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ColeçãoPASSO-A-PASSO

CIÊNCIASSOCIAISPASSO-A-PASSODireção:CelsoCastro

FILOSOFIAPASSO-A-PASSODireção:DenisL.Rosenfield

PSICANÁLISEPASSO-A-PASSODireção:MarcoAntonioCoutinhoJorge

Verlistadetítulosnofinaldovolume

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AntonioQuinet

OsoutrosemLacan

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Sumário

Introdução

Opequenooutro

OgrandeOutro

Oobjetoa

Ooutrodolaçosocial

Heteros

Referênciasefontes

Leiturasrecomendadas

Sobreoautor

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Introdução

A questão da alteridade percorre toda a obra de Lacan e encontramos suas diferentes modalidadestematizadas a cada avanço de seu ensino. Para a finalidade deste livro introduzimos, de formanecessariamente incompleta e condensada, cincomodalidades–quenosmostramcomonãohá sujeitosemoutro.Assim, abordamosopequenooutro,o semelhante, igual e rival, que se encontranopardoestádio do espelho, sendo, portanto, do registro do imaginário; o grande Outro, cujo discurso é oinconsciente, que se manifesta nos sonhos, lapsos, sintomas e chistes e que, por ser da ordem dosimbólico, é tecido de linguagem e pode ser “encarnado” no Outro do amor – inclusive o amor detransferência –, ao qual se dirigem as demandas e ao qual está articulado o desejo. Em seguida,apresentamosoobjetoa,ooutropulsionalnoregistrodoreal,queéoobjetocausadedesejo,queseapresentanafantasiaequesemanifestanaangústiaquandoafaltafalta–éoobjetocondensadordegozocomo objeto da pulsão em suas modalidades de objeto oral, anal, olhar e voz. No campo do gozoestruturadopelosdiscursosqueconstituemoslaçossociais,ooutrotomaumlugardiferenteconformeseestejanodiscursodomestre,docapitalista,douniversitário,dahistéricaoudoanalista,eassimpodesertratadocomoescravo,consumidor,aluno,mestre–masoúnicolaçosocialquetrataooutroefetivamentecomo sujeito é o discurso do analista. E, por fim, abordamos o outro gozo,Heteros, que é o gozofemininoparaalémdogozofálicomasculino,queLacanconceitualizaapartirdasfórmulasdasexuação.Estenosofereceumaoutralógica–distintadalógicafálicaqueregeosereoter,amedidaearazão–quenosabreparaooutrocomoradicalmentediferente,imprevisívelesempresurpreendente.Éalógicadonãotodo,alógicadadiferença,enquantodiferençaradical.

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Opequenooutro

Quemévocê,queestádiantedemim,queémeusemelhante,serhumanocomoeu–sejavocêhomemoumulher–,feitoàminhaimagemesemelhança,feitodeumacorporalidadequemefazcreratéquesomosirmãos?

Eeu?Quemsoueuemrelaçãoaooutro?Quesegurançatenhodequeeusoueuenãoumoutro?Freudrevolucionoua subjetividadeaomostrarqueoeunãoé senhoremsuaprópriacasa,eLacandesfezailusãodetotalidade,apretensãodesínteseeamiragemdaunidadedoeu,mostrandoqueoeué–antesdemaisnada–outro.Jeestunautre,diziaRimbaud.Eaquelequevejonaminhafrente,comooutro–foiapartirdelequeeufuifeito.Euéquesoufeitoàimagemesemelhançadooutro.Masqueconfusão!!!!

É isso mesmo: o eu e o outro se confundem. Eu projeto no outro conteúdos, intenções e atépensamentosmeus;eumevejonesseoutronoqualidentificotraçosmeus,euovejocomomeuideal,quetantoadmiro–comoeugostariadeserigualaele!Ouovejocomomeurivalequeroquemorra!Ouovejocomtudoaquiloqueeugostariadeter–queinveja!Porqueeletemeeunãotenho?

Essepróximoqueseassemelhaamimeaquemmeensinaramdeveramaré,antes,umintruso.Ooutroéigualerival.Constituídopelaimagemdooutro,oeuestáparasemprealienadoaseuoutro-ideal.OqueFreuddescrevecomooeuideal,modeloàimagemeàsemelhançadoqualoeuseconstitui,éencarnadopelooutro-idealqueoneuróticosempreencontraentreseuscamaradas.Éaquelamulher,linda,quedevesaberoqueésermulher.Elasabeserfeminina,sevestireganharoshomens!Comoelaconsegue?Eis aoutramulherdahistéricaque ela sempre encontrana irmã,na amiga,na colegade trabalhoetc.Aqueleéqueéocara!Tempoder,prestígio,dinheiro,estásemprecombelasmulheres…eeuoqueeutenho?Eisooutrohomemdoobsessivocomoqualosujeitoseencontraemcompetiçãoesecomparaparaverquemtemmelhordesempenhonotrabalho,nosexoetc.

Esseoutrointruso,quesemanifestacomosemelhante,éexperimentadoepercebidocomoaquelequeinvadeoqueémeuerivalizacomigo,ouseja,competecomomeueupelomesmolugar.Poisoeueooutroentramnumalutapeloreconhecimentomútuoerecíproco.Trata-sedeumalutaparaverquemtemmaisprestígiodoqueooutro,eparatalénecessárioqueumreconheçaooutro.Nessaluta,descritaporHegel como uma luta de “puro prestígio”, na dialética do senhor e do escravo, há um desejo dereconhecimentodeumpelooutroquesetransformaemumalutamortal,poiselesentramnalógicado“oueuouvocê”.Eisa luta travadanoâmbitodonarcisismoemqueumquerserreconhecidocomoumeu(ego)pelooutro.

Lacandescreveoqueocorrenasubjetividadedacriançaquandonasceumirmãocomocomplexodeintrusão. Ela o sente como um intruso que vem apropriar-se do lugar que o pequeno sujeito imaginaocuparnodesejodamãe(querepresentaumaoutraalteridade,ograndeOutro).Masosujeitoidentifica-secomesteoutro,o irmão,demodoimaginário,eooutrose torna indissociáveldoeue,pior,oeuéindissociáveldooutro.Essabipolaridadecaracterizaoregistroimaginárioeconstituiainfelicidadedohomem,poisooutro,quandonãoéobjetodedesejo,éumestorvo,uminferno.Umeununcavemsozinho–eleestásempreacompanhadodooutro,seueuideal.Eisporqueainstânciadoeuéfundamentalmenteparanoica.

Aindissociabilidadeentreoeueooutrotrazamarca,eédatada,doestádiodoespelho.Trata-sedeuma construção lógica proposta por Lacan, a partir da observação de crianças, que corresponde aonarcisismoeàconstituiçãodoeuatravésdaimagemdooutro.

OmitodeNarcisoNarciso, jovem adolescente, de extrema e delicada beleza, cobiçado por moças e rapazes, não se

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interessavaenãocediaaninguém.Váriaspessoaseninfas seapaixonavamporele somenteaovê-lo.Exemplo de beleza na Terra, objeto vivo no mundo sensível das imagens e dos simulacros, ele é aimagemcativantedooutro-si-mesmo.OsenamoradosporNarciso,vítimasdeseudesprezo,expressavamseu ódio: “Que ame por sua vez sem poder possuir o objeto de seu amor.”Umdia, ao sentir sede edebruçar-sesobreaágua,Narcisoésubjugadoporsuaprópriaimagem,queeletomaporoutrem.Eleéimediatamenteseduzidopelaimagemdesuabeleza,apaixona-seporumreflexosemconsistênciaqueeletomaporoutrapessoa.Aotentarpegaremseusbraçosessesertãobeloefascinante,aimagemsedesfaz,até que ele percebe que esse outro imaginário do espelho é ele mesmo. E morre. O mito mostra aconjunçãodoamoredamorte,revelandoabasenarcisistadoamor:amoamimmesmoatravésdooutro,amoooutroeumesmo.

Oamorporesseeuquevejonooutro,oamorporesseoutromimmesmo,amorpelaimagemdemimmesmocomooutroéoqueFreuddenominoudenarcisismoequecorrespondeaoregistrodoimagináriodeLacan.Éodomíniodocorpo,da formaeda imagemdooutro,meupróximo,que,alémde rival,étambématraente,fascinante,amante.Oimaginárioéoregistrodaconsciênciaedosentidoquefazcomqueohomemsejulgueumeu–oqueéefetuado(semqueeleosaiba)atravésdaidentificaçãocomooutro. É o que podemos verificar no estádio do espelho. O outro, na paixão do amor, é a imagemespecular que reina no coração do sujeito conferindo o hábitat narcísico ao olhar, objeto pulsionalinapreensívelpelavisão.AóperaValquíria,deWagner,retomaomitodeNarciso,encenandoomatemado i(a) no encontrodosgêmeos amantes.DizSieglinde: “No riacho,viminhaprópria imageme ei-lanovamente;comooutroraelaemergedaonda:éstu,nopresente,quemeenviaminhaprópriaimagem.”AoquerespondeSigmund:“Éstuaimagemqueemmimeuescondia.”Ooutroéogêmeodoeu.

OestádiodoespelhoOestádiodoespelhocorrespondeàantecipação,atravésdaimagem,daunificaçãodocorpo,antecipaçãorelativa à imaturidade neurológica da criança. Retomando a descrição, já efetuada porWallon, dessemomentododesenvolvimentoinfantil,Lacanoelevaàdignidadedeumamatrizsimbólicadaconstituiçãodo eu. Lacan o formaliza como o estádio do espelho: uma experiência correspondente ao narcisismoprimárioconceitualizadoporFreud.Talexperiência,situadaentreosseisedezoitomeses,édescritaporLacan comoum“drama cujo impulso internoprecipita-se da insuficiência para a antecipação– e quefabricaparaosujeito,apanhadonoengododaidentificaçãoespacial,asfantasiasquesesucedemdesdeumaimagemdespedaçadadocorpoatéumaformadesuatotalidadequechamaremosdeortopédica–eparaaarmaduraenfimassumidadeumaidentidadealienante,quemarcarácomsuaestruturarígidatodooseu desenvolvimentomental”. Podemos distinguir doismomentos no estádio do espelho: o primeiro éaquele em que a imagem está despedaçada; o segundo, é aquele em que ela está unificada. Nesseprimeiro tempo, trata-se de uma anti-imagem, pois não há, propriamente, constituição de uma imagemvisível,deumcampovisualemquetodasasimagenstenhamumaconsistênciaprópriaenasquaisseriapossíveldistinguirnitidamenteoselementosdecadatotalidade.Nosegundotempo,aimagemtotalizanteetotalitáriaéconstituída–elaescamoteiaafaltaeodespedaçamentoorigináriodosujeito.

Aopartirmosdoprincípiodequenoinícionãoháunidade,ocorpodoindivíduopodeserconcebidocomo um corpo retalhado, despedaçado, fragmentado pelas pulsões autoeróticas, as pulsões ditasparciais. A unidade do corpo é, em seguida, prefigurada pela imagem do outro ou pela imagem doespelho, pois ambos não se distinguem, como nos ensina omito deNarciso.As pulsões autoeróticasconvergemparaaimagemdocorpotomadoporumoutro:imagemcomaqualosujeitoseidentificaparaconstituirseueu.Essaimageméoeuideal,formadocomoimagemdooutro,i(a),quedaráaunidadedoeu.Essaprefiguraçãodaunidadecorporaléacompanhadadeumajubilaçãoquecorrespondeàsatisfaçãonarcísicadesaber-seumcorpo.Oeué,assim,constituídoporessa imagemquesecorporifica:corpo

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unificado,corpoemsuatotalidade,emsuma,corpohumano.Comefeito,oeu,segundoFreud,é,antesdetudo, corporal. A percepção visual do corpo é a base do imaginário e da identificação especular. Aunidade do eu é imaginária. A percepção visual é própria do eu sendo ele mesmo constituído peloespelho – o que faz da visão o apanágio do registro imaginário.A imagem especular, escreveLacan,“pareceserolimiardomundovisível,anosfiarmosnadisposiçãoespecularapresentadanaalucinaçãoenosonhopelaimagodocorpopróprio,quersetratedeseustraçosindividuais,querdesuasfaltasdefirmezaousuasprojeçõesobjetais,ouaoobservarmosopapeldoaparelhoespecularnasapariçõesdoduplo em que se manifestam realidades psíquicas de outro modo heterogêneas”. O mundo visual énarcísico:oespetáculodomundovisualéoespelhodosujeito.

O estádio do espelho é dito “um momento de insight configurador” – termo inglês que significatomadadeconsciência,esclarecimento,mastambéminscrição.Insightofsignifica“emvistade”,ou“dopontodevistade”–éopontodevistadoeu.Oinsightconfereocaráternarcísicoaoconhecimentodoeu,queé,naverdade,umdesconhecimento,poiseleseoriginadaprojeçãodaimagemdesinomundo.Lacanconservaotermo“conhecimento”parasereferiraessavistadosobjetospelaconsciênciadoeu,apontandoqueoconhecimentoésempreimaginário,oumelhor,paranoico,namedidaemquenadamaisésenão a projeção da consciência sobre os objetos.O conhecimento não se equipara ao saber, o qual,sendodaordemdosimbólico,implicaelaboraçãoenãoestánadependênciadopontodevistadoeu.

Nasimetriaproduzidanoreflexodoespelhoháinversãoemrelaçãoaoplanoespecular,fazendodoestádio do espelho um apólogo do desconhecimento: a imagem especular é diferente daquilo que elarepresenta na medida em que a direita vira esquerda e vice-versa. Como diz Freud, “o eu é umasuperfícieeaprojeçãodeumasuperfície”,ouseja,oeu,reduplicadoporsuaimagemespecular,écomoorevirardaluvadodireitoparaseuavesso.Essainversãooureviramentopresentenaformaçãodoeumostraailusãodaautoconsciência:aimagemdoprópriocorpoéenganosaeaconsciênciaéainstânciadodesconhecer.Essailusãoéelamesmanãoreconhecida,poisnãovemosqueaimagemenganaequeaconsciênciaé,porsi,fontededesconhecimento.Assim,oeu,conhecendoosobjetoseaspessoasatravésdo olho do espelho, caracteriza-se mais como uma instância de desconhecimento do que como umaparelhodepercepção-consciênciaqueconheceriaarealidade.“Oolho,instrumentodenossavisão,nãoencerra, ele também, algo semelhante a um espelho?”, pergunta Sócrates a Alcibíades. Instância deengano,oeuvêomundocomoumespelhoquerefleteseupontodevista,suavisãodemundo.Evêooutrocomoumreflexodesimesmo.

