chalhoub, s. machado de assis, historiador

231

Upload: ted-albuquerque

Post on 23-Nov-2015

47 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

  • Prlogoeagradecimentos

    Apesquisaqueoriginouestelivroiniciou-se,inadvertidamente,emfinsdadcadade1980.Redigia,poca,umlivrosobreahistriadaescravidonoRioimperial.Poracidentedepercurso,quejnocabeaquirelembrar,retorneiobradeMachadodeAssisenquantoescreviaaqueletexto.ViajeientoemsuaspginasimpregnadasdovelhoRio,aquelacidadededistinosenhorial,ruadoOuvidor,teatrolrico,folhetins,poltica,burocracia,finanasetodoorestoescravos,agregados,caixeiros,operrios,cortios,febreamarela,varola...Comohistoriador,desdesempre,foraesserestoquemeinteressara.AreleituradeMachado,mediadaporvriosanosdepesquisasobreahistriasocialdoRionosculoxix,foidessasexperinciasintelectuaisquenopassam,eaindaassimdeixamsaudade.Surpreso,encontravanaquelestextosexposiodetalhadadaspolticasdedominaosocialquebuscavareconstituirapartirdeoutrasfonteshistricas;perplexo,percebiaalimuitaalegoriaereflexosistemticasobreaexperinciasocialdeescravos,dependenteseoutrossujeitosque,dizia-se,noestavamnocentrodaobradeMachado.Aospoucos,eapsoutralongapesquisasobreepidemiasnaCorteimperialsombradostextosmachadianos,pareceu-medebomalvitredeixardemudardeassunto.

    Emmeadosdosanos1990,incomodadocomacarnciadeinformaesmaisdiretassobreasidiaspolticasesociaisdoromancista,passeiainvestigarcomcuidadoavidadofuncionriopblicoJoaquimMariaMachadodeAssis.Conhecedordosmeandrosdaadministraoimperial,cientedapossibilidadedeencontrartesourosinsuspeitadosnalgunsdaquelesmaosemaismaosderotinaburocrtica,litudoquepudeencontrarsobreotrabalhonasegundaseodaDiretoriadaAgriculturadoMinistriodaAgriculturaduranteoperodonoqualMachadochefioutalrepartiodemeadosdosanos1870atofinaldadcadade1880.Descobrilogoqueosprincipaisassuntosdaseoerampolticadeterraseescravidonestecaso,maisprecisamente,estava

  • encarregadadeacompanharaaplicaodaleide28desetembrode1871,depoisapelidadaLeidoVentreLivre.

    Oresultadodacoletafoidesigual.Noslivrosdeminutasdeavisoseofciosredigidosnarepartioquasenadaestassinado.Esseproblemafoifcilderesolver,poisbastouarranjaralgumaspginasfotocopiadascomacaligrafiadenossapersonagemepassardiasdivertidosnoArquivoNacional,aidentificarsinuosidadeshabituaisdessaoudaquelaletra.Apsalgumtreino,achavaosmanuscritosdobruxonumrelance.Paraaumentaraminhaautoconfiana,encontrava,muiraramente,umbilheteououtracoisadeverasassinadapelochefedaseo.Dequalquermodo,pareciaevidente,peloestudodarotinadoservio,queMachadoexaminava,pelomenossuperficialmente,tudoquecirculavaemseusetor.Tambmsetornourazovelsuporqueeraoprincipalresponsvelpelasdiretrizespolticasgeraisdotrabalhodaseo,aindaqueissopoucosignifiquequantoorientaogeraldaDiretoriadaAgricultura,aindamenosdoMinistriodaAgricultura,maisremotamenteaindadogovernoimperial...Defato,aprendibemmaisduranteapesquisanassituaesemquefoipossvelrecuperarcomalgumdetalhe,sobreumaqualquerquestobaila,odebateentreosfuncionriosdasegundaseoeosdeoutrossetoresdogovernoimperialsuperioresemhierarquia,naesmagadoramaioriadoscasos.

    Todavia,acoletamostrava-sedesigualnumoutroaspecto,maisdifcildecontornar.Encontreidesdeoincioumvolumeimpressionantedematerialsobrepolticadeterras.Aseoopinavacotidianamentesobreinvasodeterrasdevolutas,demarcaoemediodeterras,posses,sesmarias,terrasdealdeamento,cortedemadeiraseoutrastantasquestesfundirias.Durantealgunsanos,li,selecionei,copiei,compreimicrofilmes,junteienfimquantidadeabsurdadematerialsobreotema,queestagoraaatravancarabibliotecadomstica.Nouseinadadissonestetexto.Comotempo,noteiaausnciaquasecompletadeavisoseofciossobreescravidoeemancipaodeescravosnoslivrosqueconsultava.Avanavanapesquisa,recorriaaoutrasfontesetinhanotciadesseoudaqueleaspectodaleide28desetembrode1871discutidonaseo,pormnoachavanadadissonadocumentaomanuscritadarepartio.Talvezporacreditarquepesquisaemarquivosnuncaencontraobstculos,apenassugerenovaspistas,busqueicercarasegundaseoemoutrossetoresefontesdaadministraopblica.Tinhadedescobrirpareceressobrealeide1871,peloencantododesafio,mastambmporqueomeumodo

  • delerosromancesdeMachadodependiamuitovisceralmentedeinterpretarosentidodaexperinciahistricadadcadade1870,todaelamarcadapelosdebatesparaaaprovaodaditaleiepelasconseqnciasdesuaaplicao.

    Deincio,fizobvio.LitodososrelatriosministeriaisdaAgriculturaeseusanexos,algunsdelesincrivelmentericosedetalhados,maisoutrasfontesimpressas,leiseregulamentos.Nalgumponto,passeiacompulsarospareceressobreescravido,muitosdelessobreaspectosdaleide1871,nospapisdoConselhodeEstado.Lestavaasegundaseoaformularvriasdasconsultasenviadasaosconselheiros,aemitirparecereserplicassvezestranscritas,outrasvezesresumidas,outrasvezesmuirapidamentemencionadas.AvantagemdessadocumentaoestavapoisnachancedevislumbrarMachadodeAssiseasegundaseonumaarenadeluta,numagamadeinteressesdiversosecontraditrios,mesmoquecircunscritospelaestruturaerotinadaadministraopblica.Aindaquefosseilusrioesperarencontrar,emtaisfontesecircunstncias,longasexpansesdeMachadosobresuasidiaspolticasesociais,ofatoquehaviaumaououtrapassagemsugestivaamerecerreleiturasnumaredeapertadadeinterlocuosocial.Esseacidentedepercursoocupou-meosltimostrsanos,talvezmais,noseidizer.Aoterminaroquartocaptulo,haviaaportadoemalgumlugar,edeiporconcludaessaetapa.Quantopolticadeterras,cousasfuturas,quemsabe.

    Aorganizaodestevolumetraduz,digamosassim,asduasvertentesqueconstituramoesforodeinvestigao.OstrsprimeiroscaptulosinterpretamromancesdeMachadodeAssis,embuscadosentidodasmudanashistricasdoperodo,segundoavisodele,econformeasuainteno,ouaoarrepiodela.Noseisemeentendem.OprprioMachadomesocorre,pormeiodeseunarradordalm-tmulo,paradizerqueomelhorprlogooquecontmmenoscousas,ouoqueasdizdeumjeitoobscuroetruncado.Queassimseja.Aleitoraentenderbemointuitodessescaptulosaoleroprimeirodeles.Oquartoeassazlongocaptuloapresentaosresultadosdapesquisasobreodebate,aaprovaoeaaplicaodaleide28desetembrode1871.CaptulotradicionaldeHistria,enfim,parafundamentaromododelerashistriasnostrsprimeiros.Verdadequetudoissoconfundeumtantoascoisas.NomeocorrerialerashistriasdedeterminadomodosemoestofodaHistriaquecontodepois,masquenoaprendidepois.TambmverdadequenoveriaHistrianenhumanashistriasdeMachadodeAssissemaexperincia

  • intelectualdeleroutrosintrpretesdele,comosquaistentoestabelecerumdilogomaisdireto.Refiro-me,principalmente,aJohnGledsoneaRobertoSchwarz.Oprimeiroincentivou-mealgumasvezes,emconversaspessoaiseporcorrespondncia,edevoagradecer-lheporissotambm.

    Aosagradecimentos,pois.Comosempre,minhadvidaprincipalparacomoArquivoNacional,onderealizeipraticamentetodaapesquisa.SoumuitogratoaHelena,Rogrio,StiroeValria,quemeauxiliamhanosnasaladeconsultadoArquivo.NaUnicamp,utilizeiasbibliotecasdoInstitutodeFilosofiaeCinciasHumanas,doInstitutodeEstudosdaLinguagemedoCentrodeMemria,eagradeoatodososfuncionriosagentilezacomquemeatendem.NosEstadosUnidos,estivenoInstitutefortheHumanities,daUniversidadedeMichigan,noprimeirosemestrede2000.Durantealgunsmesestrabalheiemcondiesexcelentes,apoiadoporequipeatenciosaepelatimabibliotecadauniversidade.Ocnpqprestaauxliofinanceiroaoprojetodesde1996,pormeiodebolsadeprodutividadeempesquisa;aFapespconcedeu-mebolsadeps-doutorado,oquepermitiuprolongaraestadianaUniversidadedeMichigan.

    SotantosanosaapresentarseminriosepalestrassobreMachadodeAssis,noBrasilenosEstadosUnidos,queimpossvellembrardetodosquemebrindaramcomsugestesecomentrioscrticos.NosEstadosUnidos,agradeoemespecialaPeterBeattie,DainBorges,BrodwinFischer,RichardGraham,SandraGraham,AimsMcGuinness,RebeccaScotteThomasTrautmann.Muiespecialmente,aSueannCaulfield,quemeacolheuemMichiganeincentivouesteprojetotodootempo.DavidTreeceenviou,deLondres,comentriossobreversoanteriordoterceirocaptulo.NaUnicamp,meucarinhoegratidosamigaseparceirasdetantosanos:MariaClementinaPereiraCunhaeSilviaLara.Nossosdebatesemseminriossosvezestointensos,sempretoricos,quepossvelqueeutenharoubadoumaououtraidiadelassemmedarconta.RobertSlenescontinuameumestre,ponto.Foielequemsugeriu,hmuitotempo,talveznemselembre,oretornoaMachadodeAssis.AindanombitodoCentrodePesquisaemHistriaSocialdaCultura(Cecult),CludioBatalhaeCarlosRobertoGalvoSobrinhoapoiaramsempre,criticaramquandonecessrio.Cludiofeztambmagentilezademeresolverinmerosassuntosdomsticosquandoestiveporlongoperodo,ecomtodaafamlia,nosEstadosUnidos.HenriqueEspadaLimaFilhoeLeonardoAffonsodeMirandaPereira

  • foramgrandescompanheirosdetrabalhonoCecult;econtinuosobaproteoindispensveldeUlianaFerlimeLucianaBarbeiro.MichaelHallleu,comentouecorrigiuasprimeirasversesredigidaseminglsdossegundoeterceirocaptulos.AosfuncionriosdoArquivoEdgardLeuenroth,daUnicamp,agradeoaconsultaaumououtrodocumento,massobretudoapacinciacomqueaturaramumdiretorumtantoavoado,outroquantoausente,nessesltimosmeses.ReginaHortaDuarteenviousugestesecrticasdeBeloHorizonte.MargaridadeSousaNevescomentouversodoterceirocaptuloemmesa-redondadaAnpuh/2001comaquelaamlgamadeagudezacrticaecarinhodequeselaparececapaz.Otextofoidefendidocomoteseemconcursoaocargodeprofessortitular,naUnicamp,emjulhode2003.Agradeoaosmembrosdabancaporsualeituraatentaegenerosa:ArnaldoContier,JaniceTheodorodaSilva,AngelaMariadeCastroGomes,JooJosReisetaloTronca.Finalmente,umagradecimentoespecialaMartaGarcia,daCompanhiadasLetras,pelagentilezaecuidadonapreparaodemeuslivros.

    umprazerreconhecerqueestetrabalhofoiconcebidoenutrido,emgrandeparte,nassalasdeaula.Ministreivrioscursossobrehistriaeliteraturaaolongodadcadade1990,vriosdelessobreMachadodeAssis.Ostrsprimeiroscaptulos,defato,surgiramnapreparaodasaulasparataiscursos.Nesseperodo,vriosalunosquefreqentaramessasdisciplinasformaram-senagraduao,fizerammestrado,concluramdoutorado,ingressaramnops-doutorado...,ouseforamparaoutrasuniversidades.Outroscontinuaramroda,algunsnatorcidaexplcitaparaqueeuconclusseotexto.Sougratoatodospelasperguntasepeloceticismoconstrutivo,expressosvezesnumacareta,numolharenviesado.Mencionotrsdeles,dequemtenhoaprendidomuito,naleituradoqueescrevem,enaquiloquedizemsobreoqueescrevo:GabrieladosReisSampaio,JeffersonCanoeLeonardoAffonsodeMirandaPereira.

    Quantofamlia,apoioincondicional,quenohcomoagradecer,ficandoaesperanaderetribuirdeigualmodo.Paisesogrosacolheram-menoRio,emtantasviagensdepesquisa.Nacasademeuspaisencontreirefgioparaescrever,vezououtra,quandoprecisavadededicaointegralaotexto.Sandracontinuaameulado,firme,umateseatrsdaoutra.Qualquerpalavradegratidopouca.LucaseLaranasceramecrescemenquantoopaileescrevesobreMachadodeAssis.Nosltimosmeses,mostram-serevoltadoscomtantos

  • finsdesemanamornos,semgraa.Laraprometecolocar-medecastigo:ummssemtrabalharnocomputador.Lucasquernavegarnainternet.Alegria,crianas,podembrincarnestageringona.

