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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ FABIANE HELENE VALMORE CIÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL: A PERCEPÇÃO DOS EDITORES DE PERIÓDICOS CIENTÍFICOS NACIONAIS E A PRODUÇÃO PUBLICADA (2005-2014) CURITIBA 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

FABIANE HELENE VALMORE

CIÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL:

A PERCEPÇÃO DOS EDITORES DE PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

NACIONAIS E A PRODUÇÃO PUBLICADA (2005-2014)

CURITIBA

2016

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FABIANE HELENE VALMORE

CIÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL:

A PERCEPÇÃO DOS EDITORES DE PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

NACIONAIS E A PRODUÇÃO PUBLICADA (2005-2014)

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtençãodo grau de Mestre em Ciência Política no Curso de Pós-Graduação em Ciência Política, Setor de CiênciasHumanas, Letras e Artes da Universidade Federal doParaná.

Orientador: Prof. Dr. Nelson Rosário de Souza

CURITIBA

2016

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Catalogação na publicaçãoMariluci Zanela – CRB 9/1233

Biblioteca de Ciências Humanas e Educação - UFPR

Valmore, Fabiane Helene Ciência Política no Brasil: a percepção dos editores de periódicos

científicos nacionais e a produção publicada (2005-2014) / Fabiane Helene Valmore – Curitiba, 2016.

149 f.

Orientador: Prof. Dr. Nelson Rosário de Souza Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná.

1. Ciência Política. 2. Democracia. 3. Desigualdade. 4. Periódicos brasileiros – Avaliação. 5. Editores. I. Título.

CDD 320.05

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DEDICATÓRIA

Para minha família e tantas como ela.

Para minha filha Renata Valmore Anes, de 19 anos,

cujos estudos meus roubaram o tempo nosso.

Para a minha sobrinha Vitória Lobato Valmore, de 9 anos,

que cansada de perguntar quantas folhas eu ainda tinha que escrever me apareceu com o

seguinte: “Tia, além de estudar e dormir você gosta de fazer mais alguma coisa?”

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que desde há muito contribuíram, torceram e/ou rezaram para que eu

pudesse ingressar no Mestrado e concluir esta pesquisa. Principalmente à minha família:

Maria Helena, Renata, Vitória, Adriano, Magda e José Renato (em memória). Mas também, às

amigas Simone Teixeira, Deise Ladentim, Lívia Cruz, Viritiana de Almeida, Gisele Medina,

Ângela Ilha e Lucineli Pikcius. Registro também meus agradecimentos à Helena Máximo,

Daniela Mussi, Valdirene Ganz, Talita Nascimento, Andressa Gordya e aos professores José

Szwako, Paulo Costa, Fábio Wanderley Reis, Gabriel Vitullo, Simone Meucci, Marta

Arretche, Bruno W. Reis e Vera Cepêda, para citar alguns, pois, são vários. Ao Jules Ventura,

sou muito grata pela leitura desta dissertação e comentários feitos. Ao Leonardo Mercher, pela

tradução do resumo. Agradeço também à Nathália Marques, Renata Valmore, Evellyn Ferraz,

Talita de Oliveira e Alessandra Gasparini pela ajuda que deram com as entrevistas.

Ao meu professor orientador Nelson Rosário de Souza sou especialmente grata por ter

aceitado orientar esta pesquisa e por ter colaborado com o seu desenvolvimento. Igualmente,

agradeço aos professores Renato Perissinotto e Álvaro Bianchi por aceitarem participar como

membros da Banca de Avaliação da minha dissertação. Aos três, agradeço também, por terem

sido pacientes comigo. A tantos outros professores citados e não citados neste trabalho

agradeço imensamente pelas diversas vezes em que foram atenciosos comigo me ajudando a

pensar a pesquisa. Alguns, na condição de (ex)editor de periódicos científicos entrevistados

por mim (Adrián Gurza Lavalle, Breno Bringel, Charles Pessanha, Cícero Araújo, Fabíola Del

Porto, Flávia Biroli, Janina Onuki, Luis Felipe Miguel, Marcos Alvarez, Marta Arretche,

Paulo Neves Costa e Renato Perissinotto). Outros, como respondentes de questionários

(Álvaro Bianchi, André Marenco, Andrea Freitas, Bruno W. Reis, Fabiano Santos, Fernando

Limongi, Gabriel Vitullo, Gisálio Cerqueira Filho, Jairo Nicolau, João Feres Jr., João Roberto

Martins Filho, Leonardo Avritzer, Maria do Socorro S. Braga, Ricardo Musse e Vera Cepêda)

Agradeço a CAPES pela Bolsa de Estudos que eu recebi durante os 24 meses de

realização do curso de Mestrado — e portanto, ao povo brasileiro. Sem a qual, não poderia ter

me dedicado, neste período, exclusivamente aos estudos. Ao Colegiado do Programa de Pós-

Graduação em Ciência Política da UFPR, agradeço pela compreensão e aceite do meu pedido

de prorrogação da data de defesa desta Dissertação por motivos de saúde meus.

Finalmente agradeço a Deus por ter me dado força mais uma vez em que se fez muito

necessária. Sem a qual e sem o apoio de todos que estiveram comigo esta pesquisa poderia ter

sido interrompida em sua fase final.

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RESUMO

Esta pesquisa apresenta um panorama da Ciência Política brasileira produzido a partir da análise dapercepção dos editores de sete periódicos nacionais Qualis A1, A2 e B1, colhida durante entrevistasem profundidade realizadas pela pesquisadora, entre 2014 e 2015. A percepção de outros agentes quecompõem o campo da Ciência Política no Brasil, trazida por meio de questionários, se junta à doseditores permitindo um conhecimento ampliado a respeito da disciplina a partir dos seus própriospraticantes. Importa saber, segundo eles: 1. como se relaciona a trajetória temática da CiênciaPolítica com as partes periférica e hegemônica da disciplina; 2. em que medida as relações de forçano interior da disciplina provocam mudanças e/ou rupturas no perfil editorial das revistas e; 3. Qualo papel, o alcance e os limites dos periódicos nacionais Qualis A1, A2 e B1 especializados emCiências Sociais na constituição do campo da Ciência Política praticada no Brasil. A análise daprodução publicada entre 2005 e 2014 nos sete periódicos, cujos editores foram entrevistados, a saber:Dados, RBCS, Opinião Pública, BPSR, Lua Nova, RBCP e Revista de Sociologia e Política, finaliza oconjunto de evidencias empíricas mobilizadas na presente pesquisa e traz; além de uma estatísticadescritiva, uma análise qualitativa dos artigos publicados por doutores em Ciência Política e quediscutem simultaneamente as temáticas democracia e desigualdades. Nestes artigos, busca-seidentificar as relações — existentes, ou não — entre as concepções formal e substantiva dedemocracia e as posições hegemônica e periférica que tais concepções ocupam na hierarquia docampo da Ciência Política no Brasil. A perspectiva teórica de análise adotada pela pesquisadora nopresente trabalho é influenciada por Pierre Bourdieu e pela definição de Sociologia Política oferecidapor Giovanni Sartori. A hipótese desta pesquisa é a seguinte: as diferentes concepções que possuem osagentes do campo, a respeito da política/do político (autonomizada ou não, da realidade social) e,mais, especificamente, da democracia (política/formal ou social/substantiva), definem certos modosde se praticar a própria Ciência Política (politológica/institucionalista ou societal/SociologiaPolítica), enquanto disciplina acadêmica, e no limite — concomitante às disputas presentes nosprocessos de institucionalização, autonomização e avaliação/financiamento da disciplina em torno dadefinição dos seus critérios de cientificidade e da delimitação dos seus temas, teorias e métodos — oque vem a ser considerado a 'boa' Ciência Política, o seu mainstream. De modo geral, tanto a análiseda percepção dos agentes do campo, quanto a dos artigos publicados nos periódicos que editam(publicam e dão pareceres), permitem notar explicitamente o interesse continuo da disciplina pelotema da democracia brasileira. Que, se num determinado momento diz respeito aos seus processos detransição e consolidação e noutro, ao funcionamento de suas instituições políticas, é devido àsmudanças ocorridas no contexto político brasileiro, para as quais a disciplina, num movimento de mãodupla, entre ciência e política, volta o seu olhar analítico e normativo. Define assim, seus paradigmasteóricos e metodológicos, que, uma vez legitimados, não só adquirem status explicativos, comotambém, reprodutores do status quo. Permitem notar, também, e de forma exaustiva, a defesa queparte da comunidade acadêmica faz da Sociologia Política enquanto forma de abordagem necessáriana análise dos fenômenos políticos, principalmente, e de forma ampla, dos que dizem respeito àdemocracia brasileira e suas instituições. Ao fazer essa defesa, em contrapartida, contesta a abordagem(neo)institucionalista e o método quantitativo frequentemente por ela utilizada no estudo dasinstituições políticas formais. Aparecem assim, a abordagem (neo)institucionalista e o métodoquantitativo, como pano de fundo a partir do qual aparece tensionada na disciplina, a sua identidade.Por fim, dentre um total de 1505 artigos publicados nos sete periódicos e período mencionados, 35% oforam por doutores em Ciência Política. Nestes, as instituições políticas dominam como objetoanalisado. Consequentemente, pouco espaço é dado pela parte hegemônica da disciplina paradiscussões interessadas numa determinada concepção de democracia diferente daquela procedimentalque aparece em Schumpeter e Dahl, por exemplo.

Palavras-chave: Ciência Política. Periódicos Científicos. Democracia.

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ABSTRACT

This research presents an overview of the Brazilian Political Science papers from the analysis of sevennational periodics indexed by Qualis A1, A2 and B1, collected during in-depth interviews conductedby the researcher along 2014 and 2015. The perception of other agents that make up the field ofPolitical Science in Brazil, brought through questionnaires, joins the publishers allowing expandedknowledge about the discipline from its own practitioners. 1. How it relates the thematic trajectory ofpolitical science with the peripheral and hegemonic parts of the discipline; 2. To what extent thepower relations within the discipline brings about changes and / or disruption of the editorial profileof magazines; and 3. What is the role, scope and limits of the national Qualis A1, A2 and B1specialized in Social Sciences in the constitution of the field of Political Science practiced in Brazil.The production analysis published between 2005 and 2014 in seven journals whose editors wereinterviewed, namely: Dados, RBCS, Opinião Pública, BPSR, Lua Nova, RBCP e Revista deSociologia e Política, concludes the set of empirical evidence mobilized in this research and brings; inaddition to descriptive statistics, a qualitative analysis of articles published by doctors in PoliticalScience and simultaneously discuss democracy issues and inequalities. In these articles, we seek toidentify relationships — existing or not — between formal and substantive conceptions of democracyand the hegemonic and peripheral positions they occupy in the political science field hierarchy inBrazil, such conceptions. The theoretical analysis perspective adopted by the researcher in this work isinfluenced by Pierre Bourdieu and the definition of Political Sociology offered by Giovanni Sartori.The hypothesis of this research is the following: the different conceptions that have the field agentsabout the policy/political (autonomized or not, society) and, more specifically, democracy(political/formal or social/substantive) define certain ways to practice their Political Science(politological / institutionalist or societal/political sociology), as an academic discipline, and limit —concomitant to these disputes in the institutionalization processes, empowerment andevaluation/discipline of financing around definition of the scientific criteria and the delimitation of itsthemes, theories and methods — what it is to be considered 'good' Political Science, its mainstream.Overall, both the analysis of the perception of the field agents, as the articles published in the journalediting, allow explicitly note the continuing interest of the discipline the topic of Brazilian democracy.That if a given time with respect to their transition and consolidation, and another, the functioning ofits political institutions; They are due to changes in the Brazilian political context, for whichdiscipline, a two-way movement between science and politics back its analytical and normative look.It defines, its theoretical and methodological paradigms that once legitimated not only acquireexplanatory status, but also players of the status quo. Allow to note, also & eacut and; m, andexhaustively, the defense that the academic community is the Political Sociology as a form ofapproach needed in the analysis of political phenomena, mainly, and broadly, of which concern theBrazilian democracy and its institutions. In making this defense, however, disputes the approach(neo)institutionalist and quantitative method often used by it in the study of formal politicalinstitutions. Appear so the approach (neo)institutionalist and quantitative method, as a backdrop fromwhich appears tensioned discipline, their identity. Finally, from a total of 1505 articles published, 35%were for doctors in Political Science. In these, the political institutions dominate as analyzed object.Accordingly, little space is of course part of the hegemonic discussions relevant to a certain conceptthat different democratic procedural appearing Schumpeter and Dahl, for example.

Keywords: Political Science. Scientific Journals. Democracy.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS

QUADRO 1 – ENTREVISTADOS/RESPONDENTES DOS QUESTIONÁRIOS ….……..26

QUADRO 2 – MAPA DAS QUESTÕES RESPONDIDAS PELOS PROFESSORES PESQUISADOS………………………………………………………………27

QUADRO 3 – PESQUISAS DESTACADAS POR ALGUNS DOS RESPONDENTES DOS QUESTIONÁRIOS…………………………………………………………...33

QUADRO 4 – INFORMAÇÕES SOBRE AS ENTREVISTAS REALIZADAS COM OS EDITORES…………………………………………………………………...46

QUADRO 5 – SINTESE DO ROTEIRO DE ENTREVISTA………………………………..47

QUADRO 6 – INFORMAÇÕES SOBRE OS ARTIGOS E SEUS CO(AUTORES)………. 74

QUADRO 7 – INFORMAÇÕES SOBRE OS PERIÓDICOS……………………………….77

TABELA 1 – ARTIGOS PUBLICADOS (N=1505) POR PERIÓDICO COM DESTAQUE PARA A PUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP (N=538)..………………76

TABELA 2 – PUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP POR PERIÓDICO E POR CONJUNTO DE IES (N=538)...……………………………………………….78

TABELA 3 – PUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP (DIPLOMADOS EM 5 IES) POR PERIÓDICO E POR IES (N=374).……...….………………………………...79

TABELA 4 – PUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP (DIPLOMADOS EM 4 IES) QUE PUBLICARAM ENTRE 5 E 9 ARTIGOS POR PERIÓDICO E POR IES (N=88)……………………………………………………...……………...…...80

TABELA 5 – SINTESE DA PUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP (DIPLOMADOS EM 4 IES) QUE PUBLICARAM ENTRE 5 E 9 ARTIGOS POR PERIÓDICO E POR IES (N=88)..…………………………………………………………..81

TABELA 6 – TEMÁTICAS PRESENTES NOS TITULOS DOS ARTIGOS (N=374)……..83

TABELA 7 – TEMÁTICAS PRESENTES NOS TITULOS DOS ARTIGOS POR PERIÓDICO (N=374)…..…………………………………………………….84

TABELA 8 – TEMÁTICAS PRESENTES NOS TITULOS DOS ARTIGOS POR IES(N=374)….………………………………………………………...………… 84

GRÁFICO 1 - PUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP (DIPLOMADOS EM 4 IES) QUE PUBLICARAM ENTRE 5 E 9 ARTIGOS POR PERIÓDICO E POR

IES (N=88)……...…………………………………………………...……….82

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABCP – Associação Brasileira de Ciência Política

Anpocs – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais

APSA – American Political Science Association

APSR – American Political Science Review

BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais

BPSR – Brazilian Political Science Review

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEDEC – Centro de Estudos de Cultura Contemporânea

CP – Ciência Política

CPB – Ciência Política Brasileira

CS – Ciências Sociais

DECISO – Departamento de Ciências Sociais

IDESP – Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo

IESP – Instituto de Estudos Sociais e Políticos

ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros

IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro

Qualis – Conjunto de procedimentos utilizados pela CAPES para diferenciação

da qualidade dos periódicos científicos

RBCP – Revista Brasileira de Ciência Política

RBCS – Revista Brasileira de Ciências Sociais

RSP – Revista de Sociologia Política

SBS – Sociedade Brasileira de Sociologia

SciELO – Scientific Eletronic Library Online

UCAM – Universidade Cândido Mendes

UCM – Universidade Complutense de Madrid

UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

UFPR – Universidade Federal do Paraná

UnB – Universidade de Brasília

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

USP – Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................11

2 CIÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL...................................................................................162.1 Institucionalização da Ciência Política no Brasil: hegemonia, pluralidade ou desigualdade?............................................................................................................................162.2 a relação Ciência Política e Sociologia Política no estudo da democracia brasileira e das suas instituições políticas..........................................................................................................202.3 ABCP, CAPES e comunidade cientifica: o que dizem sobre a disciplina?.........................25

3 PERCEPÇÃO DOS EDITORES........................................................................................453.1 Trajetória temática da Ciência Política: centro e periferia..................................................483.2 A percepção dos editores sobre o perfil das revistas diante das relações de força no interiorda disciplina..............................................................................................................................563.3 A percepção dos editores sobre os periódicos nacionais e o papel que desempenham no funcionamento do campo da Ciência Política praticada no Brasil............................................64

4 PUBLICAÇÃO DOS PERIÓDICOS.................................................................................744.1 Estatística descritiva............................................................................................................764.2 Descrição qualitativa da produção publicada por doutores em Ciência Política diplomados no Brasil sobre o tema democracia e desigualdade...................................................................85

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................90

REFERÊNCIAS......................................................................................................................93

APÊNDICE A – TRECHOS DAS ENTREVISTAS COM OS EDITORES......................98

APÊNDICE B – RESPOSTAS OFERECIDAS AO QUESTIONÁRIO PELOS INTEGRANTES DA COMUNIDADE ACADÊMICA.....................................................129

APÊNDICE C – FONTES DE PESQUISA (9 Artigos).....................................................149

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1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa de Mestrado sobre a Ciência Política praticada no Brasil nos últimos

10 anos aprofunda e alarga o trabalho contido na Monografia1 defendida em fevereiro de

2016, pela pesquisadora, no Curso de Graduação em Ciências Sociais ofertado na UFPR.

Ambas as pesquisas foram inspiradas no projeto2 que estava sendo desenvolvido pela ABCP -

“Ciência Política no Brasil: história, conceitos e métodos”; no fato de que, no Brasil,

segundo Renato Lessa (2011), “não há, ainda, uma história sistematizada da ciência política

brasileira enquanto domínio reconhecido e institucionalizado” e; nos balanços/diagnósticos da

Ciência Política brasileira produzidos e publicados, principalmente, pelos professores Bolivar

Lamounier (1982), Fábio Wanderley Reis (1991, 1997) e Gláucio Soares (2005).

Sendo assim, contribui com o crescente esforço de sistematização da memória da

Ciência Política brasileira3 enquanto disciplina acadêmica pós-graduada, a partir da análise

de dois conjuntos de dados empíricos: 1. a percepção dos (ex)editores de sete periódicos

nacionais Qualis A1, A2 e B14 colhida durante entrevistas realizadas em profundidade5 pela

pesquisadora, entre 2014 e 2015, acrescida da de outros pesquisadores que compõem a

comunidade científica da Ciência Política Brasileira que aceitaram participar da presente

pesquisa por meio de questionários e; 2. os artigos publicados nestes sete periódicos entre

2005 e 2014. Especialmente, os publicados por doutores em Ciência Política diplomados no

Brasil - em uma das seguintes IES: USP, Unicamp, antigo Iuperj-IESP, UFRGS, UFMG - e

que tratam dos vínculos entre democracia e desigualdades sociais.

1 Monografia intitulada “A Ciência Política no Brasil: Tema, Teoria e Método na percepção dos editores desete periódicos nacionais (Qualis A1, A2 e B1)”. Disponível em:<http://www.humanas.ufpr.br/portal/cienciassociais/files/2015/08/MONOGRAFIA-FABIANE-HELENE-VALMORE.pdf>. Acesso em: 12 maio 2016.

2 Disponível em: <memoria.cienciapolitica.org.br>. Acesso em: 12 abr. 2015.3 Por exemplo, o livro Ciência Política publicado pela ANPOCS em 2011, o dossiê número 19 da RBCP sobre

a “Ciência Política no Brasil”, publicado em maio de 2016; as dissertações e teses sobre a Ciência Políticadefendidas por Oliveira (2010), Nascimento (2011), Leite (2015) e Maglia (2016) e os eventos promovidospela ABCP e pelos Departamentos de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS, USP, UFMG,comemorando o aniversário de oferta da Ciência Política no Brasil enquanto disciplina pós-graduada.

4 Os sete periódicos são: Revista Brasileira de Ciências Sociais (RBCS), Brazilian Political Science Review(BPSR), Revista Brasileira de Ciência Política (RBCP), Revista de Sociologia e Política (RSP), Lua Nova:Revista de Cultura e Política, Opinião Pública (OP) e Dados: Revista de Ciências Sociais.

5 Foram realizadas entrevistas com dois editores de cada periódico, exceto com os das revistas OpiniãoPública e Lua Nova — mesmo tendo sido as editoras Rachel Meneguello e Rossana Reis convidadas paraparticipar da pesquisa. Ambas aceitaram o convite, mas por motivos diversos acabaram não sendoentrevistadas. As entrevistas totalizaram, aproximadamente, 23 horas de conversa e 170 páginas transcritas.A pesquisadora contou com o auxílio voluntário de Renata Valmore, Evellyn Ferraz e Talita de Oliveira natranscrição de parte de algumas entrevistas. A elas, reitero os meus agradecimentos.

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A perspectiva teórica de análise adotada pela pesquisadora no presente trabalho é

influenciada por Pierre Bourdieu, particularmente pelos seus textos: “Os usos sociais da

ciência: por uma sociologia clínica do campo científico” e “Método Científico e hierarquia

social dos objetos”. Igualmente, pela definição de Sociologia Política oferecida por Giovanni

Sartori.

Apesar dos avanços que a Ciência Política Brasileira vem alcançando com a

expansão da oferta dos programas de pós-graduação na área, particularmente, a partir de

2005; com a refundação da ABCP em 1996 e posterior criação da BPSR em 2007 e; com o

acesso online e aberto disponibilizado pelo Portal da SciELO à produção científica da área,

a sua oferta recente — que se inicia em 1965 na UFMG, com a implantação do curso de

Mestrado em Ciência Política — justifica a seleção para análise na presente pesquisa de

periódicos especializados não só em Ciência Política. Por exemplo: a Revista Brasileira de

Ciências Sociais (RBCS), que possui “ampla diversidade temática, disciplinar e conceitual

em sua publicação”. (ANPOCS, 2013).

Mesmo a BPSR, revista editada pela Associação Brasileira de Ciência Política

(ABCP), segundo uma de suas editoras, Janina Onuki, publica artigos de outros campos

disciplinares. Quando perguntada se a BPSR também publica artigos de Filosofia Política e de

Sociologia Política, a editora afirma:

A gente tem artigos que tem essa interface com a Sociologia, com a Filosofia. Então, [a BPSR],não é, digamos, assim, uma revista só de CP. É uma revista que tem muito essainterdisciplinaridade com as outras [áreas]. Eu acho que isso é uma tendência das revistas (…),acho que isso também reflete a produção. Os programas de maneira geral tem essa perspectiva deampliar um pouco o escopo, de ter um dialogo maior com as outras áreas. (...) a gente não faz...ah não, isso daqui é mais Sociologia Política e a gente recusa. De maneira alguma. Todos osartigos passam por pareceristas e se tem alguma interface com a CP a gente publica (...) euacho que a CP só tem a ganhar se interagir com as outras áreas das Ciências Sociais, daAntropologia Política... Eu acho que hoje em dia as análises da CP precisam de elementos, deconceitos de outras áreas…

Considerando que os editores de periódicos científicos — portadores de interesses,

autoridade e competência científicas — ocupam posição estratégica, pois, estão expostos às

pressões do processo de institucionalização de um campo científico e, ao mesmo tempo,

discutem os critérios que orientam o perfil de cada periódico participando, assim, das tensões

e conciliações do campo acadêmico, esta pesquisa apresenta e discute a percepção dos

(ex)editores de sete periódicos nacionais sobre a Ciência Política praticada no Brasil e sobre

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os periódicos por eles editados — a partir das respostas oferecidas por eles a 11 questões do

roteiro de entrevista6.

Pretende-se, deste modo, responder, segundo os editores:

a) Como se relaciona a trajetória temática da Ciência Política com as partes periférica e

hegemônica da disciplina?

b) Em que medida as relações de força no interior da disciplina provocam mudanças e/ou

rupturas no perfil editorial das revistas?

c) Qual o papel, o alcance e os limites dos periódicos nacionais Qualis A1, A2 e B1

especializados em Ciências Sociais na constituição do campo da Ciência Política praticada

no Brasil?

Por outro lado, a realização de um mapeamento quantitativo7 da produção publicada

em periódicos científicos permite um levantamento dos temas, teorias e métodos presentes

nos estudos realizados pelos cientistas sociais e políticos que publicam nestes periódicos

assim como dos vínculos institucionais de seus autores e coautores. Assim, esta pesquisa

apresenta, além da percepção dos editores de periódicos, uma estatística descritiva dos 1505

artigos publicados nos sete periódicos mencionados entre 2005 e 2014 e, especialmente, uma

análise qualitativa dos artigos que dentre estes tratam especificamente da relação entre

democracia e desigualdades e foram publicados por doutores em Ciência Política.

Pretende-se, deste modo, responder, a partir do conjunto de artigos coletados:

a) Qual a proporção de artigos publicados por doutores em Ciência Política no conjunto da

produção publicada nos sete periódicos selecionados entre 2005 e 2014 e como eles se

distribuem conforme a instituição de doutoramento de seus (co)autores?

b) Qual a proporção de artigos que discutem democracia e desigualdades perante o conjunto

dos artigos publicados por doutores em Ciência Política?

6 A percepção dos editores coletada a partir de outras 10 questões do roteiro de entrevista aparece apresentadae discutida na, já referida, Monografia defendida pela pesquisadora e são retomadas na presente pesquisaapenas casualmente.

7 Para tal fim foi produzido um banco de dados contendo os títulos e as palavras-chave dos 1505 artigospublicados nos sete periódicos mencionados, entre 2005 e 2014. Assim como; os nomes, as instituições dedoutoramento e os respectivos cursos, além dos vínculos institucionais dos autores e coautores responsáveispela publicação destes artigos. Em seguida, foram selecionados, dentre os artigos publicados por (co)autoresque se doutoraram em Ciência Política no Brasil, os que possuem em seus títulos e/ou em suas palavras-chave o termo democracia ou algum dos seus correlatos. Por fim, dentre estes, foram analisados emprofundidade os que de forma explicita tratam dos vínculos entre democracia e algum tipo de desigualdade.Agradeço ao Prof. Adriano Codato, pois foi em uma de suas disciplinas ofertadas no curso de graduação emCiências Sociais na UFPR, em 2013, que me ocorreu o interesse pelo mapeamento desses artigos.

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c) Os artigos que discutem o tema democracia de forma vinculada ao tema das desigualdades

o fazem a partir de quais argumentos e/ou justificativas? Além disso, permitem identificar

relações entre as concepções de democracia (substancial e formal) e os lugares que ocupam na

hierarquia da produção da Ciência Política (hegemônica ou periférica)?

A hipótese deste trabalho é a seguinte: as diferentes concepções que possuem os

agentes a respeito da política (autonomizada ou não, da realidade social) e, mais,

especificamente, da democracia (política/formal ou social/substantiva) definem certos modos

de se praticar a própria Ciência Política (politológica/institucionalista ou societal/Sociologia

Política), enquanto disciplina acadêmica, e no limite, concomitante às disputas presentes nos

processos de institucionalização, autonomização e avaliação/financiamento da disciplina em

torno da definição dos seus critérios de cientificidade e da delimitação dos seus temas, teorias

e métodos, o que vem a ser considerado a 'boa' Ciência Política, o seu mainstream.

Dados coletados em fontes secundárias — especificamente, as notas introdutórias

dos primeiros números e das edições comemorativas de aniversário dos sete periódicos

analisados e os vídeos sobre a ciência política no Brasil realizados durante os seminários

promovidos pela ABCP desde 2014, além da percepção dos demais pesquisadores da área,

incluindo, aí, o do Coordenador de Área da Ciência Política e Relações Internacionais da

CAPES, professor André Marenco e a do presidente da ABCP, professor Leonardo Avritzer

complementam as evidencias trazidas pelas 12 entrevistas e pelos 1505 artigos coletados. O

texto A arte de pesquisar, de Mirian Goldenberg, auxilia no desenvolvimento deste percurso.

Por fim, este trabalho está dividido em três partes, mais as considerações finais. A

primeira parte, CIÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL, apresenta um breve panorama da

institucionalização da Ciência Política no Brasil e da sua relação com a Sociologia Política

com destaque para os estudos sobre a democracia brasileira e suas instituições políticas. A

percepção do presidente da ABCP, do coordenador de Área da Ciência Política e de Relações

Internacionais da CAPES e de parte da comunidade científica da área complementa esta

primeira parte da pesquisa.

Já a segunda, PERCEPÇÃO DOS EDITORES, composta por três seções, apresenta

de forma comparada a percepção dos editores de sete periódicos colhida durante entrevistas

em profundidade realizadas a partir de um conjunto de 25 questões abertas e semiestruturadas

sobre a Ciência Política e os periódicos que editam.

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15

Finalmente, a terceira parte, PUBLICAÇÃO DOS PERIÓDICOS, apresenta uma

estatística descritiva da produção da Ciência Política publicada na última década nos sete

periódicos e período mencionados com especial ênfase para a publicação dos doutores em

ciência política. Além disso, apresenta uma análise qualitativa dos artigos que foram

publicados por doutores em Ciência Política e que tratam das relações entre democracia e

desigualdades.

As Considerações Finais retomam os pontos principais da presente pesquisa e

oferecem um panorama dos resultados obtidos a partir da análise dos dois conjuntos de dados

empíricos observados (entrevistas e artigos) em diálogo com a literatura e a percepção de

outros pesquisadores da área.

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16

2 CIÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL

O problema da relação entre ciência e poder não é mais um problemaepistemológico, mas sim um problema político ou ético: diz respeito portanto, não àlógica da ciência, mas à estrutura do poder e à ética do cientista. (BOBBIO, 2004)

2.1 INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CIÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL: HEGEMONIA,PLURALIDADE OU DESIGUALDADE?

A expansão do sistema acadêmico dos anos 1960-70 foi condição institucional para

o início da profissionalização da Ciência Política no Brasil, que contou também com a

herança do pensamento político brasileiro (LAMOUNIER, 1982). Outros elementos

importantes neste processo foram: a implantação de um sistema de pós-graduação, com

delimitação de linhas temáticas claras; a formação de uma comunidade de profissionais

especializados reunidos em associações e agências capazes de estabelecer os parâmetros do

fazer científico e da hierarquia da área a partir do mérito e da avaliação da produção por

pares (MARENCO, 2014). O desenvolvimento de teoria e metodologia autônomas, assim

como a criação de periódicos para divulgação do conhecimento são outros elementos desse

processo. (LEITE; CODATO, 2013).

Vale lembrar, que o processo de institucionalização de uma disciplina científica não é

um mero procedimento técnico. Mas, sim, um percurso onde os parâmetros de

comportamento dos agentes são estabelecidos e os princípios de cientificidade, além dos

critérios de avaliação e de financiamento, elaborados. Tal percurso, político e acadêmico, gera

disputas e, eventualmente, consensos na área. Assim, estabelece os limites espaciais e lógicos

da disciplina e demarca oposições: o centro e a periferia, o dentro e o fora, o superior e o

inferior, no que diz respeito às suas instituições, produções e agentes (LEITE, 2015). Já, o

processo de autonomização da Ciência Política que é intrínseco ao de institucionalização tem

a ver com a definição daquilo que se cabe supostamente designar como Ciência Política e se

dá em meio a confrontos, especialmente, com a Sociologia Política ou a Sociologia da Política

em torno da delimitação e da maneira como são/devem ser analisados os fenômenos políticos.

(REIS, 2015).

De acordo com Freidenberg (2014), o Brasil ao lado da Argentina, Uruguai, Chile e

México é um dos países da América Latina em que a Ciência Política conta com um maior

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nível de institucionalização perante os outros países da região. No Brasil8, o cenário inicial

desse processo de institucionalização da Ciência Política é marcado pela imersão de

importantes pensadores da área na academia norte-americana via investimentos realizados

pela Fundação Ford. Essa experiência contribuiu para que o caminho da institucionalização

valorizasse a pesquisa empírica com o uso de métodos quantitativos avançados (OLIVEIRA;

NICOLAU, 2013) seguindo o modelo que já se desenvolvia nos Estados Unidos (REIS,

2015)9. Neste percurso, a disciplina foi colocando em segundo plano a abordagem ensaística e

relativamente engajada (MARENCO, 2014) e se afirmando institucionalmente pela

formatação de uma linguagem comum erguida sobre referenciais seguros e análises rigorosas

de objetos claramente identificados (LEITE, 2015).

Os processos de institucionalização e de autonomização da CPB10, a expansão

institucional dos seus programas de pós-graduação11 e o mapeamento da sua produção

publicada, principalmente, em periódicos nacionais12 têm sido preocupações acadêmicas

privilegiadas por parte dos seus praticantes. Especificamente, os diagnósticos oferecidos por

Fábio Wanderley Reis (1991, 1993, 1997), Neuma Aguiar (2001) e Gláucio Soares (2005)

sobre ensino, teoria e método nas Ciências Sociais e, em particular, na Ciência Política

denunciaram a feição “historicizante” e o baixo investimento em métodos quantitativos e em

estatística sofisticada presentes nos trabalhos desenvolvidos por sociólogos e cientistas

políticos no Brasil.

Desde então, o conjunto de evidências trazido por diferentes estudos aponta para o

dilema vivido pela Ciência Política brasileira na construção da sua identidade13: de um lado, a

experiência recente de progresso na delimitação das suas fronteiras, na especialização dos

seus profissionais e na constituição de objetos e métodos específicos; isto tudo sob a

hegemonia da abordagem (neo)institucionalista, especialmente, a da escolha racional14. De

8 Estudos sobre a Ciência Política produzida na América Latina podem ser vistos em Retamozo (2009); Rocha(2012); Bulcouurf e Dufour (2012) e em Freidenberg (2014). Também, nos Dossiês “La muerte de laciencia política”. (Disponível em: <http://www.temasydebates.unr.edu.ar/index.php/tyd/issue/view/10>.Acesso em: 14 ago. 2014) e “A construção da Ciência Política na América Latina” (Disponível em:<http://seer.ufrgs.br/index.php/debates/issue/view/2252>. Acesso em: 12 ago. 2014).

9 Sobre a Ciência Política nos Estados Unidos, ver Mörschbächer (2014); Bianchi (2011) e Sartori (1972).10 Ver Leite e Codato (2013) e Marenco (2014).11 Ver Amorim Neto e Santos (2005, 2015) e Documentos de Área da Ciência Política e Relações

Internacionais produzidos a partir das Avaliações Trienais/Quadrienais da CAPES.12 Ver Leite (2010, 2015); Limongi, Almeida e Freitas (2015); Marques (2007); Marques e Machado (2014);

Neiva (2015); Oliveira (2010); Oliveira e Nicolau (2013, 2014); Barboza e Godoy (2015).13 Sobre o confronto entre a Sociologia Política e o (neo)institucionalismo de escolha racional, ver: Fábio

Wanderley Reis (2002, 2015) e Renato Perissinotto (2004).14 Abordagem que enfatiza a análise das instituições formais, tais como: partidos, sistemas partidários, casas

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outro lado, o risco de excessivo fechamento teórico e do bloqueio do diálogo interdisciplinar,

além da desigualdade proporcionada pela rígida hierarquia institucional e pelo abandono

precoce da abordagem societal. Para alguns, a hegemonia do institucionalismo deve ser

saudada, pois, tem sido fundamental para a institucionalização da Ciência Política no Brasil

— para a demarcação das suas fronteiras sem prejuízo para o pluralismo teórico e

metodológico (MARENCO, 2014). Para outros, é necessário fazer a crítica deste processo de

excessiva valorização ‘politológica’ que não só transforma uma escolha teórico-metodológica

em critério de cientificidade, como coloca à sombra aspectos ‘societais’15 fundamentais para

compreensão da política e, em especial, da democracia brasileira, enquanto fenômeno social e

não só institucional (LEITE, 2015). Ou seja, é preciso não confundir disposição e

capacidade/necessidade de adequação com produção científica de qualidade.

Mesmo recentemente, a despeito da expansão da oferta de cursos de Mestrado e

Doutorado em Ciência Política verificada a partir de 2005 nos estados de SC, PR, PI, PB, BA,

GO, PA e MA e dos avanços reiteradamente indicados nos Documentos de Área da CAPES16,

o confronto entre as abordagens adotadas pelo mainstream da Ciência Política e pela

Sociologia Política continua presente. Igualmente, o confronto normativo entre as concepções

de democracia política (procedimental) e social (substantiva) presentes nos estudos dos

cientistas sociais e políticos brasileiros.

Provas da atualidade e força dessa discussão são a aprovação, por parte da ABCP, da

Área Temática Sociologia Política, em 2014 e a Sessão Especial “Political Science &

Sociologie Politique: tradições opostas, alternativas ou conciliáveis?”, a ser apresentada e

discutida no 10º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, em 2016 (ano em que

essa associação celebra vinte anos de efetiva organização no âmbito nacional), cuja ementa

aparece descrita da seguinte maneira na página eletrônica da ABCP17:

legislativas, poder executivo, sistema eleitoral etc.; dando especial atenção às suas regras e seus atoresinternos, com o objetivo de explicar os processos decisórios no regime democrático.

15 Ver Documento de Área Ciência Política e Relações Internacionais, Quadriênio 2013-2016. Disponivel em:<http://www.capes.gov.br/images/documentos/Documentos_de_area_2017/39_cpol_docarea_2016.pdf>.Acessado em 10 jan. 2017.

16 Em contraposição ao ‘institucionalismo’, especificamente, o da escolha racional, a abordagem ‘societal’ ouda ‘Sociologia Política’, valoriza os atores sociais, suas posições na estrutura social, suas identidades, seusvínculos de classe e trajetórias; entendendo que eles desempenham papel importante nos processos políticosformais. Portanto, relações sociais, culturais e econômicas de: poder, dominação, influência e participação;são consideradas fundamentais para compreensão do processo democrático.

17 Disponível em: <http://www.encontroabcp2016.cienciapolitica.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=314>.Acesso em: 27 jul. 2016.

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Estudos empíricos sobre a política podem ser filiados a duas tradições concorrentes:uma tradição da Ciência Política anglo-saxã ("Political Science"), dominante nocampo, e uma tradição vinculada à Sociologia Política francesa, de inspiraçãobourdieusiana ("Sociologie Politique"). Enquanto a primeira focaliza principalmentea política institucional, insiste numa abordagem comparatista e apoia-se emdemonstrações de hipóteses com base em estatística descritiva e inferencial, asegunda emprega métodos históricos (sócio-história), etnográficos, e focalizaprincipalmente processos de socialização política e objetos muito circunscritos notempo e no espaço. Ainda que essas diferenças sejam um tanto caricaturais, elasdescrevem, através de estereótipos, modos distintos e até certo ponto poucoconciliáveis de se compreender a Política. O objetivo dessa sessão é discutir asfronteiras entre essas duas tradições, as pontes que se podem lançar entre elas eaprofundar agendas de pesquisa menos exclusivas entre a Political Science e aSociologie Politique.

Tão significativo quanto a admissão por parte da ABCP, em 2014, desta Área

Temática, foi a admissão, em 2010, de outra Área: a de Pensamento Político Brasileiro. Nota-

se, portanto, nesses exemplos, uma tendência crescente de abertura temática no mais

representativo evento científico da área, no Brasil.

Em outras palavras, tal divisão se dá nos seguintes termos:

[...] [de um lado ] se ubica la ciencia política empírica, teóricamente inclinada haciaenfoques racionalistas y/o neoinstitucionalistas, y metodológicamente inclinadahacia la cuantificación y/o la comparación; y en el otro extremo se sitúa la cienciapolítica lindera con la filosofía política, de corte más normativo y/ometodológicamente orientada hacia el estudio profundo de casos o fenómenosparticulares con datos cualitativos más o menos sistematizados. Unos ponen énfasisen el carácter científico de la disciplina mientras que los otros lo hacen en sucarácter político. (D'ALESSANDRO, 2013, p. 90)

Diante do exposto, é possível afirmar que existe uma parte da CPB que é, comumente

reconhecida, por uma parcela central do campo, como sendo a parte legitima da disciplina. Esta

parte se inspira no modelo norte-americano de Ciência Política e aparece com frequência

publicada nos periódicos classificados nos estratos superiores do Qualis da CAPES. Por outro

lado, há, também, no campo, outras formas de se pensar e praticar a disciplina. Nesta outra

parte, a pluralidade de temas, teorias e métodos é maior e a Sociologia Política encontra espaço.

Por fim, a partir do momento em que a comunidade científica hierarquiza a disciplina - seja

porque atribui notas aos programas de pós-graduação ou porque classifica os periódicos

científicos em estratos de maior ou menor qualidade - sem levar em conta as condições

estruturais diferenciadas presentes em cada IES, acaba criando desigualdade no campo. No

limite, cria competição e, também, as implicações que daí decorre. Esse processo político e

acadêmico de estratificação do campo que torna hegemônica uma certa forma de se fazer

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Ciência Política frente à outra, periférica, determina, também, os critérios para a obtenção de

prestigio no campo, bem como os conflitos de toda ordem que estruturam as lutas entre os

agentes sociais que pleiteiam o cumprimento de tais critérios — que querem ser reconhecidos

no campo.

2.2 A RELAÇÃO CIÊNCIA POLÍTICA E SOCIOLOGIA POLÍTICA NO ESTUDO DADEMOCRACIA BRASILEIRA E DAS SUAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS

O confronto entre a Ciência Política — especialmente a sua fração hegemônica — e

a Sociologia Política aparece em alguns trabalhos de Fábio Wanderley Reis. Por exemplo, nos

publicados em 2002 e 2015. Nestes, o autor distingue a posição dos partidários de uma ciência

política autônoma da daqueles que, diversamente, possuem uma perspectiva sociologicamente

orientada e pode ser notada no trecho seguinte, retirado de “Sociologia Política, Ciência

Política e 'escolha racional'”:

A primeira se caracterizaria pela ênfase em fatores que são entendidos confusamentecomo “políticos” ou “político-institucionais” ou pela ênfase no próprio Estado, ouem problemas e questões de alguma forma relacionados diretamente com o Estado.Isso é visto como correspondendo a uma preocupação de afirmação da “autonomia”da Ciência Política em relação à Sociologia. Já a segunda, na outra ponta, envolveriauma perspectiva que daria ênfase a fatores de natureza “social”, “sociológica”,“sociopsicológica”, “estrutural” etc., correspondendo a uma maneira sociológica dever as coisas. (REIS, 2002, p. 2)

Essas duas posições reaparecem tensionadas nas palavras de Reis (Idem, p.10), pois,

segundo ele: “numa perspectiva que reconheça a articulação Estado-sociedade não só como

uma imposição metodológica, mas também como foco em torno do qual giram os problemas

teóricos e práticos da disciplina, 'Ciência Política não pode ser senão Sociologia Política'”. A

esse respeito, em outro texto de 2015, Reis afirma:

a disposição prescritiva dos cientistas políticos relativamente a “sistemas eleitorais,formas de governo e desenho das instituições” só terá a ganhar se tais temas nãoforem entendidos de modo restritivo e empobrecedor e vierem a articular-se, aocontrário, [...] com temas como o da igualdade e da estratificação social, que não sãomenos político. (p. 55)

Essa discussão em torno da relação entre Ciência Política e Sociologia Política

aparece também na Tese de Doutorado em Sociologia defendida por Leite (2015) na UFPR.

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Para o autor, que analisa a produção acadêmica publicada em periódicos nacionais A1, A2 e

B1 listados no Qualis da área de Ciência Política e Relações Internacionais do triênio 2010-

2012, a separação institucional entre Sociologia Política e Ciência Política pode trazer

prejuízo científico para Ciência Política, por exemplo, “quando o que 'não é ciência política'

exercer influência real sobre a política” e, ainda assim, for excluído/ignorado pela disciplina

como variável explicativa na análise dos fenômenos políticos que faz. O risco, afirma o autor,

é o da consolidação de um oficialismo que desvaloriza a análise de objetos portadores de

pouca visibilidade, por exemplo, aqueles não definidos por regras claramente

institucionalizadas.

Outro estudo recente e preparado por Limongi, Almeida e Freitas (2015)18 para o

livro “Ciência Política no Brasil: história, métodos, conceitos”, a ser lançado pela ABCP em

2016, descreve o desenvolvimento do estudo acadêmico das instituições políticas brasileiras e

faz um levantamento empírico dos artigos que remetem à discussão institucional, publicados

entre 1988 e 2014, em 6 periódicos nacionais: DADOS, RSP, RBCS, Lua Nova, Opinião

Pública e BIB. Segundo os autores, “a abordagem da política pela ótica das instituições

domina, hoje, o campo da ciência política no Brasil” (p. 1) tendo o neo-institucionalismo,

implicado em ruptura profunda com o determinismo implícito nas explicações da Sociologia

Política que predominou por décadas no Brasil.

No Brasil, de acordo com esses autores, foi Bolivar Lamounier quem abriu caminho

para a valorização das instituições no estudo da política brasileira desafiando a tese da

inviabilidade da democracia em países periféricos. Mais tarde, segundo eles, Sérgio

Abranches desloca o foco do debate institucional da legislação eleitoral — promovido por

Lamounier — para as relações entre o Executivo e o Legislativo tomando como normal

presidentes governarem com o apoio de uma coalizão. Progressivamente, forma de governo e

leis eleitorais — variáveis institucionais chaves na emergência do neo-institucionalismo —

vão ocupando posições centrais na Ciência Política brasileira. A partir de meados dos anos

1990, a noção de que o Brasil vivia uma crise de governabilidade insuperável foi sendo

deixada para trás e o foco das análises institucionalistas passou a ser o funcionamento da

democracia brasileira, afirmam os autores.

Especificamente sobre o estudo da democracia, tema central na Ciência Política,

Perissinotto (2004) destaca os trabalhos de Figueiredo e Limongi (2001) e de Amorim e

18 Ver, também, Oliveira (2014) e o Dossiê Temático sobre os estudos das instituições políticas publicado na Revista de Discentes de Ciência Política da UFSCar, v. 3, n.1. 2015.

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Santos (2002), respectivamente, sobre disciplina partidária e sobre a natureza das decisões

produzidas pelo Legislativo nacional, como exemplos de análises feitas estritamente a partir

de variáveis institucionais e portadoras de rigor quantitativo. No entanto, a respeito destas

análises, ou melhor, de análises que como estas são feitas a partir de variáveis puramente

institucionais, o autor afirma haver limitações, pois, segundo ele:

Se, por um lado, é verdade que o institucionalismo de escolha racional presente nosestudos sobre a democracia brasileira contribuiu significativamente para um melhorconhecimento de nossas instituições, por outro lado, essa abordagem resultou numretrocesso analítico ao considerar o processo decisório a partir de uma perspectivaque leva em consideração apenas as instituições políticas e os atores diretamenteenvolvidos nesse processo, e ao reduzir o problema da governabilidade à existênciade sanções institucionais. (p. 227-228).

Ou seja, de acordo com Perissinotto (2004), se os procedimentos perpassados por

relações de poder, influencia e dominação que em muito transcendem as instituições

decisórias formais não forem levados em consideração pelo analista, corre-se o risco de

observar aquilo que talvez não seja o mais importante para a análise das decisões políticas.

Segundo ele, “a análise das decisões políticas deve ter como objeto de estudo não apenas as

instituições políticas e seus atores racionais, mas deve incluir, também, a 'sociedade'”.

Também preocupada em contribuir com a caracterização do campo, mas, neste caso,

o das Ciências Sociais, Danusa Marques (2007) faz um levantamento empírico dos artigos

sobre democracia publicados em três periódicos nacionais (RBCS, Dados e Lua Nova) entre

1985 e 2005. Segundo ela, a ênfase de grande parte dos artigos analisados recai sobre as

instituições e procedimentos da democracia liberal-pluralista e o tom adotado pelos autores é

de legitimação e de defesa desta forma de governo.

Num trabalho complementar, Marques e Machado (2014) redefinem o seu objeto de

pesquisa que passa a ser a abordagem das Ciências Sociais sobre o conceito de desigualdade e

sua interface com o tema da democracia)19. Os autores partem do pressuposto de que a disputa

discursiva que marca a sociedade, também, envolve a academia e constatam que existe um

número significativo de artigos cujo tema é a desigualdade e/ou a democracia. Entretanto, o

olhar mais refinado dos autores informa que a desigualdade é mais mencionada do que

discutida em profundidade. Quanto aos artigos que mencionam os dois termos, desigualdade e

democracia, em sua grande maioria não trata com rigor a articulação entre eles. O crescimento

19 Os autores escolheram os mesmos periódicos (RBCS, Dados e Lua Nova) e observam as publicações entre 2000 e 2010.

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recente da incidência do tema desigualdade nos artigos também deve ser relativizado, pois, a

discussão do assunto não cresce no mesmo ritmo, significando que em grande parte os textos

apenas abordam superficialmente o tema. Quando a discussão envolve os efeitos sociais da

desigualdade, são as formas materiais de desigualdade as recorrentes nos artigos analisados.

Enfim, os autores concluem, como era de se esperar, que a presença dos estudos

interessados na análise do convívio mútuo entre democracia e desigualdades é escassa e o

debate entre os pares, frágil. Considerando que os autores analisam os artigos publicados nas

Revista Brasileira de Ciências Sociais, Dados e Lua Nova, justamente, no período em que o

estudo das instituições políticas brasileiras ganham domínio, é possível inferir que as

mudanças ocorridas no campo na direção da abordagem (neo)institucionalista alcançaram até

mesmo uma revista como a Lua Nova, historicamente interessada no debate crítico e na

defesa à esquerda dos ideais democráticos de liberdade e de igualdade.20

Na periferia do debate, alguns outros trabalhos que se orientam por questões de

pesquisa diferentes fazem a crítica deste modelo de análise institucionalista da democracia e

sugerem alternativas conceituais e metodológicas. Neste caso o olhar normativo prioriza a

sociedade elegendo-a como variável explicativa e interveniente da realidade e se mostra

reservado diante da concepção autonomizada de política e minimalista de democracia.21

Elisa Reis, em entrevista22 concedida ao programa de pós-graduação em Sociologia

Política, da UFSC, mostra como tendem a se organizar no campo, a Sociologia Política e a

Ciência Política. Nesse sentido, complementa o objetivo desta seção. De acordo com ela:

[...] A Ciência Política hoje tem alguns paradigmas muito claros. Um deles é oinstitucionalismo ou neo-institucionalismo. Nele, há uma preocupação comengenharia política, como se constroem as instituições de modo que elas sejamvirtuosas, eficientes, etc. [...] ao mesmo tempo em que ela parece muito técnica, elaé muito normativa também. [...] De qualquer forma, o fato é que os interesses sociaisestão relegados ao segundo plano. [...] Na Sociologia Política, [não]. [...] A outratendência muito forte na Ciência Política é a perspectiva da escolha racional. Aívocê poderia ver um ponto de contato com a Sociologia Política, porque ela estácentrada em interesses. Mas só que os interesses da escolha racional sãoformalizados [...] em situações de disputa. Aqui há uma outra diferença: a história évital para a Sociologia Política e menos importante para a Ciência Política decorte racionalista. (grifo da autora)

20 Sobre o porquê da revista Lua Nova, ver as Notas Introdutórias publicadas nos números 39, 64 e 69disponíveis na página do Scielo.

21 Ver Gabriel Vitullo (2006); Luís Felipe Miguel (2002) e Perissinotto e Fuks (2002).22 “Situando a Sociologia Política” (2002). Disponível em:

<https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/4926>. Acesso em: 02 ago. 2016.

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Noutro trecho da entrevista concedida à UFSC, quando perguntada sobre o porquê de

coordenar um núcleo de estudo interdisciplinar sobre desigualdade e não um de Sociologia

Política, ela responde que é devido ao interesse remoto que há por um núcleo de Sociologia

Política. No entanto, suas afirmações de que “quase tudo o que cabe na temática da

desigualdade é objeto legítimo da Sociologia Política [...]” e de que, é necessário para que

um núcleo de estudos consiga receber financiamento mostrar a sua relevância para o país,

permitem supor que o estudo científico da temática da desigualdade, enquanto objeto de

pesquisa, é considerado relevante pelas agências de fomento nacionais, mas que a Sociologia

Política, como um núcleo de pesquisa, não. De acordo com Leonardo Avritzer, presidente da

ABCP, como uma disciplina acadêmica, também, não, já que:

[A Sociologia Política] já foi uma área importante para a CP brasileira. O Brasil tem pessoas depeso que se consideram da área de Sociologia Política, por exemplo, Elisa Reis. Entre outros.Mas ela foi sumindo, deixando de ser relevante pela evolução disciplinar da pós-graduaçãobrasileira que acabou não deixando uma área muito clara pra isso. O nosso programa de pós-graduação que em Minas Gerais durante muito tempo foi Programa de Sociologia Política,acabou deixando de existir porque como ele não tinha uma natureza claramente disciplinar,acabava sendo não muito bem avaliado pela CAPES.

