o estado como instituição em marx

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    marxista

    [...] a questo do Estado uma das mais complexas,mais difceis e, talvez, a mais embrulhada pelos eruditos,

    escritores e filsofos burgueses. [...]Todo aquele que quisermeditar seriamente sobre ela e assimil-la por si, tem de

    abordar essa questo vrias vezes e voltar a ela uma e

    outra vez, considerar a questo sob diversos ngulos, a fim

    de conseguir uma compreenso clara e firme.

    V. I. Lnin1

    bastante conhecido para ser retomado aqui o fato de que, embora cons-tasse do projeto intelectual de Marx submeter o Estado a um tratamentomais sistemtico como atestam, por exemplo, suas cartas a F. Lassalle (de

    ADRIANO NERVO CODATO**

    RENATO MONSEFF PERISSINOTTO***

    *Parte deste artigo foi apresentada, pelo seu primeiro autor, no IColquio Marx-Engelspromovidopelo Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas (IFCH) da

    Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) entre 16 e 18 de novembro de 1999. A verso finalque o leitor tem em mos foi apresentada pelos dois autores no colquio O conceito de Estado nafilosofia moderna e contempornea promovido pelo Departamento de Filosofia da UniversidadeFederal do Paran (UFPR), entre 17 e 20 de abril de 2000. Uma verso reduzida do texto apareceuem: Stanley Aronowitz e Peter Bratsis (eds.), Rethinking the State: Miliband, Poulantzas and statetheory today. Minnesota, Univeristy of Minnesota Press, 2001. Agradecemos aos pareceristas deCrtica Marxista os reparos e sugestes primeira verso deste artigo.

    **Professor Assistente de Cincia Poltica da Universidade Federal do Paran (UFPR).

    ***Professor Adjunto de Cincia Poltica da Universidade Federal do Paran (UFPR).

    1Sobre o Estado. Conferncia na Universidade Sverdlov, 11 de julho de 1919. In: Lnin, V. 1. Obrasescolhidas em trs tomos. Lisboa/Moscou, Avante!/Progresso, 1979. v. 1, t. 2, p. 176, grifo nosso.

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    22 de fevereiro de 1858), a F. Engels (de 2 de abril de 1858) e a J. Weydemeyer(de 1ode fevereiro de 1859), redigidas bastante cedo, antes mesmo da publica-o, em Berlim, de Para a crtica da economia poltica, isso nunca tenha serealizado. Igualmente, o prprio estudo sobre o capital (e, dentro dele, o

    captulo sobre as classes) permaneceu incompleto2

    .Mesmo assim, razovel sustentar que existe, na obra de Marx e Engels,uma concepo genrica sobre o Estado e que pode servir, para usar umaexpresso do prprio Marx, como fio condutor (Prefcio de 1859) para aanlise poltica. Tal concepo consiste, numa palavra, na determinao danatureza de classedo Estado. A teoria marxista da poltica implica, portanto,uma rejeio categrica da viso segundo a qual o Estado seria o agente dasociedade como um todo e do interesse nacional3. Essa , em resumo, aessnciade toda concepo marxista sobre o Estado, sintetizada com notvel

    clareza na conhecida frmula do Manisfesto comunista: O poder executivodo Estado moderno no passa de um comit para gerenciar os assuntos co-muns de toda a burguesia4. O prprio Engels expressou a mesma idia numapassagem igualmente clebre: A fora de coeso da sociedade civilizada oEstado, que, em todos os perodos tpicos, exclusivamente o Estado da clas-se dominante e, de qualquer modo, essencialmente uma mquina destinada areprimir a classe oprimida e explorada5.

    Todavia, se a determinao da natureza de classe do aparelho de Estado

    uma condio necessria para a anlise do sistema estatal, quando se trata decompreender sua configurao interna, seus nveis decisrios e as funes

    2Cf. Ralph Miliband. Marx e o Estado. In: Tom Bottomore (org.). Karl Marx. Rio de Janeiro, Zahar,1981. p. 127-128.

    3Uma das conquistas tericas mais fundamentais para a teoria poltica moderna foi a determinaoda natureza de classe dos processos de dominao poltica pelos clssicos do marxismo. Ver, apropsito, C. B. Macpherson. Necessitamos de uma teoria do Estado? In:Ascenso e queda da

    justia econmica e outros ensaios: o papel do Estado, das classes e da propriedade na democracia

    do sculo XX.Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991. p. 87-89.4Karl Marx e Friedrich Engels. Manifesto comunista. Trad. Maria Lucia Como. 4aed. revista. Rio de

    Janeiro, Paz e Terra, 1999. p. 12. Essa tambm a interpretao de Ralph Miliband a respeito doncleoda concepo marxiana (e marxista) sobre o Estado. Cf. o verbete Estado em: Tom Bottomore(org.). Dicionrio do pensamento marxista. Rio de Janeiro, Zahar, 1988. p. 133. Cf. igualmente LucianoGruppi. Tudo comeou com Maquiavel (as concepes de Estado em Marx, Engels, Lnin e Gramsci).Porto Alegre, L&PM, 1983.

    5Friedrich Engels. A origem da famlia, da propriedade privada e do Estado. Trad. Leandro Konder.8.ed. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1982. p. 199. Para todos os efeitos, essa passagem podeser tomada como a mais representativa do ncleo de uma teoria geral do Estado no campo domarxismo ou, mais propriamente, como a mais representativa de uma concepo genrica do Estadoem geral.

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    que os diversos centros de podercumprem, seja como produtores de decises,seja como organizadores polticos dos interesses das classes e fraes domi-nantes, ela amplamente insuficiente. O aparelho de Estado, lembra N.Poulantzas, no se esgota no poder de Estado. O Estado apresenta uma

    ossatura material prpria que no pode de maneira alguma ser reduzida sim-plesmente dominao poltica6. Nesse sentido, a funo de mediaoque oaparelhode Estado desempenha, atravs de suas atividades administrativas eburocrticas rotineiras, adquire aqui uma importncia decisiva para a determi-nao de seu carter de classe. De forma anloga, esse ltimo problema nopode se referir, exclusivamente, aos resultados da poltica estatal que estoligados questo, analiticamente distinta, porm empiricamente muito prxi-ma, do poder estatal , mas [antes] forma e ao contedo intrnseco assumi-dos pelo sistema institucional dos aparelhos de Estado (sistema estatal) numa

    conjuntura concreta7.Em que pese a advertncia de G. Therborn, o trao mais marcante no

    desenvolvimento da teoria poltica marxista contempornea foi a ausncia dasquestes referentes aos processos organizativos internos do aparelho de Esta-do. O prprio Poulantzas, que procurou compreender o sistema especfico deorganizao e funcionamento interno do aparelho de Estado capitalista sob oconceito de burocratismo, explorou, principalmente, os efeitos ideolgicosdesse sistema sobre asprticasdos agentes do Estado (burocracia)8.