  • 1.PaternalismoeescravidoemHelena

    argumento

    Aocontarsuashistrias,MachadodeAssisescreveuereescreveuahistriadoBrasilnosculoxix.Essahiptesevemsendodefendida,ameuverdeformabastanteconvincente,porcrticosliterrioscomoRobertoSchwarzeJohnGledson,etemsereveladoimportanteparadesvendarepotencializarsignificadosnostextosmachadianos.1NaticadeSchwarz,aobradeMachadointerpretadacomoumcomentrioestrutural,porassimdizer,sobreasociedadebrasileiradosculoxix:oromancistaexpressaeanalisaaspectosessenciaisaofuncionamentoereproduodasestruturasdeautoridadeeexploraovigentesnoperodo.Schwarzprocuramesmoexplicaratrajetriadaobramachadianacomoumprocessodeexperimentaoebuscadeumdispositivoliterrioquecaptaedramatizaaestruturadopas,transformadaemregradeescrita.2Gledson,poroutrolado,estmaispreocupadoemperseguiromovimentodahistrianosescritosdeMachado:ocrticodemonstra,numprocedimentosistemticodedecifraodealusesealegorias,queoromancistacomentouintensamenteastransformaessociaisepolticasdeseutempo.SeapenadeGledsonrevelaumMachadoempenhadoeminterpretarosentidodahistria,tambmmostraquetalesforoacompanhadodeumprocessonomenosintensodedissimulaoedespistamentodoleitor,quenorarovoseuesforodeentendimentosolenementeenviadoparaascalendasgregas.

    claroqueasperspectivasdeSchwarzeGledsonsecompletam,equequestesdeestruturaedemovimentosopertinenteseprecisamestarpresentesnaanlisedatexturasemprecomplexa,quandonodeliberadamente

  • minada,doromancemachadiano.Afinal,oprprioMachadojnosmandaraatodosparaascalendasgregasnocaptulolxxiideMemriaspstumasdeBrsCubas.Lestocrticoebiblimano,umsujeitomagro,amareloegrisalho,que,setentaanosdepois,encontraumexemplarnicodasMemriaseseempenhaemdecifrarseusaparentesdespropsitos.Essesujeito,quepareceamaroslivrosacimadetodasascoisas,equetambmestrbico,mope,calvoecorcunda,viraereviraaspalavras,examina-aspordentroeporfora,efinalmentedesanimadetentarentenderosseussignificados.Issosoacomoadvertncia,pormfuncionacomovertigem.

    Nestecaptulo,oobjetivoapresentarummododelerHelenaemqueavisodeMachadosobreahistriasocialepolticadoBrasilemmeadosdosculoxixocupaocentrodaconcepoeestruturanarrativadaobra.Emresumo,esseromanceseriaumainterpretaodasociedadebrasileiraduranteoperododehegemoniadoprojetosaquaremaotemposaquarema,naexpressocunhadaporIlmarMattos.3EmHelena,osacontecimentosnarradosestosituadosnadcadade1850,oquepermiteaMachadoumaanlisepormenorizadadavignciadeumahegemoniapolticaecultural,historicamenteespecfica,queinformaeorganizaareproduodasrelaessociaisdesiguais.Emoutraspalavras,umapolticadedomnioassentadanainviolabilidadedavontadesenhorialenaideologiadaproduodedependentesgaranteumaunidadedesentidototalidadedasrelaessociais,queparecementoseguiroseucursonaturaleinabalvel.Todavia,Helenanopodiaserapenasoregistrodecertaestruturadedominao:Machadoescreveutalromanceem1876,evocandoasprticassociaiseoclimavigentesnadcadade1850.Ouseja,precisolerHelenaemsuasduashistoricidades:adanarrativaanos1850eadoautor1876,econsiderarquehouve,depermeio,acrisesocialeosdebatespolticosintensosqueculminaramnaleide28desetembrode1871,depoisconhecidacomoLeidoVentreLivre.Escritonaperspectivadequempresenciaraaemergnciadacrisenasformastradicionaisdedomnio,Helenasetornatambmumarevelao,svezessutil,outrasvezesabertaeatinformadapelopropsitodadenncia,dosantagonismosedaviolnciainerentessrelaessociaisvigentesduranteotemposaquarema.

    aideologiasenhorial:descrio

  • Oscaptulosiniciaisdoromance,eespecialmenteosegundo,soumacuidadosadescriodaideologiasenhorial.MortooconselheiroVale,personagemdefamliatradicionalepertencentesprimeirasclassesdasociedade,asaesetensesconvergemparaasdisposiestestamentriasdofinado.Oepisdiopareceexemplareconcentraosignificadosocialmaisdecisivoaumdeterminadoideriodedominaodeclasse:avontadedochefedefamlia,dosenhor-proprietrio,inviolvel,eessavontadequeorganizaedsentidosrelaessociaisqueacircundam.Umdosmomentosmaiscruciaiseritualsticosdesseidealdedominao/subordinaoodamorteseguidadaaberturadetestamento;defato,oqueficaexpressoemtalcontextoqueavontadesenhorialcarregatamanhainrciaquecontinuaagovernarosvivospostumamente.Porumlado,otestamentoamanifestaomximadeumavontadesenhorial,sendoaomesmotempooencaminhamentodacontinuidadedeumapolticadedomnioqueprecisasobreviveraoatoderradeirodaquelavontadeespecfica.Poroutrolado,asituaodotestamento,eposteriorinventrio,apresentasempreumpotencialdetensoeconflito:osherdeirosdefendemseusinteresses,efreqentementesedesentendem,noprocessodepartilhadosbens;osagregadosedependentesemgeralvivemaincertezadapermannciadearranjospassados;eosescravos,viaderegraoelomaisfrgil,enfrentamoriscodeversuasfamliasecomunidadesdivididasentreosherdeirosoubruscamentedestrudasportransaesdecompraevenda.

    OconselheiroVale,todavia,tiveraumnicofilho,ojovemEstcio,personagemderobustasqualidadeseformadoemmatemticas.Naausnciadetensoepartilhaentreherdeiros,osricaosdoAndarapoderiamtalvezesperarumprocessotranqilodesucessofamiliar.Abertootestamento,comtodasasformalidadesdepraxe,descobre-sequeoconselheiroreconheciaumafilhanatural,denomeHelena,declaradaherdeiradapartequelhetocassedeseusbens.Maisainda,enumademonstraocabaldequeoespritodomortoconheciaperfeitamenteoseudireitodegovernarosvivos,oconselheiroordenavaqueameninafossevivercomafamliaemAndara,equetodosadeveriamtratarcomdesveloecarinho,comosedeseumatrimniofosse(H,cap.ii).4Emoutraspalavras,nosatisfeitoemlegarassuaspropriedades,oconselheiroValedispunhaqueosseustambmlhedeviamherdarossentimentos.

    Nocuazulelmpidoarmou-selogoatempestade,eMachado,emseguida,

  • eaindasemabandonarporumalinhasequeropontodevistaestritamentesenhorial,estudaastensesinternasclassedominante.Aquilonopodiaser,revoltava-sed.rsula,irmdofinado,tiadoguapodonzeldasmatemticas.SeoreconhecimentodeHelenajeraporsisumatodeusurpaoeumpssimoexemplo(H,cap.ii),aboasenhorapareciaespecialmenteirritadacomofatodeodefuntoprocurarimpingir-lheameninanoseiodafamliaedeseuscastosafetos(H,cap.ii).Queofinadoperfilhasseamenina,vl,soastaislicenasjurdicas,masgovernar-lheossentimentosemsituaotomelindrosaquenohaviadeser.Narealidade,todaaarengaded.rsulasobreaseveridadedoscostumeseapurezadeseussentimentosacabaseamoldandoformadeumpreconceitodeclasse:nadasesabiasobreaorigemdessamenina,nadaconstavasobreame,almdonome.Comofazerascenderassimumamulherdeordeminferior?Aquiloforaumexcesso,argumentavaporseuturnoodr.Camargo,mdicoeamigodafamlia.Essedr.Camargotinhaumsonho,queconsistiaemcasarsuafilhaEugnia,aflordosseusolhos(H,cap.i),comoherdeirodoAndara;porconseguinte,oditoesculpiointerpretouaperfilhaodeHelenacomoumasubtraoindevidaaosbensque,nofuturo,seriamdeEugnia.Foradefinitivamenteumexcesso,custadedireitosalheios(H,cap.ii).Machadoimpiedosoquantoaosmotivosdodr.Camargo,chegaacompar-loaumrptil(H,cap.vii),esedeliciaemdescreverafrvolaEugniacomoumadasmaisbrilhantesestrelasentreasmenoresdocufluminense(grifomeu,H,cap.v).

    Ofato,porm,queospreconceitosded.rsulaeacupidezpecuniriadodoutoracabaramseesvaindodiantedeEstcio,olegtimoherdeirodasprerrogativasmoraisemateriaisdoconselheiro.Nosurpreendequetenhadeserassim,poisofilhoeraoprincipalinteressadoemqueasltimasvontadesdopaifossemcumpridas;comefeito,oritualdesubmissosdeterminaesderradeirasdofinadosignificavasolidificaraprpriacondiodeEstciocomodetentor,daemdiante,dopoderdeexercciodavontadesenhorial.Naficoouinvenocaractersticadessapolticadedomnio,Estciopassavaaencararomundosuavoltacomomeraexpanso,quiumaconcesso,desuavontade.Machadofazcomqueojovemencareoseventoscomoumaespciededestinodeclasse,echega,comefeito,aexplicarqueelenocedianemesquecianenhumdosdireitosedeveresquelhedavamaclasseemquenascera(H,cap.ii).aEstcio,portanto,queficaaincumbnciadeapararasdivisesinternase

  • disciplinarasresistnciaseambiesquepoderiamcomprometerorumonaturaldascoisas.Eorapazbateomartelo,comfirmeza,mascomapolidezeaelegnciaqueeramumdeveremsuacondio.Assim,aoconstatarainsatisfaodatiacomoreconhecimentodeHelena,Estcioconcluipormqueumavezqueseupaiassimoordenava[...]eleaaceitavatalqual,sempesarnemreserva(H,cap.ii);emseguida,aorespondersponderaesdodr.CamargodequeoconselheiroteriasidomaisprticoejustocasotivesseselimitadoadeixarumlegadoaHelena,orapagodoAndaradisparaqueaestritajustiaavontadedemeupai(H,cap.ii);cadavezmaisincisivo,Estciopingapontofinaldiscusso:Noquerosaber[...]sehexcessonadisposiotestamentriademeupai.Seoh,legtimo(H,cap.ii).Diantedafirmezainquebrantveldomancebo,srestaaorptilumrecuoestratgico:Camargoadmitesereminteisosseusesforoseafirmaqueomelhoreracumpriraresoluodofinado,lealmente,semhesitaonempesar(H,cap.ii);poucoadiante,emconversacomd.rsula,odoutorobservaqueEstcioaceitavaosfatosfilosoficamenteeatcomsatisfao,econcordaquemaisnadahdoquecumprirtextualmenteavontadedoconselheiro(H,cap.ii).AsatisfaodeEstcio,queodoutordizianocompreender,facilmenteexplicvel:eleconseguiramanterocontroledosacontecimentos,entravanoplenoexercciodesuasprerrogativassenhoriais,eevitavaaindaoriscodeumadivisodefinitivadopatrimnionumapartilhanoamigvel.Afinal,avontadedoconselheiroexpressaemtestamentotinhaforalegal,eHelenaadquiriadireitosque,casousurpados,poderiamoriginarumalonga,incertaedesgastantebatalhajudicial.Estcioera,efetivamente,ohbildepositriodeumatradio,umchefedefamlia/senhor/proprietrio,garantidorecontinuadordetodaumahegemoniapolticaecultural.

    aideologiasenhorial:umaleituraacontrapelo

    DisseEstcio:quevenhaamenina.Eassimsefez.Moafeita,dedezesseisparadezesseteanos,educadanumcolgiodeBotafogo,Helenatinhaprendastaisquedeviamempalidecerasmooilasbem-nascidassuavolta:magnficavozdecontralto,pianistadistinta,timadesenhista,fluenteemfrancsesabendoumpoucodeinglseitaliano,almdacosturaedosbordadosde

  • costume(H,cap.iv).Noquetangebeleza,belssima.Apesardomistrioquantosuaorigem,edaresistnciainicialquecomeavanatiarsula,passavapelosamigosdafamliaechegavaatssenzalas,Helenaacabouseduzindotodosmenos,claro,orptildoCamargo,poisadonzelaconseguiapolirossperos,atrairosindiferentesedomaroshostis(H,cap.iv).

    Nadadisso,todavia,eraaindaomelhordeHelena.SenoscaptulosiniciaisdolivroMachadodescreveraaideologiasenhorialeexploraraastensesinternasclassedominante,comHelenaelenoslananobojodosantagonismosdeclasseconstitutivosdessapolticaespecficadedomnio.Oprocessoextremamentesutil,porissotenhodificuldadedeavaliarotantodeplanejamentoeoquantodeintuiohavianosprocedimentosnarrativosdeMachado.Achavedoproblema,talvezachavedolivro,consisteemperceberquehnapersonagemHelena,apesardasaparnciasemcontrrio,umavisodemundoquelheprpria,equenopodeserentendidasereferidaapenasideologiasenhorial.Ditodeoutraforma,aprotagonistadecertoconheciaecompartilhavaossignificadossociaisgeraisque,regidosporEstcioecriaturassemelhantes,reproduziamaqueleuniversoderelaessociais;ofatocrucial,noentanto,queHelena,porsuaposioambivalente,estcondenadaaumaintrojeocrticadosvaloresesignificadosqueorganizamomundoapartirdopontodevistadeEstcio.

    OprimeiroaspectoaobservarqueHelenatemummtodoprprio,porassimdizer,deconversarede,conversando,interpretararealidadesuavolta.Talmtodoestexpostoemdetalhenocaptulovi,emmeiadziadepginassurpreendentes.Tudocomeacomumaaparentepuerilidadedamocinha:estandoemcompanhiadeEstcioeded.rsula,afilhadoconselheirorevelaque,aofolhearumlivrodegeometria,tiveraodesejodeaprenderamontaracavalo.Comonopareciahaveraqualquerrelaomanifestadecausaeefeito,oespantofoigeral.Apimentinha,satisfeitadatravessura,explicaentoquefolheavaolivrodegeometriaquandoouviuumtropeldecavalose,chegandojanela,ficaraencantadacomagarbosidadedaamazonaquepassava;estavaesclarecido,porconseguinte,odesejodeaprenderamontaracavalo.Nalinhaabaixo,Estciojseofereceparadarliesdeequitaoirm,eosdoisacertamumaaulaparaamanhseguinte.

    Oepisdiotoinslitoepuerilqueoleitordificilmentesedeterem

  • examinaroqueHelenaestfazendonapassagem.Noentanto,aleitoraatentasuspeitartalvezqueHelenamentiu.Apuerilidadedomotivoinicialedepoisadescriovisivelmenteforadaeidealizadadaamazonaprovocamasuspeio.Amocinhapretendepassearacavalo,pormnoquerpediressefavorabertamenteaEstcio,elogoelainventaumahistriaqueobrigaodonzeldoAndaraaoferecer-lheaslies.OfundamentalnocontextoqueHelenasabeinduziremEstcioocomportamentoquelheinteressaaela;emoutraspalavras,amooilaconheceperfeitamenteascadeiasdecausaeefeitoqueconstituemaestruturamentaldomancebo.