Muito interessante é notar, no entanto, o que se pode inferir a partir do que diz Elisa

Reis, mais adiante, durante a entrevista: “Quando tivermos que chamar de Sociologia

Política, vamos chamar.”. Mais ainda, se as desigualdades são objetos de estudo privilegiados

da Sociologia Política, conforme afirma Elisa Reis e se “a ciência política é a ciência da

democracia [...]”, de acordo com o professor Fabiano Santos. E se, segundo ele, “não há

democracia sem as instituições democráticas” e, se, de acordo com ela, movimentos sociais

são preocupações dos que defendem uma democracia de tipo substantiva; é possível, já aqui,

ensaiar o início da comprovação da hipótese proposta na Introdução deste trabalho.

Diante do exposto, talvez caiba para pesquisas futuras, o seguinte questionamento,

ainda que melhor formulado: Se Sociologia Política não é Ciência Política, apesar do

seguinte: “numa perspectiva que reconheça a articulação Estado-sociedade não só como uma

imposição metodológica, mas também como foco em torno do qual giram os problemas

teóricos e práticos da disciplina, 'Ciência Política não pode ser senão Sociologia Política'”

(REIS, 2002) e; se, “estudos empíricos sobre a política podem ser filiados a duas tradições

concorrentes: uma tradição da Ciência Política anglo-saxã ('Political Science'), dominante no

campo, e uma tradição vinculada à Sociologia Política francesa, de inspiração bourdieusiana

('Sociologie Politique')”, conforme ementa da Sessão Especial a ser discutida em 2016, no

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Encontro da ABCP, já mencionada; de que tipo é a outra forma de se fazer Ciência Política

diferente daquela que “se passa por” dominante no/pelo campo? Ou seja, como/qual é a

Ciência Política periférica? Quais são os seus objetos de pesquisa?

2.3 ABCP, CAPES E COMUNIDADE CIENTIFICA: O QUE DIZEM SOBRE ADISCIPLINA?

A percepção de outros 15 pesquisadores da área, incluindo, aí, a do Coordenador de

Área da Ciência Política e Relações Internacionais da CAPES, professor André Marenco, e a

da presidente da ABCP, professor Leonardo Avritzer, complementa as evidencias trazidas

pelas 12 entrevistas com os editores e pelos 1505 artigos e foi coletada por meio de

questionários/entrevistas, conforme QUADROS 1 e 2, com a intenção de ampliar na presente

pesquisa o conhecimento da disciplina a partir de seus próprios praticantes e particularmente,

da CAPES e da ABCP.

Tais pesquisadores foram convidados para participar da presente pesquisa em função

de terem organizado e/ou participado de eventos comemorativos de aniversário da Ciência

Política no Brasil. Por exemplo, os Seminários realizados em 2013 pelos programas de pós-

graduação em Ciência Política da USP (“40 anos de Ciência Política na USP”) e da UFRGS

que discutiu (“a construção da Ciência Política na América Latina”). Assim como, porque

representam IES de diferentes regiões do Brasil e portam variadas concepções teóricas e

metodológicas.

Cabe ainda informar que a nem todos os respondentes/entrevistados foram feitas as

mesmas questões. Isso devido às as especificidades institucionais e teórico-metodológicas de

cada um deles. Por exemplo, o artigo “Teoria política e pensamento social na América

Latina”, publicado em 2013, por Gisálio Cerqueira Filho, inspirou a seguinte questão: Como

se dá o diálogo entre o Brasil e a América Latina no que se refere às condições de produção

e divulgação da ciência política atual?. Já a questão sobre as revistas marxistas e o SciElo

feita ao professor Ricardo Musse foi elaborada devido a sua participação como pesquisador

do Laboratório de Estudos Marxistas da Universidade de São Paulo. E assim por diante.

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QUADRO 1 – ENTREVISTADOS/RESPONDENTES DOS QUESTIONÁRIOS

PESQUISADOCURSO DE

DOUTORADOVÍNCULO IES DATA

INSTRUMENTOE DURAÇÃO

FORMA DEREALIZAÇÃO

André Marenco Ciência Política ABCP/UFRGS 09/04/15 Entrevista – 32min PessoalmenteLeonardo Avritzer Sociologia CAPES/UFMG 09/04/15 Entrevista – 21min PessoalmenteBruno Wanderley Reis Ciência Política UFMG 01/06/15 Entrevista – 80min SkypeMaria do Socorro Braga Ciência Política UFSCar 17/06/15 Questionário E-mailJoão Roberto M. Filho Ciências Sociais UFSCar 02/07/15 Questionário E-mailJoão Feres Jr. Ciência Política IESP/UERJ 08/08/15 Questionário E-mailGisálio Cerqueira Filho Ciência Política UFF 21/08/15 Questionário E-mailFabiano Santos Ciência Política IESP/UERJ 26/08/15 Questionário E-mailAndrea Freitas Ciência Política Unicamp 08/09/15 Questionário E-mailFernando Limongi Ciência Política USP 08/09/15 Questionário E-mailJairo Nicolau Ciência Política UFRJ 18/09/15 Questionário E-mailRicardo Musse Filosofia USP 27/10/15 Questionário E-mailVera Alves Cepêda Ciência Política UFSCar 02/06/16 Questionário E-mailGabriel Eduardo Vitullo Ciência Política UFRN 05/06/16 Questionário E-mailÁlvaro Bianchi Ciências Sociais Unicamp 06/06/16 Questionário E-mail

FONTE: A autora (2016).NOTA: Cinco professores da UFRGS, UFPE, UFSCar e IESP/UERJ não devolveram o questionário respondido.

Dito isto, esta seção apresenta a percepção destes pesquisadores sobre a Ciência

Política Brasileira a partir das respostas oferecidas por eles a 5 questões abertas23. A trajetória

institucional teórica e metodológica da disciplina no Brasil; o papel da CAPES na

estratificação, avaliação e financiamento da disciplina e; o significado da aprovação recente

de novas Áreas Temáticas por parte da ABCP são algumas das questões tratadas na presente

seção.

O QUADRO 2 e as notas de rodapé 24 a 29 dão informações sobre as 5 questões

feitas a cada um desses 15 professores.

23 Trechos das respostas oferecidas pelos 15 respondentes encontram-se disponíveis na lista de Apêndices dapresente pesquisa. Ao professor Jose Szwako agradeço pela sugestão da questão 2. Ao professor AdrianGurza Lavalle agradeço novamente pela entrevista concedida que serviu de inspiração para a elaboração daQuestão 3.

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QUADRO 2 – MAPA DAS QUESTÕES RESPONDIDAS PELOS PROFESSORES PESQUISADOS

Professores pesquisados

QUESTÃO 1 QUESTÃO 2 QUESTÃO 3 QUESTÃO 4 QUESTÃO 5

Ttrajetóriada CP

SofisticaçãoMetodológica

versusRefinamento

Teórico

Revistas Marxistase Qualis inferior a

B1 versusRevistas Qualis A1,

A2 e B1

Pesquisa dedestaque na

CPbrasileira

Grandeproblema eImportante

questão da CP

André Marenco24 Outra Outra Outra X XLeonardo Avritzer25 Outra Outra Outra X XBruno Wanderley Reis26 X X Outra X XMaria do S. Braga27 X X Outra X XJoão R. Martins Filho X X Outra X XJoão Feres Jr. X X X X XGisálio C. Filho28 X X X Outra XFabiano Santos X X X X XAndrea Freitas X X X X XFernando Limongi X X X X XJairo Nicolau X X X X XRicardo Musse29 X X X Outra NRVera Alves Cepêda X X X X XGabriel E.Vitullo NR NR X NR NRÁlvaro Bianchi X X X X X

Fonte: A autora (2016).LEGENDA: X = ofereceu resposta a questão indicada neste quadro; OUTRA = a questão indicada neste quadrofoi substituida por outra e NR = questão deixada em branco pelo respondente.

24 Questões 1, 2 e 3 perguntadas ao professor André Marenco: 1. Eu gostaria que o senhor falasse umpouco sobre a Avaliação Trienal da CAPES, sobre a sua necessidade e objetivos. 2. Considerando quecomumente avaliações sempre acabam impondo pressões, eu gostaria de saber como tem se dado a relaçãoinstitucional entre a CAPES e os programas de pós-graduação e periódicos científicos, por exemplo. Enfim,quais os principais pontos positivos e negativos deste sistema de avaliação? 3. Eu gostaria que o senhorfalasse um pouco sobre o financiamento pela CAPES de pesquisas pós-graduadas e a contrapartida destaspesquisas para a sociedade, por exemplo, para a qualificação do debate público sobre a política.

25 Questões 1, 2 e 3 perguntadas ao professor Leonardo Avritzer: 1. Eu gostaria que o senhor falasse umpouco sobre a trajetória institucional da ABCP, incluindo o período 1986-96. 2. Principalmente, quaismotivos o senhor destaca como sendo os que deram origem ao Projeto Ciência Política no Brasil: história,conceitos e métodos que está sendo desenvolvido pela ABCP? 3. Sobre as Áreas Temáticas da ABCP, eugostaria que o senhor comentasse um pouco sobre o que tem levado à inclusão de novas áreas. Por exemplo,o que justifica a aprovação pela ABCP, em 2012 e 2014, respectivamente, das Áreas Pensamento PolíticoBrasileiro e Sociologia Política, para além da possibilidade de ampliação de espaço de discussão?

26 Questão 3 perguntada para os professores Bruno Wanderley Reis e João Roberto Martins Filho: Quaistemas têm prevalecido no debate da Ciência Política brasileira? O neoinstitucionalismo e/ou a democraciabrasileira, por exemplo, influenciam, em grande medida, a agenda temática desta disciplina, na atualidade?

27 Questão 3 perguntada para a professora Maria do Socorro Braga: Principalmente, quais motivos asenhora destaca como sendo os que deram origem ao Projeto “Ciência Política no Brasil: história,conceitos e métodos”, que está sendo desenvolvido pela ABCP? O que o justifica?

28 Questão 4 perguntada para o professor Gisálio Cerqueira Filho: O Brasil, por exemplo, a partir dapublicação de artigos em inglês, pela BPSR, editada pela ABCP, busca aumentar o diálogo com acomunidade científica internacional. Como se dá, em especial, o diálogo entre Brasil e América Latina noque se refere às condições de produção e divulgação da ciência política atual? Tem estado interessados oscientistas políticos latino-americanos a dialogar sobre a realidade política de seus países?

29 Questão 4 perguntada para o professor Ricardo Musse: Como os cientistas sociais marxistas seposicionam diante do fato de não contarem com a visibilidade e divulgação proporcionadas pelo Scieloquando publicam suas produções científicas em revistas marxistas; por exemplo, quando publicam na CríticaMarxista?

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Especialmente as respostas oferecidas à questão 3, sobre o alcance do conhecimento

que se pode ter da disciplina quando analisada exclusivamente a partir da sua produção

publicada em revistas científicas A1, A2 e B1, deixam notar a dimensão política, antes que

acadêmica, presente no campo e levantam muitas questões importantes. A CAPES, enquanto

agência estatal que regula, avalia e financia a pesquisa científica no Brasil, aparece na fala dos

respondentes, como a instituição em grande medida responsável pela hierarquização do

campo. Evidência esta, também, destacada nos trabalhos de Codato e Leite (2013). O trecho a

seguir, da professora Vera Cepêda, da UFSCar, ajuda a esclarecer essa problemática.

[...] A validação da produção científica [...] passou por uma espécie de “politização” — são os“pares” [...] e muito especialmente as AGÊNCIAS de regulação e fomento das áreas os espaçosque institucionalizam, regulam, orientam e legitimam/deslegitimam quaisquer produção científica.Os indicadores servem como parte dessa engenharia regulatória e, obviamente, incluirá eexcluirá escolas, agendas de pesquisa, objetos, etc. [...] Não é possível ter ilusão sobre adimensão política [...] que cerca esse processo. O jogo da qualificação é excludente por princípioporque é calculado com base na distribuição das revistas por estratos — somente algumas serãoA1 ou A2, as demais serão hierarquizadas nos estratos inferiores. Assim, a linha editorial de umarevista A1, não tenderá a selecionar e, por extensão, reforçar apenas os artigos que coadunemcom sua linha? Os demais artigos que não se enquadrem, não sofreriam uma desvalorizaçãopública imediata, em função de serem publicadas em revistas com indexação menor? [...] Emsíntese, há mais CP não coincidente com o mainstream por aí, mas sob pressão desubalternização tende a encolher, ter menos visibilidade e prestígio (ah o poder da “distinção”no espectro social!...). Este, me parece o caso do marxismo. Sem condições de uma análise maisprofunda sobre os possíveis pontos do apagamento do marxismo na área da CP, [...] vou fazeraqui uma aposta, na forma de hipótese: o marxismo opõe-se a toda a engenharia e repertório daCP americana: autonomia das instituições, jogos partidários eleitorais, expersites eracionalidades dos entes institucionais, entre outros, não ficam “apagados” diante do pressupostodas classes sociais? Uma CP de cunho marxista lida com a totalidade dos temas da política deuma maneira MUITO diversa da matriz que tornou-se hegemônica nas instituições acadêmicasbrasileiras na área. (o ponto que quero destacar é que há uma distinção muito grande entre asduas formas de entender, pesquisar e analisar a política. Talvez por isso, quando uma aumentaseu prestígio, a outra recua.

O fato de que, na percepção da professora Vera Cepêda, “há uma distinção muito

grande entre as duas formas de pesquisar e analisar a política”, está relacionado com o que

diz, o professor João Feres Jr., sobre a pouca visibilidade que possuem os autores marxistas

nos periódicos bem avaliados pelo Qualis da CAPES. Segundo ele: “a qualidade do trabalho

feito por marxistas é inadequada aos critérios acadêmicos da CP”. Ou seja, se se couber a

somente uma dessas duas formas o selo de qualidade oferecido pela CAPES, o que importa

para merecê-lo é, nas palavras do professor João Feres Jr: “o que [se] passa por CP no

Brasil”. Sobre isso, ele afirma:

[...] é fato que as revistas marxistas não têm boa avaliação no Qualis, pois não satisfazemcritérios como pertencer ao Scielo, ter fator de impacto, estarem indexadas em bases

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internacionais, praticarem seriamente o peer review, etc. Esses critérios não são neutros, e nãosão somente os marxistas que sofrem com eles. Mas o fato é que se perguntarmos sobre aprodução de CP de qualidade no Brasil, entendida como aquela que aparece em periódicos bemclassificados, a produção marxista é bem diminuta. Não acredito que haja uma perseguiçãocontra os marxistas nos periódicos bem qualificados. As razões pelas quais marxistas aparecempouco neles são, penso eu, autoseleção (muitos marxistas acham esses periódicos liberais) […][e] excesso de sociocentrismo e de economicismo das abordagens marxistas. A CP privilegiaabordagens politológicas, ou seja, a autonomia do objeto da política, tese rejeitada por boa partedos marxistas.

Essa diminuta presença da produção marxista nos periódicos bem classificados, de

que fala o professor João Feres Jr., contrastada com os 1308 professores universitários e/ou

estudantes de pós-graduação em escala nacional que se consideram marxistas e, por isso,

aceitaram a participar da pesquisa “O marxismo nas universidades brasileiras”30, de algum

modo ajuda a confirmar a pertinência dos questionamentos e ressalvas apresentados por

muitos dos professores que participam da presente pesquisa quando falam que não é possível

saber a respeito da disciplina olhando apenas para uma parte dela. Ou, nas palavras de Adrian

Gurza Lavalle: olhando apenas para a “ponta do iceberg” da disciplina.

Cabe destacar que tanto Cepêda, como Feres Jr. afirmam a existência de maneiras

diferentes — antagônicas, pode se dizer — de se pensar, praticar e privilegiar a disciplina.

Ambos reconhecem que a CAPES possui papel importante na definição dos critérios de

avaliação da qualidade da produção científica que ajudam a fazer com que uma dessas

maneiras, e não a outra, seja considerada a “boa ciência”. Isso tudo, de maneira indireta, por

meio de inferências, já que segundo André Marenco, coordenador da Área de Ciência Política

e Relações Internacionais da CAPES, “pra avaliação da produtividade científica é [utilizado]

basicamente o Qualis... que é o que classifica os periódicos”. Ou seja, segundo ele:

a principal preocupação da CAPES não é com a produção no sentido de quantidade mas é com aqualidade da produção. Se fosse uma preocupação no sentido de quantidade, não precisaríamoster o Qualis, por exemplo, né... Bastaria simplesmente quantificar quantos artigos, quantos livros,quantos capítulos são produzidos por docentes de cada programa ou pelos discentes e no maistaria resolvido. [...] a gente precisa saber da qualidade, precisa ver se, por exemplo, um artigoque foi publicado passou por revisão de pares, houve um rigor na sua avaliação. Livro também...produção técnica, tudo isso aí... Se a tese que é defendida de fato tem qualidade. Se a dissertaçãotem qualidade. [...] A CAPES não faz uma avaliação direta. Ela não lê os artigos pra ver se... Oque que ela faz? Ela... bom... um artigo publicado na revista X…, na DADOS, na OpiniãoPública, na Revista de Sociologia Política é um artigo que tende... deve ser de boa qualidade.

30 Disponível em: <https://lemarxusp.wordpress.com/2014/03/05/pesquisa-o-marxismo-nas-universidades-brasileiras/>. Acesso em: 10 ago. 2016.O artigo “O que um ranking tem a dizer”, de Lidiane Soares Rodrigues, professora do Departamento deCiências Sociais da UFSCar, é um dos produtos desta pesquisa e pode ser Acesso em:<http://www.encontroabcp2016.cienciapolitica.org.br/resources/anais/5/1466391397_ARQUIVO_UmrankingVFinal.pdf>. Disponível em: 11 ago. 2016.

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Por quê? Porque a gente sabe que é uma revista exigente na qualidade, uma revista que tem umfator de impacto significado. [...] Então, a gente pode inferir que é um artigo de boa qualidade.Então, a CAPES... tem procurado estabelecer parâmetros de qualidade. O Qualis, a classificaçãode livros, a classificação de produção técnica, a internacionalização... são todas formas de seestabelecer exigência de qualidade.

Os questionamentos colocados pela professora Vera Cepêda e que reaparecem nas

palavras de vários outros professores/editores que participam desta pesquisa deixam notar

claramente suas preocupações normativas em relação ao modelo vigente utilizado pela

CAPES na avaliação da produção científica e do que daí decorre. De acordo com André

Marenco, coordenador de Área da CP e RI da CAPES:

[...] Na área de Ciência Política, por exemplo, se eu publicar 50 artigos numa revista B3, issonão vai significar absolutamente nada. Por quê? Porque a área de CP, ela, só pontua paraefeitos de avaliação dos programas, artigos que são publicados por docentes em revistas B1 ousuperior. No caso de discentes, [é aceito] todo o estrato do Qualis. [...] Por quê? Justamente porum critério de qualidade... Tanto faz, o cara, [se, docente] pode publicar 100 artigos numarevista de menor qualidade... isso não vai ter impacto nenhum, vai ser zero... porque a gente sóquer considerar, de fato, aquilo que a gente tem garantia de que tem qualidade, que passou porum processo de revisão muito rigoroso, porque é uma revista que tem impacto, etc. etc.

Daí ser possível afirmar que seguir um padrão de produção acadêmica e científica

ditado pelo Scielo, pelos periódicos científicos, etc. e ser compatível com os critérios

estabelecidos pela CAPES é tido como sinônimo de “boa ciência”. Mas, como alertam vários

respondentes desta pesquisa, é preciso cuidado para não confundir disposição e

capacidade/necessidade de adequação com produção científica de qualidade. Do mesmo

modo, é preciso cuidar para que de antemão não sejam excluídos ou subestimados como

produtos da Ciência Política o que não se faz presente nos periódicos, A1, A2 e B1 — aceitos

pela CAPES, como legítimos portadores de qualidade, mas que aparecem publicados noutros.

Tais como, nas revistas: Crítica Marxista, História e Luta de Classes, Outubro, Novos Rumos,

Novos Temas, Antítese, Margem Esquerda, Marx e o Marxismo, Lutas Sociais, Novos Temas,

Perspectivas, Teoria & Pesquisa, Revista Política Hoje, Sociedade e Cultura, Revista Debates,

Conexão Política, Revista Estudos Políticos, Revista de Ciencias Sociai/UFC, etc.

A esse respeito e sobre o alcance dos trabalhos científicos que buscam analisar a

disciplina quando realizados a partir, justamente, apenas da produção publicada em periódicos

enquadrados nos estratos superiores do sistema Qualis da CAPES, as palavras do professor

Álvaro Bianchi, da Unicamp, merecem destaque:

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Simplesmente não podemos ter uma noção exata da ciência política brasileira olhandoexclusivamente para os programas de Pós-Graduação com conceito 7 ou 6 na Capes ou, para asrevistas A1, A2 e B1. E também, não podemos concluir que a melhor ciência política praticadaneste país se encontra nesses programas ou nessas revistas. A avaliação da Capes tem um caráterfortemente normativo. Essas avaliações podem estar registrando simplesmente a capacidade deprogramas e revistas se adaptarem às normas das agências de fomento e não a qualidade daciência política produzida ou divulgada por elas. Se as agências de fomento e as revistasconsiderarem próprias da ciência política certas abordagens metodológicas ou teóricas emdetrimento de outras, então será de se esperar que aqueles programas ou revistas que privilegiamessas abordagens se destaquem. Mas o resultado obtido será muito distorcido. Em 2013 o livroganhador do prêmio Anpocs de melhor obra científica de ciências sociais, “Os sentidos dolulismo”, de André Singer, não foi avaliado pela comissão da área de ciência política da Capesporque não se enquadrava nos critérios formais estipulados. Introduzir o Scielo ou o Scopus comoum critério de demarcação para a classificação das revistas é outra fonte de distorções. Enfim, épreciso distinguir melhor entre resultado da avaliação e qualidade da pesquisa. Não são a mesmacoisa.

Gabriel Vitullo, professor da UFRN, também concorda com o fato de que concentrar

o foco apenas nas revistas A1, A2 e B1 no momento de avaliação da disciplina pela CAPES

“deixa de fora muito daquilo que não se identifica com os cânones dominantes na disciplina

e que, por este (dentre outros motivos), não consegue espaço para ser divulgado nas revistas

A1, A2 e B1”. Igualmente, o professor Ricardo Musse, da USP, pois, para ele:

uma das funções das agências de pesquisa consiste em determinar os rumos e a linha teórica dasinvestigações. Por meio de bolsas, editais, divulgação científica, etc., elas atuam no sentido depromover determinadas linhas de pesquisa em detrimento de outras. A atuação dessas agências,ultimamente, em que pese o fim da guerra fria, se orienta pelo claro propósito — salvo rarasexceções — de dificultar o desenvolvimento do marxismo, apesar de sua disseminação entre ospesquisadores e da sua tradição como modalidade de interpretação do Brasil.[...] A orientaçãopredominante nas revistas melhor avaliadas pela Capes ignora linhas de investigação relevantesnão só em termos qualitativos, mas inclusive quantitativos.

Dito isto, é possível inferir que uma visão que leve em consideração um leque mais

abrangente, capaz de incluir na avaliação da disciplina a produção publicada mesmo aquela

que não aparece nos “periódicos de maior qualidade”, permite uma conclusão a respeito da

disciplina menos enviesada e mais consistente no tempo. E, a não ser que, no Brasil, a

disciplina assuma de forma explicita e definitiva, por meio de seu processo de especialização

e de disputas internas, que, por exemplo, a produção cientifica dos pesquisadores marxistas

não é Ciência Política, ainda que estes possuam formação e sejam professores/pesquisadores

em ciência política, a presente pesquisa defende a necessidade de um olhar mais abrangente e

capaz de considerar como parte da disciplina tudo aquilo que se produz cientificamente sobre

a política. Afinal, nãos seria a Ciência Política, a ciência, por excelência, da política? Antes

que, a ciência da democracia e das suas instituições, conforme a concepção do professor

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Fabiano Santos? Até mesmo porque, a subjetividade e, portanto, a mutabilidade das certezas e

interesses é algo sempre presente e produto de disputas. Segundo Fabiano Santos, do IESP:

A produção em revistas ainda não pontuadas em revistas Qualis A1, A2 e B1 pode ser tãoimportante quanto a que se encontra publicada em tais periódicos, em função dos interesses depesquisa de quem consome o material. O mesmo pode ser dito com relação às revistas marxistas,embora, para mim, faça pouco sentido a adjetivação. Não pauto minha avaliação sobre umartigo, sua importância, por exemplo, a partir dos critérios estabelecidos pela Capes, muitomenos se a publicação segue uma filosofia marxista ou não marxista. Assim, o estado da arte daciência política é algo volátil e depende muito da perspectiva do analista e de sua concepçãosobre o que seja a boa ciência. É natural que fotografias do momento levem em conta critériosaté certo ponto hegemônicos no campo, mas, ninguém controla o que servirá de parâmetro daqualidade num futuro próximo. Assim, averiguar a publicação em periódicos não pontuados, [...]é tão importante quanto consultar o mainstream, para se ter uma visão de conjunto da produçãoda disciplina.

Dentre os professores pesquisados, principalmente, dois se destacam dos demais.

Para Andréa Freitas, professora da Unicamp, “é perfeitamente possível mapear o

conhecimento [da CP] olhando apenas para o que foi publicado em revistas com qualis A1,

A2, B1”. A opinião de Freitas é clara. Para ela, assim como para André Marenco, da CAPES,

o que aparece publicado nas revistas A1, A2 e B1 basta para “falar em nome” de toda uma

disciplina acadêmica. Ou seja, de certo modo, ela dialoga com Fernando Limongi, quando

este afirma que “há um padrão de produção acadêmica e científica que preside o trabalho

dos pesquisadores”. Mas, diferente dele, que logo em seguida diz que “a classificação da

Capes [...] não pode criar nichos” e da maioria dos professores pesquisados, Freitas não

chega a discutir o motivo, tampouco o significado da exclusão de parte da produção da

Ciência Política porque publicada em revistas inferiores a B1 nos trabalhos que analisam e

diagnosticam a Ciência Política no Brasil. Talvez, o porquê dessa opinião possa ser

compreendido a luz do que afirma o professor Jairo Nicolau, da UFRJ:

Não leio mais a literatura marxista. Pode existir, mas não conheço nenhum trabalho marxistarecente (última década) que contribuiu para o entendimento dos fenômenos políticosbrasileiros. Conheço bons comentaristas de autores marxistas clássicos. Bons divulgadores. ACiência Política brasileira é mais cuidadosa com métodos e especializada.

De fato, quando solicitados a destacar alguma pesquisa produzida por cientistas

políticos brasileiros nos últimos dez anos, em resposta à questão 4, Jairo Nicolau escolhe as

áreas: “congresso, comportamento eleitoral e política públicas”, como sendo as que, em suas

palavras, “fazem as pesquisas mais relevantes”.

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Vão nesta mesma direção as pesquisas destacadas pela maioria dos demais

professores e podem ser notadas no QUADRO 3. Inclusive a referência feita por um deles à

Lamounier e a Sergio Abranches, fundadores da Ciência Política institucionalista no Brasil.

QUADRO 3 – PESQUISAS DESTACADAS POR ALGUNS DOS RESPONDENTES DOSQUESTIONÁRIOS

PROFESSORESPESQUISADOS

PESQUISAS REALIZADAS PELA CP E DESTACADAS PELOS RESPONDENTES

Andrea FreitasTrabalhos produzidos por Marta Arretche; por Figueiredo e Limongi - sobre orçamento e; oartigo publicado por [José Antonio] Cheibub e Limongi: “From Conflict to Coordination:Perspectives on the Study of Executive-Legislative Relations”.

Fabiano SantosA produção de Marta Arretche, na USP, sobre Federalismo e Instituições e os trabalhossobre mídia e política realizados por João Feres [Jr.], em meu Instituto [de Estudos Sociaise Políticos]

Maria doSocorro S. Braga

As pesquisas desenvolvidas por Maria Dalva Kinzo e Jairo Nicolau sobre os partidos noBrasil e o trabalhos de Fernando Limongi e Argelina Figueiredo sobre as relações Executivoe Legislativo

FernandoLimongi

Os pais fundadores: Wanderley Guilherme dos Santos, Bolivar Lamounier, Fábio WanderleyReis e Sérgio Abranches.

João R. M. Filho O livro de Wanderley Guilherme dos Santos: O ex-Leviatã brasileiro

João Feres Jr. Não destacou nenhuma pesquisa

LeonardoAvritzer

Trabalhos sobre instituições participativas, sobre a capacidade de aprovação de lei deiniciativa do Executivo no Congresso, sobre gênero e os de mídia, feitos especialmente noIesp para tentar mostrar certos enviesamentos da cobertura midiática do governo Federal

André Marenco Presidencialismo de Coalizão e Relações intergovernamentais.

FONTE: A autora (2016).

No QUADRO 3, apenas o professor Leonardo Avritzer, atualmente presidente da

ABCP e doutor em Sociologia lembra dos trabalhos sobre instituições participativas. Talvez a

afirmação de Bolivar Lamounier (1987), considerado o pai do institucionalismo no Brasil,

possa ser esclarecedora. Nesse sentido:

[…] As chamadas propostas participatórias, inspiradas pelo novo vigor trazido àarena política pelas organizações trabalhistas, religiosas e profissionais, são aquivistas como uma atualização saudável da política brasileira, cuja trajetória globalfoi usualmente oligárquica e/ou relacionada com a questão básica da construção doEstado. Contudo, é pouco realista pensar numa democracia que possa funcionar,na escala brasileira, em termos de uma ideologia rousseauniana. Levadas aoextremo, tais propostas acabarão por diluir ao invés de reforçar a representaçãopolítica. Buscando Rousseau, podemos novamente encontrar Hobbes. (grifo daautora)

Álvaro Bianchi, da Unicamp e Vera Cepêda, da UFSCar, complementam e

diversificam esta lista, pois também consideram relevantes algumas temáticas que para um

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institucionalista não costumam representar preocupações acadêmicas. Vera Cepêda aponta os

estudos sobre presidencialismo de coalização, o debate sobre protagonismo do judiciário, os

temas de políticas públicas como ferramenta de capacidades estatais, mas também, os estudos

sobre o tema da democracia participativa em variadas modalidades: orçamentos

participativos, conselhos, conferências, etc.. Segundo ela, “expressões do contexto brasileiro

que contribuem para o debate internacional sobre a democracia, participação política,

relação Estado e sociedade, juridicização da vida pública e estatal, mudanças da ação da

administração pública [...].

Já, Álvaro Bianchi, amplia ainda mais o leque temático das pesquisas destacas e cita

as pesquisas realizadas por Fernando Limongi e Andréa Freitas, sobre o processo legislativo

brasileiro; por Adriano Codato, Renato Perissinotto e equipe, sobre elites políticas; por André

Singer, que resultou no seu livro “Os Sentidos do Lulismo”; por Luís Felipe Miguel e Flávia

Biroli, sobre democracia e desigualdade; por Luciana Tatagiba, sobre os movimentos sociais

e, em sua própria área — história do pensamento político — a pesquisa dirigida por Gildo

Marçal Brandão sobre as linhagens do pensamento político brasileiro e os trabalhos de

Christian Edward Lynch.

Embora os estudos sobre as instituições políticas formais tenham sido destacados por

muito dos respondentes. Também, outras temáticas foram lembradas por alguns deles. Sobre a

pluralidade da área, o professor Bruno Reis mostra como essas diferentes agendas de

pesquisa vão se conformando de acordo com o contexto político brasileiro. Com isso, reforça

o fato de que a realidade política brasileira é cara aos cientistas políticos no Brasil. É nela que

estão interessados. Segundo ele,

[...] a principal agenda de pesquisa no Brasil... [...] a mais visível, que todo mundo chamade mainstream, elogiando ou criticando é a literatura sobre o funcionamento do sistema políticobrasileiro: as relações Executivo-Legislativo, o famoso presidencialismo de coalizão, as pesquisasdo Fernando Limongi e da Argelina Figueiredo e tal... Isso, é o grosso. De alguma maneira, ocentro. O núcleo duro da disciplina. Mas é um núcleo que convive [...] com um monte deramificação natural e desdobramentos. E eu acho, que, inclusive, a interlocução entre diferentesagendas tem crescido... Uma agenda típica, é a agenda das chamadas inovações institucionaisparticipativas do país... com os conselhos... Essa é uma agenda que começa, lá, nos anos 90,puxado no Brasil principalmente, pelo Sérgio Costa e o Leo[nardo] Avritzer... Começa nasociedade civil, depois vai pra democracia deliberativa e as instituições participativas edeliberativas produzidas, principalmente, pelos governos petistas, etc., e sofre uma inflexãoimportante com o trabalho do Adrian Gurza Lavalle. Agora, o estudo — uma vez, [o PT],instituído no governo — das iniciativas governamentais: as audiências, as conferênciasnacionais de políticas públicas..., é algo de bastante visibilidade, também..., e que, num certosentido, é complementar ao estudo da agenda do legislativo porque de alguma maneira é umaformulação de política pública que passa ao largo disso... né... Eu acho que essas duas coisasconstituem os dois veios principais de maior visibilidade [da ciência política brasileira]

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Chama a atenção e se destaca da dos demais respondentes a percepção que o professor

André Marenco, representante de Área da CP e RI da CAPES, possui da CP brasileira,

justamente, a respeito de um objeto que o campo considera chave: as instituições políticas”31,.

Segundo ele,

[...] nos últimos 20 anos, grande parte da agenda da CP foi em torno do debate sobre opresidencialismo de coalizão... relações intergovernamentais... Eu acho que houve muito avançonesse terreno... embora eu acho que o avanço tenha se esgotado um pouco... acho que essaagenda tá muito repetitiva... [...] eu acho que talvez a CP tenha ficado sem uma contribuiçãomais significativa no plano, por exemplo, de pensar o funcionamento das instituições... Masacho que há uma agenda sobre políticas públicas que avançou de modo significativo no sentidode entender sobretudo o impacto de alguns programas sociais, de alguns programas na área depolíticas públicas. Acho que há toda uma agenda em termos de participação política e social queofereceu contribuições relevantes pra compreensão das relações entre Estado e Sociedade. Então,sobretudo essas 3 áreas: relações intergovernamentais: é... presidencialismo de coalizão,Federalismo, tudo mais... relações entre Estado e Sociedade: canais de participação, mecanismode participação e a discussão sobre políticas públicas. Acho, que são as que a comunidadeavançou bastante. Acho que não se conseguiu oferecer uma agenda que, aí sim, poderia ter umimpacto... criar uma demanda na área de reformas institucionais. Acho que nesse terreno a CPbrasileira foi mais tímida, digamos...

Em resposta a outra questão, a de número 5, sobre “um grande problema que a

ciência política brasileira ainda precisa superar e uma importante questão que caiba a essa

ciência responder, mas que ainda não o fez”, André Marenco, retoma o problema da reforma

institucional, afirmando que no Brasil a CP ainda precisa se esforçar para dar contribuições

significativas nesse campo. Na opinião dele, a internacionalização da Ciência Política

brasileira é, ao mesmo tempo, um desafio para a disciplina e uma possibilidade de

contribuir/disputar internacionalmente a construção de uma Teoria das Instituições, pois:

[...] o grande desafio da CP brasileira é o de internacionalizar-se mais. Nos últimos 10 ou 20anos [...] a CPB passou da quase 40ª posição no mundo para alguma coisa como a 15ª emvolume de produção, mas é uma comunidade ainda muito pouco citada, muito poucoreferenciada, muito pouco visível no conjunto da comunidade da CP internacional. [...] Parafazer isso, ela precisa fazer com que os seus objetos de reflexão seja menos brasileiros e maisinternacionais. [...] a gente pesquisa muito sobre o Brasil, sobre as instituições políticasbrasileiras, os partidos brasileiros, as políticas públicas no Brasil, as relaçõesintergovernamentais no Brasil, as relações Estado e Sociedade no Brasil, né... e todos os demaisobjetos de estudo. [...] e pelo acumulo de qualidade, enfim, que se tem... a CP brasileira deveria[...] tá disputando mais com a comunidade internacional a produção de conhecimento... Porexemplo, na área institucional: a discussão de explicações para teorias institucionais né... [...]Nos últimos 20 ou 30 anos no plano internacional há todo um predomínio de explicaçõesinstitucionalistas. Ótimo. O calcanhar de Aquiles da escola institucionalista é entender como asinstituições se formam e que tipo de configuração institucional produz equilíbrio, né... [...] e achoque nessa direção a CP brasileira deveria direcionar a sua agenda, os seus esforços. Ou seja,produzir aquilo que se chamaria de uma Teoria de Instituições [...]. Não só no Brasil, mas... nomundo. [...].

31 Ver “Desafios Analíticos para a teoria neoinstitucional da mudança na Ciência Política comparada”.Rezende (2013), publicado em Conexão Política, Teresina, v. 2, n. 1, 11-49, jan./jul. 2013.

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Parte desta fala do professor André Marenco, permite explorar a relação

produtivismo acadêmico e qualidade da pesquisa científica. Segundo ele, a CAPES não afere

a quantidade e sim, a qualidade da produção científica produzida pelos programas de pós-

graduação nacionais. Diante disso, mesmo considerando que o volume de produção da CP

brasileira tenha aumentado consideravelmente e que existe no Brasil uma revista

especializada e editada pela Associação Brasileira de Ciência Política que publica apenas

em inglês, porque essa produção é ainda “muito pouco” citada, referenciada e vista,

internacionalmente, como afirma Marenco? Na opinião dele, falta à CPB, internacionalizar-se

mais. Em duplo sentido: “tanto dela ter maior repercussão internacional [...], quanto, no

sentido dela incorporar uma agenda menos brasileira e mais comparativa, mais teórica e

mais internacional”. Opinião semelhante tem o professor Leonardo Avritzer, presidente da

ABCP, ao afirmar que “o Brasil só vai virar um membro efetivo da comunidade internacional

de cientistas políticos quando ele superar o provincianismo das suas revistas” — produto de

“uma superconcentração no Brasil [...] e [de] uma certa incapacidade de atrair os debates

internacionais importantes da área”. Opinião diferente, é a do professor Gisálio C. Filho:

“pensar sobre a qualidade [da pesquisa científica] implica livrar-se do produtivismo

compulsivo e da obsessão em relação às exigências e contingências de um formalismo

burocrático quase sempre estéril”.

Essas questões, tanto a da internacionalização da disciplina/periódicos quanto a do

produtivismo acadêmico, são centrais para os participantes desta pesquisa e revelam parte das

disputas e dos limites no campo. Inclusive, podem estar relacionadas com os porquês das

teses e dissertações defendidas nos programas de pós-graduação da área. Para que tem

servido boa parte das teses e dissertações defendidas nos programas nacionais de pós-

graduação, além de aumentar o contingente de pós-graduados e de artigos científicos

publicados na área32, inclusive nas “boas revistas” — precedidos ou não de discussões rasas

ou densas que ocorrem em eventos da área? Além de conferir prestigio e capital cultural aos

diplomados, reconhecidos ou não pelos seus pares?

A reflexão mais aprofundada desta questão sugere que seja dado atenção ao tipo de

formação oferecida aos graduandos e pós-graduandos da área. A esse respeito, ao falarem

sobre os problemas a serem superados pela disciplina, alguns pontos foram levantados pelos

respondentes. Segundo Andréa Freitas, “o problema a ser superado é a falta de ousadia. Uma

32 Ver Mestres e Doutores 2015 - Estudos da demografia da base técnico-científica brasileira. Disponível em:<https://www.cgee.org.br/web/rhcti/mestres-e-doutores-2015>. Acesso em: 13 ago. 2016.

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análise mais crítica sobre os pressupostos que guiam as análises deve ser sempre feita se

quisermos evoluir”; de acordo com Fernando Limongi, “é preciso aumentar a densidade e

intercâmbio entre os programas existentes, sobretudo entre alunos”; nessa mesma direção,

Maria do Socorro B. Souza concorda que “a CP brasileira precisa ampliar seus intercâmbios

e debates com os vizinhos latino-americanos. [Segundo ela], ainda citamos e colocamos em

nossos programas de cursos raras obras de colegas chilenos, argentinos, uruguaios entre

outros”; para Fabiano Santos, é necessário “fortalecer e multiplicar a produção teórica e

metodológica”; conforme Jairo Nicolau, que também afirma a necessidade de se avançar no

treinamento metodológico, “a CP no Brasil tem que superar a dicotomia história do

pensamento político versus pesquisas empíricas. Isso [segundo ele], é uma tolice e começa

empobrecendo a carreira dos estudantes, já, na graduação, quando os alunos começam a

comprar brigas que não são deles” e; para Bruno Reis, da UFMG, no que se refere a questões

de métodos:

[...] o desafio é exatamente evitar a sinalização da especialização... e, eu acho que é o que a gentefaz.. [...] Eu acho que a gente não devia ter um semestre quali e um semestre quanti... [...] aindamais, porque vai ter um professor que vai dar o semestre quali... [e] vai ter outro professor quevai dar o semestre quanti... e você sinaliza que esta é uma questão de opção profissional... comose você fosse ter uma carreira... existe a ciência social quali e a ciência social quanti. O que éuma lástima. Isso não é verdade, e, se é, não deveria ser... porque você tem a ciência social nosingular... e as variadas técnicas infinitas que a gente pode operar... e haverá muitas técnicas quese situam de maneira desconfortável em qualquer desses polos, que não são nem rigorosamentequali, nem rigorosamente quanti [...]. Se o trabalho é muito militantemente uma coisa ou outra,eu acho, ele, relativamente, imaturo... [...] No fim das contas, o treino da metodologia... o bomtreino, é misto... recomenda pras pessoas a terem desenvoltura, a não se intimidarem diantedessa fronteira... [quali-quanti], simplesmente a cruzar[em] ela alegremente pro um lado e prooutro... [...] Dois trabalhos sobre um objeto qualquer, um quali e outro um quanti... se deremresultados iguais, estão se reforçando mutuamente; se derem resultados diferentes, eu não possoresolver qual tá certo só com base de qual é quali e qual é quanti.... isso é ser pragmático... temque olhar pra dentro do trabalho... tem que olhar pra qualidade da inferência, pra pertinência dadefinição das categorias, etc., etc... Não tem como escapar disso... nem num, nem noutro.

Mas também, tanto a internacionalização quanto o produtivismo acadêmico da

disciplina, podem ter a ver com a relação ciência e política presente na disciplina. Nas

palavras do professor Bruno Reis:

[...] nós não existimos pra funcionar como moralista... pra dizer pra sociedade ou pros políticoscomo é que eles deveriam se comportar. A gente existe pra..., dada a moralidade existente ou, afalta dela [...], [pensar] como é que a gente deveria organizar o sistema político, a práticapolítica... e as instituições... pra que [elas] funcionem melhor, pra que funcionem menos mal... [...]Eu não tenho a função de guardião da moralidade... minha função cabe, aqui, presumidamente,estudar a política e tentar ver... enfim, fazer ela funcionar bem. Veja, não se trata de dizer quenão tem um problema normativo..., porque tem. [...] quando alguém nos pergunta sobrereforma... não dá pra responder que... a política funciona mal, porque os políticos são maus... a

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pergunta é qual o desenho institucional que minimizaria alguns problemas... e eu acho que agente tendeu... a nossa principal linha, as pessoas mais fortes, mais importantes, maisinfluentes tendiam a uma resposta conservadora... não conservadora no sentido ideológico,mas, conservadora, no sentido institucional do status quo... era uma resposta que falava: olha,tá funcionando bem... nunca funcionou tão bem... então, não vamos nos preocupar.. Entendoisso, mas se você tem, por outro lado, os próprios atores políticos que estão encarregados devotar as leis e vão ser eles que vão eventualmente votar uma reforma... insatisfeitos e, ele, tádando sinais de que quer votar alguma coisa, é melhor você ouvir, ele, com atenção, tentarentender o que tá pegando e ver se consegue dar alguma sugestão construtiva. Se não, um diaacaba caindo um distritão na cabeça de todo mundo... Acho que a gente tendeu a ser meio...surdo... uma conversa de surdos... acho que a gente pode fazer uma coisa mais construtiva...porque as vezes, o que tá pegando pra eles... não é que a gente esteja errado, nem eles... o quepode estar incomodando profundamente a eles é alguma coisa que a gente não tá estudando...algum aspecto que não está saliente pra nós... alguma coisa que não está na nossa linha depesquisa…

Essas demandas por uma ampliação do debate entre os pares, já na formação, de um

modo que se consiga fazer circular, debater e confrontar, mais intensamente e de forma

coletiva, o conhecimento que está sendo produzido e, também, por uma revisão dos

programas das disciplinas que incorpore referencias latino-americanas — entendo-as como

uma forma de internacionalização e de tomada de decisão sobre com quem se quer dialogar

— e que conceba o ensino de metodologia em sentido amplo de modo a não se confundir

técnicas de pesquisa com discussão epistemológica, por exemplo; apontam para a necessidade

de se repensar o ensino e a prática da disciplina. Mais ainda, para a necessidade de uma maior

aproximação entre ciência e política, de modo a se evitar uma “conversa de surdos”33, nas

palavras do professor Bruno Reis, já que segundo ele, “a gente não para ouvir os políticos”.

Quando perguntados se sofisticação metodológica é igual a refinamento teórico,

na questão número 2, todos respondem de forma negativa e tecem considerações diversas

localizando as diferenças e os limites de seus usos no ensino e prática da Ciência Política no

Brasil. São representativas, em grande medida, da opinião de todos os respondentes, as

palavras dos professores Jairo Nicolau e João Feres Jr. Segundo eles:

[...] a formação metodológica da CPB é fraca, tanto quanti como quali, inclusive nasabordagens históricas. Isso está mudando rapidamente, mas ainda temos bastante chão paracobrir. Por fim, não, sofisticação metodológica não é igual a refinamento teórico. O primeiro dizrespeito aos procedimentos de organização do material empírico e o segundo corresponde aoconhecimento e avaliação crítica e produtiva das teses e regularidades descobertas pela literaturaacadêmica acerca do objeto em questão. (Feres Jr. J)

A discussão metodológica praticamente está ausente da formação dos alunos no Brasil. E entre ospesquisadores são poucos os que dão atenção ao tema. É preciso lembrar que ensinar técnica depesquisa e estatística não é ensinar metodologia. Esta última pressupõe uma discussão

33 Sobre “ciência e política” ver Reis (2015) “Políticos, Cientistas Políticos e sua conversa de surdos:considerações sobre a quase implantação do voto único não transferível no Brasil”. Em Debate, BeloHorizonte, v. 7, n. 3 p.29-46, jul. 2015

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epistemológica e de filosofia da ciência. Rodar uma regressão é fácil, difícil é entender a noção decausalidade implícita em sua prática (aliás, uma regressão pode apenas descrever o mundo, nãoinferir causalidade) (Nicolau. J.)

Nessa direção, as palavras da professora Vera Cepêda ajudam a explicar em

perspectiva histórica o quê, na Ciência Política brasileira, “se convencionou denominar de

metodologia”, assim como, o modo como aparecem na disciplina, as relações de disputa

existentes entre teoria e empiria, entre o macro e o micro. Temas polêmicos na disciplina.

Segundo ela,

Esta discussão é complexa e delicada. Um problema é a necessidade para abordagem dedeterminados objetos e subáreas na CP de metodologia adequada — em especial quando se tratade análises empírico-quantitativas, surveys ou tratamento estatístico de grandes complexos dedados. A adequação do ferramental de pesquisa, tratamento e modelagem exigiu da CPbrasileira, nas 3 últimas décadas, o aprofundamento de um repertório e instrumental que seconvencionou denominar de metodologia. Para inúmeros estudos esse robustecimento detécnicas foi fundamental para conferir maior eficácia e legitimidade científica. Nessa direção, aCP brasileira avançou muito. De outro lado, a CP tem um dilema intrínseco que é a sualongevidade e, ao mesmo tempo, a ressignificação constante de inúmeros — mas centrais — temase problemas. Por exemplo, o tema da democracia, da República ou mesmo a concepção do queseja “política” originam-se nos complexos sociais clássicos (greco-romanos) e, no entanto,atravessaram mais de 2 milênios no repertório da área (originariamente enquanto filosofiapolítica, depois teoria política e no período mais recente como CP). Claro que seu significado,usos e função foram modificados, mas o contexto teórico contemporâneo ou hiper-contemporâneo não conseguem abarcar uma compreensão ampla dos contextos da análise dopolítico sem esbarrar neles (a transição da Idade Moderna trouxe outros componentes centrais:liberdade, direitos, propriedade, justiça, indivíduos, bem comum, elites etc.). Neste ponto, querodizer que ao repertório e paradigmas que conformam a área foram acrescidos, em especial apartir do final do século XIX, de novos objetos, métodos, questões e desafios. A robustezmetodológica (no sentido de técnicas) é condição necessária da CP mas não é, no entanto,condição suficiente, exigindo ainda o esforço teórico, o debate e filiações a escolas eparadigmas, a compreensão dos efeitos e dinâmicas das fronteiras que cercam e alteram ofenômeno político (economia, história, cultura, sociabilidade, direito, filosofia, geopolítica,etc.). Na trajetória histórica no Brasil começamos pelos aportes teóricos e somente em períodorecente avançamos no esforço empírico, de recorte segmentado. Temos agora uma CP maiscompleta, mas seria um erro imaginar que estudos tópicos, bem alavancadosmetodologicamente, aproximados de modelagens matemáticas, sejam a única ou melhormaneira de fazer o “estudo da política”. A compreensão holística, a comparação histórica ou detrajetórias (sincrônicas ou diacrônicas), a síntese teórica de estudos, a aplicação de modelosteóricos ao teste da realidade estudada, a permanência e /ou ressignificação dos repertórios e dagramática política de momentos particulares, de grupos segmentados ou arenas institucionais sãotambém necessárias. E para cada um dos objetos/campos da CP há uma metodologia própria eválida. Resumindo sua pergunta: sim, houve aumento da qualidade metodológica em algumasáreas de pesquisa da CP. Mas não concordo com a ideia de que o refinamento do métodoindique qualidade de resultado de pesquisa ou capacidade analítica (quiçá aporte teórico).Vários trabalhos que tenho lido são excelentes para capturar, descrever um “dado de realidade”,mas com limitada capacidade heurística.

Sobre a limitada capacidade heurística presente nas pesquisas da área de que fala a

professora Vera Cepêda, é possível que a percepção que os professores Álvaro Bianchi e

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Gisálio Cerqueira Filho possuem sobre o peso da Ciência Política norte-americana, que serviu

de matriz fundadora para a CP no Brasil, na condução das escolhas temáticas e teórico-

metodológicas realizadas pelos cientistas políticos brasileiros ajude a esclarecer alguns dos

seus motivos. De acordo com eles:

Eu acho que o maior obstáculo da ciência política brasileira é seu provincianismo. Se há umdéficit a superar é o déficit de cosmopolitismo. A obsessão em reproduzir de maneira rudimentaraquilo que se acredita ser o modelo da ciência política norte-americana revela não apenas umconhecimento parcial dela, como, também, uma cultura subalterna. Para tornar-se cosmopolitaa ciência política brasileira precisa reencontrar seus impulsos nacionais, seus temas eabordagens características. (Bianchi, A.)

Muito raramente tem havido entre os cientistas políticos brasileiros uma reflexão metodológicapara além da dicotomia quali-quanti. Talvez seja porque o repertório temático, cativo da agendanorte-americana (EUA) e europeia (francesa), não seja capaz de mobilizar para uma reflexão queescape da dicotomia quali-quanti, mas também sobre a qualidade do que se faz. Quando seescapa do leque temático que predomina na Ciência Política norte-americana, novos objetossão, então, propostos (por exemplo, cultura e ideologia; estado democrático; análise deconjuntura política, subjetividade e psicanálise; absolutismo afetivo, história da política e dopoder, direito e sociedade, individualismo fóbico, famílias e poder, instituições e poder). Nestecaso, a criatividade e a fuga do exclusivismo da dicotomia quali-quanti encontram condiçõesfavoráveis para se expressarem. (Cerqueira Filho. G.)

A diversidade de questões levantas pelos respondentes dá uma mostra do estado da

arte atual da disciplina no Brasil ao mesmo tempo em que registra as diferentes e diversas

preocupações normativas e insatisfações de parte da coletividade da ciência política brasileira

sobre o ensino e uso da disciplina que praticam. Esse cenário, em maturação — produto do

processo de autonomização e da consequente especialização do campo, mas também, de uma

massa crítica em construção e crescimento porque recente no país; produto igualmente, das

condições materiais e intelectuais do local periférico que ocupa perante países centrais (ela

mesma, periférica perante outras ciências) — convive atualmente com um conjunto de

proposições em disputa constituído pelo que hoje é considerado o núcleo duro da disciplina: o

funcionamento do sistema político brasileiro, as relações Executivo-Legislativo, o

presidencialismo de coalização, etc.; mas, também, por agendas outras; por exemplo, uma

emergente, que diz respeito às minorias de um modo geral. Embora mantidas a parte e em

posições diferentes no campo, convivem estrategicamente e de forma desigual participando da

definição do modo como a disciplina funciona e das disputas pelo monopólio do pensamento

e do discurso legítimo sobre o mundo social. (BOURDIEU, 2008).

