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CICLOS POLÍTICOS ORÇAMENTÁRIOS NO ESTADO DO CEARÁ (1986-2006) Mário César Lemos Queiroz* Almir Bittencourt da Silva** Os ciclos políticos, de percepção bastante intuitiva, constituem-se num fenômeno amplamente estudado. Entre as teorias desenvolvidas, destacam-se quatro vertentes, organizadas segundo os critérios de racionalidade do eleitor e de comportamento do político, a saber: o ciclo político oportunista tradicional; o ciclo político oportunista racional; o ciclo político partidário tradicional; e o ciclo político partidário racional. Os ciclos políticos, no entanto, podem ocorrer com características combinadas, a exemplo dos ciclos políticos ideologicamente motivados (partidários) mesclados com algumas características dos ciclos oportunistas. Os ciclos políticos orçamentários, enquadrados como oportunistas racionais, são priorizados neste estudo. Acredita-se – em razão da simplicidade de sua operação, e levando-se em conta que a democracia é um processo ainda jovem no Brasil – que tal tipo de ciclo é o de ocorrência mais provável no país e, consequentemente, no Ceará. A intenção dos modelos propostos foi evidenciar o comportamento oportunista de governadores do estado do Ceará no período de 1986 a 2006, externado por meio de movimentos cíclicos da execução orçamentária. A análise dos dados confirmou que os governadores apresentaram, de forma geral, comportamento oportunista sobre a execução orçamentária. Palavras-chave: Ciclos Políticos; Execução Orçamentária; Comportamento dos Mandatários. POLITICAL BUDGET CYCLES IN CEARA (1986-2006) The political cycles’ perception is very intuitive, and, therefore, it is a well studied phenomenon. Among the theories developed there are four strands, arranged between the criteria of voter’s rationality and politician’s behavior, namely: the traditional opportunistic political cycle and the rational opportunistic one, as well as the traditional partisan political cycle and the rational partisan one. The political business cycles, however, may occur with combined features, like the political cycles ideologically motivated (partisan cycles) with some characteristics of opportunistic cycles. The political budget cycles, framed as the rational opportunistic type, are prioritized in this study, because it is believed, due to its simplicity of operation and the fact that democracy is a process still young, to be the ones most likely to occur in Brazil and, consequently, in Ceará. The proposed models’ intention was to evidence the opportunistic behavior of Ceará state’s governors in the period from 1986 to 2006, externalized by cyclical movements of the budgetary execution. The data analysis confirmed that the governors showed, in general, opportunistic behavior on the budgetary execution. Keywords: Political Business Cycles. Budgetary Execution. Incumbents’ Behavior. * Administrador, mestre em economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), analista contábil-financeiro da Secretaria da Fazenda do estado do Ceará. Correio eletrônico: [email protected]. ** Economista, doutor em economia pela UFC, professor associado da UFC. Endereço: Avenida da Universidade, 2.700, 2 o andar. CEP: 60.020-181, Benfica, Fortaleza, Ceará. Correio eletrônico: [email protected].

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artigo acadêmico sobre ciclos político econômicos

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  • CICLOS POLTICOS ORAMENTRIOS NO ESTADO DO CEAR (1986-2006)Mrio Csar Lemos Queiroz*Almir Bittencourt da Silva**

    Os ciclos polticos, de percepo bastante intuitiva, constituem-se num fenmeno amplamente estudado. Entre as teorias desenvolvidas, destacam-se quatro vertentes, organizadas segundo os critrios de racionalidade do eleitor e de comportamento do poltico, a saber: o ciclo poltico oportunista tradicional; o ciclo poltico oportunista racional; o ciclo poltico partidrio tradicional; e o ciclo poltico partidrio racional. Os ciclos polticos, no entanto, podem ocorrer com caractersticas combinadas, a exemplo dos ciclos polticos ideologicamente motivados (partidrios) mesclados com algumas caractersticas dos ciclos oportunistas. Os ciclos polticos oramentrios, enquadrados como oportunistas racionais, so priorizados neste estudo. Acredita-se em razo da simplicidade de sua operao, e levando-se em conta que a democracia um processo ainda jovem no Brasil que tal tipo de ciclo o de ocorrncia mais provvel no pas e, consequentemente, no Cear. A inteno dos modelos propostos foi evidenciar o comportamento oportunista de governadores do estado do Cear no perodo de 1986 a 2006, externado por meio de movimentos cclicos da execuo oramentria. A anlise dos dados confirmou que os governadores apresentaram, de forma geral, comportamento oportunista sobre a execuo oramentria.

    Palavras-chave: Ciclos Polticos; Execuo Oramentria; Comportamento dos Mandatrios.

    POLITICAL BUDGET CYCLES IN CEARA (1986-2006)

    The political cycles perception is very intuitive, and, therefore, it is a well studied phenomenon. Among the theories developed there are four strands, arranged between the criteria of voters rationality and politicians behavior, namely: the traditional opportunistic political cycle and the rational opportunistic one, as well as the traditional partisan political cycle and the rational partisan one. The political business cycles, however, may occur with combined features, like the political cycles ideologically motivated (partisan cycles) with some characteristics of opportunistic cycles. The political budget cycles, framed as the rational opportunistic type, are prioritized in this study, because it is believed, due to its simplicity of operation and the fact that democracy is a process still young, to be the ones most likely to occur in Brazil and, consequently, in Cear. The proposed models intention was to evidence the opportunistic behavior of Cear states governors in the period from 1986 to 2006, externalized by cyclical movements of the budgetary execution. The data analysis confirmed that the governors showed, in general, opportunistic behavior on the budgetary execution.

    Keywords: Political Business Cycles. Budgetary Execution. Incumbents Behavior.

    * Administrador, mestre em economia pela Universidade Federal do Cear (UFC), analista contbil-financeiro da Secretaria da Fazenda do estado do Cear. Correio eletrnico: [email protected].** Economista, doutor em economia pela UFC, professor associado da UFC. Endereo: Avenida da Universidade, 2.700, 2o andar. CEP: 60.020-181, Benfica, Fortaleza, Cear. Correio eletrnico: [email protected].

  • planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010224

    CICLOS POLITICOS PRESUPUESTARIOS EN LA PROVINCIA DE CEAR (1986-2006)

    La percepcin de los ciclos polticos es muy intuitivo, siendo por tanto un fenmeno bien estudiado. Entre las teorias dessarrolladas se destacan cuatro secciones, dispuestas entre los criterios de la racionalidad de los votantes y la raelizacin de la poltica, a saber, el ciclo poltico oportunista tradicional y el oportunista racional, y el ciclo poltico partidista tradicional y el partidista racional. Los ciclos polticos, sin embargo, pueden ocurrir con caractersticas combinadas, por ejemplo en el caso de los ciclos polticos ideologicamente motivados (partidrios) con algunas caractersticas de los ciclos oportunistas. Los ciclos polticos presupuestrios, enmarcados como el tipo de oportunistas racional, se priorizan em este estdio porque se cree que debido a su simplicidad de operacin y el hecho de que la democracia es an um proceso joven, son los ms problabes que ocurran em Brasil, y consecuentemente em Cear. La intencin de los modelos propuestos ES evidenciar El comportamiento de los gubernantes del Estado de Cear em el perodo de 1986 a 2006, externando por mdio de movimientos cclicos de la organizacin pressupuestria La intencin de los modelos propuestos es evidenciar el comportamiento oportunista de los gubernantes del Estado de Cear en el perodo de 1986 a 2006, externando por mdio de movimientos cclicos de la organizacin pressupuestria. El anlisis de los datos confirma que los gubernantes presentan, de forma general, comportamiento oportunista sobre la ejecucin presupuestria.

    Palabras-Clave: Ciclos Polticos, Ejecucin Presupuestria, Comportamiento de los Mandatrios.

    CYCLES POLITIQUES BUDGTAIRES EN TAT DE CEAR (1986-2006)

    La perception des cycles politiques est assez intuitive, tant, donc, un phnomne assez tudi. Entre les thories dvloppes quatre branches se dtachent, organises entre les critres de rationalit de llecteur et de comportement politique, savoir: le cycle politique opportuniste traditionnel et celui rationnel, et le cycle politique de parti traditionnel et celui rationnel. Les cycles politiques peuvent, cependant, avoir des caractristiques combines, lexemple des cycles politiques idologiquement motivs (cycles politiques de partis) avec quelques caractristiques des cycles opportunistes. Les cycles politiques budgtaires, encadrs comme du type opportuniste rationnel, sont mis en priorit dans cette tude, car on croit, en raison de la simplicit de son opration et du fait dtre la dmocratie un processus encore jeune, sont ceux les plus probables au Brsil, et consquemment au Cear. Lintention des modles proposs a t celle de souligner le comportement opportuniste des gouverneurs de ltat du Cear pendant la priode de 1986 2006, present travers les mouvements cycliques de lexcution budgtaire. Lanalyse des donnes a confirm que les gouverneurs ont prsent, dune manire gnrale, un comportement opportuniste sur lexcution budgtaire.

    Mots-cls: Cycles Politiques, Excution Budgtaire, Comportements des Gouverneurs.

    1 INTRODUO

    A ideia deste artigo construir um modelo representativo dos possveis ciclos polticos oramentrios orquestrados pelos governadores do estado do Cear no perodo de 1986 a 2006. Assim, partindo principalmente da anlise do comportamento da execuo oramentria do estado, este trabalho contribui para

  • 225Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    clarificar distores ou manipulaes oramentrias no Cear, definindo eventuais padres de conduta dos mandatrios.

    Fazer uma abordagem local a respeito de ciclos polticos, fenmeno amplamente estudado, tem uma motivao intuitiva, na medida em que se considera ser razoavelmente aceitvel a possibilidade de que a oferta de bens e servios pblicos no estado do Cear foi irregular durante o perodo de 1986 a 2006. Isto representaria um forte indcio de que a intensidade dos gastos pblicos acompanhou o calendrio eleitoral, e de que os governadores no primaram pela maximizao (ou pelo menos o aprimoramento) do bem-estar da populao cearense, mas pelas suas chances de continuar no poder, seja diretamente, via reeleio, seja indiretamente, via sucessor do mesmo partido ou de coalizo.