Essa imagem constitutiva e alienante do eu é percebida pelo sujeito, não em si, mas no outroexperimentado como um intruso, que o invade e rivaliza com ele pelo mesmo lugar imaginário. Naverdade, é o eu que vem primeiramente usurpar o lugar do sujeito, levando-se em consideração a“distinçãoentreolugarpreparadoparaosujeitosemqueeleoocupeeoeuquealivemsealojar”,oquepodemosescrever: .Esseintruso,queéoeu,osujeitoopercebecomooutro,docomplexodeintrusão.Oeuéooutroparaosujeito.Trata-sedosujeitodoinconscientequesechamadesejo.

AbipolaridadedoeuEssabipolaridadedooutroedoeu,(a–a’),éformalizadapeloeixoimagináriodoesquemaL,emqueaé notado como “objetos do sujeito” ea’, “seu eu”, “o que se reflete de sua forma em seus objetos”.Assim, o outro (a) antecede o eu (a’). Trata-se do eixo imaginário da cena visual que constitui umabarreiraparaaOutracena.

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O espelho é um anteparo ao inconsciente; o imaginário do olho da consciência é uma cortina àdeterminação do simbólico . Eu, como consciência, lido, rivalizo, desejo e brigo com os outrosmeussemelhantesdesconhecendooOutrodoinconsciente,quemedeterminacomosujeito.

Assim,ooutro, comosemelhante, éoobjetodoamornarcísico: eumeamonooutro (queéomeureflexo).Trata-sedoamorpelomesmo,oamornarcísico,queLacanqualificacomohommossexual(comdois“m”)paraindicarqueéumamordehomem(genérico)pelohomem–umamorhomensexual.Equefazparteconstitutivade todoamor.ComodizapersonagemMarieCarolinedaminhapeçaX,YeS–AberturadoteatroíntimodeStrindberg(2005):

Aiessaalma!Aimeualmor!Quandoeuaencontroeualmo.Quandoaencontromeencontro.Eumesma!Moi-même!Eumesmo!Jemême!Eumemesmo!Jem’aime!Minhaalmaémeuamor!Meamonasuaminh’alma!Esaio,saio,saiodemimmesmando,Emsimesmadaemeamo,teamo,Meamo,memesmo,timesmo.

O outro é o eu ideal: imagem desenhada e esculpida pelos significantes do Outro – aqueles queconstituemoIdealdoeuque,naverdade,éoIdealdoOutroqueLacanescrevecomomatemaI(A).Osujeito passará a vida toda tentando se igualar ao eu ideal, tentando moldar seu eu à imagem esemelhançadesseeu idealquemamãeepapaiqueremqueele seja, como,porexemplo,“inteligente”,“bacana”,“bem-sucedido”,“bonito”etc.,quesãosignificantesqueveiculamodesejodoOutro.

Osupereuéainstânciaquemedeoeuaoeuideali(a)paraverseeleestáàalturadosditamesdoIdealdoeu.OeuraramentesesenteàalturadoqueoIdealdoeulhemandaser–daíosentimentodemenos-valiaou,usandoumaexpressãodamoda,de“baixaautoestima”.Oaplausoouavaiadosupereucom sua função de vigilância (olhar) e crítica (voz) são indícios de aproximação ou afastamento dossignificantesdoI(A)imaginarizadosnoeuideal[i(a)].ÉdesselugardeeuidealqueobebêsesenteumamajestadeereinanodesejodoOutro:HisMajestytheBaby.

Opequeno outro pode ocupar o lugar de eu ideal com que o eu semede e rivaliza, ou seja, essaimagemidealizadadoeuqueosujeitoencontranumoutro,seucolegaqueadmiraeinveja.

Eisoengododoimaginário:osujeitodesconhecequeooutroéaprojeçãodeseueuideale,paraselivrardesuamenos-valiaemrelaçãoaele,entranumalutadepuroprestígiocomele.

Esseoutroqueémeupróximoéminhaalteridadeegoica,projeçãonarcísicademeueu,espelhoquemeenviaminhaprópria imagemapontodeconsiderá-lasemelhante.Esteoutro,seéalter,éalterego,nadamaisdoquemeuegoalter-ado.Trata-seaquideumoutroegoico.

Abipolaridadedoeu,sempreacompanhadopeloeuideal,éarepercussãodapolaridadepulsionalno

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imaginário, indicadaporFreudnos termosdeatividadeepassividadeapartirdagramáticadapulsão.Noespecular,abipolaridadedopar“ver–servisto”nãopodeserpartida,poisestáapoiadanapulsãoescópicanaqualvoyeurismoeexibicionismosãoposiçõesconstitutivasdodesejoparaoOutro.Olhareserolhadoestão sempre juntos, comooobservador eoobservado,o espectador eo ator– eis oqueconfereabasepulsionalaoparqueseformanoespelho.Naverdade,comodizLacan,“tudoqueexistede casal se reduz ao imaginário”. O casal do estádio do espelho, (eu – outro), ocupa o lugar noimagináriodadivisãoescópicado sujeitopresentenaestruturadapulsão.Naconjunçãodoespecularcom o escópico, o eu conserva “a estrutura ambígua do espetáculo que … dá a forma às pulsõessadomasoquistaseescoptofílicas(desejodeveredeservisto)”.

PaixãodamiradaOimaginárioéo registrodapaixão,dopáthos,dopathema.Asestruturasclínicasneurose,psicoseeperversãodeclinamasformasimagináriasdapaixãoindividualdosujeitopelosignificante.Paraalémdoimaginário, está o grande Outro, simbólico, constituído pela linguagem e cujo discurso constitui oinconsciente.Eosegredodogozodaimagemestánoobjetoaemsuamodalidadeescópica:oolhar.

Ocarátervisualdessaexperiênciadoespelhocolocaemcenaumafenomenologianaqualoolharécentral: o espelho e o olhar não são apenas indissociáveis, eles derivamumdo outro.Como atesta aetimologia,miroir(espelho)vemdolatimmirare,quesignificasurpreender-se,espantar-se,estandonaorigemde“admirável”,“admirar”,“miragem”e“milagre”.Emportuguêstemos,porumlado,suaorigemlatinaspeculum, daqualderiva“especulação”,mostrando seucaráter imaginário, e,poroutro lado,overbo“mirar”(olhar)comoemespanhol,emqueoolharsedizmirada.Oolharcomoobjetoanãoseencontranavisibilidadedoespelho.Maséoseusegredo.

Oolhar emcenano estádiodo espelhoéoolhardaquelequevemaocuparo lugardoOutro, porexemplo,amãe.Trata-sedeumolharbuscadopelacriança–aovirar-sedoespelhoprocurandoalgumsinal do lado do Outro. Essa troca de olhares – olhares em uníssono, olhares que ao se cruzaremconstituemumsóolhar–écausadajubilação.OOutroé,naverdade,oespelhonoqualacriançasevêeseadmira,ajustandosuaimagemenquantoeuidealàsreaçõesdeOutroquevemnolugardoIdealdoeu.Trata-se “desse ser que ele viuprimeiro aparecer na formadeumdospais que, diante do espelho, osegura.Aoseagarraràreferênciadaquelequeoolhanumespelho,osujeitovêaparecernãoseuIdealdoeu, mas seu eu ideal, esse ponto em que ele deseja comprazer-se em si mesmo”. Para o sujeito, osaplausosdaquelequeestánolugardoOutrodoespelhoseconjugamcomasatisfaçãoobtidapelacapturanarcísicadaimagemdesejadaeidealizadadesimesmoqueelevêemseureflexo,queéoseueuideal.Oresultadoéajubilação:gozodopalcoacompanhadodaovaçãodopúblico.Eisogozoproporcionadopelapulsãoescópicaquefazentraremcenaoolharcomoobjetoa.

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OgrandeOutro

OgrandeOutrocomodiscursodoinconscienteéumlugar.Éoalhuresondeosujeitoémaispensadodoque efetivamente pensa. É a alteridade do eu consciente. É o palco que, ao dormir, se ilumina parareceberospersonagenseascenasdossonhos.Édeondevêmasdeterminaçõessimbólicasdahistóriadosujeito.Éoarquivodosditosdetodososoutrosqueforamimportantesparaosujeitoemsuainfânciaeatémesmoantesdeternascido.OgrandeOutro,emLacan,seescrevecomainicialmaiúsculaeassimdispensaoadjetivo“grande”,poisjásesabequesetratadoOutro,quesedistinguedo(pequeno)outro.A letra que aparece nosmatemas para se referir aoOutro éA, do termoAutre, em francês. E comomatemanãosetraduz,oOutroésemprereferidocomaletraA,emtodasaslínguasenosmatemasdeLacan.

Aéolugarondesecolocaparaosujeitoaquestãodesuaexistência,deseusexoedesuahistória.AprópriacondiçãodosujeitodependedoquesedesenrolanoOutro,einandererSchauplatz–expressãocomaqualFreudnomeouoinconsciente:aOutracena,oOutropalco.

Freud(1900)extraideFechnera ideiadeumlugarpsíquicoparao inconsciente:“Nocursodeumbreveexamedotemadossonhos,ograndeFechner,emseuElementederPsychophysik,expressaaideiadequeacenadeaçãodos sonhosédiferentedacenadavida representacionalde vigília. Esta é aúnica hipótese que torna inteligíveis as particularidades especiais da vida onírica. O que nos éapresentado com essas palavras é a ideia de uma localização psíquica.”O anderer da Outra cena éelevadoporLacanàcategoriadeconceitofundamentaldapsicanálise:oOutro.

Essepostuladofreudianodeumlugarpsíquiconãoélocalizávelnocérebro–oqueébomfrisarparacombater a ideia dos neurocientistas que continuam até hoje a desenvolver, na prática, as teorias dalocalização cerebral do século XIX! É um lugar simbólico, lugar dos significantes, onde as cadeiassignificantes do sujeito se articulam determinando o que o sujeito pensa, fala, sente e age. Nada dosujeitoescapaaoOutro:suamenteeseucorpo,seusmovimentoseseusatos.Seussonhosesuavigília.

OsujeitoeoOutroO “eu” está para o outro assim como o “sujeito” está para o Outro. O sujeito é determinado pelossignificantes do Outro. A identidade – que é imaginária – do eu vem do outro; mas o sujeito é semidentidade.

O sujeito não temuma identidade própria, ele é tão somente representado por significantes que seencontramnesselugarpsíquicoqueéoOutro,oqualpodeserchamadode“oOutrodosignificante”,“oOutrodalinguagem”ou“oOutrodosimbólico”,ou,ainda,otesouroouconjuntodesignificantes.

EssarepresentaçãodosujeitonoOutronãoéfixa,osujeito($)nãoétaloutalcoisa,eleétãosomenterepresentadoporumsignificante(S)paraoutrosignificante(S’).

Nãosedefineosujeito,aocontrário,pordefiniçãoeleéindefinido,indefinível.Eleé,porexemplo,homem, médico, flamenguista, paulista, de esquerda etc., sendo que cada um desses significantes orepresentaparaoutroououtros significantes: ele éhomemem relaçãoàmulher,ouem relaçãoaumacriança, ou em relação a ummarciano; ele é médico em relação a um engenheiro ou em relação aopaciente; ele é flamenguista em relação a um fluminense ou a todos os times de futebol etc.Assim osujeitovaideslizandodesignificanteemsignificantepeloconjuntoda linguagemquecompõeoOutro.QuandoovelhoSalomondizaPeterPanqueeleéummeninoenãoumpássaroeque,portanto,nãopodevoar,PeterPanpergunta:“Vouseroquêentão?”Arespostapoderiaseraprópriadefiniçãodosujeitodo

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inconsciente: “Você será um nem-isso-nem-aquilo.” Isso não é um alívio, a gente saber que,estruturalmente,nãoestápresoaterquesertaloutalcoisa?Osujeitonão“é”issoouaquilo.Eleéumvazio,umfuronoconjuntodalinguagem,deslizandonascadeiassignificantes.Emoutrostermos,comodizLacan,eleéosignificante“pulado”nasequênciadesignificantesdoOutro.

MasháalgunssignificantesdoOutroquetêmumaforçadedeterminaçãoeseimpõemcomosefossemumaobrigação que o sujeito deveria acatar para se definir. Estes se apresentam comoum “Tu és…”,mortificandoosujeito.Sãosignificantesqueetiquetamosujeitoeaosquaiseleseidentifica,comoporexemplo: Tu és “feia”, “forte”, “garanhão”, “um verme”, “traidora”, “sempre bela” etc. Devemoslembrar,noentanto,quesetratadeidentificaçãoerepresentação,ou,emtermoslacanianos,alienação.OsujeitonãoéaquiloqueoOutroapontaparaele.OsujeitoseencontraalienadoaessessignificantesquesãodoOutro,comolugardoinconsciente.Naanáliseosujeitovaipoucoapoucodescobrindoquaissãoesses significantes e se desalienandodoOutro, abrindo a possibilidadedemais deslizamentosde suaexperiênciasubjetiva.São“identidades”daordemdosemblante,umfazdeconta.

OinconscientecomodiscursodoOutronosindicaquenãosóeleéestruturadocomoumalinguagem,mas que o lugar doOutro equivale ao lugar do código pessoal dos significantes do sujeito.OgrandeOutroéoconjuntodesignificantesquemarcamosujeitoemsuahistória,seudesejo,seusideais–elessustentam suas fantasias inconscientes e imaginárias. Eis a alteridade descoberta por Freud, a qualarrancaosujeitodocentrodopsiquismo,namedidaemqueosujeitonãoéautônomoedeterminante,esim determinado pelo que se desenrola no Outro do inconsciente, que se estabelece como uma“heteronomiaradical”.

O Outro como lugar dos significantes do sujeito é inacessível, a não ser pelas formações doinconsciente–sonhos, lapsos,chistesesintomas–,comodescreveuFreud,quemostramumapresençaalhures,ondesearticulasuaverdadeveiculadaatravésdesuasmentiras.

Eénoretornodorecalcado,atravésdasmanifestaçõesdoinconsciente,queescapamaocontroledoeu,queosujeitoexperimentaessaalteridadequenelesepresentifica.

Aexperiênciadaalteridadesedesdobraparaosujeito,comoLacanpropôsnosanos1950,emooutroimaginário,pardoestádiodoespelho,eoOutrosimbólico,conformeformalizounoesquemaL,comovimosnaseçãoOpequenooutro.

O Outro do discurso do inconsciente jamais está ausente na relação do sujeito com o outro, seusemelhante.ÉoOutrodopactodafalasemprelatente,constituindoumatriangulaçãoqueincidenadíadeimaginária eu-outro. “Sua presença”, diz Lacan, “só pode ser compreendida num grau secundário daalteridade, que já o situa, a ele mesmo, numa posição de mediação em relação a meu própriodesdobramentodemimcomigomesmocomotambémcomosemelhante.”

