ciência como instituição e como prática: a mudança do regime

476
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MARIA CARAMEZ CARLOTTO Ciência como instituição  e como prática : A mudança do regime disciplinar/estatal de produção e difusão do conhecimento científico no Brasil vista a partir do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron São Paulo 2008 1

Upload: hoangcong

Post on 09-Jan-2017

251 views

Category:

Documents


23 download

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADEDESOPAULOFACULDADEDEFILOSOFIA,LETRASECINCIASHUMANAS

    DEPARTAMENTODESOCIOLOGIAPROGRAMADEPSGRADUAOEMSOCIOLOGIA

    MARIACARAMEZCARLOTTO

    Cinciacomoinstituioecomoprtica:Amudanadoregimedisciplinar/estataldeproduoedifusodo

    conhecimentocientficonoBrasilvistaapartirdoLaboratrioNacionaldeLuzSncrotron

    SoPaulo2008

    1

  • UNIVERSIDADEDESOPAULOFACULDADEDEFILOSOFIA,LETRASECINCIASHUMANAS

    DEPARTAMENTODESOCIOLOGIAPROGRAMADEPSGRADUAOEMSOCIOLOGIA

    Cinciacomoinstituioecomoprtica:Amudanadoregimedisciplinar/estataldeproduoedifusodo

    conhecimentocientficonoBrasilvistaapartirdoLaboratrioNacionaldeLuzSncrotron

    MariaCaramezCarlotto

    Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Sociologia, do Departamento deSociologia, da Faculdade de Filosofia, Letras eCinciasHumanasdaUniversidadedeSoPaulo,paraaobtenodottulodemestreemSociologia.

    Orientador:Prof.Dr.RuyBraga

    SoPaulo2008

    2

  • Paraovov FbioeparaElla a formacomoaparecem,paramim,osextremosdavidapeloexemploepelaesperana.

    3

  • AGRADECIMENTOS

    Osagradecimentosso,muitasvezes,altimacoisaqueescrevemosaoterminaruma

    umateseoudissertaooque,dopontodevistadatotalidadedotrabalho,muitoinjusto.

    Depoisdeaproximadamentetrsanos,impossvelsepararestadissertaodaspessoasquea

    tornarampossvel.

    Assim,nopoderiadeixardeagradecer,emprimeirolugar,aosmeusprofessoresdo

    DepartamentodeSociologiadaUSP,emespecial,aomeuorientador,RuyBraga,aquemeu

    devoaidiapesquisaroLaboratrioNacionaldeLuzSncrotronepossibilidadederealizaresta

    pesquisacomtodaaliberdadeeautonomia;aoAlvaroComin,pelopapeldeterminantenaminha

    formao como pesquisadora (o nosso primeiro questionrio a gente nunca esquece!); ao

    RicardoMusse,peladedicaoaogrupodeestudosd'OCapitaleoesforoconstantedefazerda

    teoriasociolgica,umaferramentadecrtica;eSylviaGarciaquemeensinou,dentretantas

    outrascoisas,quesociologiasefazcomtrabalhoepaixo.Nopoderiadeixardeagradecer,

    tambm,aoLaymertGarciadosSantos,nospelobrilhantecursoquetiveoportunidadede

    acompanhar,naUNICAMP,comopelaformaatentaeperspicazcomeleleuoestetrabalhona

    minhabancadequalificao.

    Aos grupos de estudo, pesquisa e crtica em que apresentei e discuti partes desse

    trabalho: ao luscofusco, quedebateuminhaqualificao,pginaporpgina, emumasala

    obscuradareitoriadaUSP;aoGEMARX,adespeitodosacrilgiodediscutiremomesmotexto

    nomesmodiado18Brumrio;eaosSeminriosdasQuartas,emqueapresentei,comoPablo

    Ortellado, algumas das conseqncias polticas dessa pesquisa. Aproveito para agradecer,

    tambm, aos grupos que, embora no tenham discutido diretamente este trabalho, foram

    essenciaisparaasuaconcepoerealizao:aogrupodeestudosdos Grundrisse, queme

    mostrouacentralidadedeentenderoproblemadacinciadocapitalismo,emespecialaoGuto,a

    quem eu devo uma srie de questes de pesquisa as quais, infelizmente, no tive como

    desenvolver aqui; ao projeto temtico Cincia, Tecnologia, Valores e Sociedade, cujas

    discussesinfluenciaram,emgrandemedida,aorientaotericadestetrabalho;oGPOPAI,

    4

  • queeumalvejoahoradepassaraintegrarefetivamente,pormantervivasasquestesque

    inspirarama minhapesquisa; ao grupode pesquisa da greve, o lugar ondeaprendi que a

    cinciamuitomaisdoqueumaprofisso;eaoCEBRAP,muitoespecialmente,aoFred,com

    quemeucompartilhoumasriedequestesdepesquisaqueeuesperocomeararespondercom

    essetrabalho.

    Estetrabalhoseriacompletamenteinvivelsemaenormecontribuiodaequipedo

    LaboratrioNacionaldeLuzSncrotron.Agradeoespecialmentedireodolaboratrio,na

    pessoa do professor Jos Antonio Brum, por ter possibilitado o meu acesso a todos os

    documentoseinformaesnecessriaseporterautorizadoaaplicaodonossoquestionrio.

    SecretariadeApoioaoUsuriodoLNLS,emespecial,agradeoportodooapoionoenvioe

    recebimentodosquestionrios.

    A todosos 211pesquisadoresqueencontraramum tempo na sua rotina intensa de

    trabalhopararesponderaomeuquestionrio,deixoaquiomeusinceroagradecimento.Bem

    comoaospesquisadoreseempresriosqueaceitaramfalarsobreoproblemadacinciaeda

    tecnologianoBrasil.Semessasentrevistasquerefletem,nasentrelinhas,adedicaodaqueles

    que,muitasvezes,fizeramdacinciaedainovaoacausadassuasvidasestapesquisa

    perderiagrandepartedoseuinteresse.Citonominalmentepararegistraraimportnciaquecada

    umdelesteveparaestetrabalho:Jos.A.Brum,CylonGonalvezdaSilva,RogrioCerqueira

    Leite,AntnioRamirez,DanielaZanchet, PedroWongtschowski,AmirO.Caldeira,Wagner

    Caradori, Cristina Theodore Assimakopoulos, Roberto Lotufo, Oswaldo Massambami e

    ValdemarStelita.

    Atodososmeusamigosdequemessadissertaomeafastou(Er,Dedo,Danibas,

    Natlia, Rassa, Ilan,Lucas,Contier, Edue Z, entre tantosoutros que jamaisconseguiria

    mencionaraqui).AnaeaoThales,euagradeo,dentreoutrascoisas,poralgunsdosmelhores

    diasdaminhavidana miBuenosAires querda!; aoMiguelito, pela companhianaBauru

    deserta; ao Maurcio, por todo apoio emmomentos importantes, sobretudo no projeto de

    mestrado; a Ana Elisa, por agentar, por tantos anos, a minha amizade desleixada; e ao

    5

  • Steeveeeeeens(!!!!!!!!)pormelembrar,sempre,queasociologianossoesportedecombate.

    Atodososcompanheirosdemovimentoestudantil, emespecial, gestodaAPGe

    particularmentePat(paraquemnosabe,elamorena,olhosverdes,1,78m,masusabotasde

    caminhada),queapesardeserafsicatipoideal,anicausuriapotencialdoLNLSqueeu

    noencarocomoobjetodepesquisa;aoStefan,pelaamizadesemprepresentee,porvezes,

    providencial,pelopapelcentralquetevenafasefinaldessetrabalho;eaoFbiodeMarias,um

    grandeamigoqueomestradometrouxeedequemesperoumalembrananasagadosuspianos.

    Aosrosadospelacompanhianosmomentosdefestaedesespero.

    AoFbioCapi,paraosntimosenontimoscomquemmantiveinmerosdilogos

    mudosaolongodestetrabalho.

    AVerena,a quemeudevoapropriedade intelectualcomoquesto,pelapresena

    semprealegreeimportante.

    AoOsvaldo,fundamentalemmomentoscrticosdessemestrado,comquemeudivido,

    paraalmdequestessociolgicas,umaconcepodoque o trabalhointelectualemum

    sentidoprofundoeaquemeudevoumdosmaioresexemplosdoqueasociologiaaindapode

    fazer.

    AoPablo,meuparceirointelectualepoltico,porquemeumantenhoumaadmirao

    profundaeumaamizadeincondicional.

    AoCarlos,omeualteregomaispotente,presente,naminhaconscinciasociolgica,a

    cadalinhaqueeuescrevia,pelaamizadequeconstrumoseparteconstitutivademim.

    AoCaio,porinfinitascoisas, notadamente, porseromeuamigomaispresente,mais

    sensvel e mais engraado, pela correo de grande parte deste trabalho, pela companhia

    cibernticanasmadrugadasdetrabalhoepelostombosquemepermitiupresenciarnasserrasda

    IlhaGrande,aeleeudevoumadasminhasamizadesmaisfundamentais.

    APatita,aquemeununcatereicomoagradecerportudoquefez,poressetrabalhoepor

    mim.Eusinceramentenoseicomoteriaconseguidoterminarsenofosseasuapresena,asua

    amizade, os seusconselhose asuaajuda, literalmenteat oltimosegundo.Nadaqueeu

    6

  • dissesseseriasuficienteparaexpressaroqueeutedevo.

    Ceclia,aoJorgeeManuela,pelaformacarinhosacomquemesemprereceberamna

    suacasa.

    AtodaaminhafamliadeMendes,omeulugarnomundo;eminhafamliadeCarlos

    Barbosa,especialmenteAnglica,dequemeumorreisempredesaudade.vovinhaevov

    Ernesta,porseremtofortes.sminhasprimas:Clara,Mariana,Renata,AnaeClarissa;es

    minhastias:Luiza,TerezaePaula,atodaselaseuagradeoporteremtransformadonossoslaos

    desangueemlaosdeafetoeamizade.tiaPaulaeuagradeo,tambm,peloexemplodoque

    se dedicar pesquisa e pela fora, imprescindvel, para eu viessepara SoPaulo, fazer

    sociologia;epequenaElla,pelosorrisoquemeacompanhou,aoladodamesa,emtodoomeu

    tempodetrabalho.

    Porfim,aoPaulinho,presenasemprediscretaeimportante,portodaapacinciacomos

    meusrompantesdefimtese,eFabola,dequemasaudademedilacera,aosdoiseudigo:o

    silnciotambmconstricoisas.Aomeupai,ogranderesponsvelporessetrabalho,aquemeu

    devosimplesmentetudooquesoueoqueeupossoser.Eminhame,portodososinmeros

    sacrifciosparatornaraminhaformaopossvel,portodoocarinhoeportodoapoioeuno

    tenhodvidasqueessemestradomaisseudoquemeu.EaoRica,omeumelhoramigoeo

    meucompanheiroaquemeudevotantascoisasqueseriaprecisomais400pginaspara

    nomelasporfazer,comqueonossocotidianoseja,sempre,maisoumenoscomoouvirBillie

    Holliday,tomandowhiskycomgelo,numanoitequente,comasrvoresdaUSPsnossascostas

    eSoPauloanossosps.

    7

  • Gatsbyacreditounaluzverde,noorgisticofuturoque,anoapsano,seafastavadens.Essefuturonosiludira,masnoimportava:amanhcorreremosmaisdepressa,estenderemosmaisosbraos...E,umabelamanh...E assim prosseguimos, botes contra a corrente, impelidosincessantementeparaopassado.

    (FrancisScottFitzgerald,OgrandeGatsby)

    8

  • Resumo

    ApresentedissertaopartedoestudoempricodoLaboratrioNacionaldeLuzSncrotron(LNLS)para

    analisaramudanadoregimepblico/disciplinardeproduoedifusodoconhecimentocientficono

    Brasilnoperodoquevaidaaberturademocrticadosanos1980redefiniodapolticanacionalde

    cinciaetecnologianos2000.Apesquisaarticuladoispontosdevista:aanlisedamudanajurdico

    institucional, queenvolveospadresdeinstitucionalizao,legitimaosocial, organizaoformale

    jurdicadacincianopas;eoestudodaalteraodasprticascientficasconcretas,queenvolvemos

    padresderealizaodepesquisa,divulgaoderesultadoseformaodenovospesquisadores.Oestudo

    emprico dividiuse, portanto, emduas partes: (1) primeiro, analisamos a forma como o LNLS

    inicialmentecomoprojeto,depoiscomoinstituiodepesquisainseresenoprocessohistricode

    institucionalizaodacincianoBrasil,considerandoamudanadospadresdenegociao,organizao

    elegitimaosocialdasinstituiescientficasnacionais.Paratanto,realizamosentrevistascomdiretores

    dolaboratrios,membrosdaburocraciacientfica (diretoresdeagnciadeinovao;coordenadoresde

    agnciasdefomento,etc)eanalisamosocontedoeoprocessodeformulaoeaprovaodeleis,

    portarias,resoluesedocumentosoficiaissobreacincia,atecnologiaesuacomercializao.(2)Ja

    segundapartedoestudoempricoconcentrasenacaracterizaodoperfil,dasprticasdepesquisaedos

    padresdeformaodospesquisadoresqueusamoLNLScomocentroexperimental.Oobjetivoera,

    atravsdaanlisedoquestionrioaplicadocomospesquisadoresexternosdoLNLS,identificarquem

    soeoquefazemessespesquisadoreseseecomoelestrabalhamemempresasprivadas,patenteiamseus

    resultados de pesquisa e/ou estabelecem, a partir de instituies pblicas de pesquisa, contratos e

    parceriascomempresas.

