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CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ CURSO DE PEDAGOGIA SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL, EDUCAÇÃO INFANTIL E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ALINE GUILHERMINA FARIAS AS CRIANÇAS PEQUENAS E A MÚSICA: UM ESTUDO SOBRE A LINGUAGEM MUSICAL NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL SÃO JOSÉ 2009

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  • CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ

    CURSO DE PEDAGOGIA

    SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL, EDUCAÇÃO INFANTIL E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

    ALINE GUILHERMINA FARIAS

    AS CRIANÇAS PEQUENAS E A MÚSICA: UM ESTUDO SOBRE A LINGUAGEM

    MUSICAL NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

    SÃO JOSÉ

    2009

  • ALINE GUILHERMINA FARIAS

    AS CRIANÇAS PEQUENAS E A MÚSICA: UM ESTUDO SOBRE A LINGUAGEM

    MUSICAL NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

    Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito final para a aprovação no Curso de Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José - USJ.

    Professora orientadora: MSc Andréa Simões Rivero

    São José 2009

  • Dedico este trabalho a todas as crianças com quem tive a

    oportunidade de conviver durante o Estágio Supervisionado em

    Educação Infantil no CEI e às crianças do Colégio Elisa

    Andreoli, onde atuei como estagiária.

  • AGRADECIMENTOS

    À minha professora orientadora, Msc. Andréa Simões Rivero, que, com sua dedicação e paciência, fez com que esse trabalho se concretizasse.

    Ao meu esposo, Vilmar Nilo da Rosa que, com seu carinho, paciência companheirismo e dedicação, contribuiu para que eu me dedicasse inteiramente a este trabalho.

    Aos meus filhos, que, em muitos momentos, sentiram a minha ausência na tarefa de aula, nos conselhos, na atenção e no carinho.

    Ao meu pai, in memoriam.

    À minha mãe e irmãos, pelas visitas que não pude fazer.

    A todos os meus coordenadores, professores e colegas que fizeram parte diretamente deste processo de aprendizagem.

  • Cada um de nós compõe A sua própria história

    E cada ser em si Carrega o dom de ser capaz

    De ser feliz...

    (Tocando em Frente, Almir Sater e Renato Teixeira)

  • RESUMO

    Neste trabalho de conclusão de curso, procurou-se refletir sobre as experiências musicais de crianças pequenas, a partir da documentação produzida durante o Estágio Curricular de Educação Infantil. Buscou-se também estudar e analisar a temática em algumas pesquisas e produções acadêmicas e, verificar as possíveis indicações dessa produção teórica, no sentido de possibilitar às crianças pequenas1 um ambiente e práticas propícias às experiências musicais. O trabalho relata as experiências vivenciadas com crianças pequenas de um e meio a dois anos de idade durante o Estágio ocorrido na 6ª fase do Curso de Pedagogia, cujo foco central era a Linguagem Musical na Educação Infantil. A partir das inquietações afloradas durante o estágio e das indicações teórico-práticas presentes no percurso da minha formação em Educação Infantil, procurou-se investigar trabalhos que tratam da educação musical como uma linguagem e não como um ensino da música. As fontes bibliográficas pesquisadas discutem a inserção da linguagem musical na educação infantil, bem como a necessidade de as crianças terem experiências significativas com diversos repertórios sonoros e musicais, os quais considerem as especificidades das crianças de 0 a 6 anos. A formação de professores que atuam nesta área, as implicações e dificuldades que os profissionais da educação enfrentam em relação a sua formação nas linguagens artísticas também são questões problematizadas por alguns desses trabalhos.

    Palavras-chave: Linguagem musical. Formação de professores. Educação musical.

    1 Neste trabalho entendo por crianças pequenas aquelas que estão na faixa etária de zero a

    seis anos de idade.

  • ABSTRACT

    This study aims to discuss small children's musical experiences, starting from the documentation produced during the Curricular Teacher Training on Child Education. The study also analyzes the theme in some several researches, academic productions and documents, in order to verify the possible indications of this theoretical production to provide for small children an environment practices which favor musical experiences. The work reports the experiences with small children from one and half to two years of age during the Teacher Training during the 6th semester of the Course of Pedagogy, whose chief focus was the Musical Language in Child Education. Starting from the doubts that arose during the apprenticeship and from the theoretical-practical indications present during my under-graduation studies in Child Education, I tried to investigate works that treat musical education as a language and not as music teaching. The bibliographic sources consulted discuss the insertion of the musical language in the child education, as well as the children's need to have significant experiences with several sound and musical repertoires, which consider the children's specificities from 0 to 6 years. The formation of teachers that work in this area, as well as the implications and difficulties that the professionals of education face in relation to their formation in the artistic languages are also examined by some of those works.

    Keywords: Musical language. Teacher formation. Musical education.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Trabalhos relacionados à Música na Educação Infantil, apresentados no GT7 .............................................................................. 24

    Quadro 2: Trabalhos relacionados à Música na Educação Infantil encontrados na Biblioteca Professor Joel Martins da UNICAMP ............ 25

    Quadro 3: Documento digital relacionado à Música na Educação Infantil localizado no Portal LUME da UFRGS .................................................... 26

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  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Caíque experimenta o som do pandeiro . .............................................. 42

    Figura 2: Diana batendo no pandeiro . .................................................................. 43

    Figura 3: André e Carla interagindo com o cavaquinho . ...................................... 44

    Figura 4: Carla, Diana e Fernando experimentam os objetos e seus sons . ......... 44

    Figura 5: André, Carla, Vinícius, Fernando, Eloísa e Maria estão interagindo com os instrumentos . ............................................................................. 45

    Figura 6 André experimentando o som do berimbau .......................................... 50

    Figura 7: Maysa e Diana participando da construção dos tambores e o berimbau ................................................................................................ 51

    Figura 8: Maria, Vinícius, Eloísa, Fernando, Carla e Diane interagindo no ambiente proposto . ............................................................................ 52

    Figura 9: Vinícius toca a buzina do carrinho de papelão . ..................................... 53

    Figura 10: Vinícius, Maria e Fernando fazendo explorações no ambiente . ............ 54

    Figura 11: Diana e Eloísa interagindo com o carrinho de papelão . ........................ 54

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  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

    2 OS CAMINHOS PERCORRIDOS ......................................................................... 14

    3 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ................................................................. 17

    4 UM LEVANTAMENTO DA RECENTE PRODUÇÃO TEÓRICA SOBRE A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ............................................................... 23

    5 A LINGUAGEM MUSICAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL ...................................... 27

    6 A LINGUAGEM MUSICAL NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES A PARTIR DOS REGISTROS DE ESTÁGIO E DE ALGUMAS PESQUISAS ......................................................................................................... 31

    7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 61 8 REFERÊNCIAS......................................................................................................64

    ../AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/L3H36FI1/revisando_o_tcc_-_final_03_julho_-_Andrea%5b1%5d.doc#_Toc234301446../AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/L3H36FI1/revisando_o_tcc_-_final_03_julho_-_Andrea%5b1%5d.doc#_Toc234301447../AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/L3H36FI1/revisando_o_tcc_-_final_03_julho_-_Andrea%5b1%5d.doc#_Toc234301448../AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/L3H36FI1/revisando_o_tcc_-_final_03_julho_-_Andrea%5b1%5d.doc#_Toc234301448../AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/L3H36FI1/revisando_o_tcc_-_final_03_julho_-_Andrea%5b1%5d.doc#_Toc234301449../AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/L3H36FI1/revisando_o_tcc_-_final_03_julho_-_Andrea%5b1%5d.doc#_Toc234301449../AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/L3H36FI1/revisando_o_tcc_-_final_03_julho_-_Andrea%5b1%5d.doc#_Toc234301450../AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/L3H36FI1/revisando_o_tcc_-_final_03_julho_-_Andrea%5b1%5d.doc#_Toc234301451../AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/L3H36FI1/revisando_o_tcc_-_final_03_julho_-_Andrea%5b1%5d.doc#_Toc234301451../AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/L3H36FI1/revisando_o_tcc_-_final_03_julho_-_Andrea%5b1%5d.doc#_Toc234301451../AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary%20Internet%20Files/Low/Content.IE5/L3H36FI1/revisando_o_tcc_-_final_03_julho_-_Andrea%5b1%5d.doc#_Toc234301452

  • 11

    1 INTRODUÇÃO

    Sou natural de Florianópolis, filha de agricultores da região de Santo Amaro

    da Imperatriz, vivi e cresci no Município de São José, Estado de Santa Catarina. Aos

    sete anos, ingressei na vida escolar na Escola Básica Estadual Wanderley Júnior,

    localizada no bairro Ipiranga, onde cursei as Séries Iniciais, de onde guardo boas

    lembranças. Tempos depois, fui morar em outro bairro do mesmo Município, Areias,

    onde concluí o Ensino Fundamental. No Ensino Médio, fiz curso profissionalizante

    novamente no ―Wanderley Júnior‖, finalizando minha formação na Educação Básica.