OIdealdoOutro–I(A)Nooutro,comojávimos,encontra-seoeuideal,noqualseespelhaoeusemnuncaconseguirseigualar,pois ele, o eu ideal, é constituído pelos ideais do Outro, ou seja, pelos significantes recalcados noinconscientequeforamditadoseexigidosqueassimeufosse.

Esseeuidealdoespelhoéformatadopelossignificantesditospelamãe,pelopai,avô, tiaetc.,quedeterminaramo“Tués”dosujeito,eassimoeu temqueseespelharnesseeu idealparaseramadoecontinuar ocupando o posto de Sua Majestade, o Bebê (narcisismo primário, segundo Freud). Essessignificantes são recalcados e constituem o Ideal do eu, que é um Ideal do Outro [I(A)], por serconstituídopelosditosdetodosaquelesqueocuparamparaosujeitoolugardoOutro.OIdealdoeuéoponto de onde eume vejo como amável. É por isso que o sujeito tenta se adequar aos significantesdeterminadospeloOutropelaviadaidentificaçãosimbólica,eoeutentasemoldardeacordocomoeu

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ideal, percebido como outro, através da identificação imaginária. A instância do Ideal do eu é umainstânciasimbólica(poiséconstituídapelossignificantesdoOutro),entretanto,elaredobraasexigênciasnarcísicas do sujeito. Ela é, pois, a instância relativa ao narcisismo secundário. Se na infância onarcisismoprimárioésustentadopelosditosdosfamiliaresmaispróximos,onarcisismosecundáriooépela“introjeção”dessesditos,ouseja,peloIdealdoeuquetomouolugardospais.

O drama do neurótico é que ele sempre encontra um outro que encarna o eu ideal com todos osatributosqueelegostariadetereser,paraseramadopeloOutro.Eaindaporcimaosujeitopersonalizanopequenooutroo lugardoOutro, aquemendereça seuamor,porquemseapaixonae aquemelegecomoparceirodasventurasedesventurasdoamor.Constitui-seassimotrágicodoamor:osujeitoamaequerseramadopeloOutroesesenteameaçadoporumoutro(queencarnaseusideais)rivalqueeletemequeoOutroame.

OOutroéumsolardoamor.Aoarticularafala,olugardoOutroaparece,eesselugarétransferidoaquemendereçominhafala,queétambémminhademanda…deamor.Aofalarmosestamosdemandando.Ademandaésempredemandadeamor:demandadepresença,demandadeprovasdeamor.Eoamordemandaamor.

Afala,aoinstituiroOutrodoinconsciente,faztambémexistiroOutrodatransferência,lugarqueoanalistaéchamadoaocupar.OsujeitoprocuranoanalistaoOutrodoamordoqualesperaumapalavra:deamor,desaber,deatenção…Eassimele“situa”oinconscientenapoltronadoanalista(comoolugardo Outro) porque aí se desenrolam as associações contidas em sua demanda. Não é à toa que asassociaçõeslhevenhamquandoaindaestáemcasa,ouindoparaasessão,equegrandepartedelassedesenrole jána saladeesperaouno trajetodoconsultório.Dessa forma,o sujeito fazexistiroOutrocomolugarencarnadoemalguémquemedia,apaziguaasrelaçõesimagináriaseagressivascomooutro.Daí o grande Outro ser também o Outro do amor de transferência. Mas o sujeito é por definiçãodesamadoe consideraoOutroumdesalmado.Sãoasmulheresquemaisnos ensinamqueoOutrodoamoréumdesalmado,poisnãoescutamdesuabocapalavrasdeamor.Noentanto,oparceironãonosarrancadenossocasamentoestruturalcomasolidão,poissomosseparadosdefatodoOutroeoOutronosfalta.

Poroutrolado,oOutropersonificadosetornaasedeeasededopoder,nosdoissentidos,porqueosujeito,comojádissemos,éalienadoaossignificantesquevieramdoOutrocomasérie“Tués…”.AalienaçãoaoOutrodalinguagemnosdáofundamentodaalienaçãoaoOutrodoamoredatransferência–aconhecidadependênciadoanalista.Assim,osujeitooscilaentreaalienaçãoeaseparaçãoemrelaçãoaoOutro.

OOutroeocomplexodeÉdipoParatodoserhumano,oOutroéotesourodossignificantese,comotal,éprévioaosujeito,éanterioraonascimento.Antesdeviraomundojálhedãoumnome,umsexo,umtimedefutebol,umaprofissão;elejánasceemumadeterminadaclassesocialcomseusvaloresepreconceitosenumpaíscomsuaculturaesua língua – tudo isto constituirá oOutro para ele. Para a criança esse lugar doOutro é inicialmenteocupadopelamãe.Masparaqueoindivíduopossaapropriar-sedossignificanteseexercerumafunçãodesujeitonaordemsimbólicaéprecisohaverainclusãodaLei–oNome-do-Pai–noOutro.EssaLeinãoprecisasersustentadanecessariamentepelopai,ogenitor.Trata-sedeumsignificantequerepresentaparaamãealeiqueproíbequeelapossausaracriançacomoseuobjeto,e,paraacriança,queamãetambém está submetida a uma lei que a ultrapassa. ONome-do-Pai é um significante estruturador detodosossignificantesqueconstituemoinconscientecomodiscursodoOutro.Eleéum“pontodebasta”(ou ponto de estofo) que, dentro de uma linguagem de estofamentos, é o ponto de costura, ao qualgeralmenteseacrescentaumbotão,queamarratodaaestruturadeumaalmofada.

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Lacan resume o complexo deÉdipo em uma operação de linguagem: ametáfora paterna em que oNome-do-Pai(NP)sesubstituiaoDesejodaMãe(DM)comoqualacriançaseidentificacomosendoseuobjetodegozo.

Trata-sedasimbolizaçãodaalternância(presença-ausência)damãerepresentadapelojogodofort-dadescritoporFreud,emqueacriançasozinhanoberçojogalongedesiocarretelamarradoporumbarbante,dizendo“o-o-o-o”(fort–longe),etrazendo-odevoltaparasi,enunciandoa-a-a-a(da–aqui).Nesse jogo de “cadê-achô”, o sujeito opera a passagem damãe ao símbolo desta e situa amãe numalhures (apontado pelo significante do Nome-do-Pai) e cuja ausência se torna possível suportar. Oresultado da metáfora paterna é a inclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro (conjunto dossignificantes) e o acesso à significação fálica (Φ), que permite ao sujeito se situar como homem oumulhernapartilhadossexos.

UmaperdadegozoéconcomitanteaessaoperaçãodeinstauraçãodaLeisimbólica.AintroduçãodoNome-do-PainolugardoOutrobarraoacessodosujeitoaogozoeelenãomaispoderáocuparolugarde objeto do gozo do Outro, a não ser em sua fantasia ($ ◊ a). Assim, o Outro, como lugar dossignificantes, se tornaoOutrocomo lugardaLei.Essaoperação temcomoresultadoa instauraçãodeuma falta, que Freud chamou de castração, que terá como consequência tornar o Outro inconsistente,fazendoLacandizer,comoumparadoxo,que“oOutrofalta”, Issonãoocorrenapsicose,ondenãoháaoperaçãodametáforapaternaeoOutroéconsistente,falaegozadosujeito.(Nãoabordaremosaquiaquestãodapsicose,jádesenvolvidanolivroApsicose,destacoleção.)O que é o que é? – pergunta Lacan. Tem um corpo e não existe? É o grande Outro, pois ele é

composto pelos significantes da linguagem que formam um corpo cuja única materialidade é amaterialidadesonoradossignificantes(aprópriaimagemacústicadapalavraeque,portanto,dispensaseusignificado).Alémdisso,eleéfurado.

OOutronãoconstituiumuniversocompleto,esimfurado–poisfaltaumsignificantequepermitiriadizerqueéumconjuntototalizadordetodosossignificantesdalinguagemou,melhordizendo,deumadeterminada língua. Paradoxalmente ele não existe, pois por ser furado não tem consistência. Noinconsciente,comodiscursodoOutro,semprefaltaumsignificanteúltimoquedariaumsentidoúltimoàvida, à história e às questões do sujeito. Isso faz com que a cadeia significante que compõe oinconscientesejainfinita,poissepodesempreagregarumsignificanteamais,efalar,falar,falar…,e,assim,nãose“pega”esseOutrocujaalteridadeinsiste,masnão“existe”.

OOutrofaltaO Outro, na verdade, é barrado ( ). E a inscrição da falta no Outro do inconsciente tem váriasconsequências:

1)aprimeiraéapossibilidadeparaosujeitodedesalienaçãoaoOutrodosimbólico.Essequemedetermina,me nomeia,me confere atributos inscritos nomeu inconsciente, não tem o significante quedesignameuser.

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2)ofatodeoOutroserbarradootornainconsistenteedaídelemetornoseparadoeindependente.3)sendooOutrobarrado,nãohágarantianenhumadenada.Poisagarantiafalta,faltaatéagarantia

de que o Outro exista, de que o Outro do amor que acolhe minhas demandas exista para responder“presente”.

Oalhures,oinconscientecomolugardossignificantes,éamoradadosujeitocomoser-de-linguagem,oqualétambémser-para-a-falta,poisseeleestánalinguagemestanãooapreende:osujeitoéfalta-a-serporquefaltaumsignificantequeodefina.Eisoprincípiodadesalienação.Osujeitoérepresentado,masnãoéumelementodoOutro.OlugardosujeitoéofurodoOutro.

OsimbólicodalinguagemparaLacannãoéumatotalidade.Assim,nãoháumOutroquelhesirvadeálibi.AfaltadeumsignificantenoOutro,queotornariacompleto,correspondeaomatemaS( ).

E,napsicanálise,quandolemosomatemaS( )comosemálibisignificaquetodotipodeálibiestáriscado.OsujeitoemsuavidaprocuraumOutroemquepossaseancorar:seuamoresuasegurança.MasoOutrofaltaporestrutura,eosujeitoao longodavidasóencontraalgunssubstitutos,emesmoassimjamaisacompletude,poisoOutroéincompletoeinconsistente.AosedepararcomafaltadoOutro,éodesamparo que pode advir, conforme salientouFreud. Ir para alémdo desamparo é o destino de umaanáliseconduzidaatéofim.

Paradoxalmente, é por existir uma falta inscrita no Outro do simbólico, no Outro do amor, que épossível a emergênciadodesejo,queé semprecorrelativoà falta, à castração.Odesejodo sujeito édatado, vinculado, articulado aodesejo doOutro: a interrogação sobre o desejo é sempre relativa aodesejodoOutro.Aquestão“oqueoOutroquerdemim?”écomosearticulaodesejoinconsciente,poisécomoOutroqueosujeitodesejainconscientemente.

Oseusemelhante,pequenooutro,queocupaparavocêolugardograndeOutrodoamor,aosetornarseuobjetosexualéreduzidoaobjetoa.

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Oobjetoa

A terceiramodalidade do outro é o que Lacan considerou nadamenos do que a sua contribuição àpsicanálise:oobjetoa,causadedesejo.Paraquevocêelejaalguémcomoparceirosexualeletemqueconterouestarnesselugardeobjetoparavocê.ÉoobjetoaquesealojanoâmagodoOutrodoamornoqualsetransformouoseupróximo,seusemelhante,opequenooutro,seuamor.Porpossuiroobjetoquedespertaseudesejo,aquelequevocêamaétambémseuparceirosexual–eleviraentãoseuobjetodedesejo.E isso lhedávontadedeolharparaele,ouvirsuavoz,pegá-lo,agarrá-lo,abraçá-lo,beijá-lo,comê-lo,pegarumpedacinhodeleparaguardarcomvocê,entrardentrodele, fazê-loentrardentrodevocê!Eatémesmodespedaçá-lo!Assuaspulsões–sempreparciais–sesatisfazemaoreduziroOutroaumobjeto.Poisoobjetoaéoverdadeiroparceironasexualidade.

Qual é o status do objetoa?Não é um objeto domundo sensível, empírico.No entanto, qualquerobjetodestemundoquesatisfaçaapulsãoecauseodesejoouprovoqueaangústiapodefazerfunçãodeobjetoa.Nãosetratadeumobjetonomeávelenquantotal,poisnãoédaordemdosignificante.Nãoéumobjetoquetenhaalgumaspectotampouco,poisnãoestánovisível.Elenãopodeservistonemfalado,poisnãotemconsistência.Nãotemnemamaterialidadedaspalavrascomseumaterialsignificante,nemaformadosobjetosfísicos,quepodemsermedidosepesados.Elenãoénemsimbóliconemimaginário.Édaordemdoreal.Oobjetoaafetaosujeito.Esuaúnicaconsistênciaélógica.

NaúltimapartedoensinodeLacan,esteosituana interseçãodos trêsanéisdonóborromeano,ouseja,entreoreal,oimaginárioeosimbólico,apontandosuarelaçãocomessestrêsregistros.

O objeto a é envelopado pela imagem (I) e encontramos suas coordenadas na rede simbólica doinconsciente(S)–dessamaneiraeleestánaimagemnarcísicai(a)enafantasia($◊a),tantoafantasiaimagináriaquantoafantasiafundamental.Masseustatusédoregistrodorealcomoobjetocondensadordegozo.

OobjetoasealojanoOutrodosimbólicosemaíestar(pornãoserdaordemdalinguagem).Elenãose encontra no inconsciente como discurso do Outro, pois não é simbólico e, portanto, não é umsignificante.Equivaleaoobjetoperdidocujafaltaestruturaoinconsciente.EleésimultaneamenteíntimoeexternoaoconjuntodesignificantesdoOutro.Éumobjetoêxtimo,poissuatopologiaéadaextimidade– uma exterioridade íntima. Corresponde a um furo do simbólico. Por que Lacan o chama então deobjeto?E por que o nomeia com a primeira letra do alfabeto? Por ser o objeto primeiro, oumelhor,correspondenteaoprimeiroobjetodedesejo.Seráoseio,comodizFreud?Oobjetoaéaquiloatrásdoqualpassamosavidacorrendo.Procuramosaqueleobjetoqueumdianosdeuumasuposta satisfaçãosem igual. É o objeto que viria no lugar do objeto perdido de uma primeira e suposta satisfaçãocompleta.Esseobjetopodetomaraformadeumrabodesaia,umab…,umc…,ump…,umax…,umquê.Masnuncaoreencontramosanãosertãosomenteseussubstitutos,transitóriosefugazes.Bastaumolhar,àsvezesumavoz,eei-lo.Não,elenãoestádevolta,éapenasoecodoquefoiperdidosemnuncaterexistido.Poisasatisfaçãototaldobebêcomoseionumprimeiroencontroéumaconstruçãofictícia.Eleéchamadodeobjetoa,poiséa inicialdeautre,ooutro(comoopequenooutro).Trata-sedeumobjetosempreemalteridadeparaosujeitododesejoqueo“encontra”nopequenooutro,seusemelhante,

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comoaquilodoparceiroquelhedespertaodesejoelhedáprazer.Éaquelapartedocorpodooutroqueosujeitorecortaparagozarna“ralaçãosexual”(termoqueutilizoparadiferenciardarelaçãosexualdecomplementaridadequenãoexiste).

