emoçõese desejos. Usamos a músicaPaÍatrabalhar, para caminhar, Paraacalmar o bebê, Pata exercícioaeróbico , Para cerimônias e Parareligião...

Em termos específicos, a música de umdeterminado local pode trazer imagens dele'

Como assinalou David Thomas, da banda

norte-americana Pere Ubu, "aquilo que você

132

sente a partir da música é o que você senteestando lá" (apudJarvis, 1985, p. l2l).

Como ocorre na corrente que analisaromances regionais buscando um sentidode carâter regional (ver, por exemplo, oestudo bastante citado de Darby [1g48] so-bre o Wessex, de Thomas Hardy), a músicatambém pode servir como proveitosa fonteprimária para se compreender o caráter ea identidade de lugares.

A música tar.r'bém é um meio para aspessoas comunicarem suas experiênciasambientais tanto as cotidianas comoaquelas fora do comum. Por exemplo,muitas experiências ambientais cotidianasaceitas como verdadeiras, discutidas teóricae empiricamente mediante noções como"sentido de lugar", "espaço" e "lugar" (verTuan, I974a, 1974b; Relph, 1976), podemser enriquecidas com análises de expressõesmusicais. De maneira similar, momentosimportantes como espetáculo, ou com valorhistórico, são muitas vezes apreendidos pormelodias, pelos filtros de seus compositores.De fato, como afirma Reich (1970, p. 247),a música nos oferece "uma compreensão domundo e dos sentimentos de outras pessoasincrivelmente maior do que outros meiostêm sido capazes de expressar".

Da mesma forma que é um meio paracomunicar incontáveis experiências, a músi-ca é o resultado da experiência ambiental.Os músicos compõem canções como umaconsequência de suas experiências. Assim,pode-se dizer que a música possui uma dua-

L33

Page 68: cinema, música e espaço

lidade de estrutura:2 como o meio e como oresultado da experiência, ela pode produzire reproduzir sistemas sociais.

Se agora os geógrafos estão completa-mente engajados, de diferentes maneiras,na pesquisa sobre assuntos ambientais, os

músicos também expressaram preocupaçõessemelhantes. Nos últimos anos, a músicatrouxe mensagens sobre conscientrzaçãoe proteção ambiental, como observou umpresidente recente da Association of Ame-rican Geographers (Mather,1992, p. 1). Naverdade, as indústrias da música e dos filmesaderiram nos últimos anos à causa "verde",com muitas canções e fìlmes abordando te-

mas "verdes". A influência que essas formasde cultura popular exercem sobre as atitudesdo público claramente merece a atenção dos

trabalhos de pesquisa.Mesmo que apenas por esses motivos,

torna-se evidente que existe lugar para a

análise geográfica da música. Embora a agen-

da de pesquisas possa ser proveitosamenteexpandida, como exemplificarei depois, co-

meçarei por focalizar como algumas questõesjá foram abordadas.

2 Giddens (1981 , p. 26) utiliza o termo "estrutura"para se referir às "regras e recursos envolvidos naprodução e reprodução de sistemas sociais". Nesse

contexto, considero que esses recursos podem incluirnão apenas instituições sociais, econômicas e políticasna sociedade, mas também formas culturais como a

música.

134

ConnnxrEs NA pEseursA

GEoGRÁFICA SoBRE MUSICA PoPI]IÁR

Embora exista alguma pesquisa geográ-fica sobre música popular, nenhuma revisãofoi realizada. Assim, será útil proceder aquia uma breve análise crítica dos estudosconhecidos. Durante muito tempo, grandeparte da pesquisa geogrâfica sobre músicapopular (daqui por diante, música) não foiteórica ou metodologicamente sofisticada.As agendas de pesquisa refletem interessesgeográficos mais amplos, de acordo com acorrente da geografra cultural de Berkeley,e podem ser classifìcadas em cinco áreasprincipais. Inicialmente, existe uma preocu-pação com a distribuição espacial de formas,atiüdades, artistas e personalidades musicais,a maioria dos estudos tendo origem nos Es-tados Unidos (Crowley,7987; Carney, 7987a,1987b). Essas investigações não estabelecemquaisquer argumentos teóricos; contudo, sãometodologicamente motivadores, não porintroduzirem novas técnicas baseadas emteorias, mas devido às maneiras detalhadase trabalhosas de os pesquisadores mapea-rem dados sobre as afiliações aos gruposmusicais; de esquematizarem os padrões departicipação em concursos de música; detraçarem e mapearem a distribuição doslocais de nascimento de personalidades damúsica etc. No entanto, além da atençãometiculosa com detalhes e da informaçãodescritiva que daí deriva como uma conse-quência, esses estudos pouco fornecem em

135

Page 69: cinema, música e espaço

termos de uma compreensõo desses padrõesdistributivos; e também não oferecem insightsdo "funcionamento mais interior" da cultura(Wagner e Mikesell, 1962, p. 5), nem doscontextos sociais e políticos mais amplosque dão origem à predominância de estilosmusicais específicos e a atiüdades em lugaresdeterminados.

Um segundo tema que ajuda a visua-hzar a pesquisa geogrâfrca existente sobremúsica é a exploração dos locais de origemda música e de sua difusão, utilizando con-ceitos como contágio, relocação e difusãohierárquica, e o exame dos agentes e dasbarreiras à difusão $ackson, Ig52; Ford,1971; Francaviglia, 1978; Carney, 1987c;Glasgow, 1987). Esses estudos trazem in-formação valiosa sobre a dinâmica espacialdo desenvolümento musical, especialmenteno contexto norte-americano, e, emboranão sejam teoricamente ambiciosos, eles se

orientam de acordo com a compreensãoconceitual estabelecida.