    Atramatorna-semaisclaranodiaseguinte,naocasioemquehaviadeocorreratalauladeequitao.Helenaapresenta-seacarter,supostamentecompenetradadesuacondiodealuna.Logoadiante,ohomemdasmatemticasdescobre,primeiroespantado,depoisbem-humorado,queagalhofeiradairmsabiacavalgarperfeitamente.Digomal,poishmuitotutanonasupostagalhofa.Leiacomatenoodilogoentreosdoisjovens:

    Nomedirvoc,perguntouele,porquemotivo,sabendomontar,pedia-meontemlies?Arazoclara,disseela;foiumasimplestravessura,umcapricho...ouantesumclculo.Umclculo?Profundo,hediondo,diablico,continuouamoasorrindo.Euqueriapassearalgumasvezesacavalo;noerapossvelsairs,enessecaso...Bastavapedir-mequeaacompanhasse.Nobastava.Haviaummeiodelhedarmaisgostoemsaircomigo;erafingirquenosabiamontar.Aidiamomentneadesuasuperioridadenesteassuntoerabastanteparalheinspirarumadedicaodecidida.(H,cap.vi)Porumlado,tem-seaquiaconfirmaodeque,dopontodevistadaleitora,

    necessrioacompanharosmovimentosdeHelenaemestadodealertamximo;ouseja,emcertosentido,hsempreapossibilidadedearaparigaestarmentindo,oudeestaromitindocoisas,elogoelanoconfivel.Poroutrolado,eumavezcompreendidoqueapequenatemumintelectosofisticadoecapazdedissimulaes,percebemosqueelasetornabastanteconfivelcomointrpretedaideologiasenhorial.Helenasabeque,nomundoidealdeEstcio,coisasepessoasaparecemapenascomoexpressodavontadedele,elogoorapazeseussemelhantesgostamdeseimaginarcontroladoresdeumaespciedeeconomiadeconcessesefavores.Helenatambmsabe,comoveremosadiante,oquantoessavisounilateraldomundoencerradepossibilidadedearbtrioesoluoviolentadeconflitos.Nomomento,bastareterqueamoa

  • percebiaqueamelhormaneiradeobteralgumacoisadeEstcioerainculcar-lheumasuperioridadequalquer;emoutraspalavras,eladecodificacomprecisoosmotivosdoSenhorgemetra,ecomissoconseguearrancardeleaquiloquedeseja,comastcia,massempedirnada,nemtampoucolutarabertamente.Ecomoomomentodegalhofa,abeldadechegaaexplicaraorapagooquantohaviasidofcilinduzi-loadeterminadocomportamento.

    claroqueHelenanopoderiasertoastuciosasenofossecrticanamesmamedidaisto,acondiodesuaastciaacapacidadedeanliseedistanciamentoemrelaoaopontodevistadeEstcio.Defato,oncleodomtodocrticodeHelenaconsistenarelativizaosistemticadaperspectivadeEstcio.Omtodoseanuncia,comoqueporacaso,aindanotrechoemqueelaapareceprontaparamontaraguaMoemaeiniciaraauladeequitao(H,cap.vi).Emestilogrotescamenteprofessoral,Estcioadverte:Venaprimeiramenteomedo.Amoarespondenabucha:Noseioquemedo.Surpreso,mastentandonoperderaposedeprofessor,odonzelironizaavalentiadaaprendizadeamazona,eafirmaqueele,desuaparte,sabiaoqueeraomedo.Ajovem,contudo,prossegueimperturbvel:Omedoumpreconceitodosnervos.Eumpreconceitodesfaz-se;bastaasimplesreflexo.Emseguida,Helenacontaqueempequenanoentravaemsalaescuraporquelhehaviamensinadoaacreditaremalmasdeoutromundo;maistarde,interrogou-sesobreapossibilidadedeumapessoamortavoltarterra,ecomofazeraperguntaerajlhedarresposta,livrou-sedetamanhatolice,declarando-seagoracapazdeirpassearnoitenumcemitrio.Haqui,denovo,umquetantodegalhofa;todavia,issononosdeveludibriarquantoaosignificadodapassagem:contraasidiasfeitasospreconceitosdeEstcio,Helenaanunciavaatitudedereflexoecrticasistemtica;maisdoqueisso,areflexoeraarmadiantedaqualospreconceitossedesfaziam.OmundodeEstcio,portanto,pareciaprestesasofrerumassaltodeexameecrtica.

    Eassimsefez.Osdoisjovenspasseavam,eaconversaemcertomomentoversavasobreasvantagensdariqueza;disseEstcio:

    Valemmuitoosbensdafortuna[...];elesdoamaiorfelicidadedaTerra,queaindependnciaabsoluta.Nuncaexperimenteianecessidade;masimaginoqueopiorquehnelanoaprivaodealgunsapetitesoudesejos,desuanaturezatransitrios,massimessaescravidomoralquesubmeteohomemaosoutroshomens.Ariquezacompraatotempo,queomaispreciosoefugitivobemquenoscoube.Vaquelepretoquealiest?Parafazeromesmotrajetoquens,terdegastar,ap,maisdeumahoraouquase.

  • AntesdeacompanharmosoqueHelenairfazerdessepedacinhode

    filosoficesenhorial,cabemalgumasobservaes.AfaladeEstcioapresentaummovimentointeressante:afortunavalemuitoporquegaranteaindependnciaabsoluta;ora,seaindependnciaabsoluta,asobrigaesouosdeveressonenhuns.Ouseja,navisodemundodeEstcionohaverialugarparaanoodereciprocidade,noexistiriaespaoparaoreconhecimentodosdireitosdeoutrem.Emsuaformapuraisto,casoexistisseforadeumcontextodelutadeclasses,aideologiadeEstcioseriacomooDeusdoGnesis:criariaummundoapartirdonada;ditodeoutraforma,criariaummundoqueseriaameraexpansodesuavontade.Todavia,comoessaideologiaprodutoeaomesmotempoinstituintedeumcontextodelutadeclasses,elaapenasaquiloquepermiteaEstciopensaredizerqueestconcedendoquando,naverdade,estivercedendoapresses,ouaomenosreconhecendoaexistnciadeantagonismossociais.

    OsegundomovimentodafaladeEstcioaoposioentreindependnciaabsolutaeescravidomoral.Comovimos,nasituaoideal,atalindependnciaabsoluta,Estcionotementravesmorais,poisamoraletudoomaissoapenasprodutosdesuavontade;oopostodissoadependnciamoralabsoluta,aescravido.Aexpressoescravidomoralnessecontextonoapenaseufemismoouqualqueroutrorecursoderetrica:aocontrrio,elaexprimeolugarprecisodainstituiodaescravidonoimaginriosenhorial.Aescravidoasituaodemximadependncianessasociedadeemqueocentrodapolticadedomnioaproduodedependentes.Noporacasoque,logoemseguida,Estcioprocuraexemplificarereforaroseuargumentocontrastandoasuasituaodiretamentecomadopreto,queera,aoparecer,escravo.Senhoreescravosoosdoisextremosdeumacadeiaquecomeanaindependnciaabsolutaeterminanaescravidomoral,nasubmissocompleta,queseriaacaractersticadaescravido.

    Insisto,porm,quecontinuamosnombitodomundoqueEstciogostavadeimaginar.SeEstciofosseDeus,eoromancedeMachadodeAssissetornasseoGnesis,aindaassimestaramosapenasnosversculosiniciaisdasEscrituras.Poisqueentovenhaohomem,elogoamulher,elogo,logoopecado,everemosqueaideologiadeEstciooperanummundoquesefaznalutadeclassessparainsistirnessaexpressoirritante,ridcula,forade

  • moda.Chega,porm,deblasfmias,eEva,oumelhor,Helena,quemprocuratrazerEstciodevoltaTerra,eintroduzi-loaopecado.

    Helenaatentounoquadroqueoirmolheindicava.Viuumpretocomcercadequarentaanoseduasmulas.Sentadonocapim,opretoesburgavaumalaranjaedeitavapedaosdacascaaofocinhodeumdosanimais.Ohomemmostrava-sealegrecomopassatempoinfinitamentealegre,segundoonarradore,noentanto,pareciatratar-sedeumcativo.ApequenarefletesobreoquedisseraEstcio,arespeitodeariquezapossibilitaracompradotempo,eretrucafinalmente:

    Temrazo,disseHelena:aquelehomemgastarmuitomaistempodoquensemcaminhar.Masnoistoumasimplesquestodepontodevista?Arigor,otempocorredomesmomodo,queroesperdicemos,queroeconomizemos.Oessencialnofazermuitacoisanomenorprazo;fazermuitacoisaaprazveloutil.Paraaquelepretoomaisaprazvel,talvez,essemesmocaminharap,quelhealongarajornada,elhefaresquecerocativeiro,secativo.umahoradepuraliberdade.(H,cap.vi)OobjetivodeHelenanapassagemmostraraEstcioqueavisodemundo

    delenopodeserocritrioouamedidadetodasascoisas.Amoatentainutilmente,comoveremosfazercomqueomancebopercebaquesuarelaocomomundoprecisaconteralgoalmdeprocedimentosautoconfirmadores.Hvalores,conceitos,formasdeinterpretararealidadequenegam,oupelomenosrelativizam,aideologiadeEstcio.Oexemploemtornodoqualocorreodilogoentreosdoisjovens,naverdade,umtantoesdrxulo.Afinal,noseentendebemoporqudeoguapodonzeldoAndaraestarpreocupadoemcomprarhoraseminutos,poisqueeleviviadebrisaoumelhor,dosaluguiseoutrosrendimentosdafortunaqueherdara.HelenanocriticaraperspectivadeEstcioporessecaminho,sebemquepoderiafaz-lo,eoverdadeiropaidamenina,Salvador,ofardeformamuitodidticaeamarganumtrechoquelogoveremos.Amoanoparteparaumdiscursodedenncia;elaprocuradesfazercomargumentos,comoanunciara,ospilaresdesustentaodopensamentodeEstcio.Deincio,Helenaapresentaumargumento,digamos,terico:aexperinciadapassagemdotempodependedopontodevista;assim,ameninacontrastaaconcepoprodutivistadefendidapelorapazadeumtempoquesecompra,nocasodeEstcio,semhaverumporqucomaidiadetempotilouaprazvelqueremeteaumanoopr-capitalista,detempoportarefa,semoritmomarcadopelorelgiooupelaproduo.EssanegaotericadaperspectivadeEstcio,porm,nobastaa

  • Helena.Opretobeiradaestradatalvezestivesseadministrandootempodemodoalidarmelhorcomocativeiro,procurandoquemsabeampliarougarantirumespaodeautonomiajarrancadoaosenhorumahoradepuraliberdade.Arefernciaagorasefazprtica,eEstciopressionadoaencararosantagonismossociais.

    AtentativadeHelenafoiintil,eorapagonoabandonouporumsegundosequeroseucrculodeidias.Estcioriu,insinuouqueadonzelaestavasofismando,eelogiouahabilidadedairmparadefenderascausasmaismelindrosas.Emseguida,resumiunumafraseoqueentenderadafaladeHelena:Nemestoulongedecrerqueoprpriocativeirolheparecerumabem-aventurana,seeulhedisserqueopiorestadodohomem.AspalavrasdeEstciooperamumainversoretricacuriosa,poisele,quenoconseguiapensaranosercomosenhordeescravos,acusavaHelenadereabilitaraescravido.Naverdade,oraciocniovaronilpermaneceomesmo:aescravidoasituaodemximadependncia,eessacondio,paraquemprezaaindependnciaabsoluta,opiorestadodohomem.Porconseguinte,Estciosconsegueimaginaraquiloquepossapensarumescravo,emqualquercircunstncia,comoreflexoouespelhamentodesuaprpriamaneiradeverascoisas;emoutraspalavras,osescravosconceberiamasuacondiosempreapartirdossignificadossociaisgeraisimpostospelossenhores.OintuitodeHelenaforasugerirqueofatodasubordinaonocaso,ocativeironoacarretavaainexistnciadeformasalternativasdeinterpretararealidadee,seestoucorreto,adonzelapercebeatmesmoquetaisvaloresalternativossurgemnoprocessocotidianodelutacontraaopressoopretoprocuravalidarcomotempodemodoaesquecerocativeiroealcanarumahoradepuraliberdade.

    AfrasedeEstcioinsinuandoqueHelenaedulcoravaaescravidonofazdoguapodonzelumcrticodetalinstituio.Estcio,aocontrriodeHelena,sconsegueacessoinstituiodaescravidodeformaabstrata:comoeleincapazderelativizarvaloresedeperceberdiferenas,ojovemnemsequerchegaaconceberaidiadeopresso.Paraogemetra,osoutrosexistemapenascomodependentes,ouseja,comoelementosconfirmadoresdedeterminadapolticadedomnio,elogoaescravidoestexplicadacomoparteconstitutivadaordemnaturaldascoisas;aconteciato-somentequeosescravoseramosmaisdependentesentreosdependentes.apenasnessesentidoque

  • devesertomadoocomentriodeEstciosobreocativeirocomoopiorestadodohomem.AperspectivacrticaestemHelena;Estciomerorepetidordaticadosescravocratas.