    O comportamento dos eleitores, naturalmente, um fator importante para a teoria dos ciclos polticos, a qual os define como racionais ou no racionais, a depender da forma como geram informaes relevantes sobre os candidatos a cargos eletivos. Todavia, a partir da observao informal do seu comportamento, percebe-se uma persistente insatisfao (incredulidade) com os mandatrios, o que, embora revele a necessidade de exercer maior conscincia poltica, tem certa aderncia terica, numa demonstrao de que os titulares dos cargos, enquanto homines economici, so egostas, ou seja, buscam maximizar sua prpria funo de utilidade, ao invs de maximizar um suposto bem-estar social. Assim, de se pressupor que num sistema democrtico os partidos formularo suas polticas visando prioritariamente obteno do maior nmero de votos possvel e permanncia no poder, a despeito da defesa de determinado grupo de interesses ou de alguma ideologia (DOWNS, 1957, apud PREUSSLER, 2001, p. 12).

    Depreende-se, portanto, que considervel a hiptese de que muitos mandatrios priorizem interesses oportunistas ao longo de seus mandatos. Estudar a ocorrncia de tal comportamento por parte dos governadores do estado do Cear, inclusive a ponto de promover ciclos polticos oramentrios, o escopo desta pesquisa.

    O presente artigo est estruturado da seguinte forma: na seo 2, faz-se uma breve reviso da literatura, perpassando-se os diversos modelos criados de combinaes entre o comportamento dos eleitores (racional ou no racional) e dos polticos (oportunista ou partidrio). Na seo 3 feita uma detida apresentao do modelo de ciclos polticos oramentrios, consoante o objetivo deste trabalho. Em seguida, na quarta seo, apresentam-se evidncias empricas acerca do Brasil, com foco no referido modelo. A quinta seo discute a metodologia utilizada para o alcance do objetivo almejado. A seo 6 expe os resultados obtidos. Por fim, a seo 7 refere-se concluso.

  • planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010226

    2 REVISO DE LITERATURA

    Diversos modelos foram desenvolvidos para representar o comportamento da economia ao longo do calendrio eleitoral, numa tentativa de identificar a presena de movimentos cclicos. Assim, uma maneira alternativa de se estudarem os ciclos econmicos interpret-los como politicamente determinados. Constata-se que a raiz de alguns deles situa-se na motivao poltica, ou seja, constata-se que os ciclos econmicos so tambm polticos (REIChENvATER, 2007, p. 1).

    Fialho (1996, apud SALvATO et al., 2007, p. 3) afirma que a busca de evidncias histricas e estatsticas que sinalizam uma conexo entre calendrio eleitoral e flutuaes econmicas procura, em ltima instncia, oferecer uma explicao adicional para tais flutuaes. Para a autora, este foco tomado pela teoria dos ciclos polticos difere de outros estudos sobre flutuaes econmicas de curto prazo fundamentalmente por tomarem como endgena e relevante a participao dos agentes polticos (ou do governo) na determinao da trajetria da economia (FIALhO, 1996, apud SALvATO et al., 2007, p. 3).

    A literatura sobre ciclos polticos pode ser dividida em dois principais grupos de estudos empricos: os que buscam a trajetria cclica com quebra de tendncia ps-eleitoral nas sries de tempo relativas s variveis macroeconmicas desemprego, inflao e crescimento do produto, e os que tratam a manipulao pr-eleitoral em instrumentos de poltica econmica tais como emisso monetria, taxa de cmbio, arrecadao de impostos, transferncias governamentais e gastos governamentais (PREUSSLER e PORTUgAL, 2002, apud SALvATO et al., 2007, p. 5).

    A teoria dos ciclos polticos foi, todavia, organizada em diferentes vertentes. Segundo Jula e Jula (2007, p. 2), a partir do espectro oportunista-ideolgico de motivao poltica, os modelos de ciclos polticos podem ser classificados de acordo com as expectativas que se supe serem mantidas pelos indivduos.

    QUAdrO 1

    Tipologia dos ciclos polticos

    Comportamento dos eleitores

    No racional racional

    Motiva

    o do

    com

    porta

    men

    to

    dos po

    ltico

    s Oportunista

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    ende

    ntes do contexto

    (FrE

    y e SC

    hNEIdE

    r, 197

    8)

    Ciclo poltico oportunista tradicional

    (NOrdhAUS, 1975)

    Ciclo poltico oportunista racional

    (rOGOFF e SIBErT, 1988; rOGOFF,

    1990; PErSSON e TABELLINI, 1990)

    PartidriaCiclo poltico partidrio tradicional

    (hIBBS, 1977)

    Ciclo poltico partidrio racional

    (ALESINA, 1987)

    Adaptado de Jula e Jula (2007, p. 3).

  • 227Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    Esta classificao permite identificar quatro variantes na literatura dos ciclos polticos: o ciclo poltico oportunista puro; a teoria partidria tradicional; o ciclo poltico oportunista racional; e a teoria partidria racional.

    2.1 Ciclo poltico oportunista tradicional

    O modelo de Nordhaus (1975) largamente apontado pela literatura como o principal pressuposto do que vem a ser o ciclo poltico oportunista tradicional. Drazen (2000, p. 78) coaduna com esta viso ao afirmar que, a partir daquele, os primeiros modelos de ciclos polticos quer sejam oportunistas, quer sejam partidrios tiveram a poltica monetria como fora motriz: uma poltica monetria expansionista levava a um aumento temporrio na atividade econmica, seguido, com defasagem, por um aumento na inflao.

    De forma bastante concisa, Drazen (2000, p. 78) defende que o modelo de Nordhaus foi criado para mostrar que, se o voto era baseado no desempenho econmico recente, e se as expectativas de inf lao eram retrgradas, um mandatrio oportunista que controla a poltica monetria iria encontr-la ideal para induzir um ciclo de inflao e desemprego correspondente durao do seu mandato, com pico justamente antes da eleio, e com uma recesso mais tarde.

    Dessa forma, a economia caracterizada por uma curva de Phillips aumentada pelas expectativas, e pressupe-se a utilizao de instrumentos de poltica fiscal e monetria pelos polticos, de forma que (FIALhO, 1999, p. 133):

    o governo estimula a demanda agregada antes das eleies, explorando as vantagens de uma curva de Phillips de curto prazo;

    a atividade econmica sofre um aumento temporrio, com uma signifi-cativa reduo no desemprego;

    h uma pequena elevao da inflao no perodo eleitoral;

    aps o perodo eleitoral, as expectativas se ajustam, e a inflao aumenta ainda mais; e

    os efeitos expansionistas do perodo anterior so eliminados pela contrao da demanda agregada, levando a uma recesso logo aps as eleies.

    Borsani (2000, p. 42), por sua vez, menciona a crtica da miopia poltica, evitada particularmente nas verses racionais da teoria oportunista, segundo a qual o funcionamento reiterado do modelo pressupe que os eleitores no teriam capacidade de aprender com as experincias anteriores. gonalves e Fenolio (2007, p. 467) alegam que os modelos pioneiros, notadamente aqueles fundamentados na vertente terica fundada por Nordhaus (1975), Lindbeck (1976) e MacRae (1977), denominada ciclos polticos oportunistas, caram em descrdito com a revoluo das expectativas racionais nos anos 1970.

  • planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010228

    2.2 Ciclo poltico oportunista racional

    A ideia de manipulao eleitoral da poltica econmica no foi abandonada, com vrios trabalhos tentando compatibilizar expectativas racionais e ciclos polticos. Disto surgiu uma nova vertente de ciclos polticos, na qual os eleitores so modelados como racionais, mas possuindo informao imperfeita, ou seja, eles buscam inferir a competncia do mandatrio a partir de suas decises polticas, usando todas as informaes relevantes disponveis acerca da varivel que esto tentando prever (vIANA, 2003, p. 22).

    gonalves e Fenolio (2007, p. 468) afirmam, no entanto, que o modelo opor-tunista racional no prev, em termos gerais, ciclos de produto agregado como em Nordhaus, mas envolve, por exemplo, manipulaes oramentrias das transfern-cias governamentais, as quais so infladas nas vsperas das eleies em detrimento dos investimentos, uma vez que estes possuem prazo de maturao bem maior.

    Segundo Brender e Drazen (2005, p. 7), expanses fiscais durante os anos de eleio conduzem eleitores racionais a votarem nos mandatrios que as produzem, pois sinalizam elevada competncia quando h incerteza sobre a sua capacidade. Eles esto se referindo a ciclos polticos com base em manipulao oramentria (ciclos polticos oramentrios), para os quais os eleitores possuem informao imperfeita sobre as caractersticas relevantes dos polticos potenciais, e o que parece ser artifcio (expanses fiscais oportunistas) produz efeitos porque os eleitores so levados a gerar informaes relevantes sobre os candidatos a cargos eletivos (DRAZEN, 2000, p. 100). nestas circunstncias que eleitores racionais permitem ser influenciados pela manipulao do oramento promovida com fins eleitoreiros.

    Assim, Rogoff (1990, apud ALESINA, COhEN e ROUBINI, 1991, p. 7) apresenta um modelo no monetrio focado nas despesas governamentais de consumo (ou transferncias) e nos investimentos, cuja sinalizao toma a forma de aumentos pr-eleitorais nas despesas de consumo e transferncias imediatamente visveis, e de cortes nas despesas de investimentos. O autor argumenta que, embora a queda no investimento seja nociva produtividade e eficincia, estes resultados so observveis pelos eleitores apenas posteriormente, o que possibilita o surgimento de ciclos oramentrios por meio de distores na alocao de recursos entre os programas de gastos pblicos. Esta ideia, porm, foi formalizada anteriormente por Rogoff e Sibert (1986, p. 5), os quais partem do pressuposto de que todos os governantes so requisitados a fornecer um dado nvel de bens e servios pblicos ou transferncias, G , chegando seguinte restrio oramentria:

    ++= G (1)onde a competncia do governo, so os impostos diretos (ou

    transferncias, se negativos) e representa a receita de senhoriagem (levantada sob o custo de distores na economia).