    Neste período já trabalhava como comerciária em um supermercado na região de

    Florianópolis. Na época, São José era vista como cidade dormitório, pelo fato de a

    capital ter desenvolvido a área comercial. Então, muitas pessoas se deslocavam

    durante o dia para lá e retornavam para suas residências após a jornada de

    trabalho. E assim foi minha vida escolar e profissional durante dezoito anos, até

    prestar vestibular para o Curso de Pedagogia em 2005, no Centro Universitário de

    São José. Nunca havia pensado em ser professora, sobretudo de crianças, pois

    sempre considerei esta uma atividade difícil, e julgava que não teria capacidade de

    assumi-la. Nos anos de 2007 e 2008, com a implantação dos convênios de uma

    empresa de estágios com a USJ, ingressei em um colégio particular no Bairro de

    Barreiros, como auxiliar de sala, onde tive minhas primeiras experiências com

    crianças pequenas, de 3 e 4 anos de idade.

    No Curso de Pedagogia, a formação em Educação Infantil só se efetivou por

    causa da mudança na grade curricular, que mobilizou a Reitoria, coordenadores,

    professores e alunos e, principalmente, os esforços do nosso coordenador na época,

    o professor Evandro Brito, possibilitando a concretização do sonho de todos os

    alunos de Pedagogia. Na sexta fase do Curso de Pedagogia, no Centro Universitário

    de José (USJ), deparei-me então com o Estágio Supervisionado em Educação

    Infantil, durante o qual convivi com crianças de um ano e meio a dois anos de idade

    em um Centro de Educação Infantil (CEI) estadual, ao longo de, aproximadamente,

    quatro meses2.

    2 Durante quatro meses foram realizadas visitas de quatro horas semanais ao CEI.

  • 12

    Após a realização de observações exploratórias no CEI, identificou-se que a

    música era o foco do projeto das professoras do grupo para aquele semestre. Foi

    possível perceber como a música era proposta para as crianças daquele grupo; o

    tipo de música disponibilizado para elas, os modos como as crianças se

    expressavam diante da música. A partir das observações iniciais, desenvolveu-se

    um projeto de estágio, cujo objetivo geral era o de descrever e analisar os modos

    como as crianças significam a linguagem musical e se expressam nesta linguagem,

    com a intenção de estudar e planejar as formas de possibilitarmos o acesso e a

    ampliação da linguagem musical para crianças pequeninas em contextos de

    educação infantil. Os objetivos específicos eram: possibilitar às crianças o acesso a

    diferentes estilos e ritmos musicais; proporcionar experiências com instrumentos

    musicais de brinquedo, fabricados com o auxílio das próprias crianças; investigar

    como se dão as manifestações de corporeidade aliadas à linguagem musical;

    analisar o processo de interação social em ambientes musicais.

    As inquietações que afloraram durante o Estágio despertaram meu interesse

    por buscar um aprofundamento acerca das possibilidades de inserção da música em

    contextos de educação infantil, especialmente junto a crianças pequenas, na faixa

    etária de zero a seis anos.

    Portanto, durante esse Estágio tive muitos indícios de que a linguagem

    musical é uma fonte importante de experiências para as crianças pequenas e,

    norteando-me pela ideia de que esta poderá se constituir em uma rica e complexa

    forma de interação, significação e ressignificação do mundo que as rodeia, foi

    possível delimitar a temática do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), cujo

    objetivo geral é analisar os modos como crianças pequenas interagem com a música

    em um contexto de educação infantil, visando refletir sobre os possíveis significados

    da presença da linguagem musical no cotidiano de crianças de 0 a 6 anos. Já os

    objetivos específicos são: refletir sobre o papel das experiências musicais de

    crianças pequenas, a partir da documentação produzida durante o estágio Curricular

    de Educação Infantil; estudar e analisar a temática em pesquisas e produções

    acadêmicas; verificar as possíveis indicações dessa produção teórica sobre como

    possibilitar às crianças pequenas um ambiente e práticas propícias às experiências

    musicais.

  • 13

    Este trabalho foi estruturado da seguinte forma: na segunda seção, intitulada

    ―Caminhos Percorridos‖, apresento o percurso metodológico realizado durante a

    pesquisa. Na terceira seção, procuro apresentar algumas reflexões sobre as

    concepções de infância em uma perspectiva histórica. Na quarta seção, apresento

    um levantamento da recente produção teórica sobre a música na educação infantil.

    Na quinta seção, abordo a concepção de linguagem musical que norteou este

    trabalho. Na sexta seção, descrevo o campo de estágio e procuro refletir sobre

    situações vivenciadas no estágio, tendo como referência alguns dos trabalhos

    obtidos através do levantamento bibliográfico realizado. Na última seção, teço

    minhas considerações finais acerca da inserção da música na educação infantil.

  • 14

    2 OS CAMINHOS PERCORRIDOS

    Nesta seção, procuro apresentar os caminhos percorridos antes e durante a

    realização da pesquisa. Esse percurso iniciou-se com o Estágio Curricular, ocorrido

    ao longo da sexta fase do Curso de Pedagogia do USJ. O estágio realizou-se em um

    Centro de Educação Infantil (CEI), localizado no Município de São José, Santa

    Catarina, com um grupo de trabalho (GT2), composto por 12 crianças de um ano e

    meio a dois anos de idade, sete meninos e cinco meninas. Esse grupo era

    coordenado por dois profissionais com formação em Pedagogia e Especialização em

    Educação Infantil.

    A partir das observações realizadas nessa instituição, junto às crianças e

    professoras do GT2, delimitou-se um projeto do Estágio Supervisionado de

    Educação Infantil, cujo título era ―A linguagem musical no cotidiano de crianças

    pequeninas e suas implicações para a prática pedagógica na educação infantil‖.

    Como já foi dito na introdução deste trabalho, a música era o foco do projeto das

    professoras do grupo para aquele semestre e, pareceu muito rica a possibilidade de

    ir ao encontro do projeto em andamento e, delimitarmos como tema de investigação

    do estágio, a linguagem musical. Além disso, escolhemos3 essa temática por

    possuirmos uma sensibilidade musical bastante acentuada, ou seja, por termos uma

    relação intensa com a música. Nossa intenção, portanto, foi a de analisar como a

    música se insere no cotidiano das crianças pequenininhas e como pode se constituir

    em uma linguagem importante e significativa na prática pedagógica da faixa etária

    supracitada. Para consolidar nossos objetivos, buscamos em estudos como os de

    Oliveira (1997), Ostetto (2003) e Nogueira (2000), entre outros, subsídios básicos

    para investigarmos como as crianças pequenas estabelecem relações com a

    música, como experenciam, significam e ressignificam essa linguagem.

    No segundo semestre de 2008, após a finalização do estágio, durante as

    sessões de orientação para a realização do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC),

    definiu-se que a pesquisa buscaria o aprofundamento de questões derivadas das

    experiências vivenciadas no campo de estágio, as quais tinham sido documentadas

    3 Nessa parte do texto expresso-me na primeira pessoa do plural pelo fato de ter desenvolvido o

    projeto de estágio juntamente com meu colega Fábio Will.

  • 15

    em registros escritos, fotográficos e em vídeo. Discutiu-se também a necessidade de

    realizar um levantamento bibliográfico, com o intuito de conhecer a produção teórica

    recente e ampliar a compreensão sobre a linguagem musical e suas possibilidades

    em contextos de educação infantil.

