ciencia e jornalismo

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    LILIANE DE ANDRADE CALADO

    CinCia e jornalismo:A CONstRuO DO sENtIDO DO DIsCuRsO

    jORNALstICO-CIENtfICO NO tExtO vERbAL ENO-vERbAL DE REpORtAgENs DA REvIstA pOCA

    joo peoa - 2012

    Livro produzido pelo projetoPara ler o digital: recongurao do livro na cibercultura -PIBIC/UFPB

    Departamento de Mdias Digitais - DEMID / Ncleo de Artes Miditicas - NAMIDGrupo de Pesquisa em Processos e L inguagens Miditicas - Gmid/PPGC/UFPB

    MARCA DE FANTASIAAv. Maria Elizabeth, 87/40758045-180 Joo Pessoa, PB

    [email protected]

    A editora Marca de Fantasia uma atividade doGrupo Artesanal - CNPJ 09193756/0001-79

    e um projeto do Namid - Ncelo de Artes Miditicas

    do Programa de Ps-Graduao em Comunicao da UFPB

    Diretor: Henrique Magalhes

    Conselho Editorial:Edgar Franco - Ps-Graduao em Cultura Visual (FAV/UFG)

    Edgard Guimares - Instituto Tecnolgico de Aeronutica (ITA/SP)Elydio dos Santos Neto - Ps-Graduao em Educao da UMESP

    Marcos Nicolau - Ps-Graduao em Comunicao da UFPBPaulo Ramos - Departamento de Letras (UNIFESP)

    Roberto Elsio dos Santos - Mestrado em Comunicao da USCS/SPWellington Pereira - Ps-Graduao em Comunicao da UFPB

    C141c Calado, Liliane de Andrade

    Cincia e jornalismo: a construo do sentido do discurso jornalstico--cientco no texto verbal e no-verbal de reportagens da revis-ta poca / Liliane de Andrade Calado. - Joo Pessoa: Marca deFantasia, 2012.

    233p.: (Srie Periscpio, 14). Ilust.ISBN 978-85-7999-055-7

    1. Jornalismo Cientco. 2. Semitica. 3. Discurso. 4. Revista poca.

    CDU: 316.774

    Cincia e jornalismo: a construo do sentido do discurso jornalstico-cientco

    no texto verbal e no-verbal de reportagens da revista poca

    Liliane de Andrade Calado2012 - Srie Periscpio - 14

    Ateno: As imagens usadas neste trabalho o so para efeito de estudo, de acordo com oartigo 46 da lei 9610, sendo garantida a propriedade das mesmas aos seus criadores oudetentores de direitos autorais.

    Coordenador do ProjetoMarcos Nicolau

    CapaRennam Virginio

    Editorao DigitalLuan Matias

    Danielle AbreuEwerton NevesFabrcia GuedesFilipe AlmeidaKeila Loureno

    Liane Gabriela de BritoLuan Matias

    Maria Alice LemosMarriett Albuquerque

    Rennam Virginio

    Alunos Integrantes do Projeto

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    A cincia e o jornalismo so

    duas grandes foras da Humanidade.

    (Manuel Calvo Hernando)

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    sUmrio

    inTroDUo............................................................................10

    ParTe i

    a CinCia e a mDia................................................................15

    Cc: cct u......................................................15

    a Cc d bt................................................25

    a Cc c t d j..........................................29

    Razes do jornalismo cientco.......................................................30

    Jornalismo cientco brasileiro.......................................................35

    Jornalismo cientco e seu papel na sociedade.................................40

    ParTe ii

    ConfigUraes Do jornalismo CienTfiCo em revsTas...........43

    rt b: ht ccttc........................43rt pc..........................................................................49

    A cincia e tecnologia nas pginas da revista POCA........................52

    ParTe iii

    asPeCTos TeriCos e meToDolgiCos................................61

    Dt d tud.....................................................62

    stc Cuc.........................................................67

    stc g.............................................................69

    Percurso gerativo de sentido.........................................................72stc vu.......................................................................84

    ParTe iv

    anlises Do CorPUs................................................................89

    it ft-d...............................................................90

    A relao entre teoria e prtica......................................................90

    A gura do sujeito Motoman........................................................104

    a u d t ........................................................110

    A construo de um discurso de desconana................................110

    O humor na gurativizao das novas teorias.................................120

    a cc d l d Ptc...................................126

    A relao entre tradio e inovao...............................................126

    A representao gurativa do livro................................................136

    o tu d Cd d D..........................................142A formao de um discurso de aclamao

    descoberta cientca................................................................142

    A relao de proporcionalidade entre a descoberta

    e a gura do crnio.....................................................................151

    Os efeitos cromticos, eidticos e topolgicos das guras................154

    o t d u t du...........................................158

    O estranho descoberto..............................................................158

    A holograa como recurso visual das guras..................................165

    o t cqutu eup?................................................173A armao do povo europeu no discurso......................................173

    Conjuno entre vrias linguagens................................................178

    As marcas signicantes da fotograa..............................................179

    A infograa como percurso visual..................................................183

    Qut qut, h.................................................189

    A biodiversidade da oresta Amaznica.........................................189

    Imagem microscpica como prova do discurso..............................199

    A histria da formao da oresta atravs do infogrco...................204

    ConsiDeraes finais.........................................................214

    refernCias..........................................................................224

    soBre a aUTora.....................................................................233

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    inTroDUo

    A cincia faz parte da histria da humanidade. Ohomem sempre buscou o entendimento de fenmenosque estavam ao seu redor. No decorrer dos sculos, estru-turou explicaes para esses acontecimentos formulan-do proposies e teorias. E foram elas a base de muitasdescobertas que modicaram o mundo. Hoje, a cincia seinsere cada vez mais em nosso dia a dia, em aes sim-

    ples e tambm em questes complexas, como a clonagemhumana.

    A mdia, por sua vez, reconhecendo o poder da ci-ncia, reete os progressos cientcos em seus veculos.A todo o momento, somos envolvidos por notcias e re-portagens que retratam o desenvolvimento de pesquisascientcas. Na TV, jornais, revistas e na internet encontra-mos variados tipos de matrias que discursam sobre as

    interfaces da cincia. Enm, inegvel a proeminncia dacincia e sua importncia tanto no mbito social, econ-mico e, porque no dizer, miditico.

    Nesse contexto, se consolida o jornalismo cient-co, uma produo especca que emerge como forma dedivulgao da cincia, intercalando o mundo cientco

    com a realidade jornalstica. A prtica surgiu a partir dapublicao de correspondncias cientcas de pesquisa-dores do sculo XVI, originando o peridico PhilosophicalTransactions1. A partir dele, o jornalismo cientco se pro-pagou pelo mundo e se fortaleceu na mdia.

    Atualmente, diversos suportes miditicos, como jor-

    nais e revistas, criaram espaos exclusivos para divulgara cincia. Nesses espaos so apresentadas matrias queenvolvem assuntos cientcos e tecnolgicos, enquadra-dos em uma linguagem jornalstica. Esses meios impres-sos, no especializados fazem parte do cotidiano e, pormeio dos artifcios do jornalismo, tentam traduzir numalinguagem menos cientca o mundo da cincia para osleitores. nesse cenrio que os meios de comunicao

    tornaram-se porta-vozes da cincia para a sociedade.

    A mdia passou a desempenhar a funo estratgica de for-necedora de informaes cientcas, as quais permitem quetodos se sintam minimamente anados com as questes cen-trais de um mundo que, sob a gide da cincia e da tecnologiamostra-se em contnuas e rpidas transformaes (BERTOLLIFILHO, 2006, p. 1).

    De acordo com essa perspectiva, pesquisas que sededicam a entender as conguraes do discurso proposto

    por veculos miditicos que divulgam a cincia tornam-sesignicativas. Assim, nosso estudo focaliza a revista infor-macional POCA, que apresenta desde o seu surgimen-

    1 O Philosophical Transactions surgiu em 1665 e foi criadopelo alemo Oldenburg. O peridico reunia vrios textos sobrepesquisas e descobertas cientcas.

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    to (em 1998) a seo Cincia & Tecnologia, que como oprprio nome diz se prope a abordar e discutir assuntoscientcos. A partir dos pressupostos da teoria semiticagreimasiana, conhecida por ser uma teoria voltada parao estudo de textos (verbais e no-verbais) e por, tradicio-nalmente, buscar o sentido em todas as suas formas de

    manifestao, analisamos matrias dessa seo, visandoapreender a construo desses textos.

    Nesta conjuntura importante lembrar que tododiscurso parte de um princpio bsico: convencer o ou-tro. Para isso, emergem estratgias argumentativas e depersuaso. Por isso, nos inquieta descobrir os efeitos desentido provocados a partir das escolhas argumentativasdos reprteres da seo, pois, como nos lembra Greimas

    (1975, p. 15), o sentido [...] no signica apenas o queas palavras querem nos dizer, ele tambm uma direo,ou seja, uma intencionalidade e uma nalidade.

    necessrio mencionar que a teoria semitica grei-masiana tambm resguarda em sua essncia o mtodo desua aplicao, institudo a partir de um percurso divididoem patamares, chamado de percurso gerativo de sentido.Esse percurso uma construo ideal criada por AlgirdasJulien Greimas, que constitui a base metodolgica da se-mitica greimasiana e prope a descrio e explicao dosmecanismos e regras que engendram o texto na buscapela signicao.

    O percurso gerativo de sentido evidencia a produ-o dos signicados do texto em patamares, num pro-

    cesso de descrio que vai do simples ao complexo. Deacordo com Barros (1988, p. 15) a noo de percursogerativo de sentido fundamental para a teoria semiti-ca. Prev-se a apreenso do texto em diferentes instn-cias de abstrao, em decorrncia, determinam-se etapas[...] e elaboram-se descries autnomas de cada um dos

    patamares de profundidade. Nesta obra empregamos emtodas as reportagens selecionadas o percurso gerativo desentido, sempre observando as articulaes entre cadanvel do mesmo.

    Assim, aps a denio do objeto de estudo, dateoria e da delimitao metodolgica, denimos a obraem quatro captulos. No primeiro captulo, A cincia ea mdia, resgatamos o conceito de cincia a partir do

    questionamento: anal o que cincia? Para respondera indagao recorremos a teorias epistemolgicas que sededicaram ao assunto. Ainda nessa parte, ressaltamos arelao cincia-jornalismo-sociedade, descrevendo a bio-graa do jornalismo cientco e tambm as conguraesdea caeoria ornalica no brail.