Uma terceira preocupação é com a delimitação de áreas que partilhem alguns traçosmusicais. O procedimento de delimitaçãoocorre em diferentes escalas, tais como aglobal (Lomax e Erickson, 1971; Nash, 1975)e a regional (Lomax, 1960; Burman-Hall,1975; Gastil, 1975). Como acontece com tan-tos outros procedimentos de levantamentode áreas culturais. hâ a tendência de tratàra cultura de forma homogênea, isolandoum determinado traço cultural e definindoo caráter de uma ârea a partir dessa base.Esse tratamento tende a ignorar condições

136

sociopolíticas mais amplas que interferemno desenvolümento daquele traço cultural e

assume que não existem conflitos e tensõescom outras culturas na mesma região.

De forma bastante parecida, outra sériede estudos geográÍìcos sobre música seguea tradição regional em que o caráter e aidentidade dos lugares são apreendidos apartir de letras, melodia, instrumentação e

da "percepção" geral ou do impacto sensorialda música (Gleason, 1969; Curtis e Rose,1987; Curtis, 1987). Esses estudos oferecemricas evocações de lugares, de uma formageralmente ausente nas fontes geográficasconvencionais.

Os geógrafos também se envolveram coma análise temática das letras, para investigarpreocupações ambientais expressas nas músi-cas.Jarvis (1985), por exemplo, identificou,nas letras das músicas de rock, diversos temasque envolviam a imagem da cidade, a ideiade estar viajando e terras prometidas. Marcus(1975), em sua exploração de imagens daAmérica no rock and roll, aborda temas simi-lares, enquanto Henderson (1974) focalizaespecifìcamente as atitudes e percepções comrelação à cidade de Nova Iorque na músicapopular de 1890 a 1970.

O valor desses cinco temas como instru-mentos pedagógicos também foi reconheci-do. Tanto Meyer (1973) quanto Lehr (1984)discutiram como a música pode auxiliar noensino de conceitos geográficos como origemda cultura, difusão cultural, üa de difusão e

percepÇão ambiental, assim como imagenscaracterísticas de diferentes lugares. A despei-

137

Page 70: cinema, música e espaço

to de sua utilidade em todos esses sentidos,algumas deficiências também caracterizam as

linhas de investigação aqui referidas. Umadelas é o não-envolvimento com os contextossociais e políticos nos quais a música é produ-zida. Segundo, não é reconhecida a naturezasocialmente construída da experiência deespaço e lugar, nem é assinalado o papelda música nessa construção; em vez disso,o espaço, como na corrente dos estudos deorganrzação espacial, é aceito como um dado.Terceiro , Ì;'á, pouca percepÇão da músicacomo uma forma cultural que é consumidae que, no processo de consumo, passa pormais transformação. Em quarto lugar, nãofoi explorada por geógrafos a importânciada música ao contribuir para a construçãosocial de identidades (nacional, raça, gênero,classe...) e de espaço e lugar.

Algumas contribuições recentes prenun-ciam várias das questões aqui levantadas e

indicam como os movimentos recentes dageografia cultural podem servir como pontosde avanço. Embora estudiosos de sociologiae de estudos culturais possam ter abordadoalgumas dessas questões, essas possibilidadespermanecem virtualmente intocadas noâmbito da geografia cultural. Sem nesaro volume das contribuições dos geógrafosatê este momento, enfatizarei a seguir as

inúmeras possibilidades de abordagens com-plementares, mesmo que nessas investigações

tornem-se menos claras as distinções entreo "geógrafo" e o "não-geógrafo".

Culrup-q E socrEDADE NA exÁrtsr DA N{usrcl

Em muitas reflexões teóricas que, es-pecialmente na última década, levaram aoreposicionamento da geografra cultural, foienfatizada a importância de se desvelar sig-nificados e valores simbólicos, em oposição àpreocupação anterior com a forma material.Também se chamou a atenção para as ma-neiras como os significados são produzidos,comunicados e consumidos; para a políticacultural e as relações de poder; e para ateoria da construção social, associada de per-to, mas não exclusivamente, ao pensamentopós-moderno. Essas quatro amplas direçõesestruturarão a discussão que desenvolvo a se-guir, sobre possíveis agendas para geóerafosinteressados no estudo da música.

A analise de significados simbólicos

Enquanto a pesquisa geográfica culturaltradicional está muito centrada na culturamaterial, perspectivas re-teorizadas voltaramcada vez mais a atenção para a importânciade significados e valores simbólicos. Nocontexto da análise da música, essa ênfasepode ter o sentido de preocupação tantocom o lugar simbólico da música na üdasocial como com os simbolismos utilizadosna música. Dois exemplos empíricos escla-recerão o tipo de análise que poderia serexpandida com êxito.

L38 r39

Page 71: cinema, música e espaço

Woods e Gritzner (1990), em sua análise,sugerem que a música country frequentemen-te eüdencia uma nostalgia do paraíso, simbo-Iizada pelo desejo de um modo mais simplesde vida, pela recordação de um lugar e deum tempo sem complicações. Isso porque a

busca de um paraíso no futuro (geralmentecaracterizado como üda urbana) terminouquase que invariavelmente em desencanto.Como uma consequência, a paisagem rurale o estilo de vida agrário do passado são

idealizados, principalmente entre migrantesdesarraigados. Há uma "saudade de casa e anostalgia amarga de um modo de vida queparece ter sido irremediavelmente perdido",e o "passado enevoado passa a ser reavaliadocomo um lugar sagrado" (Woods e Gritzner,1990, p. 242). Os autores sugerem que esse

papel da música country como uma recorda-

ção simbólica e como expressão de desejopor um tempo passado e um lugar distanteê, de fato, um reflexo da necessidade decriar o'uma forma secularizada de tempo e

lugar sagrados" (p. 247), necessidade queestá ligada a uma nostalgia da inocênciaperdida da infância ou juventude (p. 246)e a um desejo de projetar "sonhos indivi-duais e coletivos, fantasias e aspirações" (p.