    Comecei a realizar um levantamento bibliográfico introdutório em alguns sítios

    eletrônicos de instituições comprometidas com a produção e divulgação de

    pesquisas acadêmicas acerca da temática em questão. Esse levantamento norteou

    o projeto de pesquisa do TCC e, a partir dessa primeira aproximação à produção

    teórica mais recente, ficou evidente que alguns estudos e pesquisas muito

    contribuem para o entendimento da música como uma linguagem artística e sobre

    as possibilidades desta ser experenciada na educação infantil de um modo lúdico

    pelas crianças.

    Um dos sítios examinados foi o da Associação Nacional de Pós-Graduação e

    Pesquisa em Educação (ANPED), onde fiz uma busca em todos os trabalhos

    publicados nas Reuniões Anuais. Também busquei trabalhos em sítios eletrônicos

    de Universidades Federais e Estaduais das Regiões Sul e Sudeste, produzidos nos

    últimos cinco anos. Para localizar a produção teórica existente, foram utilizados os

    descritores: música; linguagem musical; educação infantil. Após os levantamentos

    realizados, foi possível ler, estudar e analisar diversas pesquisas, produções

    acadêmicas e documentos vinculados ao tema. Com essa revisão bibliográfica,

    buscou-se construir uma perspectiva crítica sobre a problemática em questão,

    especialmente sobre a experiência vivenciada no campo de estágio.

    Mais adiante, no início do primeiro semestre de 2009, iniciei novamente as

    pesquisas de produções teóricas no sítio da ANPED, e em algumas universidades

    públicas, cujas bibliotecas virtuais disponibilizaram as produções acadêmicas via

    internet. É necessário esclarecer que, devido à escassez de tempo, foram

    selecionadas aquelas universidades sobre as quais se tinha conhecimento de que

    desenvolviam pesquisas sobre a linguagem musical na educação infantil, em seus

    Cursos de Pedagogia e Programas de Pós-Graduação em Educação.

    Ao realizar a pesquisa, foi possível encontrar trabalhos que contemplaram os

    objetivos delimitados neste TCC.

    Na quarta seção desse trabalho, será feita uma breve apresentação de cada

    uma das instituições onde foi realizada a pesquisa via internet. Além disso, serão

  • 16

    relacionados em tabela os trabalhos encontrados: o(s) autor (es), o título e o ano do

    trabalho selecionado.

  • 17

    3 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

    O conceito de infância não é universal e natural; é um conceito histórico e

    culturalmente construído que surgiu e modificou-se ao longo da história da

    humanidade. Exemplo disso é a sociedade grega, que exprimia em diversos textos a

    preocupação com os pequenos. Porém, estes não tinham sequer uma palavra que

    os definisse. As referências gregas às crianças giravam em torno de três campos

    semânticos: ―o primeiro ligado ao nascimento, o segundo à alimentação e o terceiro,

    à criação, à mudança ou à novidade‖ (KOHAN, 2007, p. 104). Em nenhum destes

    campos, porém, foi criado um substantivo abstrato que definisse a infância. Isto não

    significa que a criança estivesse desvinculada das preocupações políticas e

    filosóficas dos gregos. Pelo contrário, ―na Grécia clássica há uma bateria de

    discursos filosóficos e pedagógicos que supõem ou explicitam um conceito de

    infância e um lugar para ela.‖ (KOHAN, 2007, p. 105)

    Segundo Kohan (2007), os estudos etimológicos mostram que as primeiras

    referências à palavra infância estavam relacionadas às normas e aos direitos.

    Um indivíduo de pouca idade é denominado infans. Esse termo está formado por um prefixo privativo in e fari, ―falar‖, daí seu sentido de ―que não fala‖, ―incapaz de falar‖. Tão forte é seu sentido originário que Lucrécio emprega ainda o substantivo derivado infantia com o sentido de ―incapacidade de falar‖. Porém, logo infans – substantivado – e infantis são empregados no sentido de ―infante‖, ―criança‖ e ―infância‖, respectivamente. De fato, é desse sentido que se geram os derivados e compostos, todos de época imperial, como infantilis, ―infantil‖; infanticidium, ―infanticídio‖, etc. (CASTELLO E MÁRSICO, 2007, apud KOHAN, 2007, p. 100).

    Essa etimologia da origem latina da palavra infância revela como a ideia de

    infância enquanto ―falta de algo‖, ―incapacidade‖ está presente em seu conceito.

    Porém, tal ideia supera o espaço/tempo citados. O próprio Kohan (2007) chama a

    atenção para o fato de este entendimento estar presente desde as sociedades

    gregas (como já citado) e adentrar as sociedades e concepções da modernidade.

    Philippe Ariès, historiador do Século XX, em seu livro História Social da

    Infância e da Família (1960), traz contribuições sobre a história da infância no

    período medieval. Segundo Heywood (2004, p. 23), ―sua descrição abrangente e

    dramática sobre a ‗descoberta‘ da infância foi um trabalho verdadeiramente seminal.

  • 18

    [...] Ariès fez a afirmativa surpreendente de que o mundo medieval ignorava a

    infância.‖

    A partir de sua pesquisa, Ariès interpretou a falta de indícios de que a infância

    fosse vista e tratada pela sociedade ocidental europeia como uma etapa

    diferenciada da vida da criança, como uma forte indicação de que ―a civilização

    medieval não percebia um período transitório entre a infância e a idade adulta.‖

    (ARIÈS apud HEYWOOD, 2004, p. 23). Segundo o pesquisador, a sociedade

    medieval concebia as crianças como ‖adultos em miniaturas‖, e não havia qualquer

    sinal de uma concepção que contemplasse a infância como uma fase distinta de

    outras fases da vida.

    A obra de Ariès teve aceitações diferentes entre muitos historiadores

    profissionais, tendo em vista que ele se considerava um historiador amador, ―de fim

    de semana‖. Muitos não concordaram com sua afirmações, como Jean-Louis

    Flandrin, que se impressionou com seus estudos, mas ficou preocupado com tal

    afirmação sobre a infância e com os métodos que ele utilizou para suas análises

    acerca do período medieval. Outro que também o criticou foi Adrian Wilson, um dos

    mais sistêmicos historiadores, que teve acesso aos estudos de Ariès e alegou que

    as análises tinham várias ―falhas lógicas‖ e ―catástrofes metodológicas‖.

    Uma das afirmações de Ariès, muito criticada, foi que, até o século XII, a arte

    medieval não tentou retratar a infância, o que indicaria que ―não havia lugar‖ para ela

    em sua civilização‖. (HEYWOOD, 2004, p.24). A respeito dessa afirmativa, Anthony

    Burton assim se posiciona:

    A concentração nos temas religiosos fez com que muitas outras coisas também estivessem ausentes, notadamente ―quase toda a vida secular‖, o que impossibilita que se isole a criança como ausência significativa. Os adultos em miniaturas não são necessariamente uma ―deformação‖ imposta aos corpos das crianças. Se, por exemplo, a criança presente em uma escultura de madeira do século XII, chamada Virgem e criança em esplendor, parece decididamente madura, não seria porque ela deve representar a Sabedoria divina? (BURTON apud HEYWOD, 2004, P.24).

    O destaque que a arte medieval, teria dado às crianças a partir do século XII

    foi outro ponto das afirmações de Ariès que sofreu críticas. Heywood (2004)

    ressalta que:

    Ademais, nem todos aceitavam a idéia de que a transição para representações mais realistas de crianças na pintura e na escultura, a partir

  • 19

    do século XII, revela uma ―descoberta‖ da infância do ponto de vista artístico. Alguns historiadores afirmam, de forma contundente, que isso representou mais uma redescoberta e imitação dos modelos gregos e romanos por parte dos artistas do Renascimento do que um novo interesse

    nas crianças a seu redor. (HEYWOOD, 2004, p. 25).

    Além disso, em fontes de pesquisa não examinadas por Ariès, alguns

    historiadores encontraram indícios de uma consciência da infância naquele período.

    Os estudos evidenciaram que os Códigos Jurídicos Medievais protegiam os direitos

    das heranças de órfãos e, às vezes, se permitia à criança dar seu consentimento em

    relação ao casamento. Outro fato mencionado é o caso do Rei Aethelstan. Este

    executava ladrões com mais de 12 anos de idade. Mas, mais tarde, repensou suas

    decisões e mudou sua resolução de sentença para que, ladrões com menos de 15

    anos não fossem mais mortos, pois eram muito novos para receber um castigo tão

    cruel, diante de um roubo um tanto insignificante na época (o valor de 12 pence)4.