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Nesse caso, o contexto político brasileiro é, em grande medida, o grande norteador

dessas agendas de pesquisa. As considerações do professor Bruno Reis, da UFMG, dão

exemplos disso. Segundo ele,

[...] nos anos 80... você vai ter gente estudando sistema eleitoral, dinâmica eleitoral...,comportamento do eleitor no país... e gente estudando movimentos sociais. Frequentemente,isto eram agendas que não se comunicavam muito, de interesses distintos. Eu tenho impressãoque hoje elas dialogam um pouco mais. [...] talvez, em certa medida, pelo mero fato do PT ir aopoder, você começa a ter um maior diálogo entre as abordagens porque o pessoal maisinteressado no PT, nos anos 80, tava estudando a sociedade civil e o sindicato, etc., etc... e para opessoal que estava olhando para as instituições e para as eleições, etc... o PT não era umprotagonista, mas era um coadjuvante. À medida que o PT se torna um protagonista eleitoral,ele vai pro centro das preocupações do pessoal, mais, das instituições e, na medida, mesmo, quevai ao poder, o pessoal que olhava com desconfiança pro Estado e pro sistema político formalpassa a se interessar por ele. Então, eu acho que você tem uma confluência deagenda maior entre as pessoas, hoje. Nos diferentes campos, por assimdizer, institucionalista ou não... tão dando palpites no trabalho uns dos outros. O que eu achopositivo... porque se não, a gente fala só com quem já concorda com a gente.

Outros desafios que a CP brasileira precisa superar são colocados por diversos dos

professores, conforme abaixo:

[...] entender porque democracias redistribuem menos renda do que se espera que elas deveriaredistribuir. (Limongi, F.)

[...] explicar como presidentes governam o Brasil. A ideia de presidencialismo de coalizão (tãoconceitualmente maltratada) fez água com a crise do governo Dilma. Onde foi parar opresidencialismo forte desenhando pela carta de 1988? (Nicolau, J.)

[...] [explicar a] instabilidade e crise da democracia em países já consolidados democraticamente(exemplos abundam…) (Santos, F.)

[...] presidencialismo de coalizão é uma categoria analítica ou apenas um status? (Freitas, A.)

[...] ainda não tem, talvez, um grande livro sobre as novas democracias ou sobre a contribuiçãoda democracia brasileira para as novas democracias. (Avritzer, L.)

[A Ciência Política] deve prever comportamentos futuros visando a intervir na realidade? (Braga,Maria S. Souza)

De fato, os desafios propostos são, exceto este último que de algum modo questiona,

antes, os pressupostos da neutralidade científica e da vigilância epistemológica, do que a

democracia, como o fazem todos os outros, evidencias do interesse por parte da Ciência

Política em compreender a democracia no Brasil. Sinal que, mesmo diante das diversas

afirmações que colocam a Ciência Política brasileira como a que privilegia o estudo do Brasil,

ainda muito tem a se fazer. E se o contexto político do país é em grande medida o norteador

empírico do que a disciplina estuda, tudo indica que, justo a maioria dessas questões

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propostas diante da atual conjuntura política brasileira, continuará em debate pedindo por

explicações científicas.

Finalmente, a professora Vera Cepêda, mais uma vez, reforça e sintetiza muito do

que aparece colocado pelos respondentes desta pesquisa. Em resposta a questão 5, Cepêda

problematiza questões como a da internacionalização e a da especialização da disciplina. Para

ela, teoria e método precisam ser pensados e utilizados de forma a não permitir uma disciplina

colonizada teoricamente, tampouco isolada dos fenômenos, outros, que não os políticos. Em

suas palavras são necessários:

1. ajustar as particularidades da trajetória política brasileira ao contexto teórico internacional,SEM ceder aos excessos do mimetismo do transplante de ideias e SEM ceder ao isolamento docaso nacional em relação ao sábio processo da "comparação".2. retomar nexos fundamentais entre pesquisas aplicadas — empíricas — com o esforço daanálise teórica.3. recolocar o problema e o fenômeno político em perspectiva: a) holístico ( interconectando comoutras dimensões da vida social: economia, cultura e valores, organização social, mosaicogeopolítico) e b) em perspectiva histórica [...] enfrentar — com urgência — o debate profundo [...]que muitas vezes se perdem em análises setorializadas ou segmentadas, que observam omicrocosmo político e perdem de vista a dinâmica e a contradições que geram o quebra-cabeçada política.1. reposicionar nossas balizas conceituais “clássicas”, como liberalismo, autoritarismo,conservadorismo, esquerda/direita, na experiência brasileira. Não vejo aqui a possibilidade deexame destes itens [...] sem o cuidado de compreender o contexto específico do Brasil. Estesmeta-conceitos ganharam entre nós forma e função diferenciada que precisa ser levada em contana tarefa da compreensão política.2. [...] enfrentar os cânones estabelecidos sobre a recepção e ajuste destes conceitos na trajetórianacional. [...].3. por último, e muito próximo (admito) do que pesquiso, verificar o impacto que o raciocínioeconômico legou — e ainda lega — na performance dos problemas nacionais e da teoria que osexplica.

Particularmente, em resposta à Questao 1, sobre a trajetoria teórico-metodológica da

disciplina e sua agenda de pesquisa, metade dos 12 respondentes afirmam ter havido um

momento de transição. De acordo com João Roberto Martins Filho, da UFSCar, “A CP tinha

em outros tempos uma agenda mais diversificada, estudando temas como ideologias

políticas, movimentos sociais e regimes políticos. Hoje ela se concentra no estudo dos

sistemas partidários e eleições”. Vai nessa mesma direção a resposta oferecida por Ricardo

Musse. Segundo ele:

O estudo da vida política, no Brasil, antes mesmo de ser incorporado na Universidade, secaracteriza[va] por uma pluralidade temática, teórica e metodológica. Essa pluralidade foi amarca inicial do que denominamos de “ciência política”. Hoje, no entanto, uma certa primaziado modo como se estuda a política nas universidades anglo-saxônicas, coloca em risco apluralidade que lhe era característica.

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Bruno Reis e Gisálio Cerqueira Filho, professores da UFMG e da UFF, também falam

sobre a influência da Ciência Política norte-america. Segundo eles,

A Ciência Política que se pratica hoje é uma disciplina inventada [e exportada] pelos EstadosUnidos. […] [e] qualquer que tenha sido o mecanismo e a razão, o fato é que é a essa disciplinaque a gente chama de CP por aí... aqui no Brasil, na Inglaterra, na Alemanha ou na Itália. AFrança é um caso a parte […]. (Reis, B.)

Penso que a trajetória teórico-metodológica da Ciência Política brasileira norteia-se mais, muitomais, pela agenda de pesquisa norte-americana (EUA) e europeia (esta com predominânciafrancesa) do que pela agenda latino-americana. Aqui, a Ciência Política brasileira incide emvários preconceitos com relação à agenda latino-americana, subordinando-a à hegemoniacolonialista (EUA e França) no que se refere aos aspectos teórico-metodológicos, mas não só. Orepertório temático também realiza com sistemática notável o mimetismo intelectual no queconcerne ao repertório que a Ciência Política oferece aos estudantes e estudiosos ([...] comênfase nos autores “consagrados”; desde Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau, etc.). (CerqueiraFilho, G.)

Fernando Limongi e Andréa Freitas oferecem respostas bastante semelhantes na

medida em que focam suas afirmações no interesse da disciplina pela temática da transição,

construção, consolidação e funcionamento da democracia. Segundo eles,

[…] vivemos um momento de transição e de diversificação da agenda de pesquisa que passa pelaespecialização. Por algum tempo, o tema recorrente e praticamente único era a construção deuma ordem democrática, a possibilidade de que esta ordem pudesse ser obtida no Brasil . Esta éuma questão que já foi respondida positivamente pelo tempo. Então, no momento, estamospassando a estudar que ordem democrática é esta, como ela funciona. (Limongi, F.)

A Ciência Política brasileira tem tido uma trajetória consistente rumo à profissionalização desdea década 80. Neste período havia uma agenda de pesquisa relacionada à transição econsolidação democrática que foi aos poucos sendo superada na medida em que a democraciadeixou de estar em risco. A partir deste momento, no final da década de 90, início dos anos 2000,começou a haver uma especialização em subáreas do conhecimento. Hoje acredito que não hajauma agenda de pesquisa que a norteie, mas muitas agendas nos diferentes campos. (Freitas, A.)

Também para Álvaro Bianchi, ao se referir à agenda de pesquisa da disciplina, a

questão democrática - em suas palavras, “o funcionamento, o alcance e os limites da

democracia no Brasil” - é apontada como predominante. Já no que se refere à trajetória

teórico-metodológica, a sua opinião é a seguinte:

Não creio que exista uma orientação teórico-metodológica predominante. Uma análisesuperficial da ciência política brasileira poderia afirmar que abordagens neoinstitucionlistas emétodos quantitativos predominam. Entretanto, se tomarmos o conjunto da ciência políticapraticada em nosso país, com todos seus programas de pós-graduação teremos uma imagemmuito mais heterogêneo e diversificado. Talvez seja correto afirmar que o neoinstitucionalismopredomina nas agências de fomento e nos comitês editoriais de algumas revistas. Esta, emboraimportante, é uma parte apenas, e sequer a maior parte, da ciência política brasileira. [...] Masna ABCP existem 16 áreas temáticas e em poucas delas o neoinstitucionalismo predomina.

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Vera Cepêda afirma que “nas 3 últimas décadas houve uma fase, ampla, em que

estudos institucionais, federativos, partidários e eleitorais, de comportamento e mídia – e

também, o arranque da área de metodologia – foram predominantes”. Mas diferentemente, e

nesse ponto em concordância com Alvaro Bianchi, “na última década, a agenda dos

congressos, a variação de artigos publicados, e os GT's e mesas apoiadas pela ABCP têm

demostrado uma revalorização mais flexível, variada e multidisciplinar de temas”.

A despeito dos avanços que a disciplina vem alcançando, os 15 participantes da

presente pesquisa, cujas percepções foram apresentadas nesta seção, deixam notar

inquietações e opiniões de todo tipo sobre a Ciência Política no Brasil. Uma delas, é reiterada

por Fabiano Santos, que sobre a disciplina afirma ter havido

“Expansão quantitativa, pluralização de perspectivas e de temas. Aumento das redesinternacionais e nacionais de pesquisa e divulgação. Aumento não tão significativo da qualidademetodológica e teórica, embora esta seja questão mais delicada e subjetiva”, fazem parte daresposta oferecida por Fabiano Santos.

Com o próximo capítudo, a partir das falas dos editores dos sete periódicos analisados

sobre estas e outras questões, pretende-se ampliar e aprofundar a discussão sobre a disciplina

no Brasil iniciada nesta seção. Consensos e discensos sobre a disciplina serão, assim, melhor

demarcados.

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3 PERCEPÇÃO DOS EDITORES

Você sempre pensa e escreve a partir de algum lugar, de alguma circunstânciahistórica e social e contra alguma interpretação disso. Apesar daqueles queacreditam de maneira equívoca, e não são poucos, que o conhecimento do socialpode ser uma ciência asséptica, estamos sempre, conscientemente ou não (e omelhor é que seja consciente), imersos em algum debate, em alguma luta de ideias.(O'DONNELL, 2007, p. 188, apud BULCOURF; DUFOUR, 2012)

O presente capítulo é composto de três seções e apresenta a percepção que possuem

os editores de sete periódicos nacionais A1, A2 e B1 (Dados, RSP, RBCS, RBCP, BPSR,

Opinião Pública e Lua Nova) - coletada durante entrevistas em profundidade realizadas entre

2014 e 2015 - sobre a trajetória temática da disciplina, sobre o perfil editorial das revistas e

sobre o papel, alcance e limites dos periódicos científicos na constituição da Ciência Política

brasileira. A mais antiga é a revista Dados, fundada em 1966 e a mais recente é a RBCP,

(re)fundada em 2009.

A decisão pela realização das entrevistas com os editores de periódicos científicos se

deu porque os editores são agentes sociais, em concorrência, legitimados pelos pares —

portadores de disposições adquiridas — de habitus (BOURDIEU, 2004) — e ajudam a definir

o rumo da disciplina uma vez que, a partir da definição do perfil editorial das revistas que

editam, decidem o que circula e o que não circula nelas. Exercem, portanto, em grande

medida, papel político e científico influente na trajetória temática e teórico-metodológico de

uma disciplina, na delimitação do seu campo de objetos legítimos de discussão, e no limite, na

definição daquilo que é tido ou não, como científico entre os pares. Colocá-los em debate é,

portanto, uma forma de buscar identificar “os conflitos intelectuais” e “o grau de autonomia”

presentes numa disciplina acadêmica. Aqui, a Ciência Política. Dito isto, “o lugar de onde

falam” e “a posição que ocupam no campo”, importam.

Assim, o conceito de campo, “universo no qual estão inseridos os agentes e as

instituições que produzem, reproduzem ou difundem [...] a ciência” e, mais especificamente,

de campo científico, “universo intermediário entre autonomia total e submissão às leis

sociais”, fundamenta a análise da presente pesquisa.

Também, a definição de Sociologia Política oferecida por Sartori (1972): “uma ponte

interdisciplinar [...] que tenta combinar as variáveis sociais e políticas [...]”. Isto, na

expectativa de se compreender melhor a fala dos editores, principalmente a daqueles que

afirmam durante as entrevistas serem produtores de Sociologia Política.

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O QUADRO 4 apresenta os periódicos analisados e traz informações sobre os

respectivos editores entrevistados e sobre as entrevistas por ordem em que foram realizadas.

QUADRO 4 – INFORMAÇÕES SOBRE AS ENTREVISTAS REALIZADAS COM OS EDITORES

PeriódicoVinculo

doseditores

QualisAno decriação

Editoresentrevistados

CursoIES Doutoramento

Data daentrevista

Duraçãoda

entrevista

FormaLocal de

realização

DadosIUPERJ

IESP

A11966

Charles PessanhaCiência Política

USP10/09/14 1h36min

PessoalmenteIESP/UERJ

Breno BringelCiência Política

UCM12/09/14 53min

PessoalmenteIESP/UERJ

RSPUFPR

A21993

Renato PerissinottoCiências Sociais

UNICAMP25/01/15 1h

PessoalmenteUFPR

Paulo Costa NevesCiências Sociais

UNICAMP06/02/1509/02/15

1h40min53min

PessoalmenteUFPR

RBCSUSP

A11986

Marcos CesarAlvarez

SociologiaUSP

07/03/15 3h40min Facebook

Adrián GurzaLavalle

Ciência PolíticaUSP

16/03/15 2h29min Skype

RBCPUnB

B22009

Luís Felipe MiguelCiências Sociais

UNICAMP09/04/15 40 min Skype

Flávia Biroli*História

UNICAMP09/04/15 28min

PessoalmenteUnB

Luís Miguel eFlávia Biroli

- 24/09/15 47 minPessoalmente

UFPR

BPSRUSP

A22007

Janina OnukiCiência Política

USP22/04/1511/05/15

45min47min

SkypePessoalmente/

USP

Marta ArretcheCiências Sociais

UNICAMP14/05/1530/06/15

54min23min

SkypeSkype

OpiniãoPúblicaUnicamp

A11993

RachelMeneguello**

Ciências SociaisUNICAMP

- - -

Fabíola B. DelPorto

Ciência PolíticaUNICAMP

05/06/15 2h20minPessoalmente

Unicamp

Lua NovaUSP

A21984

Cícero de AraújoFilosofia

USP29/05/1517/06/15

1h05min1h30min

SkypeSkype

Rossana R. Reis**Ciência Política

USP- - -

FONTE: A autora (2016).NOTAS: * Parte da entrevista realizada com a editora Flávia Biroli foi realizada por Nathália Marques, aluna do cursode graduação em Ciência Política da UnB. As demais entrevistas foram realizadas pela pesquisadora e, quando, porskype ou pelo Facebook, devido a indisponibilidade de locomoção da pesquisadora para outras cidades.** As editoras Raquel Meneguello e Rossana Rocha Reis foram convidadas, mas não foram entrevistadas.- As entrevistas duraram aproximadamente 23 horas e geraram 160 páginas transcritas.- Algumas entrevistas foram realizadas em dois momentos devido o tempo disponibilizado pelos entrevistados eem alguns poucos casos, foi solicitado aos editores que enviassem por e-mail resposta a uma ou outra questãoque não lhes haviam sido perguntadas durante a entrevista, ou por falta de tempo do editor(a) para a conclusãoda entrevista, ou porque a questão sobre os “limites, impasses e dilemas da disciplina” fora incorporada aoroteiro de entrevista após os editores de duas revistas, Dados e RSP, terem sido entrevistados.Agradeço imensamente aos professores entrevistados e a todos que me auxiliaram nestas entrevistas.

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Já o QUADRO 5 apresenta, em síntese, o roteiro de entrevista34, que é composto de

25 questões abertas e se estrutura a partir de três grupos temáticos:

QUADRO 5 – SÍNTESE DO ROTEIRO DE ENTREVISTA

GRUPOS TEMÁTICOS SÍNTESE DO ROTEIRO DE ENTREVISTA

Produção(Ciência Política)

Tema, Teoria e Método

1. Trajetória temática e teórico-metodológica2. Objetos de pesquisa próprios da Ciência Política - autonomia5. Qualidade teórica e metodológica dos artigos publicados11. Agenda de pesquisa norteadora12. Questão nacional de destaque/demanda social13. Feição ‘historicizante’ ou mesmo ‘jornalística (Fabio W. Reis)14. Colonialismo teórico (Gláucio Soares)15. Pesquisa metodologicamente bem realizada17. Contribuições teóricas originais (Bolivar Lamounier)18. Sofisticação metodológica x Refinamento teórico20. Diferenciação metodológica

Publicação(Periódicos Científicos)

Perfil da Revista

3. Gerenciamento do espaço temático da revista 4. Motivo de destaque na criação e trajetória da revista6. Ruptura/mudanças no conteúdo dos artigos8. Especificidade teórico e metodológica9. Viés teórico e metodológico10. Áreas temáticas predominantes (Jairo Nicolau)16. Metodologia enquanto fator decisivo na seleção dos artigos22. Papel da revista na formação do campo da CP

Condições(Produção e Publicação)

Limites, Impasses eDilemas

7. Avaliação Trienal da CAPES19. Trabalho produzido e publicado em coautoria21. Papel, benefícios e dificuldades do editor na constituição da CP23. Significado/importancia do Scielo para a revista24. Problemas a serem superados e questões a serem respondidas pela CP25. Limites, Impasses e Dilemas da Ciência Política no Brasil atual

FONTE: A autora (2016).

As 11 questões destacadas no QUADRO 5 definem as três seções apresentadas neste

capítulo e objetivam discutir:

a) Como se relaciona a trajetória temática da Ciência Política com as partes periférica e

hegemônica da disciplina? (questões 2, 10 e 11)

b) Em que medida as relações de força no interior da disciplina provocam mudanças e/ou

rupturas no perfil editorial das revistas? (questões 4, 6, 7 e 23)

34 Na lista de Apêndices da presente pesquisa constam trechos das respostas oferecidas pelos editores a 11 das25 questões do roteiro de entrevista. A pesquisadora optou por não retomar nesta pesquisa outras 10 questõesdesse roteiro já tratadas em sua Monografia. A saber, sobre: 1. a trajetória temática e teórico-metodológicada disciplina (questões 1, 12 e 18), 2. os diagnósticos oferecidos por três dos seus praticantes (questões 13,14 e 17) e 3. os limites, impasses e dilemas da disciplina (questões 19, 21, 24 e 25). As questões 3, 5, 15 e 20poderão ser tratadas em trabalhos futuros.

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c) Qual o papel, o alcance e os limites dos periódicos nacionais Qualis A1, A2 e B1

especializados em Ciências Sociais na constituição do campo da Ciência Política praticada

no Brasil? (questões 8, 9, 16 e 22)

3.1 TRAJETÓRIA TEMÁTICA DA CIÊNCIA POLÍTICA: CENTRO E PERIFERIA

Esta seção apresenta e discute a percepção dos editores sobre a trajetória temática da

Ciência Política no Brasil a partir das respostas oferecidas a três questões do roteiro de

entrevistas35 e é norteada pelo seguinte: Como se relaciona a trajetória temática da Ciência

Política com as partes periférica e hegemônica da disciplina?

A Ciência Política brasileira, por tradição, é essencialmente voltada para entender e

interpretar o Brasil, afirma uma das editoras da BPSR, Marta Arretche. Mais precisamente,

voltada para entender a democracia brasileira, e recentemente, suas instituições políticas36. A

preocupação normativa com a conjuntura política do país e suas alternativas pode ser

observada nas palavras do editor da Revista de Sociologia e Política, Paulo Costa. Inclusive,

as relações mútuas existentes na tríade sociedade-democracia-ciência-política no que tange a

qualificação, apreensão, avaliação e construção da democracia no Brasil. Segundo ele,

[...] uma questão fundamental para o Brasil é como encarar a política e, nós estamos nummomento extremamente delicado desse processo [fevereiro de 2015]. [...] em que supostamenteestão acontecendo várias coisas novas e inesperadas... você tem toda essa enxurrada dedecepção... essa visão mais emocional e tal.. [...] Então, é um momento da gente parar e [...]pensar... porque a gente não tá aqui tentando fazer a receita da Inglaterra, a dos EUA, ou a dequalquer outro país democrático... Não dá, a gente tem que criar a nossa própria coisa [...]. Porisso que a Ciência Política tem um papel muito importante nesse processo de qualificação dacapacidade dos cidadãos brasileiros de entender a democracia. Agora, o quanto a gente vaiconseguir fazer isso e o quanto a gente vai conseguir ser ouvido pela sociedade, aí é uma outracoisa... [...] Mas, que a gente tem algo a dizer sobre isso, tem... E não é raro que os especialistassejam chamados para eventos, tal... Mas, uma coisa são os eventos, congressos, coffee break...outra coisa, é o que realmente ocorre nos processos decisórios... e isso, aí, não é coisa da Ciência

35 Questão 2: A CP brasileira conquistou autonomia em relação a outras disciplinas? Ou seja, a produção daCP brasileira que circula nos periódicos apresenta objetos de pesquisa próprios da CP?Questão 10: Uma pesquisa recente realizada pelo professor Jairo Nicolau aponta as áreas temáticasInstituições Políticas, Comportamento Político, Teoria e História do Pensamento e Eleições como áreaspredominantes na produção da ciência política. Em sua opinião, o que explica essa predominância? Essapredominância é notável na revista?Questão 11: Existe em sua opinião uma agenda de pesquisa norteadora da ciência política brasileira que sefaz presente nas publicações da revista? Ou, é o perfil das revistas científicas que acaba definindo a escolhados temas, dos objetos e das metodologias empregadas pelos autores?

36 Ver “O Estudo de Instituições Políticas na Ciência Política Brasileira: uma análise da produção acadêmica(1966-2013)”. Disponível em:

<http://www.encontroabcp2014.cienciapolitica.org.br/resources/anais/14/1403750443_ARQUIVO_Oliveira_ABCP2014.pdf>. Acesso em: 3 ago. 2015.

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Política, isso é coisa da cidadania, da democracia. Os cientistas políticos são apenas um dosdiversos ramos que estão envolvidos nesse processo [...] E pensando a longo prazo: o importanteé o fortalecimento de instituições, de procedimentos e de valores, no sentido de que orientem asações. Isso, para aqueles que acreditam que isso é pertinente... Não há na ciência política umconsenso.

Temas, teorias e métodos praticados pela disciplina nos últimos 30 anos têm sido, em

grande medida, pautados pela defesa do retorno, consolidação e funcionamento estável da

democracia brasileira e hierarquizados pelos processos de institucionalização e de

autonomização da disciplina. A ABCP e a ANPOCS são lembradas pelos editores como

instituições importantes no processo de institucionalização da disciplina, pois são segundo

eles, espaços de discussão sistematizados e periódicos. A ABCP porque é uma associação

profissional própria da Ciência Política e, particularmente, a ANPOCS porque, já, desde a sua

fundação “houve uma divisão de áreas: Sociologia, Antropologia e Ciência Política”, lembra

o editor da DADOS, Charles Pessanha.

O trecho seguinte, do editor Gurza Lavalle, oferece uma panorâmica do contexto

inicial de institucionalização e de autonomização da disciplina no país e localiza os

momentos de diferenciação e de reaproximação entre Sociologia Política e Ciência Política

no Brasil.

[...] a CP passou por um processo de autonomização em relação à Sociologia que foi a grandematriz das Ciências Sociais na América Latina [...]. No caso do Brasil [...] essa matrizsociológica fez com que durante uma boa parte do século XX aquilo que se fazia em relação aosobjetos políticos e a perguntas tipicamente próprias da CP fosse basicamente Sociologia Política[…] Esse registro de Sociologia Política cindiu no momento em que os departamentos de CPcomeçaram a crescer e a se institucionalizar [...] no contexto da ditadura. [...] com recursos dasfundações internacionais interessadas em promover a reflexão sobre a democracia, sobre ascondições institucionais de funcionamento da democracia. Isso ajudou a consolidar algumas dasinstituições que mais rapidamente se firmaram no panorama brasileiro como instituições quefaziam aquilo que poderíamos chamar propriamente de CP que é a UFMG e o IUPERJ... Essemodelo, ele, foi crescendo e foi se alastrando pra outras universidades... [...] Eu diria que,exatamente, a partir dessa conjuntura [...] a CP começou a ganhar um processo de reflexãoautônomo... [...] a Sociologia da época estava preocupada em fazer diagnósticos dos fracassosda modernização e diagnósticos focados nos movimentos sociais e nos processos detransformação desencadeado de baixo pra cima... e os processos de transição democrática, eles,não podiam ser bem abordados, nem explicados, nem tematizados com focos analíticosprioritários da Sociologia da época e a CP chegou com um conjunto de variáveis tipicamentepolíticas, começou a olhar elites, começou a olhar... [...] houve [então], um processo dediferenciação institucional [...] Durante alguns anos a Sociologia se dedicou a enxergar atoressociais e a CP se dedicou a estudar instituições políticas e demorou muito tempo pra que atoressociais e instituições políticas começassem a conversar de novo. Isso é uma coisa [...] das últimasgerações de cientistas políticos no Brasil, da década passada [...]

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Esta é a narrativa cronológica frequentemente presente na literatura37 e mencionada,

completa ou parcialmente, por todos os editores quando falam sobre os processos de

autonomização disciplinar e de construção/reconhecimento dos objetos de pesquisa da CP.

Justamente, ao tratarem desses assuntos, outra questão, a da interdisciplinaridade, emerge em

suas falas. Vale destacar que, também, no Documento de Área 201338 da CAPES, a

interdisciplinaridade ganha espaço e é considerada produtiva para a CP, mesmo àquela mais

institucionalista — considerada no referido documento “uma agenda circunscrita ao núcleo

duro da CP”. Vale destacar, mais ainda, o cuidado com que o mencionado documento se

refere a essa porção da disciplina quando trata da interdisciplinaridade: “costuma apresentar

resultados promissores” — como pode ser visto na citação abaixo.

Ao longo de seu processo de constituição como disciplina, a Ciência Políticaestabeleceu forte dialogo acadêmico com outras disciplinas vizinhas, especialmentea Sociologia, a Economia, a História, o Direito e a Filosofia. Sua vocaçãointerdisciplinar fica evidenciada ao observar-se o tratamento conferido aosprincipais temas de investigação científica, empreendidos pela disciplina. [...]Mesmo uma agenda circunscrita ao núcleo duro da CP (formação, estabilidade emudança nas instituições políticas, comportamento político e estruturação depreferências eleitorais), costuma apresentar resultados promissores, quandoenfrentada a partir de um consórcio com áreas acadêmicas vizinhas. (p. 11, grifoda autora)

Os editores concordam que a CP brasileira já possui seus próprios objetos de

pesquisa. “Especialmente, a que se dedica a estudar instituições políticas”, afirma Cicero

Araújo, editor da Lua Nova. Mais ainda, “a autonomia da CP..., por exemplo, com a sua...

vertente institucionalista que acabou predominando, veio junto com a ideia da autonomia das

instituições políticas”, complementa o editor. Parlamento, relação entre poder executivo e

poder legislativo, judiciário, eleições, comportamento eleitoral, comportamento político,

37 Ver Limongi, Tavares e Freitas (2015). Da Sociologia Política ao (neo) institucionalismo: trinta anos quemudaram a ciência política no Brasil. Disponível em:<https://www.academia.edu/15209689/DA_SOCIOLOGIA_POL%C3%8DTICA_AO_NEO_INSTITUCIONALISMO_TRINTA_ANOS_QUE_MUDARAM_A_CI%C3%8ANCIA_POL%C3%8DTICA_NO_BRASIL>. Acesso em: 9 set. 2015.Ver Reis (2015). Huis clos no Chile e ciência política no Brasil. [manuscrito disponibilizado pelo autorà pesquisadora por e-mail em 24 ago. 2015].Ver Leite e Codato (2013). Autonomização e institucionalização da Ciência Política brasileira: o papel dosistema Qualis-Capes. Disponível em:<http://www.agendapolitica.ufscar.br/index.php/agendapolitica/article/viewFile/10/8>. Acesso em: 20 mar.2015.

38 Área de Avaliação: Ciência Política e Relações Internacionais. Disponível em:<https://www.capes.gov.br/images/stories/download/avaliacaotrienal/Docs_de_area/CI%C3%Aancia_Pol%C3%Adtica_doc_area_e_comiss%C3%A3o_21out.pdf>. Acesso em: 5 nov. 2015.

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governos, políticas públicas, instituições políticas, e processo decisório são os exemplos de

objetos próprios da CP citados por eles. De acordo com Perissinotto,

[...] existe uma agenda hegemônica, na CP brasileira, que é a agenda da governabilidade. Quaissão as condições de... estabilidade do sistema político brasileiro? Como é que a democraciabrasileira tem funcionado? Daí a preocupação com a relação entre executivo e legislativo,sistema partidário. Daí, o domínio quase que absoluto da reforma política como tema de interesseacadêmico e extra acadêmico. Então, eu acho que no campo da CP tem o peso desse tema...

“Não quer dizer que toda a CP faça isso, [que] privilegie esses objetos. Mas

significa que essa é uma espécie de opção natural, majoritária do foco da CP. É isso que se

ensina e é nessas áreas que se concentram a maior parte da produção”. Alerta, Gurza

Lavalle. Opinião semelhante é oferecida pelos editores da RSP e da RBCP.

[...] nos últimos 10 anos.. eu percebo que houve no aspecto teórico, a consolidação de algunsreferenciais teóricos que ainda são os mais importantes, tanto na dimensão acadêmica, quantomais político-institucional que é a abordagem institucionalista. Mas isso, não implicou,felizmente, no sufocamento de outras áreas. É possível encontrar temáticas que eram da épocaque eu estava começando a minha formação, por exemplo, o debate sobre o marxismo e tal... [...]— então, felizmente, uma coisa não se deu em detrimento da outra, embora, é claro, há sempreuma correlação de forças. Isso é um processo que além de acadêmico é político. (Costa, P.)

Isso está relacionado ao fato de que [...] Comportamento Político, Eleições [...] são as temáticasque tem maior centralidade nos cursos de pós-graduação, na CAPES. Então, elas são, também,as temáticas que tem mais produção quantitativamente falando e que recebem maisfinanciamento, dizendo assim de uma maneira bem generalizada.... porque tem financiamentosespecíficos para outras temáticas... (Biroli, F.)

É interessante observar que essa agenda predominante apontada na pesquisa

coordenada pelo professor Jairo Nicolau não se reflete na BPSR, tampouco na RBCP, que tem

como objetivo explicitado, dar vazão, justamente, para temáticas, outras, que não essas

predominantes no mainstream da disciplina. Segundo eles,

Eu acho que esses são temas que predominam na produção da CP, de uma forma geral, porquetalvez foram as áreas que mais se investiu nos últimos anos, né... quer dizer: eu acho que com oretorno da democracia, teve uma leva de trabalhos [...], final dos anos 80/90, que investirammuito em estudar o processo de transição democrática e a consolidação das instituiçõesdemocráticas. Então, comportamento eleitoral, instituições políticas e eleições são temasnaturalmente né... da discussão do regime democrático [...] e isso se reflete claramente naspublicações. [...] Agora, o que eu vejo na BPSR, como ela é mais nova, né... do que a Dados (..)eu acho que ela já reflete temáticas mais amplas, tá... eu não diria que esses são temaspredominantes. Eles existem, mas eu não diria que há uma concentração de trabalhos publicadossobre esses temas. Eu acho que a gente tem uma diversidade maior. (Onuki, J.)

[...] eu acho que hoje nós temos uma agenda mais diversificada mesmo que seja, ainda, limitadanas suas linhas gerais. Mas... se a gente pensar e isso é natural né, no período final da ditadura ecomeço da redemocratização a gente tem a transição democrática, como sendo o grande temaque mobiliza praticamente toda a ciência política. Com a democracia já mais estabelecida... mais

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consolidada, talvez, a gente tem uma diversificação... um pouco maior.. e as revistas refletemessa diversificação, mas, também, ajudam a... indicar algumas prioridades através de seusmecanismos como a escolha de temas, dossiês, números especiais... são maneiras de chamar aatenção para algumas temáticas que talvez estejam menos visíveis. (Miguel, L. F.)

Para o editor da RSP, Paulo Costa, como já mencionado, “algumas coisas se

consolidam, são temas clássicos da CP. [...] mas, há uma série de outros que também fazem

parte do campo da CP, como comunicação política; ou como, empresariado [...]”. Temas

como gênero e participação política também são lembrados pela editora Flávia Biroli, da

RBCP, como temas interdisciplinares passiveis de serem mais facilmente e amplamente

acolhidos pela CP quanto maior for o grau de pluralidade da disciplina. E como pode ser

observado nas palavras dela, a expansão dos programas de pós-graduação exercem papel

importante nessa pluralização da área.

[...] Eu prefiro pensar nessa questão da autonomia [da disciplina] observando, por exemplo, ocrescimento dos nossos programas de pós-graduação na área de Ciência Política [...] eu entendoque a pluralização maior da área nesses últimos anos que incorpora temas como, por exemplo,gênero, uma maior ênfase para a temática da participação política inclui essainterdisciplinaridade, esse diálogo com outros campos de uma maneira que não fere aautonomia da área. (Biroli, F.)

Os editores falam de autonomia e de institucionalização da disciplina a partir

de vários pontos de vista e de suas consequências e/ou limites, mas, de modo geral,

concordam que a crescente autonomização da área tem levado a disciplina a uma maior

especialização temática e teórico-metodológica. “Hoje a gente pode dizer que há um estudo

separado da Ciência Política [no Brasil] […]. Antes a CP era um apêndice do Direito

Constitucional, do Direito Público, do Direito Administrativo”, afirma Charles Pessanha,

editor da DADOS. Uma coisa é o país construir e oferecer uma disciplina acadêmica pós-

graduada plural de forma institucionalizada e desrregionalizada — que conte com uma

associação científica para que seus membros possam encontrar-se e fazer avançar o

conhecimento científico por meio de debates periódicos; que conte com a possibilidade de

circulação da sua produção intelectual, de forma reconhecida pelos pares, em periódicos

especializados da área; etc. Outra coisa, importante de ser salientada, são os seus porquês.

[...] a gente tem uma autonomia no sentido de que a gente tem os nossos próprios fóruns, asnossas próprias formas de consagração. A gente não depende da anuência, do beneplácito deoutras CS pra saber quem são os nossos pares que merecem ser ouvidos, etc. Eu acho que nessesentido a gente ganhou. Por outro lado, nós ainda somos dependentes... de modelos teóricos quenascem em outras disciplinas. Mas, eu não acho que seja, necessariamente, ruim porque

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também a ideia de uma CP que se isole completamente das outras CS, ela, não é nada atraente.Eu acho que o diálogo com a Sociologia, com a História, também, com a Economia e o Direito,ele, é enriquecedor, desde que [...] nós não estejamos simplesmente numa posição dependente dedisciplinas academicamente mais fortes. (Miguel, L. F.)

Um dos efeitos possíveis da especialização disciplinar que vem ocorrendo na Ciência

Política brasileira e da preferência que parte da disciplina tem dado para os estudos das

instituições políticas pode ser observado nas falas dos editores da RBCP, da RBCS e da RSP

Eu acho que a gente tem dificuldade na CP de conectar os fenômenos políticos a processossociais mais amplos... Então, a gente acaba incorporando a visão de que política, mesmo, éaquilo que acontece lá na praça dos 3 poderes... [...] Eu acho que isso é redutor porque a gentetem processos políticos que escapam desse enquadramento e que são muito importantes. Então,falta discutir os movimentos sociais, falta discutir a maneira como... a separação entre esferapublica e privada afeta possibilidades de participação política, falta discutir a relação entrepolítica e o poder econômico, falta discutir uma série de questões. (Miguel, L. F.)

O campo tem [as suas] grandes áreas [...] e elas vão disputando as formas corretas de seinterpretar e construir esses problemas. É a acumulação dessas disputas que vai produzindoagendas. [...] Agendas mais poderosas e menos poderosas. Poderosas, entendo, agendas comcapacidade de fazer gravitar um número maior de autores ao redor delas. (Gurza Lavalle, A.)

A predominância [na área] de Instituições Políticas, Comportamento Político e, eu incluiria aí,um outro tema que foi apresentado pelo prof. André Marenco, no último Fórum da ABCP: a áreade Políticas Públicas... [...] tem a ver com esse processo de autonomização e deinstitucionalização da CP no Brasil, eu acho. No caso da RSP se você me perguntar o que é quepredomina hoje? Eu diria, não tenho os dados na cabeça, mas eu diria, Instituições Políticas eComportamento Político e eu colocaria também Políticas Públicas, a gente tem publicadobastante coisa sobre Políticas Públicas. Se você me perguntasse isso há dois anos atrás, eu diriaTeoria Política. (Perissinotto, R.)

A editora Fabíola Del Porto, da revista Opinião Pública, também aponta o

crescimento de pesquisas sobre políticas públicas, ou melhor, sobre o papel que elas exercem

no comportamento eleitoral. Em suas palavras:

Eu posso te responder... pela visão da Opinião Pública. Eu acho que existe uma agenda, sim, deentender comportamento eleitoral [...], de entender que papel as políticas públicas exercem nocomportamento eleitoral das pessoas, né... o impacto das políticas.... [...] nesse comportamento enas bases sociais de partidos específicos, por exemplo; razões de voto; comportamento, não departidos, mas, de candidatos;... comportamento eleitoral.

Isto posto, alguns editores não deixam de clamar por uma disciplina mais plural e

interdisciplinar, capaz de ampliar o seu “leque temático” e dialogar com as outras áreas sem

perder a sua especificidade, já que, segundo eles:

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[...] a partir do momento em que existe uma maior institucionalização da CP e um maioraprofundamento temático das discussões, isso [...] leva a uma maior consistência teórico-metodológica [...] porque permite [...] uma sincronia nos debates... mas, por outro lado, [isso]pode ser lido numa chave negativa [...] no sentido de uma CP que está se produzindo com umolhar, digamos, muito focado em dinâmicas, processos e atores específicos e deixando de ladouma questão importante para as ciências sociais em geral que é uma tentativa de elaborar umolhar mais abrangente para análise da política. (Bringel, B.)

Instituições políticas são uma coisa muito concreta — o Parlamento, o Poder Executivo... né... —que tem uma encarnação muito visível. O Estado? Como é que você pesquisa empiricamente oEstado, né? O Neoinstitucionalismo introduziu uma espécie de... objetivação... empírica muitoforte do que significa instituição... porque a palavra instituição, ela, é também uma palavra... emdisputa, digamos assim. Por exemplo, por quê a gente não pode chamar de instituição qualquertipo de pratica social reiterada, mesmo que ela não seja oficial? (Araújo, C.)

Será o tema democracia, enquanto regime político, a grande questão? Ou melhor, o

seu significado, alcance, propósitos e interesses, vários, que se vêm em disputa o tempo todo,

evidencia-se como a grande questão não só da Ciência Política — enquanto objeto de

pesquisa — mas dos porquês da forma como se encaminha a própria disciplina no Brasil?39

Paulo Costa, editor da RSP, se mostra surpreso com a presença da temática “Teoria e

História do Pensamento”, dentre as temáticas predominantes apontadas pela pesquisa dirigida

pelo professor Jairo Nicolau e fala sobre a natureza plural da RSP. De acordo com ele:

[...] Na Revista de Sociologia e Política, eu não tenho essa quantificação, mas, não mesurpreenderia se a coisa ficasse mais ou menos por aí mesmo, ou seja, algo em torno de Teoria eInstituições, principalmente. [...] Certamente, dentro desses temas uma série de outros foramcontemplados e se ocorre isso, reforça a ideia de que a revista, eu apostaria nisso, tem essapluralidade, também. Isso se deu, sempre [devido] à natureza um pouco mais pluralista darevista. A gente não procurou [apoiar ou reforçar] um referencial teórico [...]. Nem agora,quando a gente fala em pesquisa empírica a gente não está falando nesse ou naquelereferencial teórico. Se algum referencial teórico acha que a pesquisa empírica não faz sentido,bom, aí, isso é uma questão do referencial teórico e não da pesquisa. Mas é difícil que issoaconteça.

Por fim, Cícero Araújo, editor da Lua Nova, vê nestas áreas temáticas o efeito tanto

de renovação da disciplina “por conta do investimento no estudo das instituições e coisas

correlatas”, como de permanência, já que, segundo ele, “o estudo dos autores clássicos, da

39 Hipótese que supostamente se relaciona com essa questão pode ser encontrado em Leite (2010, p. 81): “sefor verdade que a Ciência Política brasileira autonomiza-se largamente à imagem da irmã norte-americana,importando algumas de suas características – entre elas, a relação entre a disciplina e regime e valoresdemocráticos – então o crescimento da Ciência Política brasileira, e não somente o posicionamento internodos grupos, pode estar ligado a fatores políticos: internamente, com a redemocratização e o retorno daexperiência e das esperanças democráticas; externamente, com o fim da União das Repúblicas SocialistasSoviéticas (URSS) – processo que estaria relacionado à decadência do marxismo nos campos acadêmicos e aascensão de abordagens e ideologias liberais”.

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História do Pensamento Brasileiro... é muito forte... [...], do Pensamento Político... em geral,

né”. Em suas palavras:

[...] eu acho que ela reflete... tanto a renovação do campo da CP nos últimos 30anos, né... [...] comportamento Político tem uma ligação com isso... como a própriapermanência... Eu diria que o que permaneceu... do passado da CP foi menos aSociologia Política e mais o estudo da tradição do Pensamento Político... Isso aícontinua muito forte... na CP. [...] Era uma coisa que se fazia antes e se continuoufazendo... fazia antes dessa virada da CP para o Institucionalismo, né... Então, issoé resultado, digamos assim, de rupturas e permanências.

A editora Janina Onuki, da BPSR, acredita que são as linhas de pesquisas dos

programas de pós-graduação, mais que as publicações, as responsáveis pelo direcionamento

das agendas de pesquisa da Ciência Política. Segundo ela, “porque os professores vão

começar a fazer projetos de pesquisa em torno dessas linhas, vão, daí, publicar, orientar os

alunos...”. Opinião semelhante é a do editor Paulo Costa, conforme pode ser observado a

seguir:

[...] os autores, antes de estarem em condições de propor alguma coisa pra seja qual for a revista,eles, estão vinculados a um processo de pesquisa [...] Quando você tem o produto na mão, que àsvezes pode ser de uma natureza mais teórica, mais empírica, pode ser em um aspecto maisespecifico da dissertação, aí, que você fala: bom, pra onde eu atiro? Aí sim, que a escolha destaou daquela revista vai dirigir pra onde você atirou, mas o que você preparou, a sua munição, ela,é no âmbito da pós-graduação. [...] É claro que se uma revista num determinado momentovaloriza mais estudos sobre eleição, aquilo vai implicar em um número maior de trabalhos sobreeleição e a revista Estudos Eleitorais, por exemplo, vai ter uma oferta maior de artigos. Mas, sealguém faz uma pesquisa sobre eleições, pode publicar numa revista de Estudos Feministas, se eleestudou em relação ao comportamento das mulheres, ou as mulheres no partido. [...] As revistas,eu acredito, que não criam, elas, mais refletem a dinâmica da correlação acadêmica e políticanas áreas das ciências sociais, que por sua vez vai impactar no financiamento, nas caras dosprogramas né... e também, é claro, vai criar um contexto mais favorável pra as revistas, né, comseus respectivos perfis e linhas editoriais.

A esse respeito, o editor da DADOS oferece um exemplo:

[...] a violência foi um tema que se impôs à academia... a academia não se antecipou aosestudos da violência, ela acompanhou o movimento da sociedade. Acho que os estudos sobre ojudiciário são característicos dos últimos 25 anos... [...] então, essas coisas vão se impondo. Aseleições, os partidos políticos... transformaram esses estudos em grupos permanentes. Você tinhaum grupo de partidos..., agora você tem estudos sobre comportamento político.... Uma agendade pesquisa específica da CP brasileira, acredito que não exista.

Uma análise da percepção dos editores apresentada nesta seção talvez permita inferir

que a trajetória temática da Ciência Política, daquilo que a disciplina privilegia como digno de

ser estudado pelos seus pares, se e quando, reconhecidos e legitimados entre si, se relaciona

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com as partes periférica e hegemônica da disciplina a depender da conjuntura política do país

e dos interesses em disputa presentes em cada contexto. Se relaciona, inclusive, de forma

normativa de acordo com os modelos de interpretação da realidade política que vão se

sobrepondo uns aos outros. A defesa da democracia por parte da Ciência Política é um dado.

Pensar a disciplina reconhecendo a existência de suas parcelas central e periférica demanda ir

além da aceitação do que apenas está posto pelos que são considerados os seus cânones sob

risco de uma desvalorização seletiva, produto de uma certa confusão entre adequação ou não a

determinados critérios que por si só julgam e hierarquizam o campo. A disputa ideológica por

hegemonia se faz muito presente, nesse momento e sentido. Muitos são os exemplos dados

pelos editores durante as entrevistas. Um deles: o questionamento proposto pelo editor Cícero

de Araújo, sobre o porquê de não se poder considerar objeto da política, mesmo, as

instituições não formais; outro, no mesmo sentido, a seguinte a afirmação do professor Luís

Felipe Miguel, da RBCP: “[...] James C. Scott é cientista político, treinado na Ciência

Política, professor de Ciência Política, mas como o objeto e análise dele são camponeses

pobres do sudeste asiático ele é considerado [pelo mainstream da CP] como sendo

Antropólogo e não cientista político”. O entendimento dessa desvalorização de que tratam

Araújo e Miguel fica facilitado a partir do que afirma Bourdieu:

A hierarquia dos objetos legítimos […] é uma das mediações através das quais seimpõem a censura especifica de um campo determinado que [...] pode ser elaprópria a máscara de uma censura puramente política [...] os trabalhos(cientificamente) mais importantes sobre os objetos mais '‘insignificantes’' têmpoucas oportunidades de ter, aos olhos daqueles que interiorizam o sistema declassificação em vigor, tanto valor quanto os trabalhos mais insignificantes(cientificamente) sobre os objetos mais 'importantes' que, com frequência sãoigualmente os mais insignificantes [...]. (BOURDIEU, 2002, p. 35)

3.2 A PERCEPÇÃO DOS EDITORES SOBRE O PERFIL DAS REVISTAS DIANTE DASRELAÇÕES DE FORÇA NO INTERIOR DA DISCIPLINA

Esta seção apresenta e discute a percepção dos editores sobre o perfil editorial das

revistas a partir das respostas oferecidas a quatro questões do roteiro de entrevistas40 e é

40 Questão 4: Sobre a criação e a trajetória da revista o que pode ser destacado, em sua opinião?Questão 6: Sobre o conteúdo publicado na revista é possível afirmar que houve, desde a sua fundação,alguma mudança/ruptura que merece ser destacada?Questão 7: Sobre a avaliação Trienal da CAPES o que é possível afirmar? Ela é necessária? Seus critériossão justos? Quais os impactos desta avaliação para a ciência política e para a revista, em especial?Questão 23: Qual a importância da Scielo para a revista?

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norteada pelo seguinte: Em que medida as relações de força no interior da disciplina

provocam mudanças e/ou rupturas no perfil editorial das revistas?

A combinação Qualis/CAPES e Scielo exerce, na percepção dos editores, papel

importante na (re) configuração do campo acadêmico, incluindo, aí, a do perfil editorial das

revistas científicas. É quase consenso entre os editores que a admissão e permanência das

revistas científicas na coleção SciELO Brasil é sinônimo de maior visibilidade e de

reconhecimento da qualidade para as revistas; porém, não são bem vistos, por eles, alguns dos

seus critérios de admissão e permanência de periódicos na coleção. Por exemplo, o que

critério que determina, por área do conhecimento, a publicação de artigos no idioma inglês

e/ou de autores que possuam afiliação institucional estrangeira. Em relação a essa exigência,

alguns dos editores reagem defensivamente e questionam a relação entre os seus propósitos e

os da internacionalização da produção científica brasileira. A Avaliação Trienal da CAPES,

recentemente tornada Quadrienal, de acordo com os editores, é importante e necessária para

os programas de pós-graduação da área — porém, não, suficiente; e apresenta limites.

Particularmente a avaliação da produção intelectual realizada por meio de um dos seus

indicadores — produção qualificada dos docentes — cuja qualidade é aferida pela Comissão

de Avaliação de forma indireta porque por meio do estrato Qualis dos periódicos na qual

aparece publicada é questionada e discutida pela maioria dos editores.

Segundo a editora da revista Opinião Pública, Fabíola Del Porto, o Scielo é “um

espaço, um canal de visibilidade [...] que se consolidou como um canal de referência

acadêmica... Então, estar no Scielo [complementa Del Porto] [...] corrobora [...] uma

contribuição importante da revista”. É também, a base de dados online que no Brasil, de

acordo com Gurza Lavalle, “resolveu o problema de circulação das revistas que era um

problema endêmico porque as revistas acadêmicas não tinham dinheiro pra circular”. Findar

o trabalho e os gastos necessários na construção e manutenção de revistas impressas foi mais

uma das contribuições do Scielo, já que, de acordo com o editor Paulo Costa, da Revista de

Sociologia e Política:

[...] pra gente, particularmente, foi muito bom ter sido aceito pela Scielo, sabe... pra gente, foi umreconhecimento de que a gente tá fazendo um trabalho bom e não só um lugar que a gentependura revista, né. [...] A gente não só está sendo visto, como tamos num lugar de excelência. [...]Quem produz a revista sabe que a parte de impressão gráfica é muito cara e trabalhosa, né...porque você tem que, além de montar os artigos — supondo que você já passou da parteacadêmica, da avaliação — você tem que diagramar e ao invés de simplesmente ir para o Scielo,tinha que ir para a impressão, tinha que pensar na capa [...] Esse aspecto, embora não tenha uma

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conotação acadêmica, era muito relevante. Desgastava em termos de trabalho e de recursosfinanceiros.

Para o editor da DADOS, Charles Pessanha, a importância e a finalidade do Scielo,

específicamente para a área de ciências humanas, residem no fato de que “o Scielo é o

primeiro grande indexador internacional de prestigio onde as Ciências humanas são

majoritárias. Em todos os outros, são majoritárias a biomédica e a tecnológica... [...] o

Scielo mostra a descoberta das Ciências Sociais pelo periódico científico”. Pessanha, ao falar

sobre a trajetória da DADOS, que em grande medida se confunde com a sua própria trajetória

enquanto editor da revista, chama a atenção para dois pontos: “a coragem de se fazer uma

revista de ciências sociais em 1966, em plena época que saiu o Ato Institucional Nº 2 [...] [e,]

a proposta da revista, que era de ser uma revisita moderna.”. Em relação a esse último ponto,

Pessanha destaca que, em companhia dos colegas das revistas biomédicas e tecnológicas,

começou a ver “o que era uma revista científica”. A partir de então, sobre as implementações

que fez na DADOS e ajudou a fazer em outras revistas, ele afirma:

[...] eu passei a dar uma atenção muito grande a esses requisitos da divulgação científica quesempre foram... até hoje é um pouco... esquecidos pelos cientistas sociais. Implementei um serviçode peer-review, a revista passou a ter um sistema de citação bibliográfica, de documentaçãoséria... e a revista com isso foi ganhando prestigio. [...] se impôs até se transformar numa dasrevistas mais importantes da área. Não apenas de CS, mas da área biomédica e tecnológica. Issome conduziu, inclusive, a um posto inusitado. Eu fui o único presidente da Associação Brasileirade Editores Científicos (ABEC) da área de ciências humanas. Todos os outros presidentes nessesúltimos 25 anos foram... da área biomédica e tecnológica. [...] o cientista social não ligava paracitação, para número de página... pra nada disso... Eu comecei a formalizar a revista, colocarinformações dos colaboradores e a revista com isso foi ganhando características... que depois euajudei inclusive a implantar em outras revistas, como a revista da ANPOCS que eu ajudei a criar;como a revista... da ABCP, em inglês; a Revista Mana do Museu Nacional...