241). O proveitoso nessa análise é que elaexplora os significados simbólicos embuti-dos em um gênero de música e, ao mesmotempo, reúne os elos inextricáveis entrecultura, tempo e lugar.

Outra linha de investigação que deve

constar de futuras agendas refere-se aos

simbolismos empregados na música. A esse

1.40

respeito, é um bom exemplo a análise de

Gold (1993) das imagens da paisagem nas

baladas Dust Bowl (a estrada simbolizandoos caminhos de fuga do migrante para oOeste, e o Oeste como a terra prometida).Sua exploração das raízes das imagens e

dos simbolismos empregados é um passono sentido da compreensão das influênciasque modelam a forma cultural.

Música corno comunicacã,o cultural

Argumentou-se que a música não possuiqualquer tipo de significado "extramusical",isto é, que não há sentido além do que está

ali objetivamente, na forma e nas relaçõesestruturais das notas. Essa é a posição sus-

tentada pela escola de críticos formalistas e

estetas, para quem a música deve ser com-preendida exclusivamente em termos das leis

da harmonia e proporção matemáticas e queimpedem qualquer tratamento da música emseu contexto social e político (Norris, 1989).Minha linha de discussão, que enfatrza a

análise de papéis e sentidos simbólicos, járepresenta um afastamento dessa posiçãoe insiste que a música tem tudo a ver coma comunicação de sentidos. Desejo agoraexplorar mais essa ideia, a partir de umaperspectiva teórica.

Como Hirschkop (1989, p.284) sugere,apoiando-se em Bakhtin, os textos musi-cais devem ser entendidos como diálogossociais em andamento, os quais ocorremem determinadas situações sociais e histó-

T41

Page 72: cinema, música e espaço

ricas e refletem esses cenários. Como esses"diálogos sociais" devem ser entendidos? Aquem eles envolvem e qual é o processo decomunicação? Em outras palavras, como amúsica, uma forma de comunicação cultural,pode ser teorizada? Podemos relacionar aquiideias de geógrafos culturais trabalhandoem outras áreas importantes. Discutindo ossignificados de paisagens, Barnes e Duncan(1992) utilizam as noções de discurso, textoe metáfora e, ao fazerem isso, centram aatenção dos geógrafos culturais nos pro-dutores e consumidores de significados enos contextos de tal produção e consumo.Burgess (1990) apoia-se na reoria de John-son (1986) de "circuitos de cultura" parainvestigar a transformação de significadosambientais nos meios de comunicação demassa. De maneira similar, Squire (1994)defende a congruência de se teorizar sobreo turismo dentro de uma moldura de trans-formações culturais, utilizando o modelo decomunicação linguística deJakobson (1960)e os circuitos de cultura de Johnson comoâncoras para se compreender a comunica-ção de significados no turismo. Essa ênfasecrescente encontrada na comunicação e natransformação de significados culturais e oaumento do interesse pela teoria do auteure pela teoria da recepção do leitor entregeógrafos culturais podem ser estendidos aoestudo da música.

Os circuitos de cultura de Johnsonpodem ser uma maneira proveitosa de se

investigar a música. Dentro desse quadrode referência, defende-se que os produto-

142

res codificam em formas culturais (como a

música) seus significados preferidos. O textoresultante é então lido por uma audiência,às vezes de forma concordante, outras vezesdiscordante dos significados codificados. Es-

ses significados são incorporados em culturase relações sociais üvidas; circuitos de retro-alimentação podem então fornecer materialpara a produção de novos textos ou provocara modificação dos textos existentes. Em ou-tras palavras, os significados são transforma-dos a cada estágio, refletindo os contextosde produção e consumo, assim como fatorestais quais gênero, classe, etnia e religião dosenvolvidos. Teorizar sobre música dentrodessa mold,ura apresenta possibilidades paraa investigação da relação entre produtores e

consumidores de música: dos contextos deprodução e consumo, incluindo as circuns-tâncias estruturais de produção, tais como opoder econômico e político diferencial entreos tomadores de decisão na área musical e

nas indústrias relacionadas; do amplo lequede intertextos, de vídeos musicais a turnêsde concertos e festivais de música popular;e ainda das intenções e dos efeitos.

O que o circuito deJohnson não prevê é

um processo intermediário entre a produçãoe o consumo do texto, isto é, o papel dosagentes culturais que exercem influência nadecodificação de significados. No presentecontexto, deve ser compreendido o papeldos críticos musicais e dos disc-jockqs (DJs).Como assinala Hirschkop ( 1989, p. 302) ,

"apresentar ou executar música não é maisuma questão de interpretação de simples

't43

Page 73: cinema, música e espaço

obras musicais; um modelo mais apropria-do pode ser as questões sociais que surgemquando um DJ decide qual o conjunto dediscos que vai mixar".

Com base em sua teoria dos circuitos decultura, Johnson (1986, p. 280) afirma quea cultura é melhor üsta como um "tipo delembrança" das "lutas quanto ao significa-do". Na verdade, eu sugeriria que a culturanão é apenas uma "lembran ça"; ela é umaluta, precisamente porque os significadoscom frequência divergem entre produtorese consumidores, entre diferentes atores noprocesso de produção e entre diferentesgrupos de consumidores. É tresur separaçõesque ocorrem as contestações de significados,muitas vezes de acordo com os interesses dosenvolvidos. Vislumbram-se aí oportunidadesde pesquisar a política cultural da música.

A política cultural da música

Como os produtores de música agem nocontexto de determinadas condições políti-cas, sociais e econômicas, eles muitas vezeso fazern com intenções particulares - comoperpetuar uma ideologia pelo exercício dahegemonia ou expressar protesto ou resis-tência; ou as intenções podem também serinteiramente capitalistas, buscando maximi-zar lucros ou conseguir certos efeitos econô-micos, como, por exemplo, de recuperaçãoeconômica. Ao mesmo tempo, a músicapode ser uma expressão de experiências e

gostos pessoais. Nesta seção, quero enfocar

1.44

os meios pelos quais a música esrá ligada àsrelações políticas entre grupos sociais.