    Outro fato que evidencia uma concepção de infância foram os estudos sobre

    os Monastérios no século IX, onde os pais entregavam seus filhos para a vida

    religiosa. Segundo Heywood (2004. p. 26), ―a Regra de São Bento permitia que os

    infantes fizessem refeições mais frequentes do que os maiores dormissem mais e

    tivessem algum tempo para brincar no campo‖. Outros estudos encontraram obras

    na área da medicina que incluíam partes sobre pediatria.

    Então, conforme afirma Heywood (2004, p. 27), ―segundo o pensamento de

    David Archard, se poderia dizer que o mundo medieval provavelmente teve alguma

    consciência sobre a infância, mas suas concepções sobre ela eram muito diferentes

    das nossas.‖ Archard ressaltou a importância das teses de Ariès por abrir o tema da

    infância num passado distante como o da Idade Média e por ―buscar essas

    diferentes concepções sobre infância em vários períodos e lugares, e tentar

    explicá-las à luz do material e das condições culturais predominantes.‖ (ARCHARD

    apud HEYWOOD, 2004, p. 27)

    Sobre as sociedades modernas durante os séculos XVI e XVII, o historiador

    C. John Sommerville (apud HEYWOOD, 2004, p. 36) afirma: ―um interesse

    permanente pelas crianças na Inglaterra começou com os puritanos, que foram os

    primeiros a se questionar sobre sua natureza e seu lugar na sociedade‖. As

    concepções que recaíam sobre a infância eram de repúdio. Elas eram consideradas

    4 Pence era a moeda utilizada durante o reinado de Aethelstan, rei dos saxões. Este povo era de

    origem germânica e estabelecido na parte ocidental da Alemanha no início do século X.

  • 20

    ―fardos sujos do pecado original‖ ou ―pequenas víboras‖. Mas, destaca Heywood

    (2004, p. 36), ―[...] segundo Sommerville, o puritanismo, como movimento de reforma

    ávido por conquistar a geração mais jovem, foi levado a assumir um interesse em

    sua oposição‖.

    Na França, os reformadores católicos tinham a mesma opinião que os

    puritanos em relação à criança. Segundo Heywood (2004, p. 36) ―[...] jansenistas do

    século XVII, em Port-Royal, e outros educadores afirmavam que as crianças valiam

    a atenção; que se deveria dedicar a vida à sua instrução e cada indivíduo precisava

    ser compreendido e auxiliado.‖ Com isso, abriram-se caminhos para estudos mais

    abrangentes a respeito da infância e seu significado.

    No século XVIII, os Iluministas John Locke e Jean Jacques Rousseau

    apresentam concepções de infância que influenciam de modo significativo as

    concepções contemporâneas. Locke, em Some Thoughts Concerning Education

    (1693), propõe a ―teoria da tabula rasa, segundo o qual o ser humano recém-nascido

    seria como uma espécie de superfície de cera maleável, onde os adultos poderiam

    ‗escrever‘ aquilo que julgavam necessário ao seu desenvolvimento.‖ (HEYWOOD,

    2004, p. 36). Nessa perspectiva, Locke evidencia que o meio ambiente e as

    experiências adquiridas a partir dele são os determinantes na educação da criança.

    Em oposição à teoria de Locke sobre a educação da criança, vêm as de

    Rousseau, em Emílio. Ele sustenta a ideia de ―que o adulto deve proporcionar uma

    orientação que seja a mais reduzida possível, sem nunca pretender ensinar à

    criança as respostas correctas, mas ajudá-las, antes, a aprender e resolver os seus

    próprios problemas.‖ (SARMENTO e PINTO, 1997, p. 41)

    Nas ideias de ambos os pensadores – Locke e Rousseau – foi evidenciado ―o

    reconhecimento do caráter decisivo da atenção dos adultos no processo de

    formação das crianças.‖ (SARMENTO e PINTO, 1997, p. 41)

    Outras figuras de destaque que se aprofundaram nos estudos sobre a

    infância já no final do século XIX e início do século XX foram os fundadores da

    Psicologia, Sigmund Freud e George Herbert Mead.

    Freud, o fundador da psicanálise, ao investigar a teoria de Locke, que

    considerava a criança uma tabula rasa ou folha em branco, fez uma crítica a essa

    afirmação, alegando que a criança está longe de ser uma folha em branco: ―Ela está

    dotada de um aparelho psíquico, de impulsos instintivos e de capacidades de

  • 21

    enfrentar obstáculos que se lhe deparam (ansiedade, separação, etc.)‖.

    (SARMENTO e PINTO, 1997, p. 42)

    Mead, filósofo norte-americano ―procurou estudar os processos pelos quais se

    desenvolviam na criança o sentido do eu (self) e do outro.‖ (SARMENTO e PINTO,

    1997, p. 42). Este outro é o mundo dos adultos, sobretudo, dos pais. Para este

    pensador, quando a criança brinca com uma boneca e faz de conta que é mãe ou

    pai, ela constrói uma auto-consciência de si própria. Estas atividades lúdicas fazem

    com que a criança desenvolva uma capacidade psíquica relevante em diferentes

    dimensões como a emocional e a afetiva.

    Com suas análises e teorias, Freud e Mead, alertaram para o conceito, até

    então não discutido pelos pensadores anteriores, da socialização infantil. Várias

    teorias procuram explicar a socialização das crianças. O sociólogo Parson, pautado

    nas leituras de Dubar, diz que a personalidade social da criança já vem construída

    desde a primeira infância por meio da assimilação e da orientação familiar da sua

    origem. Houve críticas a este conceito porque remete a socialização do indivíduo a

    um conformismo, e, quando há um desvio de comportamento, este é considerado

    uma anomalia patológica. (SARMENTO e PINTO, 1997)

    Neste sentido, os estudos dos processos de socialização da infância

    obtiveram muitas contribuições entre outros pensadores bem mais contemporâneos,

    como Piaget, Vygotsky e Bruner, entre os quais havia divergências. No entanto,

    seus estudos revelaram ―uma nova sensibilidade e uma nova atitude que procura

    valorizar a ‗voz‘ e a expressão das crianças.‖ (SARMENTO E PINTO, 1997, p. 50)

    Segundo Sarmento e Pinto (1997), os estudos sobre crianças,

    tradicionalmente, configuravam o campo teórico dos saberes da Psicologia

    desenvolvimentista, da Medicina e da Pedagogia. A partir da década de 90, a

    Antropologia e a Sociologia passaram a adotar também a infância como objeto de

    estudo, contribuindo de maneira efetiva para o desenvolvimento de uma ideia mais

    abrangente no que tange aos pequenos.

    Os paradigmas que emergiram dos estudos realizados sobre a infância

    atualmente, de maneira geral, consideram a infância como uma construção histórica

    e social, que ultrapassa uma ideia simplista de infância enquanto faixa etária, e

    contribuíram de forma decisiva na entrada da questão da infância nas agendas

    políticas e na mídia.

  • 22

    A decidida entrada das crianças e da infância na agenda da opinião pública e dos sistemas periciais produtores de conhecimento sobre a sociedade não pode deixar de ser senão a expressão da relevância social da infância neste final do século. (SARMENTO E PINTO 1997, p. 11).

    É dentro desse contexto que se procura perceber a emergência de uma

    cultura infantil. O conceito a seguir é compartilhado por vários autores5, que são

    citados por Coutinho:

    [...] A cultura infantil é uma rede de significados gestados no interior das relações entre as crianças e que se consolida mediante a ressignificação, a reprodução, a produção de vivências socioculturais. Essa cultura tem a diversidade como característica – pois existem culturas infantis e não uma cultura infantil única – e a relação entre a realidade e a fantasia. (COUTINHO, 2002, p. 111).

