mÚsica, experiÊncia e oportunidades - bando de ... · música e cinema jane schöninger ......

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ISSN 1984-056X 20 SEGUNDO SEMESTRE 2016 CADERNO DE TEATRO: O PIONEIRISMO DA BALANGANDANÇA CIA. CERVANTES E A MAIOR OBRA DA LITERATURA MUNDIAL MÚSICA, EXPERIÊNCIA E OPORTUNIDADES

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ISSN 1984-056X20SEGUNDO SEMESTRE

2016

CADERNO DE TEATRO: O PIONEIRISMO DA BALANGANDANÇA CIA.

CERVANTES E A MAIOR OBRA DA LITERATURA MUNDIAL

MÚSICA,EXPERIÊNCIA E OPORTUNIDADES

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O conteúdo dos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.

www.sesc-rs.com.br

DIRETORIA Luiz Carlos Bohn Presidente do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac

Luiz Tadeu PivaDiretor Regional Sesc/RS

GERÊNCIA DE CULTURASilvio Alves BentoGerente de Cultura

COORDENAÇÃO DE CULTURAAline de MedeirosBiblioteca e Literatura

Anderson MuellerMúsica e Cinema

Jane SchöningerArtes Cênicas e Artes Visuais

UNIDADES SESC NO RIO GRANDE DO SUL Sesc Alegrete R. dos Andradas, 71 55 3422.2129Sesc Bagé R. Barão do Triunfo, 1280 53 3242.7600 Sesc Bento Gonçalves Av. Cândido Costa, 88 54 3452.6103 Sesc Cachoeira do Sul R. Sete de Setembro, 1324 51 3722.3315 Sesc Cachoeirinha R. João Pessoa, 27 51 3439.1751 Sesc Camaquã R. Marcílio Dias Longaray, 01 51 3671.6492 Sesc Campestre POA Av. Protásio Alves, 6220 51 3382.8801 Sesc Canoas Av. Guilherme Schell, 5340 51 3463.6756Sesc Carazinho Av. Flores da Cunha, 1975 54 3331.2451Sesc Caxias do Sul R. Moreira César, 2462 54 3221.5233 Sesc Centro POA Av. Alberto Bins, 665 51 3284.2000Sesc Centro Histórico POA R. Vig. José Inácio, 718 51 3286.6868Sesc Chuí Av. Uruguai, 2355 53 3265.2205Sesc Comunidade POA R. Dr. João Inácio, 247 51 3224.1268 Sesc Cruz Alta Av. Venâncio Aires, 1507 55 3322.7040Sesc Erechim R. Portugal, 490 54 3522.1033 Sesc Farroupilha R. Coronel Pena de Moraes, 320 54 3261.6526 Sesc Frederico Westphalen R. Arthur Milani, 854 55 3744.7450Sesc Gramado Av. das Hortênsias, 4150 54 3286.0503 Sesc Gravataí R. Anápio Gomes, 1241 51 3497.6263Sesc Ijuí R. Crisanto Leite, 202 55 3332.7511 Sesc Lajeado R. Silva Jardim, 135 51 3714.2266 Sesc Montenegro R. Capitão Porfírio, 2205 51 3649.3403

Sesc Navegantes POA Av. Brasil, 483 51 3342.5099 Sesc Novo Hamburgo R. Bento Gonçalves, 1537 51 3593.6700 Sesc Passo Fundo Av. Brasil, 30 54 3311.9973Sesc Pelotas R. Gonçalves Chaves, 914 53 3225.6093 Sesc Redenção POA Av. João Pessoa, 835 51 3226.0631Sesc Rio Grande Av. Silva Paes, 416 53 3231.6011Sesc Santa Cruz do Sul R. Ernesto Alves, 1042 51 3713.3222 Sesc Santa Maria Av. Itaimbé, 66 55 3223.2288 Sesc Santa Rosa R. Concórdia, 114 55 3512.6044 Sesc Santana do Livramento R. Brig. David Canabarro, 650 55 3242.3210Sesc Santo Ângelo R. 15 de Novembro, 1500 55 3312.4411 Sesc São Borja R. Serafim Dornelles Vargas, 1020 55 3431.8957Sesc São Leopoldo R. Marquês do Herval, 784 51 3592.2129 Sesc São Luiz Gonzaga R. Treze de Maio, 1871 55 3352.6225Sesc Taquara R. Júlio de Castilhos, 2835 51 3541.2210 Sesc Torres R. Plínio Kroeff, 465 51 3626.9400Sesc Tramandaí R. Barão do Rio Branco, 69 51 3684.3736Sesc Uruguaiana R. Flores da Cunha, 1984 55 3412.2482Sesc Venâncio Aires R. Jacob Becker, 1676 51 3741.5668Sesc Viamão R. Alcebíades Azeredo dos Santos, 457 51 3485.9914Hotel Sesc Campestre POA Av. Protásio Alves, 6220 51 3382.8801 Hotel Sesc Gramado Av. das Hortênsias, 4150 54 3286.0503Hotel Sesc Torres R. Plínio Kroeff, 465 51 3626.9400