Oobjetoaétantocausadedesejoquantoobjetomais-de-gozar.Comocausadedesejo,correspondeaoobjetoperdido,desdeeparasempre,daplenasatisfação;comomais-de-gozar,éoobjetodaangústiaeobjetoalvo–eefêmero–dasatisfaçãopulsional.

LacandesenvolveoconceitodeobjetoaapartirdoconceitodeCoisa.ACoisaestápresenteno“complexodeoutrem”,oNebenmensch,quecompreendeapercepçãodeum

ser humano que entra no campo de interesse do sujeito e desperta nele o desejo. A partir daí, essecomplexo,dizFreud,sedivideemduaspartes:“…umadáa impressãodeumaestruturaquepersistecoerente [permanece inteira] como uma coisa, enquanto a outra pode ser compreendida por meio daatividadedamemória.”

ACoisaé,portanto,esseelementoqueosujeitoisolanaorigemequeseapresentacadavezqueseuinteresse(sempremarcadopelalibido)édespertadopelooutro.“Oquehabitapróximoàorigemjamaisabandonaolugar”,comodizHölderlin.Osatributosmudam,masháumapequenaCoisa(dasDing,emalemão)queestásemprelá.Oquefazagentedizer,quandosedeparacomalguémquedespertaodesejo:AquelapessoaéumaCoooooisa!ElaéumaCoooooisadelouco!EsseDing!quesoaquandopassaumagarotadeIpanemaacaminhodomar–equefezosujeitoViniciuscomporafamosamúsica–éoqueproporcionaa“coisicidade”desejosaaooutrocomocorpoequeserveaosujeitodeguianocaminhodomardodesejo.

ACoisaditaaleidodesejo.ACoisapsicanalíticaestádoladodorealquenãopodeserapreendidopelo simbólico, como a Coisa descrita por Heidegger, pois não pertence ao mundo dos objetos dasensibilidade.Orealsedistinguedoregistrodoimaginário,namedidaemqueesteúltimoéoâmbitodoeidosvisualeimaginativo:omundodasformas,dasimagens,dosobjetosquepertencemaomundodapercepção.Oimaginárioeosimbólicoconstituem,juntos,arealidadeparaosujeito,paraquemorealécausante,aindaquevelado.OrealdaCoisaestápresentenocomplexodopróximo,oqualsedecompõeemduas“partes”:uma“parte”,variável,écompostadosatributosdopróximo(altooubaixo,gordooumagro, inteligente, …), significantes imaginarizados; e a outra “parte”, imutável e real, está semprepresenteemtodososseuspróximosquecausamoseudesejo.EstaúltimacorrespondeàCoisa.

A Coisa é o primeiro conceito a partir do qual Lacan aborda o real e a topologia do objeto empsicanálise.Trata-se de umobjeto paradoxal, pois não é umobjeto da sensibilidade – corresponde àCoisa-em-si por não ter substância, no sentido kantiano. Sua substância é unicamente episódica econstituídadegozo.Éporele sercircundadopelapulsãoquecorrespondeà recuperaçãodegozo,aoretornodegozoperdidodaCoisa.

O objeto a não está nem no espaço nem no tempo, que são formas puras da intuição, segundo ametafísicakantiana.Podemos,contudo,atribuir-lheacategoriadecausalidade,nãoacausalidadenaturalligadaaotempo,masumacausalidadecomoadaCoisa-em-si:umacausalidadelivre,quefazcomqueoobjetoanãosejacausado,massejaelemesmocausa,causadodesejo.

Oobjetoadefinidopelacategoriadacausalidadenãoéumobjetofenomenal.Éemrelaçãoaodesejo(e,porconseguinte,emrelaçãoaosujeito)quesedefineoobjetocomocausa:objetoquecausaodesejoparaumsujeito.Issosignificaqueoobjetoanãoéumobjetododesejo(noqualodesejoincide),queésempreumdosobjetosdomundosensível,masseencontranaorigemdeste–oobjetoasediferenciadoobjetododesejo,maséelequeotornadesejante.

O dispositivo da técnica analítica inventado por Freud permite-nos efetuar, usando o artifício datransferência, uma experiência na qual existe a oportunidade de o sujeito apreender as coordenadas

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simbólicasdoobjetoa, assimcomoa consistência lógicadesseoutroque causaodesejo e incidenaorientaçãosubjetiva.

OobjetodapulsãoO postulado fundamental da psicanálise sobre o objeto perdido do desejo se conjuga com aimpossibilidadedesatisfaçãocompletadapulsão.Estanãopodeatingiroobjetoquepoderiasatisfazê-la,poiseleestá,pordefinição,estruturalmenteperdido.Osobjetosqueelaencontraparasesatisfazer,comoo seio,por exemplo,odedoouumachupetaparaapulsãooral, são sempre substitutos,Ersatz,desse objeto queumdia, comoummito, traz umaprimeira satisfação.Mas isso nãoquer dizer que apulsãonãosesatisfaça,pelocontrário,apulsãoestásempresesatisfazendo.Como?Atravésdoobjeto.Qual,seoobjetodasatisfaçãoéperdido?

Oobjetodapulsãoé,dizFreud,“acoisaemrelaçãoàqualouatravésdaqualapulsãoécapazdeatingirsuafinalidade.Éoquehádemaisvariávelnumapulsãoe,originalmente,nãoestáligadoaela,sólhesendodestinadaporserpeculiarmenteadequadoatornarpossívelasatisfação”.Oobjetonoqual(oupeloqual)apulsãosesatisfaz,portanto,éindiferente,porqueseuobjetooriginárioestáperdido.Ésuafaltaquecondicionaavariedadedeobjetosdesatisfaçãopulsional.

Os objetos pulsionais se declinam segundo as pulsões, ou seja, em objeto oral, objeto anal, olhar(paraapulsãoescópica)evoz(paraapulsãoinvocante).Comopodemosperceber,Lacanacrescentaoolhar e a voz aos objetos freudianos das pulsões ditas parciais. Essas quatromodalidades do objetopulsional correspondem às quatro “substâncias episódicas” do objeto a. É esse objeto que o sujeitobuscanoOutroparasatisfazersuapulsãoque,conjugandoatividadeepassividade,sedirigeaoOutroeretornaaosujeitotrazendosatisfação.

Damesma forma que a experiência de satisfação é descrita por Freud como suspensa ao outro nocomplexodopróximo,apulsãosórealizaseuitineráriodeidaevoltapelaintervençãodooutro.

Oobjetoemtornodoqualapulsãodáavoltanãoestádoladodosujeito,esimdoladodoOutro.Não há, segundo Lacan, “acesso ao Outro do sexo [oposto ou mesmo] senão através das chamadaspulsõesparciais,ondeosujeitobuscaumobjetoquelhereponhaessaperdadevidaquelheéprópria,porelesersexuado”.ÉapulsãoquepromoveareduçãodoOutroaumparceirosexualdoqualsegoza.

Asquatromodalidadesdoobjetoa,relativasàspulsõesoral,anal,escópicaeinvocante,serepartemdeformadiferenteemrelaçãoàdemandaeaodesejo.ÀpulsãooralcorrespondeademandaaoOutro,cujoparadigmaencontramosnobebêquepedeoseioàmãeparamamar.ÀpulsãoanalcorrespondeademandadoOutroaosujeito,cujoparadigma,tambémfreudiano,éamãesolicitandoasfezesàcriançacomo um “presentinho” na fase de educação das necessidades. Esses dois objetos são objetos quecirculamnademandapodendoserdemandados–elesentramnaordemdosignificante.Nãoéocasodosdoisoutrosobjetosquenãosãoobjetosdademandaesimdodesejo.

Oolhar,objetodapulsãoescópica,éoobjetodedesejoaoOutro,desejoparaoOutro.Noâmbitodaatividadedapulsãoescópicaestáofazer-severpeloOutro,eassimosujeitosedáaver,seexibeparaoOutro:serolhadoseencontranoobjetivofinaldapulsãovoyeurista-exibicionista.Daí tratar-sedeumdesejoparaoOutro,queconvoca,portanto,oseuolhar.

Oolharéesseobjetoefêmero,evanescente,quenãoseapreendeequeemergequandodoisolharesseencontrameo sujeito se sente simultaneamenteolhandoe sendoolhado.Comodizamúsica:esse seuolharquandoencontraomeu faladeumascoisasquenãopossoacreditar!Mas tão logo surge, tãologoseesvanece.Esseolharsemantémeéconsistentenocasodaparanoianodelíriodeobservação,quando o sujeito se sente olhado na rua pelos transeuntes ou mesmo em sua casa, por câmeras“escondidas”,ouporvizinhosqueovigiam.

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Avoz,comoobjetodapulsãoinvocante,éobjetododesejodoOutro.Nãosetratadavozdosujeito,esimdavozquevemdoOutro.Nãoéavozquesaiquandovocêfala,esimavoznaqualvocêéfalado.AquiosujeitoéoobjetodavozdoOutro.Comoelasemanifesta?Paradigmaticamente,éavozdamãeque embala o bebê desde o útero, nina para fazê-lo dormir, canta durante o banho, inventamúsicas ecançõesnahoradecomeretc.Essavozéumavozperdida,comoobjeto,queosujeitoreencontranosoutrosquesetransformamemparceirossexuaispormaistransitóriosquesejam.Éavozdooutro,quequando você encontra o faz tremer ou ficar excitado. Você se deleita com amusicalidade da voz doparceiro sexual.Napsicose, avoz comoobjetonãoestáperdida eo sujeito está submetidoa elanasalucinaçõesverbais.Opsicótico revelaqueessavozéavozdoOutro (personificadanodelírio),quefaladeleeparaele.NapsicoseoOutrocontémoobjetoa–sobaformadevoze/oudeolhar.NelaoOutronãoébarradoeoobjetoa nãoémarcadopela castração.DaíLacandefinir aparanoia emseuseminárioR.S.I.como“umolharquesonorizaumavoz”.

Nossa sociedade audiovisual utiliza essas duas modalidades de gozo – das pulsões escópica einvocante – para provocar o desejo e fazer gozar, como nos contatos eróticos por internet, Skype etelefone.Nessesartifíciosocorre,semapresençafísicadooutro,acirculaçãodesseoutroradicalqueéo objeto a – pulsátil como as ondas invisíveis que constituem a nossa atmosfera, ou melhor, nossa“aletosfera”feitadeobjetosquesecolocamcomoverdadeiros(dealethea–averdade,emgrego).

i(a)O desejo sexual pelo parceiro tem um fundamento narcísico devido ao valor de objeto precioso(agalma),olharqueétransferidoàimagemnoespelho.Essaimagemdooutrocomseucorpoeatributosfísicoséexcitante,porqueelavelaoobjetoolharcausadedesejo.É,pois,umengodo,jáqueaimagemvisível escamoteia o objeto invisível que lhe confere deslumbramento e charme. O véu narcísico dáconsistênciaimagináriaaoobjetoaqueéinconsistente,esótemconsistêncialógica.Dentreosobjetosdomundosensível,ooutro,osemelhante,éumobjetododesejo,poissuaimagemcontémevelaoobjetoa[i(a)].

Aescolhadooutrodapaixãoamorosaésubmissaàgradenarcísica,apontandoqueoamoréprodutoda confusão entre libido de objeto e libido do eu.No amor, a escolha do objeto é sempre aomesmotemponarcísica,porserfeitaàimagem(i)eàsemelhançadoeu,eobjetal(a)porconteroobjetoa:poisaíseencontraemjogotantooimagináriodoespelhoquantooobjetopulsional,comoépossívellernomatemai(a).ApartirdeLacan,podemosdizerquenãohádiferençaentreescolhanarcísicaeanaclítica–comoFreudpostularaemseutextosobreonarcisismo–,umavezqueambasestãojuntas.

Háumrealdegozodoobjetoaqueencontramosnobrilhodoolharqueé transferidoà imagemdoobjeto desejado e na voz da música de sua fala, que basta ser emitida para que você se excitesexualmente.Esserealdogozo,quecorrespondeàsatisfaçãopulsional,seencontratambémpresentenoâmbitodaoralidade,aobeijar,chupar,mamar,comer,beber,fumareatémesmosedrogar;enoâmbitodaanalidade,noprazerpropriamenteanaldedefecareserpenetrado,comosuasmetáforasdeexpulsão,corte, explosões de ira, evacuação, sujar e também de retenção, avareza, economizar, limpar etc. Osobjetosapropriamenteditoscorrespondentesàspulsõesoraleanalnãosãoexatamenteoseioeamerdaquesão,noentanto,seusparadigmas,esimonadaparaoobjetooraleametáforaparaoobjetoanal–podendoaíserutilizadoqualquerobjetoquesatisfaçaessaspulsões.

EntreEroseTânatosAsatisfaçãodapulsãoéparadoxal,poiselaexigeumasatisfaçãoconstanteque,noentanto,éimpossíveldevidoaostatusdoobjetoperdido.Apulsãojamaissesatisfazinteiramente,poisrespondertotalmenteàexigênciapulsionalimplicaogozototal,amorte.

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Oparadoxodasatisfaçãopulsionaldosneuróticosencontrouseufundamentonosanos1920,atravésdoconceitodepulsãodemorteesuaassociaçãocomEros.Freuddefiniuo“desprazerneurótico”como“umprazer quenãopode ser sentido como tal”.Háumprazer nador, quepode ser identificadopelotermoGenuss, a ser diferenciado do prazer (Lust). O termo gozo, proposto por Lacan, engloba asatisfaçãopulsionalcomseuparadoxodeprazernodesprazer.Oconceitodegozoimplicaaausênciadebarreiraentreoprincípiodeprazereseupara-além.Entreosdoisháumcontinuum,nãoumasoluçãodecontinuidade.Apulsãodemortesemisturacomaspulsõessexuaiseexigesatisfação.Elalevaosujeitoàprópria destruição, justamente em seu caminho da busca do gozo pulsional. Apesar de a inclinaçãoagressivaserumadisposiçãoautônoma,origináriadoserhumano,apulsãodemorteestáintricadacomaspulsõessexuais,comomostramosadismoeomasoquismo.