    Sendo assim, uma concepção de infância defendida atualmente, desenvolve

    reflexões acerca da necessidade de compreender as crianças, e suas diferentes

    infâncias, como categoria social, contribuindo para a construção de uma pedagogia

    da infância que propõe ―as bases educacionais e pedagógicas orientadoras para a

    educação infantil a partir de uma perspectiva sócio-histórica e cultural da criança, da

    infância e de sua educação.‖ (ROCHA, 2008, p. 4)

    5 A pesquisadora Ângela Coutinho apresenta o conceito de culturas infantis a partir da perspectiva

    teórica defendida pelos seguintes autores: Florestan Fernandes (1998); Clifford Geertz (1989); Manoel Sarmento (1997); Faria (1997); Bufalo (1997); Prado (1998); Gusmão (1999); Quinteiro (2000).

  • 23

    4 UM LEVANTAMENTO DA RECENTE PRODUÇÃO TEÓRICA SOBRE A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

    O sítio eletrônico percorrido inicialmente, de acordo com os critérios

    explicitados na segunda seção desse trabalho, foi o da Associação Nacional de

    Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) 6, localizada na Vila Isabel, no

    município do Rio de Janeiro. Em seu sítio eletrônico são encontradas muitas

    informações, expostas a seguir.

    Sua fundação se deu em 1976 e, em 1979, consolidou sua independência

    como sociedade civil, que não visa lucros. Admitiu como sócios institucionais os

    Programas de Pós-Graduação em Educação e como sócios individuais, professores,

    pesquisadores e estudantes de pós-graduação em Educação. Tem por objetivos

    desenvolver e consolidar o ensino de pós-graduação e a pesquisa na área da

    Educação no País; promover a produção de trabalhos científicos e acadêmicos na

    área educacional, difundindo o intercâmbio, estimulando as atividades nestas áreas

    da Educação e viabilizando as necessidades dos sistemas de ensino, das

    universidades e das comunidades locais e regionais. Diante disso, a ANPED

    tornou-se referência para acompanhamento da produção brasileira no campo

    educacional.

    As atividades da ANPED estruturam-se em dois campos. Os Programas de

    Pós-Graduação em Educação, stricto sensu, são representados no Fórum de

    Coordenadores dos Programas de Pós-Graduação em Educação — EDUFORUM.

    Os Grupos de Trabalho (GTs) reúnem pesquisadores interessados em áreas de

    conhecimento especializado da educação. Para serem constituídos, os GTs

    precisam ter funcionado durante 2 anos no formato de Grupos de Estudo, com

    aprovação prévia da Assembleia Geral. Anualmente os GTs, através de seus

    comitês científicos, selecionam trabalhos de todo o País, cujos conteúdos sejam

    provenientes de pesquisas. Os trabalhos selecionados são apresentados nas

    Reuniões Anuais da ANPED.

    6 Maiores informações sobre a ANPED podem ser obtidas no sítio eletrônico

    http://www.anped.org.br/.

  • 24

    Esses grupos de trabalho são definidos por áreas, dentre as quais a que trata

    da ―Educação da Criança de Zero a Seis Anos‖ correspondente ao GT7, foco dessa

    pesquisa.

    Ao fazer o levantamento dos trabalhos apresentados no GT7 desde a

    vigésima terceira Reunião Anual7 até a trigésima primeira, foi possível encontrar

    quatro trabalhos relacionados à música na educação infantil. São eles:

    Quadro 1: Trabalhos relacionados à Música na Educação Infantil, apresentados no GT7 da ANPED

    Autores Título Ano

    Luciana Esmeralda Ostetto

    Mas as crianças gostam! ou, sobre gostos e repertórios musicais.

    2003

    Monique Andries Nogueira

    Música e educação infantil: possibilidades de trabalho na perspectiva de uma pedagogia da infância

    2005

    Cláudia Ribeiro Bellochio

    A educação musical na formação inicial e nas práticas educativas de Professores Unidocentes: um panorama da pesquisa na UFSM/RS.

    2007

    Roberto Sanches Mubarac Sobrinho

    Pra fazer a farinhada... Muita gente eu vou chamar”: contextos lúdicos diversificados e as culturas das crianças sateré-mawé

    2008

    Fonte: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)

    Outro campo de pesquisa foi a Universidade Estadual de Campinas

    (UNICAMP)8, fundada em 5 de outubro de 1966. Essa instituição possui três campi –

    um em Campinas, um em Piracicaba e outro em Limeira – e compreende 21

    unidades de ensino e pesquisa. Segundo consta em seu sítio eletrônico, é uma

    7 Até o momento a ANPED realizou 32ª Reuniões Anuais, sendo que, atualmente pode-se encontrar

    no seu sítio eletrônico, trabalhos publicados a partir da 23ª reunião que ocorreu no ano de 2000.

    8 Maiores informações sobre a UNICAMP acessar o endereço eletrônico:

    http://www.unicamp.br/unicamp/

  • 25

    autarquia, tem domínio próprio e autonomia nas políticas educacionais, mas

    financeiramente é subordinada ao Governo Estadual de São Paulo e a instituições

    nacionais e internacionais de fomento. Localiza-se no distrito de Barão Geraldo,

    região noroeste de Campinas, SP. Atua no ensino, pesquisa e extensão, nas áreas

    de Ciências Exatas, Tecnológicas, Biomédicas, Humanidades e Artes,

    proporcionando diversas atividades à comunidade. Na biblioteca Professor Joel

    Martins da UNICAMP, foi possível encontrar dois trabalhos, um de conclusão de

    Curso de Pedagogia e outro, uma dissertação de Mestrado do Programa de

    Pós-Graduação em Educação.

    Quadro 2: Trabalhos relacionados à Música na Educação Infantil encontrados na Biblioteca Professor Joel Martins da UNICAMP

    Autores Título Ano

    Daniela Aparecida Roque

    A música na educação infantil. 2006

    Maria Cristina de Campos Pires

    O som como linguagem e manifestação da pequena infância: música? percussão? barulho? ruído?

    2006

    Fonte: Biblioteca Professor Joel Martins da UNICAMP

    A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 9 também foi incluída

    no campo de pesquisa. Localizada em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, de acordo

    com as informações disponibilizadas em seu sítio eletrônico, ministra cursos em

    vários níveis educacionais, desde o Ensino Fundamental até a Pós-Graduação. Atua

    em ensino, pesquisa e extensão, que são revertidos em benefícios à comunidade. É

    uma instituição centenária e reconhecida nacional e internacionalmente. O LUME –

    Repositório Digital da UFRGS é o portal de acesso que reúne os documentos

    digitais. Ali foi possível encontrar uma dissertação de Mestrado do Instituto de Artes

    do Programa de Pós-Graduação em Música para educação infantil.

    9 Maiores informações sobre a UFRGS acessar o endereço eletrônico http://www.ufrgs.br/ufrgs/

  • 26

    Quadro 3: Documento digital relacionado à Música na Educação Infantil localizado no Portal LUME da UFRGS

    Fonte: LUME – Repositório Digital da UFRGS

    O conteúdo das pesquisas relacionadas nessa seção será discutido no sexto

    capítulo desse trabalho.

    Autor Título Ano

    Lélia Negrini Diniz Música na educação infantil: uma survey com professoras da rede municipal de ensino de Porto Alegre - RS.

    2005

  • 27

    5 A LINGUAGEM MUSICAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

    Ao pensarmos numa educação plena para as crianças de 0 a 6 anos nos

    contextos de educação infantil, o que nos vem à mente, primeiramente, como

    educadores, é a ideia de lhes proporcionar as mais diversas formas de linguagem,

    para que estas possam expressar-se e desenvolver-se em suas mais diferentes

    possibilidades humanas.

    Essa visão sustenta-se em uma perspectiva que se vem consolidando na

    área de educação infantil na última década. Segundo Eloísa Rocha (2008, p. 5) uma

    Pedagogia comprometida com a infância exige conhecer as crianças, os

    determinantes que constituem sua existência e seu complexo acervo linguístico,

    intelectual, expressivo, emocional, enfim, as bases culturais que as constituem como

    tal.