08DIFUSÃO CULTURAL

08 Ações do programa Arte Sesc democratizam

o acesso às artes, incentivando a formação

de público e o desenvolvimento da cadeia

cultural

38MÚSICA

38 Integrante da Orquestra Filarmônica de

Berlim, o oboísta Christoph Hartmann será

professor no 7º Festival Internacional Sesc de

Música, no mês de janeiro, em Pelotas, pelo

quarto ano consecutivo

40 O impacto do Festival Internacional Sesc de

Música para jovens estudantes de projetos

sociais e de escolas de música

42 O samba completa 100 anos; data se refere ao

registro da canção Pelo Telefone na Biblioteca

Nacional em 27 de novembro de 1916

10ARTES CÊNICAS

10 O papel do mediador no acontecimento

teatral

17 A arte circense na contemporaneidade

20 Reflexões acerca da crítica de dança

23 O mundo-corpo e o corpo-mundo de

Dudude, artista de dança

25 CADERNO DE TEATRO

A dança contemporânea para crianças da

Balangandança Cia.

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CAPA

Flávio Neves

BALCÕES SESC/SENAC Alvorada Av. Getúlio Vargas, 941 51 3411.7613 Balneário Pinhal Av. General Osório, 1030 51 3682-3041Caçapava do Sul Av. 15 de Novembro, 267 55 3281.3684Capão da Canoa Av. Paraguassu, 1517 Loja 2 51 3625.8155Gravataí Morada do Vale R. Álvares Cabral, 880 51 3490.4929Guaíba R. Nestor de Moura Jardim, 1250 51 3402.2106Itaqui R. Dom Pedro II, 1026 55 3433.1164Jaguarão R. 15 de Novembro, 211 53 3261.2941Lagoa Vermelha Av. Afonso Pena, 414 Sala 104 54 3358.3089Nova Prata R. Luiz Marafon, 328 54 3242.3437 Osório Av. Getúlio Vargas, 1680 51 3663.3023 Palmeira das Missões R. Marechal Floriano, 1038 55 3742.7164 Quaraí Av. Sete de Setembro, 1281 55 3423.5403Santiago Av. Getúlio Vargas, 1079 55 3251.9373São Gabriel R. João Manuel, 508 55 3232.8422São Sebastião do Caí R. 13 de Maio, 935 Sala 04 51 3635.2289São Sepé R. Coronel Chananeco, 790 55 3233.2726Sobradinho R. Lino Lazzari, 91 51 3742.1013Três Passos Rua Dom João Becker, 310 55 3522.8146Vacaria R. Júlio de Castilhos, 1874 54 3232.8075

EXECUÇÃO E PRODUÇÃO EDITORIAL

www.pubblicato.com.br 51 3013.1330 POA/RS

Andréa Costa ([email protected]) Diretora de Criação e AtendimentoVitor Mesquita Diretor Editorial e de CriaçãoProjeto Gráfico e Edição de Arte Clarissa Eidelwein (MTb nº 8.396) Edição e ReportagemGreice ZenkerRevisão de Texto Ideograf Impressão de 1.500 exemplares

FALE CONOSCO

51 3284.2000

[email protected]

sescrs

Sesc_RS

SescRS

sescrs

45AUDIOVISUAL

45 Projeto Gema, idealizado por Lucas Luz,

apresenta 10 mestres da cultura popular

48 Cineastas Gilka Vargas e Iara Noemi lançam

um olhar humanista sobre a obra de Akira

Kurosawa

52 Com sessões destinadas a crianças e adultos,

o festival Cine Caramelo proporciona

momentos de fruição artístico-cultural de

qualidade e reflexão sobre temas da infância

e da juventude

54ARTES VISUAIS

54 4º Rio Pardo em Foto realiza mostras

sobre o tema Identidades, fazendo um

recorte da diversidade cultural e étnica

do povo brasileiro

56 Guarani mbyá Vherá Poty publica

livro de fotografias e faz exposição,

ao lado do fotógrafo Danilo Christidis,

apresentando a cultura de seu povo a

partir de registros do cotidiano

58 Exposição encerra as comemorações

do Biênio Simoniano

62LITERATURA

62 Artigo “Miguel de Cervantes e Dom Quixote,

duas vidas em reflexo”, de Michele Savaris e

Tiago Pedruzzi, revela detalhes da biografia

do autor da obra literária que é considerada

a maior de todos os tempos, cuja morte

completa 400 anos

67 Guto Leite analisa o alvoroço em torno do

Nobel de Literatura para Bob Dylan

69 Leitura

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CERVANTES E A MAIOR OBRA DA LITERATURA MUNDIAL

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ARTES CÊNICAS

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SEGUNDO SEMESTRE 2016

ESPETÁCULO E PROCESSOS DE APRENDIZAGEM: O PAPEL DO MEDIADOR QUANDO A ESCOLA VAI AO TEATRO

POR VIVIANE JUGUERO E JOÃO PEDRO ALCANTARA GILVIVIANE JUGUERO É DOUTORANDA NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

ARTES CÊNICAS – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (PPGAC-UFRGS); ARTISTA, COORDENADORA-GERAL,

PRODUTORA E PROFESSORA NO BANDO DE BRINCANTES (WWW.BANDODEBRINCANTES.COM.BR).

JOÃO PEDRO ALCANTARA GIL É PROFESSOR CONVIDADO DO PPGAC-UFRGS.