    Segundo a crtica corrente, as razes desse esquecimento sistemtico de-veriam ser buscadas justamente na confuso promovida pela tradio marxis-ta que teimaria em identificarpoder de Estadocompoder de classe, reduzindoo aparelho de Estadoa um instrumento controlado pelos interesses dominan-tes. como se a identificao da naturezade classe do Estado tivesse dispen-sado os marxistas de analisar as formas concretas atravs das quais ela serealiza (o funcionamento do Estado). No mximo, a ateno dos marxistasrecairia sobre o sentido (de classe) dapolticaestatal (isto , os setores sociaisbeneficirios por uma deciso determinada, em geral econmica), mas no

    sobre o modo de organizaointernado aparelho de Estadoe suas repercus-ses sobre o processo decisrio, os diferentes centros de poder, a ao carac-terstica dos agentes estatais (a burocracia, em sentido amplo) etc.

    6Nicos Poulantzas. O Estado, o poder, o socialismo. 2aed. Rio de Janeiro, Graal, 1985. p. 17, grifosnossos.

    7 Gran Therborn. Como domina la classe dominante? Aparatos de Estado y poder estatal en elfeudalismo, el capitalismo y el socialismo.4.ed. Mxico, D. F., Siglo XXI, 1989. p. 37.

    8Ver Pouvoir politique et classes sociales.Paris, Maspero, 1968. v. 2, cap. 5: Sur la bureaucratie etles lites, p. 153-193.

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    H duas verses dessa crtica. A primeira, sustentada por N. Bobbio, su-blinha os efeitos dessa concepo restritiva da poltica e do Estado sobre ateoria das formas de governo (os regimes polticos); a segunda, cuja fonteso os autores neo-institucionalistas (T. Skocpol, F. Block), chama a aten-

    o para as dificuldades decorrentes da ausncia de uma teoria do Estadoem Marx e nos marxismos posteriores.

    O objetivo deste artigo apresentar uma leitura da teoria marxista do Es-tado mais complexa e ambiciosa do que aquela feita pelas recentes crticasneo-institucionalistas. A partir da reconsiderao das obras histricas deMarx nomeadamente:A burguesia e a contra-revoluo(1848),As lutas declasse em Frana de 1848 a 1850 (1850) e O dezoito brumrio de LusBonaparte(1852) pretendemos demonstrar que esse autor possui uma con-cepo de Estado que leva em conta a sua dinmica institucional interna sem,

    entretanto, abrir mo da perspectiva classista. Dessa forma, ao introduzir, emsuas anlises polticas, os aspectos institucionais do aparelho estatal capitalis-ta, Marx estaria apresentando uma concepo de Estado ao mesmo tempomais sofisticada do que a defendida pela perspectiva instrumentalista presen-te tanto na obra de alguns marxistas, quanto, igualmente, de alguns crticos domarxismo , e menos formalista que as interpretaes institucionalistas.

    O ensaio est dividido em quatro partes. Na primeira, resumimos as crti-cas correntes teoria marxista do Estado, definimos nossa grade de leitura

    e avanamos a hiptese de trabalho. A segunda parte do texto consiste basica-mente na anlise e interpretao das passagens selecionadas das obras hist-ricas de Marx. Na terceira parte, insistimos sobre a ligao necessria entreas noes de aparelho de Estado e poder de Estado, e, por fim, na quartaparte do artigo, retomamos e aprofundamos a distino, a nosso ver presentenas anlises de Marx, entre a dimenso funcionale a dimenso institucionaldo Estado.

    As crticas teoria marxista do EstadoA partir de meados dos anos setenta, notadamente na Itlia, a literaturaque se incorporou vaga revisionista que se seguiu crise do marxismoprofetizada por Lucio Colleti enfatizou a incipincia da teoriapolticamarxista9.

    Segundo Norberto Bobbio, o fato de Marx no ter redigido o livro plane-jado sobre o Estado (o que poderia ser um argumento apenas circunstancial),

    9A crtica a Marx e aos marxismos posteriores que resume essa proposio pode ser lida principal-mente em Lucio Colleti. Ultrapassando o marxismo. Rio de Janeiro, Forense-Universitria, 1983.

    Sobre o subdesenvolvimento da produo intelectual marxista no domnio da teoria poltica eeconmica a partir dos anos trinta, e a prevalncia dos estudos culturais, estticos e filosficos, vertambm Perry Anderson. Considerations on western marxism. Londres, New Left Books, 1976.

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    s confirmou o tratamento enviesado que o problema recebeu por parte dessatradio terica. O Estado freqentemente foi pensado como instrumental(na dominao de classe), como simples fora repressiva (a servio da bur-guesia) ou como puro reflexo (das determinaes emanadas da base eco-

    nmica). Ora, estariam justamente a em funo dessa concepo negativado Estado10, soldada ao economicismocaracterstico de sua Filosofia da His-tria as dificuldades principais para o marxismo tematizar dois problemascaros a toda a tradio do pensamento poltico: o problema das formas degoverno e o problema correlato, que polarizou a agenda terica da CinciaPoltica na segunda metade do sculo XX, das instituies polticas.

    Na sua essncia, o argumento pode ser assim apresentado: ao insistir nanatureza de classe do poder de Estado, os clssicos do marxismo notematizaram os diversos modos pelos quais esse poder seria exercido. Uma

    vez que sempre estiveram preocupados com o quem da dominao polticae no com o como; numa sociedade dividida e estratificada em classes, ogoverno, qualquer governo, sob qualquer forma (seja democrtica, sejaditatorial), estaria sempre voltado a cumprir os interesses gerais da classedominante, independentemente da sua forma. o que se depreende da se-guinte passagem:

    Marx e Engels (e sobre sua linha, um chefe revolucionrio como Lnin),convencidos como estavam de que a esfera da poltica fosse a esfera da fora

    (e nisso tinham perfeitamente razo), colocaram-se sempre o problema doargumento histrico dessa fora, individualizado na classe dominante de tem-pos em tempos, em vez do problema dos diversos modos pelos quais essafora podia ser exercida (que o problema das instituies)11,

    resultando da uma teoria do Estado, segundo N. Bobbio, essencialmente in-completa e parcial12.

    Problema terico mas tambm problema poltico. Os atrasos, lacunas econtradies da cincia poltica marxista, nesse particular, tornaram mesmodifcil o desenvolvimento de uma reflexo mais articulada a respeito da for-

    ma de organizao do Estado socialista a ditadura do proletariado e desuas instituies especficas. Da que a uma teoria (negativa) do Estadocapitalista justaps-se a falta completa de uma teoria socialista do Estado.

    10Norberto Bobbio. A teoria das formas de governo na histria do pensamento poltico.Braslia,Editora da UnB, 1980. p. 154.

    11Norberto Bobbio. Existe uma doutrina marxista do Estado?. In: Norberto Bobbio, et al.O marxis-mo e o Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1979. p. 28-29, grifos nossos. Trad. modificada.

    12Norberto Bobbio. Democracia socialista?. In: Qual socialismo? Debate sobre uma alternativa.2.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983. p. 21-35.