    No segundo captulo Conguraes do jornalismocientco em revistas abordamos a histria das revistasbrasileiras, destacando as caractersticas da revista PO-CA e da seo Cincia & Tecnologia.

    No terceiro captulo Aspectos metodolgicos ex-planamos sobre os tericos selecionados para o desenvol-vimento da pesquisa, sobre a amostra escolhida e tam-bm detalhamos a semitica greimasiana e sua relao

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    com o jornalismo, pormenorizando cada etapa do percur-so gerativo de sentido e suas interfaces com o texto ver-bal e no-verbal.

    Por sua vez, o quarto captulo Anlises do corpusest voltado para o estudo das reportagenseleia. se-lecionamos sete matrias da revista POCA, compreen-

    didas entre o perodo de janeiro a dezembro de 2010,e realizamos em cada uma delas a anlise semitica dotexto verbal e no-verbal, demonstrando a construodo discurso de todas elas.

    Por m, tecemos um breve comentrio sobrea relevncia da utilizao da semitica greimasianapara o estudo do jornalismo cientco e como ela uma alternativa coerente para a anlise de fenmenos

    miditicos. Evidenciamos tambm quo importante setorna a investigao sobre a construo do sentido detextos jornalsticos sobre a cincia, a partir da anlisedas estratgias discursivas utilizadas pelo reprter e quesinalizam uma maneira particular de enxergar o fatocientco, demonstrando as complexas articulaes deformao destes textos.

    ParTe i

    a CinCia e a mDia

    Neste captulo abordaremos aspectos sobre a cin-

    cia, a mdia e suas relaes. Em um primeiro momen-

    to vamos resgatar o conceito de cincia, buscando en-

    tender sua denio. Em seguida, mostraremos como o

    fazer-cientco atraiu a ateno da mdia e se tornou um

    assunto de interesse e de divulgao dos suportes midi-

    ticos. Em consonncia, vamos elucidar os laos entrea cincia e o jornalismo, mais especicamente sobre as

    conguraes do jornalismo cientco, apresentando as

    caractersticas dessa categoria jornalstica, os desaos

    que ela percorre e o seu papel na atualidade.

    Cc - Cct eu

    Denir a cincia2 no uma tarefa fcil. Quando so-mos surpreendidos com a indagao O que cincia?muitas vezes no encontramos palavras para explicar. Oprimeiro passo dessa dissertao o resgate histrico de

    2 A palavra cincia deriva do verbo em latim scire, (saber) esignica conhecimento ou sabedoria.

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    correntes epistemolgicas que se dedicaram a estudar anatureza da cincia, partindo do princpio de que a cinciafaz parte da histria da humanidade e que exerceu e aindaexerce papel importante no desenvolvimento das socieda-de.

    A raze hirica da cincia eo inerliada a

    uma jornada incessante em busca do conhecimento pararespostas de questionamentos referentes aos fenmenosda natureza e observaes do dia a dia. A priori essa bus-ca era uma atividade considerada amadora e se contrapu-nha a ideia de explicao desses fenmenos por meio dareligio e dos mitos. Na origem, os investigadores eramamadores no sentido primitivo do termo: eram lsofose cientistas. A atividade cientca era sociologicamente

    marginal e perifrica (MORIN, 2007, p. 19).Para Pena (2005, p. 22) o homem, desde sua ori-gem, visa dominar a natureza e por isso sistematizou leispara explic-la.

    Na verdade, a obsesso por dominar a natureza esconde a ver-dadeira obsesso do homem: dominar o caos ou em outras pa-lavras, ter previses seguras que evitem a queda no abismo, ouseja, no desconhecido. Para isso, ele inventou a cincia e tratoulogo de criar leis deterministas que dessem estabilidade aos taisfenmenos naturais.

    Chalmers (1993) analisa, por meio de correntes deestudo, vrias apreciaes da natureza da cincia no decor-rer de seu desenvolvimento. A primeira delas a concep-o de cincia como conhecimento derivado dos dados da

    observao e experincia. O autor sintetiza que essa visoemergiu em decorrncia da revoluo cientca que ocor-reu principalmente no sculo XVII, trazida por cientistaspioneiros como Galileu e Newton. Essa compreenso dacincia foi nomeada como indutivismo. Chalmers (1993, p.37) esclarece que a concepo indutivista defende que a

    cincia comea com a observao, a observao forneceuma base segura sobre a qual o conhecimento cientcopode ser construdo, e o conhecimento cientco obtidoa partir de proposies de observao por induo. Per-cebemos ento que essa viso parte do princpio de que aobservao a porta de entrada para a gerao do conhe-cimento cientco.

    Descobrimos em Frana (2008) a distino entre

    dois tipos de conhecimento: o emprico (vivenciado no diaa dia) e o cientco. Para a autora, o primeiro est di-retamente interligado observao e experincia, e osegundo no se concretiza apenas no pressuposto da ob-servao. Frana (2008, p. 44) elucida:

    Digamos que as formas intuitivas de apreenso, o senso comum,constroem o conhecimento possvel, imediato [...]. A cinciamenos imediata e procurando afastar-se um pouco do vividoestaria comprometida com a busca permanente do conhecimento

    dedigno, aprofundado e sistemtico da realidade.

    Desse modo, as armaes indutivistas sobre a ci-ncia no se materializam de forma efetiva. Aderimos aopensamento de Frana (2008) que assinala que a realiza-o da cincia instaurada a partir de um longo caminho.

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    Assim, a observao pode ser o ponto de partida e com-ponente importante para o desenvolvimento da cincia,contudo no pode ser considerada como um alicerce sli-do para o conhecimento cientco.

    A segunda percepo apontada por Chalmers (1993) o falsicacionismo que contrape o indutivismo, uma

    vez que no compreende que as teorias3 podem ser esta-belecidas como verdadeiras ou provavelmente verdadei-ras luz da evidncia observativa. O autor explica:

    As teorias so interpretadas como conjecturas especulativasou suposies criadas livremente pelo intelecto humanono sentido de superar problemas encontrados por teoriasanteriores e dar uma explicao adequada do comportamentode alguns aspectos do mundo ou universo. A cincia progridepor tentativa e erro, por conjecturas e refutaes. Apenas asteorias mais adaptadas sobrevivem (CHALMERS, 1993, p. 56).

    Desse modo, o falsicacionismo acredita que a cincia se inicia a partir da constatao de um problema. Oscientistas buscam solucionar esse problema testandoteorias. Dessa forma, apenas algumas sobrevivem e seconolida.

    A cincia comea com problemas, problemas estes associa-dos explicao do comportamento de alguns aspectos domundo ou universo. Hipteses falsicveis so propostas pe-

    los cientistas como solues para o problema. As hiptesesconjecturadas so ento criticadas e testadas. Algumas sero

    3 Sobre o conceito de teoria, compartilhamos com Frana (2008,p. 47) que arma que uma teoria um sistema de enunciados,um corpo organizado de idias sobre a realidade ou sobre umcerto aspecto da realidade. Etimologicamente, teoria signicacontemplao, exame, abstrao intelectual.

    rapidamente eliminadas. Outras podem se revelar mais bemsucedidas. Estas devem ser submetidas a crticas e testes ain-da mais rigorosos (CHALMERS, 1993, p. 64).

    Essas duas concepes tradicionais se estabeleceramcomo conceitos de cincia por muito tempo. Com o passardos sculos, o indutivismo e o falsicacionismo perderam

    fora e emergiram novos pontos de vista sobre a cincia.Nessa conjuntura histrica, insurgiu um movimento

    importante que provocou mudanas no conceito de cincia a revoluo Copernicana, que refutou a astronomia deAristteles desenvolvida no sculo IV a.C e a de Ptolomeuno sculo II d.C.

    Nas primeiras dcadas do sculo XVI, Coprnico projetou umanova astronomia, uma astronomia envolvendo uma Terra mvel,que desaava o sistema aristotlico e ptolemaico. De acordocom a viso copernicana, a Terra no estacionria no centro douniverso, mas orbita o Sol junto com os planetas (CHALMERS,1993, p. 100).

    Coprnico desaou o mundo ao contrapor os

    pensamentos de Aristleles e Ptolomeu. Essa novaastronomia demorou mais de um sculo para ser realmentereconhecida e comprovou que a observao e a ideiade teorias substituveis (indutivismo e falsicacionismo,

    respectivamente) eram insucientes para explicar acincia e o fazer cientco. Os detalhes da histria destaimportante mudana de teoria, uma mudana que ocorreudurante um sculo e meio [...] indicaram uma necessidadede explicao da cincia e de seu crescimento diferente,mais complexamente estruturada. (CHALMERS, 1993,

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    p. 100). Por isso, o autor arma que nesse processoevolutivo, a cincia passou a ser compreendida como umacomplexa estrutura e as teorias cientcas como um todoestruturado, ou seja, cada teoria tem sua importnciadentro da cadeia; diferentemente do que pensava ofalsicacionismo que acreditava que uma nova teoria

    substitua a anterior.Uma das razes pelas quais necessrio considerar as teoriascomo estruturas origina-se de um estudo da histria da cincia.O estudo histrico revela que a evoluo e o progresso dasprincipais cincias mostram uma estrutura que no captadapelos relatos indutivista e falsicacionista (CHALMERS, 1993,p. 110).

    Essa noo de cincia como uma cadeia que unevrias teorias que se completam e geram uma estrutura

    e a constatao da importncia do trabalho especco decada cientista (pesquisa cientca) provocou o surgimentode programas de pesquisa, bases tericas que serviram eainda servem para explicar vrios fenmenos.

    Neste caminho histrico merece destaque o pensa-mento terico de Kuhn (1990), que causou uma mudanade percepo sobre a cincia. A partir do estudo de regis-tros histricos da atividade de pesquisa, Kuhn evidenciou

    o termo paradigma para armar que em toda histriada humanidade, o homem vivenciou diversos tipos deparadigmas cientcos, a partir de diferentes valores so-ciais, econmicos e polticos: considero paradigmas asrealizaes cientcas universalmente reconhecidas que,durante algum tempo, fornecem problemas e solues

    modulares para uma comunidade de praticantes de umacincia (KUHN, 1990, p. 13).