A educação estética das crianças depende de suas

oportunidades de fruição artística. O professor tem

papel determinante como mediador no aconte-

cimento teatral, desde a escolha das peças, até o

acompanhamento das obras durante apresenta-

ções. O envolvimento real do adulto com o acon-

tecimento teatral é fundamental na percepção que

a criança terá dessa vivência. A reincidente falta de

critérios na escolha de espetáculos para crianças

é resultado de uma educação falha, no que con-

cerne ao desenvolvimento da sensibilidade e da

avaliação crítica. Um artista adulto é avaliado por

um espectador adulto, resultando no fato de que,

muitas vezes, peças cheias de discursos moralizan-

tes ou de conteúdos didáticos apresentados em

textos abstratos podem agradar pais e professores,

sem dialogar, de fato, com o público infantil. O te-

atro para crianças exige conhecimentos específi-

cos sobre a lógica lúdica do pensamento infantil,

os quais são fundamentais para a construção de

discursos espetaculares que respeitem a criança,

sem subestimá-la, oportunizando desafios senso-

riais, perceptivos, afetivos e cognitivos. É preciso

que haja embasamento artístico e pedagógico

para que as vivências teatrais possam contribuir,

profundamente, no processo educativo de sujeitos

autônomos, críticos e éticos.

No teatro para crianças contemporâneo, em

caráter profissional, existem muitas linguagens

e propostas estéticas diferenciadas em cena. Por

um lado, muitos artistas pesquisam distintas pos-

sibilidades de encenação, valorizando a ludicidade

e buscando uma forma de comunicação efetiva

com a criança, sem subestimá-la; por outro lado,

há herdeiros do “teatro escolar”, com montagens

didatizantes. Reproduzem formatos de propos-

tas teatrais nas quais a criança deve aprender

as normas sociais estabelecidas para obedecer a

elas, sem que tenha o incentivo de desenvolver o

pensamento crítico e a autonomia criativa para

Profissionais de teatro comprometidos com o desenvolvimento da criança buscam encontrar encenações que dialoguem com este público a partir de sua reação Foto: Anderson Balhero

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buscar suas próprias conclusões. Segundo Gil,

na década de 1970, nas escolas, “o tecnicismo se

apropria do teatro para aplicar métodos de ensi-

no eficientes e produtivos” (1999, p. 123).

Na educação tecnicista, a criança é excluída

do processo criativo e passa a ser treinada para

estar condicionada a ver o mundo a partir de

verdades pré-estabelecidas, sem ser convidada a

repensar, a avaliar e a transformar. Assim, multi-

plicam-se cenas teatrais com discursos e lições de

moral em linguagens repletas de abstrações, em

uma forma de comunicação bastante alheia ao

modo de pensar da criança.

No pensamento infantil, fantasia e realidade

convivem harmoniosamente, pois é por meio da

ludicidade que a criança encontra as bases para

compreender o mundo. Maria Lúcia Pupo, a partir

de entrevistas com autores e diretores que tra-

balham com teatro para crianças, concluiu que,

“segundo eles, a instituição escolar busca, antes

de mais nada, reproduzir o sistema social vigen-

te e não se interessa em salientar o potencial de

questionamento presente nas manifestações ar-

tísticas” (1991, p. 40). Em sua análise de textos

teatrais destinados à infância, a autora afirmou

que “o didatismo simplista acaba triunfando so-

bre uma visão da arte teatral enquanto possibili-

dade específica de conhecimento” (1991, p. 101).

Por sua vez, Clarice Cohn alerta que “as crian-

ças não apenas se submetem ao ensino, mesmo

em suas faces mais disciplinadoras e normatiza-

doras, como criam, constantemente, sentidos e

atuam sobre o que vivenciam” (2009, p. 41). Des-

sa forma, é também, e prioritariamente, a partir

das reações das crianças, que os profissionais de

teatro, comprometidos com o desenvolvimento e

o prazer infantis, buscam encontrar encenações

que dialoguem de fato com os pequenos.

Um espetáculo para crianças pode não ter

intenção de dar lições de moral, de ensinar como

seria certo ou errado se comportar ou pretender

passar algum conhecimento específico a partir

do discurso. No entanto, quando os artistas es-

colhem uma maneira de falar, de se mover, vestir,

cantar, utilizar a luz e o cenário, todos esses ele-

mentos trazem consigo inúmeras significações.

Tudo o que está em cena comunica e precisa ser

criado com arte e responsabilidade. Infelizmente,

em minha experiência como jurada de prêmios

infantis, constatei que há espetáculos definidos

como “só pra divertir” que reforçam padrões de

comportamento e preconceitos disfarçados no

riso alienado, mas politicamente comprometido,

que ratifica verdades prontas do senso comum

sem instigar a autonomia de pensamento para a

análise crítica do público.

Abordar ou não conteúdos educativos es-

pecíficos não determina a qualidade artística da

obra e é uma opção dos artistas. No entanto, ter

uma concepção pedagógica não é uma opção. Di-

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SEGUNDO SEMESTRE 2016

zer que um espetáculo não tem um caráter peda-

gógico é uma inverdade. Quem afirma isso revela

eximir-se de qualquer responsabilidade nesse

sentido. Como afirma o psicólogo Lev Vygotsky, “a

ausência de filosofia é em si mesma uma filosofia

bem definida” (2007, p. 89).