OobjetodapulsãoseencontranainterseçãodeEroscomapulsãodemorte,namedidaemqueéumobjeto visado pela pulsão sexual que representa, no entanto, o irrepresentável do sexual na pulsão, osilênciodapulsãodemorte–eleé,assim,um“objetocondensadordegozo”,comoonomeiaLacan.

Ao reduzir o Outro a um objeto de seu gozo, a pulsão visa saciar o impossível de um gozo sementraves a despeito da Lei. O próximo, transformado em objeto, e que a pulsão busca enlaçar, écertamenteumobjetosexual,masnãosó,pois,segundoFreud,eleé“tambémalguémemquemsetentasatisfazersobreeleasuaagressividade,…humilhá-lo,causar-lhesofrimento, torturá-loematá-lo”.Ooutroé,portanto,objetodapulsãodemorte.

Osujeitopodedestruirooutro,seusemelhante,paragozar.Masnãoéprecisochegaraessehorrorparaseobterprazersexual!Aparticipaçãodapulsãodemortenasexualidadesemanifestanabuscaeapreensãodoobjetosexual–quevaidesdeapaqueraatéa“pegada”nacama,ouseja,na“atividade”dapulsão.Entretanto,nasexualidadeestápresentetambémapassividadesexual,que,defato,émuitoativa,poissemanifestadesdeofazer-sepaqueraratéofazer-sepenetrar.Asmulheres,principalmente,sabemoquantoéativoetrabalhosofazer-sedeobjeto,nãoémesmo?

Aatividadedapulsãoestáno fazer-se,poisemtodapulsãoencontramosacircularidadecontidanopar passividade-atividade: ver e ser visto; comer e ser comido; evacuar e ser evacuado; ouvir e serouvido.Nofinaldocircuitopulsionalestáofazer-seolhar,fazer-secomer,fazer-seevacuarefazer-sevoz.Eo sujeito se tornaentãoequivalenteaoobjetoa ($≡a).Eis por que este é o status do ser dosujeito–comoelevemaomundo–,ouseja,comoobjeto.Oobjetoa,retificaLacannoSeminário20,Mais,ainda,éantesumsemblantd’être–simulação,semblantedoser.Pormaisoutroquesejaoobjetoaemsuaradicalidadedealteridade,éonde“penduro”meuserdesimulação.

Nafantasia,osujeitoseencontraemrelaçãocomoobjetoa–emconexãoedisjunçãocomele($◊a).Osujeitoestánosdoispolosda fantasia:oracomosujeito fazendodooutro seuobjeto;oracomoobjetodoOutroqueapareceentãonolugardosujeito.Sendoassim,afantasiamostraquetodomundoébipolar:sujeitoeobjeto.

Esseoutroqueéparavocêoobjetoaquesatisfazsuaspulsõeséoobjetodesuafantasia,atravésdaqualvocêapreendearealidade.Eseesta lhe interessaéporqueosobjetosoutrosestãoaí instigando,provocando,causandovocê.MasparaoOutrovocêtambéméumobjeto,poisessaéacondiçãoparaser

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desejado,eissopodecausarangústia.

OobjetoéosupereuOobjetoaéoobjetocausadeangústia.EstasurgequandoafaltafaltaeemseulugaremergeapresençadeAlgoqueameaçaosujeito–queoameaçacomoumobjetodoOutroqueoolha,queopune,queodeseja a ponto de tomá-lo, comê-lo, utilizá-lo, em suma, gozar do sujeito a seu bel-prazer.Corresponderia,porexemplo,imaginaLacan,aoquesentiriaumlouva-a-deusmachodiantedalouva-a-deus fêmea que o matará após a relação sexual. Nessa posição de objeto do Outro o sujeito estáidentificadoaoobjetoa: ele é idêntico ao olhar que o vigia, à voz que o xinga, ao objeto oral a serdeglutido,aodejetoaserjogadofora.Oobjetoaétambémumdosnomesdosupereu:oolharquevigiaeavozquecritica.TemosnessesdoisúltimosobjetosasduasfunçõesdosupereuapontadasporFreud:afunçãodevigilância,comaqualmedeoeuemrelaçãoaoIdealdoeu,eafunçãodecriticá-lo,corrigi-loexingá-lo,dizendo-lhe“sejaassim”e“nãosejaassim”.

Essasfunçõescontidasnosobjetosolharevozsãotambémencontradasemnossasociedadeatual,queéumasociedadedevigilânciaedeimperativoscategóricoscadavezmaisexplícitos.Sorria,vocêestásendo filmado!Não importa sehá efetivamenteounãoumacâmera filmando-o, a própria frase já fazemergirumolharvisandoosujeito.Háumabigbrotherizaçãodenossasvidaspromovidapeloempuxo-à-famaeaodar-seaverprópriodenossasociedadeescópica.Sejaumhomemdesucesso,saudável,rico,bem-resolvido,ecologicamentecorreto!Avozdosupereunãocessadedizerotempotodocomodevemosser,comodevemospensar,agireatésentir–conformeapresençapoluentedetantoslivrosdeautoajuda testemunha. Eis algumas das formas com as quais nossa civilização atual se apropria daestruturadesseoutropulsionalqueéoobjetoa.

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Ooutrodolaçosocial

Vamosparaarealidadesocialnaqualvivemos.Vocêsedeparacompessoasqueconhecebem,maloudesconhece,ecadaumadelaséumoutrocomoqualserelacionaemumadeterminadasituaçãonaqualaatitudedecadaumémaisoumenosesperada.Nessacircunstância,vocêestabeleceumlaçosocialcujoslugaresjáestãopredeterminadosemnossasociedadeequeseresumemadoisquesãoocupados,cadaum,porumindivíduo,independentementedosexo,daidade,daclasseeconômica,dograudeinstruçãoetc.Essevínculoéestruturadosempreporumparcompostodeumagenteedeumoutroquenãoestãoemuma relação de simetria.O agente é dominante e o outro é dominado. Para haver laço social nãoexiste um sem o outro, como, por exemplo, no vínculo entre patrão e empregado e na relação entreprofessorealuno.

Apredeterminaçãodolaçosocialéestabelecidaetransmitidadegeraçãoemgeraçãoaosagenteseseusoutros,garantindoamanutençãodoslaçosemumasociedade,poisohomeméumsersocialquenãoprescindedooutroecriaregrasecondutasdeconvivênciacomfinalidadesespecíficas.Nossarealidadesocial é enquadrada pelos laços sociais que Lacan chama de aparelhos de gozo, uma vez que essesvínculospromovemumesvaziamentodegozoaoestabelecermaneirasconviviaisderelaçãocomooutro.Semesseenquadramento,queéculturale,portanto,simbólico,a inclinaçãodohomemétratarooutrocomo seu objeto de gozo e nele saciar suas pulsões erótica e demorte, conforme vimos na seçãoOobjetoa.

Acivilização,nosindicaFreud,exigedosujeitoarenúnciapulsional,semaqualelenãopoderiaestarem sociedade com o outro. Para Lacan, trata-se de uma “canalização” ou, em outros termos, de umenquadramentodogozo,deumesquadrinhamentodocampodogozopeloslaçossociaisqueocompõem.Os laços sociais são compostospelogozoque a linguagem limita e enquadra, sendo esta responsávelpeloestabelecimentodovínculoeporsuamanutenção, impedindo,dessaforma,suaruptura.Devidoaessa característica linguageira – que não passa necessariamente pelas palavras faladas –, Lacandenominaos laços sociaisdediscursos. Pois, de fato, eles se sustentam e equivalem aos discursos –narrativas,descrições,coordenadas,regras,normas–quesetecemsobreeles.

OsdiscursosOsdiscursoscomolaçossociaiscompõemo“campodogozo”,queseencontraparaalémdocampodalinguagem,nãodeixando,noentanto,depertenceraeste.

Odiscursoinstaurarelaçõesfundamentaiseestáveismedianteoinstrumentodalinguagemnocampodogozoapartirdeumasériedeenunciadosprimordiaisquedeterminamaquelelaçosocialespecífico.Trata-sede“umdiscursosempalavras”,pois,segundoLacan,“nãohánecessidadedeenunciaçõesparaque nossa conduta, nossos atos, eventualmente se inscrevam no âmbito de certos enunciadosprimordiais”.Éumdiscursocujosenunciadosnemsempresãoexplícitos,masqueprescindemde falaparaatuar.

Odiscurso,comolaçosocial,fundaumfatoestabelecendovínculoentreaquelaspessoasconcernidas.Aeducação,por exemplo, éuma formade laço social emque, ao seestabelecerumasaladeaula, játemospredeterminadoqueexisteumarelaçãoentrealguémqueensina–oagente,queéoprofessor–ealguémqueéooutro–oaluno,queéensinado.Nãoénecessáriodizernadasobreisso.Mastampoucoasaladeaula énecessáriaparaqueesse laço social–queLacanchamadediscursouniversitário– seestabeleça.Bastaumato!Oatoquedeterminao laçoé sempreodoagentedodiscurso,poisoatoé,segundoLacan,umdizerquefundaumfato,nocaso,umfatodediscurso,oprópriolaçosocial.Esseato,ao se dirigir a um outro, imprime o fato daquele discurso, como, em nosso exemplo, o ensino, eestabeleceoparprofessor-aluno.

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Os tipos de laços sociais não são em número ilimitado. Lacan conta cinco cujos paradigmasencontram-senosseguintesparesdeagente-outro:osenhoreoescravo;oprofessoreoaluno;ahistéricaeomédico;oanalistaeoanalisante;amercadoriaeoconsumidor.AcadaumLacanpropõeumnome,respectivamente:discursodomestre (senhorouamo);discursodouniversitário;discursodahistérica;discursodoanalista;discursodocapitalista(oqual,paraLacan,éenãoéumquintodiscurso,poiseleéuma derivação do discurso do mestre). Parece pouco haver apenas esses laços sociais, mas, aodesdobrarmosaestruturadecadaum,vemosquenãoépouco,poiscadaumdelesnãoseresumeaseuparadigma,queéapenasumcasodeumdeterminadotipodelaçosocial.

Esses laços não são, evidentemente, fixos; o sujeito circula por eles. Paradoxo: nem todorelacionamentoseenquadranumlaçosocial.Oamorestáforadolaçosocial.Poisnãoháumdiscursosobreoamorquepossapredeterminarumrelacionamentoafetivo.Nãoháenunciadosprimordiaisqueestabeleçamasmínimasregrasdecondutaedeexpressãodoamor,pormaisqueasociedade,comseusinteressespróprios, tenteestabelecerumguiadoamoresuasformasdeexpressão,propondocontratoscivis–comocasamento,uniãoestável–oucomemoraçõesdebodasdepapeladiamante,semcontarafatura nos bolsos dos comerciantes no Dia dos Namorados. O amor está fora do discurso. O amorpermanece sem enquadramento possível – o que não quer dizer que o casal não entre e circule pelosdiscursos existentes, fazendo o outro de escravo, comandando, ensinando, provocando, dividindo,fazendofalaresevendendo.Oamor,assimcomoapsicose–ondefaltaoNome-do-Pai,queestruturaoregistrosimbólico–,nãoestánolaçosocial.

OsdiscursoscomolaçossociaisdeLacanestãoemcorrespondênciaaoqueFreudnomeoucomo“asprofissõesimpossíveis”:governar,educarepsicanalisar.Elessãoumapropostadeformalizaçãodessasmodalidades de vínculo entre as pessoas.Governar equivale ao discurso domestre (DM); educar, aodiscurso universitário (DU); e psicanalisar, ao discurso do analista (DA).E acrescentoumais dois: ofazerdesejar,queequivaleaodiscursodahistérica(ouhistérico)(DH);eofazercomprar,dodiscursocapitalista(DC).Mesmoquenãosediganada,nomomentoemqueseestáemumarelaçãocomoutrapessoa,seestáinseridonumdessesdiscursosemqueosatosimportammaisdoqueaspalavras.

OslugareseoselementosEm sua formalização, Lacan propõe fórmulas ou matemas para se pensar esses laços, nos quaisencontramosquatroelementosequatrolugares.

OsmatemasdosdiscursosElementos:S1,S2,$,a

S1(poder),S2(saber),$(sujeito),a(objetomais-de-gozar)Lugares:

Resumindo,opoder,osaber,osujeitoeogozoestãopresentesemtodasessaspráticas,porém,demodos distintos. São laços sociais estruturados em torno da relação do agente e de seu outro (oparceiro),revelandoa“verdade”apartirdaqualcadaagenteseautorizaaagir,einscrevendooqueéesperadoqueocomandado,ooutro,produza.

O S1 é um significante que pode funcionar sozinho, representando o poder de comando que lhe é

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próprio.Em todososdiscursosele temesse sentido–oquevaria équemoencarna.Nodiscursodomestre é o governante, nodiscursouniversitário é o autor (a referência), nodiscursoda histérica é omédicoouomestre,nodiscursocapitalistaéocapital,enodiscursodoanalistaéoúnicolaçoemquesedesvelaqueopoderédoprópriosignificante,queaíestácomoumsignificante-mestre“desencarnado”quecomandaasidentificaçõesdosujeito.

O S2 não representa aqui um segundo significante, e sim a rede de todos os significantes que searticulamemumsaber.Essesaberéencarnadopeloescravoouosubordinadonodiscursodomestre,epeloprofessornodiscursouniversitário.Trata-sedosaberteóricooupráticoproduzidopelomestreoupelomédiconodiscursodahistérica;enodiscursodoanalistaéosaberquesustentaoatoanalítico,ouseja,aquelequeoanalistaadquiriueelaborouapartirdesuaexperiênciaanalítica,dapráticatextualedocasoqueestáconduzindo.

OS1eoS2sãoosagentesdosdiscursosdadominação,oDMeoDU,poisseusagentesutilizamapropriedadedecomandoprópriadosignificante.Osdoiselementosquenãosãodaordemdosignificantesãoosagentesdosdiscursosdoavessodadominação:osujeito($)comofalta-a-sernoDH,eoobjetoaforadosimbóliconoDA.