  • 229Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    Os bens e servios devem ser financiados com o mnimo possvel de recursos pblicos, pois se presume que o governo mais competente requer o mnimo de receita para entregar G sociedade (ROgOFF e SIBERT, 1986, p. 5).

    Para Alesina, Roubini e Cohen (1997, p. 30), uma interpretao alternativa considera o dficit oramentrio, em vez de senhoriagem, e a implicao emprica de o perodo pr-eleitoral apresentar um nvel de tributao abaixo do eficiente e um nvel de inflao acima do timo seria: no ano da eleio, deve-se observar menor tributao e maiores dficits. A partir disto, Rogoff (1987, p. 3) estabelece uma funo produo dos bens pblicos, dada por:

    tttt kg +=+ +1 (2)onde

    tg representa os bens pblicos de consumo, 1+tk o investimento no perodo t que se torna visvel no perodo 1+t , e t e t so as duas variveis insumo dentro do processo de produo de bens pblicos;

    tg e t so observados contemporaneamente pelos eleitores, mas estes apenas formam inferncias sobre os gastos com investimento ( k ) e a competncia do mandatrio ( ), confirmando-as apenas no perodo seguinte s eleies ( 1+t ).

    Rogoff (1987, p. 6) prope que todos os agentes, incluindo o governante, compartilham a mesma funo utilidade, com a diferena de que o titular do cargo pblico desfruta de uma renda adicional, conhecida como ego rents. Assim, a funo utilidade do governador pode ser interpretada como o governante pondo algum peso no bem-estar social (o que o inclui como cidado comum) e algum peso na renda que ele aufere como chefe do executivo.

    A partir do modelo de ciclo oramentrio originalmente proposto por Rogoff e Sibert (1988), o trabalho de Persson e Tabellini (1990) props uma simplificao (REIChENvATER, 2007, p. 4). O modelo, baseado em expectativas racionais, foi desenvolvido num ambiente keynesiano, com preos no totalmente flexveis, havendo a possibilidade de um trade-off de curto prazo entre inflao e desemprego. Dessa forma, o governante tenta mostrar-se competente buscando, por meio da poltica monetria, reduzir o desemprego para aqum da sua taxa natural sem precipitar o nvel de preos (PREUSSLER, 2001, p. 29).

    Em suma, os modelos oportunistas racionais (oramentrios ou baseados na curva de Phillips) preveem manipulaes de curto prazo do oramento ou da poltica monetria no perodo imediatamente antes e depois da eleio.

    2.3 Ciclo poltico partidrio tradicional

    Considerando-se que a teoria tradicional dos ciclos polticos se apoiou em fraca evidncia emprica, tendo sido inclusive rejeitada por diversos autores que usaram dados dos Estados Unidos ps-Segunda guerra Mundial, vrios estudos empricos

  • planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010230

    passaram a focar a teoria partidria de poltica macroeconmica. Ao propor esta abordagem, hibbs (1977), categorizando os partidos polticos como sendo de esquerda ou de direita, alegou que o Partido Democrata dos Estados Unidos e os partidos socialistas da Europa so mais avessos ao desemprego e menos inflao que o Partido Republicano dos Estados Unidos e os partidos conservadores da Europa (ALESINA e SAChS, 1986, p. 3). Alesina (1988, p. 16) afirma que estas hipteses foram testadas nos Estados Unidos por hibbs (1987) a partir de um modelo baseado numa curva de Phillips, mas sem se considerarem as expectativas racionais, o que seria o modelo partidrio tradicional. Assim, as formulaes da curva de Phillips e das expectativas de inflao so as mesmas que no caso do modelo oportunista tradicional, embora seja abandonada a hiptese de que os polticos so iguais.

    Este modelo implica que diferentes partidos escolhem diferentes pontos da curva de Phillips, optando entre combinaes que representam um maior (partidos de direita) ou menor (partidos de esquerda) nvel de desemprego, com os respectivos desdobramentos sobre o crescimento do produto e a inflao (ALESINA e ROUBINI, 1990, p. 8).

    Os eleitores, por sua vez, tambm tm uma viso retrospectiva neste caso, pois olham para a situao da economia e, baseados nas suas preferncias, favorecem um partido ou outro. No entanto, no usam as suas observaes do passado para fazer previses racionais do futuro (ALESINA, ROUBINI e COhEN, 1997, p. 49).

    Tendo em vista que os partidos de esquerda so mais avessos ao desemprego e menos inflao que os de direita, o desemprego permanentemente menor e a inflao e o crescimento so permanentemente maiores com partidos de esquerda no poder que com governantes de direita (ALESINA, ROUBINI e COhEN, 1997, apud JULA e JULA, 2007, p. 3).

    2.4 Ciclo poltico partidrio racional

    Dando continuidade s pesquisas sobre manipulao eleitoral, Alesina (1987) e Alesina e Sachs (1988) apresentaram um modelo embasado na viso partidria, mas contrrio literatura ento vigente neste assunto, pois contava com expectativas racionais e voltadas para o futuro. Neste modelo macroeconmico, a economia tambm caracterizada por uma curva de Phillips, mas numa verso especfica para contratos de salrios nominais, cujos reajustes acompanham, com atraso, a evoluo da inflao.

    Segundo Alesina e Roubini (1990, p. 9), para que este modelo gere um ciclo poltico, deve-se supor que os contratos de trabalho so assinados em intervalos discretos (os quais no coincidem com a durao do mandato eletivo), e que os resultados da eleio so incertos em razo dos choques contra as preferncias dos eleitores (adoo de polticas inesperadas).

  • 231Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    O modelo pressupe que as expectativas sobre a inflao e a poltica monetria so baseadas na mdia das polticas que, espera-se, sero seguidas pelos partidos uma vez eleitos, de forma que a possibilidade de vitria de um ou outro partido faz com que as previses no sejam suficientemente boas para evitar surpresas. No entanto, estas surpresas no perpassam todo o mandato eletivo, desaparecendo to logo os eleitores ajustem as suas expectativas (ALESINA e ROUBINI, 1990, p. 9).

    Adicionalmente, admite-se que os eleitores so prospectivos (voltados para o futuro), conhecem as funes objetivo dos dois partidos, bem como as suas polticas (metas de inflao). Baseados nas suas preferncias, votam no partido que entrega a maior utilidade esperada (ALESINA, ROUBINI e COhEN, 1997, p. 55).

    2.5 Ciclo poltico situacional

    Outro problema terico dos ciclos polticos est na possibilidade de unir os modelos partidrio e oportunista. O resultado foram os modelos dependentes do contexto. Nestes modelos, a extenso com que os polticos controlam resultados macroeconmicos ou polticas pode variar significativamente, dependendo de circunstncias especficas. Assim, deve-se esboar uma funo popularidade e uma funo poltica. A funo popularidade expressa um suporte partidrio como uma funo de taxas de desemprego, inflao e crescimento econmico, enquanto a ltima incorpora as preferncias ideolgicas responsivas do governo do mandatrio. Elas sugerem que polticos partidrios, quando no poder, se tornam oportunistas com a aproximao das eleies se eles so relativamente impopulares. Se a popularidade atual do governante excede a crtica, o governante mantm um supervit de popularidade; se sua popularidade cai abaixo do nvel da crtica, o governante ostenta um dficit de popularidade; o primeiro cenrio motiva o governante a agir ideologicamente, enquanto o segundo, oportunistamente (FREY e SChNEIDER, 1978, apud JULA e JULA, 2007, p. 4).

    Sobre o embate entre maximizar votos e seguir a ideologia partidria, Przeworski e Sprague (1986, apud BORSANI, 2000, p. 46) afirmam que a necessidade de manter o apoio de suas bases sociais faz com que muitas vezes no seja fcil para um partido pensar somente na maximizao do voto, e que por mais que esta seja a vontade dos seus dirigentes, difcil atrair significativamente os votos do centro poltico, o qual geralmente concentra a maioria do eleitorado. No entanto, o processo centrpeto em busca dos eleitores moderados no culmina necessariamente na homogeneidade dos partidos, ressalta Borsani (2000, p. 46) ao mencionar que este fenmeno motiva deslocamentos no espectro ideolgico do partido, de forma a estabelecer um equilbrio entre a disposio de ganhar eleies e a de sustentar os propsitos polticos. Portanto, eminente a necessidade de prudncia ao se combinar caractersticas dos modelos oportunistas e partidrios, sob pena de se subestimar o valor da literatura antecedente e especfica para cada tipo de ciclo poltico.

  • planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010232

    3 ESCOLHA E IMPLICAES DO MODELO DE CICLOS POLTICOS ORAMENTRIOS

    Os ciclos polticos oramentrios, destacados neste artigo, esto inseridos num contexto terico desenvolvido a partir do estudo de diversos sistemas polticos, conforme explanaes anteriores. Tambm se mostrou que a sua modelagem pressupe a manipulao de variveis oramentrias (receitas e despesas) como forma de os mandatrios sinalizarem elevada competncia no perodo pr-eleitoral, bem como que esta sinalizao toma a forma de aumentos pr-eleitorais nas despesas de consumo e transferncias imediatamente visveis e de cortes nas despesas com maior prazo de maturao, a exemplo dos investimentos.1 Agora, faz-se mister enfatizar as razes da escolha destes modelos.