    9

  • Abstract

    ThepresentmasterdissertationhasasitspointofdeparturethestudyoftheLaboratrioNacionaldeLuz

    Sncrotron (National Light Laboratory Sncrotron) to analyse the changes from the disciplinary

    productionanddisseminationregimesofscientificknowledgeinBrazil,duringtheperiodcomprised

    betweenthepoliticalopeninginthe1980suntiltheredefinitionofthenationalpolicyofscienceand

    technologyintheyear2000,articulatingtwopointsofview:theanalysisofthelegalinstitutionalchange,

    encompassing patterns of institutionalization, social legitimation, formal and legal organization of

    scienceinthecountry;andthestudyreferredtoalterationsofconcretescientificpractices,encompassing

    patternsofresearchaccomplishment,broadcastingoftheresultsandformationofnewresearchers.The

    empiricalstudywasthusdividedintotwoparts:(1)initiallywestudiedthewayinwhichLNLSfirstas

    a project, later as a research institution was inserted into the historic process concerning the

    institutionalizationofscienceinBrazil,consideringthechangeofnegotiation,organisationandsocial

    legitimation patterns amongnational scientific institutions. Therefore weundertook interviews with

    laboratory directors, members of the scientific bureaucracy (directors of innovation agencies;

    coordinatorsoffundingagencies,etc.)andanalysedthecontentaswellastheformulationandapproval

    processesoflaws,resolutionsandofficialdocumentsonscience,technologyanditscommercialization.

    (2) Thesecondpart of the empirical study focuses the characterisationof the profile, the research

    practicesandtheformationpatternsofresearchersusingLNLSasanexperimentalcenter.Theobjective

    wasto, throughtheanalysisofthequestionnaireansweredbytheexternalresearchersat theLNLS,

    identifywhotheyareandwhatisdonebytheseresearchersalongwithifandhowtheyworkinprivate

    companies, patent their research results and/or, departing frompublic research institutions, establish

    contractsandpartnershipswithcompanies.

    10

  • Resumen

    LapresentemonografapartedelestudiorealizadoenelLaboratorioNacionaldeLuzSincrotn(LNLS)

    paraanalizarloscambiosdelrgimenpblico/disciplinardeproduccinydifusindelconocimiento

    cientficoenel Brasil, tomandoel perodoquevadesde laaperturapolticade losaos1980a la

    redefinicin de la poltica nacional de ciencia y tecnologa en los 2000. Dos puntos de vista son

    articulados: el anlisis de la transformacin jurdicoinstitucional, quecomprende los estndaresde

    institucionalizacin,legitimacinsocial,organizacinformalyjurdicadelacienciaenelpas;y el

    estudio de la alteracin de las prcticas cientficas concretas, que comprende los estndares de

    realizacindelainvestigacin,ladivulgacindelosresultadosylaformacindenuevosinvestigadores.

    Atalefecto,elestudioempricosedividiendospartes:(1)enprimerlugar,analizamoslaformacomo

    el LNLSprimerocomoproyecto,despuscomoinstitucindeinvestigacinentraenelproceso

    histricode institucionalizacinde lacienciaenelBrasil, considerandolas transformacionesde los

    estndaresdenegociacin,organizacinylegitimacinsocialdelasinstitucionescientficasnacionales.

    Coneseobjetivo,fueronentrevistadosdirectoresdelaboratorios,miembrosdelaburocraciacientfica

    (directores de agencia de innovacin; coordinadores de agencias de fomento, etc.) y analizamos el

    contenidoyelprocesodeformulacinyaprobacindeleyes,resolucionesydocumentosoficialessobre

    laciencia,latecnologaysucomercializacin.(2)Ensegundolugar,elestudioempricoseconcentren

    lacaracterizacindelperfil,delasprcticasdeinvestigacinydelosestndaresdeformacindelos

    investigadoresqueusanelLNLScomocentroexperimental.Elobjetivofue,atravsdelanlisisdeun

    cuestionariodirigidoalosinvestigadoresexternosalLNLS,identificarquinessonyquhacenesos

    investigadores,sitrabajanycmolohacenenempresasprivadas,sisusresultadosdeinvestigacinson

    patentadosy/oconstituyencontratosycolaboracionesconempresasapartirdeinstitucionespblicasde

    investigacin.

    11

  • LISTADETABELAS

    CAPTULO2

    Tabela2.1.Aexplosodopatenteamentonasuniversidadesnorteamericanas

    Tabela2.2.OsprincipaismomentosdoprojetoDiretrizesEstratgicasdoMCT

    Tabela2.3.OsseisgrandesobjetivosdaPolticaNacionaldeCincia,TecnologiaeInovaoat2012,segundooMinistriodeCinciaeTecnologia

    Tabela2.4.AsdiretrizesestratgicasparaaCincia,aTecnologiaeaInovao(20022012)

    Tabela 2.5. Detalhamento das aes para a construodo SistemaNacional de InovaosegundooProgramadeDiretrizesEstratgicasparaC,T&IdoMCT

    Tabela2.6.Distribuiorelativadosgastosempresariaiseestataisemcinciaetecnologia(2003)

    CAPTULO3

    Tabela 3.1. Formao do Comit Executivo e do Comit Tcnico Cientfico do Projeto RadiaoSncrotron,ambosnomeadospeloCNPqem1983e1984

    Tabela3.2.ComposiodoConselhoDiretordoLaboratrioem1987

    Tabela3.3.EstruturadoConselhodeAdministraoABTLuS

    Tabela3.4.ComposiodoConselhodeAdministraodaABTLuSem2008

    Tabela3.5.OsprogramasqueorganizamasatividadescientficaseadministrativasdoLNLS

    Tabela3.6.OsseisgrandesobjetivosdaPolticaNacionaldeCincia,TecnologiaeInovaoat2012,segundooMinistriodeCinciaeTecnologia

    Tabela3.7.AsdiretrizesestratgicasparaaCincia,aTecnologiaeaInovao

    Tabela3.8.DetalhamentodasaesparaaconstruodoSistemaNacionaldeInovaosegundooProgramadeDiretrizesEstratgicasparaC,T&IdoMCT

    12

  • Tabela3.9.OsdezmaioresdepositantesdepatentesdoINPIcomprioridadebrasileira(1999a2003)

    Tabela3.10.AestruturadooramentodoLNLS(2001a2007)

    Tabela3.11:ContratosindustriaisdoLNLS(2002a2007)

    Tabela3.12.Investimentossugeridoserealizadosemnanocinciaenanotecnologia

    Tabela3.13.Valoressolicitados,previstoseefetivamenterepassadosparaoLNLS(2006a2009)

    Tabela3.14:ComposiodooramentodoLNLSedespesas(2001a2007)

    Tabela3.15.ContingenciamentodosrecursosdoprogramadenanotecnologiadoLNLS

    CAPTULO4

    Tabela4.1.DistribuioRelativadasPrincipaisInstituiesqueutilizamaFontedeLuzSncrotronemrelaoaoseutotaldeprojetosanuais,entre20012007

    Tabela4.2.Taxadecrescimentodapsgraduaoporregiobrasileira,entre19962004

    Tabela 4.3. Distribuio das trinta maiores instituies usurias do laboratrio pelo nmero depesquisadorescadastradoscomousuriosdoLNLS,entre19972008

    Tabela4.4.DistribuiodasempresasprivadasqueutilizaramoLNLScomousuriasdiretasdeacordocomonmerodeusurioscadastrados,entre19972004

    Tabela4.5.DistribuioRelativadospesquisadorescadastradosnoLNLSporInstituiodeorigememrelao ao universo da amostra (211 pesquisadores) e em relao ao universo total ( 2480pesquisadores)

    Tabela4.6.Distribuiodospesquisadoresdaamostradeacordocomocruzamentoentresuasreasdeformaonagraduaoenodoutorado

    Tabela 4.7 Distribuiodos pesquisadores do LNLSde acordo comas instituies a que estovinculados

    Tabela4.8.DistribuiodospesquisadoresdoLNLSporEstadoeregiodopas

    Tabela4.9.DistribuiodospesquisadoresdoLNLSsegundoanacionalidade

    Tabela4.10.Distribuiodospesquisadoresbrasileirosenobrasileirosdaamostraporgnero

    Tabela4.11.DistribuiodaspesquisadorasmulheresporreanoLNLSenosGruposdoCNPq

    13

  • Tabela4.12.Distribuiodospesquisadoresporgnero,readeformaoenveldeformao

    Tabela4.13.Distribuiodospesquisadoresdaamostraportempodeformaoedcadadeconclusodagraduao

    Tabela4.14.Distribuiodospesquisadoresqueconcluramodoutoradodeacordocomadcadadeconclusododoutorado

    Tabela4.15.Distribuiodospesquisadoresdaamostradeacordocomotipodeinstituiodeorigemearealizaoounodeiniciaocientfica

    Tabela4.16.Distribuiodospesquisadoresdaamostraporreadeformaoearealizaoounodeiniciaocientfica

    Tabela4.17.DistribuiodospesquisadoresquefizeramICemcadadcadadeconclusodagraduao

    Tabela4.18.Distribuiodospesquisadoresquerealizarampsdoutoradopordcadaderealizao

    Tabela4.19.Distribuiodospesquisadoresepesquisadorasdaamostraportempodeformao

    Tabela4.20.Distribuiodospesquisadoresepesquisadorasdaamostraquefizeramdoutoradodireto

    Tabela4.21.Distribuiodospesquisadoresepesquisadorasdaamostraquefizeraminiciaocientfica

    Tabela4.22.Distribuiodospesquisadoresepesquisadorasdaamostraqueconcluramopsdoutorado

    Tabela4.23.DistribuioRelativadospesquisadoresdeacordocomlocalderealizaodemestrado,doutoradoepsdoutorado

    Tabela4.24.Distribuiodospesquisadoresdaamostraquerealizaramodoutoradodeacordocomadcadadeconclusodocursoelocalderealizao

    Tabela4.25.Distribuiodospesquisadoresdaamostrapordcadaderealizaodopsdoutoradoelocal,emrelaoaototaldepsdoutoradosconcludospordcadanoBrasil

    Tabela4.26.Distribuiodospesquisadorespordcadadeconclusodagraduaoequantorealizaoounodapsgraduaonoexterior

    Tabela4.27.DistribuiodospesquisadoresdoLNLSporpasemquerealizaramomestrado

    Tabela4.28.DistribuiodospesquisadoresdoLNLSporpasemquerealizaramodoutorado

    14

  • Tabela 4.29. Distribuio dos pesquisadores do LNLS por pas em que realizaram o doutoradosanduche

    Tabela4.30.DistribuiodospesquisadoresdoLNLSporpasemquerealizaramopsdoutorado

    Tabela4.31.Distribuiodospesquisadoresporgneroedeacordocomarealizaoounodepartedapsgraduaoeminstituiesestrangeiras

    Tabela4.32DistribuiodospesquisadoresdoLNLSporregiesbrasileirasepornveldeformaorealizado

    Tabela4.33Distribuiodospesquisadoresdaamostradeacordocomocarterdainstituioepornveldeformao

    Tabela4.34:DistribuiodospesquisadoresexternosdoLNLSquenotrabalharamemempresasoulaboratriosprivados,porrazoapresentada

    Tabela4.35.Distribuiodospesquisadoressegundoarespostadadapergunta:Nasuaatualpesquisa, existepossibilidadedeaplicaocomercialoutecnolgica?