No entanto, muito significativo, a despeito do relato acima, é a seguinte preocupação

demonstrada por Charles Pessanha: “o problema do Scholar-One da Scielo é que ele é feito

para as ciências biomédicas... [e] isso é um pouco perigoso para as Ciências Sociais”.

Segundo ele,

Como que é um artigo de medicina? Introdução, Material e métodos, Discussão e Conclusão. [...]as pessoas reclamam muito nas outras áreas também, pelo fato das ciências biomédicas darem otom da publicação acadêmica [...] você tem uma briga muito grande entre as ciências chamadasduras, também..., por causa da hegemonia da medicina e da biologia... Por exemplo, emmatemática não existe citação... como que cê vai avaliar essa produção por fator de impacto senão tem citação? [...] Então, tem certas coisas que tem que ser adaptadas... agora, não ao pontode descaracterizar completamente a revista de ciências humanas... É o que eu tenho visto nestes30 anos que eu defendo as ciências humanas nesses Fóruns, no Scielo que eu ajudei a fundar. Por

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quê? Porque se a gente faz tanta diferença, tanta mudança, tanta especificidade das ciênciashumanas, eles vão dizer: olha... então vocês vão fazer o seguinte... vocês não são revistascientíficas ou acadêmicas... vocês não vem aqui pedir dinheiro... correto? Então, a gente tem queter algum tipo de respeito às regras que norteiam o trabalho sistematizado, para não falar dotrabalho científico, certo...

O editor da RBCS, Gurza Lavalle, afirma que o Scielo e a lista Qualis são,

provavelmente, os responsáveis pela maior parte da causalidade que poderia explicar a

transformação do mercado editorial acadêmico no Brasil. Ainda que longe de significar, para

ele, a desconsideração de todos os benefícios já ocorridos, parece-lhe que “alguns desses

benefícios estejam começando a ser contrabalançados com alguns efeitos que não são

desejáveis”. Segundo Lavalle,

em outras épocas, não fazia muita diferença onde você publicasse porque tinha revistas quecirculavam mais em certos circuitos e você queria atingir certos circuitos. Mas hoje, [...] qualquereditor numa revista B3 ou C sabe [...] que ter artigos de qualidade para essas revistas é muitodifícil porque as pessoas simplesmente não tem mais interesse em publicar ali. O que significa que[...] as exigências do Qualis passaram a ser significativas porque [os editores] não conseguiamsubmissões por estarem avaliados muito baixo [...] O processo de produção editorial acadêmicoestá progressivamente se profissionalizando. [...] os periódicos começaram a competir entre si.[...] [e] a própria RBCS que durante muito tempo foi uma referencia obrigatória, hoje é umareferência entre muitas outras. [Por outro lado,] O Scielo tem um peso extraordinário não só namodernização, na visibilização da produção, mas em empurrar a comunidade acadêmicabrasileira das CS a publicar em periódicos... [e não em livros] [...] Então, isso mudou os hábitosde publicação [...] o próprio Scielo ganhou condições de forçar as revistas a se adequar a certospadrões editoriais e ao fazer isso, as revistas tiveram que passar por um processo demodernização.

Outras questões, relacionadas ao Scielo, e discutidas pelos editores têm a ver com o

critério que estabelece a publicação de artigos em língua inglesa nos periódicos nacionais e

com o fato de que traduções não são documentos possíveis de serem indexados, publicados e

incluídos nas métricas de desempenho do SciELO. A essas questões, os editores da RBCP se

posicionam de forma contestatória, conforme pode ser visto nas falas de ambos:

[...] há hoje, uma orientação que vem da CAPES, que vem do SciELO, pra que a gente publiquetextos no Brasil em língua inglesa. [...] Então, existe uma pressão conjunta para que a gentepublique fora e para que a gente publique em língua inglesa nos periódicos nacionais e isso noscoloca, na minha opinião, numa posição que não é a da internacionalização, mas é mais e maisa de colonizados... a de... assumirmos que não temos condições de ter produções intelectuais emlíngua portuguesa. Então, é uma coisa que me preocupa. (Biroli, F.)

[...] o Scielo não quer mais que sejam publicados as traduções e isso é uma coisa absolutamenteelitista porque a gente tem um publico universitário que em grande medida, alunos de graduação emesmo de pós-graduação... tem dificuldade de ler em língua inglesa. Nós somos financiados comdinheiro publico, num país pobre... publicação de artigos traduzidos é fundamental pragarantir que textos importantes do exterior estejam acessíveis aos estudantes brasileiros(Miguel, L.F.)

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Em situações contestatórias limites, a editora Marta Arretche afirma que a BPSR já

preferiu deixar de cumprir o critério que trata da publicação de artigos cujos autores possuam

afiliação institucional estrangeira. Isto, segundo ela, em prol da qualidade da publicação da

revista. Tal situação pode ser notada em suas palavras abaixo:

A gente leva em consideração os critérios que tão vigendo para a CAPES, tá... mas este critérionão é cego. Vou te dar um exemplo: na última avaliação [Trienal], isso também é um critério doScielo, existia um critério de que 30% dos artigos publicados tem que ser de estrangeiros... [...] anossa taxa mais alta de rejeição é com os artigos de estrangeiros [...] os pareceristas recusam apublicação e nós vamos lá e lemos os artigos e vemos que eles são ruins. [...] Esse critério a gentenunca usou para aceitar publicação... [...] a meta dos 30% nós não cumprimos, porque naverdade, esses dois objetivos tavam em contradição e nós optamos por um, que era a qualidade dapublicação. (Arretche, M.)

Já a forma como a CAPES avalia a qualidade da produção qualificada dos docentes

— ou melhor; o fato dela avaliar, antes, o lócus no qual ela considera presente aquilo que é

tido como a “boa ciência”, ou seja, os periódicos científicos Qualis A1, A2 e B1, do que, de

forma direta, a produção intelectual dos docentes — aparece, nas palavras da editora Flávia

Biroli, tensionada e relacionada com as formas, segundo Biroli, dessemelhantes de

financiamento da produção e circulação do conhecimento. Além disso, ao colocar a questão

da pluralização da área como mais um problema a ser pensado, Biroli abre espaço para

reflexão sobre o papel da CAPES diante das, já, estabelecidas relações centro-periferia e

pluralidade-especialização presentes na disciplina. Segundo ela:

[...] essas formas de avaliação, elas, não são neutras [...]. Na minha opinião, o problema nem é aideia de produtivismo que é muito mencionada, o problema é outro. O problema é como que agente consegue critérios para avaliar não apenas a quantidade da produção, mas a qualidadedessa produção e, como é que a gente pluraliza de verdade a área, não apenas tendo periódicos,por exemplo, que tenham uma perspectiva mais plural da área, mas tendo, também, a partir daCAPES, uma política que seja de atribuição de relevância à pluralidade da área e nãosimplesmente de chancela pra posição que tem as correntes hegemônicas... [...] A CAPES tem umapolítica que não prioriza os periódicos na área de Ciências Sociais, na área de Ciências Humanasde maneira geral como algo importante na produção científica. Eu digo isso, porque, comotambém na pesquisa, os nossos periódicos, eles, são poucos financiados. Quando financiados, sãofinanciados com recursos muito precários em relação ao que é necessário para manter umperiódico de qualidade. Então, isso é um problema muito importante porque se aplicam a nóscritérios que muitas vezes são critérios que vem do debate sobre a chamada Ciências Duras, asáreas de Biológicas, de Exatas, só que nós não temos o mesmo tratamento. (Biroli, F.)

Nas palavras do editor da RBCS, Gurza Lavalle, o modo como a CAPES opera

nos departamentos acadêmicos (por meio de alocação seletiva de recursos materiais e

simbólicos na universidade) e o que daí resulta (mobilização das forças alocadas nas

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universidades que estão interessadas em ter acesso a esses recursos), além, dos efeitos

decorrentes de tal operação (alterações na dinâmica de funcionamento das pós-graduações/

(re)construção da política do departamento) aparecem de um tal modo explicitadas que

facilitam o entendimento de que a CAPES, por meio de recursos materiais e simbólicos

externos, consegue mobilizar internamente as universidades gerando novas dinâmicas de

funcionamento interno. Os consensos de equilíbrio gerados/aceitos no interior dos

departamentos acadêmicos somados às acomodações provenientes da ausência de um

agressivo programa de progressão na carreira presentes nas universidades são apresentados

pelo editor da RBCS como exemplos, a partir/a despeito dos quais, resta dificultada a

capacidade de indução interna das universidades por si próprias. Deste modo, a CAPES ganha

espaço/reconhecimento para atuar no financiamento e na avaliação da pesquisa científica via

tais recursos/incentivos externos. Daí, as Avaliações realizadas pela CAPES, recentemente

tornadas Quadrienais, terem como um dos seus objetivos aferir a qualidade da produção

docente qualificada apoiada no Qualis-Periódicos. Nas palavras do próprio editor:

Não tenho dúvidas que a Qualis tem uma enorme capacidade de influência [...] porque é umaenorme máquina de indução, né... As universidades, elas, tem pouca capacidade de induçãointerna [...] O que que faz a CAPES? A CAPES entra com aquilo que a universidade não podefazer que é alocar seletivamente recursos. [...] e ao fazer isso, ela mobiliza as forças alocadas nauniversidade que estão interessadas em [...] ter acesso a esses recursos... e isso produz efeitos,né... [...] pode desempenhar um papel crucial para a construção da política do departamento.Como a Capes vai depender esses recursos da avaliação do departamento ela tem operado nosentido de produzir uma... aceleração da dinâmica acadêmica dentro dos departamentosacadêmicos. [...] Então, [...] me parece que, grosso modo, o efeito da CAPES sobre as pós-graduações tem sido extremamente benéfico no sentido de produzir uma sintonia geral entre asdiversas pós-graduações de que é preciso se comprometer com certos valores [...] e isso acabamudando as opiniões das pessoas. Existia mais resistência à CAPES do que existe hoje; e [...] issome parece salutar... acaba com alguns excessos. [...] É bom pra todo mundo. [...] acho positivo.

Dito isto, as palavras dos editores da RBCS e da Revista de Sociologia e Política, no

conjunto, servem como alerta para a presença de forças políticas em disputa no campo e são

consoladoras porque lembram que estas questões estão longe de serem exclusivas das

Ciências Sociais ou mais particularmente, da Ciência Política — tampouco, os problemas.

Ainda assim, depende, no caso da Ciência Política, mas, igualmente, de qualquer outra

disciplina acadêmica; da posição que ela ocupa na hierarquia do conhecimento científico. E

Ciência Política não pertence às grandes áreas do conhecimento, já consolidadas e

reconhecidas pelos pares e pela sociedade. Ela está em construção. Mais ainda, no Brasil,

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depende também da instituição que a abriga. E no Brasil, não existem instituições com

programas de pós-graduação em Ciência Política consolidados em todas as suas cinco regiões.

[...] não dá nem para fazer a crítica pura e simplesmente, nem dá para ser ingênuo, [por]que isso[o Qualis] tem uma série de aprimoramentos, inclusive, tá sujeito às dinâmicas políticas dascorrelações de força no campo. E, aí, ultrapassa a ciência política ou as ciências sociais, porqueafinal, é a Qualis da Capes. Não é o Qualis de Ciências Sociais ou da Ciência Política. (Costa, P.)

[...] como o Qualis se tornou tão importante, existe uma disputa muito forte entre journalsnacionais para ganharem o status A1. Isso implica em disputas, se você mudar a regra de quejournal tem A1 ou tem A2 você muda a pontuação de um departamento... essas regras não sãoestáveis [...][e] isso abre espaço para certas incertezas. [...] Não há consenso sobre isso nacomunidade acadêmica e isso são temas muitos sensíveis. Então, provavelmente, nos próximosanos a gente se verá às voltas tentando imaginar saídas pras distorções produzidas pela listaQualis, como se verá reagindo defensivamente a alguns dos critérios mais agressivos que o Scieloestá adotando no que diz respeito aos critérios de permanência dos periódicos na coleção deperiódicos da Scielo. (Lavalle, A.)

Particularmente sobre o contexto de criação e a trajetória das revistas com

destaque para as mudanças e as rupturas ocorridas no tipo de conteúdo publicado em cada

um dos sete periódicos, de maneira geral, é possível afirmar que, na percepção dos editores,

cada revista tem alguma particularidade, até mesmo porque foram criadas em contextos

políticos diferentes e com propósitos variados. Segundo os editores, todas, exceto a BPSR e a

RBCS, em algum momento sofreram algum tipo de ruptura. Seja institucional, como foi o

caso da DADOS ao migrar do antigo IUPERJ para o IESP-UERJ — processo que ocorreu

entre 2010 e 2012 ou; temática e teórico-metodológico, como ficou mais evidente no caso da

RSP que de Teoria Política como tema predominante, migrou para Instituições Políticas,

Comportamento Político e Políticas Públicas nos últimos dois anos. Ou ainda, a Lua Nova,

que por mais que se diferencie atualmente das demais revistas porque ainda publica muita

Teoria Política e Teoria Social, nasceu com propósitos claros de acompanhar e discutir a

conjuntura política do país em diálogo profundo com os movimentos sociais. Particularmente,

o momento de inflexão da revista Lua Nova que lhe deu essa marca de revista forte em Teoria,

aconteceu quando a Teoria Política Normativa começou a ter peso na revista, quando da

assunção dos editores Gabriel Cohn e Álvaro Vitta no início dos anos 90. Algumas são

mantidas e editadas por universidades; outras, por associações profissionais e a revista Lua

Nova, pelo centro de pesquisa, reflexão e ação — como é denominado o CEDEC, centro de

pesquisa que a mantém e edita. Depende também se foram concebidas e/ou permaneceram

mantidas com ou sem apoio institucional, técnico e financeiro. A esse respeito a RSP e a

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RBCP encontram-se em lados diametralmente opostos. Segundo os editores da revista: a

primeira, criada a partir de um ato estritamente voluntarioso e absolutamente amador; sem

apoio, com muitas dificuldades, sem recursos institucionais, numa universidade que não tinha

tradição em ciências sociais e muito menos em ciência política, tornou-se, ainda assim, uma

revista “bastante profissionalizada do ponto de vista da submissão de artigos, da produção

de pareceres e da institucionalização dos recursos financeiros que a sustenta” e sua linha

editorial tem cada vez mais priorizado estudos empiricamente orientados e quantitativos. A

segunda, é uma revista que vem de uma Universidade que está fora do eixo Rio-São Paulo,

com uma proposta de pluralização e de fazer avançar áreas marginais da Ciência Política e

formas de abordagem da democracia que não ganham centralidade, por exemplo, no

institucionalismo; que rapidamente conseguiu entrar no Scielo e pode contar para o seu

funcionamento, desde o seu (re)nascimento em 2009, com suficiente apoio financeiro do

Instituto de Ciência Política, da UnB — instituição que a mantém e a edita.

Algumas, como a RBCS, porque mantida por uma associação profissional, possui

alta rotação de editores e de áreas de forma a garantir que as três principais áreas das Ciências

Sociais mantenham-se representadas no decorrer do tempo. A DADOS, revista mais antiga

dentre as que fazem parte desta pesquisa, nasce com a proposta de ser uma revista moderna.

“De patinho feio das Ciências Sociais a revista se impôs até se transformar numa das

revistas mais importantes da área, não apenas de Ciências Sociais, mas da área biomédica e

tecnológica”, relata Pessanha, editor emérito da revista desde 2013. A Opinião Pública que

“foi um espaço [...] para tratar em língua portuguesa e para trazer para o Brasil uma

temática da Ciência Política quantitativa… estudos de comportamento político, eleitoral

[...]” foi a revista que mais se manteve estável dentre as analisadas na presente pesquisa e

segundo sua editora, Fabíola Del Porto, estudos quantitativos sobre Comportamento Político e

Políticas Públicas têm sido cada vez mais crescentes na revista.

A partir desta breve caracterização das revistas é possível notar a pluralidade de

fatores que as circundam e algumas mudanças de tipo temática e teórico-metodológica, frutos

dos efeitos do Scielo e do Qualis-Periódicos, como já mencionados. Mas, principalmente, dos

processos de institucionalização e/ou de autonomização da disciplina e de profissionalização

dos periódicos. As palavras de Breno Bringel, editor da DADOS e de Perissinotto, editor da

RSP, respectivamente, são ilustrativas nesse sentido:

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[…] nos primeiros 20 anos de Dados, o que havia basicamente na revista eram grandestentativas de interpretação dos problemas brasileiros. Claro que tinha toda aquela discussãosobre o caráter ensaístico de alguns textos... mas, de fato, havia uma tentativa de problematizargrandes questões, grandes temas, um olhar abrangente, uma autorização abrangente... Eu achoque isso tem diminuído porque esse olhar mais micro, mais específico... tem a ver com ainstitucionalização do campo. Então, metodologicamente nós avançamos na sofisticação detécnicas, de métodos de análises, mas, por outro lado, nós perdemos, em boa medida, esse olharmais abrangente.

[...] foi uma coisa que foi surgindo em função das pressões do campo... eu acho que essemomento [de ruptura] foi o momento em que a gente começou a perceber que [...] ou nós nosprofissionalizaríamos um pouco mais, ou a revista ia acabar. [...] Então, a partir desse momentoeu era responsável por ir atrás de recursos do CNPq, o Paulo por encaminhar o processo deimpressão, etc., e o Adriano por indexar a revista, por ver como formatar a revista de acordo comas exigências acadêmicas. A partir de um certo momento [...] nós contratamos o Gustavo[Biscaia] — contratamos, leia-se, pedimos ajuda do Gustavo que se interessou porque gostava doassunto. [...] e agora nós entramos com o Lucas [Massimo] que é um verdadeiro apaixonado peloassunto, também trabalha de graça. Introduziu uma série de mudanças importantes, talvez amaior delas seja o Scholar-One [da Scielo] que é um processo informatizado de submissão deartigos... Então, esse momento em que nós falamos: não dá mais... foi um momento crucial para acontinuidade da revista — e estamos aí até hoje.

3.3 A PERCEPÇÃO DOS EDITORES SOBRE OS PERIÓDICOS NACIONAIS E O PAPEL QUE DESEMPENHAM NO FUNCIONAMENTO DO CAMPO DA CIÊNCIA POLÍTICA PRATICADA NO BRASIL

Esta seção apresenta as respostas oferecidas pelos editores a quatro questões41 do

roteiro de entrevistas com o propósito de discutir o seguinte: Qual o papel, o alcance e os

limites dos periódicos nacionais Qualis A1, A2 e B1 especializados em Ciências Sociais na

constituição do campo da Ciência Política praticada no Brasil?

Os periódicos científicos, segundo todos os editores entrevistados, em alguma

medida influenciam e são influenciados pelo campo científico. De acordo com eles, a CAPES

e o SciELO desempenham papel importante nesse processo que não ocorre de forma

unilateral. Para os editores da Lua Nova, da Opinião Pública e da Revista de Sociologia

Política, respectivamente:

41 Questão 8: Comparativamente, o que diferencia teórico e metodologicamente a revista de outros periódicosnacionais especializados em ciência política?Questão 9: É possível afirmar que a revista possui um viés teórico e metodológico que a direciona? O que arevista publica e o que ela rejeita?Questão 16: A metodologia empregada nos artigos é um fator decisivo na seleção dos artigos parapublicação na revista?Questão 22: Qual o papel da revista na formação do campo da Ciência Política?

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[...] as revistas um pouco ajudam a definir os limites e o campo de possibilidades da área, né...[...] quase que elas definem o que é importante e o que não é importante e... é claro que tem umpapel na formação, porque, especialmente na pós-graduação, onde os alunos, os pesquisadoresestão lá produzindo suas dissertações, suas teses e eles vão fazer isso acompanhado o que éproduzido nas revistas e também pensando em publicar seus trabalhos... Então, as revistas sãoquase bússolas, né, pra essa.. cada nova leva de pesquisadores que são formados na pós-graduação. (Araújo, C.)

[...] a revista, a publicação, nessa... área ou em qualquer outra... anda junto com a trajetória, coma formação, com a constituição da Ciência Política... da produção e da publicação. Essadinâmica de divulgação de resultados, abrir o debate para determinadas temáticas [...] tem umpapel... constitutivo e constituído ao mesmo tempo. (Del Porto, F.)

Acho que as revistas sofreram um impacto do campo. O nosso caso é muito evidente nessesentido. Mas, ao mesmo tempo, elas conseguem alimentar [o campo]... Por exemplo, a RSP, euacho, na medida em que ela se estreitou no sentido temático, mas, não ao ponto de se transformarnuma revista de um tema só, ela permite a continuidade de um campo da CP razoavelmenteheterogêneo (Perissinotto, R.)

O editor da DADOS, Charles Pessanha, a esse respeito chega a afirmar que “a

revista científica através da seleção e certificação dos artigos vai dizer o que é certo e o que

é errado na ciência”. Papéis decisivos nessa tarefa possuem os editores, os pareceristas e o

comitê editorial das revistas que de acordo com cada periódico, um ou outro vai desempenhar

de antemão papel preponderante na decisão daquilo que vai aparecer ou não publicado na

revista. Por exemplo, a DADOS adota o processo de rejeição liminar. Segundo o editor desta

revista, Charles Pessanha, “na medida em que o artigo é admitido [pela revista], ele é julgado

pelos pares da maneira mais democrática possível... [e] se a gente tem dúvida, pede mais um

parecer até tomar uma decisão”. Já as editoras da BPSR enviam todos os artigos submetidos

à revista para os pareceristas, sem nenhuma seleção prévia. Segundo uma das editoras, Janina

Onuki, “se chegam em inglês, se chegam em português, seja teórico, seja... quantitativo,

empírico, o que for, a gente na mesma semana encaminha pra três pareceristas”. “Nós só

rejeitamos artigos que os pareceristas rejeitam42 [...], complementa Marta Arretche, também

editora da BPSR. Neste caso, a BPSR depende completamente para a seleção dos artigos que

são publicados na revista, como lembra o editor Gurza Lavalle, da RBCS, “da qualidade dos

pareceres e de pessoas que são altamente especializadas nos assuntos [presentes em cada

artigo]”. Justamente devido a isso, Marta Arretche, a respeito do papel do editor de

periódicos científicos, afirma que “os editores precisam zelar para que [se] tenha bons

42 Cabe lembrar a seguinte afirmação de Marta Arretche: O nosso editor-executivo faz uma triagem que é praver se o trabalho é original, se ele não foi publicado em outro lugar, se ele é um trabalho no campo da CP, seele é um artigo científico... porque às vezes chega um trabalho que é de final de curso, que tem 10 páginas eque... é impublicável. Então, existe uma primeira triagem. Em termos quantitativos, esta triagem acabaeliminando 10% dos textos que a gente recebe.

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pareceristas, zelar para que os pareceristas não tenham conflitos de interesse [com as

escolhas temáticas e teóricas e metodológicas presentes em cada artigo], [zelar para]

garantir que os autores revisem o trabalho [ou seja, os editores] têm que garantir a

qualidade da publicação”. A prática da BPSR exemplifica que mesmo nos casos em que os

artigos são encaminhados, diretamente, sem seleção previa realizada pelos editores, para os

pareceristas, os editores desempenham papel importante no processo de avaliação e seleção

dos artigos já que são eles os responsáveis pela escolha dos pareceristas. A respeito desta

tarefa, as palavras do editor da DADOS, Charles Pessanha, encontram ressonância com as de

Marta Arretche, citadas acima. Segundo Pessanha,

[...] um editor científico não pode ter preconceito a metodologias e a teorias. [...] ele tem que seruma pessoa justa. Por quê? Porque você não pode pedir uma avaliação num artigo... esperandode antemão que aquele artigo vai ser ajudado ou prejudicado, certo? Qual é a tarefa principalde um editor científico? É exatamente fazer com que um trabalho só entre ou não na sua revista,na revista que está sob sua responsabilidade, por critério acadêmico-científico.

A dificuldade, inerente ao processo de avaliação por pares, que enfrentam os editores

de revistas científicas no momento de procura por pareceristas especializados nos assuntos de

cada artigo e/ou disponíveis para realizarem pareceres — ainda mais, considerando que a

emissão de pareceres não é tida como uma atividade aceita para fins de avaliação dos

docentes/programas de pós-graduação junto à CAPES, tampouco é uma atividade remunerada

e, que os pareceristas estão igualmente imersos numa dinâmica que se configura cada vez

mais sob a lógica do produtivismo acadêmico, pois, são também (co)autores que como seus

pares, “precisam” produzir e publicar — pode ter como resultado involuntário, o seguinte

fato: determinado artigo pode demorar mais tempo para ser publicado do que outro, em

determinadas ocasiões. Como consequência dessa dinâmica, o conteúdo de alguns artigos

acaba sendo divulgados e debatidos “fora do calor da hora” — como afirma a editora Fabíola

Del Porto da revista Opinião Pública, ao falar sobre algumas das dificuldades enfrentadas

pelos editores no processo de avaliação dos artigos para publicação — ou, fora do período de

avaliação trienal/quadrienal da CAPES, o que implica prejuízo para alguns

docentes/programas de pós-graduação na avaliação que a CAPES realiza periodicamente. Em

ambos os casos, o tempo de espera, maior, num caso e; menor, noutro, pode funcionar como

mecanismo de exclusão/inclusão de estudos mais/menos ajustados no campo, já que “as vezes

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a comunidade é pequena pra determinadas temáticas... [...] e as pessoas também estão

envolvidas em várias outras coisas”, complementa a editora.

Os Dossiês Temáticos, por outro lado, são considerados pelos editores uma forma

voluntária de induzir/orientar a publicação de determinadas temáticas. Particularmente os

editores das revistas Lua Nova e RBCP afirmam que a decisão pela publicação de dossiês

temáticos é uma maneira declarada e intencional de permitir espaço para temáticas menos

hegemônicas e, portanto, de influenciar o campo. Segundo o editor Luís Felipe Miguel, o

diferencial da RBCP está no propósito que possui a revista de “escapar do conjunto já

canônico de submissão sobre Comportamento Eleitoral, Comportamento legislativo e

Políticas Públicas que é a maior parte do que a Ciência Política faz”. Então, afirma ele:

[...] a gente faz isso através da indicação de Dossiês. [...] existe uma preocupação política,mesmo, de estimular temáticas marginais. [...] quando Flávia e eu vamos assumir o projeto darevista [em 2009] e começar de fato a editá-la a gente já faz esse projeto com a ideia de ter umaintervenção no campo da Ciência Política no sentido de dar mais espaço para algumas temáticasque a gente julga que são importantes mas que são marginais... temáticas vinculadas a Gênero,vinculadas a Desigualdades Sociais, vinculadas a uma percepção mais... menos institucionalistada política. Isso faz parte do projeto da revista.

Tamanho é o impacto dos dossiês na abertura de espaço para temáticas fora do

mainstream da disciplina que ao comparar a RBCP com a BPSR, o editor Luís F. Miguel

afirma que “a revista [da ABCP] - uma revista que tá mais vinculada ao mainstream da

Ciência Política - reflete melhor, proporcionalmente, o que é o estado atual da Ciência

Política no Brasil, do que [a RBCP, que] tem os Dossiês”.

Curioso é observar, no entanto, as afirmações das editoras da BPSR quando falam

sobre os critérios de seleção de artigos para publicação na revista. Segundo Janina Onuki,

“[...] o fato de não fazer dossiês e o fato de ser muito aberta para as áreas da CP, eu acho,

tem tornado a revista plural, tem permitido que a gente publique artigos das mais diversas

orientações metodológicas, teóricas...”. “Nós só rejeitamos artigos que os pareceristas

rejeitam, esse é o único critério de rejeição”, complementa Marta Arretche.

Se a BPSR é, segundo o editor da RBCP e, também, Leite (2015) uma revista

politológica e se; segundo suas editoras, é plural e publica apenas o que os pareceristas

recomendam, cabe perguntar: são os pareceristas os principais organizadores/hierarquizadores

do campo? São esses mesmos pareceristas os que predominantemente também conseguem

publicar nas revistas de estrato Qualis mais elevado? Outro trecho de Marta Arretche, talvez

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contribua para se pensar a respeito. Na opinião dela, a partir de um conceito originado na

Economia:

Eu acho que o que explica a predominância [de certos campos de pesquisa na Ciência Política] ébasicamente o que a gente chamaria de rendimentos crescentes. O que que é isso? São feitosinvestimentos... [e, então,] um determinado campo se desenvolve mais. Aí, esse campo acabaatraindo mais gente por que os custos de entrada num determinado campo são menores, né...Então, naquela área onde tem mais pesquisa tende atrair mais pesquisadores e produzir maispesquisas, porque ela tá mais organizada, porque dá mais prestigio atuar naquela área, porquevocê já tem hipóteses sendo tratadas. Então, as pessoas querem se incorporar a um debate que játá organizado. Enquanto que em outras áreas, né... os custos de entradas são muito altos.

Outros motivos que justificam a importância/necessidade da publicação de dossiês

são oferecidos pelo editor da Lua Nova, que também faz chamada por dossiês. Segundo

Cicero Araújo, “o dossiê tem uma vantagem que é a publicação [concomitante] de textos que

se comunicam uns com os outros por causa da unidade temática [num mesmo número da

revista]”. Ou seja, segundo ele, o dossiê

[...] ajuda a concentrar e a adensar o debate considerado muito relevante num determinadomomento pela comunidade acadêmica [...] restringe, porque quando você publica artigos avulsospode ter um monte de coisa diferente, mas, por outro lado, incentiva a abrir novos temas porqueas vezes os artigos avulsos são condicionados pelo mainstream.

Cabe ressaltar que os editores da Lua Nova e da RBCP afirmam, ainda assim, que

encaminham para os pareceristas todos os artigos submetidos à revista, mesmo os

encomendados para publicação nos dossiês. Procura o editor da RBCP manter-se, em suas

próprias palavras, “estritamente dentro da ideia dos pareceres, do duplo cego, etc.”. Da

mesma forma, afirma proceder o editor da Lua Nova, mesmo reconhecendo que é mais

complicado cumprir as exigências de avaliação via pareceres para os artigos cujos autores

foram convidados pela revista para escrever para um dossiê. Além disso, assim como os

demais editores, os editores destas duas revistas também afirmam a existência de pluralidade

teórico-metodológica no conteúdo das revistas. Porém, não deixam de mencionar a presença

de textos predominantemente teóricos nas revistas que editam. Segundo eles:

Eu acho que a gente tem bastante diversidade. A gente publica bastante textos de Teoria, mas agente publica muita pesquisa empírica e a gente publica pesquisa empírica com diferentesmetodologias... [...] Eu acho que não tem nenhum tipo de viés em relação a método da revista,não. [...] a gente procura mandar pra pareceristas que podem discordar do conteúdo do artigo,achar que não tá bom, etc.. mas que não tenham uma predisposição contra a moldura teórica-metodológica... [do artigo que irá avaliar] justamente pra garantir essa pluralidade. (Miguel,L.F.)

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[a Lua Nova] é uma revista pluralista. Ela recebe artigos de boa qualidade, qualquer que seja...Ela publica em geral artigos que ela considera de qualidade, que os seus pareceristas consideramde boa qualidade [...] eu diria que o que a diferencia é a temática. A temática, não a linhateórica e metodológica. [...] ela faz um investimento maior, muito maior em Teoria Política eTeoria Social. (Araújo,C.)

A Revista de Sociologia Política deixou de publicar dossiês em 2014. Segundo

Perissinotto: “isso tem a ver com esse espírito de aprofundar cada vez mais... o caráter

arbitrado dos artigos. Os dossiês, não que seja necessariamente o caso, [...] tendem a ser o

resultado de relações interpessoais”. Num país como o Brasil em que a comunidade

acadêmica da Ciência Política é particularmente pequena; permite, por si só, essa dinâmica de

avaliação via duplo parecer cego, portanto anônima, evitar relações interpessoais? Que

influencia exerce, nesse sentido, os Encontros periódicos da ABPC e da Anpocs, para citar

apenas dois, uma vez que neles/a partir deles se tornam conhecidos e debatidos, entre os

próprios pares, os seus trabalhos científicos? E até mesmo, em que medida, o exercício de

papéis diferentes por um mesmo agente no campo, dificulta ou facilita tais relações

interpessoais? Ou seja, não são os pareceristas, eles mesmos: (co)autores; editores de

periódicos científicos; coordenadores de programas de pós-graduação; tomadores de decisão

junto a CAPES, CNPq, SCIELO, etc.; integrantes das Comissões responsáveis pela Avaliação

dos programas de pós-graduação; etc.? E o que dizer das divergências temáticas e teórico-

metodológicas presentes no campo? Da “hierarquia social dos objetos” de que fala Bourdieu?

Das práticas de má conduta na ciência de que tratam os Comitês de Ética em Pesquisa? Da

vaidade intelectual? Enfim, das relações de força em disputa no campo?

Os demais periódicos — BPSR, RBCS, Opinião Pública e DADOS — nunca

publicaram dossiês. Incidem no campo de outra forma? A preferência por pesquisas

quantitativas e de abordagens neoinstitucionalista por parte dos editores da Opinião Pública e

da DADOS é notada em suas entrevistas. Essa preferência, pode ser considerada uma maneira

diferente de induzir o campo a produzir e publicar pesquisas que se enquadram no perfil da

revista. Ou seja, o perfil editorial de uma revista não tende a selecionar e, por extensão

reforçar, apenas os artigos que dialoga com tal perfil? Segundo o editor Charles Pesssanha, “a

produção da Ciência Política quantitativa encontrou na DADOS um abrigo”. Afirmação de

conteúdo semelhante é percebida em diversos trechos da entrevista realizada com a editora da

Opinião Pública, Fabíola Del Porto, pois, segundo ela:

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A criação da Opinião Pública foi um espaço [...] pra trazer pra língua portuguesa e para o Brasiluma temática... da ciência política quantitativa... Estudos de Comportamento Político, Eleitoral,Análise de Instituições, Análises de Políticas Públicas [...] Acho que um diferencial, umaespecificidade da revista... é ser [uma revista de] Ciência Política [...] apoiada em métodosquantitativos. Ser um espaço criado num período em que essa temática, essa área, não era forte[...] A OP tem uma tradição forte na CP, mas também abrange a Sociologia e as CS que usam osmétodos quantitativos. [...] a demanda de artigos… submetidos nessa área mais quantitativa daCP cresceu bastante [...] sobretudo de 2010 pra cá...

Interessante, também, é notar nas palavras da editora, a preocupação e crítica que faz

do alcance da pesquisa quantitativa quando realizada sem embasamento teórico. O mesmo

não acontece, de forma tão explicita, nas entrevistas com os editores da DADOS, revista que

também privilegia a publicação de pesquisas quantitativas.

[...] a gente não pode esquecer que uma pesquisa qualitativa que não vai usar dessa parafernáliatoda, pode fazer uma explicação abrangente e profunda da realidade com outros métodos, assim,de outra forma... Então, eu acho que esse avanço metodológico, se a gente estiver considerandoa área quantitativa que é a área que eu mais uso aqui... ele é um instrumental muitoimportante, mas, ele não pode ser entendido como sinônimo de uma explicação maisabrangente... Ele [...] pode oferecer um refinamento... nos dados, no uso que você pode fazerdaquele dado... mas, se você não tem um suporte teórico... uma construção teórica importante, elenão te garante nada... [...] a gente já recebeu coisa que tem uma metodologia sofisticada mas quenão diz muito além do que o modelo [estatístico] deu. Mas, é muito pouco. Eu creio que... oavanço do campo quantitativo tá caminhando junto com... as pessoas saberem que o métodoquantitativo é um instrumento que tem que explicar embasado numa construção teórica maisampla. Ele te dá respostas, mas as suas perguntas... Ele não diz nada sozinho. (Del Porto, F.)

Ao responder sobre o papel das revistas científicas na formação do campo das

Ciências Sociais, e particularmente, no da Ciência Política, o editor da RBCS, Adrian Gurza

Lavalle, destaca o papel dos pareceres e dos dossiês, conforme segue:

[...] uma função é veicular produção de ponta e permitir ou ajudar a que essa produção deponta seja uma produção de ponta de altíssima qualidade do ponto de vista da transmissão dosresultados e [...] dos pressupostos necessários para a publicação de artigos. Então, essa é umaparte. Veicular e homogeneizar a qualidade daquilo que é veiculado. Isso é importante. Essa éuma função que tem a ver, digamos, com divulgação e com a qualificação... ajudar a qualificar ea melhorar aquilo que se divulga. [...] as revistas via processos de pareceristas, de parecer cego,etc., elas ajudam a sofisticar muito a qualidade do que se publica, ajudam a nivelar a qualidadedo que se pública. [...] A outra função das revistas é [...] ajudar a construir determinadasagendas e ajudar dar visibilidade a determinados problemas e orientar o campo emdeterminadas direções. Há certas revistas que fazem isso porque tem um perfil editorial quepermite fazer isso. Tem um perfil editorial comprometido com certos temas, com certasabordagens, com certas perspectivas teóricas ou tem ampla liberdade pra organizar dossiêstemáticos que ajudam a iluminar problemas que não estão sendo considerados de modo que apartir de um dossiê se espera deflagrar uma determinada recepção de certo problema, de certotema. (Gurza Lavalle, A.)

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Particularmente a possibilidade de publicar dossiês, que, nas palavras de Gurza

Lavalle, faz parte da “missão mais nobre das revistas acadêmicas”, não está à disposição da

RBCS pois, segundo ele:

[...] a RBCS, pelas suas características não tem como incidir no campo... ela não tem comoprivilegiar certas teorias, não tem... O máximo que pode fazer [...] é encomendar.... balançosbibliográficos sobre temas que considere de extraordinária relevância num determinadomomento. Mas há uma diferença de capacidade algo brutal entre você encomendar um bombalanço bibliográfico ou você dedicar uma revista completa pra discutir um tema... [...] a RBCSnão pode fazer, basicamente porque ela tem que estar aberta a produção regular de todas asáreas...

A revista não pode ter esse recorte predefinido. É contrário ao espírito da revista. A revista,basicamente, é uma revista que publica textos que tem o mérito avaliado e avaliado positivamentepor pares especializados em subcampos. [...] um dos desafios da revista é como manter essadiversidade temática, metodológica e teórica e ao mesmo tempo, manter um grau de exigênciaelevado de qualidade, porque quanto mais variado o espectro de possibilidades teóricas,metodológicas e empíricas, mais variado os critérios de qualidade. O que a revista obviamentefaz, como fazem uma boa parte da revista é depender da qualidade dos pareceres e de pessoas quesão altamente especializadas nesses assuntos e do trabalho sistemático da comissão editorial deanalisar com cuidado todos os textos pra ver se de fato eles cumprem com a política editorial darevista. Mas é mérito, não tem outro critério.

Dentre os editores dos sete periódicos, os da Revista de Sociologia e Política e o da

Lua Nova, foram os que, durante a entrevista, mais enfatizaram o impacto do campo sobre os

periódicos que editam. O trecho abaixo, apesar da sua extensão, merece ser mencionado

porque informa, nas palavras do próprio editor Perissinotto, sobre os “constrangimentos do

campo acadêmico”, enfrentados pela Revista de Sociologia Política.

[...] na verdade, o nome Revista Sociologia e Política... expressa, em grande medida, a formaçãodos três criadores, o Paulo, o Adriano e eu. Ou seja, a ideia de que nós nos formamos naUnicamp e não nos sentíamos muito confortável com essa ciência política ultrainstitucionalistaque já começava a despontar nesse momento. A nossa formação era uma formação muito maispróxima da Sociologia Política [...] e aí a gente falou: bom, vamos tentar produzir uma revistaque contemple esse dois tipos de produção... No fundo, no fundo, [...] foi uma vontade de fazeruma revista que surgiu por razoes pessoais, ambições pessoais [...] a gente não queria vinevista auma linha analítica especifica, Sociologia Política, a uma disciplina, digamos assim. Mas, a doisgrandes campos. A ideia é um pouco contraria ao que se sugere hoje em dia [:] [...] ampliar omáximo possível para você conseguir contar com contribuições diversas. Hoje é o contrário.Hoje, o que se exige é uma revista temática focada, tipo Opinião Pública, por exemplo... [a RSPtem se encaminhado] pra isso, mas, ela sofre, nesse sentido, os efeitos da sua origem. A OpiniãoPública nasce como revista temática. A RSP não nasce como tal. Então, esse processo praestreitar o conjunto de temas é um processo mais problemático, um processo mais difícil. [...]mas uma coisa que tem que ficar clara, é, que, se num primeiro momento a revista expressauma vontade pessoal de três membros desta instituição, num momento posterior da suaevolução, ela já não é mais um lugar de veiculação de artigos que nós gostamos. Ela é umarevista institucionalizada. Então, nesse sentido, hoje em dia, ela expressa muito mais osconstrangimentos do campo acadêmico da área de CP, do que a minha vontade ou a vontade doAdriano. Nós temos que favorecer determinado desenho na revista porque o campo estáassumindo essa configuração. Não adianta a gente começar a publicar artigos ensaísticos,porque... primeiro, eles não vão aparecer, as pessoas não publicam mais artigos ensaísticos.

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Entende-se melhor, portanto, porque a Revista de Sociologia Política, cada vez mais,

tem se tornado uma revista que publica textos empiricamente orientados. “Se você pega uns

três anos atrás, havia [na revista] uma predominância muito grande de textos de Teoria

Política, de Filosofia Política [...]”, afirma Perissinotto, que em outro trecho sintetiza as

mudanças ocorridas na trajetória temática e teórico-metodológica da revista:

[...] a revista começou basicamente como uma revista que publicava artigos de SociologiaPolítica, com uma pegada histórica forte, estudos de casos em profundidade, passou por umperíodo de transição em que os temas de Teoria Política passaram a ter um papel importante ecada vez mais estudos empíricos de orientação institucionalista tem ocupado um lugarsignificativo na produção da RSP.

Como é possível notar, com o tempo o campo consegue configurar um novo arranjo

editorial para as revistas científicas. Como já exposto, o caso da RSP é exemplar nesse

sentido. Também, o da revista Lua Nova, como pode ser observado noutro trecho, de Araújo

[...] a revista quando foi fundada [em 1984, pelo CEDEC] tinha um caráter mais... [engajado]de fazer o comentário da vida social e política corrente... do país [...] depois, ela se tornou umarevista mais acadêmica. [...] foi pegando essa característica de ser uma revista... principalmente,de Teoria Social e Política [...] Não, exclusivamente. Também tem artigos de RelaçõesInternacionais, de Política Brasileira e assim por diante. [...] a partir do fato de que... [...] aFundação Ford deixou de financiar iniciativas mais independentes da universidade [...] cadavez mais as instituições passaram a depender... [...] de financiamento do Cnpq, da Capes, daFapesp e assim por diante. A revista [Lua Nova] teve também de [se] adaptar às orientações queas agências davam para as revistas universitárias [...] Eu acho que o CEDEC... resistiu maistempo para fazer essa inflexão do que o Cebrap. [...] eu acredito que as características iniciais doCEDEC acabaram afetando a capacidade dele de se reorientar e.... foi mais tardia e maishesitante... [...] o CEDEC tinha uma preocupação muito grande com os movimentos sociais,com a ideia de que você tinha que pesquisar a sociedade como um ator, como protagonista dosgrandes eventos históricos do Brasil e tal... [...] ao mesmo tempo, muita gente do CEDEC vai terum [...] entusiasmo muito grande com a fundação do PT. Coisa que não vai acontecer por partedo CEBRAP... especialmente, talvez, pelas suas duas principais expressões, que é o FHC e oGianotti... É verdade que lá continua o Francisco de Oliveira. [...] Agora, o IDESP, ao contrário,talvez quisesse mais investir no estudo das instituições políticas... Talvez fosse visto com umainclinação mais liberal, tanto pelo CEDEC como pelo CEBRAP, na época. O Bolívar[Lamounier] tinha uma preocupação muito maior em estudar as instituições políticas... commenos, muito menos Sociologia, né. Mas isso que eu estou te respondendo é um chute.

Os dados apontam para o dilema vivido pela Ciência Política brasileira na construção

da sua identidade disciplinar. Todos os 12 editores entrevistados afirmam que a disciplina

progrediu nos últimos 10 anos. Segundo eles, houve avanço nos seguintes indicadores de

institucionalização: programas de pós-graduação; mestres e doutores formados em Ciência

Política; periódicos especializados na área; associações específicas de representação

acadêmica e; eventos periódicos promotores de debates entre estudantes e profissionais da

área. No entanto, ao tratarem de questões relacionadas aos temas de estudo e aos enfoques

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teórico-metodológicos da CP praticada no Brasil, os editores divergem em suas falas e deixam

notar tensões a respeito da definição de política e de democracia. Defendem alguns, o

mainstream da disciplina. Outros, criticam-no e consideram fundamental para compreensão

da política o diálogo com as outras áreas das Ciências Sociais. Aparecem tensionadas, deste

modo, as perspectivas politológicas43 e societais44 adotadas pela Ciência Política.

43 Abordagens que enfatizam a análise das instituições políticas formais do Estado e do governo, tais como:partidos, sistemas partidários, casas legislativas, poderes executivo e judiciário, sistemas eleitorais, etc.;dando especial atenção às suas regras e aos seus agentes internos, com o objetivo de explicar os processosdecisórios no regime democrático. Ver Immergut (2006) e Hall & Taylor (2003).

44 Em contraposição ao ‘institucionalismo’, as abordagens ‘societais’ ou da ‘Sociologia Política’ valorizam osatores sociais, suas posições na estrutura social, suas identidades, seus vínculos de classe e trajetórias;entendendo que eles desempenham papel importante nos processos políticos formais. Portanto, relaçõessociais, culturais e econômicas de: poder, dominação, influência e participação; são, também, consideradasfundamentais para compreensão da política. Ou seja, os pesquisadores influenciados pela abordagem daSociologia Política, segundo Perissinotto (2004, p. 2.005), devem conjugar em suas análises as variáveistípicas da Sociologia com as da Ciência Política.

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4 PUBLICAÇÃO DOS PERIÓDICOS

A presente seção apresenta e analisa a publicação veiculada por sete periódicos

nacionais Qualis A1, A2 E B1, entre 2005 e 2014. Para tanto, foi criado um banco de dados

com informações coletadas na página do Scielo e nas das próprias revistas. A Plataforma

Lattes também foi acessada para obtenção de informações sobre a titulação acadêmica e o

vínculo institucional dos autores e coautores sempre que essas informações não constavam no

próprio artigo. Salienta-se que se procurou fazer corresponder a titulação acadêmica e o

vínculo institucional coletados dos (co)autores existentes no momento em que publicaram

seus respectivos artigos. O QUADRO 6 apresenta as informações que foram coletadas sobre

todos os artigos publicados (1505 artigos) nos periódicos e períodos mencionados e seus

respectivos (co)autores para a construção do banco de dados. Tal coleta objetiva identificar

quem quem são e a partir de onde falam os autores/coautores dos artigos ora analisados.

QUADRO 6 – INFORMAÇÕES SOBRE OS ARTIGOS E SEUS (CO)AUTORES

REVISTA A

NO

N.

VO

L.

TÍT

UL

O

PALAVRAS-CHAVE

AU

TO

R TITULAÇÃOACADÊMICA

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CO-AUTOR

...

FONTE: A autora (2016). LEGENDA: Titulação Acadêmica máxima = Doutorado PPG = Programa de Pós-Graduação (da maior titulação) realizado pelos (co)autores IES* = IES na qual o autor realizou seu estudo pós-graduado de maior titulação Vinculo. Inst.* = Vínculo Institucional do autor, quando professor/pesquisador de IES IES** = IES na qual o autor é professor/pesquisador

O referido banco de dados, constituído por 1505 artigos, permitiu a realização de

uma estatística descritiva e a seleção, para análise, dos artigos que possuem no título e/ou nas

palavras-chave o termo democracia ou algum dos seus correlatos e que tenham sido

publicados por doutores em Ciência Política diplomados no Brasil numa das seguintes IES:

(Unicamp, Usp, antigo Iuperj/IESP, UFRGS, UFMG).

A escolha de tal critério — embora limitado, porque em função somente da aparição

do termo democracia ou de algum dos seus correlatos no título e/ou nas palavras-chave — se

deu em função das entrevistas com os editores que em grande maioria respondeu que a

democracia é a grande questão de interesse da Ciência Política que se faz no Brasil . Já a

decisão por se restringir mais ainda esse corpus de artigos destacando para análise

qualitativa apenas os que de forma explicita tratam do tema democracia, porém de forma

vinculada ao tema das desigualdades, se deu em função do interesse da pesquisadora em

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saber como os (co)autores, neste caso, enfrentam os dilemas da questão democrática —

como aparecem nestes artigos os nexos/tensões que se estabelecem entre democracia e

desigualdade? Ou ainda, os desafios que as desigualdades sociais impõem ao exercício da

democracia, especialmente num pais, como o Brasil, profundamente desigual? Interessa,

necessariamente, saber quais os argumentos e teses centrais apresentadas em tais artigos assim

como a sua proporção perante o conjunto da produção publicada por doutores em Ciência

Política nos periódicos e períodos já mencionados. No limite, importa saber se estes artigos,

de algum modo, representam locus de resistência/embate frente a Ciência Política

(neo)institucionalista — hegemônica há cerca de 30 anos no país — quando refletem sobre os

limites e os alcances da democracia no Brasil45. Nesse sentido, apesar desta pesquisa, como

outras, realizar uma análise da produção da CPB publicada em periódicos nacionais, a sua

originalidade reside no fato de apresentar a percepeção da comunidade cientifica da area sobre

a disciplina, incluindo ai, a dos editores dos periódicos analisados e, tambem, uma analise

interna de parte do conteúdo publicado em tais artigos — mesmo que para isso, os recortes

definidos pela pesquisadora tenham acabado por limitar, em muito, a quantidade de artigos

selecionados para tal análise46. De qualquer modo, resta a seguinte questão: por que os

artigos publicados em revistas nacionais (Qualis A1, A2 e B1), por doutores em Ciência

Política, entre 2005 e 2014, sobre o tema da democracia, porém em diálogo com o tema das

desigualdades, representam um número tão pequeno, frente ao total da publicação? Assim:

a) Qual a proporção de artigos publicados por doutores em CP no conjunto da produção

publicada nos sete periódicos selecionados entre 2005 e 2014 e como eles se distribuem

conforme a IES de doutoramento de seus (co)autores?

b) Qual a proporção de artigos que discutem democracia e desigualdades perante o conjunto

dos artigos publicados por doutores em Ciência Política?

c) Os artigos que discutem o tema democracia de forma vinculada ao tema das desigualdades

o fazem a partir de quais argumentos e/ou justificativas? Ainda, permitem identificar relações

entre as concepções de democracia (substancial e formal) e as posições na hierarquia da

produção em Ciência Política (hegemônica ou periférica)?

45 Ver o artigo Perspectivas da consolidação democrática: o caso brasileiro, publicado por Bolivar Lamounier.Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 4, v. 2, São Paulo, 1987.

46 Alguns pesquisadores brasileiros têm escolhido analisar a produção da Ciência Política brasileira por meiode artigos publicados em periódicos científicos procurando observar temas, teorias e métodos em taispublicações. É o caso, por exemplo, das pesquisas realizadas recentemente nos programas de pós-graduaçãoem Ciência Política da UnB, UFRGS e do IESP/UERJ e no programa de pós-graduação em Sociologia daUFPR. Especificamente sobre o tema “democracia e desigualdades”, ver Marques e Machado (2014).

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4.1 ESTATÍSTICA DESCRITIVA

A proposta desta seção é apresentar uma estatística descritiva da produção acadêmica

publicada em sete periódicos nacionais (Qualis A1, A2 e B1), entre 2005 e 2014, com o

objetivo de complementar as análises anteriores e apresentar respostas as questões propostas

pela presente pesquisa.

A TABELA 1 apresenta a distribuição dos 1505 artigos publicados pelos sete

periódicos e períodos mencionados com destaque para a produção publicada por doutores em

Ciência Política.

TABELA 1 – ARTIGOS PUBLICADOS POR PERIÓDICO, 2005-2014 (N=1505) COM DESTAQUE PARA APUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP (N=538)

Periódicos Qualis Ano deCriação

Admissão noScielo

Total de artigospublicados

Total de artigos publicadospor doutores em CP (%)

Dados A1 1966 Abr. 1997 267 108 40,4Lua Nova A2 1984 Jul. 2002 220 65 29,5

RBCS A1 1986 Out. 1988 265 53 20,0RSP A2 1993 Fev. 2002 342 116 33,9

Op. Pública A1 1993 Mar. 2003 178 100 56,1BPSR A2 2007 Ago. 2013 87 45 51,7RBCP B1 2009 Jul. 2012 146 51 34,9

Total 1505 (100%) 538 35,7

FONTE: A autora (2016).

Considerando que as sete revistas analisadas também publicam trabalhos

provenientes da Sociologia, da Antropologia, da Filosofia Política, da Sociologia Política,

etc.; proporcionalmente, os artigos publicados por doutores em Ciência Política representam

quantidade expressiva no conjunto da produção. Ou seja, pouco mais de 1/3 do total.