Como Norris (1989, p. 18) assinala,"t[atar a música em termos políticos" não é"Lrma simples nota de rodap é na história degostos e ideias transitórias". De fato, a políticacultural - tanto da música clássica quanto damúsica popular - tem sido estudada sob arubrica dos estudos sociológicos e culturais(por exemplo, Perris, 1985; Meyer, lggl).Nocaso da música popular, a anâlise centrou-sena uttlização ideológica da músic a para efeitode socialização política; como uma expres-são de protesto e resistência; nas relaçõeshegemônicas entre países do Primeiro e doTerceiro Mundos, expressas por imposiçõesmusicais; e na política de eventos e atiüd.a-des musicais. Embora algumas dessas ideiastenham se inserido em agendas geográficas,a maior parte dos estudos é desenvolvida emoutras disciplinas.

O uso ideológico da música para socia-hzação política pode inspirar-se na análisesociológica e cultural da música clássica. As-sim como sociólogos analisaram as maneirascomo os alemães foram, no tempo de Hitler,persuadidos quanto à superioridade da raçaarrar'a e estiveram sujeitos a um processo decontrole social por meio, inter alia, da músicaclássica (Warren, 1972; Perris, 1985; Meyer,1991), as agendas políticas de líderes quebuscavam inculcar um senso de lealdade pormeio da música popular devem encontraranalistas argutos entre geógrafos interessadosem questões relativas à construção social daidentidade nacional (verJackson e Penrose,

1.45

Page 74: cinema, música e espaço

1993). Isto se refletiu, por exemplo, eminvestigação recente sobre Singapura, queanalisa o uso da música pela elite dominantepara perpetuar determinadas ideologias queprocuram inculcar uma religião civil queestimula aprovação e fervor para com o país(Kong, a ser publicado; Phua e Kong, a serpublicado). Esses estudos situam-se no âm-bito de recentes discursos mais amplos queabordam a natureza construída da "identi-dade nacional", sendo exemplos específicosde como uma forma cultural (música) é

conduzida no sentido da construção de umavisão hegemônica de uma nação especíÍìca.Nessas análises, faz-se evidente não apenascomo os geógrafos podem se beneficiar comas perspectivas de disciplinas vizinhas, mas

também os modos como insights geográficospodem refìgurar a análise da música.

Paralelamente à análise do uso ideológi-co que se pode fazer da música, existe umexpressivo corpo de literatura não-geográficasobre a expressão de resistência por meioda música, que pode muito bem expandiras agendas geográficas. A expressão de re-sistência contra condições sociopolíticas é

percebida, por exemplo, effi "músicas deprotesto". A esse respeito, o trabalho deRodnitzsky (1969) é uma importante con-tribuição sobre a evolução das músicas deprotesto nos Estados Unidos: analisavam-seas letras, e estas revelavam a insatisfação dajuventude com a sociedade norte-americana.Na Inglaterra, o trabalho de Frith (1983) é

uma análise clássica da cultura e da rebeldiada juventude nos anos 1950 e 1960, época

1,46

na qual havia explícita oposição às normasda nobreza e da classe média adulta, mani-festada pela música de rock and roll e expres-sões associadas (como cortes de cabel o à laBeatles, moda surfìsta, rosto barbado etc.).Na mesma linha, centrou-se a atenção emcomo a música pode ser uma maneira degrupos subordinados negociarem com o - ouse colocarem em oposição ao - sistema designificados dominante, como Tanner (1978)abordou ao analisar a música punk como re-presentativa das atitudes de subculturas comoa dos skinheads para as elites dominantes.Em viés diferente das análises de resistênciacontra valores dominantes, protestos atravésda música contra eventos específicos tambémencontraram espaço no discurso acadêmico,como confirma Auslander (1981) em seuestudo sobre letras escritas durante a Guerrado Vietnã, no qual ele enfoca sentimentosantiguerra. Embora os conteúdos das letrasconstituam uma importante fonte de análise,pocle também ocorrer que a desarticulaçãodas letras, como na música popular chinesacontemporânea (de Cui Jian e Luo Dayou,por exemplo), represente um meio de "com-bater a função falante do Estado, o órgãomais articulado que fala por todos" (Chow,1993, p. 385). Em outras palavras, em vezde utilizarem os pesados conteúdos das le-tras como expressões cle resistência, algunsartistas chineses, "agindo sob o domínio deuma retórica patriótica que não pode serdesligada", optaram por expressar seu con-tradiscurso em termos de uma música queé "leve, decadente, aderindo aos ritmos de

1,47

Page 75: cinema, música e espaço

estilos de vida dispendiosos e esquecendodos miseráveis da Terra" (Chow, 1993, pp.395-6). Ainda em outra direção, argumenta-se que a popularidade dos programas demúsica norte-americana transmitidos naCuba socialista é uma forma de resistênciaao regime socialista, porque eles servemcomo uma ligação com o alternativo sistemacapitalista (Manuel, 1989). Assim, a músicaestá envolvida de múltiplas maneiras naexpressão de resistência a imposições de va-lores e identidades, sendo que as expressõesespecíficas são contingentes das condiçõesde lugar e tempo.