    Tabela4.36:Distribuiodospesquisadorespelarespostadadaperguntasobreopotencialcomercialoutecnolgicodaspesquisasquerealizam,deacordocomotipodeatividadequerealizam

    Tabela4.37:Distribuiodospesquisadoresdaamostrapelarespostadadaperguntasobreopotencialcomercialetecnolgicodaspesquisas,deacordocomasuatitulao

    Tabela4.38:Distribuiodospesquisadoresdaamostrapelarespostadadaperguntasobreopotencialcomercialdaspesquisas,deacordocomotipodeinstituioaqueestovinculados

    Tabela4.39:Distribuiodospesquisadoresdaamostraporreadeaplicaodassuaspesquisas

    Tabela4.40.DistribuiodospesquisadoressegundoarespostadadaperguntaNessapesquisaounoseugrupodepesquisaexistealgumtipodecontrato,convnioouparceriacomempresa?

    Tabela4.41:Distribuiodospesquisadoresquemantmounocontratocomempresasegundoocarterdainstituioemqueatua

    Tabela4.42.Distribuiodospesquisadoresquemantmcontratocomempresasemrelaoaototaldepesquisadoresporregiobrasileira

    Tabela4.43.Distribuiodospesquisadoresquemantmounocontratosouparceriascomempresasemrelaorespostadadasobreapossibilidadedeaplicaocomercialdaspesquisas

    15

  • Tabela4.44.Distribuiodospesquisadoresquemantmcontratoscomempresasdentrodecadaumadasreasdeaplicaodesuaspesquisasatuais

    Tabela4.45.DistribuiodasempresascomasquaisospesquisadoresdoLNLSestabelecemcontratosdeacordocomonmerodemenesdospesquisadores

    Tabela4.46.Distribuiodospesquisadoressegundoarespostadadapergunta:Existealgumcontrato deconfidencialidadee/ouclusulasdepatenteamentodosresultadosdepesquisa?

    Tabela4.47.Distribuiodospesquisadoresdeacordocomareadeaplicaodesuaspesquisasatuais,segundoarespostadapergunta:Nessecontratoexistealgumcontratodeconfidencialidadee/ou clusulasdepatenteamentodosresultadosdepesquisa?

    Tabela4.48.Listadasempresasqueexigiramclusuladeconfidencialidadenoscontratosuniversidade/empresadanossaamostra

    Tabela4.49.distribuiodospesquisadoresquenotmcontratocomempresassegundoajustificativaapresentada

    Tabela4.50.DistribuiodospesquisadoressegundoograudeconcordnciaemrelaoafirmaoAsempresasbrasileirasestomuitointeressadasnacinciauniversitria

    Tabela 4.51. Distribuiodos pesquisadores segundoa resposta dada pergunta: Noseugrupode pesquisa,existealgumapatenteconcedidaoualgumpedidodepatenteemandamento?

    Tabela4.52. Distribuiodos pesquisadores cujosgrupos tmpatentes solicitadas e licenciadas deacordocomaregiobrasileiraemqueatuam

    Tabela4.53.Distribuiopercentualdospesquisadoresquepertencemagruposcompatentessolicitadaselicenciadasdentrodecadareadeaplicaodosresultados

    Tabela4.54.DistribuiodospesquisadoresdeacordocomarespostaaperguntaAspatentessoumbommecanismodetransfernciadetecnologia?

    Tabela4.55.DistribuiodospesquisadoresdeacordocomarespostaaperguntaAspatentessoumbomindicadordedesempenhoacadmico?

    Tabela4.56.DistribuiodospesquisadoresdeacordocomoposicionamentoemrelaoafirmaoOpatenteamentodepesquisacontrrioaoespritocientficoporqueprivatizaoconhecimento

    Tabela4.57.DistribuiodospesquisadoresdeacordocomoposicionamentoemrelaoafirmaoOpatenteamentodepesquisadeveserincentivadopeloEstado

    16

  • LISTADEGRFICOS

    CAPTULO2

    Grfico2.1.DistribuiodosgastosbrasileirosemP&Dporsetor(governamentaleempresarial)

    Grfico2.2.DistribuiodosgastosbrasileirosemP&Dporsetor(estatalenoestatal)

    Grfico2.3.Distribuiodasempresasquedesenvolveramatividadeinovadoraemrelaoaototalentre1998e2000eentre2001e2003

    Grfico2.4.Caracterizaodasatividadesinovativasdasempresasbrasileiras

    Grfico2.5.Distribuiodasempresasqueimplementaramenoimplementaraminovaes

    Grfico2.6.Grauderadicalidadedasinovaesemprodutode2001a2003

    Grfico2.7.PedidosdepatentesdeprivilgiodeinvenodepositadosnoINPIsegundoorigemdodepositante(19902004)

    Grfico2.8.Depsitosdepatentesnosescritriosnacionaisem2004,segundoaOMPI

    Grfico2.9.DistribuiodospesquisadorescompsgraduaotrabalhandocomP&Demtempointegralporsetor(2000a2004)

    CAPTULO3

    Grfico3.1.EvoluododepsitodepatentesdaUNICAMP(19892007)

    Grfico3.1.EvoluodoscontratosindustriaisdoLNLS(2001a2007)

    Grfico3.2.ComposiodooramentodoLNLS(2001a2007)

    Grfico3.3.EvoluodonmerodedepsitosanualdepatentesemnanotecnologianoEPO(19842002)

    Grfico3.4.ParticipaodospasesnosdepsitosdepatentesnoEPO(19782005)

    Grfico3.5.DistribuioproporcionaldosdepsitosdepatentesemnanotecnologiadoEPOemrelaoaototal(20002002)

    17

  • Grfico3.6.Evoluodosgastosfederaisemnanotecnologia

    Grfico3.7.ComposiodooramentodoLNLS(2001a2007)

    Grfico3.8.ReceitasedespesasdoLNLSde2003a2007

    Grfico3.9.RepassesaoprogramadenanotecnologiadoLNLS(1999a2007)

    CAPTULO4

    Grfico4.1DistribuioRelativadasInstituies(oprprioLNLS,asseis maioresinstituies,outrasinstituiesbrasileiraseoutrasinstituiesestrangeiras)queutilizamaFontedeLuzSncrotonemrelaoaoseutotaldeprojetosanuais,em2001e2007

    Grfico4.2DistribuioRelativadasInstituies(doEstadodeSoPaulo,deoutrosEstadosedeoutrospases)queutilizamaFontedeLuzSncrotonemrelaoaseutotaldeprojetosanuais,entre19972007

    Grfico4.3DistribuioRelativadosProjetosdoFontedeLuzSncrotondeacordocomsuaorigem(latinoamericanos,europeusenorteamericanos),em2006e2007

    Grfico4.4Distribuiodosquestionriosrecebidospordiadeaplicao,de18demaroa30deabrilde2008

    Grfico4.5.DistribuiodosLaboratriosdoLNLSdeacordocomautilizaodosusurios

    Grfico4.6.DistribuiodosPesquisadoresdaAmostraporperododeutilizaodoLNLS

    Grfico4.7.DistribuiodaspesquisasrealizadasnoLNLSdeacordocomseuvnculocomasreasdenanocinciae/ounanotecnologia

    Grfico 4.8. Distribuio dos pesquisadores de acordo com a rea de suas pesquisas no LNLS(nanocincia,nanotecnologiaouambas),segundoautoclassificao

    Grfico4.9.DistribuioRelativadospesquisadoresdoLNLSdeacordocomocursodegraduaodeorigem

    Grfico4.10.DistribuiodoscursosdeorigemdospesquisadoresdaamostraquantoarealizaodepesquisasnoLNLSnareadenanotecnologia

    Grfico 4.11. Distribuio dos pesquisadores da amostra de acordo com o tipo de atividade queexerciam(graduao,mestrado,doutorado,psdoutorado,docncia,pesquisacontratada)nomomento

    18

  • emqueresponderamoquestionrio

    Grfico4.12.Distribuiodospesquisadoresdaamostradeacordocomatitulaomximaalcanadaatomomentodaentrevista

    Grfico4.13.DistribuioRelativadospesquisadoresdaamostradeacordocomotipodeinstituio(universidadefederal, universidadeestadual,universidadeprivada,universidadeestrangeira,empresaprivadaelaboratriopblico)aoqualestavamvinculadosnomomentodaentrevista

    Grfico4.14.Distribuiodospesquisadoresbrasileirosdaamostraporidade

    Grfico4.15.Distribuiodospesquisadoresporidade,emquartis

    Grfico4.16.Distribuiodospesquisadoresbrasileirosenobrasileirosdaamostraentreaquelesqueestoemformaoeosprofissionalizados

    Grfico4.17.Distribuiodospesquisadoresdolaboratrioporreadeformaoegnero

    Grfico4.18.Distribuiodaspesquisadorasporrea(fsica,qumicaecinciasbiolgicas)deacordocomnveldeformao

    Grfico4.19.Distribuiodaspesquisadorasdareadeengenhariadeacordocomonveldeformao

    Grfico4.20.Distribuiodospesquisadoresdaamostraportempodeformao

    Grfico4.21.DistribuiodototaldebolsasnoexteriordoCNPqporano(19802007)

    Grfico4.22.Distribuiodospesquisadoresqueestudarameminstituiesdaregiosudeste edeoutrasregiesdagraduaoaopsdoutorado

    Grfico4.23.DistribuiodospesquisadoresqueestudarameminstituiesdoEstadodeSoPauloedeoutrosEstadosdagraduaoaopsdoutorado

    Grfico4.24.Distribuiodospesquisadoresdaamostradeacordocomocarterdasinstituiesemquerealizaramsuaformao(dagraduaoaopsdoutorado)

    Grfico 4.25. Distribuio dos pesquisadores da amostra de acordo como carter das instituies(estaduaispaulistaseoutras)emquerealizaramsuaformao(dagraduaoaopsdoutorado)

    Grfico4.26.Distribuiodospesquisadoresqueestiveramforadopasnapsgraduaosegundoocarterdainstituiodeorigem(emquerealizouagraduao)

    Grfico4.27. Distribuiodospesquisadoresqueestiveramforadopasnapsgraduaodeacordocomainstituiodeorigem(emquerealizouagraduao)

    19

  • Grfico4.28.Distribuiodospesquisadoresdaamostraquetrabalhamnosetorprivadosegundootipodefunoexercida

    Grfico4.29.Distribuiodospesquisadoresque trabalharamounoemempresasprivadasequediscordamdaafirmao:Aexperinciacientficanopreparaparaomercadodetrabalho

    Grfico4.30.Distribuiodospesquisadoresdaamostraqueestabelecemcontratoscomempresasdeacordocomasuaformaobsica(readocursodegraduao)

    Grfico4.31.Distribuiodospesquisadoresquemantmcontratoscomclusulasdeconfidencialidadeepatenteamentoemrelaoao total depesquisadoresdeacordocomo tipode instituioaqualencontramsevinculados(universidadesfederais,estaduaiseinstitutosdepesquisa)

    Grfico4.32.DistribuiodaspatentesdepositadasporuniversidadesbrasileirasnoINPIde 1990a2004

    Grfico4.33.Distribuiodospesquisadoressegundoaquantidadedepatentessolicitadaspeloseugrupodepesquisa

    Grfico4.34.Distribuiodospesquisadoressegundoaquantidadedepatenteslicenciadaspeloseugrupodepesquisa

    Grfico4.35. Quantidadedepatentessolicitadase licenciadasnosgruposdepesquisaaqueestoligadososusuriosdoLNLS

    Grfico 4.36. Distribuiodos pesquisadores cujos grupos de pesquisa tempatentes solicitadas elicenciadasporcarterdainstituioatual

    Grfico4.37.Distribuiodospesquisadorescujosgruposdepesquisapossuempatentessolicitadase/oulicenciadas,deacordocomosdepartamentosaqueestovinculados

    20

  • SUMRIO

    INTRODUO...............................................................................................................................................24

    CAPTULO1:Atransformaodoregimedisciplinar/estatalbrasileirocomoproblemasociolgico:acinciacomoinstituio,comoprticaecomoideologia...............................................................................30

    1.1.Oquesignifica,atualmente,estudarcriticamenteoprocessodetransformaodacinciadaperspectivasociolgica?.....................................................................................................................................................32

    1.1.1. Acincia como instituioe comoprtica social: os regimes de produoe difusodoconhecimentocientficoesuatransformao....................................................................................46

    1.1.2.Acinciacomoobliteraodapoltica:aproduodamudananoregimedisciplinar/estataldeproduodoconhecimento..........................................................................................................50

    1.2.InstitucionalizaodacinciaeprticascientficasnoBrasil..................................................................59

    1.2.1. Amudanadoregimedisciplinar/estatal deproduoedifusodoconhecimentovistaapartirdoestudodoLaboratrioNacionaldeLuzSncrotron............................................................59