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    Quando se verifica que o interesse dos tericos do socialismo pelo proble-ma prtico e urgente da conquista do poder induziu uma maior ateno sobrea questo do partido(organizao revolucionria) do que propriamente sobreo Estado, e que, com base em uma convico difundida segundo a qual uma

    vez conquistado o poder, o Estado seria umfenmeno transitrio(a ditadura doproletariado) destinado a desaparecer na futura sociedade comunista, pode-seestimar o peso desses determinantes, de acordo com Bobbio, na pouca atenoenfim dedicada ao problema das instituies e ao exerccio do poder13.

    A posio expressa acima foi reforada e ampliada pela literatura contem-pornea de Cincia Poltica, cuja corrente hoje predominante o neo-institucionalismo prev uma volta ao Estado e uma recusa das determina-es puramente societais na abordagem dos processos histricos.

    Essa crtica sustenta, em resumo, que a viso que Marx possua do Estado(e da burocracia) era pobre e esquemtica, e que no haveria, nos seus escri-tos, um tratamento mais detido do problema que fosse alm da mera constataoda natureza de classe dos processos de dominao poltica14. Como conse-

    13Bobbio. Existe uma doutrina marxista do Estado? Op. cit., p. 14. No h espao para realizar aquiuma avaliao pormenorizada dessas proposies. Nossas diferenas em relao a elas (especifica-mente: em relao teoria marxista do Estado) ficaro claras na seqncia deste artigo. Os melho-res reparos feitos a aspectos laterais da crtica de Bobbio a flagrante inexistncia, seja de umateoria marxista da Poltica, seja de uma teoria do Estado socialista deve-se ler em Giuseppe Vaccae em tienne Balibar. Vacca desmonta a pretenso de Bobbio em situar a relativa pobreza de ttulosde autores marxistas dedicados Poltica durante o sculo XX em funo das contradies do mar-xismo terico; Balibar, por sua vez, sublinha o despropsito em exigir-se de Marx o desenvolvimentode um sistema das instituies da sociedade socialista ou comunista, uma utopia em sentido prprioda sociedade futura. Cf. G. Vacca. Discorrendo sobre socialismo e democracia. In: Norberto Bobbioet al.O marxismo e o Estado. Op. cit., p. 139-179; e E. Balibar. tat, parti, idologie: esquisse dunproblme. In: Marx et sa critique de la politique. Paris, Maspero, 1979. p. 107-167.

    14Como j observou Robert E. Goodin, o neo-institucionalismo compreende uma variedade decorrentes tericas nos mais diversos campos do conhecimento (Economia, Sociologia, Histria, CinciaPoltica etc.). Todas elas, entretanto, partilham a tese mais geral segundo a qual as instituies polti-

    cas devem ser vistas como variveis explicativas autnomas, dotadas de uma lgica prpria, e nocomo resultantes das foras sociais em conflito. Cf. Institutions and their design. In: Robert E. Goodin(ed.). The theory of institutional design. Cambridge, Cambridge University Press, 1996. p. 1 e segs.Este artigo no pretende, evidentemente, dialogar com todas essas correntes tericas, mas com aquelasque elegeram o marxismo como interlocutor privilegiado. Pensamos aqui particularmente no reputa-do artigo de Theda Skocpol. Bringing the state back in strategies of analysis in current research. In:Peter Evans, Dietrich Rueschemeyer e Theda Skocpol. Bringing the state back in. Cambridge,Cambridge University Press, 1985. p. 3-43; ver tambm Fred Block. The ruling class does not rule:notes on the marxist theory of the State e Beyond relative autonomy: state managers as historicalsubjects. In: _____. Revising state theory. Essays in politics and postindustrialism. Philadelphia, TempleUniversity Press, 1987. p. 51-68 e p. 81-96, respectivamente; Ralph Miliband. State power and classinterests. In: _____. Class power and State power. Londres, Verso/NLB, 1983. p. 63-78; e James G.March e Johan P. Olsen. Rediscovering institutions. The Organizational Basis of Politics. Nova York,The Free Press, 1989. Especialmente o cap. 1: Institutional perspectives on politics, p. 1-19.

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    qncia, o Estado, na perspectiva de Marx, no poderia jamais ser abordadocomo um ator independente, segundo a expresso de Skocpol, isto , comouma varivel autnoma ou como um fator explicativo, de direito prprio, dosfenmenos sociais e polticos. Nessa perspectiva, no poderia haver propria-

    mente uma teoria marxista do Estado. Mesmo os trabalhos mais recentes so-bre o Estado capitalista, apesar de alguns avanos inegveis no que se refereao reconhecimento da autonomia relativa do poltico, no teriam superadoessa dificuldade, por assim dizer, gentica da teoria poltica marxista15. FredBlock, um dos expoentes dessa interpretao, sustentou que o conceito deautonomia relativa do Estado capitalista recolocava, ainda que de maneiramais sofisticada, o renitente reducionismo marxista, que consistiria em iden-tificar poder de Estado com poder de classe16. Isso impossibilitaria tomaro Estado e a sociedade a partir de uma perspectiva relacional, o que

    daria a ambos os termos um peso prprio na explicao sociolgica, resultan-do, assim, numa viso mais complexa.

    Este artigo no pretende fazer um balano da contribuio clssica e con-tempornea no campo do marxismo a fim de confront-la com as crticas dosneo-institucionalistas sintetizadas acima. Nosso objetivo, bem mais restrito,consiste em contestaressas interpretaes, opondo a elas uma leitura menossuperficial e mais atenta de certas passagens selecionadas das obras histri-cas de Marx.

    Esse procedimento exige certas explicaes adicionais e uma palavra, sejasobre o estatuto dos textos de Marx referidos por ns, seja sobre a perspectivade leitura aqui adotada.

    Como reconheceu N. Poulantzas, os textos dos clssicos do marxismo nomeadamente, os de Marx e Engels, mas tambm os de Lnin e Gramsci no trataram o nvelpolticode forma sistemtica (o que equivale a dizer: norealizaram explicitamente sua teoria, no sentido rigoroso do termo). Ao con-

    15Como se sabe, o conceito de autonomia relativa do Estado capitalista foi teoricamente elaboradopor Nicos Poulantzas em Pouvoir politique et classes sociales. Esse trabalho gerou, por parte dosautores marxistas, ou de inspirao marxista, uma retomada dos estudos sobre o Estado a partir dosanos 70. Foi certamente a preocupao em conjugar teoricamente a idia da natureza de classe doaparelho estatal com a autonomia relativa desse aparelho frente as classes dominantes que orien-tou, de diferentes maneiras, os trabalhos de Joaquim Hirsch, Claus Offe, Elmar Altvater e RalphMiliband, entre outros. A perspectiva neo-institucionalista uma tentativa de superar os limitessocietalistas das anlises dos neomarxistas a respeito do Estado. Nesse sentido, significativo ottulo do artigo de Fred Block, referido na nota acima: Para alm da autonomia relativa: dirigentesestatais como sujeitos histricos. Para um resumo das crticas neo-institucionalistas ao marxismover, entre outros, Clyde W. Barrow. Critical theories of the state: marxist, neo-marxist, post-marxist.Madison, The University of Wisconsin Press, 1993. cap. 5.