Assim, ainda que a peça não elucide um

conteúdo específico, não cite informação precisa

e não conte história determinada, sempre terá um

caráter pedagógico e educativo, independente de

o criador ter a dignidade de assumir suas opções

ou de estar ciente delas. Todos os signos que são

colocados em cena serão apreendidos pela crian-

ça. Ao mesmo tempo, se ela percebe uma movi-

mentação extracotidiana, passará a buscar essas

possibilidades em seu corpo; se aprecia uma can-

ção, será incentivada a cantar; se percebe que um

ator se transforma em diferentes personagens ou

figuras, poderá se identificar e buscar transfor-

mações em si mesma.

O universo infantil é lúdico e é por meio da

simbologia da brincadeira que a criança se rela-

ciona com o mundo, descobrindo e construindo

as diferentes significações. Segundo Vygotsky, “o

pensamento da criança aproxima-se mais de um

conjunto de atitudes ligadas ao mesmo tempo à

ação e à fantasia do que do pensamento adulto,

que é um pensamento consciente de si próprio”

(2007, p. 243). Realizando uma minuciosa análi-

se dos diversos estágios de desenvolvimento do

pensamento, o autor conclui que, somente na

adolescência, o ser humano passa a pensar por

meio de conceitos. Assim, somente nesse perío-

do as explicações abstratas podem ser realmente

compreendidas. Vygotsky explana que crianças e

adultos usam as mesmas palavras para se refe-

rirem aos mesmos objetos. No entanto, o autor

alerta que essas palavras “referem o mesmo cír-

culo de fenômenos. Contudo, não correspondem

no plano do sentido” (2007, p. 188).

Dessa forma, a criança está apta a decorar

palavras e discursos. Ela poderá repetir algumas

frases que perceba que agradam os adultos ou

que evitem represálias. No entanto, a distância

entre repetir e compreender é enorme. Quando o

adulto demonstra dificuldade em entender o pro-

cesso de pensamento infantil, a criança percebe

que não será valorizada se não repetir o discurso.

Ao ouvir a reprodução da decoreba, esse adulto

se satisfaz, uma vez que acredita estar contri-

buindo na formação da criança. A esse respeito,

Bettelheim afirma que a criança reconhece que o

adulto é quem detém o poder e se subjuga a ele,

concordando, mesmo sem compreender, sendo

forçada a buscar seu caminho sozinha. O autor

afirma que “isso dá à criança um sentimento de-

sesperançado de que não adianta tentar chegar a

um entendimento comum” (2012, p. 171).

Bettelheim declara ainda que, onde há rea-

lismo excessivo, existe uma oposição às experi-

ências íntimas da criança. Segundo o autor, “as

experiências e reações mais importantes da crian-

ça pequena são em sua maior parte subconscien-

tes e devem permanecer assim até que ela atinja

uma idade e compreensão mais maduras” (2012,

p. 27). Em relação ao teatro, é preciso que os

artistas tenham conhecimento sobre o univer-

so infantil para que possam fazer opções claras

e realizar espetáculos que realmente dialoguem

com a criança. A psicanalista Alba Flesler (2012)

lembra que Freud situa o nascimento da criança

como um lugar no Outro. Ou seja, é quando um

adulto reconhece que aquele ser merece cuidados

especiais e que está em um momento diferencia-

do da vida que ele passa a ter o direito de exercer

a infância e de ser criança.

O reconhecimento de que a criança atua a

partir das relações que o sistema possibilita deixa

evidente a responsabilidade da sociedade em re-

lação ao desenvolvimento infantil. Um ambiente

comunitário favorável possibilita que a criança

desenvolva sua individualidade, reconhecendo-

-se enquanto parte integrante e fundamental no

movimento social. É com base nos distintos re-

ferenciais culturais que a criança tem acesso que

ela constrói a sua atuação no mundo. Por meio

desses referenciais, as crianças passam a ser pro-

dutoras de cultura, elaborando sentidos, valores e

percepções. Como diz Cohn, “elas não ‘ganham’ ou

‘herdam’ simplesmente uma posição no sistema

de relações sociais e de parentesco, mas atuam na

criação dessas relações” (2009, p. 30). A partir do

exposto, evidencia-se a necessidade de qualifica-

ção estética e pedagógica dos adultos que, respon-

sáveis pelas crianças, atuam como mediadores de

suas relações com os espetáculos teatrais.

Já tive a oportunidade de assistir a peças des-

tinadas a todos os públicos, as quais se comunicam

com as distintas faixas de idade, por meio da plura-

lidade de percepções que seus recursos despertam,

resultando em distintos níveis de comunicação. Na

O universo infantil é lúdico e é por meio da simbologia da brincadeira que a criança descobre e constrói as diferentes significaçõesFoto: Bruno Gomes e Kati Wichinieski

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ARTES CÊNICAS

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SEGUNDO SEMESTRE

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para o desenvolvimento da autonomia de pen-

samento da criança e para o desenvolvimento de

sua expressividade pessoal? Nesse tema, é uma

questão importante perceber como os pais ou

educadores encaram o que seja participar ati-

vamente de um espetáculo. Uma criança em si-

lêncio ou se manifestando em alguns momentos

em relação à cena demonstra um envolvimento

profundo com o espetáculo. Sua mente, seus

sentidos, todas as suas possibilidades de per-

cepção estão entregues àquele acontecimento,

em plena atividade.