    A princpio, impute-se que, uma vez que os modelos de ciclos polticos oportunistas com base em manipulao de variveis macroeconmicas (crescimento e desemprego) apresentaram fracos resultados empricos (ALESINA, ROUBINI e COhEN, 1997, p. 254), os modelos de ciclos com base em manipulao oramentria surgiram como uma alternativa para explicar o comportamento dos mandatrios no perodo pr-eleitoral (DRAZEN, 2000, apud JULA e JULA, 2007, p. 5), o que j constitui uma importante razo para adot-los neste trabalho. Mas tambm vale ressaltar o fato de o estado do Cear ser um ente subnacional, no detentor, portanto, de poder sobre polticas macroeconmicas. Tal limitao torna sobremaneira mais atraente, para o mandatrio de um ente subnacional, a tentativa de manipular o oramento quando a questo garantir a manuteno do poder ao longo de vrios mandatos eletivos.

    Ademais, acreditar, a despeito das demais teorias, que so os ciclos polticos oramentrios o padro de comportamento mais provvel de ocorrer quando um mandatrio tenta aumentar as suas chances de reeleio no Brasil, e mais especificamente no Cear, leva em conta os seguintes pressupostos:

    os ciclos polticos oramentrios so ciclos mais simples de serem opera-dos, podendo estar presentes, em maior ou menor grau, mesmo nos casos em que a inteno do mandatrio no perodo pr-eleitoral seja seguir ideologias partidrias ou influenciar os agregados macroeconmicos; e

    a democracia brasileira ainda jovem.

    O ltimo item diz respeito ao efeito do grau da democracia sobre a magnitude da manipulao fiscal. gonzalez (1999, apud DRAZEN, 2000, p. 98)

    1. Foi testada neste trabalho, no entanto, a presena de manipulao oramentria das despesas de investimentos e inverses financeiras, a qual se daria por meio de defasagem no aumento destas despesas em relao ao ano eleitoral. O que se espera que o pico do ciclo dos investimentos e inverses financeiras ocorra no ano pr-eleitoral, visto que os gastos com investimentos (superiores s inverses financeiras) apresentam prazo de maturao mais amplo e devem ser defasados em relao ao ano eleitoral para que o governador acerte o timing do ciclo.

  • 233Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    considera o modelo de ciclo poltico oramentrio originalmente desenvolvido por Rogoff (1990), porm sem um setor monetrio e estendido com duas variveis adicionais: os custos de se remover um poltico do cargo (o grau de democracia) e a transparncia, significando a probabilidade de os eleitores aprenderem a competncia do mandatrio de forma menos custosa, isto , independentemente de sinalizao. Intuitivamente, tem-se que um ciclo eleitoral do tipo oramentrio emerge apenas se o custo de remoo de um poltico do cargo no to alto, e que quanto maior o grau de transparncia, menor o tamanho da distoro oramentria. No entanto, avaliar que as instituies polticas e os prprios eleitores brasileiros ainda no atingiram um grau de maturidade compatvel com um reduzido nvel de manipulao oramentria bastante razovel.

    3.1 O processo de sinalizao de competncia

    Inerente teoria dos ciclos polticos oramentrios, o processo de sinalizao de competncia implica que a manipulao oramentria tambm apontada como uma consequncia da seleo do poltico mais competente, uma vez que este sinaliza maior competncia por meio das polticas adotadas, resolvendo o problema de seleo adversa enfrentado pelos eleitores. Mas vale reproduzir que a competncia no uma varivel escolhida pelo governante, mas uma caracterstica individual, definida como a capacidade de um administrador prover um dado nvel de bens pblicos com um nvel de recursos menor que o demandado por um administrador incompetente (ROgOFF, 1987, p. 4). Sob este ponto de vista, a possibilidade de insucesso na tentativa de reeleio do mandatrio incompetente uma ameaa admissvel.

    Confirmando esse processo de sinalizao, Rogoff (1987, p. 1) argumenta que antes das eleies os impostos tendem a nivelar-se abaixo do nvel timo, e as despesas pblicas acima deste. Conclui que, apesar da percepo popular de que os ciclos polticos oramentrios2 so prejudiciais, este estranho comportamento oramentrio dos polticos mandatrios pode ser um importante mecanismo social para difundir informaes atualizadas sobre suas competncias, permitindo que os eleitores lidem melhor com o problema de seleo que enfrentam. O autor alerta ainda que esforos para mitigar os ciclos polticos oramentrios podem facilmente reduzir o bem-estar, tanto por impedir a transmisso de informao quanto por induzir polticos a selecionar formas de sinalizao mais onerosas para a sociedade.

    Embora se admita alguma virtude do processo de sinalizao de competn-cia por meio da manipulao oramentria, considerando-se, inclusive, o risco da tentativa de mitigar os ciclos polticos oramentrios (ROgOFF, 1987, p. 1),

    2. Por considerar o oramento pblico muito visado pelos mandatrios para fins de manipulao dos resultados eleitorais, o autor acaba sugerindo essa tipologia de ciclo.

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    o comportamento oportunista sobre a execuo oramentria realmente um problema, o qual chega a ser crnico em pases em desenvolvimento. Com isto, a criao de limites constitucionais e de leis especficas com o condo de amenizar eventuais ciclos polticos oramentrios torna-se uma necessidade. No Brasil, a Constituio Federal de 1988, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei no 9.504/97 merecem destaque, mesmo que no possuam o objetivo direto de combater os ciclos polticos.

    A LRF Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000 , por exemplo, estabelece formalidades e condutas procedimentais obrigatrias para os chefes do Executivo, Legislativo e Judicirio. Uma importante restrio imposta diz respeito dvida e endividamento dos entes, os quais passaram a ter um limite mximo para a sua dvida e, consequentemente, restries para a realizao de novas operaes de crdito, sobretudo em anos eleitorais. A menos que se confirme a previso de Rogoff (1987, p. 1), segundo a qual os esforos para mitigar os ciclos polticos oramentrios podem induzir os mandatrios a selecionarem formas de sinalizao mais onerosas para a sociedade, a LRF representa naturalmente prejuzos orquestrao destes ciclos.

    O comportamento oportunista dos mandatrios sobre a execuo oramentria tambm sofre restries da Constituio Federal de 1988, a qual estabelece em seu Artigo 167 a proibio, entre outras, de realizar, em cada exerccio, operaes de crdito que excedam o montante das despesas de capital (conhecida como regra de ouro), salvo lei especfica autorizadora.

    A Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997, conhecida como Lei Eleitoral, por seu turno, probe aos agentes pblicos condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais. Entre as vedaes, destaca-se a proibio de realizar transferncias voluntrias nos trs meses antecedentes ao pleito.

    Novamente, lembre-se que os mecanismos mencionados no tm a inteno de banir o comportamento oportunista dos mandatrios, at porque, para tanto, seria necessrio banir tambm a atuao discricionria dos polticos, o que de certa forma indesejvel.

    4 EVIDNCIAS EMPRICAS NO BRASIL

    Os ciclos polticos realmente existem? Caso existam, quais seriam os principais fatores que conduzem os mandatrios a agirem sistematicamente neste sentido? Para responder a tais perguntas, vem se desenvolvendo uma interessante literatura no Brasil nos ltimos anos. Alguns de seus resultados so apresentados a seguir.

    Bittencourt (2002, p. 119) especificou um modelo com um grupo de trs variveis dummies, 1T , 2T e 3T , as quais representam as diferentes fases do ciclo

  • 235Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    eleitoral a partir daquele que seria o ano eleitoral ( 0T ). A ideia bsica foi captar uma possvel variao sistmica na execuo oramentria entre o ano da eleio e os demais anos de um mandato de quatro anos, de forma que a presena de tais padres indicaria a ocorrncia de ciclos polticos oramentrios. Destarte, analisando-se as diversas variveis oramentrias dependentes (receitas tributrias, comunicaes, educao e cultura, defesa nacional e segurana pblica, transporte etc.) e os parmetros estimados para as dummies do modelo proposto, o referido autor concluiu que: i) no se pode afirmar a ocorrncia de reduo na arrecada-o tributria em perodos prximos s eleies; ii) a despesa pblica, no geral, claramente afetada pela proximidade das eleies; iii) o padro do ciclo no de contrao da despesa no incio do mandato e recuperao contnua at a eleio, de forma que este padro, caso exista, parece ser dado por um vale no segundo ano do mandato; e iv) nas despesas nas quais os efeitos sobre o bem-estar da populao apresentam defasagem, o comportamento da varivel oramentria ao longo dos mandatos diferente do comumente verificado. O autor no conclusivo quanto ao efeito sobre as despesas da identificao poltica entre as esferas nacional e subnacional, pois enquanto algumas despesas cresceram com a coalizo poltica, outras decresceram significativamente.

    Num estudo sobre a relao entre flutuaes econmicas e calendrio eleitoral no Brasil, Salvato et al. (2007, p. 14) usaram a seguinte equao para analisarem de forma independente a evoluo da srie temporal da despesa pblica:

    ttt uuPPSEPPREdespesad ++++= 11)(ln (3)onde tdespesad )(ln a taxa de crescimento do ndice real da despesa

    pblica, PPRE e PPSE so, respectivamente, variveis dummies para captar a manipulao pr-eleitoral e ps-eleitoral, 1 o parmetro do componente da mdia mvel, e tu a perturbao estocstica.

    Para esta especificao foi encontrada significativa evidncia de oportunismo poltico sobre a taxa de crescimento da despesa governamental, mas apenas para o perodo ps-eleitoral, cujo sinal negativo do coeficiente indica que a taxa de crescimento do gasto pblico tende a diminuir para amenizar as presses inflacionrias surgidas pelas polticas expansionistas implementadas com fins eleitoreiros.