As três revistas que mais publicaram artigos de doutores em Ciência Política, dentre

as analisadas, foram a Opinião Pública, a BPSR e a DADOS. Como é de se esperar, a Lua

Nova, pelas temáticas que privilegia, a saber: Teoria Política e Teoria Social, juntamente com

a RBCS, de natureza multidisciplinar, são as que menos possuem artigos publicados por

doutores em Ciência Política. Não por acaso, as revistas Opinião Pública e BPSR, assim como

a DADOS, que segundo seus editores é teorica e metodologicamente plural, publica

majoritariamente pesquisas que utilizam dados quantitativos – marca atual do maintream da

Ciência Política.47.

47 Ver quadro 3 sobre o uso de dados quantitativos feito pelas revistas de ciências sociais brasileiras (1997-2012) presente no artigo de Pedro Neiva, publicado em 2015: “Revisitando o calcanhar de aquilesmetodológico das ciências sociais no Brasil”. Conforme Neiva, as revistas Opinião Pública, BPSR e

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É preciso considerar que o recorte temporal desta pesquisa (2005-2014) compreende

um período anterior ao de criação de duas das revistas analisadas: RBCP e BPSR. Também,

que a periodicidade e a quantidade de artigos publicados em cada número destes periódicos

variam entre si.

Conforme o QUADRO 7, as áreas temáticas que predominam no atual mainstream48

da Ciência Política brasileira são publicadas majoritariamente na BPSR e na DADOS.

Considerando que a TABELA 1 mostra mais da metade da publicacao da revista Opinião

Pública composta por artigos publicados por doutores em Ciência Política, pode se afirmar

que alem do tema instituicoes politicas, uma outra área temática - comportamento político e

eleitoral – tambem se faz bastante presente nos estudos da Ciência Política brasileira.

“Comportamento Político e Eleições tem sido uma constante na revista Opinião Pública,

afirma Fabíola Del Porto.

QUADRO 7 – INFORMAÇÕES SOBRE OS PERIÓDICOS

PERIÓDICOS ABORDAGENSCLASSES DE

ABORDAGENSÁREAS TEMÁTICAS

Brazilian PoliticalScience Review

Neoinstitucionalismo Politológicas Desempenho das instituiçõespolíticas

Dados Neoinstitucionalismo Politológicas Desempenho das instituiçõespolíticas

Lua Nova Hermenêutica; TeoriaPolítica moderna

Idealistas; político-teóricas

Teoria política, análise deconceitos e história das ideias

Opinião Pública Culturalismo;comportamentalismo

Subjetivistas;culturalista

Valores, atitudes, participaçãoe política

Revista Brasileira deCiências Sociais

Heterogênea Históricas Estado, sociedade e políticasde governo

Revista de Sociologiae Política

Heterogênea; elites Sociológicas/econ.;históricas

Estado, sociedade e políticasde governo

FONTE: LEITE (2010).

A TABELA 2, apresenta a distribuição dos 538 artigos publicados por doutores em

Ciência Política por IES de doutoramento. A concentração de artigos publicados por

(co)autores que se doutoraram num dos cinco programas nacionais de pós-graduação públicos

em Ciência Política (USP, UNICAMP, IUPERJ/IESP, UFMG, UFGRS49) não deve causar

DADOS apresentam estatistica em 79,7%, 68,1% e 51,5% respectivamente de suas publicações.48 Assim como Leite (2015), Lilian Oliveira (2014) atesta o predomínio de abordagens institucionalistas

politológicas no campo da Ciência Política e, particularmente, nos periódicos ‘Dados’ e ‘BPSR’. Além disso,a autora afirma que estas revistas lideram a publicação dessa área temática. Os tipos de temas, associados àsinstituições políticas, com maior frequência nos artigos, segundo a autora, são: Legislativo eExecutivo/Legislativo; depois Partidos Políticos, Sistema Partidário e Federalismo. A autora trabalhou com858 artigos publicados em cinco periódicos entre 1966 e 2013.

49 O total de artigos publicados por doutores em Ciência Política diplomados no Brasil, nos periódicos

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estranheza uma vez que a expansão regional dos programas de pós-graduação no Brasil

começou a ocorrer apenas em 2005 – particularmente os da Área de Ciência Política e

Relações Internacionais subiram de 19, em 2004; para 64, em 2016. (CAPES, 2016).

Dentre os 138 artigos publicados por autores que se doutoraram em Ciência Política

em programas de pós-graduação no exterior existem artigos publicados também por

brasileiros. Neste estudo estes artigos não são analisados, embora possam indicar uma

tendência, ainda que tímida, de internacionalização da área. Assim como, também não, os

4,8% publicados por doutores formados na UFSCar, UFPE, UnB, UFSC e na PUC-SP. Estes,

devido a baixa representatividade frente ao conjunto da publicação.

TABELA 2 – PUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP POR PERIÓDICO E POR CONJUNTO DE IES2005-2014 (N=538)

PeriódicosAno deCriação

daRevista

Total de Artigospublicados por

doutores em CiênciaPolítica

Doutores em CP diplomados no Brasil Doutores emCP

diplomadosem IES

estrangeiras

USP, UNICAMP,antigo IUPERJ/IESP,

UFMG e UFRGS

UFSCar, UFPE,UnB, UFSC e

PUC-SP

DADOS 1966 108 84 1 23Lua Nova 1984 65 38 1 26

RBCS 1986 53 40 4 9RSP 1993 116 81 9 26

Op. Pública 1993 100 65 3 32BPSR 2007 45 35 4 6RBCP 2009 51 31 4 16

Total 538 (100%)374 (69,5%) 26 (4,8%)

138 (25,6%)400 (74,3%)

FONTE: A autora (2016).

Considerando a expressiva quantidade de artigos publicados por doutores que se

diplomaram em Ciência Política em alguma das 5 IES nacionais citadas, finalmente, a Tabela

3 mostra a distribuição desses 374 artigos (69,5% da produção total dos doutores em CP) por

periódico e conforme IES cursada pelos seus (co)autores. Ela também mostra equilíbrio entre

os novos programas criados em 2005 (Unicamp e UFMG) e ratifica a concentração de artigos

publicados por doutores diplomados pela USP e pelo IUPERJ/IESP - 278 artigos (74,3%) dos

374. A Lua Nova e a RSP se destacam na publicação de artigos de doutores vindos da USP e a

DADOS, por doutores vindo do antigo IUPERJ-UCAM, hoje, IES-UERJ.

selecionados, é de 400. Entretanto, para fins da presente pesquisa o conjunto de artigos publicados porautores que se doutoraram em CP numa das seguintes IES: UFSCar, UnB, UFPE, UFSC e PUC-SP, por serquantitativamente, pouco representativo (4,8%) não foi analisado. Assim como, os dos autores que sedoutoraram no exterior (25,6%).

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TABELA 3 – PUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP (DIPLOMADOS EM 5 IES) POR PERIÓDICO EPOR IES, 2005-2014 (N=374)

Periódico(2005-2014)

Programa de Pós-Graduação em Ciência Política cursado pelos (co)autoresInicio de oferta do curso de Doutorado em CP

USP1973

IUPERJ/IESP1980

UFRGS1996

UNICAMP2005

UFMG2005

Total

Dados 26 42 (50%) 7 4 5 84Lua Nova 24 (63%) 8 4 1 1 38

RBCS 16 (40%) 13 4 5 2 40RSP 39 (48%) 20 11 8 3 81

Op. Pública 27 (41%) 21 9 3 5 65BPSR 12 15 6 2 0 35RBCP 7 8 8 4 4 31

Total 151 127 49 27 20 374

FONTE: A autora (2016).

Mais importante nela não é notar a quantidade de artigos publicados por doutores em

CP diplomados na USP (151 artigos) ou no antigo IUPERJ/IESP (127 artigos) e sim, o fato de

que eles se concentram em três das revistas analisadas: DADOS, Lua Nova e RSP. Nestas, 105

artigos (37,7%) dos 278 são de doutores em CP que se diplomaram na USP ou no antigo

IUPERJ/IESP.

Precisamente a metade dos artigos publicados por doutores em CP na revista DADOS

pertence a (co)autores que se doutoraram num dos Institutos (antigo Iuperj e IESP)

responsáveis pela edição da revista. Alem disso, é possível notar que a UFRGS e a UFMG

possuem maior presença na publicação da DADOS do que a Unicamp. Assim como, na

revista Opinião Pública. Aliás, se na DADOS a produção quantitativa encontrou abrigo, pode

se dizer que na revista Opinião Pública, também; afinal, segundo a editora Fabíola Del Porto,

a Opinião Pública “nasceu para trazer pra língua portuguesa e para o Brasil uma temática

da ciência política quantitativa (…)”.

Praticamente, o mesmo pode ser dito em relação a revista Lua Nova quando se

observa que dos 38 artigos publicados por ela, mais da metade, ou seja, 24, o foram por

doutores em CP diplomados na USP. Vale lembrar que o CEDEC50, centro de pesquisas que

edita a revista Lua Nova, surgiu com um grupo de pesquisadores que estava no CEBRAP,

especialmente o professor Francisco Weffort. Mas também, com Marilena Chauí.

Posteriormente, segundo o ex-editor da Lua Nova, Cícero Araújo, o CEDEC “acabou

reunindo professores das 3 universidades paulistas: Unesp, Unicamp e a própria USP”. Além

50 Sobre a origem do CEDEC, ver O pensamento político e a redemocratização do Brasil. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452007000200006>. Acessado em 12/08/2016.

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disso, Gabriel Conh, professor emérito da USP tanto quanto Weffort, foi editor da revista Lua

Nova, assim como Adrian Gurza Lavalle. Todos professores da USP.

Disto isto, é inegável que os vínculos institucionais permitem notar certa aproximação

entre os periódicos e as instituições que os editam – principalmente entre DADOS/Iuperj-

IESP e Lua Nova/USP. Mas também, entre Opinião Pública/Iuperj-IESP, assim como entre

RSP/USP. Tal aproximação no entanto, pode não significar, necessariamente, endogenia, já

que até 1980 somente a USP51 oferecia curso de doutorado em CP no Brasil e, também,

porque o tempo de existencia das revistas varia muito entre si. Ou seja, embora a Ciência

Política no Brasil, enquanto disciplina pós-graduada, exista, já, há 50 anos, a oferta de cursos

de doutorado nesta disciplina começou a se expandir quantitativamente e regionalmente há

bem pouco tempo. O mesmo é válido para o conjunto de periódicos que faz circular a

produção dos cientistas políticos e sociais no Brasil. Dentre as sete revistas analisas, duas

delas ainda não completaram se quer 10 anos de publicação.

Quando observadas, porém, as pessoas responsáveis pela publicação de 5 ou mais

artigos, nota-se que 13 delas, juntas,52 publicaram 88 artigos (23,5%) dos 374 que aparecem

distribuídos na TABELA 4.

TABELA 4 – PUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP (DIPLOMADOS EM 4 IES) QUE PUBLICARAMENTRE 5 E 9 ARTIGOS POR PERIÓDICO E POR IES, 2005-2014 (N= 88)

RSPLuaNova RBCP

OpiniãoPública Dados BPSR RBCS Total

Artigos publicados 342 220 146 178 267 87 265 1505Artigos publicados por doutores em CP

(diplomados na USP, Unicamp, antigoIuperj-IESP e UFRGS) 81 38 31 65 84 35 40 374

Sendo:

Autor QtdePPG – CP dedoutoramento

Distribuição da publicação por periódico Total

Mario Fuks 1 IUPERJ 2 1 1 3 - 1 1 9

Adriano Codato 2 Unicamp 2 1 1 1 - 1 2 8

Andre Marenco 3 UFRGS 2 - - 1 2 1 2 8

Christian Cyril Lynch 4 IUPERJ 1 2 - - 2 1 1 7

Daniel de Mendonça 5 UFRGS - 1 3 - 1 2 - 7

Fabiano Engelmann 6 UFRGS 3 2 - - 1 1 - 7

Pedro Neiva 7 IUPERJ 2 - - 1 2 - 2 7

51 Até os anos 2000 foram criados outros dois cursos de doutorado em Ciência Política: no antigo IUPERJ, em 1980 e na UFRGS, em 1996.

52 A respeito destes 88 artigos, apesar de alguns deles terem sido publicados em coautoria, não aparecem naTabela 4, informações sobre os respectivos coautores. Nenhum autor que publicou entre 5 e 9 artigos nosperiódicos e período analisados cursou doutorado na UFMG.

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Yan de S. Carreirão 8 USP - - 2 3 - 1 1 7

Eduardo Marques 9 Unicamp - - - - 3 1 2 6

Fernando Filgueiras 10 IUPERJ - 1 1 1 2 1 - 6

Maria do S. S. Braga 11 USP 2 - 1 2 - - 1 6

José Álvaro Moisés 12 USP - 1 - 3 - - 1 5

Rafael Duarte Villa 13 USP 1 2 - - 1 - 1 5Total da publicação dos 13 autores que

publicaram entre 5 e 9 artigos 15 11 9 15 14 10 14 88FONTE: A autora (2016).

A partir desse conjunto de 88 artigos é possível notar que os 13 autores não

publicaram em todas as 7 revistas e que quase a metade deles (6) tem suas publicações

distribuidas em 4 das 7 revistas. Ou seja, ainda que caiba ser verificado quantos dos artigos

publicados por um mesmo autor são produtos de uma única pesquisa e/ou foram publicados

em diferentes revistas num mesmo ano; em alguma medida é possível notar que os autores

publicam seus artigos de forma direcionada – talvez, em função do perfil editorial de cada

revista ou da periodicidade de cada revista. Ou, ainda, pela pura e simples necessidade

institucional de se publicar. “Publique ou Morra” é um fato na ciência contemporânea.

Particulamente sobre a questão do produtivismo na ciência o editor Paulo Costa, da

RSP, afirma:

[trata-se de] uma pressão que há 10 anos atrás já existia, mas era menos intensa. (…) até o finaldos anos 90, inicio dos anos 2000, a pressão pela publicação era bem menor do que hoje. […]não adianta você tá fazendo pesquisa, você tem que publicar bastante. Ás vezes, isso geraalgumas distorções, acredito... que podem ser ajustadas com o tempo se os pesquisadores,principalmente os que estão nos postos de decisão das linhas gerais dos comitês das instituiçõesde fomento terem o bom senso de equilibrar a correlação entre a qualidade e a quantidade (…) apressão é grande pela publicação […] e muitas vezes ultrapassa as condições diferenciadas queos programas possuem nas suas respectivas instituições.

A TABELA 5 sintetiza a distribuição desses 88 artigos. Nela é possível notar que as 7

revistas possuem artigos publicados por autores que se doutoram em CP em qualquer uma das

4 IES dentre as 5 que mais formaram doutores nesta disciplina entre 2005 e 2014.

TABELA 5 – SINTESE DA PUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP (DIPLOMADOS EM 4 IES) QUEPUBLICARAM ENTRE 5 E 9 ARTIGOS POR PERIÓDICO E POR IES, 2005-2014 (N= 88)

REVISTAS TOTAL IUPERJ USP UFRGS UNICAMP TOTAL %

RSP 81 5 3 5 2 15 18,5

Lua Nova 38 4 3 3 1 11 28,9

RBCP 31 2 3 3 1 9 29

OP. Publica 65 5 8 1 1 15 23

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Dados 84 6 1 4 3 14 16,6

BPSR 35 3 1 4 2 10 28,5

RBCS 40 4 4 2 4 14 35

TOTAL 374 29 23 22 14 88 23,5Fonte: A autora (2016).

Afim de uma melhor visualização, o GRÁFICO 1 apresenta a distribuição desses 88

artigos (quase ¼ da produção total dos doutrores em CP) por periódico e por IES cursada por

cada um dos 13 autores. Nele, aparecem destacados USP/Opinião Pública e antigo Iuperj-

IESP/DADOS.

GRÁFICO 1: PUBLICAÇÃO DOS DOUTORES EM CP (DIPLOMADOS EM 4 IES) QUE PUBLICARAMENTRE 5 E 9 ARTIGOS POR PERIÓDICO E POR IES, 2005-2014 (N= 88)

A virada

que ocoreu na USP, de uma Ciência Política mais sociologizante para uma Ciência Política

mais institucionalista e quantitativa, ajuda a explicar a predominancia de artigos publicados na

revista Opinião Pública por doutores uspianos. Já o antigo Iuperj, hoje IESP, se faz presente

de forma mais expressiva tanto na revista Lua Nova, uma revista que nasceu para dialogar

com os movimentos sociais, quanto na DADOS, uma revista que tradicionalmente abriga

pesquisas quantitativas, mas também é interessada nas pesquisas que buscam interpretar de

forma abrangente a política brasileira. Neste último aspecto, DADOS e Lua Nova se parecem.

De acordo com um dos editores da DADOS, Breno Bringel:

Uma característica da Dados foi tentar conciliar, sempre, uma análise teórica emetodologicamente rigorosa, sem perder de vista essa tentativa de interpretação abrangente dapolítica brasileira. Você pode fazer um estudo de caso muito específico focado em eleiçõeslocais, por exemplo - mas, o perfil de artigo que nos interessa é o que tenta analisar oucomparar como esse fenômeno específico está relacionado à questões mais amplas da políticano Brasil. Essa é uma questão que eu acho que ficou muito de fora... tá ficando de fora naagenda da CP brasileira. […] eu considero que todos os grandes debates da CP brasileira emalguma medida estão representados na trajetória da Dados […] a Dados sempre publicou alguns

0246810

IUPERJUSPUFRGSUNICAMP

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artigos do Direito, da Antropologia, da História…, mas dessas outras áreas, só se publica naDados quando há um dialogo explícito com a Sociologia e com a Ciência Política.

Já a segmentação da amostra por “tema contido nos títulos” dos artigos, apresentada

na TABELA 6, confirma a preferência dos doutores em Ciência Política pela análise das

instituições políticas democráticas. Como é sabido, este é o assunto que se destaca no campo

da CP brasileira atual. Dos 374 artigos, 155 (41%) possuem no título algum tipo de instituição

política. Outro conjunto de artigos possui em seus titulos o termo democracia ou algum dos

seus correlatos e é composto por 46 artigos. Este, sim, é analisado em profundidade na

presente pesquisa. Juntos, e de modo geral, estes dois conjuntos de artigos, tratam de questoes

diretamente relacionadas com o regime político adotado no Brasil. Nem tanto, a respeito da

democracia enquanto ideal, mas, sim, da democracia enquanto método, enquanto

procedimento. O terceiro e maior conjunto de artigo permite notar o alcance temático e

teorico-metodologico da disciplina pois abrange artigos de Teoria Política, de Pensamento

Político e Social, de metodologia, de Filosofia Política, etc. Nestes, a definição de Política

adotada pelos seus autores e coautores, também, é mais alargada.

TABELA 6 – TEMÁTICAS PRESENTES NOS TÍTULOS DOS ARTIGOS, 2005-2014 (N=374)

Temas presentes nos títulos dos artigos Frequência Porcentagem

Democracia ou correlatos53 46 12,3

Instituições Políticas54 155 41,4

Outras Temáticas55 173 46,3

Total 374 100

FONTE: A autora (2016).

A TABELA 7 apresenta essas três temáticas distribuidas por periódicos. Neste caso

os dados apontam uma hegemonia do tema instituições políticas na Opinião Pública - o que

chega a ser surpreendente – e de outras temáticas, na Revista de Sociologia Política. Já os 46

53 Termos correlatos: democracias andinas; construção democrática; discurso democrático; política externademocrática; legitimidade democrática; instituições democráticas; crítica democrática; democratização;Brasil democrático; democracias americanas; e teoria democrática. Foram identificados 21 artigos que nãopossuem o termo democracia no título, mas sim, nas palavras-chave. Esses artigos foram distribuídos naslinhas ‘Instituições Políticas’ e ‘Outras temáticas’ após a identificação do viés neles predominante a partir daleitura dos resumos.

54 Foram identificados 155 artigos que possuem no título uma das seguintes instituições políticas: Partidos eSistemas Partidários (nacionais e subnacionais); Eleições e Sistemas Eleitorais (comportamento político eeleitoral); Poder Legislativo e sua relação com o Poder Executivo (Câmara dos Deputados, Senado,Congresso Nacional); Poder Judiciário e Federalismo.

55 Pertencem ao grupo “Outras Temáticas”, por exemplo, os artigos sobre: Teoria Política, Pensamento Social ePolítico, Movimentos Sociais, Instituições Participativas, Sociedade Civil, Políticas Públicas,Neoinstitucionalismo etc.

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artigos que possuem nos titulos o termo democracia ou algum de seus correlatos aparecem

distribuidos de forma bastante equilibrada em 5 das 7 revistas analisadas.

TABELA 7 – TEMÁTICAS PRESENTES NOS TÍTULOS DOS ARTIGOS POR PERIÓDICO, 2005-2014(N=374)

Temas presentes nostítulos dos artigos

PERIÓDICO

DADOSLUA

NOVARBCS RSP

OPINIÃOPÚBLICA

BPSR RBCPTotal

Democracia 8 8 8 7 8 2 5 46 (12,3%)

Instituições Políticas 38 7 12 29 43 14 12 155 (41%)

Outras Temáticas 38 23 20 45 14 19 14 173 (46%)

Total 84 38 40 81 65 35 31 374

FONTE: A autora (2016).

O olhar sobre o tema dos artigos cruzado com a procedência institucional dos

(co)autores, conforme TABELA 8, indica as seguintes relações: USP-UFRGS-Unicamp/outras

tematicas e antigo Iuperj-IESP-UFMG/instituições politicas. Esses dados reiteram os

apresentados pela literatura e pelos praticantes da disciplina. Uma melhor e mais aprofundada

análise das relações entre os programas de pós-graduação e os periodicos depende de um

estudo pormenorizado de tais programas – da estrutura curricular, do corpo docente, das

linhas de pesquisas, das teses e dissertações, enfim, da trajetoria institucional destes

programas. Uma tarefa para futuras pesquisas.

TABELA 8 – TEMÁTICAS PRESENTES NOS TÍTULOS DOS ARTIGOS POR IES, 2005-2014 (N=374)

Temas presentes nos títulos dosartigos

Programa de Pós-Graduação em Ciência Políticacursado pelos (co)autores Total

USP IUPERJ/IESP UFRGS UNICAMP UFMGDemocracia ou termos correlatos 19 13 8 1 5 46 (12,3%)

Instituições Políticas 56 62 18 10 9 155 (41,4%)

Outras Temáticas 76 52 23 16 6 173 (46,2%)

Total 151 127 49 27 20 374

40,3% 33,9% 13,1% 7,2% 5,3% 100%

FONTE: A autora (2016).

Estes dados, porque identificados a partir do que aparece nos titulos dos artigos

guardam ressalvas e precisam ser observados em paralelo ao seguinte fato: nem sempre o

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titulo de um artigo dá conta de expressar o seu conteudo e propositos, embora, assim o

devesse ser, na melhor medida do possível.

4.2 DESCRIÇÃO QUALITATIVA DA PRODUÇÃO PUBLICADA POR DOUTORES EMCIÊNCIA POLÍTICA DIPLOMADOS NO BRASIL SOBRE O TEMA DEMOCRACIA EDESIGUALDADE

No conjunto de 374 artigos publicados por doutores em Ciência Política, 46 (12%)

possuem no título a palavra democracia ou algum de seus correlatos. Indícios de análises

institucionalistas aparecem noutros termos presentes nos títulos, tais como: eleições, partidos,

lei de ferro [da oligarquia], instituições, constituição, constituinte, constitucionalistas,

judiciário e reforma política. Logo, quando os doutores em Ciência Política tratam do assunto

democracia, tende a se repetir o padrão geral da área quanto à abordagem predominante. Ou

seja, o artigo não discute diretamente a democracia e, sim, de forma especializada, uma de

suas instituições formais.

As instituições políticas56 como objeto da CP ganham força a partir de meados dos

anos 1990 – momento a partir do qual “a noção de que o Brasil se via em meio a uma crise

de governabilidade insuperável vai sendo deixada para trás [...] [e] o foco das análises

passa a ser o funcionamento da democracia brasileira”. (LIMONGI, et al., 2015, p. 23).

Dos 46 artigos selecionados porque possuem em seus títulos o termo democracia ou

algum dos seus correlatos, foram destacados os que efetivamente discutem o assunto

democracia, mas, em articulação com algum tipo de desigualdade. Do total de 46, apenas 9

dão conta desse recorte.

Tal recorte se justifica pelo fato de permitir a observação de um subtema que a

princípio é mais afinado à abordagem societal, pois procura olhar a democracia para além das

suas instituições tipicamente políticas57 e prioriza o significado das desigualdades: sociais,

econômicas, culturais, de gênero e/ou raciais no funcionamento desse regime político.

56 Ver, também, Limongi, Fernando e Figueiredo, Argelina (2002). Que instituições políticas importam e paraque importam: lições dos estudos legislativos no Brasil.

57 Ver livros os lançados em 2015: Trajetórias da Desigualdade: como o Brasil Mudou nos últimos 50 anos,organizado por Marta Arretche; A democracia face às desigualdades: problemas e horizontes, organizadopor Luís Felipe Miguel et al. e o artigo de Fábio Wanderley Reis (2002). Democracia, Igualdade eidentidade, publicado no livro Democracia: teoria e prática, organizado por Renato Perissinotto e MarioFuks.

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O propósito é verificar nesses nove artigos o tipo de análise sobre democracia que

sugerem. A ênfase desses autores recai sobre a democracia substancial, própria da

abordagem societal, ou a preocupação com a democracia formal se faz presente?

Entre os nove artigos selecionados, seis apresentam pesquisas empíricas, ou seja,

atendem a um dos critérios considerados importantes para a Ciência Política. Quanto ao

veículo de divulgação, eles se concentram na DADOS e na Opinião Pública. Na RSP aparece

apenas um artigo. Cabe destacar que no caso da DADOS, um de seus editores, Breno Bringel,

enfatiza justamente a articulação entre democracia e desigualdade como preocupação temática

da revista, mas, quando a produção é sociológica:

[...] no que se refere à agenda mais temática [...] eu acho que a DADOS sempre teve umagrande preocupação que é pensar o Brasil […], pensar a democracia no Brasil. [...] não só,simplesmente, a construção das instituições democráticas [...] Não é casual que asdesigualdades, por exemplo, seja um dos principais temas de discussão da produção sociológicapresente na DADOS.

A fala atesta a abertura do periódico a abordagens societais, mas, também sugere que

a articulação entre democracia e desigualdade escapa às fronteiras da Ciência Política

construídas, em grande medida, pela hegemonia institucionalista.

Olhando de modo mais detido o tipo de desigualdade discutido pelos autores, nota-se

que dos nove artigos, seis enfatizam a desigualdade socioeconômica. Ou seja, do seu lugar

periférico, esses textos propõem um olhar diferente do hegemônico ao apontarem a

desigualdade como variável que deve ser levada em consideração na análise da democracia58 -

ainda que o tipo de desigualdade discutida seja majoritariamente a socioeconômica. Deste

ponto de vista, as investigações sobre esse sistema político que restringem o olhar às suas

instituições formais perdem autenticidade teórica, assim como a própria democracia formal é

menos legítima do que a substancial.

Aliás, agrupar esses 9 artigos em função do tipo de preocupação explicitada,

normativa/prescritiva ou analítica/descritiva, pode ser útil para a compreensão do papel que

efetivamente cumprem no debate atual da Ciência Política. Mobilizando este critério foi

identificado seis artigos que externam preocupações normativas; número que não surpreende

pela própria articulação temática que se propõe tratar: democracia e desigualdades. Nestes

artigos, os tipos de desigualdade discutidos são: racial, informacional e socioeconômica.

58 A presença majoritária desse tipo de desigualdade foi apontada, também por Danusa e Machado (2014)quando da análise de artigos publicados em cinco periódicos nacionais entre 1982 e 2013.

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A tese presente nestes artigos é que a desigualdade oferece barreiras para o

funcionamento da democracia, comprometendo a sua legitimidade e dificultando a sua

consolidação. O diagnóstico é válido, segundo os autores para a democracia substancial, mas,

também para a formal. Nesse sentido, um dos artigos conclui: “[...] dissociar a democracia

da igualdade material é, no mínimo, problemático, na medida em que essa última constitui

um patamar sine qua non para o pleno exercício dos direitos políticos” (MOREIRA, 2014,

p. 318-319).

Noutro artigo, a preocupação com os efeitos práticos do discurso dominante na

Ciência Política brasileira, que “termina consagrando a limitação da democracia

exclusivamente à esfera das instituições oficiais, legitimando uma noção de democracia

que não guarda relação com os necessários e impostergáveis processos de transformação

social [...]” (VITULLO, 2006, p. 354) deixa patente um certo mal-estar diante da notavel

proximidade entre democracia formal e Ciência Política institucionalista.

O outro lado da tensão também transparece na amostra. Ou seja, a defesa da

importância das instituições quando fatores externos à política não colaboram com a

democracia: “a sobrevivência de uma democracia não depende unicamente do

desenvolvimento socioeconômico atingido, senão do concurso de condições e instituições”.

Para exemplificar, o autor cita o exemplo da ‘Grande Depressão’: “a despeito das

dificuldades extremas que se abateram sobre os Estados Unidos da América, as suas

estruturas institucionais mostraram-se resistentes à crise econômica” (LOPES, 2007, p.

646). O entendimento é que as instituições formais importam para a democracia. São elas que

valem e até resistem aos golpes próprios de contextos sociais e econômicos desfavoráveis.

A relação entre democracia formal e substantiva é complexa tanto em termos

concretos quanto teóricos. Um estudo que confronta as duas dimensões da democracia coletou

dados a partir de surveys realizados, entre 1989 e 2006, buscando saber como os entrevistados

definem democracia e também, no caso de países como o Brasil cujas estruturas econômicas e

sociais são caracterizadas por profundas desigualdades, se os indivíduos consultados

expressam preferências por conteúdos relacionados com suas carências materiais em

detrimento de definições relativas aos valores e aos procedimentos típicos da democracia. O

referido estudo mostra que a maior parte dos brasileiros que participaram da pesquisa foi

capaz de definir a democracia mobilizando duas das suas dimensões mais importantes:

liberdades fundamentais e procedimentos institucionais, combinando, portanto, uma ideia

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normativa ligada aos princípios democráticos com outra de natureza prática, relativa ao

desempenho das instituições. No entanto, segundo o autor deste estudo, no que diz respeito à

dimensão social ou à substantivação da democracia, esse aspecto teve pouco peso no conjunto

das amostras. Outro resultado apontado neste artigo, em relação às instituições democráticas

em geral e, em particular aos partidos políticos, Congresso Nacional e sistema judiciário, é o

de que os entrevistados se mostraram desconfiados em relação a estas instituições (MOISÉS,

2010). Ou seja, os princípios democráticos podem não sofrer diretamente com o descrédito da

população em contextos de desigualdade, mas, as instituições democráticas, sim, tendem a ser

mais vulneráveis.

O descrédito das instituições democráticas também pode advir da condição precária

do sistema de mídia na sua relação com o sistema político, pois:

O nosso sistema de mídia não é estático e apresenta mudanças e transformações quedevem ser notadas pelo impacto potencial na relação com o sistema político e nadinâmica democrática, especialmente num contexto de um sistema de mídia combaixa diversidade externa e sem um jornalismo político e/ou partidário expressivono plano nacional que ofereça ao leitor perspectivas políticas competitivas(AZEVEDO, 2006, p. 109).

Deste ponto de vista, a relação entre a dimensão política e a jornalística tem reflexos

sobre as instituições democráticas, seu funcionamento e também sobre a percepção delas

pelos cidadãos. Portanto é legítimo e necessário à Ciência Política se ocupar desta interação

entre política e sociedade.

A mesma perspectiva é adotada no artigo que valoriza o debate sobre o

reconhecimento na esfera pública ao tratar a questão racial; sem, contudo, menosprezar o

papel da esfera privada para o tema. Os autores sublinham a importância da política pública

de cotas como mecanismo de desconstrução do racismo e de aprofundamento da democracia

(AVRITZER; GOMES, 2013).

Sem ênfase normativa, outros três artigos abordam as desigualdades racial e

socioeconômica59 O primeiro deles conclui, a partir de pesquisas de opinião realizadas em

2009 e 2010, que 97,7% dos entrevistados, pertencentes às elites brasileiras, afirmam que a

democracia é sempre a melhor forma de governo, em qualquer circunstância. Os autores

também informam que 71% dos entrevistados concordaram que a 'democracia formal' é

insuficiente para solução dos problemas sociais da América Latina (BALBACHEVSKY;

59 Nenhum dos nove artigos da amostra tratou da desigualdade de gênero.

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HOLZHACKER, 2011). O próprio problema proposto pelos autores indica a valorização da

democracia substantiva frente à formal e os dados encontrados referendam a perspectiva

adotada. Um outro, relaciona os programas de liberalização econômica com o contexto crítico

experimentado pela democratização nos seguintes países: Venezuela, Peru, Equador, Bolívia e

Colômbia. Diante da dicotomia entre mercado e Estado imposta pela realidade, o autor coloca

a democracia no centro, ao que parece como condição de superação da própria tensão.

Portanto, trata-se de mais um artigo que não se propõe a olhar as instituições democráticas

internamente. Ao contrário, valoriza a interação entre as políticas adotadas, a economia e a

sociedade, conforme as palavras do autor:

[...] em alguma medida toda a região andina ressente-se de um desequilíbrioinstitucional provocado pela polarização de forças [entre mercado e Estado], cujoresultado são: crises periódicas, enfraquecimento de governos, recrudescimento deregimes, falta de regras claras de convivência, enfim, um clima de intranquilidade etensão permanente que obstaculiza a ordem democrática ao mesmo tempo em querevela sua centralidade (Coutinho, 2006, p. 796).

Com um olhar retrospectivo um dos artigos da amostra entende que o dilema entre

democracia formal e substantiva é antigo no Brasil. Nele, o autor contrapõe os discursos de

modernização democrática de dois importantes personagens. Rui Barbosa propôs reformas

políticas a partir da concepção liberal formalista de democracia, aderindo à perspectiva das

elites agrárias. Joaquim Nabuco defendeu reformas sociais típicas de uma concepção mais

substantiva de democracia, sendo assim, aliou-se ao povo excluído - ao projeto de

emancipação dos escravos. O resultado da disputa, também discursiva, foi que o país trilhou o

caminho proposto por Rui Barbosa (LYNCH, 2008).

A maior parte dos artigos adota um tom normativo, abraça a democracia substantiva

e se posiciona criticamente em relação a abordagem formal da democracia adotada pelos

institucionalistas. Deixa notar, assim, uma tensão entre perspectivas – tanto de Ciência

Política como de democracia e no limite, a defesa da ideia de que as diferentes formas de

desigualdades produzem, necessariamente, possibilidades diferenciadas de compreensão,

interesse, acesso e controle da realidade política - de se conceber e viver a democracia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final da apresentação e discussão da percepão de parte da coletividade da Ciência

Política brasileira, sobre a própria disciplina que ensina e pratica, e da publicação desta

disciplina, é possível avançar algumas considerações.

A Ciência Política no Brasil é uma disciplina em construção e hierarquizada pelo

campo. Como disciplina pós-graduada no Brasil existe há 50 anos. O contexto político

brasileiro é o fio condutor a partir do qual emergem os seus objetos de pesquisa politico e

socialmente construidos. Daí, que o tema da democracia é o que, em grande medida, lhe

importa analisar e defender. É, por isso, normativa. As diferentes concepções de ciência e

política que possuem os seus agentes concorrem no campo pelo delineamento legitimado do

que vem a ser a “boa ciência”, a “boa democracia”. Nela convivem os pressupostos da

Ciência Política norte-americana, que lhe serviu de modelo fundante, com os da Sociologia

Política — não, sem tensões teóricas e metodológicas, para não falar dos interesses que

defende. A luta pela hegemonia na construção do saber sobre a política é travada, então, por

cientistas políticos e sociólogos políticos e, porquê separados por visões de mundo —

aparece, justamente, aí, o confronto entre democracia formal e democracia substantiva e, no

limite, as agendas de pesquisas e os respectivos modos de explorá-las cientificamente. Às

agências de fomento à pesquisa cabem “premiar e punir”, ou melhor, financiar e avaliar. Aos

agentes do campo: transitar, em meio a uma luta continua, entre periferia e centro.

Os dados mostram a existência de dois grupos de editores que defendem, um: uma

Ciência Política que considere na análise dos fenomenos políticos outras variáveis além das

políticas, tais como as sociais, culturais e econômicas - sob pena de empobrecimento da

definição dos objetos e da análise interpretativa da política e, outro: que atualmente é

considerado o mainstream da disciplina porque possui como objeto, a política formalmente

institucionalizada, e como forma de abordagem, o institucionalismo.

Os editores dos periódicos Lua Nova e RBCP são categóricos na defesa de uma

Ciência Política menos institucionalista. “O grande problema da Ciência Política é tratar a

política como um universo a parte que não se liga, então, à dinâmica social mais ampla.”,

afirma o editor, Luís Felipe Miguel, da RBCP. Pelo menos um dos editores da DADOS, RSP,

BPSR e RBCS concordam que a Ciência Política hegemônica no Brasil perde ao se

especializar, uma vez que deixa de ter diálogo com a História, com a Sociologia Política e as

demais ciências sociais. Neste caso, “a Ciência Política, pela hiperespecialização, perdeu o

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Estado como objeto”, afirma o editor Renato Perissinotto da RSP. Ainda, “[...] do ponto de

vista teórico, a Ciência Política avançou muito na compreensão da dimensão institucional,

mas precisa avançar muito naquilo que se chama de Sociologia Política”, avalia a editora da

BPSR, Marta Arretche.

Já, a fala da editora Fabíola Del Porto, da Opinião Pública, se destaca da fala dos

demais editores, possivelmente, devido ao objeto e ao método quantitativo empregado nas

análises que prioritariamente são publicadas na revista, ou seja: sobre partidos políticos e

estudos de comportamento eleitoral a partir de dados quantitativos.

No plano metodológico, os editores também se dividem quando discorrem sobre o

método quantitativo. Os editores que defendem uma Ciência Política menos institucionalista e

autonomizada, também a desejam menos quantitativa.

Todos os editores entrevistados concordam que os periódicos científicos contribuem

para a constituição do campo e para a legitimação de determinados temas, teorias e métodos

em detrimento de outros. Nas palavras do editor Cícero Araújo, da Lua Nova, “as revistas, um

pouco, ajudam a definir os limites e o campo de possibilidades das áreas... [...] quase que elas

definem o que é importante e o que não é importante [no campo]”.

A maior parte da produção publicada, nos periódicos e periodo analisados, por

doutores em Ciência Política o foi por (co)autores que cursaram o doutorado em Ciência

Política em algum dos seguintes cinco programas nacionais de pós-graduação: USP,

UNICAMP, IUPERJ/IESP, UFMG e UFGRS. Os artigos desses autores evidenciam a

prevalência do tema das instituições políticas mesmo quando no título do artigo, possui o

termo democracia ou algum de seus correlatos.

Chega a surpreender o fato de o periódico Opinião Pública, no caso dos doutores em

Ciência Política, também apresentar grande proporção de artigos sobre instituições políticas.

Possivelmente, devido às técnicas de pesquisa recorrentemente utilizadas pelos

institucionalistas e privilegiada pela Opinião Pública. Ou seja, a quantitativa.

O tratamento societal do tema democracia é empreendido por uma minoria. Apenas 9

artigos dos 374 analisados, apresentam em seus títulos e/ou palavras-chave o termo

democracia ou algum dos seus correlatos e articulam de forma aprofundada o tema da

democracia com o da desigualdade. Nestes, sim, o enfoque é predominantemente normativo e

a ênfase está na democracia substantiva em contraposição crítica à abordagem formal da

democracia, defendida pelos institucionalistas.

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No que diz respeito à trajetória dos periódicos científicos que editam, os editores

afirmam que em grande medida ao se verem diante da necessidade de se adequarem aos

critérios das agências de financiamento, particularmente aos da CAPES, e também aos do

SciELO, acabam definindo novos rumos temáticos e teórico-metodológicos para as revistas.

Por vezes, não sem resistência, afirmam eles. Evidência recente de adaptação das revistas

pode ser observada a partir da redefinição dos perfis editoriais de algumas delas, que pode ter

ocorrido em atendimento aos novos critérios da Scielo60 que passam a vigorar em 2016 — tal

como, a publicação de no mínimo 15% dos artigos da área de Humanas na língua inglesa. É o

caso, por exemplo, do periódico RBCP, cuja nova equipe editorial anuncia na página da

revista no Facebook61:

Estimulamos a submissão de artigos exclusivamente teóricos, mas gostaríamos dedestacar a preferência por trabalhos com abordagens empíricas baseadas emmetodologias quantitativas ou qualitativas. Como um primeiro anúncio, informamosque a Revista agora aceitará artigos escritos em inglês e espanhol. Por último,anunciamos que a gestão da submissão e da avaliação dos artigos em breve passará aser feita via plataforma Scielo.

Por fim, a percepção de Ciência Política que possui os demais pesquisadores da área

que participam desta pesquisa reitera as duas posições (de defesa e de denuncia) presentes nas

falas dos editores a respeito da Ciência Política institucionalista e quantitativa. Muito mais de

denuncia do que de defesa.

60 Novos Critérios da SciELO Brasil. Disponível em:<http://www.scielo.br/avaliacao/20141003NovosCriterios_SciELO_Brasil.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2016.

61 Disponível em: <https://www.facebook.com/rbcp.unb/?fref=ts>. Acesso em: 23 abr. 2016.

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APÊNDICE A – TRECHOS DAS ENTREVISTAS COM OS EDITORES62

QUESTÃO 2

A CP brasileira conquistou autonomia em relação às outras disciplinas? A produção da CPbrasileira que circula nos periódicos apresenta objetos de pesquisa próprios?

RBCP

(BIROLI, F.) Eu acho que essa questão da autonomia... a gente tem que lidar com ela comalgum cuidado porque ao mesmo tempo que é um elemento para avaliação do campo -entender, por exemplo, como é que se define a especificidade desse campo em relação àsoutras áreas das Ciências Sociais… Isso é importante… mas eu prefiro pensar nessaquestão da autonomia observando, por exemplo, o crescimento dos nossos programasde pós-graduação na área de CP e como isso representa o avanço de reflexões que temuma agenda e uma especificidade nas abordagens... a interdisciplinaridade, nãonecessariamente prejudica essa autonomia. Eu entendo que a pluralização maior daárea nesses últimos anos que incorpora temas como, por exemplo, gênero, uma maiorênfase para a temática da participação política... essa interdisciplinaridade, esse diálogocom outros campos não fere a autonomia da área.

(MIGUEL, L. F.) Olha, eu acho que a CP tem feito um esforço grande pra conquistar essaautonomia e um ponto importante nisso é o funcionamento da ABCP - que é umaAssociação que surgiu muito tardiamente, que ficou na geladeira um tempo e depois[re]surgiu… mas que nos últimos 15 anos tem funcionado. Então, eu acho que sim, agente tem uma autonomia no sentido de que a gente tem os nossos próprios fóruns, asnossas próprias formas de consagração. A gente não depende da anuência, dobeneplácito de outras CS pra saber quem são os nossos pares que merecem serouvidos, etc. Eu acho que nesse sentido a gente ganhou. Por outro lado, nós ainda somosdependentes... de modelos teóricos que nascem em outras disciplinas. Mas eu nãoacho que seja, necessariamente, ruim porque também a ideia de CP que se isolecompletamente das outras CS não é nada atraente. Eu acho que o diálogo com aSociologia, o diálogo com a História, o diálogo também com a Economia e o Direito éenriquecedor, desde que seja um diálogo, né... que nós não estejamos simplesmente numaposição dependente de disciplinas academicamente mais fortes.

LuaNova

(ARAÚJO, C.) Eu acho que possui. partidos... parlamento, relação entre poder executivo epoder legislativo... judiciário. Tudo isso é considerado próprio da CP, especialmente essaque investe em estudar.... Instituições Políticas. Isso define um objeto muito específico quea CP investiu. Eleições, comportamento eleitoral, governos, políticas públicas.

(COSTA, P.) Eu acredito que tenha 2 questões aí: 1º, o que é objeto próprio da ciênciapolítica, ou seja, exclusivo da ciência política que é a relação entre executivo e legislativo,aquela coisa em que um tema clássico da CP não possa ser tratado por outros autores [...]Eu acho que a coisa do objeto se apresenta mais em termos dedesenvolvimento/aprofundamento/intensificação da importância da pesquisaempírica. […] Eu acho que algumas coisas se consolidam. Temas clássicos da CP, porexemplo: eleições, processo decisório, políticas públicas... podem ser mais povoadas,predominantemente, por cientistas políticos… Então, daí você fala assim: tá vendo, esse éum objeto bem claramente da CP... Mas eu acho que há uma série de outros que

62 A falta de tempo, por parte de alguns editores, para a conclusão do roteiro de entrevista resultou em algumasquestões sem repostas nos quadros que seguem. Isso, mesmo nos casos em que as entrevistas contaram comdois dias de realização. Particularmente a entrevista realizada com o editor Breno Bringel, da DADOS, apedido dele, foi guiada pelas questões do roteiro em seu conjunto. Ou seja, as questões não foramrespondidas de forma individualizada e sim, por comentários mais gerais que buscaram dar resposta aoroteiro de questoes de maneira transversal.

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RSP

também fazem parte do campo da CP, como comunicação política ou como o meu,empresariado - que tem a presença de outras áreas... [...] economistas, historiadores,sociólogos, serviço social, assim por diante [...] Outros temas que já são antigos na CP eque foram tornando-se mais importantes no Brasil, pela democratização, como porexemplo, opinião pública, é claro que são muito mais quentes numa democracia...

(PERISSINOTTO, R.) Em alguns casos sim, em alguns casos não. [...] esse processo deconstituição da CP como campo autônomo do conhecimento que tem ocorrido aí nosúltimos 20 anos não é um processo desprovido de ambiguidades, né... Eu acho que aomesmo tempo em que ele avançou no sentido de criar essa autonomia e algunsperiódicos são expressão disso, por exemplo, a Dados, a Opinião Pública - são revistas queexpressam claramente esse processo de autonomização, ele não é absolutamentehegemônico, monolítico […], você tem espaços pra outros tipos de produção. Então, euacho que sim, em alguns casos, as revistas do campo da ciência política expressam essaprodução mais institucionalista e outras revistas, nem tanto.

OpiniãoPública

(DEL PORTO, F.) Eu acho que a CP tem, sim, objetos de pesquisa próprios. Isso até adefine como uma ciência... a sua singularidade, né... Comportamento político,instituições políticas e, mesmo, as próprias políticas públicas, acho que são temas daespecificidade da CP. Muito embora, [...] isso não impede que haja umainterdisciplinariedade, um debate com as outras áreas...

DADOS

(PESSANHA, C.) Sim, isso é um fenômeno que vem ocorrendo a partir dos anos 60,principalmente num momento em que a temática da luta contra o autoritarismo era muitoforte. Começa a acontecer uma diferenciação da Sociologia e hoje a gente pode dizerque há um estudo separado da CP. Acho que estudos como o de Faoro, estudos como osde Victor Nunes Leal... deram uma certa autonomia aos estudos de CP e depois houve umaprofissionalização muito grande. […] Antes, a CP era um apêndice do DireitoConstitucional, do Direito Público, do Direito Administrativo. A fundação da Anpocstraz algo muito importante porque na Anpocs já houve uma divisão de áreas - Sociologia,Antropologia e Ciência Política - e na fundação da Anpocs você tem [...] grandes cientistassociais que tem uma identidade muito grande com a CP que é o Fabio Wanderley Reis, oWanderley Guilherme dos Santos, o Fernando Henrique Cardoso e o Francisco Welfort.[…] o Fabio Wanderley Reis, o Weffort e o Wanderley Guilherme dos Santos forampresidentes da Anpocs...

(BRINGEL, B.) [...] a partir do momento em que existe uma maior institucionalização daCP e um maior aprofundamento temático das discussões, isso, em primeiro lugar, leva auma maior consistência, eu acho, teórico-metodológica das discussões porque permite umdialogo, permite uma sincronia nos debates... mas, por outro lado, pode ser lido numachave negativa. Negativa no sentido de uma CP que está se produzindo com um olhar,digamos, muito focado em dinâmicas, processos e atores específicos e deixando delado uma questão importante, eu acho, para as ciências sociais em geral, que é umatentativa de elaborar um olhar mais abrangente para análise da política.

RBCS

(GURZA LAVALLE, A.) [...] A disciplina no Brasil, não me parece que tenha seindependizado do Direito como se independizou no caso dos EUA. Nem que tenha seindependizado da Historia [...] No caso do Brasil, como de boa parte dos países daAmérica Latina (AL), a CP passou por um processo de autonomização em relação àSociologia que foi a grande matriz das Ciências Sociais na AL [...] Essa matrizsociológica fez com que durante uma boa parte do século XX aquilo que se fazia emrelação aos objetos políticos e a perguntas tipicamente próprias da CP fossebasicamente Sociologia Política. Então, eu diria que há... exceções notáveis, há trabalhosque podem ser claramente reconhecidos como um olhar politológico... Se você olhar paraVitor Nunes Leal, ou se você olhar... pra Carmucha [Maria do Carmo Campello de Souza],

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você tem claramente olhares que são CP, alí... Mas eu diria que o grosso da reflexãorelativa a questões políticas se fazia no registro de Sociologia Política. E esse registrode Sociologia Política cindiu no momento em que os departamentos de CPcomeçaram a crescer, a se institucionalizar e a se separar da Sociologia. E issoacontece no contexto da ditadura... Há um apoio forte, um avanço da CP no contextoda ditadura. Esse apoio vem com recursos das fundações internacionais interessadas empromover a reflexão sobre a democracia, a reflexão sobre as condições institucionais defuncionamento da democracia e isso ajudou a consolidar algumas das instituições que maisrapidamente se firmaram no panorama brasileiro como instituições que faziam aquilo quepoderíamos chamar de propriamente de CP que é a UFMG e o IUPERJ. Esse modelo foicrescendo e foi se alastrando pra outras universidades e eu diria que, exatamente, apartir dessa conjuntura da transição, dessa conjuntura... em que a CP conseguiumostrar o que que ela tinha pra oferecer, que a CP começou a ganhar um processo dereflexão autônomo... [...] a Sociologia da época estava preocupada em fazer diagnósticosdos fracassos da modernização e diagnósticos focados nos movimentos sociais e nosprocessos de transformação desencadeado de baixo pra cima... e os processos de transiçãodemocrática, eles, não podiam ser bem abordados, nem explicados, nem tematizados comfocos analíticos prioritários da Sociologia da época. A CP chegou com um conjunto devariáveis tipicamente políticas, começou a olhar elites, começou a olhar acordos.. e porprimeira vez em muito tempo as referências da literatura internacional sobre ALforam prioritariamente referencias voltadas para a CP. [...] Houve um processo dediferenciação institucional […] com alguma frequência os atores sociais ficaram dolado da Sociologia e as instituições políticas ficaram do lado da CP e demorou muitotempo pra que atores sociais e instituições políticas começassem a conversar de novo.Isso é uma coisa das últimas gerações de cientistas políticos no Brasil […], da décadapassada. Durante alguns anos a Sociologia se dedicou a enxergar atores sociais e a CP sededicou a estudar instituições políticas. A interação entre ambos é um fenômeno ou umapreocupação da CP mais recente no Brasil. Então, apontando pra esse processo deautonomização que é uma autonomização institucional - uma autonomização que permitedestacar um conjunto de dimensões propriamente políticas e eu não tô dizendo que doponto de vista ontológico ou epistemológico, CP e Sociologia sejam coisas que devamser separadas, é preciso saber o que que você olha e porque você quer olhar focando únicae exclusivamente variáveis políticas ou focando variáveis de natureza sociológico-política.Então, não é uma escolha obrigatória.

(ALVAREZ, M. C) As fronteiras nas C. Sociais são muito porosas, do meu ponto de vistanão deveria haver um distanciamento tão grande. A crescente especialização sem dúvidadistancia as áreas, em termos de problemas, teorias e técnicas de pesquisa. [...] há umaautonomização crescente das áreas. Talvez, mais forte na C. Política e Antropologia que naSociologia.

BPSR

(ARRETCHE, M.) Pra mim, a Filosofia Política e a Sociologia Política são áreas daCP. [...] A Sociologia Política é uma abordagem no interior da Ciência Política queconsidera que a dimensão sociológica é essencial para você entender o que acontece nomundo da política. [...] o objeto próprio da CP é o mundo da política. [...] como é quevocê vai tratar isso?, tudo isso é de interesse dos cientistas políticos. Então, essas divisõesnão existem, elas são artificiais.

(ONUKI, J.) […] Eu acho que existe um consenso do que é a CP hoje e de quais são osnossos objetos na CP. [...] relação política que perpassa vários temas de pesquisa [...]

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QUESTÃO 4

Sobre a criação e a trajetória da revista o que pode ser destacado em sua opinião?

RBCP

(BIROLI, F.) Esta questão não foi perguntada devido a indisponibilidade de tempo porparte da editora para conclusão da entrevista.