A importância do envolvimento do adulto

nos espetáculos para as crianças não está somen-

te na escolha, mas também no acompanhamento

da obra durante a apresentação. Infelizmente, em

tantos anos de atividade teatral, muitas vezes vi a

mesma cena: um grupo de alunos assiste ao es-

petáculo. Acontece algo em cena que entusiasma

a criança. Ela faz um comentário em voz alta, fala

para o colega ao lado ou apenas se movimenta

no lugar e é veementemente repreendida por um

adulto. Depois de deixar a criança subjugada em

sua cadeira, o adulto volta a cochichar com o co-

lega ao lado, com sua consciência tranquila, pois,

na sua visão, aquela atividade é para entreter as

crianças, e ele não precisa se envolver com isso.

Quantos equívocos! A repreensão de uma

manifestação genuína da criança faz com que ela

compreenda que é errado se expressar. É neces-

sário refletir também sobre o excesso de silêncio

que muitas vezes é exigido das crianças. Nem gri-

taria, nem repressão são os meios adequados de a

criança usufruir de um espetáculo artístico. Nesse

sentido, Maria Clara Machado alertava que é na-

tural que uma criança expresse as suas emoções

em voz alta, conforme a cena proposta, como a

perseguição de um bandido ou o perigo de um

herói. Para ela, “o que não deve ser permitido é

uma provocação gratuita dos atores para criar

um ambiente de excitação” (1986, p. 47).

A melhor maneira de professores e pais pro-

moverem uma boa conduta das crianças é dar o

exemplo. No entanto, o adulto que repreendeu a

criança, na descrição que fiz acima, não está pres-

maioria das vezes, os bons espetáculos realizados

para crianças, encantam pessoas de todas as ida-

des, podendo acontecer de um espetáculo voltado

ao público adulto agradar às crianças por seu co-

lorido, sua movimentação e sua musicalidade. No

entanto, é preciso saber avaliar se essa realidade

está em cena ou somente no texto do programa.

Constatei em minha experiência como es-

pectadora, e em declarações de outros artistas e

espectadores, que diversas peças infantis apresen-

tam narrativas adultas, repletas de discursos abs-

tratos e conceituais, sendo inacessíveis ao pensa-

mento infantil. Como a criança não tem condições

de entender o que acontece e reivindicar uma ade-

quação, a avaliação do trabalho é feita por outros

adultos que, em geral, privilegiam discursos mora-

lizantes e conteúdos didáticos impositivos. Mesmo

em espetáculos não realistas, segundo Maria Lú-

cia Pupo, existem textos que utilizam referenciais

adultos para criar efeitos cômicos, trazendo men-

sagens subliminares que não serão compreendidas

pelo pensamento infantil. Para ela, a pretensão de

atingir todas as idades “transforma seguidamente

os textos teatrais infantis em uma mensagem que

contém alusões passíveis de serem decodificadas

apenas pelo indivíduo adulto” (PUPO, 1991, p. 36).

Ao lado de espetáculos com mensagens e

narrativas inacessíveis, o mercado de Artes Cê-

nicas infantil, servindo a interesses econômicos,

produz montagens que subestimam a criança e

reproduzem sempre as mesmas fórmulas, in-

citando uma participação mecânica, na qual as

crianças respondem a perguntas óbvias, geral-

mente incentivadas a gritar o tempo todo. Essa

questão é de tamanha relevância para a área, que

está presente nas discussões de artistas, reitera-

das vezes, há muitos anos. Sobre esse assunto,

Maria Clara Machado, diretora e dramaturga que

desenvolveu, no Rio de Janeiro, o trabalho de dra-

maturgia infantil mais significativo do Brasil, já

declarava que o que deseja e exige “é sensibilida-

de e não histeria” (1986, p. 19).

Machado defendia que os espetáculos que

fazem com que a criança participe o tempo in-

teiro, respondendo a perguntas com respostas

claramente previsíveis, deixam sua mente tão

ocupada em atender comandos, que não sobra

espaço para a sensibilidade atuar. A autora enten-

dia que quando a peça incita uma participação

desenfreada, ocasiona um excitamento excessivo

que impossibilita o exercício da compreensão e

da fruição. Esse “clima de histeria” impede o de-

senvolvimento da “verdadeira comunicação poé-

tica, linguagem dos sentidos, meios de cultura, de

emoção e de prazer” (1986, p. 47).

Como pode esse tipo de trabalho contribuir

A importância do envolvimento do adulto nos espetáculos para as crianças não está somente na escolha, mas também no acompanhamento da obra durante a apresentaçãoFoto: Christian Benvenuti

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SEGUNDO SEMESTRE 2016

tando atenção e faz ruídos que atrapalham a con-

centração dos demais. Essas atitudes interferem

na entrega da criança ao espetáculo e inviabilizam

que ela perceba a real importância daquele acon-

tecimento, já que o adulto é sempre um modelo

para o pequeno aprendiz. A psicanalista Simone

Moschen alerta para a enorme responsabilidade de

quem trabalha com crianças, visto que essas apre-

sentam uma colagem discursiva ao outro. Confor-

me ela, é extremamente importante que o adulto

reflita sobre o que é antecipado como possibilida-

des, demandas e sentidos às crianças, pois, “o que

esse lhes disponibiliza tem um impacto que não é

de se negligenciar” (2011, p.93).