    1.2.2.OLaboratrioNacionaldeLuzSncrotroncomoobjetoprivilegiadodepesquisa..................61

    CAPTULO2:Anovapolticabrasileiradecinciaetecnologia:dapromoodoconhecimentocientficoaoincentivoinovaotecnolgica................................................................................................................66

    2.1.Omodelodapolticabrasileira:aspolticasdeinovaonospasescentrais..........................................68

    2.1.1.Aspolticascientficasnointervencionistas:suacriseeseusignificado...........................68

    2.1.2. Aemergncia da inovaocomofocoda aodo Estadona promooda cincia e datecnologia..........................................................................................................................................77

    2.1.3.Acinciacomoatividadeeconmica:agestoeficientedainovao....................................80

    2.1.4.AgestodainovaoeaconstruodosSistemasNacionaisdeInovao.............................88

    2.1.5. O novo papel das universidades e laboratrios pblicos de pesquisa: comercializao epatenteamentoderesultadosdepesquisa........................................................................................................93

    2.2.AemergnciadainovaocomofocodepolticadeC&TnoBrasil......................................................98

    2.2.1. A Nova Poltica Nacional de Cincia, Tecnologia e Inovao a inovaono GovernoFernandoHenriqueCardoso..............................................................................................................98

    21

  • 2.2.3.ALeideInovaoeaPoltica,Industrial,TecnolgicaedeComrcioExteriorainovaonoGovernoLula...............................................................................................................................106

    2.3.OBrasilcomoconsumidordetecnologia:algumascaractersticasdainovaonopas........................114

    2.3.1.Osgastosnacionaisemcinciaetecnologia..........................................................................115

    2.3.2.Ainovaonasempresasbrasileiras......................................................................................119

    2.3.3.Inovaoepropriedadeintelectual:aspectosdadinmicadepatenteamentonoBrasil........125

    2.4.Concluso...............................................................................................................................................132

    CAPTULO3:OLaboratrioNacionaldeLuzSncrotroneospadresdeinstitucionalizaoelegitimaodacinciabrasileira.......................................................................................................................................135

    3.1.OprojetodeconstruodeumaFontedeLuzSncrotronnocontextodeinstitucionalizaodacincianoBrasil.........................................................................................................................................................136

    3.1.1.Padresdedesenvolvimentodacinciabrasileiraatadcadade1980.................................136

    3.1.2.AnegociaodoprojetoSncrotronnosanos1980:rupturaoucontinuismo?......................160

    3.2.Deprojetoinstituio:olaboratrioNacionaldeLuzSncrotronemoperao..................................180

    3.2.1.Cinciapblicacomeficinciadegestoprivada:aABTLuS..............................................182

    3.2.2.Umanovalgicadeinserodocientistanasociedade?AinteraodoLNLScomosetorindustrial.........................................................................................................................................204

    3.2.3. O LNLS e a cincia estratgica para o desenvolvimento: pesquisas emnanotecnologia..................................................................................................................................239

    3.2.4.Estratgiastortas?AcrisedoLNLS.....................................................................................253

    3.3.Concluso...............................................................................................................................................259

    CAPTULO4:OLaboratrioNacionaldeLuzSncrotroneospadresdedesenvolvimentodaatividadecientficanoBrasil.........................................................................................................................................262

    4.1.ConcentraoedesconcentraonousodoLNLSeasuaconsolidaocomolaboratrioaberto:umaanliseapartirdosusuriosdaFontedeLuzSncrotron..............................................................................266

    4.2.CinciaetecnologianoBrasil:osusuriosdoLaboratrioNacionaldeLuzSncrotronoquestionrioaplicadocomospesquisadoresdoLNLS......................................................................................................277

    22

  • 4.3.QuemsoeoquefazemospesquisadoresexternosdoLNLS...............................................................289

    4.3.1.OspadresdeusodoLNLS...................................................................................................289

    4.3.2.AsreasdeconcentraodaspesquisasdoLNLS.................................................................293

    4.3.3.OndeestoeoquefazemospesquisadoresexternosdoLNLS............................................299

    4.3.4.AnacionalidadedosusuriosnacionaisdoLNLS.............................................................304

    4.3.5.Adistribuiodospesquisadoresporfaixaetria..................................................................307

    4.3.6.Adistribuiodospesquisadoresporgnero..........................................................................311

    4.4.AformaodecientistasnoBrasil:ocasodospesquisadoresdoLNLS................................................318

    4.4.1. Acelerao e antecipao do processo de formao de pesquisadores no Brasil: ospesquisadoresexternosdoLNLS....................................................................................................321

    4.4.2.Ainternacionalizaodaformaodepesquisadoresbrasileiros:ocasodospesquisadoresdoLNLS...............................................................................................................................................330

    4.4.3.Ospesquisadoresbrasileirosentreamargemeocentro:oprocessodeformaodosusuriosexternosdoLNLSosusuriosexternos.........................................................................................340

    4.5.Acomercializaoderesultadosdepesquisanoregimedisciplinar/estatalbrasileiro:umaanlisedasprticaseavaliaesdosusuriosexternosdoLNLS....................................................................................352

    4.5.1.AexperinciaprofissionaldospesquisadoresdoLNLSnosetorprivado...........................358

    4.5.2. O potencial potencial de aplicao comercial e tecnolgica das pesquisas: a viso dospesquisadoresdoLNLS..................................................................................................................369

    4.5.3.Arelaouniversidade/empresa..........................................................................................377

    4.5.4. Opatenteamentodosresultadosdepesquisa:prticaseavaliaesdospesquisadoresdoLNLS...............................................................................................................................................407

    CONCLUSO..............................................................................................................................................426

    REFERNCIAS............................................................................................................................................434

    ANEXO.........................................................................................................................................................467

    23

  • INTRODUO

    Urge,pois, parabementendermosnossaproblemtica,queestudemosaeconomiadessanovaindstriaemqueseconverteu,nosltimosdecnios,otrabalhotcnicocientfico.Masseriatrgicoquenosdeixssemoslevarporiluses,comoessasqueestoganhandoforodecidade no Brasil contemporneo, pretendendo que temos condio de fundar nossaindependncia tecnolgica (...) O primeiro atributo do nosso modelo o fato decorresponderaumaformaoperifrica,subdesenvolvida,gravitandoemtornodareamaisdesenvolvidanomundo.Essaformaosedesenvolvepelaabsorodaculturadevanguardadomundo,eaimportaodetecnologiaocernedesseprocesso.Queesseestadodecoisasnoestejafadadoaeternizarse,provaoofatodeestarmosreduzindoadistnciaquenosseparadavanguarda,masseriapuratolicefazerdecontaquenosomosmaisperifricosedependentes. Ao contrrio, o que importa que aprendamos a conhecer bem aspeculiaridades,tantodanossaperifericidadequantodanossadependncia.(RANGEL,1982,p.100)

    Opontodepartidadapresentepesquisafoiapercepodeincio,umtantoquanto

    abstrata dequea sociologiabrasileiradeveria,urgentemente,voltarseparaa anlisedos

    processossociaisquevmalterando,desdeosanos1970,arelaoentrecincia,economiae

    Estadocomfocosobreorecrudescimentodosistemanacionaleinternacionaldepropriedade

    intelectual.

    OprojetodemestradoapresentadoaoprogramadePsGraduaodoDepartamentode

    SociologiadaUSPeintituladoCapitalismo,Tecnologiaepropriedadeintelectual:aspesquisas

    emnanotecnologiadoLaboratrioNacionaldeLuzSncrotronpartia,assim,deumconjuntode

    anlises1 que chamava a ateno para a estreita relao existente entre o processo de

    recrudescimentodossistemaslegaisdepropriedadeintelectualeastransformaesestruturais

    por que vem passando o sistema capitalista de produo, em especial, nas formas de

    organizao,mensuraoecontroledotrabalhoditointelectual.

    Partindodessasanlises,ahipteseinicialdestapesquisaeraqueaatividadecientfica

    1 Tais como, por exemplo: Bensad, 2004; Bolao, 2000e2002; Boltanski; Chiappelo, 1999; Boyle, 2003;Castells,1999;Dantas,1996,1999,2000e2003;Gorz,2003;Habermas,1987;Husson,2003e2004;Lazzarato,1995;Lazzarato;Negri, 2001;MoulierBoutang,2005e2002;Negri; Hardt, 2002;Offe,1989,1991e1995;Perelman,2003;Prado,2005;Rabinow,1991e1993;Rullani,2000;Santos,1998,2003.

    24

  • estariaexperimentandoumamploprocessodemercantilizaoapartirdoqualosprodutosda

    cinciasejasobaformaderesultadoscientficos,sejaenquantoaplicaestecnocientficas

    tornavamsemercadoria,aomesmotempoemquea atividade cientficatransformavaseem

    trabalhoassalariadoprodutordevalor.Nesseduploprocessodemercantilizaodacincia,a

    propriedade intelectual especialmente as patentes cientficas parecia assumir um lugar

    central.

    Para estudar essa hiptese, a presente pesquisa propunha realizar uma investigao

    empricaquetivessecomoeixooacompanhamentosistemticode processosdepesquisa em

    novasreasdoconhecimentotaiscomoasassimchamadasnanocinciae/ounanotecnologia

    equeresultassemempropriedadeintelectualsobaformadepatenteamentodepesquisa.Essas

    pesquisaseramtratadas,tericaeempiricamente,comoprocessosdetrabalho oquepermitia

    consideraraspatentesquedelasresultassemcomoprodutosdesseprocessotrabalho,ouseja,

    comomercadoria.

    Emtermosgerais,oobjetivodapresentepesquisapermaneceomesmo,isso,ajudara

    compreenderasrelaesexistenteentreacinciaeocapitalismocomespecialatenoparaas

    transformaesqueessasrelaesimplicamtantoparaofuncionamentodacinciaquantoparaa

    estruturaeadinmicadaeconomiacapitalista,sobretudo,comofoidito,noqueconcerne

    organizao,mensuraoecontroledochamadotrabalhocomplexo.

    Noentanto,apesardaperguntainicialdestapesquisaser,justamente, comoacincia

    brasileira se mercantiliza?, terminadoo processode investigao, anlise e exposiodos

    resultados,nopossvelclassificarestapesquisacomoumestudodecasodamercantilizao

    dacinciaedotrabalhocientficonoBrasil.Eissonoporque,aoobservarasmudanasque

    vmafetandoosdiferentes regimesdeproduodeconhecimentocientfico,noestejamos

    diantedeumprocessodemercantilizaoedesubsunodotrabalho,masporqueaescolhade

    realizarumestudodecasonosentidodeusarumobjetoempricoparaprovarumahiptese,

    ilustrando,assim,umateoria implicavaduasimportanteslimitaes.Emprimeirolugar,a

    simples ilustraodoprocessodemercantilizaodacincianoBrasiltornariapraticamente

    25

  • impossvelodilogoe,conseqentemente,acrticadosproblemaspostospelaamplamaioriada

    literaturacontempornea,sobretudoaquela ligada economiae polticada inovao.Em

    segundolugar,eprincipalmente,poistodoprocessodemercantilizao,porseressencialmente

    histrico,marcadoporespecificidadesquesotooumaisimportantesdoqueoseuresultado

    final,sobretudoemumcontextoemqueapossibilidadedealterarasbasesestruturaisdosistema

    social parece to distante, que as oportunidades de atuao poltica radical limitamse

    exploraodosespaosecontradiesabertosporessasmesmasespecificidades.Issoimplica

    dizer que to importante quanto constatar a cincia est passando por um processo de

    mercantilizaonoBrasilentenderComoesseprocessoproduzido?Quaisforassociaiso

    engendram?Quaiscontradiesoperpassam?Emsuma,quaissentidoseleassumeporessas

    paragens?

    Opresentetrabalhobuscar,assim,reconstruiralgunsaspectosdorecenteprocessode

    transformaodacinciaedaprticacientficanoBrasil,tentandoentender,apartirdaanlise

    doseuvnculocomomundopolticoesocialmaisgeral,asuaproduoeoseusignificado.

    Esseprocessodetransformao analisado,nestadissertao,apartirdeduasperspectivas

    indissociveis: amudanajurdicoinstitucionaldacinciaeaformacomoessamudanase

    refleteounonasprticasconcretasdospesquisadoresbrasileirosatuandoemreasdeponta

    taiscomoaspesquisasemnanoeembiotecnologia.

    Considerandoessaduplaperspectivaacinciacomoinstituioecomoprtica,as

    mudanasqueatingemacinciabrasileirasocontempladasapartirdetrsmovimentosde

    aproximao que correspondem, por sua vez, a trs momentos da pesquisa emprica.