No que diz respeito à política cultural damúsica, alguma atenção também foi dedicadaàs relações entre países do Primeiro e doTerceiro Mundos, expressas por imposiçõesmusicais. Desenvolvendo sua discussão emtermos de "cultura e império", Smith (1994)ressalta as maneiras como a música contri-buiu para a política imperialista, orientandoalguns lugares enquanto reforçava o poderde outros, assim justificando seus projetosde imperialismo (ver Leppert, 1988; Said,1993). Em cenários mais contemporâneos, a

afirmação de que a música comercial anglo-americana devasta a música de outros locaisfoi contestada por Frith (1989) e Hatch(1989), por exemplo, eüe argumentam queo pop importado pode, na verdade, ser umafonte de novos sons, instrumentos e ideiasque os músicos de outros locais utilizam desuas próprias maneiras, adaptando-o às suas

circunstâncias. Essa política de relações entreo Primeiro e o Terceiro Mundos. assim como

1.48

a interseção entre o global (em termos deforças tecnológicas e comerciais) e o local(em termos de estilos musicais nativos), podeser entendida focaltzando-se a música como ofoco de lutas. Realmente, como Smith (1994)sugere, ao mesmo tempo em que as forçasda globahzaçáo, homogenerzaçáo e mercan-tilização da cultura invadiram a indústria damúsica, formas locais de resistência podemser analisadas, tanto em termos da produçãode sons alternativos quanto na experiência damúsica de maneiras diversamente localizadas.O local pode, então, ser entendido como umproduto da "natiüzaçã.o" de recursos globais(Morley, 1991). A música, portanto, merecemaior atenção no campo da geografia sociale cultural, que rapidamente evolui.

A política de eventos e atividades musi-cais é outro campo no qual pode ser impor-tante integrar perspectivas da sociologia, dodireito e da geografia. Citando um exemplode como os festivais de música pop tèm sidoanalisados por meio do filtro da sociolo-gia do direito, Clarke (1982) investiga, ilocontexto inglês, "a emergência de festivaiscomo um fenômeno social com implicaçõespolíticas, e t...] as tentativas, durante anos,

para suprimi-los, controlá-los, regulamentá-los ou acomodá-los" (p. 8). O autor abordaespecificamente a mobilização de apoiopolítico favorável e contrârio a festivais demúsica pop, considerando assim tanto aqueles

que participam desses festivais como aquelesque não o fazern. Ele investiga como váriosgrupos de interesses reagem aos festlars pop

e como, no decorrer de uma luta política

1-.49

Page 76: cinema, música e espaço

que durou vários anos, um sistema d.e regu_lamentação foi estabelecido, acomodand.oos festivais pop na vida da Inglaterra. Seme nvolve r explici tamen te assun tos ge ográfi cos,hâ, não obstante, indicações frequentes daimportância do lugar e da localização quandose considera como os festivais pop são acolhi_dos. Isso traz à mente as inovadó.u, análisesde geógrafos sobre a üda na rua, o carnavale o controle dessas atiüdades (Goheen, 1992,1993;Jackson, lgSg), esrud.os que poderiamcontribuir com importantes perspectivas paraa análise dos festivais pop.

Sem procurar ser exaustiva no levanta_mento da pesquisa existente, meu objetivonesta seção é sugerir que futuras agendaspara a pesquisa geográfica sobre músicapossam inspirar-se em análises atuais, muitasvezes não-geográficas. Ao mesmo tempo,ao injetar perspectivas geográficas cultuiaisre-teorizadas na anâlise da música popular,os geógrafos também contribuem não ape_nas para uma agenda ampliada, mas aindapara refigurar os modos de análise. Assim,perspectivas multidisciplinares podem serchamadas a identificar como formas da prá-tica popular musical perpetuam e apoiamvalores ideológicos dominantes e tambémcomo representam um desafìo a esses va_lores quando articulam uma ,,estrutura desentimento" oposta a eles (concepção deWilliams, discutida no contexto da músicapor Hirschkop, 1g8g, p. 2gg). A análisepode voltar-se para como a música popularrepresenta uma plataforma cultural micro_cósmica para estudar a política de interação

1.50

entre o Primeiro e o Terceiro Mundos; e

como estes são os locais de regulação e decontrole de diferentes grupos na sociedadee de lutas entre eles.

Economia musical

Tendo sugerido na seção anterior queos produtores de música operam com base

em intenções particulares, nesta seção de-sejo abordar especificamente as motivaçõeseconômicas subjacentes à produção musical.A discussão estará centrada na economiamusical, onde se encontra outra via pelaqual o nexo entre o cultural e o econômicopode ser investigado. Como uma indústriacultural, a indústria musical pode ser exa-

minada em inúmeras direções, refletindoa diversificada importância econômica das

artes. Por exemplo, as artes em geral - e

a indústria musical em particular - podemoferecer emprego direto a uma proporçãosignificativa da população; podem ser umaimportante receita de exportação; podemengendrar produtos para outras indústrias;podem atuar como um catalisador da reno-vação urbana; e podem melhorar a imagemde uma região, tornando-a um lugar melhorpara se viver e trabalhar, assim atraindo in-vestimentos (Myerscough, 1988). Refletindosobre esses diversos papéis, Frith (1991)comenta que a política cultural industrialpode assumir três formas. Primeiro, umapolítica de indústrias culturais encorajao desenvolvimento de tecnologia para a

15L

Page 77: cinema, música e espaço

manufatura de artefatos culturais a seremcolocados à venda em mercados de massa(tais como filmes e programas d.e televisão)e focaliza o desenvolvimento de produtoseletrônicos e a mídia. Segundo, uma estra-tégia cultural industrial pode também seruma política voltada para o turismo, na qualformas culturais são desenvolvidas para ummercado de turismo; essas formas podemincluir museus e festivais de arte (inclusivefestivais musicais), qne atrairiam turistas paraas cidades, rendendo, assim, "importações,'de consumidores. Terceiro, uma políticacultural industrial pode funcionar como"política cosmética", na qual a cultura éuma espécie de "maquilagem urbana"; nessecaso, as formas culturais ajudam a fazer comque um lugar pareça atraente para turistase visitantes, que podem acabar permane-cendo nele. Investidores em busca de locaispara suas novas indústrias também podemidentificá-los pela "qualidade de vida" queoferecem.