O envolvimento real do adulto com o aconte-

cimento teatral é fundamental na percepção que a

criança terá dessa vivência. Ao mesmo tempo, se

o espetáculo for bom, será um momento de de-

leite também para os responsáveis e, se for ruim,

possibilitará uma avaliação melhor em próximas

oportunidades. A esse respeito, aponta Pupo que

“o adulto em geral possui também a prerrogativa

de decidir quando levar a criança ao teatro e a qual

espetáculo assistir” (1991, p.19).

Existe um equívoco reincidente nesse senti-

do. Em certos casos, as crianças são submetidas

a trabalhos de péssima qualidade, e os pais ou

professores justificam com a declaração: “Mas

eles gostam!” O que se esperava? Que as crianças

nascessem com senso estético e apuro crítico? So-

bre esse tema, Machado alertava que a criança é

muito receptiva, mas que não tem as ferramentas

necessárias para discernir, captando tanto as coi-

sas boas como as ruins. Ela afirmava que “por isso,

é preciso fazer as coisas o mais bem feito possível,

realmente o melhor, ainda mais porque as crianças

não têm senso crítico. Criança é como radiografia,

bate e fica” (1986, p. 18).

A criança precisa ser orientada nesse belo

processo, que deve lhe dar muito prazer e alegria

e que, ao mesmo tempo, é fundamental na sua

formação estética, emocional, cognitiva e social.

O adulto precisa possibilitar que a criança tenha

acesso a trabalhos de qualidade. Afinal, quem

gosta do que não conhece? Nesse sentido, Fabia-

no Grazioli expõe a necessidade de uma educa-

ção estética que viabilize critérios de seleção dos

produtos culturais para crianças, para que sejam

escolhidos “aqueles que realmente contribuam, de

algum modo, para o seu crescimento” (2007, p. 31).

O adulto não pode se eximir da responsabili-

dade de orientar e, para orientar, precisa se quali-

ficar, ser um companheiro alegre e presente, tanto

para apreciar um espetáculo, como para assistir a

um filme, ler um livro ou escutar um CD. O en-

volvimento completo do adulto, em qualquer tipo

de fruição artística, valoriza essa experiência para

a criança. Pode-se valer, no teatro, do que diz Bet-

telheim sobre a leitura de contos de fadas quando

ele explana que “o senso de participação ativa do

adulto ao narrar o conto dá uma contribuição vital

e enriquece muito a experiência que a criança tem

dele” (2012, p. 219). Para o psicanalista, o fato de

o adulto compartilhar a experiência com a criança,

apreciando seus sentimentos e suas reações, acar-

reta uma afirmação da sua personalidade.

Certas vezes, pais e professores acreditam,

erroneamente, que possibilitar que a criança es-

colha é uma maneira de respeitar a sua opinião.

Nessas ocasiões, os trabalhos que reproduzem

fórmulas fáceis têm diversas vantagens, pois as

pessoas, em geral, e as crianças, em especial, têm

a tendência de buscar o que já conhecem. Assim,

as vantagens mercadológicas de reproduzir per-

sonagens e histórias de conhecimento da grande

massa viabilizam uma probabilidade maior de

retorno financeiro, o que faz com que esse tipo

de iniciativa se multiplique de forma vertiginosa.

Se os adultos querem que a criança parti-

cipe na escolha do espetáculo, podem oferecer a

ela algumas opções que considerem adequadas.

A segurança e a alegria com as quais os pais ou

professores apresentarão as propostas às crian-

ças é que determinarão a receptividade ao con-

vite. A falta de critérios de determinados respon-

sáveis adultos, na escolha dos espetáculos para

crianças, é o resultado de uma educação falha, no

que concerne ao desenvolvimento da sensibilida-

de e da avaliação crítica. Ao verificar ocasiões nas

quais peças sem qualidade são apresentadas às

crianças, Machado questionava a formação dos

pais, dizendo que, como não tiveram nenhuma

educação para o teatro, “PENSAM que aquilo que

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ARTES CÊNICAS

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SEGUNDO SEMESTRE

2016

dão aos filhos são coisas que realmente SÓ SER-

VEM para crianças, porque muito enfadonho e

desinteressante” (1986, p. 46).

Nessa direção, refletir sobre as diferenças

entre propostas que reproduzem fórmulas fáceis

e propostas que procuram incitar a criatividade

pode ser um dos critérios relevantes na avaliação

artística e pedagógica dos espetáculos. Os traba-

lhos que reproduzem fórmulas fáceis partem da

lógica do desejo do universo capitalista, venden-

do uma imagem idealizada que deveria ser alcan-

çada por todos. Ao valorizarem a reprodução au-

tomática de personagens, narrativas, linguagens

e movimentações, propiciam a padronização dos

comportamentos, sufocando as autênticas ex-

pressões individuais. Desse modo, acontece um

distanciamento do ato criativo, visto que o que

importa é reproduzir o resultado final, criando

uma multidão de réplicas, sem expressividade

individual. Ao mesmo tempo, ocorre uma sen-

sação de tristeza e impotência naqueles que não

conseguem estar dentro do padrão imposto. As

diferenças entre as pessoas aparecem em uma re-

lação competitiva, na qual determinadas caracte-

rísticas são valorizadas, em detrimento de outras.