    Primeiro,atransformaodacinciabrasileiravistaapartirdodiscurso'oficial'dogoverno,

    talcomoexpressonaNovaPolticaNacionaldeCincia,TecnologiaeInovao,de2002,na

    PolticaIndustrial,TecnolgicaeComrcioExterior,de2004e,porfim,nachamadaLeide

    Inovao,aprovadanessemesmoano.Emumsegundomomento,essamesmatransformao

    analisadanombitodoesforodeinstitucionalizaodacinciabrasileiraentendase,dos

    processosdenegociao,gestoelegitimaoquegarantemgrausmnimosdeautonomiae

    26

  • estabilidadesinstituiescientficasbrasileiras.Porfim,atransformaodacinciavistada

    perspectivadasprticascientficasdospesquisadoresematividadeemumlaboratriodeponta

    noBrasil.

    Oproblemageraldapresentepesquisaentender,portanto,aproduododiscursoda

    inovaotalcomoaparecenogovernoFernandoHenriqueCardosoenogovernoLulada

    perspectiva dos processos de institucionalizao da cincia brasileira, ou seja, como uma

    estratgia de (auto)legitimao articulada por alguns setores da comunidade cientfica

    nacionalligadogestodacincianacional.Essaestratgia,comoveremos,essencialmente

    ambgua na medida em que implica uma transformao cujo objetivo radicalmente

    conservador:acinciabrasileiramudaparapermanecercomosempreesteveorganizadaem

    instituiesatreladasaoaparelhodeEstadoeadministradasapartirdeumaestruturaburocrtica

    altamentefechadaeavessaaprocessosdedemocratizaointerna.

    Masaambigidadedaatualtransformaodacinciabrasileiraassumeumsentidoainda

    maisprofundoquandoolhamosnosparaaorganizaoinstitucionaldacinciamas,tambm,

    para as prticas cientficas. Nesse sentido, se, por um lado, essa transformao implica a

    preservaodaatualestruturadepoderdasuniversidadese institutosestataisdepesquisa

    mesmodaquelesadministradosdiretamenteporumaassociaodachamadasociedadecivil

    poroutro,elaresulta,tambm,napreservaodaprpriacinciacomoatividaderelativamente

    autnoma,protegidadeprocessosmaisradicaisdemercantilizao.Aneutralizaodoprocesso

    de subsuno da cincia a uma lgica puramente econmica ou poltica dada por sua

    institucionalizaoenquantoregimecientfico/disciplinarpossibilita tantoqueacinciase

    mantenhacomoumaesferasocialdiferenciada,naqualacertificaodosseusenunciadosas

    hipteseseinterpretaescientficaspermaneceatreladaaumalgicainterna,quantoqueo

    trabalhocientficocontinuesendoorganizadoecontroladoapartirdosmecanismosinternosao

    regimecientfico/disciplinar. Tantoocarterdissimuladodasmudanasemcursonopas

    quantooseuefeitodopontodevistadapreservaodacinciapodemsermelhorpercebidos,

    justamente,apartirdaanlisedasprticascientficasconcretasdaquelesquetrabalhamcom

    27

  • cinciaeminstituiespblicas/estataisnopas,oqueexplicaanossanfasenoestudodos

    pesquisadoresdoLNLSdessaperspectiva.

    Seguindoessasindicaes,apresentedissertaoestorganizadadaseguinteforma:

    Oprimeirocaptulo Atransformaodoregimedisciplinar/estatalbrasileirocomo

    problemasociolgico:acinciacomoinstituio,comoprticaecomoideologiaapresentaa

    construodoproblemadapesquisatendoemvistaodebatesociolgicosobreatransformao

    dacinciaeasespecificidadesdocasobrasileiro.Emoutraspalavras:procuramosmostrarcomo

    aescolhaporolharparaacinciaconsiderandooseumarco institucional ouseja, oseu

    processodeinstitucionalizaoeasprticassociaisconcretasdosquetrabalhamcompesquisa

    cientficasefundamentatantonodebatesociolgicocontemporneoquantonasespecificidades

    donossoprprioobjeto,oLaboratrioNacionaldeLuzSncrotron.

    O segundocaptulo Anovapolticabrasileiradecinciaetecnologia:dapromoodo

    conhecimentocientficoaoincentivoinovaotecnolgicaexpe,emlinhasgerais,omodeloeo

    contedodanovapolticanacionaldecinciaetecnologiaqueincorporouainovaocomo

    elemento central. O intuito apresentar o discurso oficial da inovao considerando o

    contextoemqueeleseaplica,ouseja,oBrasilcomoumapasqueseconfigurabasicamente

    comoconsumidordetecnologia.Soosdadoseinformaesapresentadosnessecaptuloque

    permitem formular a primeirahiptese da presente pesquisa, qual seja, que o discursoda

    inovao segundo o qual a cincia desempenharia umpapel crtico no desenvolvimento

    econmiconacionaletodososrearranjosjurdicoinstitucionaisaelecorrespondentesforam

    formuladose implementados,ao menos emumprimeiro momento, por setores da prpria

    comunidadecientficanacionalsendomelhorentendidos,portanto,comopartedoesforode

    institucionalizaodacincianopas.

    O terceirocaptulo OLaboratrioNacional deLuz Sncrotrone os padres de

    institucionalizao e legitimao da cincia brasileira corresponde justamente ao

    desenvolvimentodessaprimeirahiptese.Elemostraoesfororealizadoporpartedocorpode

    idealizadoresediretoresdoLNLSparalegitimloperanteoEstadoeperanteasociedade,

    28

  • viabilizandooinstitucionalmentedentrodecondiesderelativaautonomiaeestabilidadede

    financiamento.OcaptulodescrevecomooesforodeinstitucionalizaodoLNLSumdos

    maioresprojetoscientficosbrasileirosdopontodevistadeinvestimentoecomplexidadetcnica

    repeeatualizapadrestradicionaisdeinstitucionalizaodacincianoBrasil.Ointuito

    mostrarcomooesforodeinstitucionalizaoelegitimaodoLNLSspodesercompreendido

    luzdoprocessodeinstitucionalizaodacinciabrasileiraequearecprocaigualmente

    verdadeira,oprocessodeinstitucionalizaodacinciabrasileirasobretudoapartirdofimda

    ditaduramilitar muitomelhorcompreendidoquandoolhamosparaocasoespecficodo

    LNLScomoprojetoestratgico.Odesenvolvimentodocaptulopermiteformulardeformamais

    claraa segundahiptesecentraldopresente trabalho,qual seja,queas recentesmudanas

    jurdicoinstitucionaisqueafetaramacinciabrasileiravisamconservartantoaatualestrutura

    institucionaldacincianopasquantoassuasprticascientficasmaisimportantes.

    Assim,oquartoeltimocaptulo OLaboratrioNacionaldeLuzSncrotroneos

    padresdedesenvolvimentodaatividadecientficanoBrasil apresentaosresultadosdeum

    estudoempricorealizadocomospesquisadoresexternosdoLNLSouseja,aquelesqueo

    utilizamcomocentroexperimentalenfatizandoseuprocessodeformaoesuasprticasde

    pesquisa,comnfaseespecialsobreassupostasprticasdecomercializaodepesquisatais

    como,experincianosetorprivado,patenteamentoelicenciamentodepesquisas,parceriascom

    empresasparadesenvolvimentodenovastecnologias,cujoincentivoconsideradoprioritrio

    pelanovapolticabrasileiradecinciaetecnologia.Oobjetivoprincipalexploraremque

    medidaasprticasdosquetrabalhamcomcinciadepontanoBrasilvmsealterandoeemque

    direo.

    29

  • CAPTULO1

    Atransformaodoregimedisciplinar/estatalbrasileirocomoproblemasociolgico:acinciacomoinstituio,comoprticaecomoideologia

    Apartirdadcadade1970,inmerasmudanasincidiramsobreosregimesdeproduo

    de conhecimento cientfico2 e sobre a dinmica da sua aplicao econmica, a inovao,

    sobretudonaEuropae nosEstadosUnidos.Essastransformaesalteraramasestratgiasdo

    Estadonapromoodacincia,da tecnologiae da inovao, o lugardasuniversidadesno

    sistema de produo e comercializao do conhecimento e a forma como as empresas

    capitalistasconduzemseusprocessosinternosdeinovao.Assim,areestruturaodaspolticas

    nacionaisdecinciaetecnologia,asreformasuniversitriasquevmalterandoosobjetivose

    prticasdasinstituiesprodutorasdeconhecimentocientficoeasmudanasgerenciaisque

    incidiramsobrea organizaoe ocontroledo trabalhodepesquisa e desenvolvimentonas

    empresassoexpressesvisveisdesseprocesso.

    Paralelamente,oBrasilvempassando,nasltimastrsdcadas,pormudanasestruturais

    importantestantonasua dinmicapolticosocial reflexodo processode aberturapoltica

    que, aoexpor o aparelhodeEstado lgicada representaopoltica, implicou, em tese,

    processos de democratizao em diferentes esferas sociais quanto na sua dinmica

    econmica, resultadonosdatransformaodaestruturaeconmicadopasapartirda

    abruptaaberturaeconmicadosanos1990,doconseqenteenfraquecimentodasempresasde

    capital nacional,do aumento do investimento externo direto, da privatizaodas empresas

    2Osestudosacercadaproduodeconhecimentosejamelesdareadesociologia,economia,administraooumesmofilosofiareconhecem,emgeral,avalidadedaidiadequeexistemdiferentesmodos,sistemasouregimesdeproduodoconhecimento, aosquaiscorrespondemformasespecficasdeestrutura institucional,organizaodotrabalho,regimederecompensa,motivaosubjetiva,prticas,valoreseformasdegestodapropriedadeintelectual.(MERTON,1957;BOURDIEU,2004;BIAGIOLI,1998;NELSON,2004;SHINN,1980,2000a,2000b,2008a).

    30

  • estataisedoprocessodeliberalizaocomoumtodomas,tambm,daalteraodopapel

    polticoeconmicodoEstadomenosemfunodoenfraquecimentodasformasdeaodireta

    e indireta sobre a economia do que da reduo da sua funo de agente planejador do

    desenvolvimentoindustrialdopas.

    Os impactos da confluncia desses processos sociais que se desenrolam no plano

    nacionaleinternacionalsobreaatividadecientficabrasileiraesobreadinmicadosprocessos

    denegociaoeinstitucionalizaodacincianopassoopanodefundodapresentepesquisa,

    cujoobjetodeestudooLaboratrioNacionaldeLuzSncrotron(LNLS)suaspesquisas,seus

    pesquisadores,suaorganizao interna,suasestratgiasdelegitimaoe institucionalizao.

    Comodissemos,asmudanasqueafetamacinciabrasileiraseroanalisadasapartirdeduas

    perspectivasdistintas:adospadresdeinstitucionalizaoelegitimaosocialdacinciaea

    dospadresdedesenvolvimentodaatividadecientficaenquantoprticadepesquisaeprocesso

    deformaodepesquisadores.

    Estudaressadupladimensodacinciacomoconstruoinstitucionalecomoprtica

    social paralelamentee emumanicapesquisa nose justificaapenasporuma inteno

    descritivaquebuscadarcontadoselementosconstitutivosdacincianassuasespecificidades.

    TantoapesquisaempricadoLNLSquantoocontatocomaproduosociolgicaquevem

    analisando as transformaes da cincia mostraram que um estudo que pretenda entender

    criticamenteoprocessodemudanadacinciadeve,necessariamente,olharparaaformacomo

    seproduzemosnovosarranjosjurdicoinstitucionaisquevisamreconfigurarofuncionamento

    da cincia ou seja, para as mudanas dos padres de institucionalizao da cincia

    considerandoomodocomoessesnovosarranjostransformamasprticasconcretasdaquelesque

    trabalhamcompesquisaeformaodepesquisadoresouseja,areconfiguraodaatividade

    cientficaenquantoprticasocial.

    Essa escolha tericometodolgica tem um duplo fundamento: por um lado, a

    emergnciadenovasabordagenssociolgicasque,emrespostasinsuficinciasdaperspectiva

    mertoniana,tornaramarelaoentreoprocessodeinstitucionalizaodacinciaeasprticas

    31

  • concretas dos cientistas um problema de pesquisa incontornvel; e, por outro, a prpria

    especificidadedaestruturadoLNLSeaformacomoeleseinserenahistriaenadinmicada

    cinciabrasileira,oqueobrigounosaconsiderlocomoumaduplarealidadeemprica:uma

    instituio de pesquisa com suas regras internas e suas estratgias de legitimao e

    institucionalizao,asquaissomentepodemsercompreendidasplenamenteluzdospadres

    mais gerais de institucionalizao da cincia no Brasil, e, paralelamente, uma plataforma

    tecnolgicadepesquisavoltadaparacientistasde todoo pas, que incorporamprticasde

    pesquisaetrajetriasacadmicoprofissionaisprprias,permitindoquepormeiodoestudodo

    LNLSpossamosretrataraspectosessenciaisdacinciabrasileiracomoumtodo.