    Ao analisar componentes especficos do oramento dos estados brasileiros no perodo de 1986 a 2004, Nakaguma (2006, p. 21) evidenciou a presena de ciclos bem definidos na receita oramentria (receita tributria, transferncias correntes e receita de capital), caracterizados por fortes elevaes durante os anos eleitorais e quedas acentuadas nos ps-eleitorais. O autor salienta que o aumento da receita tributria nos anos eleitorais entra em contradio direta com a teoria e com a evidncia emprica internacional, ressalvando que parcela da composio das

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    receitas tributrias advm de transferncias voluntrias da Unio para os estados, cujo aumento generalizado em anos eleitorais justificaria esta elevao. De fato, as transferncias voluntrias recebidas so absolutamente distintas das receitas tributrias, mas, para todos os efeitos, a literatura j admite tal comportamento de crescimento da arrecadao tributria com as proximidades das eleies, conforme se depreende de Schuknecht (1998, apud BITTENCOURT, 2002, p. 94), o qual sugere que nos pases em desenvolvimento muito mais eficiente aumentar os gastos pblicos que cortar os impostos para afetar o comportamento do eleitor.

    Ainda segundo Nakaguma (2006, p. 26), a LRF acarretou, entre outras con-sequncias, acentuada reduo nas despesas de capital. Trata-se de uma evidncia de que o ajuste fiscal induzido pela LRF tambm recaiu fortemente sobre o nvel de investimento dos estados. Outro resultado interessante do autor (2006, p. 26) indica que a Emenda Constitucional (EC) no 16, de 4 de junho de 1997, sobre a reeleio, influenciou substancialmente o inchao das despesas pblicas por parte dos gover-nadores candidatos reeleio em comparao aos no candidatos, demonstrando que a nova lei introduziu um estmulo adicional para as manipulaes eleitorais.

    Este resultado acerca da possibilidade de reeleio, no entanto, vai de encontro controversa concluso de Menegrin (2002, p. 148) de que quanto maiores forem as chances de o governador se perpetuar no cargo por meio de mandatos subsequentes, mais cautela ele ter com relao aos dficits estaduais. O autor sugere, portanto, que o instituto da reeleio tem esta externalidade positiva sobre as contas pblicas, o que um resultado oposto quele previsto pela teoria dos ciclos econmicos de origem poltica (political business cycles).

    Ferreira e Bugarin (2007, p. 276) testam, por meio de dummies que identificam o alinhamento poltico entre prefeitos e governadores, e entre prefeitos e o presidente da Repblica, a hiptese de que as transferncias voluntrias para os municpios so superiores em presena de alinhamento poltico entre os prefeitos e os governos estadual e federal. O estudo encontrou correlaes positivas entre o alinhamento poltico de prefeitos com as coligaes que elegeram os governadores e as transferncias voluntrias recebidas pelos municpios. Tambm evidenciou correlao positiva entre o alinhamento poltico de prefeitos com o presidente da Repblica (indicado pela coincidncia de partidos) e as transferncias voluntrias. Os autores concluem (2007, p. 277) que a significncia destas variveis de motivao poltica sugere a necessidade de um modelo estendido para estudar o ciclo poltico oramentrio em federaes fiscais, como a brasileira, levando em considerao as transferncias politicamente motivadas.

    Ainda sobre os municpios brasileiros, Sakurai (2009, p. 50) buscou evidncias de ciclos eleitorais nas suas funes oramentrias, entre os anos de 1990 a 2005, a partir da utilizao de dummies com valor um para os anos eleitorais,

  • 237Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    e zero para os demais. Entre outras funes analisadas, os resultados indicaram que o fenmeno dos ciclos eleitorais observado de forma mais expressiva nas funes sade e saneamento, habitao e urbanismo, assistncia e previdncia, e transporte. Sakurai (2009, p. 49) tambm observou empiricamente que algumas funes sofreram redues nos valores executados aps a vigncia da LRF, tais como sade e saneamento, habitao e urbanismo e transporte. No entanto, outras funes sofreram acrscimos, de tal forma que a referida lei pode ter provocado no somente uma reduo das despesas totais, mas tambm um efeito composio dos gastos realizados pelos municpios brasileiros.

    Na tentativa de sinalizar o oportunismo poltico nos instrumentos de poltica fiscal por parte dos governadores de Minas gerais, Neto, Fontes e Lima (2003, p. 8) procederam a um estudo economtrico das variveis receita total e despesa total do estado no perodo de 1981 a 2002, usando uma varivel dummy para captar a manipulao da execuo oramentria nos anos de eleio, a qual assumiria valor um nos anos de eleio, e zero nos demais. Por um lado, no caso da receita total, o coeficiente foi estatisticamente significativo a 1% e apresentou sinal negativo, o que um indicativo de reduo das despesas em anos eleitorais. Por outro lado, a despesa total teve coeficiente significativo a 5% e sinal positivo, ou seja, as despesas aumentam em anos eleitorais.

    Ferreira (2006, p. 7) resolve um jogo eleitoral para o caso em que existe informao perfeita sobre a competncia dos atuais representantes polticos, e encontra como principal resultado que, mesmo sob a tica da informao completa, as transferncias politicamente motivadas podem constituir uma frico suficientemente forte para mudar o comportamento dos eleitores no sentido de alterar sua escolha, levando-os a reeleger um mandatrio incompetente (ou eleger um poltico incompetente do mesmo partido) ao invs de troc-lo por um representante de maior competncia esperada (adversrio poltico do mandatrio). O autor (2006, p. 8) acrescenta que, num contexto de informao assimtrica sobre a real competncia do titular, os ciclos polticos oramentrios podem at ser ampliados, quando o alinhamento poltico do prefeito com o governador aumentar as possibilidades de distoro da poltica fiscal escolhida pelo atual representante dos eleitores. Dessa forma, a seleo do poltico com choque de competncia mais favorvel, um resultado positivo associado aos ciclos polticos oramentrios obtidos em Rogoff (1990), pode ser quebrada em razo das transferncias voluntrias politicamente motivadas dos estados aos municpios, de sorte que o problema de seleo adversa do eleitor no resolvido.

    Os resultados da regresso a partir do modelo proposto por Ferreira (2006, p. 12), por sua vez, demonstram uma correlao positiva entre o alinhamento polti-co de prefeitos e governadores e as transferncias recebidas pelos municpios.

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    Quanto relao entre o alinhamento poltico entre prefeitos e presidente da Repblica e as transferncias recebidas, o autor (2006, p. 12) no encontra um resultado estatisticamente significante.

    As evidncias apresentadas esto, conforme o caso, reportadas no captulo referente aos resultados, relacionando-as. A seguir, encontra-se a metodologia utilizada para a apurao dos resultados.

    5 METODOLOGIA

    Partindo-se do objetivo principal deste artigo, qual seja, testar a existncia de ciclos polticos oramentrios durante os mandatos dos governos estaduais do Cear no perodo de 1986 a 2006, foi desenvolvida, alm do modelo economtrico, uma anlise do comportamento de ndices criados a partir da execuo oramentria das mesmas variveis selecionadas para o referido modelo, mas sempre com a inteno de detectar comportamentos oportunistas dos mandatrios sobre a execuo oramentria.

    A LRF, cuja finalidade precpua a transparncia na gesto fiscal, mas tambm intende, mesmo que indiretamente, amenizar os ciclos polticos, foi avaliada, por meio de ndices de execuo oramentria, quanto a seus impactos nos nveis de receita e despesa em anos eleitorais. O que se pretende observar um possvel resultado contraproducente da LRF: ter contribudo para que os governadores buscassem meios ainda mais custosos de sinalizao de competncia no perodo pr-eleitoral, sofisticando e exacerbando o comportamento cclico da execuo oramentria, no sentido de que esta execuo, em anos eleitorais, tenha sido ainda maior no perodo ps-LRF. Tal comportamento seria decorrente da preocupao do governador em atender s novas restries fiscais, mas sem comprometer o processo de sinalizao de competncia no perodo pr-eleitoral.

    Da mesma forma, avaliou-se o resultado da permissibilidade da reeleio. Mesmo admitindo-se previamente que tal instituto no tem a inteno de amenizar os ciclos polticos, pertinente supor que a reeleio aprovada por meio da EC no 16, de 4 de junho de 1997, que a permite para um nico mandato subsequente tambm tenha exacerbado o comportamento cclico da execuo oramentria.

    Parte da discusso dos pargrafos anteriores pertinente questo levantada por Rogoff (1987, p. 2), segundo o qual esforos para mitigar os ciclos polticos oramentrios podem facilmente reduzir o bem-estar, tanto por impedir a transmisso de informao quanto por induzir polticos a selecionarem formas de sinalizao mais onerosas para a sociedade. No caso do Cear, o que se pretende verificar se a LRF e a possibilidade da reeleio acabaram por onerar o processo de sinalizao de competncia do mandatrio por meio dos gastos pblicos.

  • 239Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    Em relao ao tratamento economtrico, analisou-se o comportamento de grupos de receitas e despesas oramentrias. Estas variveis foram consideradas dependentes e organizadas em modelos cujas especificaes permitiram que fossem explicadas individualmente pelas independentes. Estas ltimas compem-se basicamente de variveis dummies para captar o comportamento oportunista do mandatrio durante a execuo oramentria, e possibilitaram, portanto, definir a existncia ou no de ciclos polticos oramentrios. A seguir, esto descritos os comportamentos capturados pelas dummies.

    No primeiro modelo, optou-se por utilizar um grupo de trs variveis dummies representativas das diferentes fases do ciclo a partir do ano da eleio ( 0t ), conforme adotado em Bittencourt (2002, p. 87). Cada ano do mandato eletivo tem uma identificao: 1t para o ano ps-eleitoral, 2t para o ano intermedirio e 3t para o ano pr-eleitoral. Estas variveis as quais assumem valor um para o ano a que se referirem, e zero para os outros servem para detectar o desnivelamento das variveis dependentes entre o ano da eleio e os demais, com os coeficientes negativos indicando um nvel inferior em relao ao ano eleitoral e os positivos indicando um nvel superior. Dessa forma, o primeiro modelo utilizado para estimar as regresses apresenta a seguinte especificao geral:

    tttt tttBudBud +++++= 332211110 (4)

    onde tBud representa uma das diversas variveis oramentrias, 1tBud , a varivel oramentria defasada, e t , os resduos do modelo.