    16Fred Block. Beyond relative autonomie. op. cit., p. 229.

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    trrio, o que se pode encontrar nas suas obras principais so: (i) ou conceitosno estado prtico, isto , presentes em toda argumentao mas no teorica-mente elaborados (pois foram pensados para dirigir a atividade poltica numaconjuntura concreta a noo de partido poltico revolucionrio, por exem-

    plo); (ii) ou elementosde conhecimento terico dapraxispoltica e da superes-trutura do Estado no inseridos, entretanto, num discurso ordenado (o concei-to de bonapartismo, por exemplo); (iii) ou, ainda, uma concepo implcitado lugar e da funo da estrutura poltica na problemtica marxista17 masno um tratamento orgnico do problema do Estado18.

    Isso, contudo, no impediu que a partir do conjuntodos trabalhos deMarx sejam os textos sobre a economia capitalista (a includo O capital), ostextos de luta ideolgica sejam os textos polticos propriamente ditos (de an-lise ou de combate) , se pudesse elaborare construir(e no simplesmenteextrair) uma teoria do Estado capitalista19. Aqui, entretanto, preciso evitaro recurso fcil s citaes consagradas e ao que Norberto Bobbio chamou,com razo, de reverncia exagerada s passagens clssicas ou aos intrpretesautorizados20.

    Assim que procuramos realizar uma leitura das obras histricas deMarx conjunto de ttulos, certo, bastante heterogneo, redigidos em cir-cunstncias distintas e dirigidos a um pblico variado circunscrevendo, den-tre os muitos possveis, um tema em especial: o Estado; e, dentro dele, o

    problema referente ao estatuto terico da noo de aparelho de Estado dian-te da questo, central na teoria marxista da poltica, da dominao de classe.Consoante com a posio apresentada acima, no extramos das obras hist-ricas certas passagens que ilustrassem esse problema, mas procuramos(re)elaborar e interpretar esses textos luz desta grade especfica de leitura.

    De acordo com nosso argumento, as anlises polticas de Marx expostasemA burguesia e a contra-revoluo(1848), emAs lutas de classe em Frana

    17Cf. Nicos Poulantzas. Pouvoir politique et classes sociales. Paris, Maspero, 1971. v. 1, p. 14.18A expresso de Luciano Gruppi. Cf. Tudo comeou com Maquiavel(as concepes de Estado emMarx, Engels, Lnin e Gramsci). Porto Alegre, L&PM, 1983. p. 28. Ver tambm Jean-Claude Girardin.Sur la theorie marxiste de ltat. Les temps modernes, Paris, set./out. 1972. no314-315, p. 634-683.

    19Esta a posio, por exemplo, de autores to diferentes entre si como Nicos Poulantzas (Pouvoirpolitique et classes sociales, op. cit., p. 17), Luciano Gruppi (op. cit., p. 45-46) e John M. Maguire. Cf.o seu Marxs theory of politics. Cambridge, Cambridge University Press, 1978 (trad. esp.: Marx y suteoria de la politica. Mxico, D. F., Fondo de Cultura Econmica, 1984). Para Maguire, o estudo dasobras polticas de Marx permite apreender vrias ferramentas teis para a anlise poltica (idem,p. 15).

    20Existe uma doutrina marxista do Estado?, op. cit., p. 22.

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    de 1848 a 1850(1850) e em Odezoito brumrio de Lus Bonaparte(1852)conseguem conjugar de maneira notvel dois nveis distintos de anlise.

    Num nvel mais geral e abstrato, Marx de fato compreende os Estadosfrancs e alemo sobretudo a partir de suasfunesreprodutivas. Nesse senti-

    do, a autonomia que essas instituies adquirem em determinadas situaeshistricas no faz delas uma fora social autnoma ou descolada da socie-dade. Desse ponto de vista reprodutivo, o Estado a forma poltica dasociedade burguesa e o poder de Estado identifica-se plenamente com opoder de classe. Seu papel reprodutivo frente a ordem social critrio funda-mental para definir o carter de classe do Estado fica evidente na passagemem que se avaliam os efeitos da autonomia do Estado bonapartista para areproduo ampliada do capitalismo industrial francs:

    O Imprio foi aclamado de um extremo a outro do mundo como o salvador dasociedade. Sob sua gide, a sociedade burguesa, livre de preocupaes polti-cas, atingiu um desenvolvimento que nem ela mesma esperava. Sua indstriae seu comrcio adquiriram propores gigantescas; a especulao financeirarealizou orgias cosmopolitas; a misria das massas ressaltava sobre a ultra-

    jante ostentao de um luxo suntuoso, falso e vil. O poder estatal, que apa-rentemente flutuava acima da sociedade, era de fato o seu maior escndalo eo viveiro de todas as suas corrupes21.

    Entretanto, num nvel de anlise mais conjuntural, em que se lem asanlises das lutas polticas de grupos, faces e fraes de classe, possvelperceber o Estado como uma instituio dotada de recursos organizacionaisprprios, recursos esses que lhe conferem capacidade de iniciativa e capa-cidade de deciso22. Na luta poltica concreta, os grupos polticos e as classessociais percebem o Estado como uma poderosa instituio capaz de definir adistribuio de recursos diversos (ideolgicos, econmicos, polticos) no inte-rior da sociedade. Em funo disso, lutam entre si para controlardiretamenteou influenciar distncia os diferentes ramos do aparelho estatal.Nesse nvelde anlise possvel admitir o Estado, de um lado, e a classe, de outro, como

    realidades distintas e autnomas; possvel, portanto, pensar o poder de Es-tado como distinto do poder de classe e em relaoconflituosacomele.

    21K. Marx. A guerra civil na Frana. In: Karl Marx e Friedrich Engels. Obras escolhidas.So Paulo,Alfa-mega, s.d. v.2, p. 80.

    22Se entendermos por organizao uma associao humana dotada de estruturas diferenciadas ehierarquizadas, possuidora de recursos prprios com base nos quais seus agentes podem perseguirobjetivos especficos, perceberemos que este termo organizao mais adequado aos objeti-vos deste artigo que o conceito de instituio, que, normalmente, refere-se existncia de compor-tamentos recorrentes socialmente sancionados. Se continuamos a utilizar em outras passagens otermo instituio, isso se deve ao seu uso corrente pela literatura neo-institucionalista, em geral, epor alguns dos nossos interlocutores, em particular.

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    H, assim, na letra dos textos de Marx, e este o centro de nossa argumenta-o, certas indicaes que permitem tomar o Estado tambm como institui-o, segundo a expresso to em voga23.

    O Estado nas obras histricas de Marx

    As anlises polticas de Marx sempre tiveram presente a diferena decisi-va entre o aparelhode Estado e opoderde Estado. Foi precisamente a atenodedicada ao primeiro que permitiu enfatizar duas outras diferenas correlatas:entre a classe (ou frao) economicamente dominantee a classe (ou frao ougrupo) politicamente governante; e entre opoder estatale opoder governa-mental. Este ltimo problema pode ser mais bem compreendido quando seconsidera a oposio que o autor estabelece entre opoder reale opoder nomi-

    naldas classes sociais. De fato, uma classe (ou frao de classe) determinadapode possuir o leme do Estado isto , o governo propriamente dito sem, contudo, constituir-se em classe dominante, e vice-versa. Esse , de res-to, um tema caro a toda uma certa tradio marxista Gramsci, por exemplo.