    Parafinsdeexposio,vamosapresentaraformacomoonossoproblemadepesquisa

    atransformaodoregimedisciplinar/estataldeproduoedifusodoconhecimentodoponto

    devistainstitucionaleprticoemergedodebatesociolgicocontemporneosobreacincia,

    para,depois,construiroproblemaempiricamente,apartirdainvestigaodoLNLS.

    1.1. O que significa estudar criticamente o processo de transformao da cincia daperspectivasociolgicacontempornea?

    amplamentereconhecidoquea sociologiadacinciaconstituisecomoumcampo

    delimitadodepesquisaapartirtrabalhosdeRobertKingMertonsobreascondieshistrico

    sociaisdeemergnciaedesenvolvimentodaatividadecientfica(MERTON,1951,1970)esobre

    ofuncionamentodaestrutura institucionalenormativa(MERTON,1942,1957,1963,1972,

    1973)3.

    3Em1938,RobertMertondefendeuasuatesededoutoramentodenominada:Cincia,tecnologiaesociedadenaInglaterradosculoXVII. Merton propunhaanalisar do ponto de vista sociolgico as condies religiosas,econmicas, profissionais e institucionais capazes de explicar a revoluo cientfica e tcnica ocorrida naInglaterradosculoXVII.OdoutoradodeMertontemumaduplaimportncianamedidaemqueofereceumaresposta da sociologia ao problemada origemda cincia moderna, ao mesmo tempoemqueformula umadefiniosociolgicadacincia. Assim,apesardeterhavido,antesdeMerton,estudosdasociologiasobreacincia(Durkheim;Mannheim;PitirimSorokin;LudwigFleckoumesmoKarlMarxeMaxWeber),Mertonconsiderado o pai fundador da sociologia da cincia uma vez que foi o seu arsenal conceitual, a suaterminologiaeoseuprogramadepesquisaqueorientaramostrabalhosdesociologiadacinciapelomenosat

    32

  • ApartirdasformulaesiniciaisdeMerton,umafortetradiodepesquisadesenvolveu

    sebuscandocompreender tantooprocessohistricosocialde institucionalizaodas regras

    internas de funcionamento da cincia sobretudo as regras de controle do trabalho e de

    hierarquizaoprofissionalquantoaconsolidaodascondiesideaisdedesenvolvimentoda

    atividadecientficasejanoplanodagestodacinciacomoinstituio,social,sejanocontrole

    daatividadecientficacomotrabalho.Asociologiamertonianadacinciadedicouse,portanto,

    ao estudo da estrutura de funcionamento da cincia com especial ateno a como o

    reconhecimentodascontribuiesdospesquisadoresindividuaisaumadadadisciplinasoba

    formadepublicaesavaliadasporparesorganizariainternamenteacincia(COLE;COLE,

    1967; ZUCKERMAN, 1967; HAGSTROM, 1965, 1972; DE SOLLA PRICE, 1963, 1969).

    Partindodisso,atradiomertonianapassouaformularrecomendaessobrecomoincentivaro

    desenvolvimentocientfico, tanto no sistemapblico/cientfico de pesquisa por meiodas

    polticaspblicasnacionaisdecinciaetecnologia(BENDAVID;ZLOCZOWER,1962;BEN

    DAVID; COLLINS, 1965; BENDAVID, 1965, 1974, 1977) quanto no sistema

    privado/empresarialatravsdaimplantaodedispositivosetcnicasdecontroledotrabalho

    nos grandes laboratrios privados ou governamentais (BROWN, 1954; GLASER, 1965;

    KAPLAN,1963,1965;MARCSON,1960;PELZ,1953;PELZ;ANDREW,1966;TAGIURI,

    1965)4.

    Assim,atradiosociolgicaqueemergedostrabalhosdeMertonnosorganizouo

    estudo e a conceitualizao da cincia por vrias dcadas como apresentou, tambm,

    desdobramentos importantes no plano das recomendaes polticogerenciais para a

    organizao, controle e gesto da cincia. Essas recomendaes orientaram o desenho de

    osanos1970.4 Odesdobramentoda teoria mertonianaemtermosdeumadupla formadecontrole controledoarranjoinstitucional da cincia e controle das prticas concretas de pesquisa e do processo de formao de novospesquisadores explicita o reconhecimento de que a cincia essa denominao abstrata e repleta designificadoscorrespondia,naverdade,aumaatividadesocialmarcadaporregrasepadresdeorganizao,controle e diviso do trabalho que apresentava pelo menos duas formas distintas de expresso: a cinciadesenvolvidanosistemapblicoouseja,nasuniversidadeseinstitutospblicoseacinciadesenvolvidanosistemaprivadonoslaboratriosdepesquisaedesenvolvimentodasgrandesempresas.

    33

  • polticasnacionaisdecinciae tecnologiaea implementaodemecanismosdegestodo

    trabalhocientficoemempresaselaboratriosprivadose,posteriormente,noprpriosistema

    pblico.Odesenvolvimentodedispositivosdecontroledaprodutividadeacadmica,baseados

    naavaliaodaquantidadee do impacto daspublicaesdepesquisadores individuais,de

    instituiescientficasoudepaseseregies,umdosmaisimportanteslegadosdachamada

    tradiomertonianadesociologiadacincia(SHINN;RAGOUET,2008,p.3644;WOUTERS,

    2006).

    Asociologiamertonianadacinciapermaneceupraticamentehegemnicaatadcada

    de1970,quandopassouaserduramentecriticadatantonombitodosestudossociolgicosda

    cinciaquantonocampododesenhodepolticase mecanismosdegestodacincia.Nesse

    sentido,destacamseascrticasspolticasnointervencionistas5decinciaetecnologiaque

    vigoraram,dosanos1950aofinaldos1970,primeironosEstadosUnidose,depois,emdiversos

    pasesincluindooBrasil.

    Noplanointernosociologia,asprincipaisvertentesqueatualmenteorganizamoestudo

    sociolgico da cincia emergiram fundamentalmente de crticas mais ou menos radicais

    tradiomertonianadesociologiadacincia.SegundoTerryShinnePascalRagouet,essas

    correntespodemserclassificadasemdoisgrandesgrupos,asteoriasantidiferenciacionistas(a

    Nova Sociologia da Cincia, claramente construtivista) e teorias neodiferenciacionistas

    (aquelesque,emboracrticosdasociologiamertoniana,aindaconsideramadiferenciaoda

    esferacientficaPierreBourdieu)6.

    5Emboraotermomaiscomumsejapolticaslineares(STOKES,2005)ouofertistas(DAGNINO;VELHO,1998)decinciaetecnologia,entendemosqueaexpressomaisadequadasejapolticanointervencionista,nosentidodadoporBennereSandstrmaoanalisaromodelodefuncionamentodeagnciasdefomento(2000,p.300)ouseja,umapolticaquecujaestruturadefinanciamentoeavaliaopartedopressupostoqueacinciadeveseautoadministrarcontrolando,atravsdassuasestruturasdefinanciamentoeavaliao,oprocessodeproduodepesquisas.6Emtermosgerais,aleituradifereciacionostadacinciaenvolve,segundoShinneRagouet(2005,2008),todosossocilogosquereconhecemaespecificidadedacinciacomoinstituiosocialecomosistemacognitivo.RobertMerton(1942,1951,1957,1963,1972)etodosossocilogosqueseguem,diretaouindiretamente,oseutrabalho(COLE;COLE,1967;CRANE,1969,1972;HAGSTROM,1965,1972;ZUCKERMAN,1967;JOSEPHBENDAVID, 1965, 1974, 1977), so representantes da vertente funcionalista ou clssica da sociologiadiferenciacionista, enquantoqueatradio francesafundadaapartirdostrabalhosde PierreBourdieu(1975,

    34

  • Noprimeirogrupoestoosautores ligados NovaSociologiadaCincianas suas

    diferentes linhas: o chamado Programa Forte (BARNES, 1977; BLOOR, 1976, 1982), a

    etnografiadasprticascientficas(KNORRCETINA,1981;LATOUR;WOOLGAR,1996)ea

    vertenteportadoradarupturamaisradical,asociologiaconstrutivistadacincia(CALLON,

    1986,1998;CALLON;LATOUR,1991;LATOUR,1983,1984,1991,1995,2000,2001)7.

    OpontodepartidadasvertentesdepesquisadaNovaSociologiadaCinciaoquelhes

    confere unidade a crtica ao silncioda sociologia mertonianaquanto ao processo de

    produo/fabricaodeverdadescientficas ouseja,acrtica separaoradicalentre

    sociologiaeepistemologia.Aessacrticasomaseapreocupaocomapesquisaemao,ou

    seja,comasprticasconcretasdeinvestigaoeformulaodefatoseenunciadoscientficosea

    negaodosprocessosdediferenciaodacinciatantosocialasuaconstituiocomoesfera

    socialrelativamenteautnomaapartirdasuadiferenciaoemrelaoaoutrasesferasquanto

    epistemologicamente a diferenciao em relao a outras formas de produo de

    conhecimento.

    Assim,paraaNovaSociologiadaCincia,tantoaidiadeautonomiarelativadacincia

    suas regras internas e especficas quanto as suasparticularidades epistemolgicas so

    veementemente negadas (SHINN; RAGOUET, 2008, p. 11), no existinto diferenas

    2004)eRichardD.Whitley(2000)representaumavertentemaisdialticadodiferenciacionismo,medidaemqueentendeacinciaenquantoesferadotadadealgumaespecificidadetantosocial,quantocognitivamesmoquandoreconhecendoasuahistoricidadeeasfortesligaesentreacinciaeasociedade,bemcomoopapeldacincianosprocessossociaisdedominaoe,viceversa,opapeldosprocessossociaisdedominaonointeriordacincia. Nessatradio,almdeBourdieueWhitley,inseremseTerryShinn(1980,2000a;2000b,2002,2008a,2008b)ePascalRagouet(2000)eYvesGingras(GINGRAS,2000,2003;GINGRASetall,2003).Jalinhaantidiferenciacionistas,compostapelosautoresligadosaochamadoProgramaFortedesociologiadacincia(BARNES,1977;BLOOR,1976,1982), etnografiadacincia(KNORRCETINA,1981;LATOUR;WOOLGAR,1986)e linhamaisradical doantidiferenciacionismo,asociologia construtivistadacincia(CALLON,1986,1998;CALLON;LATOUR,1991;LATOUR,1983,1984,1991,1995,2000,2001)7 SegundoShinneRagouet, certosautoressituamseemvriasdessascategorias, namedidaemquesuastomadasdedeciso,evolutivas,nopodemserexclusivamenteexprimidaspor[apenas]umadelas(2008,p.60).Isso explica porque Bruno Latour, por exemplo, tem trabalhos que podem ser classificados tanto na linhaetnogrficadacincia, como,por exemplo, Laviede laboratoire, escrita emparceria comSteveWoolgar(LATOUR,WOOLGAR,1996),quantonaconstrutivistas,comoLesmicrobes:guerreetpaix.(LATOUR,1984); Lemetierdechercheur.Regardd'unanthropologue(LATOUR,1995);eLasciencetellequ'ellesefait(CALLON;LATOUR,1991).

    35

  • significativasentrea atividadecientfica financiadapeloEstadoe realizadaeminstituies

    pblicas/estataiseaatividadecientficafinanciadaporinvestimentosprivadoserealizadano

    interiordasempresascapitalistascomoummomentodoprocessodeproduodemercadorias.

    DentreasvertentesdaNovaSociologiadaCincia,asociologiaconstrutivistacuja

    expressomaisatualsoaspesquisasfeitasapartirdanoodeator/redeaqueteve,sem

    dvida,maiorinfluncianaspesquisassociolgicassobreacincia.Essestrabalhos(CALLON,

    1986,1998;CALLON;LATOUR,1991;LATOUR,1983,1984,1991,1995,2000,2001),comoo

    prprionomesugere,estopreocupadoscomoprocessodeconstruosocialdacincia,no

    enquanto instituio organizada por regras e valores prprios cuja existncia negam

    (CALLON, 1986, p. 175) , mas enquanto um discurso que se pretende legtimo e

    verdadeiro8.Asociologiaconstrutivistadacinciapartedanegaoradicaldedicotomiastais

    comofalso/verdadeiro,cincia/nocincia,observador/objeto,fato/conceitoenatureza/cultura,

    demodoqueoproblemaprivilegiadodeinvestigaooprocessosocialdeconstruodessas

    diferenciaesnoqualacincia,comodiscursosocialmentelegtimo,desempenhaumpapel

    central.Assim,afortepreocupaocomadimensoprodutivadacinciaenquanto discurso

    aproximaoconstrutivismodeLatoureCallondasteoriaschamadaspsmodernas.