Osujeito,“significantepuladodacadeia”,éoefeitodaarticulaçãodossignificantes,ouseja,éaquelequenãotemidentidadeprópria,anãoserdividido.$éosujeitonãoidentificado;suaidentificação(S1/$)aparecenoDM.Étambémosujeitoqueseexpressadivididonosintomaendereçadoaummestre,comonoDH.EnoDUeleéosujeitorevoltadoesintomatizado,aosertratadocomoobjeto.NoDCeleéoconsumidor,oquevaiconsumiramercadoria–osobjetoslançadosnomercado–produzidapelatecno-ciênciafinanciadapelocapital.NoDAooutroéosujeitodafala,dodesejoedaassociaçãolivrequeseexpressapelabocadoanalisante,eaofazê-loproduzasuadesidentificação

Oobjetoa éomais-de-gozar que, emcadadiscurso, temuma significação.ÉoobjetopreciosoeagalmáticodoDM;oalunonoDU(sobreoqualincideumsaber);oobjetoquesustentaaverdadedaprovocaçãodosujeitodirigidaaomédiconoDH;enoDCeleéamercadoria,objetoqueLacannomeiadegadget,produtoqueasociedadedeconsumovendecomosefosseoobjetodedesejodoconsumidor.No DA, trata-se do objeto que causa o desejo, objeto da fantasia cujo semblante é sustentado peloanalista.Ficaevidenciadoque,naanálise,oanalistanãoestácomosujeito,esimcomoobjeto.

Oquecaracterizacadadiscursoéaquiloqueestánolugardoagente,queéolugardosemblante,ouseja, aquele que vai fazer de conta de agente, vai representar esse papel. Neste lugar está o que empoesia,segundoJakobson,sechamadeadominante:elementoquegoverna,determinaetransformatodososoutroselementos.NoDMadominanteéalei,noDHéosintoma,noDUéosaber,enoDAéomais-de-gozar.Adominanteexercediretamenteasuainfluênciasobretodososoutroselementosdodiscurso.Assim,oquecaracterizaaaçãodegovernaréalei;doeducar,éosaber;nocasodahisteria,ouseja,dofazer desejar, é a divisão do sujeito expressa no sintoma; e o que domina o discurso do analista é oanalistacomosemblantedeobjetoacomseudesejo,poiséelequemdirigeotratamento.

OoutroeoatoQueméooutroemcadalaçosocial?Ooutrodomestre/senhoréoescravo.Ooutrodosaberéoobjeto.Ooutrodosujeitoéomestre.Ooutrodoobjetoéosujeito.Tododiscursoquetrataooutrocomoobjetopode,portanto, ser chamadodeDU:aqueleque trataooutrocomoummestree senhoréoDH,e, aotratarmos o outro como um comandado que tem a técnica e sabe fazer determinada coisa para nós,estamosnoDM.Odiscursodoanalista,DA,éoúnicolaçosocialquetrataooutrocomoumsujeito.

Eisosmatemasdosquatrodiscursos(emseguidaabordaremosoDC).

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Osquatrodiscursosdeterminamquatrodistintasformasdeato:oatogovernamental,oatoeducativo,oatohistéricoeoatoanalítico.Cadamodalidadedeatoécaracterizadaporseuagente:alei,osaber,osintomaeoobjetoa.Oquecaracterizaumgovernonãoéoquedizemospolíticos,massimseusatos.Oato de educar é o tratamento do outro objetivado pelo saber: o que pode ocorrer na sala de aula, naadministração,namesadobar,noconsultóriodoanalista.Osettingpsicanalíticonãodefineodiscurso,aspalavraspronunciadastampouco,esimoato.Oatohistéricoéfazerdesejar,oquemostraalgoquetodos vivemos, ou seja, que cortejar, seduzir, atrair,azarar faz laço social.O ato é sempre histéricoquandoproduznooutroodesejo,inclusiveodesejodesaber,epromoveaverdadedogozosexual.Oatoanalíticoocorrenesse laçosocial inédito,noqualsãopromovidasasdesindentificaçõesaos ideaisdoOutroealibertaçãodosujeitodopodermortíferodaspalavrasqueodeterminaram,poisoatoanalíticodesalienaosujeito.

NoDMquemocupaolugardoagenteéquemtemopoder,comoogovernante,opatrão,ochefequeserelacionacomosseus“outros”:ogovernado,oempregado,osubordinado.Ogovernanteaqui–pormaisquedigaqueestárepresentandoopaísouaempresaouarepartição–,naverdade,autoriza-seapartirdesuasubjetividade,poispor“baixo”deseucargoháumsujeito($no“lugar”daverdade).Emseuatodegovernar,comandar,darordens,eleesperadeseusubordinadoaproduçãodealgo,comoumobjetoouumatarefaquelhesãopreciosos:umatarefa,amanufaturadeumprodutoqualquer,umacomidabem-feita,umaroupa,umapeçadecarronumafábricaetc.representados,nestematemadodiscursodomestre,peloobjetoa.

Oeducador,noDU,seautorizadoautor,dabibliografia,paraimporosaberaooutro(oestudante)objetivado,etemcomoresultado,pormaisparadoxalquepossaparecer,umrevoltado,umcontestador,umcara-pintada.ODUétambémolaçoqueconstituiaburocracia,noqualoburocrataseautorizadeumaregra(S1)paramandarnofuncionário.Oanalista,emseudiscurso,oDA,seautorizadosaberdoinconsciente para obter do sujeito-analisante sua pura diferença, sua particularidade: o significante-mestre de sua identificação primordial. O desejante, no DH, que também podemos chamar de “oprovocante”, seautorizade seugozo impelindoooutro, elevadoàcategoriademestre, aproduzirumsabersobresuaverdadesexual.

Assim,háumefeito,ou“produção”,provocadoporcadalaçosocial.NoDMsãoosobjetosdegozofabricados,manufaturados,quesaemdasfábricas.ODUproduzosujeitodividido($)queserevoltaousintomatizaaosertratadocomoobjetoa.NoDHéosaber(S2)queomestre(S1)fabrica,oquefazLacanapontar a afinidade da ciência com o DH. E no DA, o sujeito ($) produz o significante de suasingularidade–seussignificantes-mestres.

Nossasociedadeseestruturacomoslaçossociaisdadominaçãoeseusavessos:oDAéoavessodoDMe oDHé o avesso doDU.ODH faz objeção ao totalitarismoperverso do saber, pois coloca osintoma como agente e faz obstáculo a continuar a obedecer ao burocrata do saber. ODA desvela ahipocrisiado“S1encarnado”quefazfunçãodemestreesenhor,mostrandoqueomestreéosignificante.

OdiscursocapitalistaAindaháumterceirotipodelaçosocialdadenominaçãoousoberaniaquehojeéprevalente:odiscurso

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docapitalismo ,emqueooutronãoénítido,jáque,naverdade,éumdiscursoquenãopropõeolaçosocialdosujeitocomooutro,esimcomumobjeto(a)fabricadopelaciênciaetecnologia(S2).Aquiosujeitoé reduzidoaconsumidor,eoobjetocausadeseudesejoéumgadget–eisooutrododiscursocapitalista.Osaberéodaciência/tecnologia;eoS1,osignificante-mestre,istoé,opoder,édocapital.

Odiscursocapitalista,efetivamente,nãopromoveolaçosocialentreossereshumanos:elepropõeaosujeitoarelaçãocomumgadget,umobjetodeconsumocurtoerápido[$ a].Essediscursopromoveumautismoinduzidoeumempuxo-ao-onanismo,fazendoaeconomiadodesejodoOutroeestimulandoailusãodecompletudenãomaiscomumapessoa,esimcomumparceiroconectáveledesconectávelaoalcancedamão.

A sociedade regida pelo discurso capitalista se nutre pela fabricação da falta de gozo, ela produzsujeitos insaciáveis que, em sua demanda de consumo, nunca conseguem comprar tudo o quesupostamentedesejam.Promoveassimumanovaeconomialibidinal.Poroutrolado,aocolocaramais-valianolugardacausadodesejo–fazquererganharsempremais–,essasociedadetransformacadaumnum explorador em potencial de seu semelhante para dele obter um lucro de um sobretrabalho nãocontabilizadoequerertirarvantagememtudo.Valetudoparafazerconsumircadavezmaisosobjetosproduzidospelocapitalismocientífico-tecnológico.

ODCfabricaumsujeitoanimadopelo“desejocapitalista”einterpretasuafaltaestrutural,falta-a-ser,emfalta-a-ser-rico;eafalta-de-gozoseinscrevecomoafalta-a-ter-dinheiro.Produz-se,assim,osujeitodescapitalizado.OresultadodissoéqueoDCproduzosujeitoinadimplente,osujeitodadívidaeterna:internaeexterna.

OdiscursodocapitalistanãoéreguladoreinstituintecomooDM,eleésegregador.Aúnicaviaparatratarasdiferençasnasociedadecientífico-capitalistaéasegregaçãodeterminadapelomercado:osquetêmounãoacessoaosprodutosdaciência.Éumdiscursoquenãoformapropriamentelaçosocial,elesegrega–daíaproliferaçãodossem:terra,teto,emprego,comidaetc.

Nosdiscursosdadominação,osignificanteseencontradoladodoagentedominador.NoDM,quandoo agente do discurso (S1) é encarnado por um ditador, temos a Eucracia; o DU corresponde àBurocracia,ondequemdominaéosaber(S2);eoDCéaCapitalcracia,ondeocapital(S1)manda.NoDH e no DA, avessos dos discursos da dominação, o agente que domina escapa ao significante:respectivamente,osujeito($)eoobjetocausadedesejo,seumais-de-gozar(oobjetoa).Destarte,noDHtemosaSintomocraciaenoDAaa-cracia,ondesetratadogovernodea(mais-de-gozar)–quesedesvela como impossível de governar, pois esta forma de laço se encontra, segundoLacan, no “poloopostoatodavontadededominar”.Eleconstituiasaídadodiscursocapitalista,peloesvaziamentodosimperativosdegozo.

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Heteros

A quinta modalidade do outro é o Outro gozo referido por Lacan ao gozo que se encontra no ladofemininodapartilhadossexos.EsteOutrogozoétributáriodopastout,onãotodo,queelequalificacomotermoHeteros.EsseOutrogozoéderivadodeumalógicaoutradiferentedalógicafálicaqueregeoladomasculinodasfórmulasdasexuação.Temaquedesenvolvenotexto“Aturdito”enoSeminário20,Mais,ainda.

Lacan formulou a partilha dos sexos não a partir do atributo peniano que dividiria os seres emportadoresouprivadosdopênis,masapartirdafunçãofálica(Φx).Osseressepartilhamemhomensemulheres segundo a maneira como respondem (constituindo um argumento) à função fálica. Estacorresponde tantoàcastraçãosimbólicaquantoaogozofálico,queéogozosexualpropriamentedito.Elepropõeentãoumapartilhadegozos:ogozofálicoémasculino,eofemininoéogozoOutro.Comohomensemulheressesituamemrelaçãoaogozo?

Lacanconstróiumatabelade“fórmulasquânticasdasexuação”comquantificadoreslógicos,quesãosímbolos da lógicamatemática que atuam sobre sentenças abertas, tornando-as sentenças fechadas ouproposições.Osprincipaisquantificadoressão:quantificadorUniversal(símbolo ),quesignifica“paratodo”, “qualquer que seja”, e o quantificador Existencial (símbolo ), que significa: “Para algum”,“Existeum”.

OladomasculinodasexuaçãoDoladodohomemencontramosafunçãouniversaldofalo,poistodososseresdesteladoestãoinscritosna função fálica, x Φx. Para que essa proposição universal seja verdadeira, é necessária umaproposiçãoqueanegue,constituindoseulimite,ouseja,énecessáriaumaexceçãoqueconfirmearegra.Assim,Lacanpostulaumuniversalafirmativo( xΦx)conjugadocomumparticularnegativo,ouseja,aexistênciadeUM( )queseoponhaaele.

Há,portanto,umacorrelaçãológicadasduasfórmulas:adaproposiçãouniversalcomaproposiçãoquelheconstituiumaexceção.Destarte,Lacanconjugaoquantificador“paratodo”comoquantificador“existe um que diz não”. Esse um que existe “é o sujeito suposto de que aí a função fálica nãocompareça”,ouseja,existeumquenãoécastrado.Lacan,portanto,vaicontraalógicaaristotélicaqueconjugaumaproposiçãouniversalafirmativa(ex.:todohomemémortal)comumaproposiçãoafirmativaparticular(ex.:Sócrates,porserumhomem,émortal).

Se a regra é a castração simbólica para todos os homens (é o que implica a função fálica), énecessário estruturalmente que exista uma exceção, fora do universal da castração, que diga “não” àfunção fálica, . Esse pelo-menos-um fora da função fálica do lado masculino da sexuação ésustentadopelafunçãodoPai,queencontramosnafiguradopaidahordaprimitivadeTotemetabu,que,

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comoPaigozador,proibiaogozofálicoatodososseusfilhos.Umavezmorto,opaiésubstituídopelototemqueorepresenta,denotandoafunçãosimbólicadaLeiquedelimitaumconjuntoqueéasuahorda,atriboquesesustentaemseusignificantetotêmico.Daítermosduasvertentesdessequantificadorlógicodaexceçãoàfunçãofálica:oPaidogozonãosubmetidoàcastraçãoeoNome-do-Pai,comosignificantedaLeiqueimpõeacastraçãosimbólicaparatodohomemcomocondiçãodeacessoaogozofálico.EssafunçãodaexceçãopermitefazerexistiroHomemnosdoissentidos:comooUmdaexceção–paracujolugarsãochamadosolídereotirano–ecomooconjuntodetodososhomens,ahumanidade,umavezqueaexceçãoéaprópriabordaquelimitaesseconjunto,esseuniversal.

OmitodoPaidahordaprimitivadáconsistênciaimagináriaàverdadeda“todohominia”–ouseja,dacastraçãocomofunçãofálicapara todohomem.O constituiumlimiteaogozofálico,oumelhor,mostra que o gozo fálico é limitado, tem uma borda, não é infinito. Esse limite é a castração –imaginariamenteefetuadapeloPaiedipiano.AsduasfórmulasdoladomasculinoresumemocomplexodeÉdipofreudianonoqueconcerneàsuarelaçãocomocomplexodecastração.Estruturalmente,indicaque seu regulador é a norma fálica, que dá a “medida” para o homem – os homens estão sempre semedindo,pesando,avaliando,comparandoseusfalos(emtodosossentidos)ecompetindo.Essesestãointeiramentenanormafálica,aqualconstituiogozofálicoesualimitação.