Na via oposta, as propostas criativas apresen-

tam inúmeras possibilidades de transformação e

convidam o espectador a participar sensorial, sen-

sitiva e cognitivamente, despertando, dessa forma,

a criatividade de cada um. Aqui, não existe o obje-

tivo de provocar o desejo de atingir um resultado

final pré-determinado. Nesse caso, o que importa

é multiplicar as percepções da criação, resultando

na desmistificação do resultado ideal. Assim, iden-

tificado com o processo criativo e não com a sua

formatação final, o receptor é instigado a usar de

sua própria criatividade. Dessa maneira, acontece a

valorização da diversidade, possibilitando que cada

um busque a sua expressividade pessoal, a partir

de suas características individuais e da cultura de

seu povo, sua família etc. Portanto, as limitações

são vistas ao lado das potencialidades, em um pro-

cesso que propõe um permanente movimento de

transformação, de forma colaborativa.

A necessidade de qualificação dos conheci-

mentos relativos ao teatro para crianças também

está presente no ensino superior, nível em que a

ausência de estudos sobre essa forma específica

de criação espetacular reafirma o status rebaixa-

do do teatro para crianças em relação ao teatro

adulto. Os professores de licenciatura, eviden-

temente, abordam o tema, enfocando o ensino,

mas, e a qualificação para a composição estética?

E o estudo necessário às especificidades de cria-

ção do teatro infantil feito por profissionais? Com

certeza temos fecundo e importante campo a ser

explorado.

Por sua vez, o mercado de atividades lúdicas

com escolas, nas últimas décadas, tem sido uma

alternativa econômica, por vezes, perigosa. Multi-

plicam-se as pecinhas cuja qualificação da equipe

O envolvimento real do adulto com o acontecimento teatral é

fundamental na percepção que a criança terá dessa vivência

Foto: Bruno Gomes e Kati WichinieskiFoto: Christian Benvenuti

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SEGUNDO SEMESTRE 2016

é duvidosa. Conforme Nazareth, “essa falta de pro-

fissionalismo e, mais do que isso, de ética, é um

dos baluartes da estética perversa do teatro infan-

til” (2012, p. 86). Para Maria Clara Machado, a falta

de conhecimentos artísticos resulta em “cenas mal

ensaiadas nas quais os atores, muitas vezes, ape-

nas estão procurando sobreviver economicamente,

sem se empenharem realmente nos papéis que re-

presentam” (1986, p. 46).

Assim, certas produções de baixa qualidade

reafirmam o preconceito de pensar que o teatro

para a infância é uma arte menor, feita para en-

sinar alguma coisa de útil ou, na via inversa, um

momento de pura descontração, sem nenhuma

característica educativa. Além disso, determinadas

práticas atuais exigem um questionamento sobre

a facilidade com que algumas pessoas decoram

discursos artístico-pedagógicos que não apa-

recem no resultado estético de seus trabalhos.

Infelizmente, em certos casos, os adultos respon-

sáveis pelas crianças não estão preparados para

avaliar e seguem reproduzindo o mesmo discur-

so, sem perceber que são palavras ao vento, sem

nenhuma relação com o que aconteceu em cena.

Com base em décadas de experiência, Maria Clara

Machado reclamava que a aparente facilidade de

realizar teatro infantil atraiu muitos profissionais

que banalizaram a cena para crianças. Para ela,

a realização de péssimas montagens, repletas de

distribuição de brindes para compensar a falta de

qualidade artística, resulta no aumento das doen-

ças da sensibilidade e na perda da “maravilhosa

oportunidade de desenvolver na criança a capaci-

dade de captar, através do espetáculo, o mistério

da vida” (1986, p. 65).

Pode parecer desnecessário afirmar que o te-

atro para crianças é arte e que precisa da mesma

qualificação que o teatro para adultos. Alerto, no

entanto, para o fato de que o preconceito ecoa de

inúmeras formas nos trabalhos da área, seja pela

aceitação de peças de péssima qualidade, seja pelo

espaço secundário que os trabalhos para crianças

ocupam nas pautas de casas de espetáculos pro-

fissionais ou pela ausência de editais de fomento

e patrocínio específicos. Nesse sentido, Maria Lúcia

Pupo (1991) denuncia que a ausência de espaços

adequados acarreta em muitas dificuldades para

os realizadores de teatro infantil, impedindo uma

realização artística plena das obras dedicadas às

crianças, as quais ficam condicionadas aos espe-

táculos adultos encenados à noite.

Por mais óbvio que pareça, ainda é neces-

sário reafirmar que teatro para crianças é tão

arte quanto teatro para adultos. As exigências

técnicas, formais e de produção são as mesmas,

independentemente da faixa etária do público ao

qual o espetáculo está destinado. Os profissionais

qualificados para realizar teatro para crianças

precisam ter o mesmo aprimoramento técnico

que atores, diretores, produtores, dramaturgos,

figurinistas, cenógrafos e iluminadores qualifica-

dos para realizarem teatro para adultos. O fato

de o espetáculo ser destinado a crianças, jovens

ou adultos não é uma questão qualitativa, mas,

sim, classificatória. Ou seja, um espetáculo não é

melhor ou pior por ser para crianças, para adoles-

centes ou para adultos.