    Oimpactodasociologiaconstrutivistasobreoestudocontemporneodacinciatem,

    portanto,doisnveis.Emprimeirolugar,elanegaradicalmenteacompreensodequeacincia

    pode ser entendida como uma esfera social diferenciada, constituda por um processo de

    institucionalizaoque lhepermite funcionar segundo regras, valores e formasprprias de

    8BrunoLatour,umdosnomesmaisimportantesdaNovaSociologiadaCincia,estparticularmenteinteressadonoprocessodeproduo/construodeverdadescientficas,comooprprioautorafirma,asuateoriapodeserconsideradafilosofiadacinciaembasadaempesquisaemprica.Nesseesprito,Latourchamaaatenoparaadiferenaessencialentrea cinciaacabadaeoqueelechama cinciaemao,destacandoaimportnciadeolharmosparaestaltimasequisermosdefatocompreendercomoseproduzemasverdadescientficas.Assim,adifciltarefadeestudaracinciadevecomearpelaportadetrs,ouseja,pelacinciaemconstruo,oqueimplicaconsiderarondaquesto:otpiconoqualcientistaseengenheirostrabalhamarduamente(Latour,2000,pp.1617).Apesardisso,segundoLatour,deformageralosestudossobrecinciasomarcadosporumenormedescaso em relao ao processo que antecede cincia acabada: Apesar do quadro rico, desconcertante,ambguoefascinantequeassimserevela,poucaspessoasdeforajpenetraramnasatividadesinternasdacinciaedatecnologiaedepoissaramparaexplicar,aquemcontinuadoladodefora,comotudoaquilofunciona(...)infelizmente,quaseningumestinteressadonoprocessodeconstruodacincia.(Latour,2000,p.3334).

    36

  • organizaoegestodotrabalho,asquaisvariamdeacordocomasformasdefinanciamentoe

    controledaatividade.Aoabandonodadimensoinstitucionaldacincia,contrapeseanfase

    nasprticasconcretasdospesquisadoresoqueexplicaaescolhapelapesquisaetnogrficade

    laboratrioseoutroslocaisdetrabalhoenopapeldosdiscursossupostamentelegtimosda

    cincia na construo da realidade a funo da cincia como instrumento de poder,

    dominaoeconstruodarealidade(LATOUR,1984,1991,2001).

    MasseateoriamertonianadacinciafoiduramentecriticadapelaNovaSociologiada

    Cinciaporaceitarocartersupostamenteverdadeiroeuniversaldosenunciadoscientficos

    ou seja, por partir do pressuposto que a cincia constitui uma formade cogniomais

    racionale,portanto,superioraoutras,silenciandotantoemrelaoaosprocessossociais

    deconstruodosfatoscientficosquantoemrelaointeraoentreacinciaeosprocessos

    dedominao,aperspectivaqueseoriginaapartirdostrabalhosdePierreBourdieu(1975)

    sobreocampocientficovoltasuascrticasparaoutroalvo:avisoexcessivamentefuncionalista

    ehomogneadacinciaqueestruturaostrabalhossociolgicosdeinspiraomertoniana.

    Ao classificar a tradio mertoniana como estruturalfuncionalista, Bourdieu (1975;

    2004) aponta criticamente que essa tradio considera o mundo cientfico como uma

    comunidadequesedotousedesenvolveucominstituiesjustaselegtimasderegulaoe

    ondenohlutasemtodocaso,nohlutasapropsitodomotivodaslutas(BOURDIEU,

    2004,p.24).Oestruturalfuncionalismorevela,dessemodo,asuaperspectivaexcessivamente

    finalistadasentidadescoletivas, segundoaqual a cinciaseriaumadessasentidadesque

    alcanaosseusfinspormeiodemecanismossemsujeitosorientadosparafinsfavorveisaos

    sujeitos (ibdem, 2004,p. 24). Emcontraposioaessaconcepofuncionalista, Bourdieu

    propepensaracinciaapartirdoconceitodecampocientficocompreendidocomo:

    umsistemaderelaesobjetivasentreasposiesadquiridas,pelaslutasanteriores,eolugar(querdizer,oespaodejogo)deumalutadeconcorrnciaquetemporobjetivo especfico omonoplioda autoridadecientfica inseparavelmentedefinidacomo capacidade e como poder social, ou, se preferirmos, o monoplio dacompetncia cientfica, entendida no sentido de capacidade de falar e de agirlegitimamente(quedizer,demaneiraautorizadaecomautoridade)emmatriade

    37

  • cincia,quesocialmentereconhecida(BOURDIEU,1975,p.9192)

    Acinciaaparece, dessemodo,comoumespaoessencialmenteconflituoso9 eno,

    comopressupunhaMerton,comoumacomunidadedeiguaisosparesnaqualasregras,os

    mecanismosdehierarquizaoeasformasdecontrolesojustoseamplamentecompartilhados

    porqueincorporadosaoethoscientficoconstituindo,nomais,umespaodeconcorrncia

    perfeitaemqueaidiaverdadeiradevenecessariamenteprevalecer10(BOURDIEU,1975,p.

    92).

    Ocampoumespaodelutacujoobjetivoocontroledaautoridadecientficaque

    Bourdieutambmdenominademonopliodacompetnciacientficaqueaparececomouma

    disputa peloacmulo de capital cientfico, umaexpressoespecfica do capital simblico,

    adquirido por meio do reconhecimento dos agentes do campo quanto importncia das

    contribuies dadas a esse mesmo campo sob a forma de publicaes e comunicaes

    acadmicas.Oacmulodiferenciadodecapitalcientficoquedefineaestruturadocampo

    fazcomqueacinciaconstituasecomoumespaonecessariamenteestratificado,noqualse

    luta,pormnoemcondiesdeigualdade,jqueopoderdecadaagenteaautoridade

    cientficadadopelasuaposionaestruturadocampo.Ocampocientficoconstituise,

    dessemodo,tambmcomoespaodedominaoepoder,dimensoqueradicalmentenegada

    pelateoriamertoniana.

    Masdizerqueocampocientficoconstituisecomoespaodelutaededominaono

    implica afirmar que os cientistas buscam, exclusivamente, o controle dopoder, ou seja, o

    9 Anoodecampopermite a Bourdieurompercomumavisoexcessivamentepacficae conciliadoradaatividadecientfica,aquelaqueentendequeacinciaconstituiummundodetrocasgenerosasemquetodososinvestigadorescolaboramparaummesmofim.Essavisoidealistaquedescreveaprticacientficacomoprodutodasubmissovoluntriaaumanormaidealcontraditapelosfatos:oqueseobservasoconflitos,porvezesferozes,ecompetiesnointeriordeestruturasdedomnio.(2004,p.6768)Avisocomunitaristaesqueceque o mundo cientfico fundamentase em disputas pelo monoplio da manipulao legtima dos benscientficosouseja,adefiniodoquesejabonsmtodosboapesquisa,bonsobjetivosetc.10Sobreatradiomertoniana,concluiBourdieu:muitoobjetivista,muitorealista(...)muitoclssica(...)essaabordagemnofazamenorrefernciaformacomosoresolvidososconflitoscientficos.Aceita,defato,adefiniodominante,logicista,dacincia,qualentendelimitarse(2004,p.25).

    38

  • reconhecimentodospareseaautoridadecientficaaelecorrespondente.Bourdieuenfatizaque

    asdisputascientficassonecessariamentemarcadasporumaambigidadeestrutural:ofatode

    serem, inseparavelmente, epistemolgicas e polticas11. Em outras palavras, enquanto

    contraposiopoltica,aslutasnocamporealizamsesobaformadedisputasepistemolgicas

    quemfaza melhorcincia,ouseja,quemofereceascontribuiesmais relevantese mais

    rigorosas, chegando mais perto da verdade mas, ao mesmo tempo, envolvem

    necessariamenteumadimensopoltica oacmulodecapitalsimblicoqueconferemais

    poderparadefinir,apartirdeumaposiomaisprivilegiada,oqueaboacincia12.

    Acompreensodofuncionamentodacinciasegundoadialticainteresse/desinteresse

    abuscadesinteressadapelaverdadecorresponde disputainteressadaporpoder, ea

    disputainteressadaporpoderassumeaformadeumabuscadesinteressadapelaverdade

    diferenciaaposiodeBourdieutantoemrelaotradiomertonianaquenoreconheceo

    conflito,portanto,adimensoessencialmentepolticadacinciaquantoemrelaoNova

    SociologiadaCinciaquenoreconheceadimensoepistemolgicadasdisputascientficas,

    por apresentlas exclusivamentecomoumadisputa de poder, portanto, comoexercciode

    dominao.

    Bourdieu abre o seu artigo de 1975 La spcificit du champ scientifique et les

    conditionssocialesduprgrsdelaraisoncomaseguinteafirmao:

    Asociologiadacinciarepousasobreopostuladodequeaverdadedoprodutotratasedesseprodutomuitoparticularqueaverdadecientfica,resideemuma

    11 Dir Bourdieu: Umaanlise que tentasse isolar umadimensopuramente poltica dos conflitos peladominaodocampocientficoseriatoradicalmentefalsaquantoaposioinversa,maisfreqente,dereterapenasasdeterminaespuraseepuramenteintelectuaisdosconflitoscientficos(BOURDIEU,1975,p.93)12EssadimensoambguadasdisputascientficasdestacaporBourdieutambmnolivrode2004:Humaespciedeambigidadeestrutural docampocientfico (edocapital simblico) quepoderia ser o princpioobjetivodaambivalnciadoscientistas,jevocadaporMerton,apropsitodasreivindicaesdeprioridade:ainstituioquevaloriza a prioridade(ouseja, a apropriaosimblica), valoriza tambmodesinteressee adedicao desinteressada ao avano do conhecimento. O campo impe, simultaneamente, a competioegosta(...)eodesprendimento(...)Nohdvidadequefoitambmessaambigidadequefezcomquesepudessedescreverastrocasquetmlugarnocampocientficosegundoomodelodatrocadeddivas,emquecadapesquisadordeveofereceraosoutrosanovainformaoquedescobriuparadelesobter,emcontrapartida,reconhecimento(2004,p.77).

    39

  • espcieparticulardecondiessociaisdeproduo;querdizer,maisprecisamente,emumestadodeterminadodaestruturaedofuncionamentodocampocientfico.(BOURDIEU,1975,p.1991)

    Mas foi no cursodo Collge de France de 20002001 Science de la Science et

    reflexivit , posteriormente editado em livro (BOURIDEU, 2004), que o autor saiu

    definitivamente em defesa da intrnseca relao existente entre as regras internas de

    funcionamentodocampocientficosuaconstituiocomoesferadiferenciadadomundosocial

    e a produodeverdades.Emumdilogoexplcito e, porvezes,deumaviolncia

    incomum13comaNovaSociologiadaCinciaoautorargumenta:

    ofatodeosprodutores[cientficos]tenderematercomoclientesapenasosseusadversrios mais rigorosos, os mais competentes e crticos, portanto, os maisinclinadoseosmaisaptosavalidarasuacrtica,paramimopontoarquimedianoemquenospodemosbasearparaexplicarcientificamentearazodarazocientfica,para libertar a razocientficada razo relativista e explicar queacinciapodeavanarincessantementeparaumamaiorracionalidadesemserobrigadaarecorrerauma espcie de milagre fundador. No necessrio sair da Histria paracompreenderaemergnciaeaexistnciadarazonaHistria.Ofechamentosobresidocampoautnomoconstituioprincpiohistricodagnesedarazoedoexercciodesuanormatividade(BOURDIEU,2004,p.78;grifomeu)

    Emoutraspalavras,noprocessodeautonomizaodaesferacientficaqueimpea

    necessidadedequeacincia internalize e institucionalizeoprocessodecertificaodosseus

    13 Bourdieuafirma,sobreumdostrabalhosdaNovaSociologiadaCincia,inscritonalinhaqueelechamaconstrutivismoradical: Aoafirmarqueos fatos soartificiais nosentidoemquesofabricados, LatoureWoolgardeixamentenderqueosfatossofictcios,noobjetivos,noautnticos.OsucessodasafirmaesdessesautoresresultadoefeitoderadicalidadecomodizYvesGingras(2000),quenascedessedeslizesugeridoeencorajadopelohbil usode conceitos ambguos. Aestratgia de passagemao limite umdosrecursosprivilegiadosdainvestigaodesteefeito,maspodelevaraposiesinsustentveiseindefensveis,porquemuitosimplesmenteabsurdas.Daumaestratgiatpicaconsisteemavanarumaposiomuitoradical(dotipo:ofatocientfico umaconstruooudeslizeumafabricao,portantoumartefato,umafico)paradepoisseretratardiantedacrtica,refugiandoseembanalidades,ouseja,nafacemaisvulgardasnoesambguascomoconstruoetc.(2004,p.43)Econclui,alegandoquesente,pelasteoriasconstrutivistasumasantacleraqueencontraoseufundamentonofatodequeessaspessoas[BourdieurefereseaLatour],querecusamgeralmenteonomeeoestatutodesocilogossemseremrealmentecapazesdesubmetersesexignciasdorigorfilosfico,poderemtersucessojuntoaosmembrosrecmadmitidoseatrasaroprogressodainvestigao,levandoafalsosproblemasquefazemperdermuitotempo.(2004;p.49)

    40

  • enunciados que reside, segundo Bourdieu, a fundamentao histrica da racionalidade

    cientfica.importantenotar queaformacomoBourdieutrataoproblemadaracionalidade

    cientficaaproximaodeumadasquestesmaisessenciaisparaopensamentosociolgicoo

    processodeemancipaodasesferasdevaloresuarelaooprocessohistricodeemergncia

    damodernidade.