    Nessa direção, a autora esclarece o papel da linguagem na educação das

    crianças pequenas:

    A linguagem tem um lugar central [...] uma vez que a função simbólica representa a base para o estabelecimento das relações culturais e de compartilhamento social. Compreender o mundo passa por expressá-lo aos outros, envolve comunicação e domínio dos sistemas simbólicos já organizados na cultura. A diversificação das linguagens objetiva: 1. a expressão e as manifestações das culturas infantis em relação com o universo cultural que lhe envolve; 2. o domínio de signos, símbolos e materiais; 3. a apreciação e a experiência literária e estética com a música (na escuta e produção de sons, ritmos e melodias); com as artes plásticas e visuais (na observação, exploração e criação, no desenho, na escultura, na pintura, e outras formas visuais como a fotografia, o cinema, etc.); 4. com a linguagem escrita, no sentido de uma gradual apropriação desta representação (no momento, com ênfase na compreensão de sua função social e suas estruturas convencionais em situações reais) em que se privilegie a narrativa, as histórias, a conversação, apoiadas na diversificação do acesso a um repertório literário e poético. (ROCHA, 2008, p. 5). [grifos meus]

    Possibilitar na educação infantil a diversificação das linguagens, como

    ressalta a autora – entre elas a música – significa proporcionar tais linguagens de

    forma orgânica e permanente na prática pedagógica.

    As crianças, ao se perceberem agentes de um mundo até então

    desconhecido para elas, procuram expressar-se de diversas formas. Ao longo de

    seu desenvolvimento, suas possibilidades de expressão aprimoram-se de acordo

  • 28

    com as interações sociais estabelecidas, as quais carregam características

    sócio-culturais. Assim, percebemos que:

    O bebê humano nasce, então, com suas possibilidades de percepção definidas pelas características do sistema sensorial humano. Ao longo do desenvolvimento, entretanto, principalmente através da internalização da linguagem e dos conceitos e significados culturalmente desenvolvidos, a percepção deixa de ser uma relação direta entre o individuo e o meio, passando a ser mediada por conteúdos culturais. (OLIVEIRA, 1997. p.73).

    Em relação ao processo de desenvolvimento da percepção sonora e musical

    das crianças pequenas, Brito (apud BEYER, 2008, p.4) afirma o seguinte:

    [...] ao nascer, a criança é cercada de sons e esta linguagem musical é favorável ao desenvolvimento das percepções sensório-motoras, dessa forma a sua aprendizagem se dá inicialmente através dos seus próprios sons (choro, grito, risada), sons de objetos e da natureza, o que possibilita descobrir que ela faz parte de um mundo cheio de vibrações sonoras.

    Segundo Jeandot (2002) ―[...] refere-se à música como linguagem, [...] e

    afirma que devemos seguir, em relação à música, o mesmo processo de

    desenvolvimento que adotamos quanto à linguagem falada, ou seja, devemos expor

    as crianças à linguagem musical [...]‖. (JEANDOT (2002) apud PIRES, 2006, p. 73)

    De acordo com Lino (apud CUNHA, 1999, p. 62), ―o som é uma onda [...]

    invisível, e através da percepção tornamos esse invisível, visível, respeitando a

    medida do tempo, no tempo da medida e de suas direções‖. Várias experiências

    com objetos sonoros e musicais podem ser proporcionadas às crianças, provocando

    descobertas que apresentam, diversificam e ampliam seus repertórios sonoros e

    musicais.

    Para Lino (apud CUNHA, 1999, p. 68), ―a linguagem musical é a organização

    do som, estruturado numa forma que estabelece relações e gera significados,

    provenientes da coordenação e ordenação integrada do sujeito sonoro e de seu

    meio sociocultural‖. Neste sentido, é importante salientar a importância de se

    desenvolver uma escuta sensível e ativa nas crianças, possibilitando uma

    aproximação a um rico universo musical que as instigue a ouvir e sentir com

    atenção, mas também a interagir ativamente com esse universo, produzindo sons,

    movimentando-se, dançando e brincando.

  • 29

    Segundo Ilari (apud BEYER, 2008, p. 4), várias pesquisas apontam para a

    importância do contorno melódico nas melodias oferecidas para os bebês, sendo

    que esses são sensíveis a mudanças de padrões melódicos, transposições,

    alteração de intervalos, mantendo o contorno melódico. Por essa razão, segundo o

    autor, é tão importante oferecer a eles melodias completas, simples, de modo que

    possam captar a estrutura total oferecida e, inclusive, tentar reproduzi-la, através de

    seus processos de assimilação e acomodação. Porém, afirma Beyer (2008, p. 4)

    ―nem todas as músicas oferecidas aos bebês precisam ser elementares. Temos

    observado bebês se interessando vivamente também por músicas com desafios

    maiores, com sonoridades, modulações e estruturas diferentes.‖

    De acordo com Beyer, as pesquisas mostram que o processamento e a

    evolução melódica têm início na infância, e as estruturas necessárias para

    percepção tonal e rítmica estão disponíveis nos bebês muito antes de estas

    surgirem em nossas práticas educacionais atuais. (BEYER, 2008)

    Por isso, segundo Beyer (2008), devemos atentar para a grande relevância

    que a música poderá ter no desenvolvimento de um bebê nos seus primeiros anos

    de vida, se esta for possibilitada de modo sistemático, sempre com novos desafios.

    Para a autora, o trabalho em grupos, especialmente, contribui para que as trocas

    sejam exponenciadas, não só entre o bebê e seu cuidador, mas também com outros

    bebês, mães e professores. É possível, inclusive, resgatar o vínculo prejudicado por

    pais ausentes ou pouco envolvidos com seu bebê e assim prevenir prejuízos

    maiores em seu desenvolvimento posterior. A autora salienta também o valor que

    tem a música para mobilizar as emoções e motivação dos adultos, de modo a

    permitir a eles também uma interação significativa com a música, consequentemente

    influenciando positivamente o desenvolvimento tanto de seu bebê como dos demais

    presentes no grupo.

    A educação musical poderá contribuir muito para a construção da dimensão

    criativa das crianças, tornando-as mais capazes de criar, inventar e reinventar o

    mundo que a cerca. Ávila e Silva (apud OSTTETO, 2004, p. 79) ressaltam que ―ao

    ouvir música, a criança passa a praticá-la prazerosamente: motiva-se pelo seu

    aspecto lúdico e intera-se com ela numa participação integral (mente, corpo e

    emoção)‖.

    Ao possibilitar que as crianças concebam a música como linguagem na

    educação infantil ou como um modo de expressão, através de experiências

  • 30

    constantes e intensas, contribuímos para que aprendam a criar e apreciar a música,

    as variedades de sons e movimentos que podem ser inventados, explorar ritmos e

    experiências que não dissociam corpo e mente. Gardner sinaliza que:

    As crianças pequenas certamente relacionam, de forma natural, a música e o movimento corporal achando virtualmente impossível cantar sem engajar-se em alguma atividade física acompanhante; a maioria dos relatos da evolução da música a ligam intimamente à dança primordial; muitos dos métodos mais eficazes de ensino tentam integrar voz, mão e corpo. (1999, p.98).

    A sensação da descoberta do corpo, relacionada ao ritmo musical e a

    experimentação dos objetos musicais, proporciona às crianças atuarem livremente e

    se relacionarem com as outras, num (in)constante movimento de sociabilidade e

    conflito de suas mais diversas culturas, o que pode acarretar o signo de grupo e de

    coletividade. Conforme Brito (apud PIRES, 2006, p. 80):

    Dentre as manifestações musicais vivenciadas pelas crianças estão as cantigas, brincadeiras cantadas e brincos infantis. Ao nascer, a criança amplia o contato com a música infantil através de acalantos, que são canções infantis interpretadas pelos adultos (pais, familiares, etc) ao embalarem os bebês. Muitos adultos brincam com as crianças, fazendo uso de brincos e cantos infantis, onde o corpo da criança e do adulto passam a fazer parte integrante do jogo.

    Sendo assim, a musicalização em contextos de educação infantil poderá

    contribuir para despertar e desenvolver o gosto musical das crianças pequenas,

    favorecer o desenvolvimento da sensibilidade, da criatividade, do senso rítmico, do

    prazer de ouvir música, da imaginação, da memória, da atenção, do

    compartilhamento de experiências, do respeito ao próximo, da afetividade, entre

    tantos outros aspectos.

  • 31

    6 A LINGUAGEM MUSICAL NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES A PARTIR DOS REGISTROS DE ESTÁGIO E DE ALGUMAS PESQUISAS

    Nessa seção, primeiramente descrevo o campo de estágio e, logo após,

    procuro refletir sobre situações vivenciadas no estágio, a partir de trechos do diário

    de campo e dos registros fotográficos, tendo como referência alguns dos trabalhos

    obtidos através do levantamento bibliográfico realizado.