    OritmovertiginosoeadialticadessaspginasdeMachadonocessamdesurpreender.Seoleitorrelaxaporuminstante,jlhevaioentendimentoparaascalendas.DiantedaproladeEstcio,queacabamosdever,Helenaparecedesanimardeumadiscussosriaeretornarzombaria.Oirmolanara-lheodesafiodedefenderacausamelindrosadequeocativeiroeraumabem-aventurana;aindaconduzindoaguaMoema,amoaresponde:

    Sim?retorquiuHelenasorrindo;estouquaseafazer-lheavontade.Nofao;prefiroadmiraracabeadeMoema.Veja,vejacomosevaifaceirando.Estanomaldizocativeiro;pelocontrrio,parecequelhedglria.Pudera!Senoativssemoscativa,receberiaelaogostodemesustentareconduzir?Masnosfaceirice,tambmimpacincia.(H,cap.vi)

    Cestamos,semdvida,devoltagalhofa.Ocorre,porm,queHelenacontinuaafalardecativeiro.Numasociedadeescravista,escravoseanimaisencontram-semuitasvezesemlugarsemelhantenoquetangeestruturalegaleatsrepresentaessociais:numinventriopost-mortem,porexemplo,escravoseanimaisaparecemladoaladocomoosbenssemoventesdosenhor/proprietrio;nosdiscursosdedennciacontraaescravido,eracomumqueoscrticosdoregimeacentuassemseushorrorestraandoparalelosentreacondiodosescravoseadosanimaisirracionaissuavolta.PoisentoagalhofadeHelenatorna-sedissimulao.Eladeclaraquenovaifazeravontadedoirmoe,portanto,nodefenderacausadequeocativeiroumabem-aventurana.Todavia,elacomeaimediatamenteafalardeumacativaquenomaldizoprpriocativeiro,quetemogostodemesustentareconduziristo,quetemorgulhodeservilidade,paralembrarottulodeumdoscaptulosdeMemriaspstumasdeBrsCubas.Estcionadapercebe,massuavisodemundoest,denovo,sobfogocerrado.Aexplicaosimples:sendoimpossvelfazercomqueEstciorelativizenemporummomentosequerasuaprpriaideologia,Helenavoltaaoexercciodeexportalideologia,squedeformaumtantoirnica,atdebochada.Narealidade,ofilhodoconselheiropoderiaimaginaracondiodoescravodeduasmaneiras,ambasrigorosamentecoerentescomoseucrculodeidias.Aprimeiraaquejfoimencionada:Estciosecomparadiretamenteaoescravo,avaliaa

  • condiodooutroapartirapenasdosvaloresqueservemparadimensionarasuaprpriacondio,eentoconcluiqueocativeiroopiorestadodohomem.AsegundamaneiraaqueHelenadesenvolvemetaforicamentepormeiodeMoema:nessecaso,osenhornosecomparaaoescravodemododireto,masimaginaaquiloqueocorrenamentedocativoquandoestepensaaprpriacondio.Comooescravoseriaumdependentemoraldosenhor,eleavaliaasuasituaotendocomocritrioopodersenhorialeaconseqenteproteoquetalpoderlheconfere.Estcioeraumhomempoderoso,logoseuscriadosdeviamterboadosedeorgulhodeservilidade.tambmoqueocorrecomMoema,quesesentetodafaceiraporqueestconduzindoocorpinhoesbeltodeHelena;istooquenosexplicaagalhofeiranarcisista,quandopergunta:Senoativssemoscativa,receberiaelaogostodemesustentareconduzir?.Emsuma,eaocontrriodoquedeclarouaEstcio,Helenadesenvolveuoargumentodequeaescravidoeraumabem-aventurana,eteveaindaaperspicciadefaz-lodanicaformaemqueseriacoerentecomavisodemundodeEstcio.OguapodonzeldoAndaracontinuousementender.

    HelenaaindaexploraumpoucomaisametforadeMoema.Osmeneiosdecabeadaguatalveznofossemapenasfaceirice;poderiamdenotarimpacincia.Talsentimentodaguaexplicar-se-iapelodesejodesaircorrendopelaestradadaTijucaafora,sentindo-sealgumacousasenhoraelivre(H,cap.vi).Nessecaso,acativanoestariasentindoorgulhodeservilidade,pormdesejodeliberdade.Nafraseseguinte,HelenainclinaacabeaecomeaaconversarcomMoema;porummomento,eaindanumclimademerachacota,ameninaseidentificacomaguacativa,estandoambassujeitasaodomniodeumhomemqueaomesmotempomeuirmoemeuinimigo.H,portanto,umcertomovimentoemtodoessedilogo:primeiro,Moemaumanimalquetemseussentimentoshumanizadoseento,sendoaguadependentedeHelena,parecequelhedglriaasituaodecativadetoaugustasenhora;segundo,Helena,quesenhoraemrelaoaMoema,sente-sesobodomniodeEstcio,elogocompartilhacomaguaasagrurasdadependnciaeoimpulsoemdireoliberdade.Emsuma,haquiadescriodeumalgicaoupolticadedominaoquereapareceesereforaeminmerassituaesespecficasdecontroleesubordinao.

    Nessemomento,Estciodesconfiadealgumacoisa;Helenapoderiaestar

  • prestesadispararcomagua.Emoutraspalavras,amoatalvezpensasseemcometerumadesobedincia,poisorapazrecomendaraenfaticamentequeopasseiodeveriaocorrercomamximaprecauo.Helenativeramesmodeprometerqueiriapacificamente.Denovo,Machadodescreveaideologiasenhorialdemodobastantepreciso:paraEstcio,adiferenaisto,aexpressodevontadesoutrasquenoasuaprpriaeadeseusparesspoderiaserentendidacomodesobedinciaourebeldia.Foradasubordinaocompletapoisnaticasenhorialasubordinaosemprecompleta,noobstanteofatodeosdependentesestaremhierarquizados,shaviaarebeldia.ZumbiouPaiJoo,rebeldiaoucoisificao,assimrezaatradio,enoapenasadeEstcio.ParachamarHelenadisciplina,Estciofechaumavezmaisoseucrculomental.Vejamosacontinuaododilogo:

    Helena!interrompeuEstcio;vocmuitocapazdedispararacorrer.Esefosse?Eudeixava-air,enuncaatrariaemmeuspasseios.Vocmontabem;masnodesejoquefaatemeridades.Nssomosresponsveis,nosporsuafelicidade,mastambmporsuavida.(H,cap.vi)

    Orapazretornaidiadeummundoqueaprojeodesuavontade:nosafelicidade,mastambmavidadeHelenapassaadependerdoguapodonzel.Ameninanodeixadenotaraespeciosidadedetalargumentoe,apsoinstantehabitualdereflexo,relativizaoutravezopontodevistadeEstcio:

    Querdizer,perguntouela,queseeufossevtimadeumdesastre,nofaltariaquemoimputasseminhafamlia?Justo.Singulargente!Nohdesertantoassim...(H,cap.vi)

    misriaechocolate

    Atesteponto,temosobservadoEstciocomoexpressodepoderisto,comovignciadedeterminadahegemoniapolticaecultural.Todavia,Helenatambmpercebiaquantohaviadeforavirtual,depotencialparaahumilhaoeaviolncia,navisodemundodeEstcio.Defato,amoapareceagircomoquemestconscientedequeaqualquermomentopodeseencontrarsobaameaadeinvasoerapina.OenredointrincadodoromanceacabaressaltandoafragilidadedaposiodeHelena,que,aofimeaocabo,descobre-se

  • completamenteindefesa.Supondoquetenholeitores,esupondo,oqueinfinitamentemaisrazovel,quetaisleitorestambmosodeHelena,todosselembraroqueoconselheiromentiraemseutestamento.Helenanoerafilhadoconselheiro;este,tendoumavidaamorosapoucocatlica,arranjaraumcasoextraconjugalcomamedamenina,esefizeraprotetordeambas.NaorigemdaposiodeHelenajuntofamliaVale,portanto,haviaumatodepuravontade,depuroarbtriosenhorial:oconselheiroinventaraessapaternidade,produzindoumaficodeenormesconseqnciasparaaspessoassuavolta.EssacaractersticadatramapropeumaexplicaoformalparaofatodeHelenasabermais,deelapodercaptarcomperfeioacomplexidadedasrelaesdepodernaqualestavainserida.Afinal,Helenaencontrava-senacondiosingulardeterduplafiliaopaterna:opaiverdadeiro,Salvador,eraalgumqueamargaratodasashumilhaesesofrimentospelosquaispoderiapassarumhomempobreedependentenessasociedade;opaiadotivo,oconselheiroVale,eraosenhortodo-poderosoebenevolente,queabraararesolutamenteacausadaproteodemeefilha.Ereparemqueningummal-intencionado:apesardemulherengoporndoleedistrao,oconselheironotiveraopropsitodehumilharSalvador,poisamedeHelenasedisseraviva.Enfim,umametadedeHelenaestavanaposiodecompreenderinteiramenteosofrimentodeumdependentepapaiSalvador,aopassoqueaoutrametadenopodiadeixardereconheceresesentirgratapelaproteooferecidaporumsenhor/proprietriopapaiVale,oconselheiro.Nummomentocrtico,oprprioSalvador,aodescreverasituao,afirmaqueopailutavacomopai(H,cap.xxvi).Amoamove-seemterrenosocialambguo,liminar,poisestimbudadeumsentimentodegratidoedeumaagudezacrticaquelhessoigualmenteinescapveis.

    OqueseseguequeHelenatemplenaconscinciadopotencialdeviolnciainerenteposiodeEstcio.Secontrariado,esendoincapazdeadmitiraalteridade,Estcioexigiriaqueooutroseanulasse,ouentoelemesmopartiriaparaaempresadedestruio.Comovimos,Helenaadministraocotidiano,epreservaoseutantodeautonomia,comastciaedissimulao,temperandoaindaassuasatitudescomumapitadadechalaa.svezes,porm,emsituaesdeperigoiminente,araparigaobrigadaaescolherentreasubmissoearebeldia.

    Elaserecolhesubmisso,porexemplo,logoapsterexplicadoaEstcioo

  • ardilqueutilizaraparainduzi-losaulasdeequitao.Orapazsorriaprincpio,masficasrioapsuminstante,ocorrendoentoaseguintecena:

    Jlhenegamosalgumprazerquedesejasse?Helenaestremeceueficouigualmentesria.No!murmurou;minhadvidanotemlimites.(H,cap.vi)Surgindonumcontextodemanifestafranquezaecordialidade,apergunta

    repentinadofilhodoconselheiroequivaleaumaagresso:EstcioobservaaHelenaofatodequeelaestsobasuaproteo,sendoafortunaeaposiofamiliardomooaorigemdapossibilidadedearaparigaagoraterdesejosepodersatisfaz-los.claroqueEstcionotemadimensoexatadaviolnciadogolpequedesfechara,poiselenosabiaaindadamentiradotestamento.Dequalquermodo,Helenaestprostrada,esuarespostaacapitulao:minhadvidanotemlimites.AcapitulaopermitequeEstcioretornesuaatitudehabitual,eeleofazdeformaexemplar.Aoperceberquecometeraumadescortesia,elerompeosilncio:

    Vocficoutriste,disseEstcio;maseudesculpo-a.Desculpa-me?perguntouamoaerguendoparaoirmoosbelosolhosmidos.Desculpoainjriaquemefez,supondo-megrosseiro.(H,cap.vi)Emsuma,temosdevoltaovelhoEstcio:foielequemcometeuainjriae,

    paradoxalmente,eletambmquemsearrogaaprerrogativadedesculparainjuriada.NessapassagemEstcioqueassumeumtomdebrincadeira,procurandodesanuviaratensoqueeleprpriocriara.Ocontedodachalaadeverassignificativo:Estcioconsumaaagressoeatribuiasimesmoodireitodeperdoar;istoseexplicaporquenohqualquerreferencialexternoaomundodohomemdasmatemticas,elogoseriainconcebvelqueelecometesseumatodeviolncia.Comefeito,nohcomoconceberumatodeagresso,jqueomundoimaginadoporEstcioconstitudopordependentese,nolimite,ummundodedependentesanegaodaalteridade.Logo,nosereconheceaexistnciadeumobjetoexternopassveldeseragredido.Seriadesnecessrioinsistirnotantodeonanismomentalquehemtalconcepodemundo,etoliceignoraroquantoMachadomostra-secientedissomuitoantesdeescreverasMemriaspstumasdeBrsCubas.

    EmoutracenaemqueEstcioparteparaumacondutainvasiva,areaode

  • Helenamaiscomplexa,nopodendoserinterpretadacomosubmisso,enosendoexatamenterebeldia.Estcioteimavaemdescobrirquemeraomanceboporquemairmestavaapaixonada;Helenadeixaraescaparumameiaconfisso,nopodiarevelaroresto,eorapazacabacedendoaummauimpulso.Vejamosapassagem:

    Umdia,ainsistnciadeEstciotevetalcarterdeautoridade,quepareceuconstrangeremolestarHelena.Elareplicoucomumremoque;eleredargiucomumaadvertnciaspera.Ouvindoapalavradoirmo,Helenasusteveopasso,efitou-ocomumolhardigno,umdessesolharesqueparecemvirdasestrelas,qualquerquesejaaestaturadapessoa.(H,cap.x)Estcio,portanto,procurouutilizarsuasprerrogativassenhoriaisa

    autoridadeparaarrancarosegredoirm.Ameninatentouseesquivarcomodehbitocomumremoque,masodonzeltornou-seaindamaisincisivo.Parasusterainvaso,HelenadeixaclaroaEstcioqueelanosesubmeteria,lanando-lheotalolharvindodasestrelas.Orapazentendeentoqueprosseguirseriaoptarpelarapina,pelaforapuraesimplesmente.Aoresolverpelaretratao,Estciolevadoareconhecerquehlimitesparaoexercciodavontadesenhorialerecuadiantedacontingnciadeterdeseaprofundarnousodafora.EsseuminstanterarodeEstcionoromance,poiseleobrigadoaadmitirqueexisteummundoparaalmdocomprimentodoprprionariz.Aliviadacomorecuodoagressor,Helenaexplica,deformanecessariamenteenigmticaparaEstcio,oporqudeelaprecisarresistir:

    novmelindre,aprprianecessidadedaminhaposio.Vocpodeencar-lacomolhosbenignos:masaverdadequesasasasdofavormeprotegem...Poisbem,sejasempregeneroso,comofoiagora;noprocureviolarosacrriodaminhaalma.(H,cap.x)Estciocontinuavaaignorarologrodotestamento,elogonopodia

    perceberoalcancedaspalavrasdeHelena.AraparigaconseguiraresistiraoataquedeixandoclaroaEstcioquehavialimitesautoridadedele,haviaumespaodeautonomiapeloqualelairiazelarequelhegarantiaainviolabilidadedosacrriodaalma.EstcionoavanaraporquereconheceraalegitimidadedodireitodeHelenaaessaautonomiarelativa.OdramadeHelena,porm,queelasabiaquesuaposionoeralegtima,quesuaautonomiaera,nolimite,indefensvel,poisseudireitonoforafrutodeumaconquistaoudeumapaternidadeverdadeira,masdeumamentirabenvolaeprotetorado

  • conselheiro.Emoutraspalavras,Helenareconheciaque,casoaverdadeviessetona,elaestariareduzidacondiodedependnciamaisabjeta,semqualquerdireitoaosacrriodaalmaeobrigadasubmissocompleta.Enfim,descobertaatramadotestamento,HelenasetornariaaqueladependentequepovoavahabitualmenteoimaginriodeEstcio:umnada,semdireitoalgum,cujaprpriavidapareceriaumaconcessodavontadesenhorial.Helenatinhademorrer,poistamanhadependnciaspodiaexistirmesmonumainstnciaimaginria,eoromancemachadianoprocuravaomovimentohistricoreal.