    Destarte Kuhn defende que um paradigma umelemento estrutural integrante da cincia que caracterizauma poca, por exemplo, para os estudiosos da IdadeMdia eram conclusivas as teorias sobre os movimentos

    de rotao e translao dos planetas. Contudo, Coprnicoprovou que era a Terra que girava ao redor do Sol, assimcomo os demais planetas. Coprnico desmontou os para-digmas da cultura antropocntrica e estabeleceu um novoparadigma, que emergiu graas a uma conjuntura terica(uma srie de fatores) vivenciada naquele momento. nesse cenrio que Kuhn (1990, p. 202) aponta:

    Para que o paradigma possa triunfar necessrio que ele

    conquiste alguns adeptos iniciais, que desenvolvero at oponto em que argumentos objetivos possam ser produzidos emultiplicados. Mesmo esses argumentos, quando surgem, noso individualmente decisivos. [...]. No incio o novo candidatoa paradigma poder ter poucos adeptos e em determinadasocasies os motivos destes podero se considerados suspeitos.No obstante, se eles so competentes aperfeioaro oparadigma, explorando suas possibilidades e mostrando o queseria pertencer a uma comunidade guiada por ele. Na medidaem que esse processo avana, se o paradigma estiver destinadoa vencer sua luta, o nmero e a fora de seus argumentospersuasivos aumentar. Muitos cientistas sero convertidos e

    a explorao do novo paradigma prosseguir.

    Para nalizar as consideraes sobre a cincia, elu-cidamos ainda uma dura crtica realizada por Chalmers(1993) sobre a viso generalista do que ou no cincia.Para ele, essa generalizao excludente.

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    No sculo XX a cincia, seus avanos e descober-tas se incorporaram ao cotidiano da sociedade. Albagli(1996, p. 397) enfatiza que, neste sculo, a cincia dei-xou de ser uma instituio social heterodoxa para de-sempenhar um papel estratgico como fora produtiva ecoo ercadoria.

    nessa perspectiva que surgiram iniciativas de po-pularizao da cincia, visando principalmente divulgaros avanos cientcos. A difuso de informaes sobre acincia envolvia tanto o pblico leigo, como os prprioscientistas. Para Bueno4 a utilizao do termo difuso re-mete a todo e qualquer processo usado para a comuni-cao e divulgao da informao cientca e tecnolgi-ca. O autor elaborou um mapa conceitual que apresenta

    trs espcies de difuso da cincia: divulgao5

    cientca,disseminao cientca e jornalismo cientco. Cada umaapresenta especicidades prprias, embora se relacioneme tenham a mesma inteno difundir a cincia, sejapara a sociedade ou entre os cientistas.

    A divulgao cientca uma forma de difuso deinformaes para alm das paredes dos laboratrioscientcos, ou seja, voltada para o pblico em geral.

    4 BUENO, Wilson da Costa. O que Jornalismo Cientco?Disponvel em: . Acesso: 10 jul. 2011.5 O termo divulgao pode ser entendido como o ato ou ao dedivulgar. O termo vem do latim divulgare, que tem como base oato de tornar conhecido; propalar, difundir, publicar, transmitirao vulgo, ou ainda, dar-se a conhecer; fazer-se popular.

    Bueno (1984) elucida alguns exemplos de divulgao

    cientca como, exposies em museus, apresentaes

    teatrais, livros didticos e outros. Todos com um nico

    objetivo: explicar a cincia, seus efeitos e congura-

    es para o pblico em geral.

    J a disseminao cientca se caracteriza como

    uma forma de transferncia de informaes cientcase tecnolgicas transcritas em cdigos especializados,

    a um pblico seleto, formado por especialistas. Desta

    forma, a disseminao cientca tem como pblico alvo

    os pesquisadores. Esse tipo de divulgao se divide

    em disseminao intrapares e disseminao extrapa-

    res. A primeira, diz respeito a circulao de informa-

    es cientcas e tecnolgicas entre especialistas de

    uma rea ou de reas associadas; e a segunda, estvoltada para especialistas que se situam fora da rea-

    -objeto da disseminao, ou seja, cientistas que no

    neceariaene eo no eo donio da infor-

    ao.

    Bueno (1984) apresenta como exemplos de dis-

    seminao intrapares as revistas cientcas ou reuni-

    es cientcas dirigidas para limitado universo de es-

    pecialistas de reas ans. A disseminao extraparespode ser exemplicada atravs de revistas que podem

    ser lidas por diferentes especialistas, j que possuem

    assuntos paralelos a vrias reas cientcas.J o jornalismo cientco uma espcie particular

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    de divulgao cientca. Bueno6 especica: O jornalismocientco diz respeito divulgao da cincia e tecnologiapelos meios de comunicao de massa de acordo com oscritrios e o sistema de produo jornalstico. nestecontexto que o autor arma que o jornalismo cientcodepende de alguns parmetros que delimitam o prprio

    jornalismo, como a periodicidade, atualidade e difuso co-letiva. O jornalismo enquanto atividade prossional, mo-dalidade de discurso e forma de produo tem caracters-ticas prprias e gneros prprios.

    preciso ter em mente que o jornalismo cientco abrangeno apenas as chamadas cincias duras - Fsica, Qumica etc,mas inclui as cincias humanas (Educao, Sociologia, Comu-nicao etc) e que, em virtude da especializao em algumasreas, tem assumido denominaes particulares, em algunscasos, como o Jornalismo Ambiental, o Jornalismo em Agri-business, o Jornalismo em Sade, o Jornalismo Econmico , oJornalismo em Informtica etc. Na prtica, no entanto, todasestas manifestaes especcas remetem para o jornalismocientco, entendido aqui como o termo genrico, mais abran-ene7.

    Todas as formas de divulgao da cincia suscitampossibilidades de gerao de conhecimento para a socie-dade. Torna-se necessrio conscientizar as pessoas sobreos impactos da cincia na mesma velocidade da produo

    6 BUENO, Wilson da Costa. O que Jornalismo Cientco?Disponvel em: . Acesso: 05 jul. 2011.7 BUENO, Wilson da Costa. O que Jornalismo Cientco?Disponvel em: . Acesso: 10 jul. 2011.

    cientca atual, que cresce consideravelmente ano a ano.Mais do que divulgar os benefcios ou malefcios da cin-cia necessrio colaborar para a formao de uma culturacientca entre os cidados, para que eles sejam capazesde tomar decises por conta prpria e cobrar o progressoto prometido pela cincia.

    a Cc c t d j

    Campos distintos, a cincia e o jornalismo mantmuma relao de estranhamento e ao mesmo de tempo deaproximao. Cada um tem especicidades prprias e in-trnsecas, como a linguagem e a tcnica, o que provocaesse estranhamento, mas tambm se relacionam no mo-mento em que a cincia se torna fonte do jornalismo.

    Como elucidamos anteriormente a cincia e suas in-meras aplicaes provocaram e ainda provocam transfor-maes signicativas no contexto das sociedades, da mes-ma forma o jornalismo contribuiu para o desenvolvimentodas sociedades, exercendo um papel crucial como meio deinformao para os cidados.

    A aproximao entre a cincia e o jornalismo se ini-ciou no sculo XVI. poca em que cientistas iniciaram a

    realizao de reunies cientcas visando circulao deinformaes sobre as descobertas realizadas, promovendouma troca intensa de informaes cientcas. Esse foi oponto de partida para a divulgao de correspondncias decunho cientco escritas por vrios cientistas e em diferen-tes lugares.

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    A publicao dessas cartas revelou os alicerces deum jornalismo que percebeu a cincia como uma fonteinesgotvel para formatao de notcias e reportagens.Nasceu ento, o que hoje conhecemos como o jornalismocientco.

    Razes do jornalismo cientco

    Burkett (1990) ressalta que a redao cientca temprocedncia em um sistema de comunicao secular quese iniciou no sculo XVI. Nessa poca para superar a cen-sura imposta pela Igreja e pelo Estado, os cientistas sereuniam secretamente.

    Essas reunies culminaram na criao de socieda-

    des cientcas que inicialmente se desenvolveram na It-lia, Roma, Florena e Inglaterra. A Accademia SecretorumNaturae comeou em Npoles, Itlia, em 1560, como aprimeira de muitas sociedades cientcas que oresceramnas cidades onde os novos cientistas podiam se reunir comfacilidade (BURKETT, 1990, p. 27).

    As sociedades cientcas se relacionavam trocandoentre elas informaes sobre os estudos realizados. Issointensicou a troca e a difuso de ideias entre os cientistas.A comunicao entre essas sociedades era realizada pormeio da circulao de cartas. Trocas de cartas, monogra-as e livros em latim estabeleceram o padro de comunica-o entre indivduos, entre sociedades nas cidades, e entreas sociedades nacionais (BURKETT, 1990, p. 27).

    Burkett (1990, p. 27) explica que as cartas foram a

    alternativa encontrada pelos cientistas para fugir da cen-

    sura. Os cientistas preferiam as cartas (com frequncia

    impressas, de modo que cpias pudessem ser enviadas

    a vrios cientistas) porque os funcionrios dos governos

    eram menos inclinados a abrir o que parecia uma cor-

    respondncia ordinria. Apesar disso, muitos cientistasforam presos.

    Em 1667, Henry Oldenburg, secretrio da Royal Society, foiaprisionado na Torre de Londres, quando o secretrio de es-tado britnico achou que alguns comentrios contidos numacomunicao cientca criticavam a conduta de guerra da In-glaterra com os holandeses pelo comrcio das ndias Orientais(BURKETT, 1990, p. 27).

    De acordo com o autor foi o prprio Henry Olden-

    burg8 que idealizou o que hoje conhecemos como jorna-

    lismo cientco. Ele criou a publicao Philosophical Tran-

    sactions considerada pioneira na divulgao de textos

    sobre o desenvolvimento de ensaios cientcos. O peri-

    dico era composto pela traduo e transcrio de vrias

    cartas, textos cientcos e atas de variadas sociedades

    cientcas.

    8 Oliveira (2005, p. 19) arma que a partir das publicaesidealizadas por Oldenburg surgiu a prosso de jornalistacientco: a combinao do carter informal e fragmentadodas cartas foi logo percebida por Oldenburg, que com suacapacidade empreendedora inventou assim a prosso de

    jornalista cientco.

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    compreenso melhor de muitas das novas ideias e dosea aiore da cincia.

    De acordo com essa perspectiva, o autor mencionao jornalista David Dietz como um dos correspondentesque realizaram mudanas na redao sobre cincia.