Embora o papel específico da músicanessas políticas industriais mereça ser pes-quisado, poucos geógrafos investiram nessasmúltiplas oportunidades de expandir suasagendas de investigação. Dois exemplos, noentanto, ilustrarão possíveis modos de anâ-lise. Em um deles, Hudson (lgg3) abordacomo a música enquanto indústria culturalrepresenta a base para a regeneração daeconomia local, examinada no contexto docolapso da indústria do aço em Derwent-side, nos anos 1980. Ele demonstra comoo programa de reindustrializaçáo pode ser

152

examinado em termos dos esforços locaispara encontrar soluções para problemas 1o.

cais, em vez de isso ocorrer por imposiçõesexternas. Ao mesmo tempo, essa análiseevidencia o d.esenvolvimento de relaçõessociais alternativas (com o aparecimento deuma cooperativa no centro da regeneraçãoeconômica por meio da música).

Em outravertente, Sadler (1993) pesqui-sa como empresas japonesas como a Sony e aMatsushita investiram nas indústrias musical e

de cinema dos Estados Unidos a fim de asse-

gurar novos mercados para suas tecnologias.Embora suas ações sejam economicamentedirecionadas, a importância cultural tambémfìca evidente com o sentimento de ultrajenacionalista nos Estados Unidos, pelo fatode o Japão estar invadindo Hollywood.

Esses dois estudos demonstram a im-portância de se explorar o nexo entre ocultural e o econômico. usando a músicacomo campo de análise.

Música e a construcã,o social de identidades

Até aqui minha discussão centrou-se nas

maneiras como as culturas se comunicam e

focalizou o fato de que, na comunicação deculturas, significados são produzidos, manti-dos, transformados, negociados e confronta-dos. Muitas vezes, no processo de produção,negociação e resistência, identidades são(des)construídas, tanto internamente, pelopróprio grupo social, quanto externamente,por outro grupo social. Com essas (des)

L53

Page 78: cinema, música e espaço

construções, sejam elas de identidades nacio-nais, de gênero, étnicas, religiosas ou outras,fronteiras culturais e sociais são traçadas oudesmontadas. Como uma forma de comuni-cação cultural, a música é, portanto, um meiopelo qual identidades são (des)construídas,e uma análise do papel da música na (des)construção de identidades é muito útil parasublinhar a ideia de que muitas das catego-rias que consideramos "naturais" e imutáveissão de fato "produto de processos que estãoincrustados nas ações e escolhas humanas"(fackson e Penrose, 1993, p. 2).

Em uma seleção dos estudos - de ge-ógrafos e não-geógrafos - nos quais estãosugeridos os temas que desejo colocar comfrcrneza na agenda geográfrca, o papel damúsica na (des)construção de identidadesé trabalhado. Valentine (1993), por exem-plo, em um estudo sobre a construção deespaços associados ao gênero, afìrma queas apresentações e os discos compactos deK. D. Lang são transgressões musicais doespaço heterossexual. A autora argumentaque se tem como heterossexual a maioriados espaços do cotidiano, mas o públicoe a atuação pessoal desse ícone culturallésbico demonstram como espaços tidoscomo heterossexuais podem ser cultural-mente produzidos pela música como sãoem um espaço homossexual. O estudo dis-cute como as apresentações de K D. Langcriam espaços para uma audiência lésbicaem espaços normalmente heterossexuais e,

ainda, como sua música legitima identidadessexuais dissidentes em um espaço público.

154

Ao mesmo tempo, quando tocam a músicade K. D. Lang no espaço privado de suascasas, lésbicas que "estão dentro do armário"podem articular suas identidades lésbicas,assim invadindo e subvertendo culturalmenteo local mais comumente identificado comoheterossexual: o lar familiar.

Assim como Valentine procura trabalharo papel da música fia produção cultural doespaço e das identidades de gênero, outrostextos discutem as construções de identidadeno âmbito nacional, sublinhando a impor-tância dessa forma cultural na construçãode "comunidades imaginadas" (Anderson,1983). Lehr (1983) analisa especificamentea programação de música country de duasestações de rádio AM canadenses, pàra ava-liar o grau de sucesso da Canadian Radio-Television Commission ao tentar promovera identidade nacional por meio da música.O autor conclui que as imagens dos Esta-dos Unidos eram mais proeminentes queas imagens do Canadá e que haüa neces-sidade de mais música country abordandotemas específicos do Canadâ. Por sua vez,Grimshaw (1993) sugere, em seu texto so-bre música mbira, que esta desempenhouimportante papel no desenvolvimento domoderno Zirnbâbue, pois acompanhou e

orientou a identidade nacional em temposincertos. Isto sublinha o significado políticoda construção de identidade pela músicae sugere que textos musicais, como outrosfenômenos culturais, devem ser examinadose desvelados para que as identidades nãosejam aceitas como categorias "naturais" e

L55

Page 79: cinema, música e espaço

"inocentes". fsso também é verdadeiro comrelação à construção de outras identida-des, como a racial (Curtis e Boswell, 19g3;Maultsby, 1983), a subcultural (Hebdige,1979; Winders, 1983; McRobbie, 1993), ade comunidade e localidade (Herberr, Igg2;Street, 1993) e a pessoal (Finnegan, 1gg9;Frith, 1992).

Muitas vezes, a construção e o fortaleci-mento de identidades são possíveis por meiodos textos musicais (o ritmo, as letras e osdiferentes estilos), dos intertextos (como pós-teres, udeoclipes, camisetas e outros materiais,o estilo de se vestir), assim como por meiode atividades locais, como sessões regularesde prática grupal, concursos de música ereuniões informais de caraoquê. por exem-plo, como McRobbie (1993) ilustra na suaanálise da cultura ra,l)e, a música e a dançarante "frxam" os seguidores adolescentes emum "espaço de identidade", empregandouma pletora de recursos que incluem o"som" da música ("uma batida acelerada, masmonótona, com um fragmento às vezes bas-tante melódico e muito mais leve... ,ligado'às batidas-por-minuto que servem de base"[McRobbie, 1993, p. 421]); o abandono dadança raaq a acessibilidade da moda, dosfanzines e do material de propaganda raaa,e o espetáculo e apresentação de iluminaçãolaser e os efeitos especiais em even tos raue.Como afirma McRobbie (1993, p. 424), acombinação diferente de signos, símbolos,estilos e outros textos significativos oferecemuma identidade aos seguidores. Em outraspalawas, compreender os sentidos da música

L56

implica compreender seus textos, contextose intertextos. Isso, portanto, levanta consi-derações sobre os métodos utilizados emaplicações empíricas, que mencionarei naminha seção final.