    OmomentodemaiorviolnciadeEstcionoromance,todavia,aindaestavaporvir.Helenaprocuravaescaparaoamorimpossvelquesurgiaentreelaeaquelequeeraaomesmotemposeuirmoeseuinimigo.AbeldadeempurravaEstcioparaosbraosdeEugnia,afilhadeCamargo,estrelamaisbrilhanteentreasmenoresdofirmamento,aomesmotempoque,auxiliadapelopadreMelchior,arranjavaumnoivoparasiprpria.NolhefoidifcildescobrirqueLuizMendona,omelhoramigodeEstcio,ardiaaseusps.OfilhodoconselheirosoubedonoivadodairmduranteumaviagemaCantagalo,ondeodr.Camargoefamliaesperavamimpacientementepelamortedeumafazendeiraquetalvezlhesfizesseumlegado.Desvairadocomanotcia,EstciovoltaCorteprontoparafazervalerasuacapacidadedehumilharesubmeteroscircundantes.Consultadosobreocasamentodairm,elenegaoseuconsentimento.Numlancebrutal,EstciohumilharaMendonareferindo-seaseucrdito,einsinuandoassimqueofimexclusivodonoivoeraariquezadamoa(H,cap.xix).Dessavez,noentanto,aatitudedeHelenadecompletainsubmisso.Elanoaceitaadecisodoirmo,dispe-searenunciarheranadoconselheiroparaafastarasuspeitadequeonoivoagiaporinteresseedesafiaabertamenteorapagodoAndara:Mendonajofrutoproibido,concluiuamoa;comeoaam-lo.Seaindaassimmeobrigaradesistirdocasamento,ador-lo-ei(H,cap.xix).

    Emsuma,oquevimosatomomentoque,emHelena,Machadoempreendeumaanlisebastantelcidadaspolticasdedomniovigentesduranteotemposaquarema.AhistriadeEstcioeHelena,antesqueodramachorosodeumamorimpossvel,adescriodoperododehegemoniaincontestedaclassesenhorial-escravista,cujacriseprofundaoromancistavivenciaraentre1866e1871,ecujodesmanchareleassistiacomolharinvestigativonodecorrerdadcadade1870.AoescreverHelena,Machadono

  • tinhamaisilusesquantocontinuidadedasestruturastradicionaisdepoder.Aperspectivadeanlisejbemcrticae,decertaforma,elefazemergirasuaabordagemdeixandoqueHelenafaleporele.SeMachadonotemmaisiluses,sofrepormcomoimpasseenovalternativa.Aambigidadedapersonagemprincipaltraduziaaexperinciahistricadeumsem-nmerodedependentesnessetempoesociedade:aindaseduzidosdealgumamaneirapelaideologiasenhorial,Helenaeseussemelhantespodiammostrar-sesinceramentegratosaseussenhoresoubenfeitoresespecficos,eassimpermaneciamrelutantesemsacudirainrciadasestruturastradicionaisdepoder;outrossim,osanosdecrisehaviamagudizadoaperspectivacrticamaisgeral,explicitandoasinjustiasinerentespolticadedomniosenhorial.Porumlado,acrisetornaraacrticainevitvelacreditarerajimpossvel;poroutro,nopareciahaverumasada,eodiscursoqueeradeanliseacabasereestruturandocomodenncia.

    SemetadedeHelenaaanlisefinaejoutrotantoirnicadedeterminadosmecanismosdepoder,aoutrametadetorna-sedennciaamarguradadasiniqidadesvigentesemtaisprticasdedominao.Duaspersonagensencarnamosentidodedennciadoromance:umalgoz,odr.Camargo,eumavtima,opapaiSalvador.Novoumeocuparaquidasvilaniasdodr.Camargo,poisorepertrioodesempre:frio,calculista,interesseiroechantagista,anicacaractersticamarcantedodoutorqueeletinhaorequintedebeijarafilhaapenasnasocasiesemquesobrevinhamacontecimentosquepareciamfacilitar-lheaambiodecasarEugniaeEstcio.Assim,ameninafoibeijadaquandodofalecimentodoconselheiro,quandodoalmejadopedidodecasamentoe,muitoafetuosamente,quandodamortedeHelena.

    Masdeixemosdeladoosbeijosdorptil,poiscomSalvadorqueocontedodedennciadolivroassumeumcarteraomesmotempomaisabrangenteehistoricamenteespecfico.Nessemomento,MachadoabandonaosprocedimentostosutisquantodemolidoresdeHelenaeparteparaodiscursodiretoecontundente.Asofisticaoanalticaeadissimulaodameninadeixamocentrodanarrativa;oleitorpodeafundar-senapoltronaesimplesmenteacreditarnoqueestlendo.TendopilhadoHelenanoinstanteemqueestasaadacasadepapaiSalvador,Estcio,queaindaignoravaaverdadeirahistriadamenina,utilizacomopretextoanecessidadedecurarum

  • ferimentoparatentararrancaralgumacoisaqueledesconhecidocomquemHelenatravavarelaes.Omoonoescolhetalalvitresemcertahesitao,poisoespetculodapobrezalherepugnavaaosolhossaturadosdeabastana(H,xxi).Apsalgunsminutosdeconversa,Salvadorfezumcomentrioqualquersobreosmotivosdesuapenria.OdonzeldoAndara,quenotinharazoalgumaparapressapormqueriacomprarhoraseminutos,queviviadebrisapormexaltavaasvirtudesdotrabalho,retrucaqueumhomemaindajovem,forteeinteligentenotemodireitodecairnapenria(H,cap.xxi).OpaideHelenarespondesemrodeios,pararessaltarotantodeingenuidadequehavianopontodevistadosenhor/proprietrio:

    Suaobservao,disseodonodacasasorrindo,trazosabordochocolatequeosenhorbebeunaturalmenteestamanhantesdesairparaacaa.Presumoquerico.Naabastanaimpossvelcompreenderaslutasdamisria,eamximadequetodoohomempode,comesforo,chegaraomesmobrilhanteresultado,hdesempreparecerumagrandeverdadepessoaqueestivertrinchandoumperu...Poisnoassim...(H,cap.xxi)Otomdacrticamudabastantenessecontexto:ondeanteshaviasutilezae

    galhofa,temosagoraadenncia,sebemquemantendoaindaaironia.Dequalquermodo,ocontedodacrticaomesmo:tantoHelenaquantopapaiSalvadorcolocam-senumaperspectivaexteriorideologiasenhorial,etentamfazercomqueEstciorelativizeasuamaneiradepensar.Ofilhodoconselheiro,todavia,permanecebebendoochocolateetrinchandooperu,atque,algumaspginasadiante,oshomensencontram-sedenovo,empresenadopadreMelchior,eSalvadorcontaentotodaasuahistria(H,cap.xxv).OpaideHelenaenfatizaoutravezaidiadeque,emsuavida,quantomaistrabalharamaisempobrecera,edepoisnarracomoforalevadoaabrirmodelutarpelamulherepelafilhaemfunodaproteoedaseguranaqueoconselheirodispunha-seaproporcionar.Essahistriaderennciaehumilhao,cujaorigemestavanopoderenoscaprichosdavontadesenhorial,chegaaemocionarojovemmancebo,masnosabemosatquepontopodialheabalarasestruturas.AmortedeHelenainterrompeoprocesso,emantmaverossimilhanadoromance.Afinal,Helenanopodiaexistirnoestadodesujeiomaisabjeta,eadescobertadamentiradotestamentoarrebatava-lheapossibilidadedeumaperspectivacrticaeautonmica.Emsuma,osantagonismossociaisestoidentificadosedelineados,masaindanosodescritosnumprocessodemudanahistrica.MachadodeAssisest,em1876,

  • ainterpretarasociedadedoperodoanteriorcrisede1871;oaprofundamentodosantagonismoseoconseqentedesmanchardaspolticastradicionaisdedominaoserotemaspresentesemIaiGarcia.

    entreatoterico

    claroqueestaleituraquevenhopropondoparaHelenadevebastanteaRobertoSchwarzesuadescobertadequeMachadodeAssis,aocontrriodasaparnciasedeinterpretaesconvencionais,sempretevemuitoadizersobreasrelaessociaisdedominaovigentesnoBrasildosculoxix.Noentanto,eapesardeconcordarcomSchwarznessesentidomaisessencial,meuargumentoapresentaespecificidadesquevaleressaltar.

    ParaSchwarz,oobjetivodeMachadoemHelenacontribuirparaoaperfeioamentodopaternalismo.5Segundoele,aideologiadoromanceseriaadequecabeseveridadedoamorfamiliareaosentimentocristoamoralizaodasdiferenassociais,paraqueestassetornemlivresdasbaixezasedashumilhaesquepossameventualmenteinspirar.Ouseja,aideologiadolivro,bastanteinspida,seriaadequeafamliaeareligiodeveriamcivilizarosricoseconsolarospobresedependentes,edessaformaHelena,tantoquantoosdemaisromancesdaprimeirafasedeMachado,poderiamserdescritoscomotrabalhosdeliberadaedesagradavelmenteconformistas.6OmovimentoprofundodeHelenaestarianocontrasteentreessaintenomorigeradaecivilizatriamaisgeraleocomportamentodeverasturbulentoeindisciplinadodaspersonagens.7Esseobjetivoconformistaacabariaporconteraforapotencialmentedissolventedaanliseracionaleprofundadopaternalismo,queSchwarzdemonstraestarpresente,masque,emsuaopinio,nochegaasercrtica,poisnoseinteressapelomovimentodascontradiesreaisneminterfere.8

    PensoqueSchwarznopercebeutodooalcancedacrticaeaforadadennciacontidosemHelena,ehaomenostrsexplicaesparaisso.Emprimeirolugar,eapesardecorreroriscodeseraindamaisrepetitivo,enfatizoodeslocamentodeenfoquequemepareceessencialnaleituradesseromance:comovenhotentandodemonstrar,omovimentoprofundodeHelenaadescriodosantagonismosconstitutivosdaspolticasdedomniovigentesnoperodoanteriorcrisedefimdosanos1860einciodadcadade1870.Como

  • fezquestoderegistrareminmerostextos,MachadodeAssisconsideravadecisivososanosdeagitaopolticaesocialqueculminaramnapromulgaodaleide28desetembrode1871e,defato,muitodaquiloqueescreveunasdcadasseguintestinhaapreocupaodeinterpretarosacontecimentosdaqueleperodo,assimcomoavaliarasconseqncias.AcrisehaviaprovocadoemMachadoumdistanciamentocrticoquenotinhavolta.Ele,queconheciaasrelaespaternalistasporexperinciahistricaetrajetriaindividual,expeemHelena,comlucidezeclarezatalvezimpossveisantesde1871,tantoaunilateralidadedavisodemundosenhorialcomoasdificuldadeseperigosinerentesposiododependente.AchavedeHelena,oromance,aambivalnciadeHelena,apersonagem:elaestnointeriordaideologiasenhorialporquepossuigratidoeporqueconheceemanipulabemossmbolosevaloresqueconstituemeexpressamtalideologia;elaestforadasrelaespaternalistasdevidoaofatodequeconseguerelativiz-las,elogoperceb-lasclaramenteenquantopodere,nolimite,foraouimposio.AperspectivacrticapermiteaHelena,comojfoidito,apreservaodecertaautonomia,sendoqueaimpossibilidadedetalautonomia,nofimdoromance,adestruiodaambivalnciaedapossibilidadecrticaaalternativaamorte,ouatransformaohistrica.AtransformaohistricaseriaoassuntodeIaiGarcia;emHelena,ocenrioaindaahegemoniadoprojetosaquarema.Enfim,noconsigoveremHelena,porummomentosequer,queMachadopudesseteremvistaoaperfeioamentodopaternalismo.

    Osegundoproblema,alis,aquiloqueseentendeporpaternalismo.Meusleitores,supondosemprequeostenho,teronotadoqueevitei,athpoucaslinhas,utilizaressapalavra.bvioqueano-utilizaodapalavranosignificaqueeutenhaignoradoosproblemaspertinentesatalconceito;aocontrrio,boapartedestetextotemsidoumaanlisedopaternalismoapartirdainterpretaodaquiloqueumromancedeMachado,analisadocomotestemunhohistrico,podenosrevelararespeitodeumasociedadeemquetalideologiaassumecarterhegemnico.Oconceitodepaternalismocomplexo,apalavraprecisaserusadasemprelevando-seemcontacertascautelas,eentoeviteiempreg-laatquehouvessecondiesdeesvazi-ladesuavocaoparacausarconfuso.HelementossuficientesemMachadoparafundamentarumadefinioconvencional,porassimdizer,depaternalismo:trata-sedeumapolticadedomnionaqualavontadesenhorialinviolvel,enaqualos

  • trabalhadoreseossubordinadosemgeralspodemseposicionarcomodependentesemrelaoaessavontadesoberana.Almdisso,epermanecendonaticasenhorial,essaumasociedadesemantagonismossociaissignificativos,jqueosdependentesavaliamsuacondioapenasnaverticalidade,isto,somenteapartirdosvaloresousignificadossociaisgeraisimpostospelossenhores,sendoassiminvivelosurgimentodassolidariedadeshorizontaiscaractersticasdeumasociedadedeclasses.NoprecisoobservarqueosmovimentosdeEstcionoromancesoumaexposiomaisdoqueconvincentedessaacepodapalavrapaternalismo.