    Suas aulas de cincia deram-lhe o vocabulrio necessrio e

    o conhecimento de cincia daquela poca para trocar ideiasfacilmente com os cientistas. A sua contribuio foi signicativapara que jornalistas srios e bem informados se especializassemem reportagem cientca (BURKETT, 1990, p. 34).

    Com o surgimento de jornalistas dedicados divulgao da cincia, os jornais comearam a dtratamentos diferenciados para a cobertura da cincia.Muitos deles transformaram o discurso cientco emsensacionalismo. Os jornais que estavam rapidamente setransformando em veculos de massa, davam aos leigos aimpresso de que a cincia se centrava no bizarro. Histriassobre o estranho, o incomum e o impossvel enchiam aimprensa popular aps a virada do sculo (BURKETT,1990, p. 32).

    Oliveira (2005, p. 20) observa que, aps o perododas guerras, surgiram as primeiras associaes dejornalismo cientco, principalmente na Europa e nos

    Estados Unidos. Jornalistas dos dois continentes, vidospor reunir informao e conhecimento para interpretar asnovas tecnologias blicas criaram as primeiras associaesde jornalismo cientco. Ainda de acordo com a autora,em 1971, algumas dessas associaes se uniram e criaram

    a Unio Europia das Associaes de Jornalismo Cientco,incentivando a divulgao da cincia por todo o continente.

    Aos poucos, a produo de jornalismo cientcodifundiu-se por todo o mundo. Atualmente percebemosque essa produo jornalstica est crescente na mdia.Se pararmos para assistir a TV ou folhearmos uma revista

    observaremos rapidamente notcias ou reportagens sobrea cincia. Alguns veculos tem editorias especcas sobrecincia, dando nfase principalmente s descobertascientcas atuais.

    Desse modo, torna-se cada vez mais proeminentea pesquisa sobre o jornalismo cientco proposto pelamdia atual, sobre os recursos utilizados nesse tipo deproduo e tambm a relao estabelecida entre cincia-

    ornalio-dia.

    Jornalismo cientco brasileiro

    A histria do jornalismo cientco no Brasil podeser contada a partir do surgimento da imprensa no pas.A imprensa surgiu tardiamente no Brasil, no reinado deD. Joo VI, quando foi revogada uma lei que proibia aimpresso de livros.

    Enquanto na Europa e nos Estados Unidos o sculo XIX foi mar-cado como um perodo de grande efervescncia da divulgaoda cincia e do jornalismo cientco, no Brasil a corte portugue-sa se instalou no incio do sculo e s ento resolveu suspendera proibio de imprimir livros e jornais (OLIVEIRA, 2005, p. 27).

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    Com a revogao da lei foi instalada uma ocinade impresso no Brasil, nomeada como Impresso Rgia,cuja inteno era a reproduo de papis e documentosda core.

    A imprensa brasileira nasceu atrelada ao poderocial. Em 1808, na ocina, foi produzido o peridico

    Gazeta do Rio de Janeiro, dirigido pelo frei Tibrcio Josda Rocha. Era um jornal do governo, que no apresentavanada de atrativo para o pblico. No entanto, trs mesesantes, independente do poder ocial, Hiplito da Costafundou o jornal Correio Braziliense. Apesar de produzidoem Londres, esse peridico foi considerado o marco inicialda imprensa brasileira. Oliveira (2005, p. 28) apresenta a

    justicativa de Hiplito sobre a realizao da publicaoem Londres: Resolvi lanar essa publicao na capitalinglesa dada a diculdade de publicar obras peridicas noBrasil, j pela censura prvia, j pelos perigos a que osredatores se exporiam, falando livremente das aes doshomens poderosos.

    Segundo Oliveira (2005) o Correio Braziliensecontinha algumas notcias sobre a cincia, principalmenterelacionadas a pesquisas estrangeiras, por isso ele considerado o primeiro jornal do pas a produzir jornalismo

    cientco, mesmo de forma incipiente.Nas ltimas dcadas do sculo XIX surgiram

    iniciativas de divulgao cientca em revistas, como naRevista Brazileira (1857); Revista do Rio de Janeiro (1876);e a Revista do Observatrio do Rio de Janeiro (1886).

    Na histria do jornalismo cientco brasileiro, Oli-veira (2005) destaca duas personalidades: o jornalista,militar e engenheiro civil Euclides da Cunha e o mdicopesquisador Jos Reis.

    Euclides da Cunha foi um dos precursores do jorna-lismo cientco e ambiental, no qual a informao cient-

    ca servia como suporte para o entendimento da realidadecotidiana. Ele aglutinava em seus textos a contextualiza-o e a interpretao de fatores como o clima e a vege-tao na formao do povo brasileiro e nas conguraessociais da poca. A servio do jornal O Estado de SoPaulo, Euclides realizou a cobertura da guerra de Canu-dos em 1897, suas viagens a cidade deram origem aolivro Os Sertes. As viagens de Euclides a Canudos re-sultaram em inmeras anotaes, consultas a estudiosose leituras, que o levaram a publicar o livro cinco anos maistarde (OLIVEIRA, 2005, p. 32).

    De mesmo modo, a atuao do mdico Jos Reis foisignicante para o desenvolvimento do jornalismo cien-tco brasileiro. Em 1932 comeou a publicar artigos efolhetos sobre a cincia para o pblico no especializadoe no parou mais de escrever at a morte, contabilizando

    mais de cinco mil trabalhos entre livros, artigos cient-

    cos e material jornalstico (OLIVEIRA, 2005, p. 34). Osfolhetos tinham linguagem simples e retratavam vriasquestes relacionadas cincia e as inovaes tecnol-gicas. Jos Reis considerado o patrono do jornalismocientco.

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    De acordo com Oliveira (2005, p. 29), a partir de1940 o Brasil passou a investir progressivamente em pes-quisas cientcas:

    A instituio da cincia no Brasil operou-se como em outrospases, bastante inuenciada pelo trmino da 2 Guerra Mun-dial e pelo grande impacto que a fora do avano tecnolgicodemonstrada pelos aliados causou em todo mundo. O primeiro

    fato marcante foi a criao, em 1948, da Sociedade Brasileirapara o Progresso da Cincia.

    A dcada de 1980 marcou um perodo de expanso

    signicativa do jornalismo cientco no pas. Esse cres-

    cimento foi marcado principalmente por dois motivos. O

    primeiro estava relacionado a eventos de repercusso

    internacional como a passagem do cometa Halley e as

    viagens espaciais que se tornaram reportagens muito di-

    vulgadas no Brasil. E o segundo fator foi o surgimento denovas revistas especializadas em cincia como a Cincia

    Hoje e a Cincia Ilustrada.

    Nessa perspectiva, foram projetadas no cenrio

    nacional revistas como Globo Cincia e Superinteres-

    sante. Surgiram tambm programas de televiso como o

    Globo Cincia, na TV Globo e Estao Cincia, na anti-

    ga TV Manchete. Oliveira (2005, p. 39) complementa:

    No incio dos anos 90, as editoriais dos grandes jornais esta-vam se estruturando e abrindo cada vez mais espao para aproduo jornalstica nas reas cientca e tecnolgica, apesarde, na maioria das vezes, privilegiarem material de contedointernacional, sobretudo de fontes americanas de notcias.

    Nessa conjuntura, o jornalismo cientco se conso-

    lidou no cenrio brasileiro. Nos ltimos anos, a categoria

    vem se prossionalizando cada vez mais graas con-

    tribuio das Universidades com a criao de cursos de

    especializao nos Programas de Ps-graduao e tam-

    bm com o surgimento de eventos especcos, como por

    exemplo, o Congresso Brasileiro de Jornalismo Cientco,que acontece todos os anos e promovido pela Associa-

    o Brasileira de Jornalismo Cientco.

    Os aportes da instituio acadmica so fundamen-

    tais para reexes mais profundas acerca da prtica do

    jornalismo cientco e tambm para uma formao mais

    crtica dos jornalistas que desejam atuar nessa rea.

    Na mdia brasileira atual existe um nmero signi-

    cativo de informaes cientcas disponveis em vriossuportes e de vrias maneiras seja em amplas reporta-

    gens, em noticirios televisivos, em programas espec-

    cos sobre cincia contudo necessria a formatao de

    uma informao mais reexiva e contextualizada.

    O problema maior, porm, no apenas de ordem quantitativa,ter mais ou menos espao ou tempo nos meios de comunicao.O equvoco maior est na prtica de um jornalismo cientcoque vive a reboque de fatos sensacionais, que no atende

    sua funo pedaggica e que no est comprometido com oprocesso de democratizao do conhecimento.9

    9 BUENO, Wilson da Costa. Os novos desaos do JornalismoCientco. Disponvel em: . Acesso em: 05 jan. 2012.

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    Por isso, fundamental que a produo de jornalis-mo cientco no se limite apenas a traduo de contedocientco, mas apresente tambm uma apreciao maisapurada sobre os fatos que permeiam os avanos cient-cos.

    jornalismo cientco e seu papel na sociedade

    Para muitos tericos um dos papis do jornalismocientco o de ser um mediador entre a cincia e a so-

    ciedade. A busca por uma harmonia entre a cincia e

    a compreenso popular se apresenta como caracterstica

    fundamental da atividade do jornalismo cientco. Oliveira(2005, p. 43) destaca:

    O casamento maior da cincia e do jornalismo se realiza quan-do a primeira, que busca conhecer a realidade por meio doentendimento da natureza das coisas, encontra na segunda eltradutor, isto , o jornalismo que usa a informao cientcapara interpretar o conhecimento da realidade.

    A partir dessa perspectiva, a informao cientcacontribui para a gerao de conhecimento. Assim o jorna-lismo cientco exerce uma funo educativa, contribuin-do para mostrar as interfaces e consequncias da cincia

    na vida cotidiana. O jornalismo cientco contribui paradiminuir a distncia entre o cidado comum e a elite cien-tca (OLIVEIRA, 2005, p. 54). A autora ainda ressaltaque a desmisticao do esteretipo do pesquisador cien-tco e o processo de alfabetizao cientca esto entreas colaboraes do jornalismo cientco para a sociedade.

    Bueno (1984) apresenta que alm do desempenho

    informativo e educativo, o jornalismo cientco tem mais

    quatro funes: social; cultural; econmica e poltico-

    ideolica.