    Conforme Nakaguma (2006, p. 13), o intuito de defasar a varivel depen-dente justamente captar a estrutura dinmica da poltica fiscal, e sua justificativa terica reside na possvel existncia de custos polticos de ajustamento, os quais impediriam os gastos pblicos de se alterarem otimamente de um perodo para o outro. gujarati (2006, p. 533) ainda expe motivos psicolgicos, tecnolgicos e institucionais como razes para as defasagens, ressaltando que elas ocupam um papel central na economia, nos mtodos de curto e de longo prazo.

    Uma vez observados os comportamentos oportunistas ao longo dos mandatos eletivos, alguns estudos e observaes complementares para o refinamento dos resultados se mostram importantes, tais como a verificao de alteraes nos nveis de execuo das receitas e despesas em funo da coalizo poltica entre os entes nacional e subnacional.

    Assim, para analisar-se a influncia da coincidncia de orientao poltica entre a esfera federal e estadual sobre possveis manipulaes do oramento, criou-se um modelo com as dummies 0* tsame e 3* tsame , assumindo, no caso da primeira, valor um numa situao de coalizo poltica entre os dois entes no ano eleitoral e zero nas demais, e, no caso da segunda, valor um numa situao de

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    coalizo poltica entre os dois entes no ano pr-eleitoral e zero nas demais. Estas dummies tm a tarefa de indicar se a influncia desta coincidncia de orientao sobre a varivel dependente significativa em cada um dos dois ltimos anos do mandato, a ponto de colocar o oponente do mandatrio numa imensa desvantagem no tocante sinalizao de competncia.

    A fim de se verificar se a competitividade do oponente do mandatrio influencia os resultados oramentrios no sentido de reforar os ciclos, foi inse-rida, ainda, a dummy 0* tcompet , cuja finalidade mostrar se medida que o mandatrio (ou aliado) v suas chances de reeleio esvarem-se, ele torna-se menos preocupado com o legado ao sucessor, distorcendo ainda mais as variveis oramentrias. Este assunto remete discusso sobre modelos de ciclos polticos situacionais ou dependentes do contexto outrora comentados. Para mensurar o comportamento inerente aos ciclos, foram utilizados os resultados das eleies, a partir do pressuposto de que o mandatrio que no obteve sucesso nas urnas, via reeleio ou sucessor do mesmo partido ou coalizo, provocou mais distoro no ano eleitoral. Assim, a varivel assume valor um quando o ano for eleitoral e o mandatrio (ou aliado) no obtiver xito na eleio, e zero nos demais casos.

    Contudo, o segundo modelo especificado a seguir:

    tttt utcompettsametsameBudBud +++++= 033201110 *** (5)

    As variveis oramentrias dependentes analisadas, pelo lado da receita, foram receita tributria e transferncias de capital recebidas. Pelo lado da despesa, foram consideradas a varivel investimentos e inverses financeiras e as despesas por funo, quais sejam, educao e cultura, sade e saneamento, habitao e urbanismo e transporte. De forma geral, espera-se que estas variveis apresentem nveis de execu-o superiores nos anos eleitorais, podendo ocorrer gradao ao longo do mandato eletivo, e que as coalizes polticas entre o governo federal e estadual contribuam para incrementar a execuo oramentria nos anos eleitoral e pr-eleitoral.

    O mtodo utilizado para estimar as regresses foi o de mnimos quadrados ordinrios (MQO), a partir de uma amostra de 21 observaes anuais, a qual compreende quatro mandatos eletivos completos.3 Utilizou-se o mtodo de Newey-West para a estimao dos parmetros com erros robustos ao problema de no-constncia da varincia do erro.

    A obteno dos dados se deu a partir de fontes secundrias, sobretudo o stio da Secretaria do Tesouro Nacional (STN),4 no qual esto disponibilizados os dados da execuo oramentria. Quanto s variveis polticas, foi realizada

    3. O MQO apresenta bom desempenho mesmo no caso de pequenas amostras.

    4. disponvel em: < http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estatistica/est_estados.asp >. Acesso em: 12 maio 2009.

  • 241Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    pesquisa junto a stios eletrnicos diversos: do gabinete do governador do estado do Cear,5 da Presidncia da Repblica,6 do Tribunal Regional Eleitoral do Cear (TRE-CE)7 e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).8 Todos os dados de execuo oramentria utilizados neste trabalho esto em mil reais e em valores constantes de dezembro de 1995.

    6 RESULTADOS

    Esta seo, por uma questo de convenincia e organizao, foi dividida em duas partes, uma contendo a anlise do comportamento de ndices criados a partir da execuo oramentria das variveis selecionadas, e outra abrangendo a interpretao das regresses dos dois modelos especificados anteriormente.

    6.1 Efeitos da EC no 16 e da LRF

    Dada a possibilidade de a LRF ter ocasionado um resultado contraproducente, ou seja, ter contribudo para que os governadores buscassem meios ainda mais custosos de sinalizao de competncia no perodo pr-eleitoral, e em virtude da suposio de que a permissibilidade da reeleio tenha exacerbado o comportamento cclico da execuo oramentria, os dados dos cinco mandatos eletivos completos abrangidos pela amostra das variveis oramentrias selecionadas para o caso do estado do Cear foram transformados em ndices, como uma forma de permitir uma melhor comparabilidade ao longo dos anos. Assim, os dados do oramento de cada ano para a receita tributria e para as transferncias de capital recebidas foram divididos pela respectiva receita total, ao passo que os dados referentes a investimentos e inverses financeiras, educao e cultura, habitao e urbanismo, sade e saneamento e transporte foram divididos pela respectiva despesa total. A partir dos ndices encontrados chegou-se s concluses a seguir.

    1. No terceiro mandato (1995-1998), as variveis transferncias de capital recebidas, investimentos e inverses financeiras, habitao e urbanismo e transporte apresentaram maior ndice no ano eleitoral, e, ainda, a va-rivel educao e cultura apresentou ndice relativamente alto. A receita tributria no terceiro mandato, por seu turno, apresentou menor ndice no ano eleitoral.

    2. No quarto mandato (1999-2002), nenhuma das variveis apresentou pico no ano eleitoral.

    5. disponvel em: < http://www.gabgov.ce.gov.br/threepointsweb_utils_example >. Acesso em: 15 maio 2009.

    6. disponvel em: < http://www.presidencia.gov.br/info_historicas/ >. Acesso em: 15 maio 2009.

    7. disponvel em: < http://www.tre-ce.gov.br/index.php >. Acesso em: 15 maio 2009.

    8. disponvel em: < http://www.tse.gov.br/internet/index.html >. Acesso em 15 maio 2009.

  • planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010242

    3. No quinto mandato (2003-2006), enfim, trs variveis apresentaram maior ndice no ano eleitoral: transferncias de capital recebidas; investi-mentos e inverses financeiras; e sade e saneamento. Receita tributria e educao e cultura mostraram-se bastante homogneas.

    A Emenda Constitucional da reeleio, de 4 de junho de 1997, j estava em vigor a uma altura razovel do terceiro mandato (decorrido de 1995 a 1998), bem como j surtia efeitos quando da transio para o seguinte. Assim, a permissibilidade da reeleio constitui-se em uma explicao plausvel, no respectivo ano eleitoral (1998), para, por um lado, o baixo nvel da receita tributria e, por outro, o aumento das transferncias de capital recebidas e das despesas de investimentos e inverses financeiras, habitao e urbanismo e transporte. Saliente-se que o ento governador do estado do Cear concorreu reeleio e obteve xito. Tudo isto coerente com a hiptese, restritamente ao terceiro mandato, de que a possibilidade de reeleio do mandatrio provoca a exacerbao da manipulao oramentria, o que condizente com o resultado de Nakaguma a este respeito (2006, p. 26), apresentado anteriormente.

    A vigncia da LRF, desde 4 de maio de 2000, j abrange mais da metade do quarto mandato (1999-2002). Buscou-se detectar se esta lei apresentou um resultado contraproducente, qual seja, meios mais custosos de sinalizao de competncia do mandatrio. Mas, como se depreende das observaes efetuadas, no possvel confirmar esta hiptese, exatamente porque a execuo oramentria mostrou-se mais homognea a partir do quarto mandato. Dessa forma, a LRF parece estar, na verdade, contribuindo para amenizar os ciclos polticos oramentrios, conforme mostraram Sakurai (2009, p. 50) e Nakaguma (2006, p. 26).

    Por fim, ressalte-se que, embora o instituto da reeleio tenha gerado, no quarto e quinto mandatos, alguns efeitos, estes foram dominados pelos efeitos agregadores da LRF. Alm disso, mais seguro afirmar que a reeleio tenha exacerbado a manipulao oramentria conforme previsto pela teoria dos ciclos econmicos de origem poltica que apresentado uma externalidade positiva sobre as contas pblicas conforme a polmica concluso de Menegrin (2002, p. 148).

    6.2 Anlise das estimaes

    A princpio, a observao geral dos resultados obtidos nesta seo aponta que empiricamente h evidncias da existncia de ciclos polticos oramentrios durante os mandatos dos governos estaduais do Cear no perodo de 1986 a 2006. Muitos dos coeficientes foram estatisticamente significantes aos nveis de 1%, 5% ou 10% e apresentaram sinais coerentes com a teoria.

    Comeando-se com as estimativas das regresses do primeiro modelo apresentado na metodologia, foram obtidos os resultados da tabela 1 para os grupos receita tributria, transferncias de capital recebidas e investimentos e inverses.