    Todavia,jhcercadetrsdcadasdeproduoacadmicanareadehistriasocialparademonstrarque,seentendidounicamentenosentidomencionado,opaternalismoapenasumaautodescriodaideologiasenhorial;ouseja,nessaacepo,opaternalismoseriaomundoidealizadopelossenhores,asociedadeimaginriaqueelesseempenhavamemrealizarnocotidiano.Emtextosfamosos,escritosdesdeoinciodadcadade1970,ThompsoneGenoveseesteabordandoumcontextoemquetambmhaviaescravido,edepoismuitosoutroshistoriadores,mostraramqueavignciadeumaideologiapaternalistanosignificaainexistnciadesolidariedadeshorizontaise,porconseguinte,deantagonismossociais.9Emoutraspalavras,eparacitarRebeccaScott,outraespecialistanahistriadaescravido,subordinaonosignificanecessariamentepassividade,eoshistoriadoresvmencontrandonumerosasmaneirasdeexaminarasiniciativasdosescravossemdesconsideraraopresso,deexploraracriaodesistemasalternativosdecrenasevaloresnocontextodatentativadedominaoideolgica,deaprenderareconheceracomunidadeescravamesmoconstatandooesforocontnuoderepressoaalgumasdesuascaractersticasessenciais.10AspalavrasdeScottajudamapensarnosasituaodosescravos,mastambmadosdependentesemgeral,emsociedadesemquehaviaahegemoniapolticaeculturaldopaternalismo.NoprecisoobservarqueosmovimentosdeHelenanolivrosoumaexposiomaisdoqueconvincentedacomplexidadehistricadoconceitodepaternalismoedavignciadaalteridadenocentromesmodosrituaissenhoriaisqueinsistiamemignor-la.Emresumo,meuargumentoque,talveztolhidoemexcessopordefiniesconvencionaisdepaternalismo,comunspocaemqueescreveuAovencedorasbatatas,Schwarznotevecomodescortinarinteiramenteadialticaextraordinriadosmovimentosde

  • HelenanoromancedeMachado.Finalmente,eoleitoratentojtersuspeitado,oterceiroproblemaaquilo

    queseentendeporescravido.Porumlado,parececlaroqueparaMachadoacrisedasociedadesenhorial-escravistaoriginava-sebasicamentenoprocessohistricodeemancipaodosescravos.Poroutrolado,asrefernciasinstituiodaescravidonosromancesmachadianosnosomuitofreqentese,aoqueparece,nemcentraisaodesenvolvimentodanarrativa.TantoSchwarzquantoGledsonregistramoseudesconfortodiantedessesupostoparadoxo.Schwarzofereceumasoluotericaparaoproblema:aescravidoeraarelaoprodutivafundamental,pormnoseconstituanonexoefetivodavidaideolgicanoBrasildosculoxix.Aexplicaodissoestarianofatodequeasubordinaodostrabalhadoresnarelaoprodutivadebaseisto,naescravidoestariaasseguradapelafora.11Josagregadosedependentesemgeralviam-seenvolvidosnateiacomplexadofavor,quegarantiaasubordinaodapessoapormeiodemecanismosdeproteocomcontraprestaodeservioseobedincia.Assim,sendoaescravidomantidaunicamentepelaviolnciadireta,nossosescritoresoitocentistaspreferiamtematizaroBrasilapartirdoproblemadopaternalismoedocontrolesocialdosdependenteslivres,semdvidamaissimpticodoqueonexoescravista.12Estariaexplicado,ento,oporqudeaescravidonoseronexoefetivodavidaideolgica.

    Certavez,numdebatesobreasuaprpriaobra,Schwarzafirmouquenecessrioentenderessarealidadecomoumaestrutura:dependente,escravo,proprietrio,eobservouquearelaoparticularcomosdependentesdependedaexistnciadaescravido,seconfiguraapartirdela,inclusiveumdospavoresbsicosdodependenteerasertratadocomoescravo,coisaqueeleprecisavaevitaratodocusto.13Estaltimaobservaobastantepromissora,masSchwarznochegaaexploraroseupotencial;emsuma,elepostula,pormnodemonstra,aexistnciadovnculoestruturalentreescravidoisto,ocontrolesocialexercidosobreostrabalhadoresescravosepaternalismoapolticadedomnioquegarantiaasubordinaodosdependentes.OresultadoprticodesseproblemanaobradeSchwarzqueeleexcluiotemadaescravidodaobradeMachado;ouseja,comooassuntonopareceestarpresenteedefatonoseapresentadeformaostensiva,entoseconcluiqueeleefetivamentenoestpresente.TaloprocedimentodeSchwarzao

  • analisarotemadaescravidoemMachado;todavia,eparasermosapenasjustos,SchwarzexatamentequemmaisfezathojeparademonstrarainsuficinciadesemelhantemtodoemsetratandodainterpretaodostextosdobruxodoCosmeVelho.

    JohnGledsonencaminhaoutrasoluoparaoproblema.EmseucaptulosobreQuincasBorbaemFicoehistria,GledsonargumentaqueparaMachadoaescravidoumimportanteelementocausaldemudanaequeumadasexplicaesparaadificuldadedoromancistanaredaodesselivroforaexatamenteabuscadeumasoluoartsticaqueexprimisseasuainterpretaodahistriadoperodo.Emsntese,paraGledson,eraassimqueoproblemaapareciaparaMachado:aaboliodaescravidonoocorreuatravsdosprpriosescravos,quenopodem,assim,represent-la;todavia,tambmnopareciacorretodescreveroprocessocomosimplesexpressodosinteressesdosproponentesdaemancipaogradual.14Oassuntoeracomplexo,eMachadoteriaencontradoumamaneiraderegistraraimportnciadaescravidopormeiodosconflitosinternosdeRubioeseulentoprocessodealienaomental,sendoquesvezesessapersonagempareceexprimiroinconscientecoletivodaquelasociedade.15AsoluodeGledsonengenhosa,equasequecertamentenoequivocadaaosuportantaengenhosidadeemMachado,pormpermaneceassumidamenteumatentativadeabordarasintenesmanifestasdoromancista;penso,porm,quenoqueconcerneaotemadaescravido,emespecialtalveznosromancesanterioresaBrsCubas,boapartedotestemunhohistricodeMachadopodeestaralmdesuasintenes.

    escravido

    EmHelena,quasetudooquesedizsobreainstituiodaescravidoestcontidonosmovimentosdeVicente,opajemdaprotagonista.Emsuaprimeiraapario,Vicentedescritocomocriadacasaeparticularmenteestimadodoconselheiro(H,cap.iv).Taldescriodocativotemobjetivobemdefinido:comopautavamseussentimentospelosded.rsula,osescravosdafamliaficaraminicialmenteinsatisfeitoscomachegadadeHelena;Vicente,noentanto,pelofatodehaversidotoestimadopeloconselheiro,aceitoulogoaquelaqueselheapresentavacomofilhadofinadosenhoresetornouento

  • umfielservidordeHelena,seuadvogadoconvictonosjulgamentosdasenzala(H,cap.iv).Ocomentriomaiscrucialdapassagem,todavia,odequeadedicaodeVicenteraparigaeradespidadeinteresse,porqueaesperanadaliberdade,seapodiahaver,eraprecriaeremota(H,cap.iv).Anecessidadedemencionaraesperanadaalforriaouatdejustificarasuapossvelausncianumcontextoemqueseprocuravaenfatizaradedicaodeumescravobastantereveladora:comojabordeicomdetalheemoutrotexto,umdosaspectoscentraisdapolticadedomnionaescravido,pelomenosat1871,eraofatodequeoatodealforriarconsistiaemprerrogativaexclusivadossenhores.Emoutraspalavras,cadaescravosabiabemque,excludasasfugaseoutrasformasradicaisdenegaodocativeiro,suaesperanadeliberdadedependiadotipoderelacionamentoquemantivessecomseusenhorparticular.Aidiaeraconvencerosescravosdequesuaschancesdealforriapassavamnecessariamentepelaobedinciaefidelidadeemrelaoaosproprietrios.Almdisso,conformeoexemplonotveldoafricanoRaimundoemIaiGarcia,aconcentraodopoderdealforriarexclusivamentenasmosdossenhoresfaziapartedeumaamplaestratgiadeproduodedependentes,detransformaodeex-escravosemnegroslibertosaindafiisesubmissosaseusantigosproprietrios.16

    Emsuma,essaprimeiravisodeescravidoconstanteemHelenasugerequehumimportanteelementoemcomumnaspolticasdedomnioexercidassobreescravosedependentes:emambososcasos,epermanecendosemprenaticadaclassedossenhoreseproprietrios,asrelaessociaisdedominaoestoassentadasnopressupostodainviolabilidadedavontadesenhorial.SeforessemesmoocontedodotestemunhohistricodeMachado,entoserpossveltraarmaisparalelismosentreosmovimentosdeVicenteeosdeoutrosdependentesquetemosacompanhadonoromance.UmacenainteressanteaquelaemqueHelenaresumeparaEstcio,emtermosqueseriaminteligveisparaomancebo,qualotipoderelaoqueelatinhacomVicente.Estcioficaraamuadoporqueairmfizeraopasseiomatinalacavalosemasuacompanhia;elesediziapreocupadocomapossibilidadedeamooilasofrerumacidente.InterpeladoporHelena,quefingianoentenderbemomotivodacasmurricedorapaz,EstcioconfessaquenogostaradesaberqueamoasaraapenasemcompanhiadeVicente:Estcertadequenocorrenenhumperigoindoscomopajem?.Emseguida,EstciopedeaHelenaque

  • nosaianuncasemmim.Vejaaresposta:Noseisepodereiobedecer.Nemsemprevocpoderacompanhar-me;almdisso,indocomopajem,comosefosses;emeuespritogosta,svezes,detrotarlivrementenasolido.(H,cap.ix)Ouseja,Helenanopodiaobedecer,poisVicenteeraseucmplicenas

    visitasquefaziasecretamenteapapaiSalvador;eento,parajustificardiantedeEstcioospasseiosquedecertocontinuariaafazeremcompanhiadomoleque,araparigaempregaorecursoquesabiautilizartobem:elanarraaEstcioumaversoparaasuarelaocomVicentequesemostraapenasumareproduodaideologiadoguapodonzel.Assim,VicenteumnadadiantedavontadedeHelena,eamoachegaaproduziraproladequeindocomopajem,comosefosses.

    Essemomentofoi,obviamente,outroexemplodedissimulaodapequena.Adiante,onarradordahistriaquemnosofereceversodiferenteparaorelacionamentoentreHelenaeVicente.AmoaforafazermaisumavisitaapapaiSalvador,pormvoltavatristeporquenooencontraraemcasa.Opajem,quetambmvinhatristeporquepautavaosseussentimentospelosdasenhora,naverdadenopautavaosseussentimentospelosdasenhora(sic):

    Opajemlevavaosolhosnamoacomumardeadoraovisvel;mas,aomesmotempo,comaliberdadequedaconfianaeacumplicidadefumavaumgrossocharutohavans,tiradoscaixasdosenhor.(H,cap.xv)Otrechonotvel,poissugerequeomovimentodeVicenteemrelaoa

    HelenasemelhanteaodeHelenaemrelaoaseusprotetores/algozes:porumlado,horeconhecimentopelaproteosenhorialaadoraovisveldeVicenteeagratidodeHelena;poroutro,hapossibilidadedetraduziressaobedinciaemconquistasouespaosdeautonomiaaliberdadedefumarocharutohavansemVicente,odireitoaosacrriodaalmaemHelena.ArefernciaaocharutomaisinteressanteaindaporquequiremetiaoleitordeHelenaaocontextodaescravidourbana,queera,afinal,otantodeexperinciahistricamaisfamiliaraMachado.PerdigoMalheirofazoseguintecomentriosobreasituaodosescravosurbanosnasltimasdcadasdainstituiodaescravido:

    Nascidadesjseencontramescravostobem-vestidosecalados,que,aov-los,ningumdirqueo

  • so.Atousodofumo,ocharutosobretudo,sendoalisumvcio,confundindonopblicotodasasclasses,nivelando-asparabemdizer,hconcorridoaseumodoparaessaconfraternidade,quetemaproveitadoaoescravo;oemprstimodofogooudocharutoacesoparaqueumoutroacendaoseuefume,temchegadoatodossemdistinodecornemdeclasse.Eassimoutrosatossemelhantes.17

    MesmocomodevidodescontosidealizaeseexagerosdePerdigo

    Malheiro,parecerelevanteofatodeMachadoutilizaroexemplodocharutoparaexprimirotantodeliberdadeconquistadoporVicente.Echarutotiradoscaixasdosenhor,paraserfumadonafrentedasenhora.Machadotalvezregistreaquialgoquepercebidopelosescravoscomoumaaproximao,aomenossimblica,condiodeliberdade.Naverdade,eapesardaobservaoinicialsobreodesinteressequehavianadedicaodeVicenteaHelena,oquevemosqueacondutafieleobedientedopajemacabaportornarmaisconcretaasuaesperanadealforria.Estcioquemnosinformaaesserespeito:tendovistoHelenadeixaracasadeSalvadoremcompanhiadopajem,elecogitaeminterrogarocativoqueeraoconfidenteeocmplicedeHelena.Ofilhodoconselheiroacabadesistindodeutilizaressealvitre,masantesaindaserecordadequeHelenalhepediraumavezaliberdadedaqueleescravo(H,cap.xxi).

    AintervenomaisimportantedeVicentenahistriaocorrenoaugedacriseentreHelenaeafamliadoconselheiro.Aodesconfiarqueasenhorapadecia,opajeminterpelaopadreMelchiorparadescobriroqueestavaocorrendo.Opadredesconversaemandaomolequesossegar,masestepermaneceinquietoecomentaquehalgumacoisaqueoescravonopodesaber;emseguida,eparareafirmarasuaresoluodefazeralgoporHelena,Vicentedizaopadrequetambmoescravopodesaberalgumacousaqueosbrancostenhamvontadedeouvir(H,cap.xxiv).Opajempareceestaragindodemovimentoprprio,comodirdepoisMelchior(H,cap.xxiv),eumainterpretaohistoricamenteverossmilparaaatitudedeVicente,almdaadoraovisvelpelasenhora,seriaadequeeleentendiaquesuaesperanadealforriaestavaestreitamenteligadaaodestinodeHelenaepossibilidadedeestamanteroexercciodavontadesenhorial.Noesse,todavia,oencaminhamentoexplcitoqueMachadodaoproblema.TudooquetemosainterpretaoqueHelenaofereceparaomovimentoprpriodeVicentee,nessemomento,amoaapenasreproduz,aliscombastantepieguice,aideologiasenhorial.Assim,aosaberqueVicenterevelaraaopadreaversoque

  • elalhecontaraisto,adequeSalvadoreraseuirmo,apequenafazumaoraoaDeusporqueinfundiuanocorpovildoescravotonobreespritodededicao.Delatou-mepararestituir-meaestimadafamlia(H,cap.xxiv).Sepensarmosnagalhofeiradeliciosadeoutraspartesdoromance,torna-sepatentequeHelenaagoradescarrilou,poisconseguesertoinsossaquantoEstcio.Ofato,noentanto,queodescarrilamentodeHelena,suamaneira,umtestemunhohistrico:sendoasenhoradeVicente,amoarepeteemrelaoaeste,pelomenosnummomentodecrise,determinadalgicadedomnio,eentointerpretaomovimentodoescravocomomerasubordinaovontadesenhorial.