(MIGUEL, L. F.) a RBCP tem uma trajetória que é em alguns aspectos invulgarporque é uma revista que vem de uma Universidade que tá fora do eixo Rio-SãoPaulo que é a UnB [...] com um modelo de fazer avançar áreas marginais da CP e querapidamente conseguiu espaço... […], conseguiu entrar no Scielo. [...] A gente entrouno Scielo na nossa primeira tentativa... e isso foi possível graças a um elemento que foifundamental que foi o apoio do Instituto de Ciência Política da UNB que nos deu ascondições materiais pra fazer a revista. [...] Então, eu acho assim, a revista existe porquehouve uma decisão do Instituto de Ciência Política de priorizar a revista e de garantiro financiamento... suficiente pra revista funcionar. Eu acho que isso é fundamental noinício da nossa trajetória. E a outra coisa que eu queria destacar, que foi importante etem a ver com isso também, é que uma parte desse financiamento veio pra gentepoder comprar direitos autorais e traduzir textos importantes que não estavamdisponíveis em português.

LuaNova

(ARAÚJO, C.) Olha, se você quiser pegar um registro das características originais darevista... os artigos estão muito voltados para os assuntos correntes da políticabrasileira e internacional [...] sucessão presidencial que vai levar Tancredo Neves àpresidência da República, depois, a Constituinte. Os assuntos correntes da conjunturasão os assuntos principais. Depois vão mudando para pesquisa [...] de longo fôlegoque caracteriza a pesquisa acadêmica de não acompanhar mais ponto a ponto oseventos da conjuntura. Outra diferente marca da revista vai acontecer em 1992,quando a revista publica um artigo do John Rawls: “Justiça... como equidade: [umaconcepção] política, não metafísica”, que é um artigo que o Rawl publica se eu não meengano em 85. É uma virada […]. Talvez, o primeiro artigo do Rawls publicado no país oupelo menos o principal... um dos textos mais marcantes. Já é um registro da virada nosentido de Teoria Política [...] Vários artigos são publicados nesta linha… O editorassistente do Gabriel [Cohn] era um orientando dele, depois vai tornar professor do nossodepartamento [de CP da USP] e acho que é a principal expressão da Teoria Normativa.

RSP

(COSTA, P.) Olha, o que eu destaco... é... um aspecto pessoal, ou seja, dos colegas... Eunão fiz parte propriamente da ideia, da criação da revista. Isso foi o Adriano [Codato] e oRenato [Perissinotto] que já estavam aqui [na UFPR]. Eu ainda não estava aqui nauniversidade Federal [do Paraná] […]. Eu queria com isso destacar a iniciativa dos doisde montar uma revista numa instituição, numa universidade que não tinha tradiçãoem ciências sociais, muito menos em ciência política, porque eles vieram para cá,exatamente para criar a área de ciência política porque os colegas que estavam aquifalaram: oh, a gente não tem ciência política. Temos que trazer gente de ciênciapolítica, porque o curso é de ciências sociais... E aí, nesse processo, começou a surgir aciência política, aqui, na [Universidade] Federal do Paraná. É nesse processo que,também, está inscrita a revista. Então, ela tá muito vinculada a toda essa história daciência política até os dias de hoje, na Federal do Paraná, e de certa forma, pode se dizer noParaná [...] Então, a revista teve esse aspecto pessoal da iniciativa desses dois, emcondições difíceis, sem estrutura de tocar a revista [...] E depois, o empenho que arevista teve, sempre... e aí, nesse aspecto dá para quase que fulanizar... porque somos nós,os editores e, também, os alunos e ex-alunos que foram sendo agregados ao longo dotempo que se dispuseram a trabalhar para a revista, porque a gente nunca teve condiçõesobjetivas de qualquer tipo de remuneração, seja para o editor, seja para aqueles que

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estavam fazendo o trabalho mais braçal..... a não ser é claro, o trabalho do revisor,tradutor, diagramação eletrônica.. Isso não era a gente que fazia […]. Então,infelizmente a revista está ao mesmo tempo consolidada, mas baseada ainda no emprenhode algumas pessoas, nuns fulanos que insistem em mantê-las existindo, enquanto outrasrevistas já conseguiram ficar mais institucionalizadas, já tem até circulação de editores [...]Eu espero que a gente consiga fazer isso no nosso programa, um dia, para que a revistafique mais vinculada ao programa e que possa ser editorada por novos pesquisadores.Afinal de contas, essa circulação [de editors] é inevitável. Sem falar que ela é boa,interessante...

(PERISSINOTTO, R.) A primeira coisa que eu destacaria é o fato absolutamenteamador com que a revista começou. Sem apoio, com muitas dificuldades, semrecursos institucionais, e coisa do tipo. Na verdade, quando a gente resolveu criar arevista, foi um ato estritamente voluntarioso, nós não tínhamos a menor ideia do que íamosencontrar pela frente, mas a medida que a revista foi se consolidando... a gente percebeuque não dava para voltar atrás [...] porque ela foi se transformando numa publicaçãoimportante, importante para a área no Brasil. Então, acho que talvez o que eu destacarianesse caso da criação e da trajetória, é o início absolutamente voluntarioso, sem apoionenhum, e o ponto em que nós chegamos, de uma revista bastante profissionalizadado ponto de vista da submissão de artigos, da produção de pareceres, dainstitucionalização dos recursos financeiros que sustenta a revista. Acho que é isso.

OpiniãoPública

(DEL PORTO, F.) [...] a criação da Opinião Pública foi um espaço, [...] pra tratar emportuguês, trazer pra língua portuguesa e para o Brasil, textos da ciência políticaquantitativa... estudos de comportamento político, eleitoral [...] Na trajetória, […] deuns anos pra cá... a minha graduação é dos anos 90. Minha graduação tem a idade doCESOP [e] mesmo aqui dentro da UNICAMP não tive essa formação quantitativa, essacoisa forte na formação... na minha graduação. O que eu percebo hoje é o crescimento dointeresse pelo estudo de comportamento político... pelo uso dessa metodologia[quantitativa] nos estudos de comportamento político, eleitoral, partidos políticos... a coisada temática das eleições.

DADOS

(PESSANHA, C.) Em primeiro lugar eu chamo a atenção para a coragem de se fazeruma revista de ciências sociais em 1966, em plena época do Ato Institucional Nº 2.Fazer a DADOS naquele momento foi um ato de coragem muito grande do CândidoMendes, do Wanderley Guilherme dos Santos - que foram os fundadores [...] Quandoa revista estava fazendo 10/11 anos eu vim estudar aqui [no antigo Iuperj] - fazer omestrado… e assumi a revista até agora. Eu, em companhia dos colegas das revistasbiomédicas e tecnológicas, comecei a ver efetivamente qual era o caráter de uma revistacientífica - o que era uma revista científica. Passei a dar uma atenção muito grande a essesrequisitos da divulgação científica que até hoje é um pouco esquecido pelos cientistassociais. Eu implantei o sistema de paper review, a revista passou a ter um sistema decitação bibliográfica, de documentação séria e com isso a revista foi ganhandoprestigio. A Dados era o patinho feio das ciências sociais. Eu me lembro que só se falavanas outras revistas, mas a DADOS se impôs até se transformar numa das revistasmais importantes da área, não apenas de CS, mas da área biomédica e tecnológica.Isso me conduziu inclusive a um posto inusitado. Eu fui o único presidente da AssociaçãoBrasileira de Editores Científicos – ABEC, das ciências humanas. Todos os outrospresidentes nesses últimos 25 anos são da área biomédica e tecnológica [...] tive aoportunidade de fazer uma política de divulgação da ciência.

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(BRINGEL, B.) A DADOS nunca foi uma revista departamental... no sentido estrito.Muitas são estritamente departamentais [no sentido] de publicar o que é feito no seudepartamento, na sua faculdade, etc. [A DADOS] é uma revista muito pouco endógena. Sevocê olhar para os artigos publicados esse ano [2014] por exemplo, acho que não saiunenhum artigo publicado por professores do IESP. Isso durante muito tempo foi assim...Isto tem a ver com a profissionalização [...] da revista […]. Eu considero que todos osgrandes debates da CP brasileira em alguma medida estão representados natrajetória da Dados […] É até interessante pensar como a Dados contribuiu nos primeirosnúmeros, nos primeiros anos, para a própria delimitação do campo da CP brasileira.

RBCS

(LAVALLE, A.) Olha, eu destacaria o seguinte: a RBCS é uma revista quedesempenhou papel crucial na veiculação de conteúdos de ponta na área de CS... elafoi criada 10 anos depois, aproximadamente, da criação da Anpocs, criada em 1986 edurante muito tempo provavelmente campeu solitária como a grande referência dapublicação acadêmica de ponta interdisciplinar. Progressivamente, foram crescendooutras revistas e isso mudou o cenário... Hoje, a RBCS, é uma revista entre outrasrevistas disputando esse mercado [...] Isso coloca um desafio para a RBCS. As novasrevistas pelas suas origens são mais modernas, vieram ao mundo com uma concepçãodiferente do que era se produzir divulgação de conhecimento, publicação de conhecimentoe se adaptaram mais rapidamente às demandas do SciELo e às demandas da submissãoonline e a todas as possibilidades que esse novo mundo virtual oferecem. A RBCS temque fazer um esforço por correr atrás... porque ela está enfrentando uma competiçãoforte, uma presença forte de outras revistas que hoje estão em pé de igualdade com aRBCS o que significa que a revista tem que, enfim... tem que melhorar, tem que sepreocupar muito por melhorar a sua relação com os autores, por reduzir tempo depublicação, por entrar em todo esse processo de profissionalização que a torne uma revistaprocurada para publicar artigos de alta qualidade.

(ALVAREZ, M. C) Acho que a trajetória da RBCS está muito ligada à ANPOCS e seuEncontro. Isso permitiu aglutinar a pesquisa de ponta na área. Hoje, a RBCS tem grandeautonomia em relação ao Encontro, mas isso foi importante em sua consolidação.

BPSR

(ARRETCHE, M.) [...] Nós fizemos um esforço muito grande e eu acho que bem-sucedido de aumentar a visibilidade da revista. [...] o fato de ela estar no Scielo, aumentamuito a visibilidade da revista. [Temos] um mailing list muito grande, internacional, para oqual a gente envia a revista. Então, eu destacaria o esforço - que eu acho que foi bemsucedido - pra aumentar a visibilidade [da revista].

(ONUKI, J.) Eu acho que a principal conquista da revista nos últimos anos... - porque,enfim, ela demorou… como toda revista, no início é difícil você implementar, buscarfinanciamento [...] - foi conseguir indexá-la no Scielo, que é uma base de dadosimportante. É uma base que nos dá visibilidade internacional. Então, eu diria que essaé a principal mudança e conquista que a gente conseguiu nos últimos anos e, eu acho, quelevou a uma maior consolidação da publicação.

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QUESTÃO 6

Sobre o conteúdo publicado na revista é possível afirmar que houve, desde a sua fundação, algumamudança/ruptura que merece ser destacada?

RBCP

(BIROLI, F.) Entre sua fundação e 2015 não vejo mudanças/rupturas que mereçamdestaque. Tivemos, claro, que lidar com as exigências do Scielo. Mas até aquelemomento, como resistimos a muitas delas, isso não significou mudanças maisrelevantes de padrão. (resposta recebida por e-mail em 19/05/16)

(MIGUEL, L. F.) Esta questão não foi perguntada devido a indisponibilidade de tempopor parte do editor para a conclusão da entrevista.

LuaNova

(ARAÚJO, C.) [...] houve um momento importante quando o Gabriel [Cohn] e oÁlvaro [de Vita] assumiram e a questão da Teoria Política Normativa [...] passou a terpeso. Houve aí, uma inflexão importante e a partir daí, eu acho que a Lua Nova foiadquirindo uma projeção de ser uma revista... que... publica mais coisas de teoria... [...]Desde então, é uma marca... não que ela tenha deixado de publicar outras coisas.

RSP

(COSTA, P.) Ruptura não houve, ruptura em nenhum momento houve. (…) a gentesempre procurou estar antenado no que tava acontecendo, numa tentativa que não é fácilde se concretizar, que é [de] estar atento às pressões que vem das instituições quedetém o poder: desde financiar até dizer se você é uma revista A isso ou A aquilo noQualis. Você tem que estar atento a isso. Isso é um processo, também, político, não éexclusivamente acadêmico. Todo mundo sabe disso. Então, (...) as músicas vãomudando e a gente vai mudando o sapateado e tendo sempre no horizonte aquilo quemotivou a fundação da revista que é uma revista de boa qualidade, que divulgue bonsartigos científicos, que traga debates científicos de boa qualidade nessa árearelacionada à política. Então, as mudanças foram pautadas de um lado, pelo que nos vemde fora e; de outro, pela forma como a gente mesmo vai vendo o que vem de fora, e vairevendo o nosso próprio projeto. Então, ao mesmo tempo, é uma série de mudanças, masem relação ao grande projeto, esse continua, acredito eu, sendo o mesmo: que é fazeruma boa revista.. Agora, o que é fazer uma revista de qualidade? Seja enquanto princípioeditorial, seja enquanto prática política concreta... porque a gente tem que conseguirdinheiro, tem que fazer isso, tem que fazer aquilo… Aí, só quem faz, é quem sabe, né?(…) a linha editorial define exatamente o conteúdo da revista, os temas que ela aborda, enesse aspecto, o tema sempre foi política. A gente pode ter mudado a forma de definiro que a gente entende por abordagens de conteúdo e tal... e agora ela chegou a essadimensão da pesquisa empírica, né, então, mas isso ta longe de ser uma ruptura . (…)A gente, também, de certa forma, ao restringir à dimensão da pesquisa empírica,respondendo também, ao que nos vêm de fora, né, tentando manter aquilo que eu jáchamei à atenção, ou seja, de um lado, atender às dinâmicas externas, que muitas vezes sãocorrelações de força e de outro, também, manter um projeto. Então, a pesquisa empíricanão é algo em si. Ela faz parte de uma tentativa de fazer um recorte com várias abordagenspossíveis sobre a política, recortar uma na qual a gente vai procurar se especializarenquanto publicação. É aquela que tem em algum momento a referência a umprocedimento bem definido a respeito de um processo histórico específico. (…) a gente tána periferia, da periferia, da periferia, né. É uma instituição que agora tá maisconsolidada, tem mais reconhecimento e tal... mas, uma instituição periférica, numaárea periférica da ciência, num país periférico na ciência, né, isso para ser otimista .Então, é claro que a gente tá reagindo a várias coisas aí, que são pertinentes, outras tantasque são discutíveis e que vão rebatendo na ciência brasileira e depois nas Ciências Sociaisbrasileiras e mais particularmente, na Ciência Política e mais particularmente, ainda, nanossa área, no nosso trabalho. Só que, como as coisas se internacionalizaram muito, né, é

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muito mais fácil a gente tá acompanhando o que tá sendo feito nas grandes revistas, nãosó, aqueles que estão definindo as regras e estão fazendo isso, né, a cúpula lá, que vê o quetá acontecendo, os oráculos, tal... e dizem: olham, façam isso... A gente tá vendo também,isso é um pouco mais aberto, mais democrático, mas enfim, sujeito, também, às nossaspróprias visões do que as revistas de Ciência Política do mundo estão fazendo, queantes era um pouco mais difícil. Hoje em dia a gente consegue fazer… você mesmopoderia fazer esses levantamentos se quisesse das outras revistas importantes da ciênciapolítica. Então, essas instituições que vão também, como eu disse, criandoconstrangimentos, criando elementos e isso muda, isso muda também. De repentemuda a comissão de comitê de Ciência Política, a linha pode mudar…, e assim vai indo.

(PERISSINOTTO, R.) (…) foi uma coisa que foi surgindo em função das pressões docampo... eu acho que esse momento foi o momento em que a gente começou a perceberque (…) ou nós nos profissionalizaríamos um pouco mais ou a revista ia acabar. (…)o Paulo ficou com a parte mais administrativa, eu fiquei com a parte financeira e o Adrianoficou com a parte acadêmica, então, a partir desse momento eu era responsável por ir atrásde recursos do CNPq, o Paulo por encaminhar o processo de impressão, etc, e o Adrianopor indexar a revista, pra ver como formatar a revista de acordo com as exigênciasacadêmicas. A partir de um certo momento o Adriano cansou muito disso. Por que que elecansou? Porque isso implicava relação com os próprios autores - você tinha queadministrar todos os problemas de pareceres, estas coisas... nós contratamos o Gustavo[Biscaia] - contratamos, leia-se, pedimos ajuda do Gustavo que se interessou porquegostava do assunto. [...] agora nós entramos com o Lucas [Massimo] que [...] introduziuuma série de mudanças importantes. Talvez, a maior delas seja o Scholar-One [da Scielo]que é um processo informatizado de submissão de artigos... Então, esse momento em quenós falamos não dá mais... foi um momento crucial para a continuidade da revista . Eestamos aí até hoje.

OpiniãoPública

(DEL PORTO, F.) Eu posso tá enganada em alguma coisa... que publicava e parou...não consigo identificar... não tenho a história da revista. Mas acho que a coisa docomportamento político, a coisa das eleições, acho que é uma constante... Uma coisaque a gente observa, próprio do processo democrático, é o crescimento de publicaçõessobre instituições participativas. A coisa da democracia participativa é uma temáticaque cresceu no processo recente.. é um tema que começou a aparecer bastante , atéporque a história da revista é quase o período da democracia... Em 1993, a democracia erabastante jovem... [...] ultimamente, o crescimento da Internet, os debates online,deliberação... esse debate do papel dos meios de comunicação, sobretudo das redes sociais.Formação de comportamento político é um tema, também, que, claro, cresceu.

DADOS

(PESSANHA, C.) A única mudança que aconteceu na Dados foi a mudança promovidapela ciência social brasileira nesses 45 anos. Ela passa de uma ciência social maisamadora para uma ciência social mais profissional. [De] uma ciência social mais“ensaísta”, historizante, jornalística, para uma ciência social mais profissionalizada, maisreferendada, mais certificada.

(BRINGEL, B.) Nos primeiros 20 anos de Dados, o que havia basicamente na revistaeram grandes tentativas de interpretação sobre problemas brasileiros. Claro que tinhatoda aquela discussão sobre o caráter ensaístico de alguns textos. Mas de fato, havia umatentativa de problematizar grandes questões, grandes temas... um olhar abrangente, umaautorização abrangente... [...] eu acho que isso tem diminuído porque esse olhar maismicro, mais específico... isso tem a ver com a institucionalização do campo. Então,metodologicamente nós avançamos na sofisticação de técnicas, de métodos deanálises, mas, por outro lado, nós perdemos, em boa medida, esse olhar maisabrangente.

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RBCS

(GURZA LAVALLE, A.) Olha, não que eu saiba. [...]. Eu sou editor, eu acompanho... fuieditor da Lua Nova algum tempo ou coeditor da Lua Nova algum tempo... tenho dedicadouma parte da minha trajetória a fazer trabalho editorial em diversas revistas... mas, pelaprópria natureza da RBCS, ela tem uma alta rotação de editores [...] porque precisarepresentar diferentes instituições de diferentes áreas [...] o que significa que vocêtende a ter, no melhor dos casos, quadriênios. A memória da revista não está, então,nos editores... Não sou editor há 15 anos da revista. Eu próprio não tenho lido históriasescritas sobre a RBCS. Esse tipo de informação, digamos, mais fina da vida interna darevista, você só consegue colher se você entrevistasse a secretária da revista... ou naverdade, a assistente editorial da revista, que desempenha um papel extraordinário, que é aMirian [da Silveira]. Ela tem a memória institucional da revista e ela poderia comentar pravocê se houve algum tipo de cisão interna na revista ou não houve. Pelo que eu sei, dequem acompanhou a revista de fora, não tenha havido.... mas posso estar redondamenteenganado.

(ALVAREZ, M.C) Para responder, seria necessário fazer um estudo sobre a história darevista. [...] não identifico nenhuma.

BPSR

(ARRETCHE, M.) Não, não que eu saiba.

(ONUKI, J.) Acho que não teve nenhuma mudança grande na revista. Ela é muito plural,então, não dá pra... acho que não... eu não identificaria nenhuma mudança radical narevista.

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QUESTÃO 7

Sobre a avaliação Trienal da CAPES o que é possível afirmar? Ela é necessária? Seus critérios sãojustos? Quais os impactos desta avaliação para a ciência política e para a revista, em especial?

RBCP

(BIROLI, F.) Eu vejo que nas últimas décadas a gente já tem avanços na avaliação namedida em que ela é uma avaliação realizada por pares, pelos pares. [...] Acho queexistem avanços nas construções de formas de avaliação que dão autonomia para a área,que explicitam critérios mais claramente do que havia há algumas décadas atrás, masessas formas de avaliação não são neutras. Elas estão relacionadas ao modo como a árease organiza no Brasil e às políticas da CAPES para qualificação da área. Na minhaopinião, o problema nem é a ideia de produtivismo que é muito mencionada. Oproblema é outro. O problema é como que a gente consegue critérios para avaliarnão apenas a quantidade da produção, mas a qualidade dessa produção. Como quea gente pluraliza de verdade a área, não apenas tendo periódicos, por exemplo, quetenham uma perspectiva mais plural da área, mas tendo, também, a partir daCAPES, uma política que seja de atribuição de relevância à pluralidade da área enão simplesmente de chancela pra posição que tem as correntes hegemônicas... numdecalque de como é a ciência política estadunidense, sobretudo. Tem uma questãorelativa a CAPES que eu acho fundamental pra quem pensa periódicos no Brasil. ACAPES tem uma política que não prioriza os periódicos na área de Ciências Sociais, naárea de Ciências Humanas de maneira geral como algo importante na produçãocientífica. Eu digo isso, porque como também na pesquisa, os nossos periódicos sãopoucos financiados. Quando financiados, são financiados com recursos muitoprecários em relação ao que é necessário para manter um periódico de qualidade.Então, isso é um problema muito importante porque se aplica, a nós, critérios que muitasvezes são critérios que vem do debate sobre a chamada Ciências Duras, as áreas deBiológicas, de Exatas… Só que nós não temos o mesmo tratamento, não temos osrecursos que permitiriam que a gente pudesse trabalhar com mais segurança, inclusive,com uma estrutura adequada para ter periódicos de qualidade. Isso é um problema.

(MIGUEL, L. F.) Esta questão não foi perguntada devido a indisponibilidade de tempopor parte do editor para a conclusão da entrevista.

Lua Nova

(ARAÚJO, C.) Bom, eu acho que a avaliação surgiu por conta... eu acho que é umanecessidade da própria agência ter que prestar contas pelo dinheiro que ela usa. É a tal dahistória da accontability - dinheiro público, você tem que prestar contas do tão bem estásendo usado e tal... e pra isso, você acaba tendo que fazer avaliações. E aí, você fazendoavaliações, você cria uma hierarquia. Ela é necessária? Eu acho que sim... embora, eutenha a impressão que o grande problema é como você faz a avaliação... talvez oproblema não seja o de avaliar.... Acho que avaliar é inevitável... o problema é comoavaliar se você tem uma produção praticamente massificada, uma produção emmassa. […] como é que você vai avaliar tanta coisa... Aí, você cria critériosquantitativos... que, dependendo da situação pode perder o foco na avaliação dequalidade acadêmica e no fundo me parece que a única coisa que pode indicar aqualidade é o quanto que repercute na comunidade. E aí evidentemente, os que tentamquantificar e usar a quantificação como critério acabam tendo que pensar em como medira repercussão. E aí se criam índices para medir isso, né... e os pesquisadores percebendoisso tentam se adaptar... e aí, de novo, você cria uma autoreferencialidade que é perigosa.Acho muito complicado. Por outro lado, eu não sei responder como que se avaliaadequadamente algo que se produz em massa. Como é que isto pode ser avaliado?Ahh, pela estatística, é uma maneira normal de responder porque a estatística trabalhacom grandes números. Mas se a gente quer de fato pensar em termos de qualidade isto écertamente insuficiente e pode criar distorções, muita distorção. Eu acho que o grande

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problema nesse caso é esse problema da autoreferencialidade que eu tô falando quefaz com que haja uma tendência de desconexão entre o que a comunidade científicaestá falando e as coisas relevantes que acontecem no mundo... real da política e queas vezes a medição só quantitativa pode ajudar a profundar esse fosso porque nãovai medir a relevância pelo que o mundo acadêmico está fazendo em termosquantitativos. Aí, você gera esse problema que o Bolívar [Lamounier] colocou, né... oproblema da criatividade... Quer dizer, como é que você ao cair na autoreferencialidadevocê vai detectar a criatividade e a abertura da disciplina? Eu acho que a gente vai terque pensar muito, ainda, sobre isso. Porque se não, nós vamos mergulhar numa distorçãomuito grande.

RSP

(COSTA, P.) Eu acho que a iniciativa é legal... Todo evento que eu ia tinha gentereclamando do Qualis […] não é uma coisa de fácil equacionamento… envolveavaliação e envolve questões políticas. Envolve critérios políticos, institucionais, quevão dizer que essa revista é isso ou aquilo. Mas não dá, também, para dizer que éuma coisa esculhambada... uma confraria. Inclusive é uma coisa difícil dequantificar, são diversas variáveis. Mas eu acho que a iniciativa foi muito interessantee vale a pena ela ser aprimorada cada vez mais... para que os critérios para definição dasposições sejam os mais explícitos possíveis, os mais acordados publicamente, até parapermitir a programação... uma revista pode chegar a conclusão e falar assim: olha souB1, vou ser B1 e não tô nem aí. Vou ser B1 e pronto. A que é B1 mas quer chegar em A1,saber mais ou menos quais são os critérios que ela tem que fazer, de excelência, dequalidade, etc para chegar em A1. [...] é uma coisa que tem um certo tempo deacumulação, mas também tem que estar sempre sendo revista. Não dá nem para fazer acrítica pura e simplesmente, nem dá para ser ingênuo... Isso tem uma série deaprimoramentos, inclusive tá sujeito às dinâmicas políticas das correlações de forçano campo.. e, aí, ultrapassa a ciência política ou as ciências sociais, porque afinal, éa Qualis da Capes, não é o Qualis de ciências sociais ou da ciência política.

(PERISSINOTTO, R.) Esta questão não foi perguntada porque foi adicionada ao roteirode entrevista posteriormente.

OpiniãoPública

(DEL PORTO, F.) Eu creio que a avaliação é um ponto importante [...] pra área [...]pensar, formular, reformular. Acho que tem uns critérios importantes que são levadosem conta. Então... acho que é uma necessidade. Não sei se ela é sempre justa, mas,também, [...] não tô, assim, por dentro de exatamente quais são os critérios, comofunciona [...] pra avaliar a justeza e tal. [...] Pra revista, é sempre um olhar importante...pra gente pensar nos critérios, nos pontos positivos e negativos, no que que levou a cairou a subir,,, A gente em 2011 chegou no topo [...].

DADOS(PESSANHA, C.) Esta questão não foi perguntada porque foi adicionada ao roteiro deentrevista posteriormente.

(BRINGEL, B.) Esta questão não foi perguntada porque foi adicionada ao roteiro deentrevista posteriormente.

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RBCS

(LAVALLE, A.) Não tenho dúvidas que a Qualis tem uma enorme capacidade deinfluência [...] porque é uma enorme máquina de indução... As universidades tempouca capacidade de indução interna [...] porque [...] os departamentos estabelecemcertos consensos de equilíbrios internos [...] que as pessoas não gostam de colocar emxeque e existe uma espécie de acomodação…, normal, na maior parte dos departamentos[...] Induzir o departamento a fazer coisas... com as quais não concorda é difícil porquevocê tem um acordo interno. Na universidade, também não há fortes indutores [...]porque as universidades não tem um programa de progressão na carreira agressivo [...]não é uma coisa que vai fazer com que as pessoas morram pra fazer alguma questão [...]O que que faz a CAPES? A CAPES entra com aquilo que a universidade não podefazer, que é alocar seletivamente recursos [...] e ao fazer isso, ela mobiliza as forçasalocadas na universidade que estão interessadas em [...] ter acesso a esses recursos...E isso produz efeitos, né... [...] são incentivos externos que mobilizam internamenteas universidades e a CAPES tem essa capacidade... porque ela outorga recursos aosdepartamentos bem avaliados e esses recursos, de fato, permitem que osdepartamentos façam políticas acadêmicas, consigam financiar seus professores emviagens no exterior, financiar pesquisa dos seus alunos, mandar seus alunos proexterior, manter programas de seminários arrojados... Os recursos da Capes...podem desempenhar um papel crucial para a construção da política dodepartamento. Como a Capes vai depender esses recursos da avaliação dodepartamento, ela tem operado no sentido de produzir uma... aceleração da dinâmicaacadêmica dentro dos departamentos acadêmicos. As pessoas estão preocupadas comobter boas notas na CAPES. Significa que isso introduz uma lógica de que é precisoproduzir, é preciso publicar, é preciso entrar dentro dos indicadores de qualidade daCAPES. Porque sem entrar nisso, não há acesso a recursos extraordinários. [...]Então, [...] me parece que grosso modo, o efeito da CAPES sobre as pós-graduações temsido extremamente benéfico no sentido de produzir uma sintonia geral entre as diversaspós-graduações de que é preciso se comprometer com certos valores [...] É possível, quealgum departamento de CP [...] diga: publicar e produzir é uma babaquice, o queinteressa é a reflexão livre e desimpedida. [...] só que ele ficará privado de recursos… Erecursos são importantes até pra reflexão livre desimpedida, convidando pessoas pararefletir, etc. Então, o espaço pra aqueles que não demonstram seu trabalho naprodução de artigos que circulam em veículos reconhecidos, na apresentação detrabalhos que são submetidos a crítica em instituições em que isso se faz comqualidade… Todos aqueles que não estão dispostos a submeter a esse tipo dedinâmica, acabam ocupando uma posição menos vantajosa, e isso acaba mudandoas opiniões das pessoas. Então, existia mais resistência à CAPES do que existe hoje.E hoje, a maior parte dos Departamentos de CP do país estão atentando para os efeitos daavaliação da CAPES. Então, isso me parece salutar... acaba com alguns excessos. Auniversidade tem poucos recursos para lidar com professores que não fazem nadabasicamente, que fazem muito pouco ou que não se comprometem em publicar. Auniversidade não tem procedimentos internos para lidar com isso. Mas a CAPESintroduz uma dinâmica interna que leva as pessoas... que ajudam a levar o departamentoa um certo patamar. É bom pra todo mundo. E isso de fato, tem levado os departamentosde diversas universidades do país a produzir esses consensos com essa dinâmica maisgeral... acho positivo.

(ALVAREZ, M. C) Acho que o problema da avaliação está nos periódicos com pioravaliação, têm dificuldades em se consolidar, se não são bem avaliados.

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BPSR

(ARRETCHE, M.) É claro que ela é necessária, tem que ter alguma avaliação do que osprogramas tão fazendo. Agora, eu não posso dizer que os critérios são justos ou sãoinjustos em geral, porque eles variam a cada avaliação. [...] A gente leva emconsideração os critérios que tão vigendo para a CAPES... mas este critério não écego. Vou te dar um exemplo: na última avaliação, isso também é um critério doScielo, existia um critério de que 30% dos artigos publicados tem que ser deestrangeiros, de não brasileiro [...] A nossa taxa mais alta de rejeição é com os artigosde estrangeiros, os artigos de estrangeiros que foram submetidos pra revista, de modogeral, são piores do que os dos brasileiros. São piores. Os pareceristas recusam apublicação e nós vamos lá e lemos os artigos e vemos que eles são ruins. [...] Essecritério a gente nunca usou para aceitar publicação... os artigos de estrangeiros que forampublicados, o foram com a métrica do rigor e da qualidade... a meta dos 30% nós nãocumprimos, porque na verdade esses dois objetivos estavam em contradição e nósoptamos por um, que era a qualidade da publicação.

(ONUKI, J.) Eu acho que a avaliação é necessária. Eu acho que a questão da avaliação émuito importante pros programas de pós-graduação, pros pesquisadores e pra própriarevista. […] Obviamente que o processo de avaliação pode ser melhorado e eu acho quea Capes tem feito isso […] Eu acho que isso faz com que os programas possammelhorar, [possam ter] um parâmetro pra saber em que direção caminhar, comomelhorar, o que fazer pra melhorar... a própria produção individual dosprofessores, a produção do programa [...] Eu acho que a CAPES definiu critériosbásicos [...] se é A1, A2, B1 e é claro que essa lista pode aumentar. Então, é isso que hojepor exemplo o Fórum de Coordenadores de Pós-Graduação discute [...] a CiênciaPolítica tá longe do limite, a gente atingiu só 25% do número de revistas possíveis deserem incluídas no Qualis. Tem muito ainda pra gente incluir em A1, A2 [...] [Sobre aavaliação ocorrer a cada três anos?] Três anos é pouco tempo, porque na verdade... praproduzir, pra ter o que mostrar […] e por uma questão de restrição de recursos - issotambém significa investimento de recursos pros programas, significa deslocamento deavaliadores. Então, tem uma questão de custo também [...] Eu acho que hoje o custo éuma coisa que está pesando em todas as Agências [de financiamento]. A restrição derecursos, eu acho, é uma questão generalizada, hoje.

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QUESTÃO 8

Comparativamente, o que diferencia teórico e metodologicamente a revista de outros periódicosnacionais especializados em ciência política? O que a torna única?

RBCP

(BIROLI, F.) Esta questão não foi perguntada devido a indisponibilidade de tempo porparte da editora para a conclusão da entrevista.

(MIGUEL, L. F.) […] a gente tem uma intenção muito clara e declarada de abrirespaço para temáticas marginais ou emergentes na CP. A gente procura escapar doconjunto já canônico de submissão sobre comportamento eleitoral, comportamentolegislativo, políticas públicas, que é a maior parte do que a CP faz. Esse é o nossodiferencial. […] a gente publica bastante textos de Teoria mas a gente publica muitapesquisa empírica [...] com diferentes metodologias... […] Eu acho que não tem nenhumtipo de viés a método da revista, não.

LuaNova

(ARAÚJO, C.) Eu não diria que ela tem teórica e metodológica. Ela é uma revistapluralista,, ela recebe artigos de boa qualidade qualquer que seja... Agora, o que torna elamuito... eu diria 2 coisas, até simbólica, pode parecer banal... é o nome bastante esquisito,um nome um tanto heterodoxo pra uma revista acadêmica... a outra, é que o quediferencia a revista é a temática, não a linha teórica e metodológica. [...] [A revista]faz um investimento maior, muito maior em Teoria Política e Teoria Social.

RSP

(COSTA, P.) A gente sempre procurou ter alguma coisa que fosse especifica. Desde oprimeiro momento [...] [a revista] surge com essa figura de articulação entreSociologia e Política - um pouco talvez até pela história dela vinculada ao departamentono qual tinha a área de Sociologia e Ciência Política, mas vai muito além dessa dimensão.A gente sempre procurou fazer uma revista boa, de qualidade [...] que não fosse vinculadaa um referencial. A gente sempre procurou evitar, por exemplo, o aparelhamento político.A gente já recusou artigo porque tinha debate de natureza política, não porque a gente éapolítico, mas porque não é essa a intenção da revista. E isso tá até se consolidando comessa ideia da pesquisa empírica... [...] O que a torna única e talvez seja ao mesmotempo uma característica e um problema é exatamente essa dimensão muitomarcada ao empenho de certas pessoas. [...] a gente aqui depende muito de nósmesmos... Ou seja, esse é um aspecto que ao mesmo tempo é único, mas não num sentidode único necessariamente positivo. Acho que tem sido positivo, porque esse grupo sempreprocurou fazer uma revista de excelência... e tá sendo bem sucedido, mas, ao mesmotempo, isso é um certo problema da gente ainda não ter conseguido se institucionalizar...

(PERISSINOTTO, R.) Eu acho que uma das características da nossa revista é apluralidade, não necessariamente temática […]. A partir de um determinado momento,começou a aparecer no nosso editorial que a RSP publica artigos sobre política. Podiaser artigos de Teoria Política, de Sociologia Política, poderia ser artigos de instituiçõespolíticas, etc. Esse já foi um primeiro estreitamento, não é qualquer coisa, é sobrepolítica, você pode abordar política a partir de várias perspectivas, mas é sobre apolítica [...] nesse sentido, a revista foi se especializando mais em relação ao que elaera anteriormente, mas não a ponto de se transformar numa revista estritamentetemática e de um único campo teórico metodológico. Então, pegue por exemplo oúltimo dossiê que foi sobre grupos dirigentes... você tem eu, que uso uma perspectivahistórica; você tem análises mais quantitativas; você tem análise com inspiração do PierreBourdieu; você tem análises tratando de elites políticas. Você tem diferentesperspectivas teóricas e metodológicas. Eu acho que essa é uma especificidadeimportante da nossa revista.

(DEL PORTO, F.) Eu acho que além do [Encarte] Tendências, [a OP] é uma revista de

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OpiniãoPública

CP especifica, já com uma tradição antiga... A gente tem outras revistas de CP, masepecifica nas temáticas da CP, nas temáticas quantita[tivas], comportamentais…acho que isso é um diferencial, uma especificidade da revista... ser CP e apoiada emmétodos quantitativos. Ser um espaço criado num período em que essa temática, essaárea não era forte.

DADOS

(PESSANHA, C.) No início foi exatamente a publicação de artigos estritamentecientíficos, embora tivesse ensaios também - que era uma característica das ciênciassociais na época. Agora, uma coisa que a DADOS inova é o sistema de revisão porpares […], outra coisa foi a indexação em grandes indexadores internacionais [...] aDADOS, na década de 80 e 90 foi uma revista mais ligada à CP do que às outras.Então, você tinha a DADOS mais especializada em CP e a RBCS mais especializada emSociologia e Antropologia, embora publicasse CP também... [...] na CP, hoje, há umpredomínio muito grande da metodologia quantitativa cada vez mais sofisticada eisso a DADOS publicou muito nos anos 90... e foi até muito criticada por isso porque erauma revista que se transformou numa revista que muitas pessoas não conseguiam ler. Só opessoal especializado na área.. [...]

(BRINGEL, B.) [...] acho que a marca distintiva da Dados foi a sua preocupaçãometodológica. De fato, muitas pessoas que não conhecem muito a fundo a Dados pensamque a Dados só publica artigos quantitativos. Não é verdade isso. […] a Dados inovou naCP brasileira porque foi a primeira revista de CP que buscou problematizar aimportância da rigorosidade do tratamento metodológico. Tanto nos métodosquantitativos, como qualitativos… Uma ênfase especial foi feita aos métodosquantitativos pela influência da CP norte-americana, pela formação quantitativa queexistia no antigo IUPERJ e continua existindo, hoje, no IESP. Essa é uma marca da casa.[…] Tanto na Sociologia como na Ciência Política os alunos têm três disciplinas. Trêscursos sobre métodos quantitativos. Isso não existe praticamente em outro lugar. […] temum curso obrigatório sobre métodos quantitativo, conhecido como Lego I e depois outros2, que são opcionais. Temos um também sobre métodos qualitativos e outros opcionais[…] Há, então, uma preocupação forte de combinar a rigorosidade metodológica nãosó no foco do quantitativo […]

RBCS

(GURZA LAVALLE, A.) A sua natureza interdisciplinar... a RBCS tem uma missãoinstitucional. Ela é a revista da Anpocs e essa associação é uma associação constituída porprogramas de pós-graduação, o que significa que a diversidade daquilo que se ensina nonível pós-graduado no Brasil, por definição, faz parte do universo constitutivo de assuntoslegitimamente relevantes pra revista. Isso faz com que a revista seja por mandato e pornascimento interdisciplinar. Ela tem que dar cabimento, tem que acolher artigos oriundosdessas 3 áreas com a sua diversidade temática, metodológica e teórica.. significa que ograu de unidade da revista, do ponto de vista de um perfil mais claro, é menor se você acomparar com revistas que se especializaram disciplinarmente. [...] A RBCS tem comoperfil distintivo sua abertura à pluralidade temática, à metodologias e abordagensteóricas próprias dessas 3 áreas. Isso torna a gestão da revista um pouco mais difícilporque obviamente você tem que lidar com temas extremamente especializados, algunsdos quais você nunca ouviu falar na sua vida e é difícil trabalhar com esse escopo tãoamplo mas, é ao mesmo tempo um desafio agradável, gostoso... obriga a renovarpermanentemente aquilo que cê tem no seu radar.

(ALVAREZ, M. C) No caso da RBCS, o fato de publicar também artigos de Antropologiae Sociologia. [...]. Acredito apenas que há um certo direcionamento para a pesquisaempírica de ponta. […].

BPSR (ARRETCHE, M.) Eu acho que a única diferença entre a BPSR e as outras revistas éque ela é publicada em inglês, de resto ela não tem nenhuma diferença das outras.

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(ONUKI, J.) não sei se tem alguma coisa que diferencia propriamente... [...] acho que ofato de ser publicado só em inglês e só online é o principal diferencial da revista [...]se a gente pensar nas outras revistas... a RBCS é uma revista de ciências Sociais. Então,ela publica coisas de antropologia, de sociologia, que não são propriamente direcionadaspara o público de CP. Agora, das outras revistas, eu acho que outro diferencial é quealgumas delas organizam dossiês, como a RBCP, da UnB. A gente não organiza dossiês,a gente recebe artigos abertos sobre qualquer temática e todos os artigos passam porpareceristas, dois ou três pareceristas por artigo, talvez isso seja um outro diferencialda revista, a gente não faz chamada por dossiês [...] não tem nada previamente queoriente na nossa revista, que oriente que tipo de artigo a gente quer... Então, a genterecebe uma diversidade muito grande de artigos com interface com outras disciplinas ousó das várias áreas da CP […] - esse seria propriamente um diferencial. Mas essa abertura,o fato de não fazer dossiês e o fato de ser muito aberta para as áreas da CP, eu acho quetem tornado a revista plural, tem permitido que a agente publique artigos das maisdiversas orientações metodológicas e teóricas.

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QUESTÃO 9

É possível afirmar que a revista possui um viés teórico e metodológico que a direciona? O que arevista publica e o que ela rejeita?

RBCP

(BIROLI, F.) Alguma metodologia ou abordagem teórica, especificamente, não. Oque há na nossa... inclusive em nossa ficha de avaliação que é enviada para ospareceristas, é um critério que é de análise da clareza, da metodologia e abordagemteórica adotadas, só isso. Então, é uma avaliação, digamos, interna ao próprio artigo... decomo a metodologia é explicitada, se existe clareza, se existe adequação em relação aoque o próprio artigo se propõe a discutir.

(MIGUEL, L. F.) Eu acho que a gente tem bastante diversidade. A gente publica bastantetextos de Teoria, mas a gente também publica muita pesquisa empírica e a gente publicapesquisa empírica com diferentes metodologias... Eu não acho que existapredominância de uma abordagem metodológica em relação a outras nos artigos darevista. Teria que fazer um estudo para verificar se essa minha observação é verdadeira.[...] Eu acho que não tem nenhum tipo de viés em relação a método da revista. [...] agente procura mandar pra pareceristas que podem discordar do conteúdo do artigo, acharque não tá bom, etc…, mas que não tenham uma predisposição contra a moldura teórico-metodológica... justamente pra garantir essa pluralidade.

LuaNova

(ARAÚJO, C.) Eu não acho que tem, ela é plural nesse sentido. Ela publica em geralartigos que ela considera de qualidade, que os seus pareceristas consideram de boaqualidade. Ela também incentiva, ela induz publicações na medida em que diversas vezespublica dossiês... nos últimos anos da revista tem dossiês, por exemplo, dossiê darepresentação política, dossiê sobre o processo constituinte, dossiê sobre a teoriademocrática e assim por diante [...] Mas ela também publica artigos que ela recebeespontaneamente... ela sempre tem que conciliar os dossiês com os artigos avulsos […] odossiê.... concentra, condensa um debate que num momento a comunidadeacadêmica considera muito relevante. Então, acho que dossiê tem essa vantagem depublicar textos que se comunicam uns com os outros por causa da unidade temática.Acho que isso ajuda a adensar o debate. Mais o debate do que qualquer outra coisa.[…] Eu podia dizer: bom... dossiê... restringe porque quando você publica artigos avulsospode ter um monte de coisa diferente, mas, por outro lado, o dossiê incentiva a abrirnovos temas porque as vezes os artigos avulsos são condicionados pelo mainstream

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RSP

(COSTA, P.) A gente sempre teve um tema: política. Mas entrava artigos deAntropologia... de Filosofia, de Economia que tinham [...] essa unidade que era apolítica. Depois, isso foi ficando mais preciso até por causa do público que a genteatraia como autor e como leitor. E agora isso fechou. Não é uma revista de cientistaspolíticos, exclusivamente, mas uma revista que tem cientistas políticos em seu grandepúblico de autores e leitores. Ela era mais aberta e agora a saída que a genteencontrou pra ter uma linha… isso, não só por preocupações nossas, mas tambémpor pressões e dinâmicas externas do meio, essa coisa de ter algo que aparticularizasse... surgiu aí, a questão da pesquisa empírica [...] Por ser pluralistademais a gente era criticado. Agora, a gente focou nessa coisa de pesquisa empírica.Não é desprezo à teoria porque não faltam espaços pra publicar teoria… e a ideianossa não é suprir todas as áreas, porque se a gente faz isso, nos criticam: ah, arevista não tem uma linha. Então, a gente tem que ter uma linha e ao ter uma linha agente exclui coisas e isso pode nos gerar alguns problemas... ela tem que rejeitar algunstrabalhos que poderiam ser bons, mas que não estão atendendo esse critério que agora agente criou em função de uma avaliação nossa do contexto e não porque a gente"resolveu" [...] que a pesquisa empírica é algo fundamental… [...] a revista não tá, comoeu disse no início, querendo publicar um monte de tabelas. Mas, sim, publicaranálises científicas, que sejam baseadas em pesquisas empíricas. A prioridade continuasendo a qualidade da análise científica.

(PERISSINOTTO, R.) Viés teórico metodológico, eu acho que não. Nós publicamosdesde marxismo até...., sei lá, adeptos da teoria da escolha racional. Nós publicamos desdeanálises bourdiesistas dos grupos dirigentes até análises orientadas pelo institucionalismoda escolha racional. O filtro fundamental é trabalho empírico sobre fenômenospolíticos. Então, nesse sentido, o que que a gente rejeita? Qualquer coisa que não estude apolítica e textos sobre a política que são ensaísticos ou excessivamente teóricos oufilosóficos. [a revista] tem buscado ser uma revista empiricamente orientada nessemomento, porque se você pega uns três anos atrás, havia uma predominância muitogrande de textos de Teoria Política, mesmo de Filosofia Política... Teoria Política, euacho até que os caras têm uma pegada mais empírica, mas as vezes, textos de FilosofiaPolítica, mesmo.

OpiniãoPública

(DEL PORTO, F.) A gente não faz dossiês, [...] a gente recebe artigos de demandaespontânea em fluxo continuo...

DADOS (PESSANHA, C.) Eu posso dizer pra você que a produção da CP quantitativaencontrou na Dados um abrigo. Basicamente os professores da UFRGS, uns dois; daUSP, muitos; daqui [do antigoIUPERJ/IESP], uns 4 ou 5 e de Minas Gerais, também, uns3 ou 4. Abrigou mais do que a RBCS... e professores estrangeiros também. É claro quequando eu falo professores, eu falo professores e seguidores - alunos deles... quepublicaram trabalhos aqui também, doutores, etc [...] Jairo Nicolau, Otávio Amorim,Fabiano Santos… daqui [do IESP; Gláucio [Soares], Nelson [do Valle Silva], também.Sociologia quantitativa: Wanderley [Guilherme dos Santos], um pouco. Wanderley[Guilherme dos Santos] tem artigos nas 2 áreas. Tem trabalhos de Wanderley [Guilhermedos Santos], eminentemente teóricos. Carlos Ranulfo e Maria de Fátima Anastásia... [...]Isso tá quantificado na Tese da Danusa [Marques] e tem uma coisa interessante: elapegou a democracia na DADOS e o autor que mais publicava aqui [na Dados] era[Luiz] Werneck Vianna - um sociólogo marxista.

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(BRINGEL, B.) Sempre houve um ecleticismo, eu acho, na Dados. Houve um pluralismoem termos de abordagens teóricas e metodológicas muito forte. [...] Se você analisar apublicação da Dados [...] você verá algumas abordagens mais recorrentes... umamarca mais forte no neoinstitucionalismo, em certas discussões. Mas há umpluralismo, grande, em termos teóricos-metodológicos. Não há um fechamento nessesentido. Inclusive eu acho que há nos últimos anos [...] um aumento desse pluralismo emtermos dos artigos que foram publicados. A revista é cada vez mais plural... o que podeter a ver com a ampliação da própria produção brasileira, que ficou maisdiversificada.

RBCS

(GURZA LAVALLE, A.) A revista não pode ter esse recorte predefinido. É contrárioao espírito da revista. A revista, basicamente, é uma revista que publica textos que tem omérito avaliado e avaliado positivamente por pares especializados em subcampos. [...] umdos desafios da revista é como manter essa diversidade temática, metodológica e teórica eao mesmo tempo, manter um grau de exigência elevado de qualidade, porque quanto maisvariado o espectro de possibilidades teóricas, metodológicas e empíricas, mais variados oscritérios de qualidade. O que a revista obviamente faz, como fazem uma boa parte darevista é depender da qualidade dos pareceres e de pessoas que são altamenteespecializadas nesses assuntos e do trabalho sistemático da comissão editorial deanalisar com cuidado todos os textos pra ver se de fato eles cumprem com a políticaeditorial da revista. Mas é mérito, não tem outro critério.

(ALVAREZ, M. C) Seria preciso fazer um estudo mais detalhado do que tem sidoproduzido nos últimos anos, mas não há temática predominante e sim uma certaexigência de atualização bibliográfica e sólida pesquisa empírica...

BPSR

(ARRETCHE, M.) Ela publica o que é aprovado pelo parecerista e rejeita o que éreprovado pelos pareceristas.

(ONUKI, J.) Não, eu não tenho esse levantamento do que foi aceito ou do que foirejeitado. A gente não tem nenhum critério prévio… [...] independente, se chegam eminglês, se chegam em português, seja teórico, seja... quantitativo, empírico, o que for,a gente na mesma semana encaminha pra 3 pareceristas. [...] Não tem nenhumaseleção prévia, todos vão para pareceristas na mesma semana em que eles são submetidos[...] se o artigo foi aprovado e ele já tá em inglês não vai precisar passar pelo período detradução que é mais demorado. Então, imagino que os autores já estão submetendo eminglês já por isso. Mas assim, não tem nenhuma... a própria revista não define previamenteseus critérios de seleção. Nenhum artigo é pré-selecionado pelos editores. [...] Os autorestodos querem que tramite rápido, querem que publique rápido e num ano em que, porexemplo, a gente tem avaliação da CAPES, dos programas, eu acho que todos os autorescorrem atrás disso, de tentarem publicar dentro do período de avaliação.

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QUESTÃO 10

Uma pesquisa recente realizada pelo professor Jairo Nicolau aponta as áreas temáticas InstituiçõesPolíticas, Comportamento Político, Teoria e História do Pensamento e Eleições como áreas

predominantes na produção da ciência política. Em sua opinião, o que explica essa predominância?Essa predominância é notável na revista?

RBCP

(BIROLI, F.) Eu concordo com a predominância dessas áreas temáticas na Ciência Políticabrasileira e isso se reflete na maior parte dos periódicos que tem tido mais destaque, melhoravaliação na área. Isso está relacionado ao fato de que comportamento político, eleições,que ele menciona, são as temáticas que tem maior centralidade nos cursos de pós-graduação, na CAPES. Então, elas são, também, as temáticas que tem mais produçãoquantitativamente falando e que recebem mais financiamento, dizendo assim de umamaneira bem generalizada tá... porque tem financiamentos específicos para outrastemáticas... A Revista Brasileira de Ciência Política não é uma revista que reflete, espelha,essa hierarquia das temáticas na área. Ela nasce como uma revista que tem uma propostajustamente de pluralização, de contemplar temáticas marginais, contemplar formas deabordagem da democracia que não ganham a centralidade, que, por exemplo, oinstitucionalismo tem... e é por isso, que nossos Dossiês mostram uma amplitude nastemáticas e um peso relativo que não é o mesmo aqui apontado pelo Jairo.

(MIGUEL, L. F.) Eu acho que se a gente tirar a parte de Teoria e História do Pensamento,as outras 4 áreas tão no campo bem estrito das instituições políticas. Eu acho que a gentetem dificuldade na CP de conectar os fenômenos políticos a processos sociais maisamplos... Então, a gente acaba incorporando a visão de que política mesmo é aquiloque acontece lá na praça dos 3 poderes... Eu acho que isso mostra uma redução dofoco da CP brasileira. Eu acho que isso é redutor porque a gente tem processos políticosque escapam desse enquadramento e que são muito importantes. Então, falta discutir osmovimentos sociais, falta discutir a maneira como... a separação entre esfera pública eprivada afeta possibilidades de participação política, falta discutir a relação entrepolítica e o poder econômico, falta discutir uma série de questões. Eu acho que esselevantamento do Jairo com a [Lilian]... que fez o mestrado com ele.... não tenho dúvida queé isso mesmo… a olho nú, a gente acha que é isso. O levantamento corresponde àquiloque já se imaginava, mas mostra uma CP limitada nas suas preocupações em grandemedida porque opera com modelos que são modelos redutores da complexidadeefetiva da política. São modelos que... modelo eleitor-candidato, modelo executivo-legislativo, modelos que se chamam por aí de agente principal - modelos muito limitantes...