    Nas obras aqui tematizadas, a distino entrepoder realepoder nominalcumpre exatamente a funo de enfatizar a importncia da dimensoinstitucionaldo Estado na luta poltica. Como pretendemos demonstrar a se-guir, o predomnio poltico de uma dada (frao de) classe numa conjunturahistrica especfica passa, em grande parte, pela sua capacidade de controlar

    ou influenciar o ramo do aparelho de Estado que concentra opoder real. Essepoder enfeixa uma quantidade de recursos institucionais (oramento, admi-nistrao, represso) que conferem ao ramo em que esto concentrados o po-der de tomar decises e classe que a se instala as rdeas da administra-o (as expresses so literais). As anlises histricas empreendidas por Marxrevelam, entre outros elementos bastante sugestivos, a ocorrncia de uma lutaintensa entre as classes e fraes dominantes pelo controledesses aparelhos.Nesse sentido, as lutas polticas que se sucederam na Alemanha em 1848 e na

    Frana no perodo que vai de 1848 a 1851 atestam, ao contrrio do que susten-tam os neo-institucionalistas, uma concepo relacionaldo par Estado e

    23A distino acima, entre dois nveis de abstrao presentes na teoria poltica de Marx, no ,obviamente, original. Nicos Poulantzas foi quem a sistematizou pela primeira vez, a partir do prprioMarx, em Pouvoir politique et classes sociales. Seu argumento enfatiza a funo geral, ou sistmica,do Estado como fator de coeso social (ou reprodutor das relaes de (dominao de) classe); e otrao caracterstico, ou histrico, do Estado capitalista no campo da luta de classes: sua autonomiarelativa diante das classes e fraes dominantes. No entanto, Poulantzas preocupou-se, essencial-mente, com o primeiro nvel de anlise, isto , em teorizar acerca da natureza de classe do Estado apartirde suas funes reprodutivas no interior do modo de produo capitalista. Neste trabalho,

    gostaramos de insistir, tambm a partir do prprio Marx, na importncia dos aspectos institucionaisdo Estado para entender sua relao conflituosa com as classes e fraes dominantes e suas conse-qncias polticas.

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    camadas sociais cujos interesses no coincidiam diretamente com os seus. Eque esse movimento implicasse ofortalecimentodas antigas instituies re-pressivas: a velha polcia prussiana, o judicirio, a burocracia, o exrcito porque Hansemann acreditava que, estando estes a soldo, tambm estavam a

    servioda burguesia27

    . Foi exatamente essa base institucionalque permitius antigas foras sociais organizar a contra-revoluo feudal.

    Vejamos o mesmo problema a defasagem entre o poder real e o poderformal de outro ponto de vista. Como ele se expressa no prprio mbito doaparelho do Estado?

    No seio do aparelho do Estado, somente alguns ramos detm, em preju-zo de outros, poder efetivo, ou, mais propriamente, capacidade decisriareal o que Marx designa, em outro lugar, por (capacidade de) iniciativagovernamental28. Concretamente, o poder poltico concentra-se em ncleosespecficos do aparelho do Estado; estes, por sua vez, podem ser ocupadosdiretamente (ou controlados, ou influenciados)por diferentes classes sociais;nesse caso, o poder relativo de cada uma delas ser determinado pela proximi-dade ou distncia que mantiver em relao ao centro decisriomais importan-te. o que se depreende, por exemplo, da seguinte passagem:

    Um operrio, Marche, ditou o decreto pelo qual o recm-formado Governoprovisrio [sado da Revoluo de Fevereiro de 1848 na Frana] se compro-metia a assegurar a sobrevivncia dos operrios por meio do trabalho e a

    proporcionar trabalho a todos os cidados etc. E quando, alguns dias maistarde, o Governo, esquecendo-se de suas promessas, pareceu ter perdido de vistao proletariado, uma massa de vinte mil operrios dirigiu-se ao Htel de Ville aosgritos de: Organizao do trabalho! Criao de um ministrio especial do traba-lho! A contragosto e aps longos debates, o Governo provisrio designou umacomisso especial permanente encarregada de pesquisar os meios para melhorar[as condies de vida] das classes trabalhadoras! Essa comisso foi constitudapor delegados das corporaes de ofcios de Paris e presidida por Louis Blanc eAlbert. O Palcio do Luxemburgo foi-lhes destinado como sala de reunies.Assim, os representantes da classe operria foram banidos da sede do Governo

    provisrio, tendo a frao burguesa deste conservado exclusivamente em suasmos o poder real do Estado e as rdeas da administrao; e, ao lado dosMinistrios das Finanas, do Comrcio, das Obras Pblicas, ao lado da Banca eda Bolsa ergueu-se uma sinagoga socialista, cujos sumo-sacerdotes, Louis Blance Albert, tinham por tarefa descobrir a terra prometida, pregar o novo evangelhoe dar trabalho ao proletariado de Paris.Diferentemente de qualquer poder esta-tal profano, no dispunham nem de oramento, nem de qualquer poder executi-

    vo. Era com a cabea que tinham de derrubar os pilares da sociedade burguesa.

    27

    Idem, ibidem,p. 126 e 128, respectivamente, grifado no original.28Cf. Marx. uvres. Politique. Les luttes de classes en France. 1848 a 1850. Op. cit., p. 310.

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    Enquanto o Luxemburgo procurava a pedra filosofal, no Htel de Ville cunhava-se a moeda em circulao29.

    Isso indica que o Estado (ou, mais propriamente, o sistema institucionaldos aparelhos do Estado) um conjunto complexo com nveis dominantes o

    que Marx chama tambm de postos decisrios30

    , de onde se controlamefetivamente as rdeas da administrao, e nveis subordinados(sem qual-quer poder executivo, como se viu); a tarefa da anlise poltica marxista ,justamente, determinar quais so os aparelhos em que se concentram o ver-dadeiro poder de Estado. O que se poderia chamar de centro(s) de poder real, nesse contexto, o lugar imprescindvel para o exerccio da hegemonia declasse. Cumpre enfatizar, portanto, que o poder real a emanao direta deuma srie de recursos institucionais a administrao, o oramento, o poderexecutivo enfim , concentrados num ramo especfico do aparelho estatal, e

    que, atravs dele, confere classe social que o controla uma posio superiorna luta poltica. A oposio entre o palcio do Luxemburgo e o Htel de Ville eloqente a esse respeito.

    Por seu turno, a articulao entre a estrutura burocrtica do Estadoe ahegemonia polticapode ser mais bem compreendida quando se acompanhamas anlises de Marx a respeito da poltica francesa no perodo que antecede ogolpe de dezembro de 1851.