  • 243Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    No tocante receita tributria, v-se a presena de um pico no ano da eleio ( 0t ), tendo em vista que todos os coeficientes das dummies se apresentaram negativos. Isto significa que, na mdia, a receita tributria foi maior no ano eleitoral. Este comportamento coaduna com a previso de Schuknecht (1998, apud BITTENCOURT, 2002, p. 94), de que nos pases em desenvolvimento muito mais eficiente aumentar os gastos pblicos que cortar os impostos para afetar o comportamento do eleitor.

    TABELA 1

    Resumo das regresses para a receita tributria, transferncias de capital recebidas e investimentos e inverses, com dummies anuais como variveis independentes

    Variveisreceita tributria

    Transferncias de capital

    Investimentos e inverses

    C169.678,42

    (0,0143)**

    77.126,86

    (0,1199)

    205.138,71

    (0,0617)***

    1tBud0,97

    (0,0000)*

    0,38

    (0,1333)

    0,77

    (0,0000)*

    t1-152.083,38

    (0,0092)*

    -46.736,96

    (0,2497)

    -178.948,96

    (0,0793)***

    t2-112.923,68

    (0,0890)***

    -73.986,41

    (0,1138)

    -159.509,59

    (0,1304)

    t3-115.705,59

    (0,0369)**

    -8.967,71

    (0,8695)

    -123.490,86

    (0,2590)

    Prob (Estatstica F) 0,0000 0,1735 0,0018

    Elaborao dos autores.Obs.: Significncia a 1% indicada por *; significncia a 5%, por **; e significncia a 10%, por ***. O p-valor est indicado

    entre parnteses nos coeficientes.

    As transferncias de capital recebidas tambm foram superiores, em mdia, no ano eleitoral ( 0t ). Entretanto, embora os coeficientes das dummies tenham apresentado sinais e magnitudes coerentes com a teoria dos ciclos polticos oramentrios mostraram-se negativos, o que indica um nvel bastante superior destas transferncias no ano eleitoral , eles no so significantes, ou seja, estatisticamente so iguais a zero.

    Os investimentos e inverses apresentaram o menor nvel de execuo oramentria no ano ps-eleitoral ( 1t ), com recuperao gradativa at o ano eleitoral ( 0t ), sendo este tambm o de maior nvel de execuo. Os coeficientes das dummies 2t e 3t , porm, no so estatisticamente significantes. Diferentemente das duas variveis anteriores, o que se esperava, na verdade, que o pico do ciclo dos investimentos e inverses financeiras ocorresse no ano pr-eleitoral ( 3t ), porquanto os gastos com investimentos apresentam prazo de maturao mais amplo e devem ser defasados em relao ao ano eleitoral para que o governador acerte o timing do ciclo. Uma possvel razo para este deslocamento do pice do ciclo (de 3t para 0t ) reside no fato de as inverses financeiras estarem agregadas aos investimentos,

  • planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010244

    uma restrio imposta pela fonte dos dados da pesquisa. Conforme foi visto ainda na introduo deste trabalho, as inverses financeiras so representadas por dotaes oramentrias destinadas aquisio de imveis ou bens de capital j em utilizao e, uma vez que seu impacto para a sociedade substancialmente mais imediato que uma deciso de investimento, reduzem a necessidade de o governador defasar os gastos para influenciar a deciso do eleitor.

    Os resultados das regresses do primeiro modelo para as despesas por funo esto reportados na tabela 2.

    TABELA 2

    Resumo das regresses para as despesas por funo, com dummies anuais como variveis independentes

    Variveis Educao e cultura

    Sade e saneamento

    habitao e urbanismo

    Transporte

    C57.313,34

    (0,2751)64.281,00(0,2426)

    27.574,84 (0,0057)*

    61.849,80 (0,0150)**

    1tBud0,98

    (0,0000)*0,88

    (0,0001)*0,51

    (0,0187)**0,64

    (0,0000)*

    t1-60.985,35

    (0,1837)-67.949,42

    (0,3458)-12.372,36

    (0,3589)-44.235,91

    (0,1879)

    t2-84.300,69

    (0,0316)**-22.389,21

    (0,7410)-13.064,06

    (0,2000)-51.746,94

    (0,0788)***

    t326.042,53 (0,5102)

    30.226,95 (0,6948)

    -94.951,32(0,5379)

    -29.179,49 (0,1568)

    Prob (Estatstica F) 0,0000 0,0228 0,1576 0,0234

    Elaborao dos autores.Obs.: Significncia a 1% indicada por *; significncia a 5%, por **; e significncia a 10%, por ***. O p-valor est indicado

    entre parnteses nos coeficientes.

    Como se pode observar, a dummy 2t da funo educao e cultura apresentou, a um nvel de 5%, coeficiente estatisticamente significante, cujo sinal e valor apontam que o ano intermedirio do mandato eletivo ( 2t ) o vale do ciclo das despesas com educao e cultura. Ressalte-se, porm, que, embora estatisticamente insignificante, o sinal positivo do coeficiente da dummy 3t indica despesas no ano pr-eleitoral ( 3t ) superiores, em mdia, s do ano eleitoral ( 0t ), um resultado incoerente com a teoria dos ciclos polticos oramentrios.

    Os coeficientes das dummies so estatisticamente iguais a zero (no significantes a 1%, 5% ou 10%) para as funes sade e saneamento e habitao e urbanismo. De qualquer forma, vale salientar que, da mesma forma como ocorreu com a funo educao e cultura, o sinal do coeficiente da dummy 3t para a funo sade e saneamento no est coerente com a teoria dos ciclos polticos oramentrios, pois, enquanto positivo, est indicando que as despesas no ano pr-eleitoral ( 3t ) so superiores, em mdia, s do ano eleitoral ( 0t ).

  • 245Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    A regresso da despesa por funo transporte apresentou despesas superiores, em mdia, no ano eleitoral, uma vez que todos os coeficientes das dummies so negativos. As dummies 1t e 3t apresentaram coeficientes estatisticamente insignificantes, mas o coeficiente da dummy 2t foi significante a um nvel de 10%, cujo sinal e valor apontam o ano intermedirio do mandato eletivo ( 2t ) como o vale do ciclo desta despesa.

    Partindo para as estimativas das regresses do segundo modelo apresentado na metodologia, foram obtidos, para os grupos receita tributria, transferncias de capital recebidas e investimentos e inverses, os resultados mostrados na tabela 3.

    TABELA 3

    Resumo das regresses para a receita tributria, transferncias de capital recebidas e investimentos e inverses, com dummies polticas como variveis independentes

    Variveisreceita tributria

    Transferncias de capital

    Investimentos e inverses

    C91.002,44 (0,3054)

    26.771,77 (0,1633)

    55.741,30 (0,0114)**

    1tBud0,94

    (0,0000)*0,31

    (0,1418)0,71

    (0,0000)*

    same*t038.677,61 (0,3277)

    95.973,10 (0,0014)**

    199.913,79 (0,0027)*

    same*t316.867,03 (0,7424)

    32.199,36 (0,4180)

    54.482,43 (0,2818)

    compet *t0200.143,73 (0,0001)*

    154.869,28 (0,0000)*

    437.052,08 (0,0000)*

    Prob (Estatstica F) 0,0000 0,0122 0,0000

    Elaborao dos autores.Obs.: Significncia a 1% indicada por *; significncia a 5%, por **; e significncia a 10%, por ***. O p-valor est indicado entre parnteses nos coeficientes.

    Depreende-se da tabela 3 que o coeficiente da dummy 0* tcompet para a varivel dependente receita tributria positivo e estatisticamente significante a 1%, indicando que o mandatrio (ou aliado) que no competitivo no ano eleitoral distorce ainda mais a receita tributria. Neste caso, conforme explanado, a distoro no sentido de aumentar a arrecadao no ano eleitoral. Esta motivao situacional do mandatrio se aproxima da teoria dos ciclos polticos situacionais, segundo a qual o mandatrio sente-se mais inclinado a distorcer as variveis econmicas para crescerem as chances de reeleio quando possui um dficit de popularidade, a despeito dos seus apoios polticos e da sua prpria ideologia (FREY e SChNEIDER, 1978, apud JULA e JULA, 2007, p. 4). Os coeficientes das dummies 0* tsame e 3* tsame no so estatisticamente significantes, porm estas dummies no so relevantes para a receita tributria, a qual uma receita prpria e independente de coalizes polticas.

  • planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010246

    As variveis transferncias de capital recebidas e investimentos e inverses financeiras apresentaram resultados coerentes com a teoria dos ciclos polticos oramentrios, com nveis superiores de execuo no caso de no competitividade do mandatrio (ou aliado) no ano eleitoral ( 0t ) e de presena de coalizo poltica entre o governador e o presidente da Repblica, tambm em anos eleitorais. Porm, mesmo considerando-se que estas variveis apresentaram, sob a presena de coalizo poltica, execuo oramentria menor em anos pr-eleitorais que em anos eleitorais, os respectivos coeficientes da dummy 3* tsame (coalizo poltica em anos pr-eleitorais) tambm se mostraram positivos e indicativos de que a no competitividade do mandatrio no ano pr-eleitoral pressiona a execuo oramentria para nveis mais elevados, muito embora os coeficientes no sejam estatisticamente significantes.

    Cumpre ressaltar, ainda, especificamente para as transferncias de capital recebidas em anos eleitorais na presena de coalizo poltica (dummy 0* tsame ), que os resultados observados so condizentes com os de Ferreira (2006, p. 12) e Ferreira e Bugarin (2007, p. 276), os quais encontraram coeficientes positivos e estatisticamente significantes para dummies de deteco do comportamento das transferncias voluntrias entre entes federativos em anos eleitorais. Alm disso, a Lei Eleitoral (Lei no 9.504/97), a qual probe a realizao de transferncias voluntrias nos trs meses antecedentes ao pleito, no parece ter surtido efeito no combate ao avolumado nvel de transferncias de capital recebidas em anos eleitorais no caso do estado do Cear, muitas delas, obviamente, de origem da Unio.