    A funo social do jornalismo cientco diz respeito

    a divulgao de informaes que vinculam a cincia re-

    alidade social das pessoas, incluindo o debate sobre essestemas dentro das aspiraes da sociedade. A funo cul-

    tural est ligada a valorizao da cincia como um bem da

    cultura nacional.

    A funo econmica tem em seu cerne mostrar para

    a sociedade a relao entre o desenvolvimento cientco e

    tecnolgico e sua ligao com o setor produtivo, ou seja,

    explicar para os cidados como ocorre a transformao do

    que estudado e pesquisado nos laboratrios em produ-tos que no caso devem beneciar a sociedade.

    A atividade cientca est cercada de interesses

    econmicos e polticos e neste ponto que se situa a

    funo poltico ideolgica do jornalismo cientco. Os in-

    ventos e descobertas cientcas esto diretamente ligados

    aos interesses de grandes empresas, cabe ao jornalismo

    cientco informar a sociedade os bastidores das tran-

    saes e nanciamentos realizados com dinheiro pblicoque envolvem a cincia.

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    Os desaos do jornalismo cientco no sculo XXI no so pe-quenos. Simplesmente porque a eles se vinculam interessespoderosos, situados nos campos da cincia e da indstria dacomunicao. Cabe ao jornalista estabelecer parcerias, mobi-lizar conscincias, consolidar a sua competncia informativa,munir-se de coragem e esprito crtico para enfrent-los.10

    A partir das consideraes realizadas nesse tpico

    vericamos em Oliveira (2005) uma sntese dos possveispapis do jornalismo cientco. Utilizamos a palavra pos-sveis, por acreditarmos que muitas das funes aponta-das no se realizam em sua plenitude. A autora defendeque o jornalismo cientco deve ser apreendido como umagente facilitador na construo da cidadania, partindo doponto de vista que cidados bem informados podem me-lhor discernir e opinar.

    As temticas que envolvem a cincia fazem partede um universo amplo e repleto de sinuosidades, por issoos cidados devem estar bem informados para ento en-tender a extenso da cincia e de seus avanos em suasvidas. Neste caso, se o jornalismo cientco cumprir deforma coerente e reexiva a funo informativa essn-cia da atividade jornalstica j ter realizado um benef-cio importante para a sociedade.

    10 BUENO, Wilson da Costa. Os novos desaos do JornalismoCientco. Disponvel em: . Acesso em: 05 jan. 2012.

    ParTe ii

    ConfigUraes Do jornalismoCienTfiCo em revisTas

    Nesse item, vamos contar um pouco sobre a histria

    e evoluo das revistas brasileiras, focalizando a biograa

    da revista POCA. Vamos evidenciar tambm algumas ca-

    ractersticas do jornalismo cientco produzido por tal su-

    porte, ressaltando mais especicamente a seo Cincia

    & Tecnologia, um espao que se prope a divulgar fatoscientcos.

    rt b: ht ccttc

    As revistas se estabeleceram no Brasil com a che-

    gada da corte portuguesa. Como vimos no primeiro cap-

    tulo, no item 1.3.2, quando a corte se instalou no pas, a

    imprensa comeou a se desenvolver e aos poucos alm dosurgimento dos jornais dirios, emergiram tambm algu-

    mas revistas.Scalzo (2009) arma que a primeira revista brasi-

    leira foi criada em 1812, em Salvador. Chamada As Va-riedades ou Ensaios de Literatura, a publicao seguia

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    A VEJA foi criada de acordo com os padres das re-vistas norte-americanas Time e Newsweeke desde o in-cio trazia sees xas e colunas assinadas por renomadosjornalistas. Os anos iniciais da revista foram marcados porpouco lucro e tambm pela censura da ditadura. O su-cesso s aconteceu em 1974. Uma das marcas da revista

    at a atualidade so as famosas pginas amarelas quetrazem a entrevista de destaque da VEJA. Sobre a con-gurao dessas pginas, Hernandes (2001, p. 22) relata:

    O diretor de redao colocou na abertura uma entrevista comperguntas e respostas. Havia um estoque de papel amarelosobrando na grca, e ele foi usado na nova seo. Como setornou marca, quando o papel acabou, utilizou-se tinta amarelapara colorir as pginas de entrevistas.

    Scalzo (2009 p. 33) enfatiza que no nal da dcada

    de 60 comeou a se delinear entre as revistas brasileiras oconceito de segmentao editorial: Surgem nessa poca,[...] as revistas tcnicas segmentadas. Dentro dessemercado segmentado, crescem as revistas cientcas,tanto as especializadas como as para leigos, conrmandouma das fortes vocaes do veculo.

    Em 1976 foi lanada a revista Isto que seguia opadro editorial da VEJA e se destacava por possuir cor-

    respondentes em vrios lugares do pas e do mundo. Deacordo com Scalzo (2009) na dcada de 80, os temasreferentes sade, beleza e forma fsica se notabilizaramno cenrio brasileiro e assim surgiram vrias revistas so-bre essas temticas como as publicaes Sade, Boa

    forma e Corpo a Corpo. Ainda nesta dcada, entre 1981e 1984, circulou a revista Cincia Ilustrada, que chegoua vender 80 mil exemplares, mesmo no tendo recursosprprios, nem publicidade. A publicao foi considerada aprimeira grande revista de cincia em circulao no Brasil.Trs anos depois que a Cincia Ilustrada deixou de exis-

    tir, foi criada a revista Superinteressante, que pareciamuito com a anterior.

    A reportagem de capa do primeiro nmero da Super abordavao tema dos Supercondutores. Ela j seguia uma linha deargumentao que o futuro da revista adotaria: descreviaa teoria, o mecanismo bsico do fenmeno, sem receio deassustar o leitor, para em seguida descrever os segredosbsicos da natureza ou das tecnologias existentes; utilizandodados histricos, numa linguagem acessvel e popular (VERASJUNIOR, 2005, p. 35).

    Na dcada de 90 surgiu a revista POCA que mar-cou a entrada das Organizaes Globo no mercado editorialdas revistas semanais. A histria da POCA o assuntoprincipal do prximo item.

    Nos anos posteriores, Scalzo (2009) aponta duastendncias: a primeira relaciona-se ao surgimento de re-vistas populares que abordavam a vida de celebridades efofocas do meio artstico, como as publicaes Ana Ma-

    ria, Contigo!, Tititi e outras; e a segunda tendncia,de acordo com a autora, foi a ideia de personalizao dasrevistas, tornando-as nicas para cada leitor: Chegar acada indivduo foi uma das tendncias mais discutidas nomeio das revistas [...]. Era a chamada personalizao.

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    Cada leitor teria a sua prpria revista, feita sob medidapara ele (SCALZO, 2009, p. 49).

    Observando o contexto das revistas no Brasil perce-be-se claramente uma trajetria de consolidao de umveculo que priorizou no seu cerne a conexo entre textos(linguagem verbal) e recursos visuais (linguagem no--verbal) e que buscava desde sua origem conquistar e -delizar leitores dia a dia. A maioria das revistas citadas noincio do captulo tiveram durao curta e em poucos me-ses deixaram de existir, contudo fortaleceram a tentativade tornar esse instrumento parte da cultura brasileira.

    Atualmente, as revistas se rmaram no cotidianodos brasileiros. Para muitos, so elas que semanalmentetrazem debates de assuntos que j foram informados nainternet, TV e jornais dirios. E esse um ponto crucialque diferencia o suporte revista das demais mdias: hmais tempo para realizao de apuraes mais demora-das, o que provoca a percepo de uma produo de tex-tos que visa aprofundar os temas j discutidos. Por isso,corroboramos com Hernandes (2005, p. 13) que elucidaque a revista se congura em uma complexa engrena-gem social, que reproduz um olhar peculiar sobre aconte-cieno do dia a dia.

    A revista uma sosticada engrenagem que transmite valorespor meio de operaes racionais, passionais e sensoriais. Soescolhas de composio visual, de tipo de argumentao, defotograas, de infogrcos, de tipologia, e de jogos entre essese outros elementos.

    As escolhas citadas por Hernandes (2005) formam a es-sncia do discurso jornalstico das revistas. E so essasselees, que orientam a leitura e transformam o fato ouacontecimento em reportagem ou notcia.

    rvt pc

    Em 25 de maro de 1998 circulou o primeiro n-mero da revista POCA, peridico de notcias da maiorempresa de comunicao do pas, a Rede Globo. O pro-jeto da publicao foi baseado na revista alem Focuse apresentou desde o primeiro exemplar a utilizao derecursos de computao grca.

    De acordo com Scalzo (2009), a Rede Globo sonha-va lanar uma revista j fazia algum tempo. Esse era um

    anseio recorrente de Roberto Marinho na poca diretorgeral das organizaes. A edio nmero 1 apresentouum editorial assinado por Marinho que exaltava a con-ana e entusiasmo da empresa no sucesso da revista.

    A rede Globo lanou a revista e ao mesmo tem-po o site, seguindo uma tendncia do mundo editorialde o site oferecer um suporte extra cobertura realiza-da e veiculada na revista, disponibilizando sempre algoa mais, como o acesso a udios, fotos e documentos.Desde o lanamento, a revista utiliza em algumas repor-tagens o smbolo @ para caracterizar que no site huma cobertura extra veiculada na publicao.

    Atualmente a POCA a segunda revista no rankingde circulao de publicaes semanais. Segundo a Asso-

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    ciao Nacional de Editores de Revistas (ANER), de janei-ro a dezembro de 2010 a quantidade mdia de exempla-res de POCA distribudos por edio foi de 408.110 milexemplares11.

    No site da POCA encontramos um link que relata aio12 da revista, resumida da seguinte forma: fazerum jornalismo que capte o esprito do nosso tempo eajude a construir o amanh, converta informao emconhecimento, transforme a confuso em clareza.Observando a misso do peridico percebe-se que elaaglutina como pilares principais dois pontos: o primeiro o presente como suporte para o entendimento dofuturo; j o segundo, diz respeito a percepo de que ainformao pode se transformar em conhecimento parao leiore.

    Essas duas questes tambm so vericadas na vi-o13 expressa pela revista: ns e nossos leitores for-mamos uma comunidade que partilha interesses, ideiase opinies em busca de um futuro melhor. A misso e aviso da empresa so instrumentos que denem as estra-tgias que devem guiar as aes da organizao, criandouma convergncia de metas e delimitando um direciona-

    11 Ver: http://www.aner.org.br/Conteudo/1/artigo42424-1.asp.No h dados referentes ao ano de 2011.12 A misso de uma organizao a especicao de sua razode ser e sinaliza o compromisso da empresa com seus clientes.13 A viso de uma organizao composta pelos sonhos daempresa, ou seja, a sua maior aspirao.

    mento a seguir. A misso e a viso da POCA idealizamque a revista est sempre pensando no futuro, que asinformaes divulgadas podem contribuir para o futuro deseus leitores.