    A Revoluo de Fevereiro, tendo abalado a dominao exclusiva da aris-

    tocracia financeira consagrada pela Monarquia de Julho31

    , possua como tare-fa fundamental consumar a dominao burguesa, fazendo entrar para o crculodo poder poltico todas as classes possuidoras32. Esse compromisso crticoser, contudo, definitivamente rompido no incio de novembro de 1849 com ademisso do ministrio Barrot-Falloux e a ascenso do ministrio dHautpoul.Qual o sentido essencial dessa mudana de governo? Numa palavra, a restau-rao da hegemonia da aristocracia financeira atravs do controle de um

    centro de poder decisivo.

    29Marx, Les luttes de classes en France, op. cit., p. 245-246. As passagens em negrito foram destaca-das por Marx; em itlico, por ns.

    30Idem, ibidem,p. 255.

    31Sob Louis-Philippe, no era a burguesia francesa quem dominava, mas apenas uma frao dela,os banqueiros, os reis da Bolsa, os reis das estradas-de-ferro, os proprietrios das minas de carvo ede ferro, das florestas, uma parte da propriedade fundiria aliada a estes numa palavra: a aristo-cracia financeira. Era ela quem ocupava o trono, quem ditava as leis nas Cmaras, era ela quemdistribua os cargos pblicos desde o ministrio at a tabacaria. Marx, Les luttes de classes enFrance, op. cit., p. 238.

    32Idem, ibidem, p. 244.

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    De acordo com o prprio Marx, o ministro das Finanas do novo gabinetechamava-se Fould. [Achille] Fould no ministrio das Finanas o abandonooficial da riqueza nacional francesa Bolsa, a administrao do patrimniodo Estado pela Bolsa no interesse da Bolsa. Com a nomeao de Fould, a

    aristocracia financeira anunciava sua restaurao [no poder] noMoniteur[...]A repblica burguesa [...] colocou no lugar dos nomes sagrados os nomesprprios burgueses dos interesses de classe dominantes [...] Com Fould, ainiciativa governamental caa de novo nas mos da aristocracia financeira33.

    Ora, como se v, essa viragem fundamental no seio do bloco no poderse d precisamente atravs da recuperao do Ministrio das Finanase damanuteno desse aparelho na medida em que ele representa o lugar-sede dopoder efetivo. Todas as lutas polticas desse subperodo que vai de 13 de junhode 1849 at 10 de maro de 1850 podem ser resumidas nesse episdio de

    (re)conquista do poder executivo:O Ministrio Barrot-Falloux foi o primeiro e ltimo ministrio parlamentarcriado por Bonaparte. Sua destituio [em novembro de 1849] assinala, as-sim, uma reviravolta decisiva. Com isso, o partido da ordem [isto , a alianaentre legitimistas e orleanistas] perdeu, para nunca mais reconquistar, uma

    posio indispensvelpara a manuteno do regime parlamentar, a alavancado poder executivo. De sada, bvio que em um pas como a Frana, onde o

    poder executivo comandaum exrcito de funcionrios que conta com maisde meio milho de indivduos e portanto mantm constantemente uma imen-

    sa massa de interesses e de existncias na mais absoluta dependncia; onde oEstado enfeixa, controla, regula, superintende e mantm sob tutela a sociedadecivil [...]; onde, atravs da mais extraordinria centralizao, esse corpo deparasitas adquire uma ubiqidade, uma oniscincia, uma capacidade de ace-lerada mobilidade e uma elasticidade que s encontram paralelo na depen-dncia desamparada, no carter caoticamente informe do corpo poltico real bvio que em tal pas a Assemblia Nacional perde toda a influncia realquando perde o controle das pastas ministeriais [...]34.

    A aristocracia financeira percorre assim o caminho inverso do Partido da

    Ordem. Ela tem sua influncia polticaabalada pela revoluo de 1848, mas,no decorrer da Repblica, luta para recuper-la. Tal recuperao se d atravsda reconquista do Ministrio das Finanas e da manuteno desse aparelho nacondio de aparelho que concentra opoder efetivo. Quando Bonaparte desti-tui o Ministrio Odilon Barrot e no seu lugar nomeia Achille Fould, est na

    33Idem, ibidem, p. 309-310, grifos nossos.

    34Karl Marx. The Eighteenth Brumaire of Louis Napoleon. Moscou, Progress Publishers, s.d., grifosnossos. Marx/Engels Internet Archive (http://www.marxists.org/archive/marx/works/1852-18b/

    index.htm). Para a edio em portugus, ver O dezoito brumrio de Lus Bonaparte. In: Karl Marx.Manuscritos econmico-filosficos e outros textos escolhidos. 2aed. So Paulo, Abril Cultural, 1978.Col. Os pensadores, p. 357-358.

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    verdade permitindo a retomada da posio privilegiada que a aristocracia fi-nanceira ocupava dentro do aparelho de Estado sob Louis Philippe.

    A partir desses elementos, possvel estabelecer dois critrios fundamen-tais que, combinados a outros, permitem descrever e explicar a configurao

    concreta assumida pelo sistema estatal: num primeiro plano, ela obedece variao na correlao de foras entre os ramos executivos que compem oaparelho de Estado, de acordo com sua participao efetiva no processodecisrio (recorde-se, por exemplo, a oposio que Marx estabelece entre oPalcio do Luxemburgo e o Htel de Ville); em seguida, preciso consi-derar a relao de concorrncia e predominncia entre o Executivo e oLegislativo (a Assemblia Nacional) no tortuoso processo de definio daspolticas governamentais. Juntos, eles podem indicar, com razovel margemde segurana, o endereo dopoder efetivono interior do aparelho estatal.

    Em suma: na conjuntura poltica analisada por Marx, o predomnio pol-tico de uma dada frao de classe decorre do controleou influnciaque essaclasse (ou seus representantes) podem exercer sobre o aparelho que concentrao poder efetivo. Parece difcil, portanto, sustentar que Marx menospreze aimportncia do Estado como instituio para entender a configurao preci-sa das relaes de fora na cena poltica numa situao histrica dada. Diz-loimplica, necessariamente, desconsiderar todas as passagens acima. O que sepercebe ali so os vrios grupos e classes sociais em luta pelo controle dos

    recursos institucionais monopolizados pelo aparelho estatal, ou, mais especi-ficamente, por alguns de seus ramos. Se o Estado fosse uma instituio semmuita importncia, como Marx poderia t-lo apresentado como o maior obje-to de desejo das classes sociais em luta? O Estado, tal como pensado por Marxnas suas obras histricas, constitui o alvo primordial da luta poltica exata-mente por concentrar um enorme poder decisrio e uma significativa capa-cidade de alocao de recursos35.

    Aparelho e poder de EstadoA teoria marxista do Estado tem sido acusada pelos neo-institucionalistasde cometer o grave erro de menosprezar o Estado como instituio. Essa inca-pacidade seria conseqncia inevitvel da nfase marxista no carter de clas-se do aparelho estatal, o que, por sua vez, tornaria impossvel, dentro dessaperspectiva terica, a elaborao de uma teoria do Estadopropriamente dita.