LuaNova

(ARAÚJO, C.) Eu acho que ela reflete... tanto a renovação do campo da CP nosúltimos 30 anos, por conta do investimento no estudo das instituições... e coisascorrelatas. Comportamento Político tem uma ligação com isso. Como a própriapermanência... Eu diria que o que permaneceu... do passado da CP foi menos a SociologiaPolítica e mais o estudo da tradição do Pensamento Político... isso aí continua muito forte...na CP. O estudo dos autores clássicos, o estudo da História do Pensamento Brasileiro... émuito forte... a História do Pensamento Político, em geral. Se você vê as pessoas que tempresença forte na Teoria Política brasileira, você vai ver que eles estudaram autores ouperíodos históricos do Pensamento Político nesse período. Era uma coisa que se fazia antese se continuou fazendo... fazia antes dessa virada da CP para o Institucionalismo. Então,isso é resultado, digamos assim, de rupturas e permanências.

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RSP

(COSTA, P.) [...] análise de instituições políticas... o que você ta chamando de instituiçõespolíticas? Só partidos? Ou não? Uma entidade de representação empresarial poderia serconsiderada como instituição política? Enfim, depende muito de como cê ta definindo. [...]É legal esses trabalhos porque eles nos fazem revisar, rever os critérios para a própriaclassificação. Mas, dá pra imaginar que é mais ou menos por aí. A coisa da Teoria eHistória do Pensamento, eu fiquei um pouco surpreso [...]. Eleições, instituições políticas ecomportamento político são mais ou menos de se imaginar que isso ocorra. [...] comotemática, talvez, até realmente não fuja muito disso [...] Mas eu acho que a pesquisatambém tem que ser vista a partir de que viés esses temas estão sendo trabalhados. É claroque isso é uma outra pesquisa que exige um outro tipo de esforço. [...] Na Revista deSociologia e Política, eu não tenho essa quantificação, mas não me surpreenderia se acoisa ficasse mais ou menos por aí mesmo, ou seja, algo em torno de Teoria eInstituições, principalmente. Por exemplo, a gente publicou muita coisa em RI, mas osartigos de RI podem ser tanto sobre instituições como sobre teoria. Então, um temaespecifico pode estar em dois dessas grandes áreas temáticas, mas reforça as duas, né...Então, eu acho que na Revista de Sociologia Política ela predomina, mas, reforçando essaideia de que são grandes temas. Certamente, dentro desses temas uma série de outros foramcontemplados e se ocorre isso, reforça a ideia de que a revista é... eu apostaria nisso, quetem essa pluralidade também. Isso se deveu à natureza um pouco mais pluralista da revista.A gente não procurou um referencial teórico... [a gente não falou] vamos apoiar essereferencial teórico, vamos reforçar esse referencial teórico. Nem agora. Quando a gente falaem pesquisa empírica, a gente não está falando nesse ou naquele referencial teórico. Sealgum referencial teórico acha que a pesquisa empírica não faz sentido... bom, aí, isso éuma questão do referencial teórico e não da pesquisa. Mas é difícil que isso aconteça.

(PERISSINOTTO, R.) A predominância de Instituições Políticas, Comportamento Políticoe eu incluiria, aí, um outro tema que foi apresentado pelo prof. André Marenco, no últimoFórum da ABCP, a área de Políticas Públicas... o predomínio dessas 3 áreas tem a vercom esse processo de autonomização, de institucionalização da CP no Brasil, eu acho.No caso da RSP, se você me perguntar o que é que predomina hoje, eu diria - não tenho osdados na cabeça - Instituições Políticas e Comportamento Político e eu colocaria tambémPolíticas Públicas. A gente tem publicado bastante coisa sobre Políticas Públicas. Se vocême perguntasse isso há 2 anos atrás, eu diria Teoria Política.

OpiniãoPública

(DEL PORTO, F.) […] História do Pensamento, não. Mas Instituições, Comportamento eEleições são as temáticas, predo[minantes]... são as maiores demandas de artigos, asmaiores submissões de artigos, na verdade, na Opinião Pública, ultimamente […].

DADOS

(PESSANHA, C.) [...] as duas primeiras, mais eleições, são típicas da políticademocrática… não é verdade? [...] desde o regime autoritário você tem Gláucio Soares,tem Olavo Brasil que estudam partidos e eleições... [...] Teoria e História do Pensamentoé uma tradição no Brasil. Aqui na Dados você tem o Wanderley Guilherme dos Santos,Teoria Política, História do Pensamento Político. Você tem em Minas [Gerais], o FábioWanderley. [...] Instituições [Políticas] é muito amplo... três ou quatro grupos de partidospolíticos e eleições, sistemas eleitorais... depois, você tem Estudos sobre o Judiciário quehoje em dia são grande demais, violência: estuda instituições de polícia, segurança, etc. [...]

(BRINGEL, B.) Esta questão não foi contemplada nas respostas oferecidas

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RBCS

(LAVALLE, A.) No caso de Eleições, Instituições e Comportamento... são tipicamenteo núcleo tradicional da CP. A CP é uma disciplina que [...] talvez tenha o escopo temáticomais restritivo de todas as outras disciplinas. [...] Isso porque a CP adotou como objetoprivilegiado de estudo as instituições do Estado e as instituições da organização política doEstado e não é casual que a CP basicamente tenha como uma das suas principais áreas,Instituições Políticas, comportamento eleitoral e voto […] você poderia acrescer a isso,talvez, políticas públicas que é uma área extremamente importante, também, mas continuaa olhar para o funcionamento do Estado. Então, essas são as 3 áreas que, enfim, são umaespécie de desembocadura natural do foco privilegiado que a CP sempre teve sobre oEstado e sobre a política vinculada a disputa eleitoral pelo governo, seu compromissocom a democracia, etc [...] Não quer dizer que toda CP faça isso, privilegie essesobjetos. Mas significa que essa é uma espécie de opção natural, majoritária do foco da CP.É isso que se ensina e é nessas áreas que se concentram a maior parte da produção.[...] eu concordaria completamente com o Jairo Nicolau que essas são as principais áreas daCP e me parece que é natural... quer dizer, é explicável que sejam. As outras áreas temmenos atenção, por motivos históricos e de evolução da disciplina elas não ocupamposições centrais no campo.

(ALVAREZ, M. C) Acredito que são as áreas que a própria comunidade atua e mostra aespecialização da C. Política.

BPSR

(ARRETCHE, M.) Eu acho que o Jairo [Nicolau] tem razão quando ele diz que tem áreaspredominantes... campos de pesquisas que são predominantes. É mais de um. Eu acho queo que explica a predominância é basicamente o que a gente chamaria de rendimentoscrescentes. […] São feitos investimentos, um determinado campo se desenvolve mais, essecampo acaba atraindo mais gente... porque os custos de entrada num determinado camposão menores. Então, naquela área onde tem mais pesquisa tende atrair mais pesquisadores eproduzir mais pesquisas porque ela tá mais organizada, porque dá mais prestigio atuarnaquela área, porque você já tem hipóteses sendo tratadas. Então, as pessoas querem seincorporar a um debate que já tá organizado. Enquanto que em outras áreas, os custosde entradas são muito altos. Então, por exemplo: a área de estudo legislativo e dos estudoseleitorais se desenvolveu muito no Brasil nos anos recentes. Então, pra entrar nesse debateos novos pesquisadores tendem a se sentir motivados a participar desse debate. Tem umaoutra área que era muito forte na CP nos anos 70 - estudos sobre o Estado - e quepraticamente... é muito fraca hoje. Tem muito pouca gente trabalhando e pra vocêfazer alguma coisa de relevante [nesta area] o trabalho é enorme.

(ONUKI, J.) Eu acho que esses são temas que predominam na CP [...] talvez foram asáreas que mais se investiu nos últimos anos. Quer dizer: eu acho que com o retorno dademocracia, teve uma leva de trabalhos inicialmente... final dos anos 80, 90 que investirammuito em estudar o processo de transição democrática e a consolidação das instituiçõesdemocráticas. Então, comportamento eleitoral, instituições políticas e eleições são temasnaturalmente da discussão do regime democrático. Eu acho que teve muito investimentodos pesquisadores, o que é bom, e isso se reflete claramente nas publicações. Eu acho que[...] tá correto esse levantamento que ele fez, por isso. Eu acho […] que a gente tem muitomais pesquisadores trabalhando com esses temas, até por conta da conjuntura deretorno à democracia. Agora, o que eu vejo na BPSR... como ela é mais nova do que aDados, muito mais nova que a RBCS, acho que ela reflete temáticas mais amplas. Eu nãodiria que esses são temas predominantes. Eles existem, mas eu não diria que há umaconcentração de trabalhos publicados sobre esses temas. Eu acho que a gente tem umadiversidade maior.

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QUESTÃO 11

Existe, atualmente, em sua opinião, uma agenda de pesquisa norteadora da CP brasileira que serevela na publicação da revista? Ou ocorre o contrário, é o perfil de revistas que direciona as

escolhas de temas e objetos a serem pesquisados?

RBCP

(BIROLI, F.) Esta questão não foi perguntada devido a indisponibilidade de tempo porparte da editora para a conclusão da entrevista.

(MIGUEL, L. F.) Eu acho que tem dos dois lados. Eu acho que vai e vem. Eu acho quehoje nós temos uma agenda mais diversificada, mesmo que seja ainda limitada nas suaslinhas gerais. […] Se a gente pensar, e isso é natural, no período final da ditadura ecomeço da redemocratização a gente tem a transição democrática como sendo ogrande tema que mobiliza praticamente toda a ciência política. Com a democracia jámais estabelecida... mais consolidada, talvez, a gente tem uma diversificação um poucomaior... e as revistas refletem essa diversificação mas, também ajudam a indicar algumasprioridades através de seus mecanismos como a escolha de temas, dossiês, númerosespeciais... são maneiras de chamar a atenção para algumas temáticas que talvez estejammenos visíveis. Mas eu acho que tem de um lado e do outro, a influencia.

LuaNova

(ARAÚJO, C.) Esta questão não pode ser transcrita por problemas técnicos na gravação daentrevista.

RSP

(COSTA, P.) [...] os autores, antes de estarem em condições de propor alguma coisa praseja qual for a revista, eles estão vinculados a um processo de pesquisa [...] É quando vocêtem o produto na mão - que pode ser de uma natureza mais teórica, mais empírica, pode sersobre um aspecto mais especifico da dissertação - que você fala: bom, pra onde eu atiro? Aísim, que a escolha desta ou daquela revista vai dirigir pra onde você atira. O que vocêpreparou, a sua munição, é no âmbito da pós-graduação. [...] É claro que se uma revistanum determinado momento valoriza mais estudos sobre eleição, aquilo vai implicar em umnúmero maior de trabalhos sobre eleição e a revista Estudos Eleitorais, por exemplo vai teruma oferta maior de artigos. Mas, se alguém faz uma pesquisa sobre eleições, podepublicar numa revista de Estudos Feministas, se ele estudou em relação ao comportamentodas mulheres, ou as mulheres no partido. Ou seja, pra onde depois se atira essa munição éuma outra coisa que eu acredito que é anterior às revistas. As revistas, eu acredito, nãocriam, elas mais refletem a dinâmica da correlação acadêmica e política nas áreas dasciências sociais, que por sua vez vai impactar no financiamento, nas caras dosprogramas e também, é claro, vai criar um contexto mais favorável pra as revistascom seus respectivos perfis e linhas editoriais.

(PERISSINOTTO, R.) Eu acho que definitivamente na RSP não tem uma agenda depesquisa norteadora. Tem grandes parâmetros que nos permitem excluir de saídadeterminados tipos de submissão, aquilo que eu te falei: textos ensaísticos, etc. Eu achoque existe uma agenda norteadora de pesquisa na CP. Eu não diria norteadora no sentido deque há uma agenda que leva todos os cientistas políticos a pesquisarem aquilo, mas euacho que existe uma agenda hegemônica, na CP brasileira, que é a agenda dagovernabilidade. Quais são as condições de... estabilidade do sistema político brasileiro?Como é que a democracia brasileira tem funcionado? Daí a preocupação com a relaçãoentre executivo e legislativo, sistema partidário, daí o domínio quase que absoluto dareforma política como tema de interesse acadêmico e extra acadêmico.

OpiniãoPública

(DEL PORTO, F.) Eu posso te responder pela Opinião Pública, pela visão da OpiniãoPública. Eu acho que existe uma agenda, sim, de entender comportamento eleitoral.[...] entender o papel de políticas públicas... que papel as políticas públicas exercem nocomportamento eleitoral das pessoas, o impacto das políticas...

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DADOS

(PESSANHA, C.) [...] a violência foi um tema que se impôs à academia... A academia nãose antecipou aos estudos da violência, ela acompanhou o movimento da sociedade. Achoque os estudos sobre o judiciário são característicos dos últimos 25 anos... [...] essas coisasvão se impondo. [...] Uma agenda de pesquisa específica da CP brasileira acredito quenão exista.

(BRINGEL, B.) […] eu acho que não dá para apontar de onde surge. Eu acho que é umaquestão de retroalimentação […]. Ela não é unilateral, […] ela é relacional. [...] Eu achoque no que se refere à agenda mais temática - já não em termos de campos específicos,mas de grandes temas - a Dados sempre teve uma grande preocupação que é pensar oBrasil […], por exemplo. Há uma questão chave que é pensar a democracia no Brasil. Esseé um eixo condutor. Mas não só, simplesmente, a construção das instituições democráticas.Também, as várias questões associadas ao sistema de partido, ao sistema político, a algunsatores sociopolíticos específicos; por exemplo, as elites políticas... Então, a democracia noBrasil, eu diria que tem sido a grande questão da Dados em termos históricos. Essetalvez seja o elemento transversal da produção da revista e a distingue nesse sentido,eu acho, de outros periódicos, que embora tratem essa temática não o fazem demaneira tão substantiva […].

RBCS

(GURZA LAVALLE, A.) Não, a RBCS não tem capacidade de direcionar porque elase quer promove Dossiês. Uma forma de você fazer política editorial e incidir no campo écolocar em pauta certos temas e produzir uma reflexão sistemática sobre eles. Pelanatureza das suas características... do seu perfil editorial, a RBCS aceita aquilo que ésubmetido e funciona com essa submissão espontânea. Ela não organiza Dossiês o quesignifica que não tem forte capacidade de incidência nas orientações de pesquisa e dereflexão do campo na CP, na Antropologia ou na Sociologia. Pode ser que eventualmentealgum artigo importante seja colocado na revista por que seja considerado de extraordináriaimportância para uma área. Mas isso é muito diferente do que pode ser feito... [...] eu já fuieditor da Lua Nova e na Lua Nova existe uma política de promover dossiês e esses dossiêstinha um efeito importante sobre o campo. Então, não há esse tipo de incidência da revistasobre o campo. Inversamente, pode ser. Mas, inversamente, tem a ver com a formacomo o campo se organiza. O campo tem essas grandes áreas que você mencionou. Estasgrandes áreas, elas, estão divididas em subproblemas, subteorias e elas vão disputando asformas corretas de se interpretar e construir esses problemas. É a acumulação dessasdisputas que vai produzindo agendas. A RBCS ela é depositaria dessas agendas que seconstrói no campo, mas ela não orienta essas agendas. Há diversas agendas, agendasmais poderosas e menos poderosas. Poderosas, entendo agendas com capacidade de fazergravitar um número maior de autores ao redor delas e agendas que tem capacidade degravitação limitada. Sao dessas agendas construídas nos campos que a RevistaBrasileira [de Ciencias Sociais] recebe a submissão espontânea de artigos. Ela não temefeito de orientação. Eventualmente, esse efeito de orientação pode ser feito através doCongresso da ANPOCS. O Congresso da ANPOCS, eventualmente, pode pautar temas masé muito organizado em função da evolução dos grupos. [...] A cara da RBCS é em boamedida a cara da evolução dos campos e dos subcampos.

(ALVAREZ, M. C) Acho que agenda da C. Política está em parte retratada na RBCS. [...]acho que a RBCS define menos a agenda, em termos de tema, do que um certo estilo deabordagem. [...] acho que existem algumas abordagens que dominam, mas seriapreciso fazer uma comparação com os textos recusados. Parece-me, por exemplo, queabordagens históricas têm menos espaço na C. Política. [...] acho que tais trabalhos têmmaior possibilidade de serem rejeitados pelos pareceristas. [...] 10 anos atrás a rejeiçãoseria menor, imagino.

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BPSR

(ARRETCHE, M.) Eu acho que não tem uma agenda de pesquisa norteadora da CPbrasileira.

(ONUKI, J.) Não sei se tem uma agenda de pesquisa, eu acho que tem várias agendas depesquisa. Acho que elas são mais informadas pelos programas de pós-graduação do quepropriamente pelas publicações. O fato dos programas de pós-graduação definirem suaslinhas de pesquisa, eu acho que isso dá um norte pras agendas de pesquisa, porque osprofessores vão começar a fazer projetos de pesquisa em torno dessas agendas, vão,daí, publicar, orientar os alunos.

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QUESTÃO 16

A metodologia empregada nos artigos é um fator decisivo na seleção dos artigos para publicação narevista?

RBCP

(BIROLI, F.) Esta questão não foi perguntada devido a indisponibilidade de tempo porparte da editora para a conclusão da entrevista.

(MIGUEL, L. F.) Esta questão não foi perguntada devido a indisponibilidade de tempopor parte do editor para a conclusão da entrevista.

LuaNova

(ARAÚJO, C.) Não interfere no momento de seleção – o que se leva em conta é se oartigo é bom ou não. Não importa o tipo de metodologia. E a outra questão, não édecisiva.

RSP

(COSTA, P.) Sim, isso antes mesmo da gente decidir que a gente ia priorizar artigos compesquisa empírica. Até mesmo ensaio bibliográfico implica uma certa metodologia.. [...]Se o cara apresenta como ensaio bibliográfico para a gente um apanhado do que foipublicado sobre determinado assunto, isso pra gente não é um ensaio bibliográfico.Ele tem que ter uma problematização dessa literatura que foi produzida e isso envolveuma questão metodológica, não no sentido da técnica, mas no sentido de qual que é aquestão que orienta a leitura da bibliografia. Num artigo de pesquisa empírica, então,se o cara não fundamentar bem, não apresentar bem as bases metodológicas, aí ocara... tá fora do esquema [...] se você ver o nosso tutorial de resumo, para a construçãodo resumo, oh: qual foi a metodologia que cê usou? [...] Oh, foram entrevistados tantoscaras, de forma assim, assim, assim, do período tal ao período tal. Se isso não ficar claro,como que o cara vai dizer assim: oh, entrevistamos tantos parlamentares... ou então,sair dizendo: os parlamentares brasileiros são assim. Opa, pera aí, de onde isso veio? Ahh,veio daqui. Como que se produziu isso? Não significa abrir uma parte do texto paraficar detalhando metodologia, mas, que tem que ficar claro de onde os carastrouxeram... tem, né. Então, veja que essa linha da pesquisa empírica, que a gente faz,ela é muito complexa, ela não é uma coisa assim... como eu disse, ahh, tem que ter tabela,se não tiver tabela e número não é artigo científico, não é isso.

(PERISSINOTTO, R.) Sim, para a 2ª questão e não, para a 1ª. Isto é, você não precisater um tipo especifico de metodologia empregada, resguardado aqueles parâmetros... oseu artigo não pode ser ensaístico. A metodologia precisa estar explicita no resumo doartigo? Isso aumenta substancialmente a chance do artigo ser publicado.

OpiniãoPública

(DEL PORTO, F.) Sim... a gente tem que ter uma pergunta, o método e apresentar osdados, pra poder até.... é o modo de socializar pra que essa pesquisa possa ser replicada,possa ser…. não só ser replicada mas que outras pessoas possam utilizar daquelametodologia, trazer outras realidades parecidas, digamos, outros casos semelhantes...possam avançar na discussão que aquele artigo tá propondo.

DADOS (PESSANHA, C.) […] o artigo pode não ter uma metodologia especificada, mas tem queter uma metodologia [...] O cara quando começa a trabalhar, principalmente num bomartigo, enuncia o tema do artigo e depois diz como vai tratar o artigo. Divide o artigo em2, 3 ou 4 partes [...] e depois presta conta no final.. Então, um bom artigo acadêmicoanuncia os propósitos, anuncia a metodologia que vai ser empregada e enuncia asprincipais conclusões... [...] Se o artigo não tá profissionalizado, não tá bem escrito,não tá bem apresentado... ou se é muito grande ou se é muito pequeno já saí ali . Aanálise mais detalhada será feita pelos 2 avaliadores ou 3 que nós vamos escolher... […]cabe ao editor resolver os assuntos fáceis e socializar os assuntos complicados. Pra isso, oConselho de Redação.

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(BRINGEL, B.) Esta questão não foi contemplada nas respostas oferecidas

RBCS

(LAVALLE, A.) Optar por uma metodologia especifica não tem qualquer peso naavaliação de mérito porque o que se avalia no mérito é a adequação entre a metodologia eos propósitos almejados pelo autor... Então, não é a metodologia em si, mas é a relaçãoentre a metodologia e a questão empírica ou analítica perseguida pelo texto. [...] Não épreciso optar por uma metodologia especifica, mas é preciso declarar quais são asopções pelas quais se produz determinado tipo de evidencia, opções através dasquais se produz determinada interpretação e é preciso explicitar isso da forma maisclara e formalizada possível, de modo que o autor não seja o filtro do mundo, porquese o autor é o filtro do mundo, o único que é capaz de produzir essa leitura domundo é ele […].

(ALVAREZ, M. C) Sem dúvida, uma discussão metodológica bem feita e aplicada é algoimportante na avaliação. [...] chegam muitos artigos sem qualidade, mas também porquepessoas de outras áreas enviam […].

BPSR

(ARRETCHE, M.) A 1ª pergunta é não. Qualquer tipo de metodologia bem feita é aceitapela BPSR. A 2ª pergunta é... sim, é preciso explicitar a metodologia pra publicar umartigo.

(ONUKI, J.) Então, eu acho que as vezes não necessariamente precisa ter uma parte doartigo em que esteja explicitada como foi o procedimento metodológico […]. Mas umacoisa que eu acho que é muito importante pra gente - mesmo sendo qualitativo,quantitativo - quando o autor trabalha com dados, […] [é dizer] quais foram asfontes de pesquisa, qual que é a base de dados… a gente disponibiliza tudo no site darevista [...] as fontes todas que ele usou. Então, qualquer leitor que quiser acessar, usaros dados e replicar os dados vai ter essa possibilidade na nossa revista.

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QUESTÃO 22

Qual o papel da revista na formação do campo da CP?

RBCP

(BIROLI, F.) É um papel fundamental porque é o espaço em que a produção qualificadapela avaliação dos pares é exposta, é colocada em circulação e só essa circulação permitedebates que façam a área avançar. É muito importante que a gente tenha periódicosbrasileiros publicando produção brasileira para que a gente possa enriquecer o nossocampo e permitir avanços a partir do debate sobre o que aqui se produz semqualquer tipo de fechamento ou recusa de dialogar com a produção internacional, umfórum que permita que nós façamos um debate crítico sobre o que nós produzimos paraque existam avanços na nossa produção.

(MIGUEL, L. F.) Esta questão não foi perguntada devido a indisponibilidade de tempopor parte do editor para a conclusão da entrevista.

LuaNova

(ARAÚJO, C.) Eu acho que as revistas, um pouco, ajudam a definir os limites e ocampo de possibilidades da área. […] quase que elas definem o que é importante e oque não é importante e é claro que elas tem um papel na formação - especialmente napós-graduação, onde os alunos, os pesquisadores estão produzindo suas dissertações, suasteses e fazem isso acompanhado o que é produzido nas revistas e também pensando empublicar seus trabalhos nelas. Então, as revistas são quase bússolas pra cada nova levade pesquisadores que são formados na pós-graduação.

RSP

(COSTA, P.) Eu acho fundamental. O quanto é fundamental podemos discutir, masnão há dúvida de que ela é muito importante, para o bem e para o mal. [...] Eu achoque as revistas tinham que mergulhar mais profundamente na graduação. Elas tinham quefazer parte da graduação, não ser uma coisa de pós-graduando. Pode ser que eu estejaenganado e o acesso às revistas esteja bastante difundido tamb[em na graduação [...] Issoexige, também, daí, a inevitabilidade da especialização [...] exige que as pessoas tenhamcontato com autores fundamentais e ao mesmo tempo sejam capazes de ler e entender eapreender os resultados de uma revista que acabou de ser publicada. Inclusive, até emtermos de análise de conjuntura, não só de formação acadêmica. Em termos de análise deconjuntura, acho que as revistas científicas são, muitas vezes, muito maisinteressantes [...] muito mais produtivas [...] do que ler os jornais todos os dias. Osjornais têm um viés, tem uma abordagem. […].

(PERISSINOTTO, R.) Eu acho que não há uma relação unilateral. Acho que as revistassofreram um impacto do campo e o nosso caso é muito evidente nesse sentido. Mas, aomesmo tempo, elas conseguem alimentar... Por exemplo, a RSP, eu acho, na medida emque ela se estreitou no sentido temático, mas, não ao ponto de se transformar numarevista de um tema só, ela permite a continuidade de um campo da CPrazoavelmente heterogêneo... Se todas as revistas só publicassem o institucionalismo daescolha racional, isso forçaria, enfim, as pessoas a serem só institucionalista de escolharacional. Ou, a não publicar.

OpiniãoPública

(DEL PORTO, F.) Eu creio que a revista, a publicação nessa... área ou em qualqueroutra... anda junto com a trajetória, com a formação, com a constituição da CP... daprodução e da publicação. Essa dinâmica de divulgação de resultados, de abrir odebate para determinadas temáticas é constitutiva do campo da CP ou de qualqueroutra área científica. Acho que andam juntos... tem um papel... constitutivo econstituído ao mesmo tempo. [...] Eu acho que esse debate, essa discussão entre autorese até entre as revistas - porque não sai tudo aqui - as vezes até comentando [os textos japublicados] [...] contribui para a formação, reformação e reestruturação do campo.

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DADOS

(PESSANHA, C.) A revista científica tem uma função canônica... A revista científicaatravés da seleção e certificação dos artigos vai dizer o que é certo e o que é erradona ciência... [...] Antes, quem dizia o que era certo e o que erra errado era a sagradacongregação da doutrina e da fé - a inquisição. A partir do século 17, o royal Society crioua Transaction, na Inglaterra... [...] Quem vai dizer o que é canônico são os próprioscientistas. Os cientistas dizem através do comitê editorial da revista. Não é a revistaem si, mas as pessoas que julgam os trabalhos da revista. Então, uma revistacientífica acompanha o desenvolvimento de uma comunidade, interage com ela eajuda no seu desenvolvimento. [...] No meu caso, eu sempre quis me colocar acima dedivergências metodológicas e teóricas. As Ciências Sociais contemplam vários modos dese trabalhar e várias teorias. Então, eu sempre fui um democrata que admite isso. Eviteique se patrulhasse por ser isso ou aquilo. Agora, a gente sabe na prática que existe isso:‘ah, a gente não vai publicar, isso, não’ […].

(BRINGEL, B.) [...] eu acho que as revistas no Brasil carecem de algo que é comum, porexemplo, nas revistas do mundo anglo-saxão, que são seções dentro das próprias revistasdedicadas a polêmicas intelectuais [...] Isso é muito difícil no Brasil, primeiro porquemuitas das questões dos debates intelectuais são lidos às vezes como critica pessoal. E issoé uma questão problemática. [...] acho que existe pouca abertura institucional a essapolêmica intelectual e isso pode ser um papel das revistas científicas.

RBCS

(GURZA LAVALLE, A.) Olha, tem um duplo papel: um, é veicular informação, veicularprodução de ponta e permitir ou ajudar que essa produção de ponta seja uma produção deponta de altíssima qualidade do ponto de vista da transmissão dos resultados e [...] doponto de vista dos pressupostos necessários para a publicação de artigos. Então, essa éuma parte. Veiculação e demanda de qualidade. Isso é importante. Essa é uma funçãoque tem a ver, digamos, com divulgação e com a qualificação... ajudar a qualificar e amelhorar aquilo que se divulga. As revistas não são responsáveis em si pela produçãodo conteúdo, mas as revistas - via processos de pareceristas, de parecer cego, etc. -ajudam a sofisticar muito a qualidade do que se publica, ajudam a nivelar aqualidade do que se pública. Então... veicular e homogeneizar a qualidade daquilo que éveiculado é uma função fundamental das revistas, de todas, não apenas da RevistaBrasileira [de Ciências Sociais]. [...] A outra função das revistas é ajudar a construirdeterminadas agendas, a dar visibilidade a determinados problemas e ajudar aorientar o campo em determinadas direções. Há certas revistas que fazem isso porquetem um perfil editorial que permite fazer isso. Tem um perfil editorial comprometido comcertos temas, com certas abordagens, com certas perspectivas teóricas ou tem amplaliberdade pra organizar dossiês temáticos que ajudam a iluminar problemas que não estãosendo considerados, de modo que a partir de um dossiê se espera deflagrar umadeterminada recepção de certo problema, de certo tema. Nenhuma dessas possibilidades...que fazem parte, digamos, da missão mais nobre das revistas acadêmicas, dos periódicosacadêmicos está a disposição da RBCS porque pelas suas características não tem comoincidir no campo... ela não tem como privilegiar certas teorias, não tem... O máximo quepode fazer nessa segunda direção é encomendar balanços bibliográficos sobre temas queconsidere de extradicionaria relevância num determinado momento. Mas há uma diferençade capacidade algo brutal entre você encomendar um bom balanço bibliográfico e vocêdedicar uma revista completa pra discutir um tema… Essa segunda opção, a RBCS nãopode fazer, basicamente, porque ela tem que estar aberta a produção regular de todas asáreas.

(ALVAREZ, M. C) São fundamentais, por tudo que já conversamos antes.

BPSR (ARRETCHE, M.) Esta questão não foi perguntada

(ONUKI, J.) Esta questão não foi perguntada

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QUESTÃO 23

Qual a importância do Scielo para a revista?

RBCP

(BIROLI, F.) Esta questão não foi perguntada devido a indisponibilidade de tempopor parte da editora para conclusão da entrevista.

(MIGUEL, L. F.) Esta questão não foi perguntada devido a indisponibilidade detempo por parte do editor para conclusão da entrevista.

LuaNova

(ARAÚJO, C.) […] quando a revista Lua Nova entrou na Scielo foi um salto dequalidade muito grande. É claro que isso impactou... na tiragem impressa da revista,no número de assinaturas [...] todas as revistas que entraram na Scielo foramafetadas... porque a Scielo é mais fácil de ser acessada, não tem custo... […] [...] aScielo proporcionou [...] um aumento exponencial na visibilidade da revistaporque muito mais gente acessa a Scielo do que se fosse a revista depender davenda em livraria ou da edição impressa. No saldo geral, positivo. A Scielo é umaferramenta que eu diria, hoje, imprescindível, no mundo acadêmico brasileiro.

RSP

(COSTA, P.) A Scielo foi uma iniciativa muito legal. Primeiro, pelo princípio - aideia de difundir o conhecimento […]. [a RSP] tá com uns 8 anos só com a versãoeletrônica. Segundo, a Scielo já nasce nessa nova tecnologia. [...] ela , não foi só umamontoado, ela sempre procurou se pautar pela qualidade, ela passou a ser um critériode qualidade. Por isso, que pra gente, particularmente, foi muito bom ter sidoaceito pela Scielo. Pra gente, foi um reconhecimento de que a gente tá fazendo umtrabalho bom e não é só um lugar que a gente pendura a revista […] isso aí nãovai acabar nunca, vamos continuar na Scielo. A gente não só está sendo visto, comoestamos num lugar de excelência. [...]

(PERISSINOTTO, R.) Esta questão não foi perguntada porque foi adicionada aoroteiro de entrevista posteriormente.

OpiniãoPública

(DEL PORTO, F.) Em 2003 a revista foi inserida no Scielo... A partir de 2000 arevista inaugurou uma nova fase... com a periodicidade semestral consolidada,atendendo aos critérios de inserção no Scielo. [...] a gente ainda gostaria de ter arevista no papel... mas... acho que o Scielo é um espaço, um canal, digamos assim,de visibilidade que hoje [...] se consolidou como um canal de referênciaacadêmica... [...] a gente sabe do rigor que o Scielo tem pra admitir uma coleção emanter uma coleção no seu portal.

DADOS

(PESSANHA, C.) Esta questão não foi perguntada porque foi adicionada ao roteiro deentrevista posteriormente.

(BRINGEL, B.) Esta questão não foi perguntada porque foi adicionada ao roteiro deentrevista posteriormente.

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RBCS

(LAVALLE, A.) [...] As revistas no Brasil tem passado por um processoextraordinário de expansão e amadurecimento e esse processo [...] deriva de 2ou 3 fatores. Um primeiro fator é o Scielo. O Scielo dá visibilidade a 70% daprodução acadêmica relevante do Brasil online com acesso livre. Isso significaque qualquer pessoa no mundo pode acessar esses textos [...]. Então, o Scieloresolveu o problema de circulação das revistas que era um problemaendêmico porque as revistas acadêmicas não tinham dinheiro pra circular,era difícil... as pessoas estavam condenadas a consultar as revistas nasbibliotecas. O Scielo tem um peso extraordinário não só na modernização, navisibilização da produção mas em empurrar a comunidade acadêmica brasileiradas CS a publicar em periódicos... porque, se você publicar em livro, avisibilidade do seu trabalho é menor. Então, a publicação em periódicos émais rápida e é acessível universalmente. Isso mudou os hábitos depublicação. E isso é um fator importante. Como o Scielo ganhou esse status, opróprio Scielo ganhou condições de forçar as revistas a se adequar a certospadrões editoriais e ao fazer isso, as revistas tiveram que passar por umprocesso de modernização. Então, revistas anuais e coisas pelo estilo assim...perderam espaço. Enfim, o Scielo produziu uma certa homogeneização. Esseé um fator importante que não há como exagerar. O Scielo e a lista Qualis sãoprovavelmente responsáveis pela maior parte da causalidade que poderiaexplicar essa transformação do mercado editorial acadêmico no Brasil. Osegundo fator é a CAPES e a lista Qualis. A lista Qualis foi capaz deintroduzir critério de qualidade em relação às revistas. Ao fazer isso, forçou asrevistas a atentarem para a qualidade daquilo que estão publicando [...] passoua orientar a submissão de artigos - as preferências de submissão de artigosdaqueles que escrevem, daqueles que submetem. [...] até aí, digamos, nãohaveria como discordar do efeito modernizador ou profissionalizante dacombinação Qualis e Scielo na produção acadêmica no Brasil. Há algunsporéns: me parece que o Qualis foi muito útil no começo porque ajudou adeflagrar essa dinâmica. Mas, provavelmente, ao longo do tempo passou aintroduzir algumas distorções que seria preciso revisar e pensar com calma.Também no caso do Scielo. O Scielo também provoca distorções pelo seupoder sobre a comunidade de editores de periódicos acadêmicos que talveztambém seria preciso pensar com calma... e essas distorções precisam serexaminadas. Se possível, corrigidas - o que não significa desconsiderar todosos benefícios do que ocorreu até agora, mas significa que, talvez, algunsdesses benefícios estejam começando a ser contrabalançados com algunsefeitos que não são desejáveis. [...] Então, provavelmente, nos próximos anosa gente se verá às voltas tentando imaginar saídas pras distorções produzidaspela lista Qualis, como se verá reagindo defensivamente a alguns dos critériosmais agressivos que o Scielo está adotando no que diz respeito aos critérios depermanência dos periódicos na coleção de periódicos da Scielo […].

RBCS(ALVAREZ, M. C) O Scielo é de fundamental importância para dar acesso evisibilidade aos textos

BPSR(ARRETCHE, M.) Visibilidade

(ONUKI, J.) A Scielo é uma base de dados importante. É uma base que nos dávisibilidade internacional.

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APÊNDICE B – RESPOSTAS OFERECIDAS AO QUESTIONÁRIO PELOSINTEGRANTES DA COMUNIDADE ACADÊMICA

QUESTÃO 1

O que pode ser destacado na trajetória teórico-metodológica da Ciência Política brasileira?Esta disciplina possui, atualmente, uma agenda de pesquisa que a norteia, predominantemente?

UFRJ

(NICOLAU, Jairo) A Ciência Política brasileira cresceu muito na última década.Pelas minhas contas, formamos entre 70 e 100 doutores na área por ano. Hojeobservamos uma variedade de temas e tratamento metodológico por parte desta grandecomunidade. Mas a produção cresceu sobretudo na área de instituições ecomportamento político. Destaco também uma maior preocupação com métodos.Houve um crescimento do uso de estatística e observamos mais teses atrigandométodos quantitativos. Infelizmente não vejo a mesma preocupação metodológica porparte dos pesquisadores qualitativos. A revolução dos métodos quali que observamosnos últimos anos nos Estados Unidos ainda não desembarcou por aqui.

IESPUERJ

(FERES JUNIOR, João) Como introdução às minhas respostas, devo dizer queacredito que o pragmatismo é a melhor teoria para explicar as dinâmicas das ciências,inclusive das sociais. O bom pragmatismo é antifundacionalista, é fortemente anti-idealista, ou seja, ele não trabalha com modelos ideais de ciência, que funcionariamcomo régua para a medição das práticas reais. Em outras palavras, acho que a únicaresposta para a pergunta "o que é CP?" é "tudo aquilo que funciona como CP?",isto é, tudo aquilo que é aceito pelos cientistas políticos, pelas instituições e pelasociedade em geral como CP. De cara, então, podemos constatar que váriasmodalidades acadêmicas de investigação da política são hoje aceitas como CP: umasmais históricas, outras mais sociológicas, outras mais politológicas, para usar um termocaro a Fernando Leite e Adriano Codato. Assim, já respondendo sua pergunta, sim,acho que há uma agenda de pesquisa dominante, a democracia, mas para alémdisso, há uma grande diversidade de subtópicos, métodos e questões relacionados àdemocracia estudados pelos CPs.

IESPUERJ

(SANTOS, Fabiano) Expansão quantitativa, pluralização de perspectivas e de temas.Aumento das redes internacionais e nacionais de pesquisa e divulgação. Aumento nãotão significativo da qualidade metodológica e teórica, embora esta seja questão maisdelicada e subjetiva. Não há uma agenda, existem várias agendas norteando aexpansão da disciplina.

UFF

(CERQUEIRA FILHO, Gisálio) Penso que a trajetória teórico-metodológica daCiência Política brasileira norteia-se mais, muito mais, pela agenda de pesquisa norte-americana (EUA) e europeia (esta, com predominância francesa) do que pela agendalatino-americana. Aqui, a Ciência Política brasileira incide em vários preconceitoscom relação à agenda latino-americana, subordinando-a à hegemonia colonialista(EUA e França) no que se refere aos aspectos teórico-metodológicos, mas não só. Orepertório temático também realiza com sistemática notável o mimetismointelectual no que concerne ao repertório que a Ciência Política oferece aosestudantes e estudiosos (com a repetição do repertório de manual da velha “históriadas ideias/filosofia política” – com ênfase nos autores “consagrados”; desdeMaquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau, etc.

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USP

(LIMONGI, Fernando) Acho que vivemos um momento de transição e dediversificação da agenda de pesquisa que passa pela especialização. Por algum tempo,o tema recorrente e praticamente único era a construção de uma ordemdemocrática, a possibilidade de que esta ordem pudesse ser obtida no Brasil. Esta éuma questão que já foi respondida positivamente pelo tempo. Então, no momento,estamos passando a estudar que ordem democrática é esta, como ela funciona.

USP

(MUSSE, Ricardo) O estudo da vida política, no Brasil, antes mesmo de serincorporado na Universidade, se caracteriza por uma pluralidade temática, teórica emetodológica. Essa pluralidade foi a marca inicial do que denominamos de “ciênciapolítica”. Hoje, no entanto, uma certa primazia do modo como se estuda a políticanas universidades anglo-saxônicas, coloca em risco a pluralidade que lhe eracaracterística.

UFSCar

(CEPÊDA, Vera) Creio que nas 3 últimas décadas houve uma fase, ampla, em queestudos institucionais, federativos, partidários e eleitorais, de comportamento e mídia –e também o arranque da área de metodologia – foram predominantes. Já na últimadécada, a agenda dos congressos, a variação de artigos publicados, e os GT's emesas apoiadas pela ABCP têm demostrado uma revalorização mais flexível,variada e multidisciplinar de temas.

UFSCar

(BRAGA, Maria do Socorro Braga) Tem algo estranho nessa pergunta. Para tratar datrajetória tanto da teoria quanto na metodologia na CP precisa separar esses doiscampos. Veja que há tanto uma agenda de pesquisa no campo teórico, talvez essahoje mais reduzida, como agenda metodológica. Dê uma olhada nos GTs tanto daABCP como da Anpocs que vc tem ideia a quantas andam as pesquisas nesses doiscampos.

UFSCar(MARTINS FILHO, João Roberto) – A CP brasileira tinha em outros tempos umaagenda mais diversificada estudando temas como ideologias políticas, movimentossociais e regimes políticos. Hoje ela se concentra no estudo dos sistemas partidáriose eleições.

UNICAMP

(BIANCHI, Álvaro) Não creio que exista uma orientação teórico-metodológicapredominante. Uma análise superficial da ciência política brasileira poderia afirmarque abordagens neoinstitucionlistas e métodos quantitativos predominam. Entretanto, setomarmos o conjunto da ciência política praticada em nosso país, com todos seusprogramas de pós-graduação teremos uma imagem muito mais heterogêneo ediversificado. Talvez seja correto afirmar que o neoinstitucionalismo predominanas agências de fomento e nos comitês editoriais de algumas revistas. Esta, emboraimportante, é uma parte apenas, e sequer a maior parte, da ciência política brasileira. Éclaro que em algumas áreas, como nos estudos legislativos, de partidos e eleições épossível encontrar esse mesmo predomínio. Mas na Associação Brasileira de CiênciaPolítica existem 16 áreas temáticas e em poucas delas o neoinstitucionalismopredomina. Quanto à agenda de pesquisa penso que ai sim talvez possa se dizer quepredomina uma agenda. A partir de diferentes abordagens teóricas emetodológicas a ciência política tem lidado com a questão democrática, ou sejacom o funcionamento, o alcance e os limites da democracia no Brasil.

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UNICAMP

(FREITAS, Andréa) A Ciência Política brasileira tem tido uma trajetóriaconsistente rumo à profissionalização desde a década 80. Neste período havia umaagenda de pesquisa relacionada à transição e consolidação democrática que foi aospoucos sendo superada na medida em que a democracia deixou de estar em risco. Apartir deste momento, no final da década de 90, início dos anos 2000, começou ahaver uma especialização em subáreas do conhecimento. Hoje acredito que não hajauma agenda de pesquisa que a norteie, mais muitas agendas nos diferentes campos.

UFRN (VITULLO, Gabriel) Esta questão não foi respondida

UFMG

(REIS, Bruno) [...] a ciência política que, digamos, se disseminou, no nosso caso [...]se funda em uma matriz sociológica que se constitui academicamente nos EUA, naprimeira metade do século 20 e se espalha a partir dos anos 50, 60. [...] essa é adisciplina que hoje a gente chama de CP por aí… […] aqui no Brasil ou naInglaterra, ou na Alemanha, na Itália…. qualquer um que seja. A França é umcaso pouco a parte [...]

ABCP

(AVRITZER, Leonardo) Esta questão foi substituida por outra sobre a trajetóriainstitucional da ABCP.A ABCP tem um surgimento tardio que tá ligado a uma certa estruturação tardia daCP brasileira em relação à Sociologia e à Antropologia. Ela, em 1986 tem um primeiroperíodo que acaba sendo mais de uma representação brasileira em relação à IPSA- a Associação Internacional de Ciência Política - e se estrutura de fato em 1996,abrangendo um segundo período. O primeiro período, acho que é um período de umacerta desorganização da CP brasileira motivada por aposentadorias, perda de capacidadeem diversos programas como foi o caso do nosso da UFMG, como foi o caso doprograma da UnB, como foi o caso de quase todos os programas das universidadespúblicas brasileiras. A partir de 2005, a ABCP, tem uma forte rearticulaçãoexpressa por diferentes atividades ou por diferentes elementos: em primeiro lugar,o crescimento constante dos Encontros bienais, especialmente a partir do Encontrode Campinas, se não me engano em 2008. A partir daí, todos os Encontros são muitoimportantes. Depois, a ABCP consegue de fato deixar de fazer Encontros emuniversidades e [começa a] fazer encontros mais bem articulados em cidades, em lugresespecíficos. Também, tem o crescimento grande dos participantes de cada um dosEncontros a partir do Encontro de Recife. O Encontro de Recife chega a ter 800participantes, o de Gramado praticamente mantém o número e o de Brasília, superou osdois. […] O próximo será em Belo Horizonte […] e a gente espera bater todas essasmarcas.. Além disso, a ABCP tem ampliado as Áreas Temáticas. Isso é muitoimportante. Ela incluiu a Área Temática de Participação, em 2010 e depois, a ÁreaTemática de Gênero, a Área Temática Sociologia Política... na verdade, mostrando quea área está se diferenciando, se expandindo e conseguindo criar novos grupostemáticos que tem sido muito exitosos.

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CAPESCP e RI

(MARENCO, André) Esta questão foi substituida por outra sobre a necessidade e osobjetivos da Avaliação Trienal da CAPES.A CAPES faz uma avaliação institucional da pós-graduação desde 1976. A CAPESexiste desde os anos 50 [...] e a ideia básica é fazer a avaliação da qualidade. ACAPES faz tanto a creditação como a avaliação de permanência. Então, tem umprocesso de avaliação quando os cursos são criados – é a chamada APCN. Ou seja, acada curso de pós-graduação strictu sensu quando ele é criado ele passa por umaavaliação […] e tem que atender uma série de requisitos: compromisso institucional,infraestrutura, proposta do programa... dimensão e qualificação do corpo docente,produtividade científica. Isso pra criação dos programas. A CAPES faz uma avaliaçãoque até agora era trienal, quando ela dá um conceito... [...] de 1 a 7. Por exemplo, pracriação de um mestrado o conceito mínimo é 3, de um doutorado é 4 e os programas sãoavaliados e classificados de 1 a 7. 6 e 7 são considerados conceitos de excelência, depatamar internacional. Atualmente, essa avaliação é feita em 48 áreas doconhecimento [...] há uma ficha de avaliação que é comum pra todas as áreas. Osindicadores e as métricas são diferentes. Cada área adota valorizando mais um ououtro aspecto... […]. Por exemplo, pra avaliação da produtividade científica ébasicamente o Qualis que é o que classifica os periódicos. Algumas áreas, 24, das 48áreas, avaliam também a produção bibliográfica, os livros e tem um sistema declassificação de livros próprio de cada área... pra avaliar a produção. A ideia básica éum sistema de pós-graduação voltado pra produção de recursos humanos: mestrese doutores. Então, o principal aspecto da avaliação é medir a capacidade dosprogramas de produzir recursos humanos - de produzir mestres e doutores. Poroutro lado, a CAPES precisa ter uma forma de aferir a qualidade. Ou seja, como que elavai avaliar, como que ela vai perceber a qualidade na formação dos mestres e dosdoutores de cada programa. Não basta apenas que os programas formem muitosmestres, muitos doutores... é preciso que esses mestres e doutores sejam bemformados. A forma pela qual, em geral, a maior parte das áreas tem feito paraaferir essa qualidade é pela produção. De um lado, observando a qualificação docorpo docente, dos orientadores desses mestres e doutores que estão sendoformados... Então... a suposição é a de que quando os docentes que orientam sãotambém pesquisadores que produzem, que fazem pesquisa, que publicam... diretamentese percebe a qualidade na formação desses mestres e doutores e também a da própriaprodução - a publicação dos orientadores, mas também a dos próprios alunos que estãosendo formados. Então, a produção científica é uma forma de controlar a qualidade naformação de recursos humanos pelos programas de pós-graduação. Nos últimos anos,também, a CAPES tem enfatizado muito a internacionalização dos programas, acapacidade da pós-graduação brasileira se internacionalizar. Seja para elaestabelecer relações, redes de cooperação, etc... mas também, como uma forma de aferira qualidade. Programas internacionalizados são programas que são reconhecidospelos pares internacionais como programas de qualidade. São programas que estãoformando, que estão produzindo, estão fazendo pesquisas que é reconhecida, que écitada internacionalmente. Portanto, a internacionalização é também um critério dequalidade na formação de mestre e doutores. [...] A CAPES tem estimulado ainterdisciplinariedade... e isso se traduziu na constituição de uma áreainterdisciplinar que tem mais de 300 programas atualmente.

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QUESTÃO 2

A carência de discussão/formação metodológica foi apontada pelos professores Fábio W.Reis (1997), Gláucio Soares (2005) e Maria Hermínia Tavares de Almeida (2005) dentreoutros. Em sua opinião, em que medida, a qualidade da reflexão metodológica realizadapor cientistas políticos brasileiros nos últimos 10 anos melhorou ou não? É possível dizer

que sofisticação metodológica é igual a refinamento teórico?

UFRJ

(NICOLAU, Jairo) A discussão metodológica praticamente está ausente da formaçãodos alunos no Brasil. E entre os pesquisadores são poucos os que dão atenção ao tema.É preciso lembrar que o ensinar técnica de pesquisa e estatística não é ensinarmetodologia. Esta última pressupõe uma discussão epistemológica e de filosofia daciência. Rodar uma regressão é fácil, difícil é entender a noção de causalidadeimplícita em sua prática (aliás, uma regressão pode apenas descrever o mundo, nãoinferir causalidade)

IESPUERJ

(FERES JUNIOR, João) Acho que esses autores estão certos pelas razões erradas. Háde fato uma tibieza metodológica que perpassa toda a CP brasileira, mas o queesses autores entendem por metodologia, em grande medida, é o uso de métodosquantitativos, estatísticos prioritariamente, na análise de bases de dadosempíricas. Essa leitura advém da visão, muito propalada nos EUA e importada de lá,de que só é CP o trabalho que utiliza essas metodologias. Claro que tal postura vemaliada a um projeto de hegemonização da área. Para mim, trata-se de um idealismotosco que não leva em conta a diversidade de abordagens aceitas de fato como CP.Esse projeto hegemônico fracassou nos EUA e não vai ter sucesso aqui também, pensoeu. Dito isso, a formação metodológica da CPB é fraca, tanto quanti como quali,inclusive nas abordagens históricas. Isso está mudando rapidamente, mas aindatemos bastante chão para cobrir. Por fim, não, sofisticação metodológica não éigual a refinamento teórico. O primeiro diz respeito aos procedimentos deorganização do material empírico e o segundo corresponde ao conhecimento eavaliação crítica e produtiva das teses e regularidades descobertas pela literaturaacadêmica acerca do objeto em questão. Claro que a metodologia adotada tem quenecessariamente conversar com a teoria para a qual se pretende contribuir.

IESPUERJ

(SANTOS, Fabiano) Não concordo com os colegas. Não há carência de formaçãoem metodologia, nem ausência de utilização de métodos nas pesquisas. Taisafirmações, talvez valessem para o que ocorria há 10, 15 anos atrás. O que pode estarocorrendo é a ênfase em alguns poucos tipos de métodos – como o da econometria eausência de metodologias qualitativas. Não, definitivamente, sofisticaçãometodológica e refinamento teórico não são a mesma coisa. Ambos são centraispara o avanço da disciplina em seu conjunto. São complementares.

UFF

(CERQUEIRA FILHO, Gisálio) Muito raramente tem havido entre os cientistaspolíticos brasileiros uma reflexão metodológica para além da dicotomia quali-quanti. Talvez seja porque o repertório temático, cativo da agenda norte-americana(EUA) e europeia (francesa), não seja capaz de mobilizar para uma reflexão que escapeda dicotomia quali-quanti, mas também sobre a qualidade do que se faz. Quando seescapa do leque temático que predomina na Ciência Política norte-americana,novos objetos são, então, propostos (por exemplo, cultura e ideologia; estadodemocrático; análise de conjuntura politica, subjetividade e psicanálise; absolutismoafetivo, história da política e do poder, direito e sociedade, individualismo fóbico,famílias e poder, instituições e poder). Neste caso, a criatividade e a fuga doexclusivismo da dicotomia quali-quanti encontram condições favoráveis para seexpressarem. E talvez, o cientista político se sinta à vontade para pensar a partir de

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outros paradigmas metodológicos. O pensador italiano Carlo Ginzburg (Universidadede Bolonha/UCLA) frequentemente captura esse aspecto, a partir da metodologiaindiciária (conhecido também como método clínico, ou “estudo de caso”). O foco é alonga duração de permanências culturais através de sinais, sintomas, indícios,devidamente destacados e interpretados. Quando isso não ocorre, muitos colegascientistas políticos acabam confundindo erudição com sofisticação metodológica etambém com um suposto refinamento teórico. Isto ocorre especialmente no campo daFilosofia Política e, no caso, não passa de uma máscara para uma discussão queraramente é feita acerca do problema da qualidade em pesquisa sobre o poder.Exemplificamos com o fato de frequentemente a teoria política brasileira serapresentada numa perspectiva da “história das ideias” (filosóficas) em prejuízo de umaperspectiva analítica. Acreditamos ainda que pensar sobre a qualidade implicarialivrar-se do produtivismo compulsivo e da obsessão em relação às exigências econtingências de um formalismo burocrático quase sempre estéril.