    POCA uma revista de variedades. Atualmentesuas edies apresentam mais de 100 pginas e uma m-dia de 10 sees a cada nmero. Algumas sees so xascomo Brasil que aborda os principais fatos e aconteci-mentos da semana no pas; Negcios & Carreiras queapresenta sobretudo matrias relacionadas a aspectos daEconomia; Mente Aberta seo que trata de assuntosligados a cultura; Sade & Bem-estar como o pr-prio nome diz traz matrias referentes a sade, compor-tamento e bem-estar; Mundo que apresenta matriasreferentes a assuntos internacionais e Cincia & Tecnolo-

    gia que se prope a discutir assuntos cientcos.Folheando as pginas da revista verica-se, de modo

    geral, uma perspectiva esttica e visual que prioriza o usode muitos recursos ilustrativos visuais como fotograas,mapas, desenhos e infogrcos. H matrias em que sedestacam pginas inteiras com esquemas grcos expli-cando e detalhando todo seu contedo.

    Outra tendncia vericada na histria da POCA a

    veiculao de edies especiais. A revista apresentou emvrias ocasies edies exclusivas sobre assuntos diver-sos, como um exemplar sobre a frica do Sul pas quefoi sede da Copa do Mundo de 2010. Essa caracterstica comum em outras revistas, como a VEJA e a Isto.

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    Outro fato vericado na seo que nas pginas das Cada vez mais a utilizao da infograa uma ten

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    Outro fato vericado na seo que nas pginas dasreportagens percebe-se que alm da rubrica Cincia & Tec-nologia (delimitando um espao especco) h um ante-ttulo ou chapu16 que aponta para o assunto principal damatria. Por exemplo, uma reportagem que relata o desen-volvimento de uma pesquisa sobre o sequenciamento doDNA humano traz o antettulo Gentica. Essa caractersti-ca demonstra o princpio de segmentao da segmentao o leitor recebe a indicao que est simbolicamente naspginas reservadas Cincia & Tecnologia e mais especi-camente, por exemplo, no assunto Gentica.

    notrio que a seo prioriza o uso de recursos visu-ais nas reportagens. Segundo o editor, o objetivo principal facilitar a compreenso do leitor. A gente usa cada vez maisa infograa. Belos grcos, precisos e inteligentes tornam o

    tema mais palatvel e fcil de entender.De acordo com Velho (2009, p. 2) a infograa

    Um instrumento intertextual que utiliza diferentes cdigos para compor um quadro informacional. Este quadrocondensa informaes selecionadas de maneira rigorosamenteorganizada, que so transmitidas pela conjuno de signosverbais e imagticos (simblicos, icnicos e indiciais), com oobjetivo de aumentar a qualidade informacional de matrias

    jornalsticas ou esquematizar fatos ou processos, permitindo oacesso informao por vrias vias de linguagens construdas

    por cdigos culturais.

    16 De acordo com o Manual da Folha de So Paulo, chapu sedene como: palavra ou expresso curta colocada acima deum ttulo. Usada para indicar o assunto de que trata o texto ouos textos que vem abaixo dela.

    Cada vez mais a utilizao da infograa uma ten-dncia vericada no jornalismo. A computao grca empregada na formatao de imagens, grcos e esque-mas explicativos que corroboram para esclarecer/comple-mentar os aspectos verbais dos textos jornalsticos.

    Nesse contexto, a infograa passa a ser um suporteimportante para a produo de jornalismo cientco, comoforma de ilustrao de teorias e descobertas cientcas,proporcionando uma visualizao esquemtica para o lei-tor. A organizao do texto infogrco tem exatamenteeste objetivo, o de fora modelizadora da linguagem, o deoferecer uma multiplicidade de cdigos em dilogo, tor-nando as reportagens sistemas mais complexos, porm,com maior contedo (VELHO, 2009, p. 6).

    Ainda no contexto da prtica jornalstica, Mansur

    explica que para ele no h grandes diferenas entre es-crever uma matria que aborda um fato cientco e umamatria sobre qualquer outro assunto. Ele justica ar-mando que a cincia perpassa a vida cotidiana.

    Na verdade no h nenhuma. Hoje com o progresso da cinciaem todas as reas, da neurologia ao clima, a cincia faz partedo dia a dia. Um pouco menos no Brasil, um pas onde aeducao vergonhosa e as empresas investem pouco emdesenvolvimento tecnolgico. Mas ela nos afeta diretamente.

    No passado escrever sobre cincia era s aquela coisa deacelerador de partculas, astronomia, dinossauros, etc. Agora explicar porque brigamos com nossos lhos, porque a cidadeest congestionada, porque no d para ter raio X convelnos aeroportos, como conter a compulso por chocolate, etc.Virou um conhecimento essencial para a gente viver melhor.

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    Neste ponto a fala de Mansur mostra que para ele

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    Neste ponto, a fala de Mansur mostra que para elea cincia desenvolvida no sculo XXI se coloca cada vezmais na vida cotidiana e por isso as matrias sobre cinciatambm se aproximam mais dos leitores.

    Abalizamos, ento, que no jornalismo a cinciapassa a ser aproveitada como plano de fundo paraqualquer assunto. Assim, ela explorada nas matrias

    jornalsticas como caminho solucionador ou explicativode qualquer temtica atual (como arma o editor). Essaobservao autentica o pensamento de Morin (2007)citado no captulo anterior quando ele arma que a cinciamuitas vezes vista/entendida como palavra-chave parao desvendamento de qualquer problema ou mistrio.

    Neste ponto, salientamos que essa discusso no selimita apenas POCA, mas se estende mdia de modo

    geral. Os veculos miditicos reetem o que a prpriasociedade vislumbra como cincia. Por isso, comum ler,assistir ou ouvir reportagens que claramente demonstramesse reexo a cincia como suposta resposta paraqualquer discusso/assunto.

    ParTe iii

    asPeCTos TeriCos e meToDolgiCos

    Esta parte do trabalho destinada a mostrar a me-

    todologia selecionada para a pesquisa. Destacamos ini-

    cialmente, os caminhos percorridos durante a produo

    da dierao e a deliiao do corpus do estudo. Em

    seguida, pormenorizamos a semitica greimasiana, teoria

    que elegemos como suporte de anlise dos textos das

    reportagens escolhidas e que acreditamos ser uma pos-

    sibilidade de apreciao de fenmenos comunicacionais.

    Destarte nos dedicamos a explicar o percurso ge-

    rativo de sentido, base metodolgica da semitica grei-

    masiana, mostrando as particularidades de cada patamar

    desse percurso, que se inicia no nvel nomeado como fun-

    damental at a elucidao do nvel discursivo, no qual se

    vislumbra o encontro do discurso de qualquer texto, seja

    ele verbal ou no-verbal.

    Enfatizamos tambm aspectos sobre a semitica vi-

    sual, destacando a projeo dos efeitos de sentido obtidos

    atravs da utilizao de cores, disposio espacial, etc.

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    Dt d tud padres jornalsticos e empresariais, para ento formatar

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    Dt d tud

    Uma pesquisa comea antes de tudo com um desejo.Um anseio por compreender algo, por entender melhorum objeto peculiar. Cada pesquisador faz sua escolha seleciona um caminho a seguir durante todo o estudo. Oplanejamento de cada passo a ser dado, cada etapa a servencida fundamental nesse percurso.

    Nessa pesquisa estabelecemos um desao:entender a produo de jornalismo cientco de umarevista semanal por meio da semitica greimasiana. Paramuitos pode at parecer uma escolha ousada, dada aespecicidade do estudo e o reduzido nmero de anlisesdesse tipo. Contudo, esses fatores nos motivaram aindamais para dar prosseguimento pesquisa.

    Denimos, ento, como base terica dessadissertao a semitica greimasiana, reconhecida portradicionalmente buscar o sentido em todas as suas formasde manifestao. Acreditamos que a proposta de umaanlise semitica greimasiana de informaes cientcasno eixo do jornalismo cientco inovadora e provocanovas percepes acerca desse tipo de jornalismo.

    Partimos do pressuposto de que na prtica do

    jornalismo a tarefa do reprter que se dedica a escrevertextos sobre a cincia no simples: necessrioprimeiramente compreender o contedo da informaocientca (s vezes rduo e complicado) a ser repassado,depois estruturar essa informao de acordo com os

    padres jornalsticos e empresariais, para ento formataro produto a notcia e/ou reportagem. Esse trajeto deixamarcas no texto e produz sentidos. Estudar esses sinais fator importante para a compreenso da produo dejornalismo atual.

    Nessa trajetria, elegemos como refernciasprincipais para o estudo dos textos selecionados, almde Greimas (1975; 1988), os autores Barros (1988;1990) e Fiorin (1992) considerados cones da semiticagreimasiana no Brasil; Hernandes (2001; 2005), Oliveira(2009); Teixeira (2009); Gomes (2009) que vemdedicando-se ao estudo da semitica greimasiana na mdiabrasileira. E para a anlise visual optamos principalmentepor Floch (1985), Fontanille (2005) e Pietroforte (2004;2007).

    A primeira etapa da produo do trabalho iniciou-se com a realizao de um levantamento bibliogrcosobre o jornalismo cientco, que comeou incipienteainda na fase da graduao, por meio da produo de umestudo monogrco no ano de 2006. Aprofundamos asleituras nos anos posteriores com a produo de artigoscientcos e participao em eventos sobre a temtica.No mestrado, realizamos a pesquisa sobre a semitica

    greimasiana e sobre o objeto de estudo, coleta e anlisedo material emprico procedendo-se, por ltimo, redaoda dierao.

    Durante a pesquisa, priorizamos uma abordagemqualitativa, buscando compreender de forma minuciosa

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    h 120 milhes. A equipe brasileira de paleontologia en- stc Cuc

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    q p p gcontrou um fssil completo do crnio de tal espcie.

    A quinta matria Os monstros de uma gota dguadetalha uma expedio que tem como objetivo principaldesvendar os mistrios do plncton marinho, espciesimportantes para a vida marinha.