    35Decorre da tambm o seguinte: o fato de as classes e fraes dominantes francesas terem sucesso(ou insucesso) no controledireto ou indireto sobre o centro de poder real do aparelho do Estado o que poderia configurar um certo instrumentalismo um dado histrico e no um vcio deorigem da teoria; o resultado da evidncia histrica e no um pressuposto terico.

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    Procuramos demonstrar, na seo anterior, que as anlises feitas por Marxnas chamadas obras histricas enfatizam o Estado como uma instituioseparada das classes e fraes dominantes, dotada de recursos prprios e,sobretudo no caso francs, proprietria de alta capacidade de iniciativa e deci-

    so. essa dimenso institucionaldo Estado que motiva os grupos e classessociais a conquistarem um espao privilegiado no seu interior. A cena polticafrancesa de 1848 a 1851 o palco da luta entre as classes sociais antagnicas,por um lado, e as classes e fraes dominantes, por outro, pela conquista,aumento ou consolidao de sua influncia polticarespectiva sobre as insti-tuies do Estado. Essa , sem dvida, uma viso na qual Estado e classeconstituem plos autnomos de uma mesma relao.

    No entanto, preciso frisar, se no quisermos fazer de Marx uminstitucionalista avant la lettre, que suas anlises, e os estudos dos tericos

    marxistas em geral, ultrapassam a dimenso imediata da luta polticaconjuntural e do aspecto institucional do aparelho de Estado.

    Reconhecer a autonomia do Estado, sua realidade institucional, sua lgicaprpria e os interesses especficos dos agentes estatais no pode, segundo Marxe os marxistas, impedir que se coloque a seguinte questo: que relaes sociais asaes do Estado autnomo reproduzem? Foi precisamente atravs do conceitode poder de Estado que os marxistas procuraram responder essa questo.

    Nicos Poulantzas enfatizou que

    As diversas instituies sociais e, especialmente, a instituio estatal nopossuem, propriamente, poder. As instituies, consideradas do ponto de vis-ta do poder, somente podem ser relacionadas s classes sociais que detmpoder. Esse poder das classes sociais est organizado, no seu exerccio, eminstituies especficas, em centros de poder, sendo o Estado, nesse contexto,o centro do exerccio do poder poltico36.

    O problema do poder de Estado teoricamente distinto do problema doaparelho estatal. Enquanto este ltimo refere-se dimenso institucional,aquele procura identificar as relaes sociais que so prioritariamente garanti-

    das atravs das polticas pblicas promovidas pelo Estado. Deteria o poderde Estado, portanto, a classe social que tivesse assegurada, pelas aes esta-tais, sua posio privilegiada na estrutura produtiva da sociedade em anlise.

    Se deixarmos de lado os perigos de um funcionalismo excessivo que podeadvir dessa posio terica e que consistiria empressupora funcionalidadedo Estado para os interesses a largo prazo da classe dominante , pareceinegvel que ela representa um avano em relao problemtica neo-institucionalista. Identificar as especificidades do aparelho estatal e a ori-

    36Pouvoir politique et classes sociales, op. cit., v.1, p. 119-120. Ver igualmente Therborn Gran.Como domina la classe dominante? op. cit., p. 171.

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    gem propriamente burocrtica de determinadas medidas apenas um primei-ro passo na anlise da relao entre Estado e sociedade. Atestar a disputaentre Estado e classes dominantes no nos autoriza nenhuma concluso atperguntarmos sobre os resultados desse conflito para as relaes sociais que

    estruturam uma dada formao social. certo que a nfase dos marxistas naquesto do poder de Estado traduziu-se, em geral, num menosprezo quanto importncia dos conflitos polticos mais conjunturais entre Estado e classes do-minantes, geralmente adjetivados de superficiais, de curto prazo, referentesaos meros interesses imediatos. No entanto, preciso reconhecer que a posiomarxista uma garantia contra o pecado oposto, que consistiria em ver nessesconflitos a prova irrefutvel de que o Estado no um Estado de classe.

    Dimenses funcional e institucional do Estado

    As obras histricas de Marx referem-se ao Estado a partir de duas di-menses inseparveis. De um lado, Marx entende-o a partir de uma perspecti-va essencialmentefuncional, vendo no Estado a instituio responsvel pelareproduo das relaes de dominao que caracterizam uma dada sociedade.O exerccio dessa funo, e o seu carter de classe, como bem demonstraramas anlises de Marx sobre os resultados produzidos pela poltica patrocinadapelo Estado bonapartista no Segundo Imprio, no dependem do controledireto da classe burguesa sobre os recursos organizacionais do aparelho esta-

    tal. De outro lado, porm, preciso notar que o Estado no entendido porMarx exclusivamente a partir de sua funo (isto , a partir dos resultadosproduzidos pelas suas decises), mas tambm como uma organizao comple-xa, atravessada de cima a baixo por conflitos internos entre os seus aparelhose ramos, conflitos esses capazes de alterar a dinmica da luta poltica. Mais doque isso: o Estado aparece, em Marx, como uma organizao dotada derecursos prprios, cujos agentes, tanto no mbito do poder executivo comono mbito do poder legislativo, desenvolvem interesses prprios a partirdos quais orientam suas aes37. Aqui o Estado entendido como uma insti-tuio subdividida em um sem-nmero de aparelhos, capaz de tomar deci-ses, de alocar recursos e que, inserido num contexto poltico instvel, estabe-lece com as foras sociais que se encontram fora dele uma relao conflituosa.

    37Vale lembrar aqui a famosa distino que Marx estabelece entre a burguesia extraparlamentar ea burguesia parlamentar, entendendo esta ltima como os representantes polticos da burguesia.Contudo, tal representao no uma representao direta nem mesmo necessariamentefuncional,como revelam os acontecimentos imediatamente anteriores ao golpe de 1851, durante o perodo

    denominado por Marx de Terceito Perodo ou Perodo da Repblica Constitucional e da Assem-blia Legislativa Nacional. Ver especificamente O dezoito brumrio de Lus Bonaparte, op. cit., p.386, 391 e 393.

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    Ora, se verdade, como sustentou Poulantzas, que o aparelho de Estado[i.e., sua dimenso organizacional] no se esgota no poder de Estado [isto ,na sua dimenso funcional]38, ento preciso conferir ao primeiro termodesta equao a devida importncia, sob pena de a afirmao acima resumir-

    se a mero jogo de palavras. Neste ponto s h, a nosso ver, duas solues: oua lgica interna do aparelho estatal est inteiramente subordinada ao papelfuncional do poder de Estado, ou a forma de funcionamento do aparelho deEstado possui uma certa autonomia, e que pode, no limite, afetar inclusive afuncionalidade do Estado e o processo de realizao prtica dos interesses daclasse economicamente dominante. Se optarmos pela primeira possibilidade, ficaclaro que a observao de Poulantzas perde totalmente seu sentido; se optarmospela segunda, tratar-se- ento de saber como, efetivamente, a dinmica interna doaparelho estatal e as suas relaes conflituosas podem afetar a sua dimenso fun-

    cional numa dada situao histrica. Nessa segunda perspectiva, a funcionalidadedo Estado para a dominao de classe no pode ser antecipada, mas deve serdeixada pesquisa histrica de orientao materialista, aceitando-se a possibili-dade (terica) de que o poder de Estado, com todas as suas especificidades,contrarie o poder de classe39. Pensamos que, nas obras aqui analisadas, Marxadota essa ltima postura ao tematizar a forma conflituosa em que se desenvol-vem as relaes entre a burguesia e suas fraes, por um lado, e os seus represen-tantes polticos e os agentes estatais, por outro. O resultado desse processo hist-rico construdo em meio dinmica poltica e suas conseqncias no esto, emnenhum momento da anlise de Marx, previamente acertadas.