Ohomem“seasseguraqueéhomemapartirdaapropriaçãofálica”.Issoporqueeletampoucotemofalo–comosuaangústiadecastraçãoindica.Issoolevanãoatemerperdê-lo,jáquenãootem,masaarrumar substitutos cuja perda – aí sim – significaria sua castração. Como ele se assegura então?Apropriando-sedeumamulher,comoumfalofalante,queàsvezesfalatantoqueperdesuacaracterísticadeobjetoeaínãoservemais.Porém,umaapenasmuitasvezesnãobasta,eleprecisadeuma,duas,três,ou ainda mais. Isso tampouco basta. Parte então para outras possessões. Ele se apropria de objetosmateriais (eis a resposta ao enigma do colecionador para além do caráter obsessivo), de títulos, desucessoprofissionalededinheiro.Asrealizaçõesfálicaslheasseguramsuaforçamasculina,masnuncatotalmente,pois,pormaisrealizaçõesqueobtenha,elasnuncabastam(etemsempreumahistéricaparaprovocar:deixe-meversevocêéhomem!).Éofaloquelhegarante(emal)aposiçãomasculina,enãoareduçãodoOutrosexoaumobjeto,umavezqueesseobjetoésemprea-sexuado(éumpedaçodocorpo,destacáveldocorpoenãoequivale àdiferençaanatômicados sexos,namedidaemqueavaginanãofigura como objetoa). Não é colocar-se como o homem-sujeito e a mulher como objeto que faz umhomemestarnolugardehomem,ouseja,nãoéafantasiaesimofaloque(mal)lheasseguraaposiçãodevirilidadequeofazdemonstrarqueesteencontra-sedoseulado.Nãoé,portanto,ofatodeterumamulher como um objeto que assegura o homemda posiçãomasculina,mas o falo que amulher, entreoutrascoisas,poderepresentarparaele.

Oladofemininodasexuação

Doladofeminino,nãoháoconjuntodasmulheres,poisnãoexisteumaexceçãoparafundarouniversaldetodasasmulheres.Damesmaforma,senãoháumuniversal,tambémnãoháumaexceção.Donde:AMulher, comouniversal feminino,nãoexiste. Isso nãoquer dizer que elas não tenham relação comofalo,aocontrário,porquenãohámulherquenãoestejaemrelaçãocomafunçãofálica, .Emoutrostermos,pornãohaverexceção nãoexisteum],nenhumapodedeixardeestarnafunçãofálica.Nãoexisteaquiaproposiçãoparticularnegativa.Etampoucoexisteumuniversalpositivo.SeAMulhernãoexiste,asmulheres,portanto,secontamumaauma.Noentanto,nemtudodosujeitofemininotemrelaçãocomofalo;asmulheresnãoestãointeiramenteinscritasnafunçãofálica.

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Éonãotodofálico quedefine,porexcelência,aposiçãofeminina.Essasituaçãofazcomqueseugozosedividaemdois:ogozofálico,conectadoaoladomasculinoearticuladoaosignificantefalo[Φ],eumgozodoladofeminino,nãofálico,articuladoàfaltanoOutro[S( )].Ogozofálicoéogozosexualpropriamentedito,eooutrogozoLacanochamoude“enigmático”,“louco”, identificando-oaoqueosmísticosdescrevemcomoêxtase.EisogozoOutro.Trata-sedeumgozoforadosignificante,paraoqualnãohápalavras,nemépossíveldeleserefetuadaumadoutrina,comonotavaoabadeRousselot,queconsideravaoquedescreviamosmísticosmaiscomoumaefusãolíricadoqueumasistematizaçãológica. “Falar é impossível, diz santaTeresa deÁvila, pois a almanão atina a formar palavras e, seatinasse,nãoteriaforçasparapoderpronunciá-las;porquetodaaforçaexteriorseperdeeaumentamasforçasdasalmasafimdepodermelhorgozardesuaglória.”ÉessegozoparaalémdofaloquesustentaaexistênciadoDeusdosmísticos; trata-sede,comodizLacan,“a facedeDeuscomosuportadapelogozo feminino”.Resumindo: o ladomasculino corresponde ao todo fálico, e o feminino aonão todofálico.Oquefazcomquealguémestejadeumladooudooutronapartilhadossexos?

A“escolha”degozoO que significa pertencer a um sexo?O que é ser homem?O que é sermulher?Não só não há umaresposta unívoca para essas questões como tampouco existe uma resposta que traga uma segurançaabsolutaegarantidaparasempre.

O descompasso entre o sexo do estado civil, a anatomia e o sexo erógeno permite que se fale deescolha.Paraalémdaanatomia,aescolhaentreotodofálicoeonãotodofálicoéumaescolhaforçada–semgarantias.Masaúnicaescolhaforçadadaqualestamosseguroséaescolhadaperdadeobjeto,paraentrarnasexualidade,edacastração,paraentrarnapartilhadossexos.

A escolha sexual é também uma escolha de gozo: gozo fálico e gozo Outro. De acordo com asfórmulasdasexuaçãodeLacan,opertencimentoaumladodapartilhadesexossedefinedeacordocomamodalidadedegozo.Eessepertencimento–oquesechamadegênero–éfatalmenteindependentedaescolhaobjetal(homoouhétero).

Comosituarashomossexualidadesapartirdasfórmulasdasexuação?Umhomem,inscrevendo-sedoladodotodofálico,podeterumaescolhadeobjetohomossexualouheterossexual,assimcomotambémseinscrevemdoladomasculinoasmulhereshistéricasquepodemserhéteroouhomossexuais.

Umhomem,inscrevendo-sedoladodonãotodo,podeescolherseuparceirodoladodotodofálicoapartir do significante fálico encontrado nesse corpo do outro. Posição que o faz feminizar-se, comoaparecenacaricaturadogayafeminado.Aoseinscreverdoladodotodofálicocomosujeitodesejante,e,portanto,viril,elepodeescolherseuparceiroreduzindo-oaoobjeto(a)localizadonoOutrolado.Acultura gay acabou tipificando e caricaturando essa posiçãona exageraçãodos caracteres viris até oschamados Barbies. Como se pode observar, a apropriação cultural dessas posições de gozo leva àcaricaturaeaumtipoidealdentrodogênero.

Damesmaforma,nohomossexualismofeminino,umamulherpodesituar-senoladodotodofálicoeelegersuacompanheiracomoobjetosexual–acaricaturadessaposiçãoéosapatão,amulhervirilizada.Maspodemospensartambémqueessaposiçãoreproduzoparmãe-filha.Podetambémsituar-sedoladodonãotodoebuscarofalodoladodotodofálico–sãoasmulheresqueprocuramaproteçãodaoutramulher comosebuscaumpaiouamãe fálica, figurasdoOutroque temo falo.Sãoasmulheresque,como a jovem homossexual, diz Freud, concentram nessa escolha as tendências homossexuais eheterossexuais.HátambémasmulheresqueprocuramnaoutramulheroOutrogozo[ ]dentrodeumarelaçãoquenãoépropriamentesexualnosentidodoencontroeróticodecorpos,poisofalonãoseencontrapresente.Éaíumarelação“fora-do-sexo”,masnãosemgozo.

Comovemos,emtodosessescasos,parahaversexualidadeentrehomememulher,entredoishomens

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ouentreduasmulheres,éprecisohaveresseelementohéteroqueéarelaçãoentreumelementodotodofálicoeumelementodonãotodofálico.Aconclusãoéquea“verdadeira”homossexualidadenãoexiste.AsexualidadedoserfalanteésempredaordemdoHeteros,paraalémdadiferençaanatômicadossexos.Aheteridadecomandaasexualidadeecolocaemcirculaçãoo“heterotismo”.Énecessáriosemprehaverdoissexos,comoescolhadegozo,paraqueosexoocorra.EisoqueaEscoladosexodaPsicanáliseensina.Lacannosdádiretrizesparasepensaraescolhadeobjetosexual.Redefineahomossexualidadecomumanovaescrita:Hommosexualité–oamorpelomesmo,situando-anoâmbitodoamornarcísicoque dispensa o sexo. Por outro lado,Lacan diz que é heterossexual aquele que ama asmulheres, nãoimportando qual seja seu sexo. E o sujeito desejante ($), independentemente do sexo, está sempre naposiçãodotodofálico,ouseja,sósedesejacomohomem.OqueéoutraformadereafirmarcomFreudquealibidoémasculina.Retomaremosessasquestõesmaisadiante.

Mais alémda escolha sexual, a experiência analíticanos leva aquestionaruma suposta fixidez emumaposiçãoououtradasfórmulasdasexuação.

Aanáliselevaosujeitoasedefrontarcomonãotodo,oinefável,onãotododalinguagemtantonasuamodalidadedeobjetomais-de-gozar(a)quantonasuamodalidadedefaltadesignificantenoOutroS( )levando,portanto,osujeitodafalaaosujeitodoinefávelláondeatémesmoseduvidasehásujeito,poiséoâmbitodogozo.Assim,asfórmulasdasexuaçãonospermitempensarqueaanálisepossibilitaaosujeito–sejamulherouhomem–aultrapassagemdotodofálico,restando,asaber,seoanalisantevaiounãoescolherparticipardonãotodo,optando,porexemplo,porocuparaposiçãodeanalistacomsuaafinidadeprópriacomaposiçãofeminina.

AlógicadeHeterosApartirdasfórmulasdasexuaçãopodemosdepreenderduaslógicasdistintas:alógicadoUmealógicada Heteridade. A primeira é a lógica fálica do Um, que constitui um universo a partir da exceção,formando,portanto,umconjuntofechado,umatotalidade,umtodo.ArticulaassimoUMcomotododobatalhãofálicodoshomens.Eisalógicadarazãofálica.

Asegundalógica,aqueLacanpropõeparasepensarosexofeminino,éumalógicadistintadalógicadoUmedotodo.Eleadenominaalógicadonãotodo,“pastout”,namedidaemqueamulherestá“nãotoda”–pas-toute– inscrita na lógica fálica.Háuma incompletude fundamental do “sermulher”, nãopermitindoqualquercategorizaçãodasmulheres.Onãotododo ladofemininocaracterizaoHeteros–“outro”,emgrego.AlógicadonãotodoéalógicadaHeteridade.

Pornãoteroquantificadorlógicodaexceçãoquecontrariaafunçãofálica,alógicadoHeterosnãoconstituiumUniverso,nãosefechaemumaHeteridade,ouseja,nãofazgruponemmassaorganizada.Nãoéumalógicada“medidapormedida”,dacompetição,dalutaparasaberquemtemomaior,quemtemmais.Heteroséoâmbitodoincomensurável.Edoumaum,ummaisummaisumquenãosefechanumtodo.

AlógicadopastoutéumalógicaquenãotemnemoUMnemoTodo.ÉumalógicaOUTRA.Elaopõeassim o Um (do lado masculino) ao Outro (do lado feminino) e o todo ao não todo, assim como acompletude à incompletude.No lado donão todo, qualquer coisa pode ser dita,mesmo provindo do“semrazão”.Àlógicadarazão(fálica)seopõeosemrazãodalógicadonãotodoextraídodessa“outrametadedosujeito”queéofeminino.Nesselado,nadafazlimiteàfunçãofálica,umavezquetodososseresaqui incluídos são submetidosà função fálica, semdúvida,porém,não tudodeles.Essa faltadelimitetorna-lhetudofluido,sembordas,emostraainexistênciadeumUmquevenhacontestarafunçãofálica(primeiroquantificadordoladomasculino),fazendo-lheumlimite.

O não todo é um “confim”, segundo Lacan, habitado pelo recesso de gozo que ultrapassa edesestabilizaaprópriamulherduranteocoito.LacanfazdeTirésiasoparadigmadesseconfimdogozo

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donãotodo.AoserchamadoporZeusparatestemunharnacontendacomHerasobrequem–ohomemouamulher?–gozavamaisdurantearelaçãosexual,Tirésiasdáoveredicto.Porjátervividonoveanoscomo mulher e depois voltar a ser homem, ele responde: “A mulher goza dez vezes mais do que ohomem.”EssegozoexcessivoesembordashabitaoconfimdaHeteridade.

Esse Outro não forma um conjunto fechado que se poderia situar em uma categoria com umqualificativo distintivo e reconhecível de antemão. EsseHeteros designa umOutro gozo, sem borda,inominável,imprevisível,inabordável.Éumgozoimpossíveldeserapreendidopelalinguagemenãoserefereaumconjuntodesignificantes.DaíLacanapontarparaumdeslizamentopróprioaoinapreensíveldessegozo:Heterossedeclinaem“Hetera,seeteriza,eatémesmosehetairiza”.Hetera,emgrego,alémde“outro”,significa“aconcubina”,ouseja,amulherdodesejo;“seeteriza”evocaoéter,aevaporaçãodogozoOutro,quenãoseaprisionaeembebedacomoéter–um“gozolança-perfume”.E“sehetairiza”vempossivelmentedehetairia,queéumaassociaçãodeamigosoupolítica.ÉoriscodogozoOutrodoqualumaassociaçãosedefende,comonosprocedimentosencontradosnacivilizaçãoenosgruposquetentamamordaçaressegozoqueasmulheresencarnam.

EsseOutrogozopodeserremetidoaosentimentodeblissdescritoporKatherineMansfield:“Oquepodealguémfazerquandotemtrintaanose,virandoaesquinaderepente,sertomadoporumsentimentodeabsoluta felicidade–felicidadeabsoluta!–,comose tivesseengolidoumbrilhantepedaçodaquelesol da tardinha e ele estivesse queimando o peito, irradiando um pequeno chuveiro de chispas paradentrodecadapartículadocorpo,paracadapontadededo?Nãohámeiodeexpressarissosemparecer‘bêbadoedesvairado’?”

A lógica do gozoOutro nos abre para as declinações doHeteros como heteronomia, heterodoxia,heterogeneidade e até mesmo heterossexual, que Lacan define “como aquele que ama as mulheres,qualquerquesejaseusexo”.EssafrasedeLacanem“Oaturdito”ésuficientementeambíguaparanãosefecharnenhumaportadadiversidadesexual.Assim,“aquele”podesertantoumhomem,biologicamentefalando, quanto umamulher, sejam eles homo ou heterossexuais no sentido da escolha objetal.Assimcomopodeserde“qualquersexo”quemestánolugarde“mulheres”dessafrase.PoiséoHeterosquesuportaosexo,sejaelecomofor.Parahaversexoénecessáriaadiferençadooutro–nãosefazsexocomomesmo.

Lacanusaotermohommosexuel,comojáapontamos,comdois“m”,paramostrarqueessapalavraéderivada de homme, homem, fazendo então a equivalência do hommosexuel com o semblable, osemelhante do estádio do espelho, ou seja, o pequeno outro, comovimos na seçãoO pequeno outro.AssimLacandeslocaosentidodotermo“homossexual”(homosexuelcomum“m”)para“homemsexual”,que,emfrancês,sãopalavrashomófonas.