    A sexta matria O leite conquistou a Europa?aborda uma pesquisa sobre o consumo de leite por partedos europeu. O estudo defende que esse fato contribuiupara o fortalecimento desse povo.

    A reportagem Quanto mais quente, melhor secongura como a stima e ltima matria de nossa amos-tra. Ela apresenta um resumo sobre algumas pesquisasque estudaram a biodiversidade da oresta Amaznica.

    Em cada um dos textos da amostra desvendamos

    o percurso gerativo de sentido indicado pela semiticagreimasiana, buscando detalhar os recursos utilizados naconstruo do sentido do discurso de cada uma delas. Demesmo modo, analisamos imagens presentes nas mat-rias selecionadas, pois partimos do ponto de vista de queuma reportagem regida por vrias linguagens simult-neas, tanto verbais como no-verbais

    Como pde ser observado no captulo 2, outro re-

    curso utilizado no desenvolvimento do estudo foi a rea-lizao de entrevistas, via e-mail, com o editor da seoCincia & Tecnologia, Alexandre Mansur.

    De acordo com Greimas (1975, p. 11) a semiticacomeou a expandir suas reexes tericas para outrosdomnios a partir da dcada de 60.

    A semitica comeou, a partir dos anos sessenta, a armarsua vocao autonomia, simultaneamente enquanto reexogeral sobre as condies da produo e da apreenso dasignicao e enquanto conjunto de procedimentos aplicveis anlise concreta dos objetos signicantes. O desenvolvimentorelativamente rpido de seu instrumental terico e metodolgicopermitiu-lhe multiplicar as incurses em domnios exteriores aocampo mitolgico e folclrico, que constitua seu territrio deorigem. Embora sua ampliao se tenha efetuado inicialmentena direo do domnio literrio e potico, as pesquisasestenderam-se logo (sem negligenciar, por sinal, o estudo designicao dos sistemas no-lingusticos).

    Com o passar dos anos, a teoria passou a serutilizada em vrios campos, como meio de investigao derealidades textuais. Entretanto, na rea de comunicao,muitos estudiosos ainda desconhecem a semitica comoinstrumento de trabalho, talvez pelas diculdades inerentes teoria ou pela escassez de obras que se dedicam a estreitaros laos entre a comunicao e a semitica. Entretanto,a teoria pode ser aplicada como ferramenta de anlisede suportes miditicos, abrindo novas possibilidades depercepo e apreenso de sentidos desses fenmenos.

    Nesta perspectiva, se destaca o semioticistaLandowski (1992) que apostou na realizao de anlisessemiticas sobre objetos de comunicao, como osjornai.

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    Ele foi um dos primeiros a armar a potencialidade So Paulo, mais especicamente na Universidade de So

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    da semitica para o entendimento de suportes miditicos.

    Discurso plural, o jornal, talvez, mais que qualquer outrodiscurso social, se presta a uma enorme diversidade deabordagens, que podem dizer respeito tanto aos contedosideolgicos como estruturas narrativas ou como estratgias dediscurso que a se manifestam (LANDOWSKI, 1992, p. 118).

    Fontanille (2005) tambm contribuiu de formasignicativa para a utilizao da semitica na rea decomunicao, incorporando os nveis de anlise dos sentidosno estudo de processos comunicativos miditicos tantoverbais como no-verbais. Na rea jornalstica, o tericopropagou anlises de distintos objetos como as charges ehistrias em quadrinhos focalizando, principalmente, osaspectos visuais.

    Tericos mais recentes como Hernandes e Lopes(2005, p. 7) reforam o potencial da semitica, enfatizan-do que a mesma oferece grandes possibilidades e recom-pensas para aqueles que a ela se dedicam.

    Estudar semitica, como toda relao que se preza, que valea pena, exige grande entrega. Quem enfrenta o desao deentender essa teoria, inaugurada h cerca de quarenta anos,passa por uma fase inicial de provaes. Precisa dedicar-se ereceber no incio muito pouco. Mas, quando o relacionamento

    acontece, h muitas recompensas. E uma das maioresretribuies poder entender um pouco melhor o mundo ondese vive.

    Os autores ressaltam que nos ltimos anos tem seexpandido o nmero de estudos semiticos no Brasil. Em

    Paulo, se consolidou um ncleo de pesquisa que entreva utilizao da semitica como metodologia de estudo detextos e discursos de uma diversidade de domnios, comoa anlise de msicas, espetculos de dana, ces,propagandas e outros. J se vai notando o fortalecimentode domnios surgidos mais recentemente, como o

    caso da semitica da cano, terreno em que o Brasilocupa hoje posio de destaque no cenrio internacional(HERNANDES; LOPES, 2005, p. 8).

    Especicamente sobre o uso da semitica noentendimento da mdia, Hernandes (2001, p. 11)assevera: uma ferramenta rentvel, adequada ecoerente para uma investigao profunda da mdia.Ampliando a assertiva do autor cremos que a semitica

    pode ser uma passagem consistente e operativa para aapreenso do texto desenvolvido no jornalismo cientco.

    stc g

    As origens e os primeiros pressupostos da semiticaexistem h um longo tempo e revelam a busca do homempor apreender as formas como os indivduos do signi-

    cado a tudo que os cercam. Os princpios fundamentais dasemitica foram estabelecidos por dois tericos: o ame-ricano Charles S. Peirce e o suo Ferdinand de Saussure ambos voltaram suas pesquisas e concepes para aformatao do signo e sua relao com os signicados e

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    sentidos. A partir deles, outros estudiosos aplicaram no- ne-se de duas formas que se complementam: pela orga-

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    vas percepes, como o caso do lituano Algirdas JulienGreimas que formulou a semitica intitulada greimasia-na. O terico iniciou a expanso da ideia de uma semiti-ca voltada para o estudo das signicaes do texto.

    A semitica, como a v Greimas, tenta determinar as condiesem que um objeto se torna objeto signicante para o homem.

    Herdeira de Saussure e de Hjelmslev, no toma a linguagemcomo sistema de signos e sim como sistema de signicaes,ou melhor, de relaes pois a signicao decorre da relao(BARROS, 1988, p. 13).

    Greimas instaurou uma teoria descritiva que possi-bilita a leitura, interpretao e anlise dos diversos nveisde signicao do texto, muitas vezes, imperceptveis parao leitor. A semitica greimasiana defende que os sentidosdo texto so construdos a partir da anlise de um planode contedo e de expresso17. O primeiro refere-se aosignicado do texto, a tudo aquilo a que ele nos remete eo plano de expresso manifestao desse contedo emum sistema de signicao verbal, no-verbal ou sincrti-co (que mistura vrias linguagens).

    Barros (1990, p. 7) dene a semitica greimasianaarmando: ela tem por objeto o texto, ou melhor, pro-cura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz

    para dizer o que diz.Neste contexto, torna-se necessrio explicar o que

    um texto. Barros (1990, p. 7) conceitua: um texto de-

    17 So exemplos de anlises do plano de expresso o tipo deletra, sinais de pontuao, escolha lexical e a integrao deelementos verbais com visuais.

    nizao ou estruturao que faz dele um todo de sentidoe como objeto da comunicao que se estabelece entreum destinador e um destinatrio. Por isso, a autora as-segura que essas duas vises determinam dois tipos deanlises do texto.

    A primeira concepo de texto, entendido como objeto designicao, faz que seu estudo se confunda com o exame dosprocedimentos e mecanismos que o estruturam, que o tecemcomo um todo do sentido. A esse tipo de descrio tem-seatribudo o nome de anlise interna ou estrutural do texto.[...]. Na segunda caracterizao [...] o texto examinadoem relao ao contexto scio-histrico que o envolve e que,em ltima instncia, lhe atribui sentido. Teorias diversas tmtambm procurado examinar o texto desse ponto de vista,cumprindo o que se costuma denominar anlise externa dotexto (BARROS, 1990, p. 7).

    Segundo Barros (1990, p. 7) os estudiosos que sededicam a anlise interna e os que pesquisam a anliseexterna se criticam mutuamente. Contudo, para a autora:

    O texto s existe quando concebido na dualidade que dene objeto de signicao e objeto de comunicao e, dessaforma, o estudo do texto com vistas construo de seu ou deseus sentidos s pode ser entrevisto como o exame tanto dosmecanismos internos quanto dos fatores contextuais ou scio-histricos da fabricao de sentido (BARROS, 1990, p. 7).

    Seguindo esse ponto de vista, a estudiosa asseveraque a semitica tem buscado unir ambas as concepes.

    Nos seus desenvolvimentos mais recentes, a semiticatem caminhado nessa direo e procurado conciliar, como mesmo aparato terico-metodolgico, as anlises ditas

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    forma de um modelo bem preciso, espacialmente re- complementar seria entre s1 e 1 (liberdade e no-priso)

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    presentvel pelo quadrado semitico.O quadrado semitico ilustra relaes entre traos

    comuns e apresenta como composio elementar dasignicao o esquema abaixo18:

    1 2

    1 2

    a Relao entre contrrios

    b. Relao entre contraditriosc. Relao entre complementares

    fu 1. Quadrado semitico proposto por Greimasft: Courts (1979)

    Como forma de exemplicao prtica do quadradosemitico, vamos estabelecer ilustrativamente a relaoopositiva liberdade vs. priso. Sendo assim, s1 (liberdade)

    contrrio a s2 (priso) relao entre contrrios (linhahorizontal superior). O 1 seria representado pelo termono-priso e o 2 pelo termo no-liberdade, ou seja, umarelao entre contraditrios (linha diagonal). J a relao

    18 Ver Courts (1979, p. 71).

    e enre 2 e 2 (priso e no-liberdade).Nessa diretiva, Barros (1988) arma que os termos

    opositivos se articulam no quadrado semitico a partir darelao entre as categorias euforia e disforia que repre-sentam respectivamente valores positivos (eufricos) evalores negativos (disfricos).

    Eufrica a relao de conformidade do ser vivo com o meioambiente, e disfrica, sua no conformidade. Os termos dacategoria semntica assim investidos so ditos valores axiol-gicos, e no apenas valores descritivos, e surgem, em relao semntica narrativa, como valores virtuais, ou seja, no re -lacionados ainda a um sujeito (BARROS, 1988, p. 24).