    Umdospontoscentraisdainterpretaoweberianasobreoprocessodemodernizao,a

    emancipaodasesferasdevalorumadaschavesdecompreensodoqueWeberconsidera

    como processo de racionalizao ocidental14. A emancipao, autonomizao ou auto

    regulaodasesferassoexpressesusadasparadescreveroprocessoemqueasesferassociais

    Weberdestacapelocinco:aeconmica,apoltica,aesttica,aerticaea intelectualou

    cientficapassamaseorganizarapartirdecritriosprpriosdelegitimao,ouseja,segundo

    umalegalidadeeumconjuntoprpriodecritriosvalorativos.Nocontextomoderno,portanto,a

    religionopodemaisdizer,porexemplo,oqueesteticamentebelo,oquepoliticamente

    justoouoquecientificamenteverdadeiro.Cabeacadaumadessasesferasaesttica,a

    polticaeacientficadefinirseuscritriosinternosdevalidadeeautocertificao.Omundo

    modernocaracterizadoporWeber,pelacoexistnciadessasesferasautoreguladas,semque

    nenhumasesobreponhasoutras,emoposioaoutrosmomentoshistricoemqueasesferas

    encontravamseimbricadasesubordinasesferareligiosa,ouseja,aosentidodadoaocosmo

    eexistnciahumanaporumadadateodissiaecondutaracionalizadadevidadeterminada

    pelosvaloresemandamentosreligiosos.

    14Podemosdizer,emtermosgerais,queomundomoderno,paraWeber,sedefinepelaexistnciadeumsistemaeconmicoorganizadoapartirdalgicaracionalcalculadoracapitalismomodernoepelaracionalizaodasprticas sociais em todasas esferas da vida (COHN, 1979). Ambas as caractersticas podemser encaradas,entretanto, como um duplo aspecto de um mesmo processo mais geral e mais extenso: o processo deracionalizaoocidental. SegundoPierucci(2003),conceitualmente,ousodetermoscomoracionalizao,racionalismo e processo de racionalizao na obra de Weber ambguo, polissmico e, muitas vezes,contraditrio.Omesmo,porm,noacontececomousodotermodesencantamentodomundo,quemuitomaisespecficoerigoroso.Porisso,argumentaPierucci,paraacompreenso,emtermosconceituais,doqueWeberchamaprocessoderacionalizaointeressanteperseguiraconstruodoconceitodedesencantamento.AindasegundoPierucci,existemdoissentidosparaotermodesencantamentoquesousadosporWeberaomesmotempo e o tempo todo. Em termos bastante simplistas, podemos dizer: desencantamento do mundo pelareligioedesencantamentodomundopelacincia.(PIERUCCI,2003,p.2742)

    41

  • MasparaentendermelhorporqueBourdieuentendequenoprocessodeautonomizao

    daesferacientficaqueresideofundamentodarazocientficanobastarecorrerformacomo

    eleseapropriadaobradeMaxWeber.Igualmenteimportantepareceserainflunciaexercida

    pelasformulaesdeJrgenHabermas,muitoemboraarelaoentreaobradeBourdieue

    Habermassejaaindapouqussimoexplorada.

    Deincio,interessantenotarqueosdoisautoresseinseremnomesmodebate,tendo

    comointerlocutoresospsestruturalistas,sobretudofranceses.Assim,damesmaformaqueno

    seu livro sobrea sociologia da cinciaBourdieuest reagindos crticas formuladaspelo

    construtivismo,claramentepsestruturalista, s pretenses racionais a cincia, Habermas

    tambmescreve Odiscursofilosficodamodernidade emrespostaaodesafiopropostopela

    crticaneoestruturalistarazo(HABERMAS,2002,p.1).Masasaproximaesentreosdois

    autoresnoseresumeaosinterlocutoresquetmemcomum.Oproblemaformuladoporeles

    tambmextremamenteprximo.

    NoprimeirocaptulodeOdiscursofilosficodamodernidadeintituladoConscincia

    detempodamodernidadeesuanecessidadedeautocertificao,Habermasapresentaoque

    elechamadeoproblemafilosficodamodernidadeque,segundoele,encontraemHegela

    suaprimeiraformulaoacabada.SegundoHabermas:

    Hegel foi o primeiro a tomar comoproblema filosfico o processo pelo qual amodernidadesedesligadassugestesnormativasdopassado,quelhesoestranhas(...)apenasnofinaldosculoXVIIIoproblemadaautocertificaodamodernidadese aguou a tal ponto que Hegel pde perceber essa questo como problemafilosficoe,comefeito,como oproblemafundamental desuafilosofia. Ofatodeumamodernidadesemmodelos ter de estabilizase combase nas cises por elamesma produzidas causa uma inquietude que Hegel concebe como a fonte danecessidadedafilosofia(HABERMAS,p.24).

    Assim, para Hegel, a especificidade da modernidade reside, justamente, na

    (auto)conscinciadasuaprpriahistoricidade.Amodernidadenopodeenoquertomarseus

    critriosdefundamentaoeorientaodatradio,dopassado,elatemqueextrairdesi

    mesmaasuaprprianormatividade(HABERMAS,2002,p12).Oproblemadamodernidade

    42

  • estendesesdiferentesesferassociaisporexemplo,aarte,afilosofia,acincia,apoltica

    que precisamextrair de si mesmas, os seus fundamentos valorativos, os seus critrios de

    validadeeasuasregrasdefuncionamento.

    nesseprocessonitidamenteaparentadoqueledescritoporWeberqueresideoque

    Habermasentendecomosendoocontedoracionaldamodernidadecultural(HABERMAS,

    2002, p. 148). Isso porque, para o filsofo alemo, a emancipao das esferas de valor

    potencializaodesenvolvimentodosprocessoscomunicativosnamedidaemquesubstituios

    critrios externos de validade como, por exemplo, o pensamento mticoreligioso por

    verdadesproposicionais estabelecidascomunicativamente,ouseja,porconsensoracionais

    quesedefinemapartirdeprocessoscomunicativos.A ausncia de uma ordem externa que

    organizetaisesferas,nospossibilita,comoexigequearazocomunicativasetransformeno

    novo critrio de validade. Tal movimento se expande para alm das esferas de valor

    individualmente e acabapor provocar umamodernizaodo mundo da vida por meioda

    absorodospotenciaisemancipatriosdamodernidadecultural(COHEN;ARATO,1990).

    esseprocesso,fundamentadonaautonomiadasesferas,quepermiteumcertograuderesistncia

    dasesferasemrelaoaoavanodaracionalidadeinstrumentalinerenteexpansoeconmicae

    burocrtica:

    [Se,porumlado]certoquecomaeconomiacapitalistaeoEstadomodernosereforatambmatendnciadeseconfinartodasasquestesdavalidadeaohorizontelimitadodaracionalidadeorientadaparafinsdesujeitosqueseautopreservamoudesistemasquesemantmemexistncia,[poroutro,]aestependorparaaregressosocial darazoopese (...) a compulso,quenosepodedeixardeconsiderar,induzidapelaracionalizaodasimagensdomundoedosmundosdavida,paraaprogressivadiferenciaodeumarazoqueassumeumaformaprocessual(...) assimilao naturalista das pretenses de validade e de poder, destruio dacapacidadecrtica,opeseodesenvolvimentodasculturasespecializadasnasquaisuma esfera de validade articulada proporciona s pretenses de verdadeproposicional,justezanormativaeautenticidade,umsentidoprprio(HABERMAS,2002,p.115)

    Assim,oproblemadaautofundaodaracionalidadecientfica,chegaaBourdieupela

    leituraqueesseautortemdaobradeWebere,muitoprovavelmente,tambmdeHabermas.No

    43

  • poracaso,aformacomoBourdieuexpearelaoentreautonomiaeracionalidadecientfica

    parecemuitoprximadaformacomoHegeloprimeirofilsofodamodernidade,segundo

    Habermasexpeamesmarelao:

    Acinciapodeserempregadacomoentendimentoservilparafinsfinitosemeioscausaise,assim,noadquiresuadeterminaoapartirdesimesmamasapartirdeoutrosobjetoserelaes;poroutrolado,elatambmselibertadessaservidoparaseelevarverdadeemumaautonomialivre,naqualelaserealizaindependentementeapenascomseusprpriosfins.(HEGEL,2001,p.32)

    Assim,emcontraposioNovaSociologiadaCincia,Bourdieufiliaseatodauma

    tradiosociolgicaqueopermite repor, emums movimento,avalidade doconceitode

    diferenciaosocialdocampocientficoa possibilidadedepensara cinciacomoesfera

    relativamenteautnomaedotadadeumanormativaprpriaqueinteragecomoutrasesferas

    sociaisdeformamediadaeapossibilidadedepensarmosacinciacomoumaformaespecfica

    de produo de conhecimento especificidade, essa, fundada no processo histrico de

    autonomizaoeinstitucionalizaodacinciadoqualemergeasuacapacidadedeproduzir

    enunciadosracionaisouseja,vlidosparaalmdoseucontextoespecficodeproduoe

    nocomoconstruesculturais,comoentendeaSociologiaConstrutivistanassuasformulaes

    maisradicais.

    Assim,atransformaodessaesferaaesferacientficadevepassarnecessariamente

    peladesconstruodosmecanismoscriadosaolongodesseprocessodeinstitucionalizao.A

    teoriadeBourdieuinspiradanatradiosociolgicaquelevaoproblemadaconstituiodas

    esferassociaisdeWeberaHabermasfornece,portanto,umachaveinteressanteparaaanlise

    damudanadaesferacientfica,entendendoacomoadesconstruodassuasregrasinternas

    pormeiodeumprocesso,digamos,dedesistitucionalizaodacincia.Poroutrolado,porpartir

    deumateoriasocialqueconcebeasociedademodernasimplesmentecomoumconjuntode

    esferasmaisoumenosindependentes,essateorianoresolvesatisfatoriamenteaquestoda

    dinmicadasesferas,ouseja,noconcebeoquedeterminaoseufuncionamentosoprocessos

    sociaisqueestoparaalmdelaseque,portanto,nopodesereduziraoproblemadainterao

    44

  • entreesferas.Essaformaquasemecnicadeentenderosprocessossociaispensadoscomo

    interaoentreesferasfazcomqueateoriabourdiananoconsigairalmdapercepode

    queasesferasinteragempormeiodeprocessosdesuper,sobreejustaposio.

    Assim, se verdadequea cinciapode serpensadacomoumaesfera socialmente

    diferenciada,queseconstituiuporprocessosdeinstitucionalizao,nopossvelcompreender

    adinmicadasuarelaocomaeconomiaecomapolticasimplesmentecomosefosseum

    problemadeinteraoentreesferas.Existemprocessossociaistransversais,quesenoas

    transformamasesferasaomesmotempoedamesmaforma, imprimetendnciasqueesto

    necessariamenteinterligadas.

    Portanto,seBourdieunosobrigaaolharmosparaoprocessodeinstitucionalizaoda

    esferacientficacomoumprocessoconstitutivo,nopossvelignorarofatodequeacincia,

    aomesmotempo,umaatividadesocial,ouseja,comoumaformadetrabalhocujaorganizaoe

    ocontroleimprimemumadinmicaprpriadefuncion