    Ora, poder-se-ia objetar que, ao sustentar a tese segundo a qual a funcio-nalidade do Estado para os interesses da classe burguesa ou de qualqueroutra classe economicamente dominante uma hiptese a ser comprova-da, isso implicaria, necessariamente, abandonar pura e simplesmente a teoriamaterialista da poltica e do Estado. No essa a nossa posio. Parece-nosque um dos pontos fortes da tese materialista do Estado consiste em afirmar,como sintetizou Marx no Prefcio de 1859, a existncia de uma correspon-

    dnciaentre a estrutura jurdico-poltica e a anatomia da sociedade burgue-38Poulantzas, O Estado, o poder... op. cit., p. 17.

    39Como advertiu Claus Offe, o carter de classe do Estado comprova-se post faestum, depois que oslimites de suas funes transparecem nos conflitos de classe, tornando-se ao mesmo tempo visveispara o conhecimento objetivante [...] Se a compreenso do carter classista do Estado s pode resul-tar da descoberta prtica de sua seletividade de classe, torna-se questionvel o estatuto lgico dasteorias que pretendemantecipar-se a essa realizao prtica, indicando-lhe o caminho. Claus Offe.Dominao de classe e sistema poltico. Sobre a seletividade das instituies polticas. In: _____.Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1982. p. 161.

    40Karl Marx. Para a crtica da economia poltica. So Paulo, Abril Cultural, 1982. Col. Os Economis-tas, Prefcio, p. 25.

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    sa, isto , as relaes de produo capitalistas40. No entanto, uma vez enunciadaa tese da correspondncia, afirma-se, logo em seguida, que tal correspondn-cia traduz-se, necessariamente, nafuncionalidadeda superestrutura jurdico-poltica (em particular, do Estado) para a realizao dos interesses a longo

    prazo da classe dominante. Por que a tese da funcionalidade est logicamenteimbricada na tese da correspondncia? No h razo alguma para vincularessas duas assertivas de forma automtica. Em primeiro lugar, porque elassituam-se em dois nveis distintos de abstrao. Enquanto a segunda fixa umateoria geral da Histria, ou, mais propriamente, uma teoria geral da relaocorrespondente entre o poltico e o econmico nos quadros do modo de pro-duo, a funcionalidade do Estado uma tarefa histrica, concreta, que sepe de diferentes maneiras para cada formao social e que no pode sernem pressuposta, nem derivada. Esse procedimento resultaria, portanto, na

    antecipao dos resultados dos processos polticos concretos e na desatenodiante dos acontecimentos histricos especficos, o que acabaria por dispen-sar-nos da prpriapesquisade orientao materialista.

    Sejamos mais precisos. Tomemos, a ttulo de exemplo, o problema doEstado e do Direito burgueses. Marx e vrios autores marxistas contempor-neos mostraram que o direito burgus, na medida em que promove aindividualizao dos agentes sociais e a igualdade de todos perante a lei, umproduto necessrio da forma assumida pelas relaes de produo capitalistas,

    notadamente pela separao que as ltimas promovem entre o produtor diretoe os meios de produo. Afuncionalidadedo Direito consistiria tanto no seuefeito regulador sobre as novas relaes econmicas (por exemplo, atravs docontrato de trabalho), como na expanso e consolidao dessas relaes atra-vs dos efeitos ideolgicos que ele promove (a ideologia da igualdade, aocultao da realidade de classe dos agentes sociais, a capacidade que eleconfere ao Estado de apresentar-se como o representante do interesse geraletc.). Se essa funcionalidade inegvel, ao mesmo tempo preciso reconhe-cer que a igualizao formal dos agentes sociais abriu um enorme campo para

    a atividade poltica contestatria das classes dominadas, atividade essa cujoresultado no poderia ser previsto antecipadamente. Ora, o mesmo pode serdito das observaes de Marx sobre o conturbado perodo da histria francesaque vai de 1848 a 1851: como seria possvel antecipar os resultados dos in-meros conflitos polticos existentes naquele perodo, no centro dos quais seencontrava o prprio Estado burgus, com sua poderosa burocracia, em meioa suas contradies internas, sua paralisia decisria, com os choques e oposi-es entre seus agentes e as diversas fraes da classe burguesa etc.? Exata-mente pelo fato de o problema do aparelho de Estado no se esgotar na

    questo da dominao de classe (poder de Estado) que as variveis pro-priamente estatais tm uma influncia decisiva no curso dos acontecimentos

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    e, por isso, preciso aceitar como uma possibilidade tericaa idia de queessa varivel possa operar a contragosto dos interesses (imediatos ou de longoprazo; especficos ou gerais) da classe economicamente dominante. Esse ,como procuramos mostrar neste artigo, umdos elementos decisivos para an-

    lise poltica contido nas obras histricas de Marx.Embora no seja nosso objetivo fazer aqui uma crtica detalhada das pro-posies tericas avanadas pelos neo-institucionalistas, vale observar, paraconcluirmos, que, se o que dissemos acima plausvel, as reservas do neo-institucionalismo diante do marxismo sofrem dois problemas importantes.Primeiro, embora tenham certa dose de razo ao criticar metodologicamente ofuncionalismo rgido contido nas proposies tericas de alguns autores mar-xistas, no percebem que esse problema no precisa ser encarado como umvcio de origem da teoria marxista e que proposies contrrias a essa podem

    ser encontradas, como procuramos demonstrar, em alguns textos selecionadosdo prprio Marx. Segundo, ao recusar a teoria marxista do Estado, os neo-institucionalistas no abrem nenhuma perspectiva terica nova. De um lado,porque lanam mo, sem nenhuma originalidade, das observaes weberianasacerca do Estado moderno e, de outro, porque limitam-se a guiar as suas an-lises histricas a partir de uma oposio entre Estados fortes/Estados fracos,oposio essa de carter estritamente quantitativo, extremamente formalista ealtamente abstrata, a despeito de todo o seu discurso historicizante.

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    CODATO, Adriano Nervo; PERISSINOTTO, Renato. O Estado como instituio. Uma

    leitura das "obras histricas" de Marx. Crtica Marxista, So Paulo, Boitempo, v.1, n. 13,

    2001, p. 9-28.

    Palavras-chave:Estado; Teoria do Estado; Classes sociais.