    Emsuma,sehemHelenaelementossuficientesparacolocaremxequeadefinioconvencionaldepaternalismojmencionada,tambmverdadequehnesseromanceindciossuficientesparaquestionaraidiadavignciadeumaseparaomuitomarcadaentrepaternalismoeescravido,outropressupostoimportantenachavedeleituradeSchwarz.VoltemospreciosaobservaodoprprioSchwarzdequeasituaodosdependentesdependedaexistnciadaescravido,seconfiguraapartirdela,inclusiveumdospavoresbsicosdodependenteerasertratadocomoescravo,coisaqueeleprecisavaevitaratodocusto.Aobservaocorreta,corretssima,edensejosobservaesfinaisdestecaptulo.Emprimeirolugar,halgoquevenhorepetindonestetextoexausto:dopontodevistadeEstcioecriaturassemelhantes,opressupostodainviolabilidadedavontadesenhorialestavapresentenaspolticasdedomniotantodeescravosquantodeagregadosedependentesemgerale,comoaescravidoeraasituaodemximadependncia,issoqueesclareceosentidodaafirmaodequeasituaodosdependentesseconfiguraapartirdacondiodosescravos.Emsegundolugar,eistoseseguedaobservaoanterior,opavordodependenteemsertratadocomoescravoerabastanteconcreto,talvezfreqentementeinformadopeloperigorealdeescravizao.Sabemosaomenosquehaviaamplossetoresdapopulaoditalivrequeviviamsobapressoconstantedeumapossvelescravizaooureescravizao.Nocasodosnegrosquejhaviamrecebidoacartadealforria,asituaoeravariada.Haviaaquelesquetinhamdecumprirclusuladeprestaodeservios,oqueoscolocavaporalgumtempo,svezesporvriosanos,numaposioambguaentrealiberdadeeocativeiro.Atapromulgaodaleide1871,existiaaindaapossibilidadedeosenhorrevogara

  • alforriapormotivodeingratido,oquerealaasubordinaoeaincertezacontidasnessaliberdadeconferidaaoslibertos.Emsuma,haviacondiesintermediriasentreaescravidoealiberdadeque,aomesmotempoemquematizamavisotradicionaldeumasociedaderigidamentedivididaemsenhoreseescravos,sugeremotantodeprecariedadeinerentecondiodessesdependentes.

    Almdisso,continuamafaltarpesquisassistemticassobreaameaaeaocorrnciaconcretadaescravizaoilegal.Atranqilidadeescandalosacomquecentenasdemilharesdeafricanosintroduzidosnopasapsaleiantitrficode1831permaneciamilegalmenteescravizadosassimcomoseusdescendentessaltaaosolhosesugereamagnitudedessecostumesenhorialeotamanhodoperigoquerondavaapopulaolivredecoremgeral.Tambmnecessrioobservarcomdesconfianaaprticacomum,naCorteealhures,dedeterparaaveriguaesindivduossuspeitosdeseremescravos.18Numasociedadeemquehaviaaescravido,elogoavignciadeumalgicadedominaoassentadanaprivatizaodocontrolesocial,umdependente,especialmentesepobreedecor,arriscavabastanteaoseafastardavizinhanaemquepodiaserimediatamentereferidoadeterminadouniversoderelaespessoais.Aredequeperseguiaecapturavaescravosfugidostinhaumentrelaamentoprecisoeregularoulanavaaameaaeasuspeiosobreamplossetoresdapopulaolivredecor?Ditoisso,eapesardessetantoquehemcomumnapolticadedomniovigenteparaescravosedependentes,claroqueacondiodeescravoeramuitodiferentedaqueladolivredependente.Sabemosissoporqueosescravoslutavamintensamentepelaliberdade,eviaderegraorganizavamsuasvidasemfunodaexpectativadealcanaresseobjetivo.Ascaractersticasmaisessenciaisdotipodedependnciaaqueestavamsubmetidososescravoseramocastigofsicoeacondiodepropriedadeestaosdeixavasempresobaameaadastransaesdecompraevendae,porconseguinte,diantedapossvelrupturadeseuslaosdefamliaecomunidade.

    Enfim,meuargumentoque,aocentrarsuashistriasnosantagonismosentresenhoresedependentes,MachadodeAssisabordava,naverdade,algicadedominaoqueerahegemnicaeorganizavaasrelaessociaisnoBrasiloitocentista,includoaoproblemadocontroledostrabalhadoresescravos,arelaoprodutivadebase.Aofazerisso,oromancemachadianoproduzia

  • outroregistrorealistaextremamentesutileeficaz:comoaambinciasocialdostextoserabasicamenteointeriordepropriedadessenhoriaisdaCorte,noseriaverossmilfundaroenredonaescravido.Defato,nasegundametadedosculoxix,emaisaindaapsaleide1871,Estcio,BrsCubas,Bentinhoetodososdemaismembrosdessagaleriaviviamnummundoemqueavisibilidadedaescravidopermaneciainevitvel,masaostentaodetalvisibilidadeseriaumagafe,umpecado,ouquemsabesobretudoumperigo.AoescolheraambinciasenhorialurbanadaCorte,MachadodeAssistambmadotouaaparnciaquesuaspersonagensprocuravamaparentar;noentanto,qualquerleitordosculoxixsaberiaobservaressaaparnciaacontrapelo,eobruxocertamentecontavacomesseolhar.

  • 2.Apolticacotidianadosdependentes

    percursoeargumento

    Aocompletaropercursodocaptuloanterior,chegvamosconclusodequeaspolticasdedominaovigentesnasociedadebrasileiradosculoxixpoderiamserapropriadamentedescritascomopaternalistas.Vimosquetallgicadedomnioestavapresentetantonasestratgiasdesubordinaodeescravosquantodepessoaslivresdependentes,equesuacaractersticaprincipaleraaimagemdainviolabilidadedavontadesenhorial.Omundoerarepresentadocomomeraexpansodessavontade,eopodereconmico,socialepolticopareciaconvergirsempreparaomesmoponto,situadonotopodeumapirmideimaginria.Opaternalismo,comoqualqueroutrapolticadedomnio,possuaumatecnologiaprpria,pertinenteaopoderexercidoemseunome:rituaisdeafirmao,prticasdedissimulao,estratgiasparaestigmatizaradversriossociaisepolticos,eufemismose,obviamente,umvocabulriosofisticadoparasustentareexpressartodasessasatividades.

    AomenosdesdeapublicaodolivroclssicodeRobertoSchwarz,Aovencedorasbatatas,sabemosqueMachadodeAssisfoimestrenessesmeandroseexpositorargutodetaltecnologiadedominao.1EmHelena,ocenriodesenhadoemtornodaaberturadotestamentodoconselheiroValedescrioexemplar,sebemquelevadasfronteirasdoabsurdo,deumritualdeafirmaodavontadesenhorial:oconselheirotoconhecedordesuasprerrogativasaestritajustiaavontadedemeupai(H,cap.ii),diriaEstcioqueresolvenoslegarseusbens,mastambmseussentimentosemrelaoaHelena.EmIaiGarcia,Valrialutacontraaintenodofilhoemescolherumaesposasemlevarnadevidacontaastradiesdefamlia,

  • cabedaiserelaesadquiridas,elementosdefinidoresdasprimeirasclassesdasociedade(conformeovocabulriodeH,cap.i).Sendoassim,adotaoalvitredemandarJorgeguerraparasepar-lodavirgemamada,pormpessoadecertaespcie,erecorrehonranacionalparadarcoloridonobreeaugusto(IG,cap.ii)causaedissimularseusverdadeirosobjetivosdeumcasodomsticosaaumaaopatritica(IG,cap.iii).EmHelena,Estciobuscaestigmatizarosadversriosdeformaimpiedosa.Mendonaesmagadocomumabrevealusoaseucrdito(H,cap.xix),atribuindo-se-lhedessaformamerointeresseeconmiconocasamentocomHelena.EmseuprimeiroencontrocomSalvador,Estcioprocurarecrimin-loporsuapobreza,poisumhomemforte,mooeinteligentenotemodireitodecairnapenria(H,cap.xxi).Ouseja,paraoguapodonzeldoAndara,queviviadebrisa,oumelhor,dasrendasprovenientesdeseuscabedais,pobrezadefeitomoral,imputando-seassimaSalvadorasuspeitadovciodaociosidade.Quantoaoseufemismosdadominaopaternalista,estavamportodaparte,emMachadoealhures,ebastalembrarquenoBrasiloitocentistaatorturarotineiradetrabalhadoresescravoseraconhecidacomocastigojusto.Quantoexistnciadeumvocabulrioespecficoaessatecnologiadepoder,fizaoleitorofavorde,attulodeexemplo,pinarvriasexpressesemMachadosoamaioriadasqueaparecementreaspasnestepargrafoqueoraencerro.

    Aspolticasdedominaovigentesnasociedadebrasileiradosculoxixpoderiamserapropriadamentedescritascomopaternalistas.Poderiam?Nosemalgunsinconvenienteseprecaues.Aideologiadesustentaodopodersenhorialincluaaimagemdequeaquelaeraumasociedadeemqueospontosderefernciaouseja,deatribuioeformulaodeconscinciadelugaressociaisdefiniam-setodosnaverticalidade.Seoproblemaconsistiaemsaberaopiniodosescravos,sobreHelena,porexemplo,bastavasaberqueessespautavamossentimentospelosded.rsula(H,cap.iv).EmIaiGarcia,LusGarciaamoldaraascousasaseujeito,portantonoadmiravaqueamoldassetambmohomem;assim,Raimundo,escravoelivre,pareciafeitoexpressamenteparaservirLusGarcia(IG,cap.i).Nomundoconstrudoportalideologia,mundosonhado,amedidadosujeitosoasrelaespessoaisnasquaisestinserido(relaesadquiridas;H,cap.i).Noexistelugarsocialforadasformasinstitudasformalmente,mastambmpelocostumedehierarquia,autoridadeedependncia.Ossujeitosdopodersenhorialconcedem,

  • controlamumaespciedeeconomiadefavores,nuncacedemapressesoureconhecemdireitosadquiridosemlutassociais.Foradosreferenciaisdaverticalidade,haveriaapenaspulverizao,tomossemexistnciasocial.

    Emoutraspalavras,naideologiadopaternalismo,tomadaemseusprpriostermos,demodotransparente,centralosentidodeencobrimentodeinteressesesolidariedadeshorizontaisentreosdominados,subordinados,subalternos,dependentesouseiloquemais,ecadaumescolhaaexpressoquelheaprouver.Oqueinteressanotarque,emsemelhanteacepo,opaternalismoapenasomundoidealizadopelossenhores,asociedadeimaginriaqueelessonhavamrealizarnocotidianosonhoimpossvel,noqualEstcioeBentinhoaindapuderamacreditar,talvezingenuamente,masqueBrsCubaseDomCasmurroaprenderamaglosarperfeitamente,emparteporautocomiseraodiantedaconscinciadaderrota.

    claroqueossenhoressabiamqueassolidariedadesentreseustrabalhadores(escravose/oulivresdependentes)estavaml,paraalmdofatocomumdesuaprpriasubordinao,ereconheciamtacitamentealgunscostumeslocais,laostnicos,dialetos,manifestaesreligiosas,artesdecuraeoutrosofcios,edemaisprticasculturais.Oproblemaqueessaalteridade,essaautonomia,queerareal,notinhalugarenquantotalnoimaginriosenhorial.sprticasautnomasdosdominadosnoeramatribudos,viaderegra,sentidosdealteridade,menosaindadeantagonismo.Elasexistiamporqueossenhoresteriamconcedidoaostrabalhadoresapossibilidadedeexerc-lasouinvent-las.Sendosoberanaeinviolvelavontadedossenhores,asaesdosoutrossujeitoshistricosapareciamcomooriginriasdessavontade,comosuasimplesextenso.Oqueescapavaaesseenquadramentoerainsubordinaoourevolta,algoaseresmagadocomaincivilidadedequesosemprecapazesospoderosos.

    Havia,porm,territriossociaismaisambguos,indeterminados,nosquaisprticaspolticasoutrasquenoaaparentesubmissoouoantagonismoabertoestavaminstitudaseeramconstantementeacionadas.Eramosterritriosdodilogo,dastrocascotidianasdiretasentresenhoreseescravos,senhoresedependentes.Tratava-seesses,certamente,deterritriosmapeadospelossenhores,poisossignificadossociaisgeraisreconhecidospelossujeitoseramosatinentespolticadadominaosenhorial.Ofato,contudo,queaalteridade,adiferena,vazavaarotinamesmadodilogoinevitvelentresujeitos

  • socialmentedesiguais.MachadodeAssisfoiumintrpreteincansveldodiscursopolticopossvelaosdominadosemtaissituaesque,postoquerotineiras,traziamsempreoriscododeslize,dapalavraditaemmhora,provocandoemcontrapartidaosatosdeagressoehumilhaodosdetentoresdasprerrogativassenhoriais.2

    Dopontodevistadodependente,oenredobsicodetaisdilogoserasempreomesmo.SegundoDomCasmurro,CapituexplicoucertavezaBentinhoprecisamenteaquiloquetenhodeassinalaraqui.ParamostraraBentinhoqueJosDias,oagregado,seriaaliadohbilnacampanhaparaevitaroseminrio,Capituencetaoseguintedilogocomonamoradinho:

    Vocnoselembracomoquefoiaoteatropelaprimeiravez,hdousmeses?D.GlrianoqueriaebastavaissoparaqueJosDiasnoteimasse;maselequeriairefezumdiscurso,lembra-se?Lembra-me;dissequeoteatroeraumaescoladecostumes.Justo;tantofalouquesuameacabouconsentindo,epagouaentradaaosdous...Ande,pea,mande...(DC,cap.xviii)Ocenriodesenhadonapassagemclaro.Omotivodeclaradodaconversa

    estavanodesejodeBentinhodeiraoteatropelaprimeiravez.D.Glria,porm,noconcordavacomaidia.Oassuntomorreriaa,nofosseofatodeJosDias,oagregado,tambmquereriraoteatro.Homemdependente,vivendodefavornapropriedadedosSantiago,JosDiasnopodiateimarcomaviva;bastavaofatodequeasenhoranoqueriaqueBentinhofosseaoteatroparaqueelenoinsistisse.Mascomooqueestavaemquestoeraaconveninciaounodeomeninoirrepresentao,JosDiasfezumdiscursodefendendoatesedequeoteatroeraumaescoladecostumes.Ouseja,oagregadoconstruiuumargumentoprocurandocomprovarquedeviaservontadedavivaenviaromeninoaoteatroque,afinal,tornara-seagoraumaescola.D.Glriaacabouconcordando;isto,passouaservontadedelaqueBentinhofosseaoteatro.JosDiasfoientodesignadoparaacompanh-lo,atendendo-seassimvontadedomenino,queaparentementeforaquemoriginaratodaasituao.Digoaparentementeporqueomvelrealdosacontecimentoseraoutro.TalveztivessesidooprprioJosDiasasugeriraBentinhoqueurgiairpelaprimeiravezaoteatro.Eraoagregadoquemtinha,defato,odesejodefaz-loearrumouumjeitodeirdegraa,pois,comonoescapouaCapitu,avivapagaraaentradaaosdous(grifomeu).