Há muitos artistas e pesquisadores interessa-

dos na qualidade dos trabalhos artísticos destina-

dos às crianças. Foi como uma reação à falta de

qualidade e à negligência com a área, que profis-

sionais seriamente dedicados à infância passaram

a reivindicar a utilização do termo teatro para

crianças e não mais teatro infantil, defendendo

que infantil é o público e não a obra. No entan-

to, essa não deixa de ser uma afirmação que traz

consigo uma percepção preconceituosa do termo

infantil, ao procurar refutá-lo. O artista e professor

de teatro Marco Camarotti afirma que a troca do

termo não atinge a raiz do problema, que é “o tom

pejorativo e minimizador que o adjetivo ‘infantil’

infelizmente adquiriu em nossa cultura”. Para ele,

o que precisa ser combatido é “a visão distorcida

que a sociedade em geral e o homem de teatro em

particular têm da criança e do que lhe é pertinen-

te” (2005, p.13). Nesse sentido, Augusto Nazareth

expõe que “etimologicamente, infantil tem, sabida-

mente, origem no latim infantile e infantil é o ad-

jetivo que se refere a tudo que é relativo à infância

(próprio para crianças)” (2012, p. 84).

Com certeza, é necessário chamar a atenção

para uma área que ainda é carente de reflexão. Seja

classificando como teatro infantil ou como teatro

para crianças, o importante é afirmar que os espe-

táculos para a infância devem ser uma expressão

das Artes Cênicas, realizada com o mesmo rigor

estético que qualquer outra obra destinada a di-

ferentes públicos. A responsabilidade pedagógica

precisa andar de mãos dadas com a diversão e a

alegria. Realizar ou escolher um bom espetáculo

para as crianças é também um gesto de amor.

Na última década, diversos professores e pais

têm demonstrado grande interesse em compreen-

der o potencial educativo do teatro, no desenvol-

vimento estético, ético, cognitivo, afetivo, social,

perceptivo e sensorial das crianças. A qualificação

dos adultos mediadores é fundamental na constru-

ção de uma cena teatral que apresente espetáculos

que instiguem as crianças, dialoguem com a lógica

lúdica de seu pensamento, possibilitem momentos

de prazer e oportunidades de elaboração a temas

genuinamente presentes no universo infantil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fada. São Paulo: Paz e Terra, 2012.

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COHN, Clarice. Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

FLESLER, Alba. “As intervenções do analista na análise de uma criança”. O infantil na psicanálise: Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Porto Alegre, n. 40, p.18-30, jan./jun. 2011.

GIL, João Pedro Alcantara. Para além do jogo. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Santa Maria. Programa de Pós-Graduação em Educação, Santa Maria, 1999.

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MOSCHEN, Simone. “A infância como tempo da iniciação à arte de produzir desobjetos”. O infantil na psicanálise: Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Porto Alegre, n. 40, p.89-98, jan./jun. 2011.

NAZARETH, Carlos Augusto. Trama: Um olhar sobre o teatro infantil ontem e hoje. Rio de Janeiro: Lamparina, 2012.

PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. No reino da desigualdade: Teatro infantil em São Paulo nos anos setenta. São Paulo: Pespectiva, 1991.

STEIN, Maria Lúcia Müller. “Infantil, Eu?” In: O infantil na psicanálise: Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Porto Alegre, n. 40, p.09-17, jan./jun. 2011.

VYGOTSKY, Lev. Pensamento e linguagem. Lisboa: Relógio d’água, 2007.

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O artigo O papel do mediador quando a escola vai ao teatro, de Viviane Juguero, escrito sob a

orientação do Prof. Dr. João Pedro Alcantara Gil é uma produção vinculada ao curso de

Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, realizada com o financiamento de bolsa PROAP da CAPES.

O texto foi publicado, originalmente, nos anais da IX Jornada Latino-Americana de Estudos

Teatrais, realizada em 2016.

A presente publicação da Revista Arte SESC foi ilustrada com imagens do espetáculo

Quaquarela, do Bando de Brincantes, com dramaturgia e direção de Viviane Juguero.

Créditos das fotos do espetáculo Quaquarela:

Pág. 11 – Apresentação no Teatro das Bacabeiras, na cidade de Macapá/AP, em agosto de 2016.

Na imagem estão, Lucimeia Gall Konig (tradutora de libras), Toneco da Costa (violonista

brincante), Paulo Rocha (produtor local), Viviane Juguero (atuadora brincante), Éder Rosa

(atuador brincante), Henrique Rosa Juguero (brincante mirim) e público local ao fundo. Foto de

Anderson Balhero.

Pág. 11 – Apresentação no Teatro Carlos Carvalho da Casa de Cultura Mário Quintana de Porto

Alegre, em 2013. Em cena, Viviane Juguero. Foto de Bruno Gomes e Kati Wichinieski.

Pág. 13 – Apresentação no Teatro Sancho Pança da Feira do Livro de Porto Alegre, em 2012. Em

cena, Toneco da Costa, Éder Rosa e Viviane Juguero. Foto de Christian Benvenuti.

Pág. 14 – Apresentação no Teatro Carlos Carvalho da Casa de Cultura Mário Quintana de Porto

Alegre, em 2013. Em cena, Éder Rosa e Viviane Juguero. Foto de Bruno Gomes e Kati Wichinieski.

Pág. 15 – Apresentação no Teatro Sancho Pança da Feira do Livro de Porto Alegre, em 2012.

Éder Rosa. Foto de Christian Benvenuti.