    A partir da armao dos termos opositivos e desua insero na lgica do quadrado semitico, a semitica

    greimasiana prev a formao de sequencias narrativas,que so analisadas a partir do segundo patamar: onarrativo.

    b) Nvel narrativo

    No nvel narrativo, a anlise descreve a estruturada histria narrada, determina seus participantes eo papel que representam na histria. Percebe-se o

    desenrolar das aes e identicam-se os mecanismosque provocaram essas aes. Nesse patamar, oselementos das oposies semnticas so assumidoscomo valores por um sujeito, graas ao tambm desujeitos (COURTS, 1979).

    C p s u l v a u t r c

    Na organizao da narrativa distinguem-se osd d

    ocorridas entre sujeito e objeto. H diferentes tipos ded l b l d

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    mecanismos da sintaxe narrativa e da semntica narrativa.

    A sintaxe narrativa deve ser pensada como um espetculoque simula o fazer do homem que transforma o mundo. Paraentender a organizao narrativa de um texto, preciso,portanto, descrever o espetculo, determinar seus participantese o papel que representam na historiazinha simulada (BARROS,

    1990, p. 16).

    O enunciado elementar da sintaxe narrativa deter-mina-se pela relao entre um sujeito procura de umobjeto. Entre eles se estabelecem dois tipos de relao,a juno e a transformao, que caracterizam a distinoentre enunciados de estado e de transformao. A juno a relao que determina o estado, a situao do sujeito

    em relao a um objeto qualquer. O objeto [...] uma es-pcie de casa vazia, que recebe investimentos de projetose de determinaes do sujeito (BARROS, 1990, p. 19).J os enunciados de transformao atuam na passagemde um estado a outro, como por exemplo, do estado dapobreza ao da riqueza, da alegria tristeza e assim pordiane.

    No enunciado Aurlia rica , h uma relao de conjuno,indicada pelo verbo ser, entre um sujeito Aurlia e umobjeto riqueza ; em Seixas no rico , h uma relao dedisjuno, revelada pela negao e pelo verbo ser, entre umsujeito Seixas e um objeto riqueza (FIORIN, 1992, p. 21).

    Nessa conjuntura, se formam os programas narrati-vos que integram e renem os estados e transformaes

    programas narrativos a partir das relaes estabelecidas,como o programa de aquisio a transformao implicaem uma conjuno do sujeito com o objeto ou um progra-ma de privao que mostra uma disjuno entre o sujeitoe o objeto.

    fcil perceber que os programas narrativos projetam sempreum programa correlato, isto , se um sujeito adquire um valor porque outro sujeito foi dele privado ou dele se privou. Osobjetos circulam entre os sujeitos, graas s transformaes, epem os sujeitos em relao (BARROS, 1990, p. 23).

    De tal modo, Barros (1990) destaca dois tipos prin-cipais de programas narrativos: competncia e perfor-mance. O primeiro programa indica uma doao de valo-res modais e o segundo, uma apropriao de valores des-

    critivos. Os valores modais so entendidos como aquelesque modicam a relao do sujeito com os valores e osafazeres, como demonstram o dever, o querer, o poder eo saber. Por exemplo: um cantor, sujeito de estado, podereceber de um outro cantor, sujeito do fazer, os valoresmodais do querer e do saber compor, ou seja, o primeirocantor recebeu uma doao de valores modais e ento setornou capacitado para agir, no caso compor.

    A performance ao do sujeito com vistas apro-priao dos valores desejados.

    A performance a fase em que se d a transformao (mu-dana de um estado a outro) central da narrativa. Libertar aprincesa presa pelo drago a performance de muitos contosde fada. Encontrar o pote de ouro no m do arco-ris, ou seja,

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    passar de um estado de disjuno com a riqueza para um es-tado de conjuno com ela pode ser performance (FIORIN,

    Na semitica greimasiana se estabelecem quatro ti-d i l d t t

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    ado d o ju o o a pod p o a ( O ,1992, p. 23).

    Nessa proposio, os programas narrativos seorganizam em percursos narrativos. H trs tipos depercursos narrativos: percurso do sujeito, percurso dodestinador-manipulador e percurso do destinador-julgador.

    O primeiro percurso representa a aquisio, pelo sujeito,da competncia necessria ao e a execuo, por ele,dessa performance (BARROS, 1990, p. 27). A partir daarmao de Barros pode-se asseverar que o percursodo sujeito o encadeamento lgico de um programa decompetncia com um programa de performance.

    Sobre o segundo percurso, a estudiosa esclarece:

    No programa do destinador-manipulador, o programa decompetncia examinado no na perspectiva do sujeito deestado que recebe os valores modais, mas do ponto de vistado sujeito doador ou destinador desses valores [...]. ele, nanarrativa, a fonte de valores do sujeito, seu destinatrio: tantodetermina que valores sero visados pelo sujeito quanto dotao sujeito dos valores modais necessrios execuo da ao(BARROS, 1990, p. 28).

    No percurso do destinador-manipulador se esta-

    belece um contrato simblico de manipulao, no qual odestinador exerce a persuaso para convencer o desti-natrio a aceit-lo. O fazer-persuasivo ou fazer-crer dodestinador tem como contrapartida o fazer-interpretativoou o crer do destinatrio (BARROS, 1990, p. 28).

    pos de manipulao: a provocao, a seduo, a tentaoe a intimidao. Durante uma anlise textual possvelvericar um ou vrios tipos de manipulao.

    Em consonncia com Barros (1990) o percurso dodestinador-julgador corresponde a sano19 do sujeito. Hdois tipos de sano: sano cognitiva ou interpretativa

    e sano pragmtica ou de retribuio. No primeiro, cabeao destinador-julgador conrmar se o sujeito cumpriu ocompromisso assumido na manipulao; e no segundoh dois caminhos: o sujeito pode ser reconhecido comocumpridor do contrato assumido (e desse modo serrecompensado) ou, caso seja comprovado que nocumpriu, punido ou julgado negativamente.

    Assim sendo, a partir da elucidao da sintaxe

    narrativa, verica-se que no nvel narrativo ocorre atransformaes e a denio dos lugares dos actantes20atravs de estados variados e de articulaes diversas.

    At aqui elucidamos a sintaxe narrativa, mas a gra-mtica semitica apresenta tambm a semntica narra-tiva. Esta estuda a seleo dos elementos semnticos esua inscrio como valores nos objetos relacionados comsujeitos e a qualicao modal das relaes dos sujeitos

    19 Na sano, o destinador interpreta as aes do destinrio-sujeito, julga-o, segundo certos valores e d-lhe a retribuiodevida, sob a forma de punies ou de recompensas.20 Actante uma entidade sinttica da narrativa que se denecomo termo resultante da relao transitiva, seja ela umarelao de juno ou transformao (BARROS, 1990, p. 84).

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    O primeiro ponto, projees de enunciao, diz res-

    peito ao estudo dos procedimentos escolhidos para cons

    do a perspectiva de cpias da realidade e rmando um

    contrato veridictrio Barros (1990 p 63) elucida:

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    peito ao estudo dos procedimentos escolhidos para cons-

    tituir tal discurso. Assim, h dois efeitos bsicos: proximi-

    dade ou distanciamento da enunciao e o de realidade

    ou referente.

    No item proximidade ou distanciamento da enun-

    ciao, Barros (1990, p. 55) destaca que o principal m-

    todo o de produzir o discurso em terceira pessoa, no

    tempo do ento e no espao do l. Esse procedimento

    denomina-se desembreagem ou debreagem enunciva e

    ope-se desembreagem ou debreagem enunciativa,

    em primeira pessoa. O uso da 3 pessoa fomenta a pers-

    pectiva de objetividade e neutralidade e a utilizao da 1

    pessoa produz o efeito de subjetividade e parcialidade.

    Ainda na perspectiva das projees de enunciao

    h a formao dos efeitos de realidade. Barros (1990)

    nomeia esses efeitos de iluses discursivas, que propor-

    cionam a idealizao de que o discurso copia o real.

    Os efeitos de realidade decorrem, em geral, da desembreageminterna. Quando, no interior do texto, cede-se a palavra aosinterlocutores, em discurso direto, constri-se uma cena que servede referente ao texto, cria-se a iluso de situao real de dilogo.As notcias e entrevistas dos jornais fazem bom uso desses recursos(BARROS, 1990, p. 58).

    Outro efeito de realidade a ancoragem, que visa

    conectar o discurso a pessoas, espaos e datas. O efeito

    objetiva criar a iluso de que o discurso real graas a

    concretizao de dados sobre o espao e o tempo, crian-

    contrato veridictrio. Barros (1990, p. 63) elucida:

    O enunciador constri no discurso todo um dispositivoveridictrio, espalha marcas que devem ser encontradas einterpretadas pelo enunciatrio. Para escolher as pistas aserem oferecidas, o enunciador considera a relatividade culturale social da verdade, sua variao em funo do tipo dediscurso, alm das crenas do enunciatrio que vai interpret-

    las. O enunciatrio, por sua vez, para entender o texto, precisadescobrir as pistas, compar-las com seus conhecimentos econvices e, nalmente, crer ou no no discurso.

    Outro recurso a cobertura gurativa, que fazparte da anlise semntica das estruturas discursivas. Acobertura sinaliza a concretizao de guras e temas.

    A gura o termo que remete a algo do mundo natural:rvore, vagalume, sol, correr, brincar, vermelho, quente,etc. Assim gura todo contedo de qualquer lngua natural

    ou de qualquer sistema de representao que tem umcorrespondente perceptvel no mundo natural. [...]. Tema uminvestimento semntico, de natureza puramente conceptual,que no remete ao mundo natural. Temas so categoriasque organizam, categorizam, ordenam elementos do mundonatural: elegncia, vergonha, raciocinar, calculista, orgulhoso,etc. (FIORIN, 1992, p. 65).

    Na tematizao, notamos a formao de temas queperpassam todo o percurso gerativo marcando traos dodiscurso e ilustrando linhas temticas. Na gurativizao,

    as guras do contedo recobrem os percursos temticosabstratos e atribuem-lhes traos de revestimento senso-rial (BARROS, 1990, p. 72).

    A partir das elucidaes realizadas, percebe-se queencontrar o discurso de um texto ressaltar e determinar

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    os sinais que o enunciador utilizou na sua construo. Acada etapa do percurso gerativo de sentido se notabiliza

    percurso gerativo de sentido (elucidao dos nveis funda-

    mental narrativo e discursivo) e tambm por meio da de-

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    cada etapa do percurso gerativo de sentido s