    O dia 11 de março de 2008 é uma data que ficará guardada entre as minhas

    melhores lembranças. Era uma manhã de quinta-feira, diferente das demais. O dia

    estava ensolarado, o canto dos passarinhos soava como música para os ouvidos,

    tudo parecia estar em harmonia. Mas minha ansiedade era enorme... O motivo?

    Estagiar em uma instituição pública de educação infantil, um Centro de Educação

    Infantil (CEI) no município de São José, com um grupo de crianças de um ano e

    meio a dois anos de idade, experiência, até então, nunca experimentada. Estar na

    posição de estagiária e não de auxiliar de sala como fora antes, era algo que me

    intimidava. Os medos e as incertezas foram sensações que me acompanharam até

    o momento do contato com as crianças e com as professoras.

    Ao chegarmos10 à entrada do Centro de Educação Infantil, o silêncio

    surpreendeu, em se tratando de uma instituição de crianças. Tive um estranhamento

    pelo fato de não haver muito barulho como gritos, choros, risos e outros sons

    característicos das crianças. Naquele momento, a instituição não me pareceu um

    espaço infantil, sensação também relatada por Dias (apud PIRES, 2006, p.30) em

    relação a outra instituição de educação infantil: ―não se tratava exatamente de uma

    creche, mas de um lugar para descanso, como uma casa de fazenda, isto devido ao

    silêncio. Sempre as contradições – uma instituição para as crianças que de alguma

    forma ainda que muito sutil, as silencia.‖

    Antes de nos apresentarmos para o grupo denominado Grupo de Trabalho 2

    – GT2, fomos observar o espaço físico externo da instituição. Na entrada, havia um

    espaço com areia onde estava uma casinha de madeira. Num dos vãos entre as

    salas, havia uma horta e, nos fundos da instituição, um amplo espaço gramado com

    plantações de banana, limão, maçã, e muitos passarinhos que frequentam o local. A

    instituição possuía dez salas para os grupos de crianças e contava com espaços

    10

    Refiro-me na primeira pessoa do plural porque, todo o tempo estava acompanhada de meu colega de estágio, Fábio Will, com quem atuei durante o estágio no GT2.

  • 32

    destinados à secretaria, à direção e coordenação, à sala dos professores, à cozinha

    e à lavanderia.

    Mas estava para chegar o grande momento! Ao nos aproximarmos da sala do

    GT2 vieram todas as inseguranças. Seríamos bem recebidos pelas crianças e pelas

    professoras? Preocupáva-nos o que, segundo Pires (2006, p. 29), constitui ―adentrar

    o local da cultura do outro, um ambiente que não é o meu, local onde se

    desenvolvem descobertas, conhecimentos‖. Mas tudo não passou de uma aflição

    passageira.

    O grupo era atendido por duas professoras formadas em Pedagogia, ambas

    com Especialização em Educação Infantil. O GT2 era composto por 12 crianças de

    um ano e meio a dois anos de idade. Chegando à porta, pedimos licença e fomos

    convidados a entrar. Em seguida, nos apresentamos para as professoras e para as

    crianças. Fomos recebidos de forma acolhedora pelas professoras, o que nos deixou

    muito à vontade para interagir com as crianças. A princípio, nossa presença causou

    certo desconforto às crianças, pois elas estavam em período de adaptação. Após

    sermos apresentados para os pequenos, sentamos junto a eles e começamos a nos

    aproximar aos poucos, procurando estabelecer contato corporal para que pudessem

    ter mais confiança em nós, pois a presença de desconhecidos talvez fosse algo

    desconfortável para eles. Aos pouquinhos conseguimos nos aproximar por inteiro,

    cantamos, brincamos, passeamos com eles e até os alimentamos. Foi muito bom

    para um primeiro encontro.

    Durante as primeiras idas ao CEI, interagimos com as crianças, mas nosso

    objetivo era, sobretudo, estabelecer uma aproximação com o grupo e observar os

    movimentos expressos por elas, com a intenção de delimitar o foco de nosso projeto

    e planejar as proposições que faríamos. Por isso, inicialmente, em nenhum

    momento, interferimos nos trabalhos realizados pelas professoras. Lüdke e André

    (apud BRITO, 2006, p. 29) sugerem que ―o observador deve se preocupar em se

    fazer aceito, decidindo quão envolvido estará nas atividades e procurando não ser

    identificado com nenhum grupo particular.‖

    No espaço físico destinado ao GT2, do lado de fora, em frente à porta da sala

    há um ―parquinho‖ adaptado para crianças menores, ou seja, nesse espaço foram

    colocadas estruturas de brinquedo apropriadas ao tamanho das crianças desse

    grupo.

  • 33

    A sala do GT2 encontra-se em bom estado de conservação. Possui um

    banheiro interno onde é possível dar banho nas crianças, fator este que propicia um

    atendimento rápido a elas. Alguns aspectos outros merecem ser destacados. Os

    brinquedos estavam ao alcance das crianças; havia colchões para a hora do sono,

    um cabideiro para as crianças deixarem suas mochilas contendo seus pertences,

    uma mesa com cadeiras para as crianças se alimentarem e um ventilador de teto.

    Além disso, havia outros brinquedos e cômodas que serviam para guardar os

    pertences das crianças e materiais como cola, tesoura, entre outros. Percebemos

    também que cada criança tinha uma agenda, onde eram mandados os recados do

    dia.

    A questão do espaço oferecido para as crianças também foi observada por

    Pires (2006), que estudou as experiências sonoras de crianças pequenininhas, entre

    0 e 3 anos de idade, que frequentam um Centro de Educação Infantil (CEI) público

    do Município de São Paulo. A autora analisa a construção da paisagem sonora

    durante as atividades do dia-a-dia no CEI, pleiteando o contato das crianças com

    diferentes formas musicais, que podem constituir fatores importantes para o

    refinamento da audição, a produção de culturas infantis e o reconhecimento do

    ambiente onde vivem.

    No seu trabalho, a autora descreve como os espaços no CEI pesquisado por

    ela eram organizados. Os berços e os colchões, na maioria das vezes, ocupavam

    boa parte do espaço, enquanto os brinquedos, instrumentos e outros objetos eram

    guardados em caixas, sempre fora do alcance das crianças, que só tinham acesso

    aos brinquedos quando as professoras os entregavam a elas. Sobre a arquitetura

    dos espaços de educação infantil, Faria (apud PIRES, 2006, p. 39), indaga: ―será

    que nossos CEIs e EMEIs estão dando conta de ser o lugar das tantas inovações

    pedagógicas que despontam no cenário da educação e, particularmente, da

    pedagogia da infância?‖. Essas e outras indagações em relação à organização dos

    espaços também nos angustiavam.

    No primeiro dia de estágio, acompanhamos todas as rotinas do grupo,

    participamos do momento de alimentação das crianças auxiliando-as a comer, a

    fazer a higiene, organizamos os colchões para o momento do sono. Neste momento,

    as professoras solicitaram que nos retirássemos, porque nossa presença dispersava

    as crianças prejudicando a hora do sono.

  • 34

    O trabalho de Pires (2006) traz muitas contribuições para as minhas

    reflexões, pelo fato de, em sua pesquisa, a autora ter vivenciado experiências

    semelhantes as minhas, no campo de estágio. A respeito da hora do sono relata que

    no dia-a-dia do CEI pesquisado, esse momento destinado ao descanso das crianças

    tinha duração de uma hora. Após o almoço, as professoras colocavam todas as

    crianças para dormir. Algumas resistiam, mas eram embaladas até se entregar ao

    cansaço e adormecerem no colo das professoras. Segundo Dias apud Pires (2006,

    p. 48) ―esse momento do sono é aquele onde se silencia a criança por

    aproximadamente duas horas, independentemente da sua necessidade de dormir.‖

    O episódio vivenciado pela pesquisadora evidencia fatos que em nenhum

    momento do nosso estágio tivemos a oportunidade de observar, pois, nesses

    momentos, sempre havia a solicitação para que nos retirássemos da sala.