Metodos de analìse

Ao se conceitualizar a música como co-municação cultural, torna-se explicitamenteimportante considerar os métodos de análiseque devem ser adotados para se entender os

diferentes significados codificados na músicae decodificados a partir dela. Essa ênfasena produção e no consumo de significados

chama necessariamente a atenção Para a

inadequaçã,o de métodos que foram atéaqui adotados no tratamento acadêmico e,

especialmente, geográfico da música popular:análises de conteúdo de letras de música,levantamentos de opinião (frequentementeenfocando preferências musicais e artistasprediletos) (ver Denisoff e Levine, 1971) emapeamento. Como assinalam os sociólogosDenisoff e Leüne (1971, p.912), "análises deconteúdo de letras de songbooks 1...1 podemrefletir apenas os sentimentos do composi-tor e os gostos dos diretores de Programase executivos da indústria de discos A & R(Artistas e Repertório) ", ao passo que "os

ouvintes não podem, na verdade, assimilaras letras de músicas populares". Em outraspalavras, Denisoff e Levine (1971) consi-deram que essas análises enfocam apenas

157

Page 80: cinema, música e espaço

os significados codiÍìcados, sem levar emconsideração seu consumo.

Refletindo sobre corno explorar a produ_ção e o consumo de significad.os na Ãúri.u,tanto as abordagens quantitativas quantoas qualitativas parecem ser, de formas di_ferentes, proveitosas. A análise das letrascertamente é uma forma importante depenetrar nos significados pretendidos pelosprodutores. Além disso, as ,.estruturas

tonale estética das canções populares', (Denisoffe Leúne,lg7l, p.9ll) tâmbém devem seranalisadas, pois as ,,palavras

são apenas partedo som rotal" (Carey, 1969, p. Z2D. Issotorna-se especialmente importante quandotemos em mente as descobertas de Robin_son e Hirsch (1969) em um levantamentorealizado com estudantes do ensino secun_dário em duas cidades de Michigan, no qualmais de setenta por cento dos estudantesque compuseram a amostra declararam sermais atraídos pelo ,,som,' da música do quepor suas letras. er. a análise das letras éapenas uma parte da análise total que sefaz necessáriadução d.,is"iÃ:;âJ,"rïtffi ï:lLll;,ïquando consideramos a outra ordem dematerial intertextual que deve ser incluídana anâlise, tais como üsuais (como vídeosmusicais, pôsteres e até camisetas), uma vezque também eles comunicam significados efalam de identidades que as pessoas desejamdesenvolver e apresentar. Se assim p.o.Ëd._mos, estamos tentando considerar a músicacomo uma gestalt (Denisoff e Levine, lg7\,p. 917). No entanto, é imperativo que outra

L58

técnica qualitativa seja incluída no arsenal de

métodos adotados, para que a análise não se

reduza a um exercício de acadêmicos qtte, de

seus pontos de vista dominantes e mediadospor suas bagagens culturais (disciplinares),dizem aos produtores e consumidores o quea música significa para eles (Burgess, 1990,

p. 1a0). Essa é a utilidade de entrevistas comos produtores de música, os compositorese letristas às gravadoras e aos criadores deimagens. Só então as decisões que as grava-

doras tomam podem ser entendidas comoinfluindo no conteúdo da música, e as

imagens que os artistas apresentam podementão ser entendidas como feitas para evo-

car estruturas de sentimentos (Flirschkop,1989, p. 297). Só então podem ser obtidosinsights sobre questões como as motivações

para produção e os contextos em que estas

ocorrem, assim como sobre os significadose efeitos pretendidos.

Enquanto os estudiosos investigaram o

consumo de significados, esse trabalho ten-

deu a desenvolver-se fora da geografia. Teóri-cos culturais e estudiosos das comunicações,por exemplo, reconheceram e investigaramas maneiras como os ouüntes participam da

música popular, desde as físicas (cantandojunto, batendo palmas, dançando) até as

emocionais (relembrando, romanceando)e as cognitivas (aprendendo, estimulandoa reflexão, formando percepções) (ver Lull,1987, p. 141). O grau de envolvimento commúsica também foi teorizado como incluindo"exposição" (a quantidade de contato commúsica), "consumo" (o que é apreendido ou

1s9

Page 81: cinema, música e espaço

lembrado a partir da exposição) e ,,uso,, (as

aplicações e gratificações pessoais e sociaisrelacionadas com a exposiçao . o consumo[Lull, 1987, p. I4Z]). Essas ideias abremincontáveis possibilidades para agendas depesquisa e requerem o uso criativõ de méto_dos de pesquisa qualitativos. Muito emboraos levantamentos (por exemplo, aquelesvoltados para o grau de exposição à músicae para as preferências musicais) continuemsendo importantes, a observação participanteem eventos e atiüdades musicais e enffeüs_tas de pesquisa qualitativa, individuais ouem grupos, também devem ser incluídas naanálise da músi ca, da mesma forma comoinfluenciaram os empreendimentos geográfi_cos em geral e ramos da geografia cultural esocial em parricular (ver Eyles e Smith, lggg;Burgess er al., 1988a, lgggb, lgg0). A esserespeito, as agendas de críticos musicais ede DJs devem também ser explorad.as, pormeio de entreüstas em profundidade u ,.À-realizadas com eles.