Comessanovasignificaçãodaspalavrasrelativasàescolhadoparceirodesexo,Lacanindicaque,parahaverorealdosexo,enquantotal,énecessárioHeteros,enquantooamornarcísicoéhomemsexual.Emoutros termos, todo ato sexual – seja homemcommulher, ou homemcomhomem, oumulher commulher – ocorre devido à heteridade. Com essa acepção, Lacan põe por terra tanto a concepção damulher como um “segundo sexo” quanto as teorias sobre a homossexualidade como uma esquiva daconfrontaçãocomoOutrosexo.Heteros seopõeaopoder instituídoda leiedasnormasditadaspeloUmdosignificante-mestreda

lógicafálica.OOutro,emrelaçãoaoinstituído,ésempreodiferente.EisoquecaracterizaaHeteridade.Apartir da lógica fálica e da lógicaHetera, podemos estabelecer umadeclinaçãodas fórmulas da

sexuaçãocomopropomosaseguir:

Fálico Heteros

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Um OutroTodo NãotodoFormauniverso NãoformauniversoGozodoUm GozosemlimitesPoder ImpossívelOinstituído OdiferenteAfirmação InconsistênciaLimitado IlimitadoRazão SemrazãoSentido Estranho

OOutrocomoHeterosdeveserpensado,comodizLacan,“comoomaisestranhoaqualquersentido”.EsseHeteroséumareferênciadeLacanaoParmênidesdePlatão,queodistinguetantodoUmquantodoser.AmelhortraduçãodeHeterosé“odiferente”.

SequemseencontradoladofemininotemrelaçãocomoOutrogozo,issonãoquerdizerquesóasmulheresencarnamoOutro.ÉcertoqueelasencarnamoOutrogozoeéporissoqueumamulheréOutranãosóparaoshomenscomoparaasoutrasmulheres,etambémparasimesma.ÉdevidoaofatodeelasencarnaremoOutrogozo–ogozodiferente,sempreoutro–quelhessãofeitasasmaioresatrocidades,para se tentar barrá-lo, contê-lo, eliminá-lo. Em nome doUm do poder instituído, da tradição ou dareligião, sãoexercidasatéhojepráticascomoasdeexcisãoede infibulaçãona tentativadesecortaresse gozo estranho. Ou, então, tenta-se escondê-lo, cobrindo-se as mulheres com o xador nos paísesmuçulmanosatévirarempacotesdepano,comonoAfeganistão.

MaspodemospensaroutrasfigurasdoOutroemoposiçãoaoUm.Nademocraciagrega,porexemplo,oOutrodocidadãosãoamulher,oestrangeiro(metec),oescravo.EnamitologiaencontramosÁrtemis,Dioniso,Medusa.

OgozoOutroadmiteacategoriadoimpossívelnamedidaemqueelenãoseescreve.Alinguagemnãoo apreende, ele escapa ao significante-mestre e por isso ele também escapa ao laço social, não sedeixandoencerraremumdiscursoestabelecido.

HádiversasformasderejeitaraexistênciadogozoOutro,comosegregar,calar,excluire,inclusive,tentar torná-lo igual,oMesmo,atravésdomecanismodaassimilação–são todaspráticasderacismo.Lacannospropõe,emTelevisão,“deixaraesseOutroseumododegozo,eisoquesósepoderiafazernãoimpondoonosso,nãooconsiderandoumsubdesenvolvido”.

Heteridade – termo utilizado por Lacan em seu Seminário de 15 de janeiro de 1980, “O Outrobarrado”–éoestadodeaberturaaoHeteros,aoOutro,levandoemcontaseugozocomooimpossível–oque escapa aopossível e aopoder.Aqui colocamos aHeteridadedeLacan emcontinuidadeou atémesmo em anterioridade em relação aDerrida, que enuncia que os outros que chegam, os chegantes,chegam“semprecomooimpossívelparaalémdetodososenunciadosinstituidores,paraalémdetodasasconvenções,paraalémdadominação,daapropriação,dopoder,dopossível”.ÉaHeteridadecomonãosegregaçãodoOutrogozo,do fora-do-discurso,quedeveestarnabasedenovos laços.ComodizDerrida,“umaautênticaauto-nomia(igualitáriaedemocrática)seinstitui,edevefazê-lo,apartirdeumahetero-nomia”.

Heteridadeéoestadoabertoàdiferençamaisradical:diferençadegozoquecorrespondeàcategoriadoimpossível–deserescrito,deserprevisto,deserprescrito,pois,pordefinição,ésempreOutro,tãoOutroqueéreal.

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Referênciasefontes

Neste estudo, retomei e adaptei algumas passagens dos seguintes livros deminha autoria para poderdesenvolver,maisespecificamente,aquestãodasmodalidadesdooutro:Adescobertadoinconsciente:Dodesejoaosintoma (4ªed.,2011);Umolharamais:Vereservistonapsicanálise (2ªed.,2004);Psicose e laço social: Esquizofrenia, paranoia e melancolia (2ª ed., 2010); e A estranheza dapsicanálise:AEscola deLacan e seus analistas (2009), todos publicados pelaZahar. Para atingir oobjetivo proposto por esta coleção, ou seja, condensar o tema abordado de forma introdutória, foramconsultadasasseguintesobrasdosseguintesautores:

SigmundFreud

“Projetodeumapsicologiacientífica”(1950);Ainterpretaçãodossonhos(1900);“Trêsensaiossobreateoria da sexualidade” (1905); “As pulsões e suas vicissitudes” (1915);O mal-estar na civilização(1930); “Para além do princípio de prazer” (1920): inObras completas (Buenos Aires, AmorrortuEditores,1998).

JacquesLacan

Os complexos familiares na formação do indivíduo (Rio de Janeiro, Zahar, 1984);Escritos (Rio deJaneiro,Zahar,1998):“Oestádiodoespelhocomoformadordafunçãodoeutalcomonoséreveladanaexperiência psicanalítica”, “Função e campo da fala e da linguagem empsicanálise”, “A instância daletranoinconscienteouarazãodesdeFreud”,“Deumaquestãopreliminaratodotratamentopossíveldapsicose”, “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano”, “Posição doinconsciente noCongresso deBonneval”, “Observação sobre o relatório deDaniel Lagache”;Outrosescritos(RiodeJaneiro,Zahar,2003):“Oaturdito”e“Radiofonia”;OSeminário,livro5,Asformaçõesdo inconsciente (Rio de Janeiro, Zahar, 1999);O Seminário, livro 6,O desejo e sua interpretação(inédito);OSeminário,livro7,Aéticadapsicanálise(RiodeJaneiro,Zahar,1986);OSeminário,livro11,Osquatroconceitosfundamentaisdapsicanálise(RiodeJaneiro,Zahar,1985);OSeminário,livro13,Oobjetodapsicanálise(inédito);OSeminário,livro17,Oavessodapsicanálise(RiodeJaneiro,Zahar,1992);OSeminário,livro20,Mais,ainda(RiodeJaneiro,Zahar,1985);OSeminário,livro22,R.S.I. (inédito);Conferências deMilão (inédito, principalmente a de12demaiode1972);Televisão(RiodeJaneiro,Zahar,1974);“Notaitaliana”,inArchivesdepsychanalyse(Paris,Eólia,1991).

Outrosautores

Barrie,JamesMatthew.PeterPan.SãoPaulo,Salamandra,2006.Bruno,Pierre.“Discoursanalytique,discourscapitaliste”,seminárioinTrèfle,n.1,Toulouse,mar1999.Derrida, Jacques.Estados-da-alma da psicanálise. O impossível para além da soberana crueldade.

SãoPaulo,Escuta,2001.Hegel, GeorgW. Friedrich. “A dialética do senhor e do escravo”, in A fenomenologia do espírito.

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Petrópolis,Vozes,2008.Heidegger,Martin.“Lachose”,inEssaisetconférences.Paris,Gallimard,1985.Heteridade,Revista da Internacional dos Fóruns doCampo Lacaniano –As realidades sexuais e oInconsciente,n.6,Paris,2006.

Jakobson,Roman.“Ladominante”,inQuestionsdepoétique.Paris,Seuil,1973.Jesus,SantaTeresade.Livrodavida.SãoPaulo,EdiçõesPaulinas,1983.Kant,Immanuel.Critiquedelaraisonpure.OeuvresPhilosophiques.Paris,LaPléiade/Gallimard,1980.Platão.“Alcibíades”,inOeuvrescomplètes.Paris,Gallimard,1950.Soler,Colette.“Lediscourscapitaliste”,Trèfle–NouvelleSérie,n.2,Toulouse,jan2001.Vernant,Jean-Pierre.Lamortdanslesyeux.Paris,Hachette,1986.Wagner,Richard.LaWalkyrie.Paris,Aubier/Flammarion,1970.

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Leiturasrecomendadas

Alberti,Sonia.Oadolescenteeooutro.Col.Passo-a-Passo.RiodeJaneiro,Zahar,2004.Gallano,Carmen.Aalteridadefeminina.CampoGrande,AndréaCarlaDeunerBrunettoEd.,2011.Jorge,MarcoAntonioCoutinhoeDórisRinaldi(orgs.).Saber,verdadeegozo:LeiturasdeOseminário,livro17,deJacquesLacan.RiodeJaneiro,RiosAmbiciosos,2002.

______ eNadiá P. Ferreira.Lacan:O grande freudiano. Col. Passo-a-Passo. Rio de Janeiro, Zahar,2005.

Maurano,Denise.Atransferência.Col.Passo-a-Passo.RiodeJaneiro,Zahar,2006.Miranda,ElizabethdaRocha.Ogozonofeminino.Tesededoutorado.UniversidadedoEstadodoRio

deJaneiro,abr2011,inédito.Ribeiro,MariaAnitaCarneiro.Aneuroseobsessiva.Col.Passo-a-Passo.RiodeJaneiro,Zahar,2003.Soler,Colette.OqueLacandiziadasmulheres.RiodeJaneiro,Zahar,2005.Stylus–RevistadePsicanálise,n.4:“Oqueseesperadeumpsicanalista?”,BeloHorizonte,Associação

FórunsdoCampoLacaniano,2002;en.12:“Dequeescolhaseimpassespadecemosujeito?”,RiodeJaneiro,AssociaçãoFórunsdoCampoLacaniano,2006.

Teixeira, Maria Angélia. A violência no discurso capitalista: Uma leitura psicanalítica. Tese dedoutorado.UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,out2007,inédito.

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Sobreoautor

Psicanalistaepsiquiatra,comformaçãorealizadanaÉcoledelaCauseFreudienne,emParis.DoutoremfilosofiapelaUniversidadeParisVIII(Vincennes),ondedefendeutesededoutoradosobaorientaçãodeAlainBadioueocupouocargodeprofessorassistentedoDepartamentodePsicanálise.ÉmembrodaEscola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano; pesquisador convidado do Instituto dePsiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); professor adjunto do Mestrado dePsicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida (UVA); docente de FormaçõesClínicasdoCampoLacaniano–RiodeJaneiro;dramaturgo,encenadorediretordaCia.InconscienteemCena.

Autordos livrosTeoriaeclínicadapsicose (ForenseUniversitária, 5ª ed.),As 4+1 condições daanálise(Zahar,12ªed.);Adescobertadoinconsciente:Dodesejoaosintoma(Zahar,4ªed.);Umolharamais:Vereservistonapsicanálise(Zahar,2ªed.);Psicoseelaçosocial:Esquizofrenia,paranoiaemelancolia(Zahar,2ªed.);AliçãodeCharcot(Zahar);Aestranhezadapsicanálise:AEscoladeLacane seus analistas (Zahar);Artorquato (7Letras); Las cuatro condiciones del análisis (Argentina);Unplus-de-regard(França,esgotado).

Organizador e coautor das coletâneas Jacques Lacan: A psicanálise e suas conexões (Imago);Extravios do desejo: Depressão e melancolia; Psicanálise e psiquiatria: Controvérsias econvergênciaseNamiradoOutro:Aparanoiaeseusfenômenos(Marcad’Água).

Autor de artigos publicados em revistas e livros de diversos países, entre os quais, Argentina,Austrália,Colômbia, Espanha, EstadosUnidos, França,Grécia e Inglaterra.Colabora com artigos emjornaisbrasileiros.TradutordeLacan,foiresponsávelpelasversõesemportuguêsdosSeminários2e7eTelevisão,alémdeoutrosartigosemrevistas.ProferiuconferênciasesemináriosemváriascidadesdoBrasileemoutrospaíses.

EscreveuedirigiuaspeçasdaCia.InconscienteemCena:AliçãodeCharcot;X,YeS:AberturadoteatroíntimodeStrindberg;Artorquato;Oidipous,filhodeLaios:AhistóriadeÉdipoReipeloavesso;eVariaçõesFreudianas1:Osintoma.

E-mail:[email protected]

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ColeçãoPASSO-A-PASSO

Volumesrecentes:

CIÊNCIASSOCIAISPASSO-A-PASSOSociologiadotrabalho[39],JoséRicardoRamalhoeMarcoAurélioSantanaOrigensdalinguagem[41],BrunaFranchettoeYonneLeiteAntropologiadacriança[57],ClariceCohnPatrimôniohistóricoecultural[66],PedroPauloFunarieSandradeCássiaAraújoPelegriniAntropologiaeimagem[68],AndréaBarbosaeEdgarT.daCunhaAntropologiadapolítica[79],KarinaKuschnirSociabilidadeurbana[80],HeitorFrúgoliJr.Pesquisandoemarquivos[82],CelsoCastroCinema,televisãoehistória[86],MônicaAlmeidaKornis

FILOSOFIAPASSO-A-PASSOFilosofiadanatureza[67],MárciaGonçalvesHume[69],LeonardoS.PortoMaimônides[70],RubénLuisNajmanovichHannahArendt[73],AdrianoCorreiaSchelling[74],LeonardoAlvesVieiraNiilismo[77],RossanoPecoraroKierkegaard[78],JorgeMirandadeAlmeidaeAlvaroL.M.VallsFilosofiadabiologia[81],KarlaChediakOntologia[83],SusanadeCastroJohnStuartMill&aliberdade[84],MauroCardosoSimõesFilosofiadahistória[88],RossanoPecoraroTeoriadoconhecimento[91],AlbertoOliva

PSICANÁLISEPASSO-A-PASSOSonhos[65],AnaCostaPolíticaepsicanálise[71],RicardoGoldenbergAtransferência[72],DeniseMauranoPsicanálisecomcrianças[75],TeresinhaCostaFeminino/masculino[76],MariaCristinaPoliCinema,imagemepsicanálise[85],TaniaRiveraTrauma[87],AnaMariaRudgeÉdipo[89],TeresinhaCostaApsicose[90],AndréaM.C.GuerraAngústia[92],SoniaLeiteEducaçãoepsicanálise[93],RinaldoVoltolini

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Ediçãodigital:janeiro2012

ISBN:978-85-378-0814-6

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