    Seobservarmosessapassagemnaquiloqueelacontmdedescrio

  • estrutural,deanlisedaspossibilidadesdeatuaopolticadesujeitossubmetidosarelaessociaisprofundamentedesiguais,caractersticasdadominaopaternalista,vemosque:primeiro,emnenhummomentoasprerrogativasdavontadesenhorialsoquestionadasaocontrrio,elassoreforadasereverenciadasacadapasso;segundo,aosdependentesrestaperseguirobjetivosprpriostentandoprovocarnossenhoresosmovimentosquelhesinteressamaeles,dependentes.Emoutraspalavras,impossibilitadosdelutarabertamenteporseusobjetivos,JosDiaseseussemelhantestentamobterseusdesgniosfazendocomqueseussenhoresimaginemquevontadedeles,senhores,fazeraquiloqueeles,dependentes,queremquesejafeito.

    Aesoutramaspolticasdessetipopressupemapossibilidadedoqueestouchamandoaquidedilogonosentidoliteral,detrocadepalavrasentresujeitos,enosentidometafrico,poistaistrocasocorrememarenasinstitudasdalutadeclasses.MeuargumentonestecaptuloqueMachadodeAssis,emvriosdeseusescritos,testemunhoueanalisousistematicamenteopontodevistadodominadooudodependente,oudosubalterno,ousejaloquemaisemtaissituaes,queeramrotineiraseagudamenteperigosasaomesmotempo.

    Emsuma,avignciadoenredodadominaopaternalistanosignificavaqueossubordinadosestavampassivos,incapazesdeperseguirobjetivosprprios,impossibilitadosdeafirmaradiferena.Aocontrrio,apesardoperigoconstantedeinvasoerapinaporseusalgozes,edecertoporissomesmo,odesafiodeHelena,LusGarcia,Capituetantosoutroseraafirmaradiferenanocentromesmodosrituaisdadominaosenhorial.Tratava-sedeumaartearriscada,queratificavaaideologiapaternalistanaaparnciamesmoquandolheroaosalicerces.Artedesobrevivnciaemmeiotiraniaeviolncia,exercidanocentrodoperigo,taldiscursopolticodosdominadosenvolviaacapacidadedeatingirobjetivosimportantesutilizandodeformacriativaereforando,aomenosaparentementeosrituaisassociadosprpriasubordinao.Tratava-sedaproduodeumoutrotexto,contratexto,queserevelavanasentrelinhas(masnoaqualquerobservador),napiadatalvezingnua,noditochistoso,naambivalnciadaspalavras,naambigidadedainteno.EssaeraaartedodilogoemMachadodeAssis.Passoacomentaralgunsoutrosexemplos.

  • dehelenaaiaigarcia

    QuasetudooquehaviaadizersobreHelenanessecontextojapareceunoprimeirocaptulo,eoleitorteradivinhadoissomesmoaoacompanharaspginasanterioreselembrardasconversasentreHelenaeEstcio.IssoabreviaocaminhoatIaiGarcia.Antes,porm,cumprefrisaraindaumououtroaspectodeHelena,paramostrarqueMachadodeAssistinhaumplano,digamos,napassagemdeumromanceaoutro.Seuobjetivoconsistiaemdesenvolverumainterpretaoconsistentedahistriapolticaesocialdopasentreaproximadamente1850e1871,easmudanasnaartepolticadosdependenteseramparteimportantedahistriaquehaviadesercontada.

    Comovimos,EstciopoucoounadaentendedosmovimentosdeHelena.Ouseja,Helenaanalisaaideologiasenhorialepersegueobjetivosprpriospordentrodetalideologia,permanecendoporissoindecifrvelparaEstcio.OantagonismoentresenhoresedependentesclaroepassveldeanliseparaHelenaamoa,afinal,estcientedafragilidadedesuaposioetentaesculpiraprpriasobrevivnciaapartirdetalpercepo.TalvezomomentohistricoretratadonoromanceajudeaexplicaraformacomoMachadodeAssisconstruiuapersonagemsenhorialprincipalnessetexto.Estamosnadcadade1850,perodoquenamemriapolticaconstrudanosculoxixconfigurou-secomooapogeudoSegundoReinado.Asupressodasrevoltasprovinciaisquehaviammarcadooperodoregencialeadcadade1840,oarrefecimentodasdisputaspolticascomaformaodosgabinetesdeconciliaodospartidos,oafastamentodoperigodeintervenoinglesacomofimdotrficonegreiro,tudoissoserviuparaconstruiraimagemdepazeprosperidadedasdcadasde1850e1860(otemposaquarema),aomenosatoadventodaGuerradoParaguaiedasprimeirasescaramuasparlamentaressobreaquestoservilparausaroeufemismopreferidopoca.Porconseguinte,Estcioestsatisfeitoconsigomesmo,exercendocomoquenaturalmenteosdireitosedeveresquelhedavamaidadeeaclasseemquenasceradireitosedeveresessesqueelenocedianemesquecia(H,cap.ii).Emoutraspalavras,Estcio,postadodiantedoespelhodaalcova,aparececomoorepresentantedeumadominaoincontestada,orgnica,virtuosa,abenoadapelareligio(padreMelchior)epolidapelacincia(omancebotinhavontadeepaixodosabereentregara-secinciacomardore

  • afinco;H,cap.ii).Apossibilidadedediscernirintuitodeverdadepolticaesocialnaforma

    comoEstciodesenhadonoromancesereforanaobservaodeseuantecessorimediatonoexercciodasprerrogativassenhoriais.Emcontrastecomavirgindadeeacandidezdofilho,oconselheiroValetiveravidaamorosapoucocatlica,ematronahouve,enosuma,queviuiraenterrarcomeleamelhorpginadasuamocidade(H,cap.i).Ocomportamentoamorosodesregradodoconselheiroestnaorigemdasinjustiasesofrimentosnarradosnahistria(nosecolhemfigosdosabrolhos;H,cap.xxiv);apesardaspromessasderegeneraofeitasvriasvezesaopadre,ovelhonuncaseemendara(promessafeitanaareia;oprimeiroventodocoraoapagouaescritura;H,cap.iv).

    Essaimagempoucovirtuosatrazlembranaaleituraquegeraesposterioresfariamdoperodohistricoanterioraosanos1850,especialmentedoperodoregencialnadcadade1830.Talpocateriasidomarcadaporpaixespolticasdesenfreadaseilegalidadesescandalosas,especialmentenoqueconcerneaotrficoafricano,que,oficialmenteabolidoem1831,foiretomadoemmeadosdosanos1830.3Ocontrabandodeafricanosprosseguiueintensificou-seatanovaleideaboliode1850,contandosemprecomaconivnciadepolticoseautoridadespblicas.Comoconseqncia,milharesemilharesdeafricanos,introduzidosilegalmentenopas,foramreduzidosescravidonoperodo,ereduzirpessoalivreescravidoeracrimeprevistonocdigocriminaldoImprio.Em1850,Helenatinhadezesseisadezesseteanos(H,cap.iii),oquesituariaseunascimentoem1833ou1834.Ocasoentreoconselheiroeamedameninadatariaentodofinaldadcadade1830,poisHelenacontavaseisanos(H,cap.xxv)quandoSalvadorviajouaoSul,deixandoocaminhoabertoaoconquistadorimpenitentedoAndara.talvezimpossvelsaberseMachadotinhaemmentesemelhantesminciasaocomporaspersonagens.Parececerto,contudo,eRobertoSchwarzjodemonstrou,quehaviaapreocupaoderevelarverdadeshistricasestruturais,porassimdizer,naformadeconstruiraspersonagens.Talpreocupaoincluaatentativadedescrevereinterpretarasmudanashistricasaolongodotempocomo,alis,JohnGledsonjodemonstrou,eissoqueexplicaabuscadocontrasteentreoconselheiroVale(dcadasde1830e40)eEstcio(dcadade1850).4

  • EmIaiGarcia,romancepublicadooriginalmenteem1878,anarrativasemoveostensivamenteparaosanosqueoprprioMachadopercebiacomodecisivosnacrisedopaternalismo1866a1871,sendoentotraadoumamplopaineldasmudanashistricasdoperodo.Noinciodoromance,temosaexposiodouniversalismodalgicadedominaobaseadanaideologiadaproduodedependentes;emseguida,vemosomomentodeexplicitaodacriseeseudesenrolar,culminandonaexploraoumtantoretrada,ejoutrotantoctica,dasalternativaspossveisparaumnovoordenamentosocial.Nessenovocontexto,noqualtenseseantagonismosestomaisevidentesparaossujeitos,osdependentescontinuamamostrardefernciaesubordinaoaossenhores,enquantoprocuramlaboriosamentediscernirouinterpretarasreaisintenesdosadversrios.Operigocintilamaisemcadasituao,echisteseironiastornam-sedifceis,poistalvezaprincipalnovidadedocenrioestejanofatodequeosdependentesseconfrontamcomumavontadesenhorialmaisconscientedesi,cientedaresistnciaaseusdesgniosedecididaafazervalerasuaautoridadeatravsdaastciaemesmodafraude,nohesitandoemviolentarossubordinados.

    TudoissoestpresentedeformalapidarnaconversaentreLusGarciaeValria,logonocaptuloiideIaiGarcia.Valria,vivadeumdesembargadorhonorrio,masmulherrobustaeaindafresca,chamaraLusGarciacasacomointuitodeconvenc-loaaliar-seaelanacampanhaparaalistarofilhoJorgecomovoluntrionaGuerranoParaguai.Oassuntoinopinado,eLusGarcia,homemcptico,quebuscavaaindependnciapermanecendoalheioscousasestranhas(IG,cap.i),malconseguedisfararasurpresaeaincredulidade:

    Sr.LusGarcia,disseaviva;estaguerradoParaguailongaeningumsabequandoacabar.Vieramnotciashoje?Nomeconsta.Asdeontemnomeanimaramnada,continuouavivadepoisdeuminstante.NocreionapazqueoLpezveiopropor.Tenhomedoqueistoacabemal.Podeser,masnodependendodens.Porqueno?Eucreioquechegadoomomentodefazeremtodasasmesumgrandeesforoedaremexemplosdevalor,quenoseroperdidos.PelaminhapartetrabalhocomomeuJorgeparaquevalistar-secomovoluntrio;podemosarranjar-lheumpostodealferesoutenente;voltarmajoroucoronel.Ele,entretanto,resisteathoje;nofaltadecoragemnemdepatriotismo;seiquetemsentimentosgenerosos.Contudo,resiste...Querazodele?Dizquenoquerseparar-sedemim.

  • Arazoboa.(IG,cap.ii)Eisumdilogonoqualarepresentantedopodersenhorialnodizoque

    realmentepensa,eodependentenoacreditanaquiloqueescuta.Ambossabemperfeitamentequeissomesmoqueestocorrendoentreeles.LusGarciapermanecedesconfiado,cauteloso,comumpatrs,comosecostumadizer,procurandodecifrarasintenesverdadeirasdeValriaportrsdaspalavrasquebuscamapenasencobri-las.Suasintervenessocurtas,eeleficaespreitadeumapalavraoudeslizequerevelealgomaisconcretosobreosdesgniosdaviva(Nomeconsta,Podeseretc.).Aquelepatriotismoouinteresserepentinopelacousapblicaquenohaviadeser;aanimaodeValriaaotratardoassuntopareciamaissimuladaquesincera(IG,cap.ii).MasLusGarcianopodeseatreveraformularasuspeitaeadvidaabertamente,buscandoentoargumentarquenosedeviainsistircomorapaz,seaelerepugnavaaidiadeseparar-sedame.Obrigadaaaduziroutrasjustificativas,Valriareconhecehaverumpoucodeinteressepessoalnaempreitada,squeomotivoreferidoanecessidadedefazerdofilhoumheri,honrandoassimonomedeseupai(IG,cap.ii).Omotivoalegadonobre,masabsolutamenteimprovvel(algumhaveriaqueelanoquiseraounopuderarevelar),eLusGarciapareceadmiradocomoespetculodecomoalgumpodiamentirtantopondoarazodoseuprpriolado.Adificuldadedodiscursosinceroafiaaretricadaviva,queprosseguefalandoemconsideraesdeordemsuperioredemaisdissimulaesdognero.

    Odueloentreasenhraeoaspiranteindependnciaprosseguepormaisalgumaslinhas,numesgrimirconstantedeargumentoseperciaverbal.Aoacompanharosmovimentosdadamasenhorilcomosolhosagudosdasuspeita,odesafiodoermitodeSantaTeresapareceserodeexercitaraartederesistiremanterassimasuaautonomia,etalobjetivodependeempartedesuahabilidadeemnodeixarasituaodescambarparaoconflitoaberto.Encurraladoparede,semdesejaraderircampanhadeValriaparalevarofilhoguerra,mastambmsemquererabertamenterecusar,ebuscandomanteraprprianeutralidade,oqueerapuramentedifcil,LusGarciaacabacedendo:Fao,disseelefrouxamente(IG,cap.ii).Orecuoestratgicoeleconcordafrouxamente,oqueequivaleaconcordardiscordando,poisnopodendomaisresistiraoassdiodavivasemmelindrarasuaprpria

  • posio,octicobuscaganhartempoparaencaminhar-seasaberqualeraamolasecretadaaodaquelasenhora,qualseriaav