    A tabela 4 apresenta os resultados das regresses do segundo modelo para as despesas por funo. Esta tabela mostra que a despesa com a funo educao e cultura positivamente influenciada pelas coalizes polticas entre o governador e o presidente da Repblica nos anos eleitorais (ver o coeficiente positivo e estatisticamente significante da dummy 0* tsame , justamente indicando maior execuo em anos eleitorais sob a presena de coalizo poltica) e, contraditoriamente teoria, mais ainda nos anos pr-eleitorais (o coeficiente da dummy 3* tsame estatisticamente significante e de maior magnitude que o da dummy 0* tsame ). O coeficiente da dummy apresenta o sinal esperado (positivo) e estatisticamente significante, indicando maior nvel de execuo no caso de no competitividade do mandatrio (ou aliado) no ano eleitoral ( 0t ).

  • 247Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    TABELA 4

    Resumo das regresses para as despesas por funo, com dummies polticas como variveis independentes

    VariveisEducao e cultura

    Sade e saneamento

    habitao e urbanismo

    Transporte

    C26.489,67 (0,5047)

    39.264,08 (0,0995)***

    8.836,28 (0,1958)

    31.847,32(0,0136)**

    1tBud0,90

    (0,0000)*0,77

    (0,0000)*0,59

    (0,0030)*0,53

    (0,0002)*

    same*t093.168,09(0,0179)**

    1.273,78

    (0,9469)22.244,15(0,0003)*

    70.211,45 (0,2173)

    same*t3101.160,26(0,0583)***

    100.113,01

    (0,0073)*22.842,26(0,0172)**

    14.448,84

    (0,6537)

    compet*t0119.632,07(0,0001)*

    335.356,88

    (0,0000)*33.679,41(0,0000)*

    7.431,57

    (0,2125)

    Prob (Estatstica F) 0,0000 0,0000 0,0066 0,0146

    Elaborao dos autores.Obs.: Significncia a 1% indicada por *; significncia a 5%, por **; e significncia a 10%, por ***. O p-valor est indicado

    entre parnteses nos coeficientes.

    A funo sade e saneamento tambm se mostrou influenciada pela presena de coalizes polticas em anos eleitorais e pr-eleitorais, no sentido de que os sinais dos coeficientes so positivos e, portanto, coerentes com a teoria dos ciclos polticos oramentrios. No entanto, as magnitudes dos coeficientes no se mostraram coerentes com a teoria, uma vez que o coeficiente de 3* tsame maior que o de 0* tsame , tal como ocorreu com a educao e a cultura, mas com uma diferena bastante ampliada neste caso. Esta ampla diferena, salvo a hiptese da ocorrncia de muitos investimentos atrelados a esta funo no ano pr-eleitoral, os quais apresentam maior prazo de maturao, , repise-se, contraditria com a teoria. Contudo, ressalte-se que o coeficiente de 0* tsame no significante ou estatisticamente igual a zero. Para o coeficiente da dummy 0* tcompet , repita-se o mesmo em relao funo educao e cultura: apresenta o sinal esperado (positivo) e estatisticamente significante, indicando maior nvel de execuo no caso de no competitividade do mandatrio (ou aliado) no ano eleitoral ( 0t ).

    Por seu turno, a funo habitao e urbanismo possui todos os coeficientes das dummies positivos e estatisticamente significantes. Assim, conclui-se pela coerncia dos seus sinais com a teoria dos ciclos polticos oramentrios, visto que a coalizo poltica entre o estado e a Unio em anos eleitorais e pr-eleitorais e a no competitividade do mandatrio em anos eleitorais promovem uma maior execuo oramentria em tais perodos. Entre os coeficientes das dummies 0* tsame e 3* tsame h, ainda, coerncia de magnitude em relao teoria, pois o coeficiente da primeira maior que o da segunda, ou seja, as despesas com a habitao e o urbanismo em anos eleitorais (sob presena de coalizo) so superiores em relao aos demais anos do mandato eletivo e, nos anos pr-eleitorais, superiores aos dois primeiros anos.

  • planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010248

    Por fim, o comportamento da funo transporte foi bastante semelhante ao da funo habitao e urbanismo, tanto em termos de sinais quanto de magnitude dos coeficientes, o que torna a interpretao anterior extensvel a este caso, no fossem os coeficientes estatisticamente insignificantes.

    7 CONCLUSO

    Dentro do contexto emprico e terico dos ciclos polticos, este artigo teve a inteno de apresentar uma contribuio adicional para o tema, analisando, numa abordagem local dos ciclos polticos oramentrios, o comportamento da execuo oramentria do estado do Cear no perodo de 1986 a 2006.

    Durante o desenvolvimento da pesquisa, foram levantadas vrias situaes que se pretendia testar, como verificar se a LRF contribuiu para que os governadores buscassem meios ainda mais custosos de sinalizao de competncia no perodo pr-eleitoral. Objetivou-se, tambm, examinar se, em relao execuo oramentria, a permissibilidade da reeleio exacerbou o seu comportamento cclico; se a coalizo poltica entre o governador e o presidente da Repblica elevou a ocorrncia de tal comportamento nos anos eleitorais e pr-eleitorais; se a competitividade do adversrio do mandatrio no ano eleitoral foi um fator de contribuio adicional para a sua variabilidade em anos eleitorais. Especial ateno foi dispensada ao se investigar se foi seguida uma gradao ao longo dos mandatos, a qual no se esperava que fosse necessariamente crescente at o ano eleitoral. Considerando-se a possibilidade de algumas aes possurem maior prazo de maturao, previa-se uma defasagem no aumento de determinadas despesas em relao ao ano eleitoral.

    Props-se testar as hipteses mencionadas por meio de anlise economtrica e de ndices de execuo oramentria. Por meio da utilizao dos ndices, levando-se em conta a LRF e a EC da reeleio, verificou-se que o advento do instituto da reeleio coincidiu com a exacerbao da manipulao oramentria observada no terceiro mandato (1995-1998). Observou-se, no perodo analisado, uma amenizao dos ciclos polticos oramentrios, o que pode sugerir uma possvel influncia da LRF, cujo incio de vigncia se deu a partir do ano 2000.

    As regresses estimadas retornaram, para o caso do modelo com dummies anuais de deteco da variabilidade da execuo oramentria ao longo do mandato eletivo, resultados condizentes com a teoria dos ciclos polticos oramentrios. Das sete variveis dependentes regredidas, quatro (receita tributria; investimentos e inverses; educao e cultura; e transporte) apresentaram pelo menos uma (do total de trs) dummy anual estatisticamente significante. Destas quatro, trs evidenciaram o ano eleitoral como o de maior nvel de execuo oramentria dentro de cada mandato; a exceo foi a despesa com a funo educao e cultura. O comportamento da receita tributria merece destaque, pois parece

  • 249Ciclos polticos oramentrios no estado do Cear (1986-2006)

    contraditrio com a teoria concluir que a arrecadao seja superior em anos eleitorais. No entanto, vale lembrar novamente a previso de Schuknecht (1998, apud BITTENCOURT, 2002, p. 94), de que nos pases em desenvolvimento muito mais eficiente aumentar os gastos pblicos que cortar os impostos para afetar o comportamento do eleitor. O aumento dos gastos referentes a investimentos e inverses financeiras no apresentou defasagem em relao ao ano eleitoral, o que representa um possvel erro no timing do ciclo, dado o maior prazo de maturao das despesas de investimento.

    As regresses a partir do modelo especificado com dummies polticas tambm trouxeram resultados condizentes com a teoria. A competitividade do adversrio do mandatrio na disputa eleitoral, por exemplo, realmente um fator contributivo para o aumento da receita tributria e das despesas em anos eleitorais, de sorte que a ameaa de perda do cargo eletivo incita um comportamento permissivo no governador.

    Quanto coalizo poltica entre o governador do estado e o presidente da Repblica em anos eleitorais, todas as variveis dependentes apresentaram relao positiva, e a maioria delas (quatro de sete) possui uma relao estatisticamente confirmada. Todavia, vale a pena tomar os exemplos das transferncias de capital recebidas e dos investimentos e inverses financeiras realizados: visto ser comum o financiamento de investimentos dos estados via transferncias de capital da Unio, provvel que o aumento dos investimentos no Cear em anos eleitorais tenha sido coberto pelo aumento das transferncias de capital da Unio recebidas em iguais perodos. Semelhante coalizo poltica, mas em anos pr-eleitorais, revelou os coeficientes das variveis educao e cultura, sade e saneamento e habitao e urbanismo positivos e estatisticamente significantes, bem como de maior magnitude que os da coalizo em anos eleitorais, o que, embora seja incoerente com a teoria dos ciclos polticos oramentrios, pode indicar defasagem no aumento destas despesas como tentativa de acertar o timing do ciclo.

    Assim, coloca-se como principal resultado deste trabalho e por que no dizer: contribuio a confirmao de que os governadores do estado do Cear no perodo de 1986 a 2006 promoveram, de uma forma geral, ciclos polticos oramentrios.

    Boa parte do estudo empreendido envolve teoria econmica e poltica, mas a pesquisa tambm importante para as finanas pblicas locais, dada a realizao de detida anlise da execuo oramentria do estado.

    Compreendendo a convenincia de estudos complementares futuros, o desempenho do setor pblico, certamente sob a mira da irregularidade nos nveis dos gastos pblicos, desponta como uma possibilidade interessante. Um problema adjacente ao planejamento de polticas pblicas no Brasil a preterio das polticas de Estado pelas polticas de governo (descontinuidade de programas quando h ruptura de poder), o que no deixa de ser uma forma de o mandatrio sinalizar a sua

  • planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010250

    competncia. Enfim, considerando-se possveis impactos da conduta oportunista dos mandatrios sobre o bem-estar da sociedade, sugere-se a realizao de pesquisa com a utilizao de um modelo estendido com variveis de cunho social.

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