CoNlslneRAÇoES FrNAÌs

Ao propor para a análise da músicauma agenda geográfica reüsada, acentueiperspectivas geográÍicas (geografia culturalre-teorizada), assim como fora da geografra(sociologia e esrudos culrurais). Esias áiu.r_sas fontes estão de sobremaneira evidentesnas ügorosas discussões que ocorreram naconferência intitulada *O lugar da música",

160

reahzada em 1993 no Universin' College.Londres. Durante dois dias, acadêmicos eprofissionais, geógrafos e não-geógrafos.estiveram reunidos em calorosos debatessobre temas que prenunciaram algumas daspropostas que apresentei aqui. Noções deidentidade, questões de política cultural eevidências de interconexões entre música(o cultural) e economia apareceram cominsistência nos textos, muitos dos quaiscitei acima. A publicação de uma seleçãodesses textos em um número especial deTransactions, Institute of British Geographers(1995) é o reconhecimento do sucessodessa conferência em refigurar o campo deanálise, com os geógrafos colhendo frutose contribuindo para disciplinas vizinhas noestudo da música.

O presente texto é apresentado comouma extensão da conferência e, como o fi-zeram os textos da conferência, ilustra comoa música é "uma forma única de expressãosimbólica" (Lull, 1987, pp. 141-2), que

só pode existir como um eventoou produto cultural (concerto,apresentação na rua, audiçãoprivada, discos, fitas cassete, CDs,fitas digitais etc.); serve comofoco para outros meios (rádio,vídeo musical, alguns filmes); oucontribui para a estética e signifi-cado globais de outra exibição deconteúdo (música de fundo paratelevisão e cinema, acompanha-

''.,61

Page 82: cinema, música e espaço

mento de rituais como serviçosreligiosos, casamentos, funerais,eventos esportivos etc.) .n a trilhasonora para se fazer compras,dirigir, estudar, festejar, entreoutras atiüdades. A música às ve_zes é acompanhada de extremomoümento físico (po. exemplo,dança, exercícios aeróbicos)e também é frequentementeexperienciada em momentospensativos, inativos.

Em outras palavras, a música é integral-mente uma parte de nossas üdas pública eprivada. Como parte da esfera pública, podeser conspícua ou discreta. Sua conspicuidadeé aparente, sobretudo quando buscamosconscientemente por isso - por exemplo,quando pagamos para participar de con-certos e, assim fazendo, criamos para nósmesmos a oportunidade de nos sentirmosparte de uma comunidade (Frith, lgg2),embora se trate de uma comunidade imagi-nada, como salienta Valentine (1993), umavez que os membros de uma audiência nãose encontrarão nem saberão da existênciauns dos outros e que se percebe entre ospresentes um laço temporário de companhei-rismo. Para ampliar essa reflexão, a noção decommunitas, do antropólogo Turner (7974),discutida no contexto de peregrinações,poderia ser aqui aplicada. Turner afirmaque a peregrinação resulta na abolição daestrutura social, criando um estado em que

'l.,62

os peregrinos ficam temporariamente livresdos papéis e statu.s hierárquicos que carregamnormalmente. Em vez disso, há entre eles

uma condição de associação não mediadae igualitárra. O espaço assim criado é umlocal de unidade e igualdade. A música podetambém ter esse efeito.

Ao mesmo tempo, a música pode serainda uma parte de nossa vida pública quenão focalizamos conscientemente. ComoChow (1993, p. 396) assinala, é bastantecomum, especialmente em cidades do lesteda Asia, ouvir um tipo de música popularsendo tocada em lojas, restaurantes, merca-dos, tendas na calçada, entre outros. Essa

música "é um tipo de cultura 'fâcil', ttão-r-er-bal, que condiciona os transeuntes" (Chorr'.

1993, p. 396). Porque não nos impede defazer nossas outras coisas, e como é "tocadaao lado", Chow (1993, p. 396) refere-se a"ouür de maneira diferente". No entanto,precisamente por causa da falta de controledos ouvintes sobre a música que ouvem, e

deüdo à discrição dessa música, o impactode ouvir de maneira diferente é muito maisinsidioso do que pensamos na modelagem denossa compreensão do mundo. Isso altera os

impactos que os lugares exercem sobre nós,sem que nem ao menos os reconheçamoscomo tais.

Enquanto parte integral de nossa vidapública, a tecnologia tornou possível uma pri-vatização da música, pelo uso de headphones

e, mais recentemente, dos walkman e discrnan.

Através desses aparelhos, a música é escondi-da dos outros, mas essa mesma ocultação nos

'l.,63

Page 83: cinema, música e espaço

permite "ouü-la no volume máximo". Isso dáao ouünte o poder de escolher ficar "surdo"para o mundo e, de certa maneira, erguer"lìma barreira, um obstáculo entre 'eu' eo mundo" (Chow, 1993, p. 398). O espaçoprivado assim criado pode ser uma via paraa expressão da(s) própria(s) identidade(s).Assim, em todas essas diversas formas públi-cas e privadas, a música é um agente ativona produção e reprodução social e espacialda üda cotidiana.

Ao apresentar possíveis agendas parageógrafos que pesquisam música, faço umconvite para que a música seja firmementerecolocada em seu contexto sociopolítico,em vez de ser abordada como a "região dopuro conhecimento, idealmente intocada pormeras ücissitudes de tempo e lugar" (Norris,1989, p. 9). Essa situação é necessária emambientes mais amplos, uma vez que osprodutores e consumidores de músi ca estã,o

situados em tempos e lugares específicos.Assim, é imperativo, como West (1993, p.204) defende em um contexto mais amplo,"historicizar, contextualizar e pluralizar,eüdenciando o contingente, o proüsório, ovariável, a tentativa, desüando e mudando".Só então chegaremos a uma compreensãomais ampla do lugar da música nas comple-xas matrizes de nossas üdas cotidianas.

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