USP

(LIMONGI, Fernando) Acho que sim. As duas coisas caminham juntas. Para fazerboas perguntas e sabê-las responder adequadamente é preciso ter os pés emambas as canoas. Pensar que estas coisas andam separadas é um equívoco.Melhoramos muito no treinamento metodológico, mas creio que ele ainda éinsuficiente. A novíssima geração, os estudantes que estão agora completando seusdoutorados mostra uma abertura maior para o aprendizado de metodologia. Isto émuito bom.

USP

(MUSSE, Ricardo) O que se entende usualmente por sofisticação metodológica, ouso de aparatos de pesquisa ancorados na estatística e na matemática, não temabsolutamente nada a ver com "refinamento teórico". Este, como o próprio nomeindica, implica num aprofundamento da teoria, o que em geral não se obtém por meiode investigações factuais e tampouco por indução.

UFSCar

(CEPÊDA, Vera) Esta discussão é complexa e delicada. Um problema é anecessidade para abordagem de determinados objetos e subáreas na CP demetodologia adequada – em especial quando se trata de análises empirico-quantitativas, surveys ou tratamento estatístico de grandes complexos de dados. Aadequação do ferramental de pesquisa, tratamento e modelagem exigiu da CPbrasileira, nas 3 últimas décadas, o aprofundamento de um repertório einstrumental que se convencionou denominar de metodologia. Para inúmerosestudos esse robustecimento de técnicas foi fundamental para conferir maioreficácia e legitimidade científica. Nessa direção, a CP brasileira avançou muito. Deoutro lado, a CP tem um dilema intrínseco que é a sua longevidade e, ao mesmotempo, a ressignificação constante de inúmeros – mas centrais – temas eproblemas. Por exemplo, o tema da democracia, da República ou mesmo a concepçãodo que seja “política” originam-se nos complexos sociais clássicos (greco-romanos) e,no entanto, atravessaram mais de 2 milênios no repertório da área (originariamenteenquanto filosofia política, depois teoria política e no período mais recente como CP).Claro que seu significado, usos e função foram modificados, mas o contexto teóricocontemporâneo ou hiper-contemporâneo não conseguem abarcar uma compreensãoampla dos contextos da análise do político sem esbarrar neles (a transição da IdadeModerna trouxe outros componentes centrais: liberdade, direitos, propriedade, justiça,indivíduos, bem comum, elites etc). Neste ponto quero dizer que ao repertório eparadigmas que conformam a área foram acrescidos, em especial a partir do finaldo século XIX, de novos objetos, métodos, questões e desafios. A robustezmetodológica (no sentido de técnicas) é condição necessária da CP mas não é, noentanto, condição suficiente, exigindo ainda o esforço teórico, o debate e filiações aescolas e paradigmas, a compreensão dos efeitos e dinâmicas das fronteiras que

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cercam e alteram o fenômeno político (economia, história, cultura, sociabilidade,direito, filosofia, geopolítica, etc). Na trajetória histórica no Brasil começamospelos aportes teóricos e somente em período recente avançamos no esforçoempírico, de recorte segmentado. Temos agora uma CP mais completa, mas seriaum erro imaginar que estudos tópicos, bem alavancados metodologicamente,aproximados de modelagens matemáticas, sejam a única ou melhor maneira defazer o “estudo da política”. A compreensão holística, a comparação histórica ou detrajetórias (sincrônicas ou diacrônicas), a síntese teórica de estudos, a aplicação demodelos teóricos ao teste da realidade estudada, a permanência e /ou ressignificaçãodos repertórios e da gramática política de momentos particulares, de grupossegmentados ou arenas institucionais são também necessárias. E para cada um dosobjetos/campos da CP há uma metodologia própria e válida. Resumindo suapergunta: sim, houve aumento da qualidade metodológica em algumas áreas depesquisa da CP. Mas não concordo com a ideia de que o refinamento do métodoindique qualidade de resultado de pesquisa ou capacidade analítica (quiçá aporteteórico). Vários trabalhos que tenho lido são excelentes para capturar, descrever um“dado de realidade”, mas com limitada capacidade heurística.

UFSCar

(BRAGA, Maria do Socorro Souza) Penso que temos uma CP nesses últimos dezanos se apropriando de métodos tanto quanti, quanto quali, igual a qq país na Europaou nos EUA. Sinto que ainda falta muito debate sobre questões metodológicasaqui, mas vejo que boa parte da CP desenvolvida aqui já usa dos métodos maissofisticados. Não é possível dizer que sofisticação metodológica é igual a refinamentoteórico? Avaliam componentes distintos do artesanato intelectual e caminho científico,mas os dois tem que andar juntos para fazermos inferências.

UFSCar

(MARTINS FILHO, João Roberto) Essa é uma crítica que os cientistas políticosamericanos sempre fizeram à C. Política brasileira. Houve uma época em que haviadiscussão metodológica e teórica, mas numa perspectiva marxista. Hoje parece terhavido um esforço para aprimorar metodologias, mas isso não significanecessariamente refinamento teórico.

UNICAMP

(BIANCHI, Álvaro) A ciência política praticada no Brasil tem poucafamiliaridade com métodos quantitativos. Se é isso o que esses autores queremdizer quando falam em déficit metodológico, eu concordo. Isso tem a ver com o tipode formação que os estudantes de graduação recebem e com a enorme distânciaexistente entre os cursos de Economia e Ciência Política no Brasil. Mas essa é umavisão muito parcial a respeito da disciplina e de seus métodos. A ciência políticabrasileira tem uma maior familiaridade com métodos historiográficos do que suacongênere norte-americana, por exemplo. Isso lhe permitiu realizar pesquisas demuita qualidade sobre a formação das instituições políticas brasileiras, por exemplo. Épossível afirmar que a qualidade metodológica das pesquisas quantitativas temmelhorado nos últimos dez anos, mas isso não quer dizer que os resultados obtidospor elas sejam mais relevantes do que os resultados obtidos com o uso de outrosmétodos e técnicas de pesquisa. Um conhecimento rudimentar das técnicasquantitativas, o qual se reduz, muitas vezes, ao uso de algum software não produziráestudos de muita qualidade.

UNICAMP (FREITAS, Andréa) A qualidade dos trabalhos certamente melhorou, em parte,porque também os periódicos e os programas de pós-graduação vêm se tornando cadavez mais exigentes. Também aumentaram o número de acadêmicos na área o que geragrande diversidade, inclusive do ponto de vista metodológico. Acho que melhoramosdo ponto de vista da técnica e certamente do ponto de vista da sofisticação,embora aqui ainda falte melhorar muito. Do ponto de vista do refinamento,

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continuamos a ter uns poucos bons trabalhos que buscam ir além do uso de umatécnica sofisticada, fazendo discussões mais amplas e densas. Certamentesofisticação metodológica, não implica em refinamento teórico, neste último ponto,falta ousadia. Os trabalhos tem muita dificuldade em propor o novo. Em pensar asquestões a partir de novos pressupostos e paradigmas, o que atrasa a evolução daspesquisas.

UFRN (VITULLO, Gabriel) Esta qustão não foi respondida

UFMG

(REIS, Bruno) [...] a resposta é não, claro. Sofisticação metodológica é uma coisa,refinamento teórico é outra. Idealmente deveria andar junto à medida que você melhoraa sofisticação da formação de um modo geral a pessoa deve ficar boa nas duas coisas,em tese. Na prática sempre depende do esforço do investimento intelectual que vocêconsegue fazer num e noutro, as vezes um pode atrapalhar o outro, pelo menos no quediz respeito a capacidade de estudo, de processamento do material disponível. É difícilfalar se a sofisticação metodológica aumentou ou não. Eu tenho a impressão... queaumentou certo interesse por metodologia nas gerações mais jovens, mais recentes. [...]Eu acho isso muito bem-vindo, muito importante eu acho que várias coisas pesaramnisso, começa desde a pura e simples disponibilidade universal de computadores namesa de todo mundo que facilita tanto a tarefa... mas é claro que... na medida quefacilita também... fica mais fácil rodar uma regressão, mas pode também dar preguiçade pensar sobre o que tá fazendo, e essa é uma crítica que eu comprei. Que você podeter, trabalhos aparentemente sofisticados sendo rodado em computadores avançados,em programas que tem pacotes multi tarefas, mas que de fato refletem pouco sobre oque está fazendo.

ABCP

(AVRITZER, Leonardo) Esta questão foi substituida por outra sobre a proposta doprojeto “Ciência Política no Brasil: história, conceitos e métodos”, desenvolvido pelaABCP.A CPB, exatamente, por causa do seu surgimento e consolidação tardia, vive umasituação muito peculiar... que é... marcada talvez por 3 grandes gerações: umageração que eu chamaria de heroica que é a fundadora, num período muito complicadode autoritarismo no Brasil que ainda assim estrutura a CPB; uma geraçãointermediária que se forma a partir do final dos anos 70 e que dá expressão pra CPBnos diferentes centros: Rio, SP, MG, RS, PE, depois aqui [PR], Brasília... Unicamptambém [...] e uma mais contemporânea que é já desse período de maior expansão dapós-graduação brasileira, pós 2005. O projeto, então, tá baseado nestapeculiaridade, vamos dizer, da área. Os principais fundadores estão vivos, as 3gerações convivem e é portanto possível traçar um panorama da CPB a partirdaí... é isso que tá motivando esse Projeto […]. Existe alguma literatura sobre a CPbrasileira mas ela é muito mais marcada por inclinações individuais do que por umaabrangência. Então, cê tem o artigo da FORJAZ - um artigo importante, é um clássico;da Maria Célia Quirino, do RJ; cê tem o artigo do Renato Lessa; do Gláucio [Soares],mas todos eles foram artigos escritos com objetivos muito particulares... com umavisão muito especifica... Eu acho que a ABCP tá tentando trazer uma visão deconjunto... e essa visão de conjunto, eu acho, pode dar um novo desenho pra... oentendimento sobre a formação da CP no Brasil.

CAPESCP e RI

(MARENCO, André) Esta questão foi substituida por outra sobre a relaçãoinstitucional CAPES – programas de pós-graduação.O primeiro aspecto é o seguinte... a CAPES talvez tenha o sistema de avaliaçãoinstitucional mais consolidado do país… como eu disse existe desde 1976. Eu diria queele é um êxito porque tem permitido uma expansão muito grande do sistema de pós-graduação... hoje são mais de 3000 programas de pós-graduação nas 48 áreas e os

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indicadores tem mostrado um incremento muito significativo sobretudo nos últimos 10anos da produção científica brasileira, tanto em volume, quanto em muitas áreas, damelhora da sua recepção na comunidade internacional. Então... desse ponto de vista éum sistema bem-sucedido. Eu diria que a principal preocupação da CAPES não écom a produção no sentido de quantidade mas é com a qualidade da produção. Sefosse uma preocupação no sentido de quantidade, não precisaríamos ter o Qualis, porexemplo. Bastaria simplesmente quantificar quantos artigos, quantos livros, quantoscapítulos são produzidos por docentes de cada programa ou pelos discentes e no maistaria resolvido. Só que isso não basta porque a gente precisa saber da qualidade, precisaver se, por exemplo, um artigo que foi publicado passou por revisão de pares, houveum rigor na sua avaliação, se um livro, também... produção técnica, tudo isso aí... se atese que é defendida, ela de fato tem qualidade, se a dissertação tem qualidade. Se apreocupação não fosse com a qualidade, bastaria simplesmente quantificar osnúmeros e tava tudo resolvido. Todo problema é que a preocupação da CAPES é coma qualidade. A CAPES quer saber se as Teses, se as dissertações são de bom nível, seos artigos são de fato artigos de qualidade que acrescentam ao conhecimento científico.Pra isso é que tem todo esse sistema. Por exemplo, o Qualis, que é pra classificar asrevistas. A CAPES não faz uma avaliação direta, ela não lê os artigos pra ver se... o queque ela faz? Ela... bom... um artigo publicado na revista X, na DADOS, na OpiniãoPública, na Revista de Sociologia Política é um artigo que tende... deve ser de boaqualidade. Por que? porque a gente sabe que é uma revista exigente na qualidade, umarevista que tem um fator de impacto significado, ou seja, o artigo que é publicado alirepercute, é citado etc. Então, a gente pode inferir que é um artigo de boaqualidade. Então, o que a CAPES tem procurado fazer é estabelecer parâmetros dequalidade… O Qualis, a classificação de livros, a classificação de produção técnica,a internacionalização... são todas formas de se estabelecer exigência de qualidade.[...] Na área de Ciência Política, por exemplo, se eu publicar 50 artigos numarevista B3 isso não vai significar absolutamente nada. Por que? porque a área deCP ela só pontua para efeitos de avaliação dos programas, artigos que sãopublicados por docentes em revistas B1 ou superior. No caso de discentes, todo oestrato do Qualis. […] tanto faz, o cara pode publicar 100 artigos numa revista demenor qualidade isso não vai ter impacto nenhum, vai ser zero... porque a gente sóquer considerar, de fato, aquilo que a gente tem garantia de que tem qualidade, quepassou por um processo de revisão muito rigoroso, porque é uma revista que temimpacto, etc, etc. O mesmo em relação a livros. Por exemplo, a gente só consideralivros L3 e L4. livros são classificados L1, L2, L3 e L4 a gente só considera paraefeitos de avaliação dos programas, livros ou capítulos L3 ou L4, são aqueles mais nosestratos superiores de qualidade. Por que? Porque a ideia é basicamente avaliar aqualidade, não interessa a quantidade... então pode produzir um número muito grandede livros, de capítulos, de artigos, de baixa qualidade, isso não vai ter repercussãonenhuma. Acho que há uma preocupação muito forte. Agora isso não é umapreocupação brasileira. No mundo inteiro a produção científica é avaliada e éclassificada... [...] não é uma particularidade brasileira. No mundo inteiro há essapreocupação com base em alguns parâmetros de qualidade e aquele que tem mais oumenos se consolidado é o fator de impacto. Na área de CP a gente não julga só pelofator de impacto, mas ele é um fator, um elemento que a gente tem considerado dentrode uma preocupação que é mundial que é de avaliar a qualidade da produção científica

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QUESTÃO 3

Em que medida podemos fazer conhecer cientificamente o estado da arte da Ciência Políticabrasileira atual, a partir de diagnósticos que nem sempre levam em conta, por exemplo, a produçãocientífica publicada em revistas marxistas? Ou mesmo, a publicada em periódicos que não sejam os

Qualis A1, A2 e B1?

UFRJ

(NICOLAU, Jairo) Não leio mais a literatura marxista. Pode existir, mas não conheçonenhum trabalho marxista recente (última década) que contribuiu para o entendimentodos fenômenos políticos brasileiros. Conheço bons comentaristas de autores marxistasclássicos. Bons divulgadores. A Ciência Política brasileira é mais cuidadosa commétodos e especializada. Faltam grandes trabalhos de síntese. Neste sentido, acho queestamos devendo.

IESPUERJ

(FERES JUNIOR, João) Como disse, sou pragmatista. O critério é estabelecer o quepassa por CP no Brasil. A CAPES tem um papel importantíssimo na determinaçãodesse critério, inclusive pelo uso do Qualis periódicos, entre outros instrumentos,como bem mostram Codato e Leite. Assim, é fato que as revistas marxistas não têmboa avaliação no Qualis, pois não satisfazem critérios como pertencer ao Scielo,ter fator de impacto, estarem indexadas em bases internacionais, praticaremseriamente o peer review, etc. Esses critérios não são neutros, e não são somenteos marxistas que sofrem com eles. Mas o fato é que se perguntarmos sobre aprodução de CP de qualidade no Brasil, entendida como aquela que aparece emperiódicos bem classificados, a produção marxista é bem diminuta. Não acreditoque haja uma perseguição contra os marxistas nos periódicos bem qualificados. Asrazões pelas quais marxistas aparecem pouco neles são, penso eu, autoseleção (muitosmarxistas acham esses periódicos liberais), qualidade do trabalho feito por marxistasinadequada aos critérios acadêmicos da CP, excesso de sociocentrismo e deeconomicismo das abordagens marxistas. A CP privilegia abordagens politológicas, ouseja, a autonomia do objeto da política, tese rejeitada por boa parte dos marxistas.

IESPUERJ

(SANTOS, Fabiano) A produção [publicada] em revistas ainda não pontuadas emQualis A1, A2 e B1 pode ser tão importante quanto a que se encontra publicada emtais periódicos, em função dos interesses de pesquisa de quem consome o material. Omesmo pode ser dito com relação às revistas marxistas, embora, para mim, faça poucosentido a adjetivação. Não pauto minha avaliação sobre um artigo, suaimportância, por exemplo, a partir dos critérios estabelecidos pela Capes, muitomenos se a publicação segue uma filosofia marxista ou não marxista. Assim, oestado da arte da ciência política é algo volátil e depende muito da perspectiva doanalista e de sua concepção sobre o que seja a boa ciência. È natural quefotografias do momento levem em conta critérios até certo ponto hegemônicos nocampo, mas, ninguém controla o que servirá de parâmetro da qualidade num futuropróximo. Assim, averiguar a publicação em periódicos não pontuados, para voltarao início da minha resposta, é tão importante quanto consultar o mainstream,para se ter uma visão de conjunto da produção da disciplina. (resposta recebidapor e-mail em 04/08/16)

UFF (CERQUEIRA FILHO, Gisálio) [...] nas diversas comunidades de editorescientíficos quase não vemos a efetiva participação de editores da área de CiênciaPolítica discutindo com os pares uma política científica editorial e consequente para oBrasil. Ao contrário, vejo uma política de gueto, na área de Ciência Política.Observamos, em muitas circunstâncias, que os periódicos na área de CiênciaPolítica no Brasil realizam uma política editorial de “igrejinhas”, com poucatransparência editorial e nem sempre com destaque para a questão da qualidade.

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Quase sempre o mesmo ocorre com relação ao controle das agências de financiamentoà pesquisa. Há pouca visão cosmopolita e democrática; claro, com exceções

USP

(LIMONGI, Fernando) Não vejo porque as revistas marxistas devam ser destacadasdas demais. Revistas científicas, na realidade, não podem ser distinguidas por estesrótulos. Há um padrão de produção acadêmica e científica que preside o trabalhodos pesquisadores. A classificação da Capes pode ser discutida, mas ela não podecriar nichos.

USP(MUSSE, Ricardo) Claro que não. A orientação predominante nas revistas melhoravaliadas pela Capes ignora linhas de investigação relevantes não só em termosqualitativos, mas inclusive quantitativos.

UFSCar

(CEPÊDA, Vera) Olhe, entramos aqui em outra discussão complexa. Desde o séculoXIX a ciência avançou rapidamente no processo de seu afastamento do conceito de“Verdade”. A ciência que praticamos procura avançar no campo da “certeza provável”(mas sempre instável e limitada – dai a meta de sua auto-superação constante). Diantedo quadro de “incerteza” que cerca nosso conhecimento o pressuposto do métodorigoroso se impôs, mas com a emergência da controvérsia e da disputa de paradigmas,escolas de interpretação, etc, a validação da produção científica (em todas as áreas,segundo Merton, Kuhn, Latour, Bordieu e outros mais recentes estudiosos do tema)passou por uma espécie de “politização” - são os “pares”, atores da comunidadecientífica e muito especialmente as AGÊNCIAS de regulação e fomento das áreasos espaços que institucionalizam, regulam, orientam e legitimam/deslegitimamquaisquer produção científica. Os indicadores servem como parte dessa engenhariaregulatória e, obviamente, incluirá e excluirá escolas, agendas de pesquisa, objetos,etc, com base nas convenções acordadas entre os atores reais (pesquisadores,instituições, revistas, …). Não é possível ter ilusão sobre a dimensão política (muitoespecialmente porque estamos falando de dentro do campo da CP) que cerca esseprocesso. O jogo da qualificação é excludente por princípio porque é calculado combase na distribuição das revistas por estratos – somente algumas serão A1 ou A2, asdemais serão hierarquizadas nos estratos inferiores. Assim, a linha editorial de umarevista A1 não tenderá a selecionar e, por extensão reforçar, apenas os artigos quecoadunem com sua linha? Os demais artigos que não se enquadrem, nãosofreriam uma desvalorização pública imediata, em função de serem publicadasem revistas com indexação menor? Este mercado simbólico funciona comomecanismo de inclusão/exclusão de estudos mais ajustados e/ou menos ajustados -quer tratemos de revistas, de editais de fomento, de políticas de congressos...Em síntese, há mais CP não coincidente com o mainstream por aí, mas sobpressão de subalternização tende a encolher, ter menos visibilidade e prestígio (aho poder da “distinção” no espectro social!...). Este, me parece o caso do marxismo.Sem condições de uma análise mais profunda sobre os possíveis pontos doapagamento do marxismo na área da CP (em outras ele é ainda forte – economia,sociologia, geografia, educação), vou fazer aqui uma aposta, na forma de hipótese: omarxismo opõe-se a toda a engenharia e repertório da CP americana: autonomia dasinstituições, jogos partidários eleitorais, expertizes e racionalidades dos entesinstitucionais, entre outros, não ficam “apagados” diante do pressuposto das classessociais? Uma CP de cunho marxista lida com a totalidade dos temas da política deuma maneira MUITO diversa da matriz que tornou-se hegemônica nasinstituições acadêmicas brasileiras na área. Não quero com isso dizer que uma sejamelhor ou pior que a outra: o ponto que quero destacar é que há uma distinçãomuito grande entre as duas formas de entender, pesquisar e analisar a política.Talvez por isso, quando uma aumenta seu prestígio, a outra recua.

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UFSCar

(BRAGA, Maria do Socorro S.) Esta questão foi substituida por outra sobre oprojeto “Ciência Política no Brasil: história, conceitos e métodos”.O motivo principal desse projeto é organizarmos um acervo da memória da CP noBrasil, visando deixar muito bem documentado o que estamos fazendo e o que já foirealizado pela CP para as próximas gerações, de forma que posamos contribuir parauma CP ainda melhor no futuro.

UFSCar

(MARTINS FILHO, João Roberto) Esta questão foi substituida por outra sobre ostemas que prevalecem no debate da CP brasileira.Sem dúvida o tema dos partidos políticos e processos eleitorias. Oneoinstitucionalismo é uma das correntes mais influentes e há um enfoque quaseexclusivo no regime democrático.

UNICAMP

(BIANCHI, Álvaro) Simplesmente não podemos ter uma noção exata da ciênciapolítica brasileira olhando exclusivamente para os programas de Pós-Graduação comconceito 7 ou 6 na Capes ou para as revistas A1, A2 e A3. E também não podemosconcluir que a melhor ciência política praticada neste país se encontra nessesprogramas ou nessas revistas. A avaliação da Capes tem um caráter fortementenormativo. Essas avaliações podem estar registrando simplesmente a capacidadede programas e revistas se adaptarem às normas das agências de fomento e não aqualidade da ciência política produzida ou divulgada por elas. Se as agências defomento e as revistas considerarem próprias da ciência política certas abordagensmetodológicas ou teóricas em detrimento de outras, então será de se esperar queaqueles programas ou revistas que privilegiam essas abordagens se destaquem. Mas oresultado obtido será muito distorcido. Em 2013 o livro ganhador do prêmio Anpocsde melhor obra científica de ciências sociais, Os sentidos do lulismo, de AndréSinger não foi avaliado pela comissão da área de ciência política da Capes porquenão se enquadrava nos critérios formais estipulados. Introduzir o Scielo ou oScopus como um critério de demarcação para a classificação das revistas é outra fontede distorções. Enfim, é preciso distinguir melhor entre resultado da avaliação equalidade da pesquisa. Não são a mesma coisa.

UNICAMP(FREITAS, Andréa) Acho que é perfeitamente possível mapearmos o conhecimentoolhando apenas para o que foi publicado em revistas com qualis A1, A2, B1.

UFRN

(VITULLO, Gabriel) Considero que não temos como avaliar seriamente o estado daarte da Ciência Política no país se concentrarmos o nosso olhar, apenas, no materialpublicado nas revistas classificadas como A1, A2 e B1 pelo Qualis. Concentrar ofoco apenas neste tipo de revistas produzirá um forte viés, que deixará de foramuito daquilo que não se identifica com os cânones dominantes na disciplina eque, por este (dentre outros motivos), não consegue espaço para ser divulgado nasrevistas A1, A2 e B1.

UFMG (REIS, Bruno) Esta questão foi substituida por outra sobre os temas que prevalecemno debate da CP brasileira.Os temas que tem prevalecido.. executivo-legislativo na literatura de presidencialismode coalizão e mais as novas instituições, sobretudo no início do governo do PT e tal...[...] e como tema emergente, duas ramificações recentes: uma é a coisa das minorias,de um modo geral; os estudos de gênero, principalmente, de raça e outras ramificaçõesque de alguma maneira desdobra-se a partir do estudo da sociedade civil e dosmovimentos sociais… Por outro lado, no campo mais ortodoxamente institucionalista,uma ramificação emergente com alguma força pra financiamento de campanha [...] agente não estava olhando pra isso. […] Mas uma coisa que a gente não discutiu ainda,algum tema que tenha perdido lugar relativo e eu tenho impressão que perdeucentralidade até lamento isso, são os estudos relacionados a economia política e

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trabalho.

ABCP

(AVRITZER, Leonardo) Esta questão foi substituida por outra sobre a inclusão denovas áreas temáticas.Vamos dizer que as novas Áreas da ABCP obedecem a mais de uma lógica. Então,existe uma lógica que é novas questões, onde a comunidade está trabalhando e seela está trabalhando em novos temas... como incluir esses temas. É o caso da áreaque eu propus se eu não me engano, 2010, e depois acabou existindo a partir de 2011,que é a Área de Participação... uma área que muita gente tava trabalhando, queaparece em muitos trabalhos […] justifica porque ela agrega um conjunto detrabalhos, eu acho que isso é um caso. Existem outros [casos] que são subdivisõesdentro de uma área... existia uma área muito grande que era Teoria e dentrodessa área de Teoria tinha uma subárea muito forte que era Pensamento Social ePolítico brasileiro. Então, isso aí foi uma subdivisão proposta pela mesma áreapara adquirir um pouco mais de coerência e também se tornar mais facilmenteadministrável. Acho que é isso que explica essa área de Pensamento Social ePolítico brasileiro. A área de Sociologia Política aí já é um caso intermediário, ouseja, essa já foi uma área importante para a CP brasileira. O Brasil tem pessoas depeso que se consideram da área de Sociologia Política, por exemplo, Elisa Reis, entreoutros. Mas, ela foi sumindo, deixando de ser relevante pela evolução disciplinar dapós-graduação brasileira que acabou não deixando uma área muito clara pra isso. Onosso programa de pós-graduação que em Minas Gerais durante muito tempo foiPrograma de Sociologia Política acabou deixando de existir porque como ele não tinhauma natureza claramente disciplinar ele acabava sendo não muito bem avaliado pelaCAPES. Então, eu acho que é uma tentativa da ABCP de além disso, mostrar queexiste uma dimensão explicativa que é abrangida pela Sociologia Política que vale apena ser retomada [...] eu pessoalmente, fiz o meu doutorado em Sociologia Políticafora do Brasil. Era uma área que existia. Eu acho que Sociologia Política é uma áreaespecifica, ela não é uma junção de um pouco de Sociologia com um pouco dePolítica. Acho que ela é uma área especifica que atua numa certa intersecção, onde aomesmo tempo você tem um objeto político mas ele é tratado na intersecção entre asvariáveis sociais e as variáveis políticas, nesse sentido. Eu acho que faz sentido [aSociologia Política] como uma área dentro da ABCP. Não acho que a gente tátrazendo a Sociologia de volta, a gente tá trazendo uma visão que ao mesmotempo concatena Sociologia e Política […]. Pensamento, já é uma... o Brasil temuma longa tradição na área de Pensamento Social e essa tradição tá menos ligada àdisciplinarização das CS brasileiras do que ao que a gente chamaria de... ensaísmonum certo momento de se pensar o Brasil... e o Brasil sempre teve essa tradição depensadores que pensam o país e discutem uns com os outros... Essa foi uma áreaimportante. Na medida que se disciplinarizou, a gente teve uma transição de uma visãopara outra, uma visão mais científica, mais ligada a métodos […] Acho que oPensamento Social e Político está voltando de uma outra maneira dentro docampo da CP discutindo com teoria e métodos. […].

CAPESCP e RI

(MARENCO, André) Esta questão foi substituida por outra sobre o finaciamento depesquisas pós-graduadas realizado pela CAPES e a contrapartida destas pesquisaspara a sociedade.[...] uma das características da CAPES e talvez mais singular, inclusive no mundo, éque ela é uma instituição que faz as duas pontas. Ela faz a avaliação tanto pracreditação de programas quanto pra sua permanência no sistema que é avaliaçãotrienal que agora vai passar a ser quadrienal, de quatro em quarto anos… quantoela faz o financiamento de uma parte significativa, muito significativa do sistema,sobretudo o financiamento das bolsas de pós-graduação. A Capes não avalia

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indivíduos [...] ela avalia programas. Ela faz uma avaliação institucional. [...] eu fizuma comparação entre as notas dadas aos programas e a distribuição de bolsas porprogramas [...] que mostra que há uma relação forte entre as notas dadas pela Capes ea distribuição de recursos através de bolsas de pós-graduação, conferidas aosprogramas bolsas pra mestrado e doutorado. Além disso a Capes também financia umaparte significativa de programas como o “Ciência sem Fronteiras”, programas de bolsasanduiche, doutorado plena. Ela tem uma participação bem mais significativa que oCNPq que é uma outra agencia de financiamento. A CAPES hoje tem umaresponsabilidade muito grande na pós-graduação no páis. A ideia básica é de quea responsabilidade social se dê através da qualidade. Ou seja, o retorno que aprodução de conhecimento dá ao páis é basicamente cobrado através daqualidade... A publicização dessa produção através de revistas pra publicaçãocientífica é a forma pela qual a gente deve aferir, deve cobrar e deveresponsabilizar os programas, os pesquisadores. Por isso, há uma cobrança, umaindução pela produção. Bom, […] todos nós estamos ganhando: ou através de salários,bolsas de mestrado, bolsas de doutorado… todos nós de alguma forma estamos sendofinanciados pela sociedade.. […] nós temos que dar o retorno do financiamento. Oretorno é a qualidade [...] O objetivo da produção científica [...] não é exatamente a… a interferência direta no debate político ou publico. A melhor contribuição que acomunidade [cientifica] deve dar é produzir ciência com qualidade [...]. Acho que aCP brasileira não tem conseguido interferir no debate publico... levaria um pouco maisde tempo. […] por exemplo, questões como reformas institucionais, a política e tudo omais requerem um conhecimento qualificado, um conhecimento que vá além do sensocomum, que vá além do debate político-partidário… A CP talvez consiga fazer essasmediações... Mas eu insisto que a melhor contribuição que a comunidadeacadêmica pode dar é produzir conhecimento científico de alta qualidade. Outracoisa é como tu traduz esse conhecimento para os interlocutores políticos, partidários,etc. Observe que em outros países... por exemplo no Chile... ocorrem semináriosonde a relação entre a comunidade acadêmica e as lideranças políticaspartidárias é muito mais próxima, onde a interlocução é muito mais... acho queisso seria desejável. Mas aí, há problemas nas nossas lideranças políticas, háproblemas na nossa comunidade acadêmica. Mas de qualquer forma eu diria que oobjetivo é produzir conhecimento de qualidade e depois pensar nas mediações prafazer com que esse conhecimento chegue até o publico.

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QUESTÃO 4

Nos últimos 10 anos, é possivel destacar alguma pesquisa produzida por cientistas políticosbrasileiros?

UFRJ(NICOLAU, Jairo) Não destacaria um nome em particular. Tem pesquisas muitosólidas sobre o Congresso, o comportamento eleitoral e política públicas. Destaco estastrês áreas, que a meu juízo fazem as pesquisas mais relevantes.

IESPUERJ

(FERES JUNIOR, João) Sei de muitas, inclusive minhas, mas não destaco umaespecificamente.

IESPUERJ

(SANTOS, Fabiano) Citaria várias! Gosto muito do que tem sido produzido pelaMarta Arretche na USP sobre federalismo e instituições e também o que o João Feres,em meu Instituto, tem feito sobre mídia e política.

UFF

(CERQUEIRA FILHO, Gisálio) Esta questão foi substituida por outra sobre odialogo entre Brasil e América Latina sobre as condições de produção e divulgação daCiência Política.Vejo o interesse pelo diálogo entre Brasil e América Latina como muito localizadoe circunscrito a alguns poucos iniciados. Poderia citar os exemplos positivos doFórum Universitário do Mercosul (FoMERCO), ou a UNSASUL. Ou ainda no Centrode Investigaciones Criminológicas (CIC), Universidad del Zulia, Maracaibo, Venezuelae a ALACIP. Também na UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-americana). Vejo como uma questão muito significativa a promoção do diálogoentre os cientistas políticos latino- americanos. Todavia, há muito por serrealizado, especialmente entre os jovens estudantes brasileiros que deveriam serinstigados a viajarem pela América Latina, estreitando os laços com os jovenslatino-americanos como um todo. O periódico que publicamos, Passagens. RevistaInternacional de História Política e Cultura Jurídica (on line), tem forte relação com aAmérica Latina, mas também busca aumentar o diálogo com a comunidade científicainternacional. Publica artigos em inglês ou espanhol, francês, português. [...]. Istoaumentado o acesso global à revista.

USP

(LIMONGI, Fernando) Há muitas. Acabamos de escrever um artigo revisando estaprodução e foi este artigo que motivou seu convite para que eu respondesse seuquestionário. Temos os nossos pais fundadores, Wanderley Guilherme dos Santos,Bolivar Lamounier, Fábio Wanderley Reis e Sérgio Abranches. Todos eles produziramciência da melhor qualidade. Lamounier foi o mais importante, ao meu ver, para pautaras pesquisas sobre os rumos da transição à democracia. Foi o primeiro a perceber quehavia uma transição em curso.

USP

(MUSSE, Ricardo) Esta questão foi substituida por outra sobre o posicionamento doscientistas sociais marxistas diante do fato de não contarem com a visibilidade edivulgação proporcionadas pelo Scielo quando publicam suas produções cientificasem revistas marxistas.Uma das funções das agências de pesquisa consiste em determinar os rumos e a linhateórica das investigações. Por meio de bolsas, editais, divulgação científica, etc. elasatuam no sentido de promover determinadas linhas de pesquisa em detrimento deoutras. A atuação dessas agências, ultimamente, em que pese o fim da guerra fria, seorienta pelo claro propósito - salvo raras exceções - de dificultar o desenvolvimento domarxismo, apesar de sua disseminação entre os pesquisadores e da sua tradição comomodalidade de interpretação do Brasil.

UFSCar (CEPÊDA, Vera) Aponto os estudos sobre o tema da democracia participativa (emvariadas modalidades – OP, conselhos, conferências, etc..), os estudos sobre

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presidencialismo de coalização, o debate sobre protagonismo do judiciário, os temas depolíticas públicas como ferramenta de capacidades estatais. Ou seja, as expressões docontexto brasileiro que contribuem para debate internacional sobre democracia,participação política, relação Estado e sociedade, juridicização da vida pública eestatal, mudanças da ação da administração pública – temas axiais do repertóriointernacional da área.

UFSCar(BRAGA, Maria do Socorro Braga) Destaco as pesquisas desenvolvidas por MariaDalva Kinzo e Jairo Nicolau sobre os partidos no Brasil e as do Fernando Limongi eArgelina Figueiredo sobre as relações Executivo e Legislativo.

UFSCar (MARTINS FILHO, João Roberto) Há uma grande quantidade, mas eu destacaria olivro de Wanderley Guilherme dos Santos: O ex-Leviatã brasileiro.

UNICAMP

(BIANCHI, Álvaro) Citei o livro do André Singer. Acho que é uma contribuiçãoimportante para entender os últimos quinze anos da vida política brasileira. Os estudosde Fernando Limongi e Andréa Freitas são essenciais para uma melhor compreensão doprocesso legislativo brasileiro. As pesquisas sobre democracia e desigualdade levadas acabo por Luis Felipe Miguel e Flávia Biroli na Universidade de Brasília se destacam.As investigações de Adriano Codato, Renato Perissinotto e a equipe com a qualtrabalham na Universidade Federal do Paraná sobre as elites políticas, também. Aspesquisas de Luciana Tatagiba sobre os movimentos sociais tem obtido resultadosmuito significativos. Na minha área, que é a de história do pensamento político,destaco a pesquisa dirigida pelo falecido Gildo Marçal Brandão sobre as linhagens dopensamento político brasileiro e recentemente tenho lido e gostado dos trabalhos deChristian Edward Lynch.

UNICAMP

(FREITAS, Andréa) Os trabalhos produzidos por Marta Arretche, o livro sobreorçamento de Figueiredo e Limongi um artigo escrito por Cheibub e Limongi (FromConflict to Coordination: Perspectives on the Study of Executive-LegislativeRelations), são os trabalhos que eu destacaria. Nos casos citados, para além umaanálise interessante, temos uma discussão densa e realmente nova.

UFRN (VÍTULLO, Gabriel) Esta questão não foi respondida

UFMG

(REIS, Bruno) [...] O que conseguiu aquela literatura sobre presidencialismo decoalizão […] realmente é algo sem precedentes, em matéria de Brasil e em boa medidaem matéria de produção teórica do terceiro mundo. Tem também a literatura sobre...inovações institucionais [...] não é algo que você pode dizer que modificou a ortodoxia,mas tem muita visibilidade […] Adrian Gurza Lavalle, da USP, um mexicano que veiofazer o doutorado no Brasil [...] é um cara que tá mexendo com associações civis,sociedade civil e... participação... Ele é um cara muito produtivo, muitointernacionalizado... nem é tão conhecido assim no Brasil, mas tá fazendo um trabalhomuito importante... [...] eu acho que uma.. coisa de gênero[...] Eu acho que o Brasiltem uma oportunidade na parte de financiamento de campanha, tem um pé nafrente, porque essa é uma área praticamente inexistente, essa é uma literatura dejuristas, nos Estados Unidos... Isso é impressionante, isso é coisa da área do Direito,o Direito estuda isso, a Ciência Política, muito pouco. [...]

ABCP

(AVRITZER, Leonardo) Diversas, eu acho que cada um dos Núcleos importantes daCP brasileira produziu dados relevantes sobre o país nesses últimos 10 anos. No meucampo, acho que o mapeamento das instituições participativas foi muito importante,assim como eu acho que o mapeamento da capacidade de aprovação.. é.. de iniciativade Lei do Executivo no Congresso, pelo campo das instituições foi muito importante,assim como, eu acho que os trabalhos de gênero, são importantes. Nesses últimos anos,os trabalhos de mídia feito especialmente no Iesp para tentar mostrar, vamos dizer,

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certos enviesamentos da cobertura midiática do governo Federal são muitoimportantes. Então, eu acho que tem trabalhos muito importantes que tem não sóestruturado a CP brasileira como também né... tido repercussão na academiainternacional.

CAPESCP e RI

(MARENCO, André) Olha, eu acho que tem muitas, né... e em muitas áreas. Nesseperíodo, nos últimos 20 anos, grande parte da agenda da CP foi em torno do debatesobre o Presidencialismo de Coalizão, Relações intergovernamentais... Eu acho quehouve muito avanço nesse terreno... embora eu acho que o avanço tenha se esgotadoum pouco... Acho que essa agenda tá muito repetitiva... uma série de outroselementos.... isso que eu disse agora a pouco.... eu acho que talvez a CP tenha ficadosem uma contribuição mais significativa no plano, por exemplo, de pensar ofuncionamento das instituições... mas acho que há uma agenda sobre políticas públicasque avançou de modo significativo no sentido de entender sobretudo o impacto dealguns programas sociais, de alguns programas na área de políticas públicas. Acho quehá toda uma agenda em termos de participação política e social que ofereceucontribuições relevantes, né... pra compreensão das relações entre Estado e Sociedade.Então, eu acho... sobretudo essas 3 áreas: Relações intergovernamentais, é... [coalizão]Presidencialismo de Coalizão, Federalismo, tudo mais... Relações entre Estado eSociedade, Canais de participação, mecanismo de participação e a discussão sobrepolíticas públicas, acho, que são áreas que a comunidade avançou bastante. Acho quenão se conseguiu oferecer uma agenda que, aí sim, poderia ter um impacto, criar umademanda... na área de reformas institucionais, acho que nesse terreno a CP brasileira foimais tímida, digamos, ou não conseguiu oferecer contribuições tão significativas.

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QUESTÃO 5

Por fim, eu gostaria que a senhora citasse um grande problema que a ciência política brasileiraainda precisa superar e uma importante questão que caiba a essa ciência responder, mas que ainda

não o fez.

UFRJ

(NICOLAU, Jairo) A CP no Brasil tem que superar a dicotomia história dopensamento político versus pesquisas empíricas. Isso é uma tolice e começaempobrecendo a carreira dos estudantes já na graduação, quando os alunos começam acomprar brigas que não são deles. Precisamos também avançar no treinamentometodológico.Um desafio de uma área de ponta da CP no Brasil é explicar como presidentesgovernam o Brasil. A ideia de presidencialismo de coalizão (tão conceitualmentemaltratada) fez água com a crise do governo Dilma. Onde foram parar opresidencialismo forte desenhando pela carta de 1988?

USP(LIMONGI, Fernando) Problema: aumentar a densidade e intercâmbio entre osprogramas existentes, sobretudo entre alunos. Questão: entender porque democraciasredistribuem menos renda do que se espera que elas deveria redistribuir.(Surpreendente essa resposta)

IESPUERJ

(FERES JUNIOR, João) Não acho que haja UM grande problema, ou UMAimportante questão. Uma vez que entendo, pragmatisticamente, a CP como plural, achoque abordagens e correntes diferentes tem seus problemas e questões específicos.

IESPUERJ

(SANTOS, Fabiano) Grande problema: fortalecer e multiplicar a produção teórica emetodológica (veja, isto não é contraditório com o que disse na questão 2, apenas achoque é um desafio avançar mais). Importante questão: instabilidade e crise dademocracia em países já consolidados democraticamente (exemplos abundam...)

UFF

(CERQUEIRA FILHO, Gisálio) Um grande problema que a ciência políticabrasileira ainda precisa superar? Trata-se da visão colonialista que, em muitascircunstâncias, é ainda vigente na sociedade brasileira no início do século XXI... [...]Uma importante questão que caiba a essa ciência política responder? Trata-se dalibertação da dupla “camisa de força” que aprisiona os seus paradigmas interpretativoshegemônicos: (a) aquela do conhecimento científico positivista e (b) a do “tomismo”,referido aqui às ideias de Santo Tomás de Aquino, impregnado na cultura políticabrasileira.

(MUSSE, Ricardo) Como não sou da área e não acompanho em detalhes o que se fazatualmente, prefiro pular essa questão.

UNICAMP

(FREITAS, Andréa) O problema a ser superado é a falta de ousadia. Uma análise maiscrítica sobre os pressupostos que guiam as análises deve ser sempre feita se quisermosevoluir. Uma questão importante que ainda não demos conta diz respeito ao manejo dascoalizões. Ainda não temos clareza sobre os mecanismos que permitem suamanutenção. Uma questão ainda mais importante seria entender se presidencialismo decoalizão é uma categoria analítica ou apenas um status.

UNICAMP

(BIANCHI, Álvaro) Eu acho que o maior obstáculo da ciência política brasileira é seuprovincianismo. Se há um déficit a superar é o déficit de cosmopolitismo. A obsessãoem reproduzir de maneira rudimentar aquilo que se acredita ser o modelo da ciênciapolítica norte-americana revela não apenas um conhecimento parcial dela, como,também, uma cultura subalterna. Para tornar-se cosmopolita a ciência política brasileiraprecisa reencontrar seus impulsos nacionais, seus temas e abordagens características.

UFSCar (CEPÊDA, Vera) Grande problema: cito três como principais:

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1. ajustar as particularidades da trajetória política brasileira ao contexto teóricointernacional, SEM ceder aos excessos do mimetismo do transplante de ideias e SEMceder ao isolamento do caso nacional em relação ao sábio processo da "comparação".2. retomar nexos fundamentais entre pesquisas aplicadas - empíricas - com o esforço daanálise teórica3. recolocar o problema e o fenômeno político em perspectiva: a) holístico(interconectando com outras dimensões da vida social: economia, cultura e valores,organização social, mosaico geopolítico) e b) em perspectiva histórica (sem desprezartrajetórias de longa duração) - enfrentar - com urgência - o debate profundo,reexaminando problemas axiais como evolução/dinâmica do capitalismo,individualismo e filosofia do self, judicialização advinda do modelo racional-legal,limites e possibilidades do Estado de Direito (em especial pela tendência deconformação do Estado de Exceção dentro e como via do Estado de Direito), entreoutros temas amplos, nodais - que muitas vezes se perdem em análises setorializadasou segmentadas, que observam o microcosmo político e perdem de vista a dinâmica e acontradições que geram o quebra-cabeça da política.Quanto ao caso brasileiro, penso que há três grandes problemas a serem enfrentados:1. reposicionar nossas balizas conceituais “clássicas”, como liberalismo, autoritarismo,conservadorismo, esquerda/direita, na experiência brasileira. Não vejo aqui apossibilidade de exame destes itens - que modelam escolhas, definem arranjosinstitucionais, perfazem significado de regimes políticos - sem o cuidado decompreender o contexto específico do Brasil. Estes meta-conceitos ganharam entre nósforma e função diferenciada que precisa ser levada em conta na tarefa da compreensãopolítica.2. e como um desdobramento, nesta mesma direção, é preciso também enfrentar oscânones estabelecidos sobre a recepção e ajuste destes conceitos na trajetória nacional.[...].3. por último, e muito próximo (admito) do que pesquiso, verificar o impacto que oraciocínio econômico legou - e ainda lega - na performance dos problemas nacionais eda teoria que os explica

UFSCar

(BRAGA, Maria do Socorro Souza) A CP brasileira precisa ampliar seusintercâmbios e debates com os vizinhos latino-americanos. Ainda citamos e colocamosem nossos programas de cursos raras obras de colegas chilenos, argentinos, uruguaiosentre outros. São várias questões, mas fico com apenas uma: Deve prevercomportamentos futuros visando a intervir na realidade?

UFSCar (MARTINS FILHO, João Roberto) Faltam trabalhos sobre ideologias políticas,política internacional e política de defesa, por exemplo.

UFRN (VITULLO, Gabriel) Esta questão não foi respondida.

UFMG

(REIS, Bruno) [...] é um tanto presunçoso presumir que a gente pode identificar umgrande problema que a gente tem que superar, porque no limite são os problemas que oBrasil tem daqui pra frente.... e é difícil separar o que é um grande problema para aCP do que é [um grande problema] para o país. Tem muitos desafios pela frente...Eu acho, que uma importante questão, eu fico com essa como algo subtematizado,subapropriado. Um grande problema que ela precisa superar ainda é conseguir dealguma maneira intensificar o debate, pra valer, pode se dizer assim [...] Nosseminários é difícil debater e isso é global, mas em nós, [no Brasil], é um pouco maisforte... Como a especialização é baixa, as mesas são muito heterogêneas. A gentevai lá, apresenta o trabalho e pronto. E, isso é um problema. Agora, como é que sesupera um problema desses? Durante muito tempo a gente foi muito restritivo quanto àqualidade... tentando [...] fazer coisa boa e ao fazer coisa boa... ter bons debates. Hoje,

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eu acho que é o contrário. Eu acho que a gente melhora a qualidade, melhora o debatese aumentar o número... tem que ter muita gente estudando, muitos programas, etc, etc.

ABCP

(AVRITZER, Leonardo) Bom, eu acho que o grande problema da CP brasileiraainda continua sendo o padrão de internacionalização, especialmente das suasprincipais revistas. Nós hoje temos já revistas de CP, algumas importantes, sãoreferencias... fortes para a comunidade brasileira, mas essas revistas acabam tendoum... não vou chamar um endogenismo não... uma super concentração em Brasil, umaconcentração no Brasil que me parece excessiva e uma certa incapacidade de atrair osdebates internacionais importantes da área. Eu acho que o Brasil só vai virar ummembro efetivo da comunidade internacional de cientistas políticos quando ele superaresse provincialismo das suas revistas. [...] a questão do que que são as novasdemocracias é uma questão importante... acho que muita gente no Brasil fezcontribuições importantes nessa direção.... ainda não tem, talvez, um grande livrosobre as novas democracias ou sobre a contribuição da democracia brasileira paraas novas democracias... Eu acho que essa talvez seja a grande contribuição que tá aípra ser dada.

CAPES

(MARENCO, André) Eu acho que o grande desafio da CP brasileira é o deinternacionalizar-se mais. Nos últimos 10 ou 20 anos há um crescimento notável dovolume da produção medido, por exemplo, pelo banco de dados da Scorpus, enfim... ACPB passou da quase 40ª posição no mundo para alguma coisa como a 15ª emvolume de produção, mas é uma comunidade ainda muito pouco citada, muitopouco referenciada, muito pouco visível no conjunto da comunidade da CPinternacional. Então, a CP brasileira precisa internacionalizar-se mais. Para fazer issoela precisa fazer com que os seus objetos de reflexão seja menos brasileiros e maisinternacionais. A CP brasileira conhece muito o Brasil. A gente pesquisa muito sobre oBrasil, sobre as instituições políticas brasileiras, os partidos brasileiros, as políticaspúblicas no Brasil, as relações intergovernamentais no Brasil, as relações Estado eSociedade no Brasil e todos os demais objetos de estudo. O nosso foco é muito oBrasil e pelo acumulo de qualidade, enfim, que se tem... a CP brasileira deveriaser mais internacional, devia tá discutindo mais modelos explicativos, teorias,escolas... internacionais. Ela deveria tá disputando mais com a comunidadeinternacional a produção de conhecimento... […] por exemplo, na área institucionala questão... a discussão de explicações para teorias institucionais né... que tipo deinstituições importam e são ca[pazes...] Nos últimos 20 ou 30 anos no planointernacional há todo um predomínio de explicações institucionalistas, ótimo. Ocalcanhar de Aquiles da escola institucionalista é entender como as instituições seformam e que tipo de configuração institucional produz equilíbrio, né... Isso é umapedra, digamos assim, no calcanhar da comunidade internacional e acho que nessadireção a CP brasileira deveria direcionar a sua agenda, os seus esforços nessa direção,ou seja, de produzir aquilo que se chamaria de uma Teoria de Instituições, umaexplicação sobre como as instituições se formam e que tipo de instituição produzequilíbrio. Não só no Brasil, mas é.. no mundo. Então, de alguma forma, a CPbrasileira deveria se internacionalizar em duplo sentido: tanto dela ter maiorrepercussão internacional, sua produção, seu trabalho ter mais visibilidade, repercussãointernacional quanto no sentido dela incorporar uma agenda menos brasileira e maiscomparativa, mais teórica e mais internacional.

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APÊNDICE C – FONTES DE PESQUISA (9 ARTIGOS)

AVRITZER, Leonardo e GOMES, Lilian (2013). Política de reconhecimento, raça e

democracia no Brasil. DADOS, v. 56, n. 1

AZEVEDO, Fernando (2006). Mídia e democracia no Brasil: relações entre o sistema de

mídia e o sistema político. Opinião Pública, v. 12, n. 1

BALBACHEVSKY, Elizabeth e HOLZHACKER, Denilde (2012). O novo consenso da

sociedade brasileira: democracia e igualdade. Opinião Pública, v. 17, n. 2

COUTINHO. Marcelo (2006). Democracias Andinas: chegando tarde à festa?. DADOS, v.

49, n. 4

LOPES, Dawisson (2007). Relações econômicas internacionais, isomorfismo institucional

e democracia na América Latina: explicando as convergências (inesperadas?) entre

Uruguai, Brasil e Honduras. DADOS, v. 50, n. 3

LYNHC. Christian (2008). A primeira encruzilhada da democracia brasileira: os casos de

Rui Barbosa e de Joaquim Nabuco. Rev. Soc. Pol., v. 16, n. supl.

MOISÉS, José Álvaro. (2010). Os significados da democracia segundo os brasileiros.

Opinião Pública, v. 16, n. 2

MOREIRA, Marcelo (2014). A poliarquia brasileira e a reforma política: análise de uma

contribuição de Wanderley Guilherme dos Santos à Teoria Política. DADOS, v. 57, n. 2

VITULLO, Gabriel Eduardo. (2006). As teorias da democratização frente às democracias

latino-americanas realmente existentes. Opinião Pública, v. 12, n. 2