    Entretanto, considero importante refletirmos sobre o fato de esse momento ainda ter

    o caráter de obrigatoriedade nas instituições de educação infantil.

    Em outro dia de observação, foi possível observar as crianças interagindo

    com a música, nosso foco de investigação. Percebeu-se que é algo que as agrada e

    mobiliza, pois as crianças batem palmas e batem os pés, acompanhando o ritmo da

    música cantada.

    A dança é outra forma observada, a Maysa e a Graziela são as que mais se manifestam diante das músicas. Neste mesmo dia foi observado o interesse que as crianças têm pelos sons dos animais, as professoras contaram uma história em que cada página trazia o som de um animal e as crianças o imitavam. (Diário de Campo, 03/04/2008).

    Relativamente ao observado neste relato, Sedioli (2003, p.27) apud Pires

    (2006, p. 55) traz algumas reflexões.

    As crianças bem pequenas são atraídas pela sonoridade da paisagem que as circunda e iniciam uma interação com ela, numa forma de jogo explorativo que, com o tempo, vai identificando os sons e ao mesmo tempo construindo sua identidade como pessoa. A natureza oferece aos bem pequenos as folhas caindo, a chuva, o trovão, entre outros sons que privilegiam os parâmetros sonoros, uns mais que outros.

    Em outro encontro, foi possível ver novamente como as crianças, ao cantar as

    músicas oferecidas pelas professoras, que faziam referência ao jacaré, ao pintinho

  • 35

    amarelinho, ao palhaço, entre outros personagens, mobilizavam-se pelos ritmos,

    batendo palmas e batendo os pés no chão.

    A Maysa e a Graziela são as que mais se manifestaram novamente. Algumas músicas chamam a atenção, como a do palhaço. O Caíque imita a professora nos gestos. Neste dia, outro fato observado foi a forma como as crianças são organizadas, elas sempre são dispostas em círculo sentadas no chão em cima do tapete que está num canto nos fundos da sala. Todos os movimentos são determinados e monitorados pelas professoras do modo mais homogêneo possível, quando a música explicitava que era para balançar os braços, todos tinham que balançá-los ao mesmo tempo, quando pedia para balançar as pernas, todos tinham que balançar somente as pernas. Já com um olhar mais atento aos movimentos dos pequenos, percebi um momento em que uma das professoras corrigia a menina Diana que persistia em bater o pé no chão quando a música dizia que era para bater palmas. (Diário de Campo, 10/04/2008).

    Atentando-me a este fato, novamente recorro à pesquisa de Pires (2006), que

    relata um fato semelhante ocorrido em idas aos CEIs: Em uma das suas

    observações, ela encontrou as crianças sentadas no chão com as pernas cruzadas

    assistindo o programa da apresentadora Xuxa – Xuxa para os baixinhos – na

    televisão. Ela cantava a música dos patinhos e fazia gestos com as mãos. Uma das

    professoras assistia junto às crianças e estava apreciando muito o programa, outra

    professora ficava controlando-as para não saírem do lugar. Os pequenos eram

    impedidos de levantar e dançar as músicas do programa. Em seguida, as

    professoras mudaram de ideia e começaram a dançar como a apresentadora e

    incentivaram todos a imitá-la, com os mesmos gestos: ―Acompanhem os gestos que

    ela está fazendo, igual à Xuxa. (Caderno de Campo, 27/10/04 – Fita nº1).‖ (PIRES,

    2006, p. 40)

    Pires (2006) associa o observado às formas de controle descritas por

    Foucault (2003):

    [Foucault] dá vários exemplos de formas de controle e de administração das ações das pessoas nos espaços. Ele se baseia em situações do século XVIII, que revelam as formas de prisão existentes e que não necessariamente aparecem em forma de grades ou isolamento em cômodos distantes. Na escola estas transparecem desde a formação de filas, passam pela forma como as pessoas olham para o mundo e vão até a maneira de andar padronizada, entre outros aspectos. [...]. Ele discute também a questão da disciplina como se fosse um trabalho de talhar pedras para moldá-las o que, no caso desta pesquisa, refere-se ao fato de as crianças estarem construindo suas histórias como seres que criam, experimentam e conhecem, com a presença da professora. Ao serem barradas pelo excesso de disciplina, isso as leva ao medo de transgredir

    pela criação. (FOUCAULT, 2003 apud PIRES 2006, p. 40)

  • 36

    A autora relata que momentos como aqueles, poderiam acontecer sem a

    televisão, bastando apenas usar brincadeiras para que as crianças pudessem fazer

    gestos ao mesmo tempo, mas de maneiras diferentes, possibilitando às crianças

    descobrir suas próprias limitações. (PIRES, 2006)

    Em todos os encontros no CEI, participamos das situações vividas pelas

    crianças. Observamos que, antes do lanche das crianças, que era às 08:30 da

    manhã, elas e as professoras sentavam-se no chão sobre o tapete, para cantar as

    músicas infantis. Convidavam-nos a sentar também. O repertório musical era pouco

    variado.

    A preocupação com os repertórios oferecidos as crianças, é um dos

    destaques do estudo de Nogueira (2005). A autora acompanhou o trabalho

    pedagógico musical desenvolvido em instituições de educação infantil com crianças

    de 0 a 6 anos no Município de Goiânia. Nessa pesquisa, ela analisou a atuação de

    educadores como mediadores entre crianças e a linguagem musical. Além disso,

    procurou desenvolver estratégias de ação colaborativa entre a universidade e

    instituições de educação infantil, tendo em vista o aprimoramento da prática docente

    relativa à linguagem musical. Atentando ao relato do episódio anterior, Nogueira

    (2005, p. 2) nos alerta que:

    É perceptível, no entanto, a hegemonia de concepções pedagógicas tradicionais, nas quais a música, quase sempre reduzida à forma de canção, não tem especificidade ou conteúdos próprios. Serve sempre de estratégia para a obtenção de padrões de comportamento, tais como lanchar, formar a fila, descansar (―musiquinhas de comando‖) ou para a fixação de conteúdos de outras áreas (canções para conhecer as vogais, para aprender os numerais), na questionável tentativa de uma alfabetização precoce.

    Segundo a autora, a pesquisa em torno da linguagem musical, ainda que

    tímida, se tornou objeto de investigação no Brasil e no exterior. Nas escolas básicas,

    o campo da música é tratado de forma pouco científica. Na Educação Infantil é vista

    como ornamental usada como pano de fundo. A intenção que fundamentou seu

    trabalho foi ―contribuir para o avanço na produção de conhecimentos que levem a

    propostas mais consistentes no que tange à música como linguagem expressiva à

    criança pequena‖. (NOGUEIRA, 2005, p. 2)

    Há muitos anos que a autora/pesquisadora acompanha a questão da música

    nas instituições de educação infantil no município de Goiânia. Nesta pesquisa foram

  • 37

    abordados vários problemas ocorridos nas instituições de educação infantis em

    relação à disponibilização das músicas oferecidas às crianças. Em 2002, a

    pesquisadora, com uma equipe de apoio, fez estreita relação com a Secretaria de

    Educação do Município de Goiânia, a fim de sugerir a aquisição não somente de

    livros, mas também de CDs, para possibilitar aos educadores e às crianças o acesso

    a vários gêneros musicais de diferentes compositores. Na ocasião, a própria

    Secretaria já havia elaborado um projeto prevendo a aquisição de uma listagem de

    CDs para posteriormente enviar aos Centros Municipais de Educação Infantil. Em

    agosto de 2003, após muita procura e contatos com gravadoras, foram adquiridos

    Kits com 6 CDS de produções consideradas de ―boa qualidade estética.‖

    (NOGUEIRA, 2005 p. 5)

    Com as instituições munidas com o Kit, Nogueira (2005) iniciou o

    acompanhamento do uso da coletânea nas instituições para verificar os possíveis

    ganhos em relação ao trabalho pedagógico com a linguagem musical a partir de um

    repertório variado e considerado de boa qualidade. A pesquisa propriamente dita

    iniciou-se em abril de 2004 e teve como objetivos principais:

    Acompanhar o trabalho pedagógico musical desenvolvido em instituições de Educação Infantil de Goiânia, analisar os limites e as possibilidades de atuação de educadores como mediadores entre crianças e a linguagem musical e desenvolver estratégias de ação colaborativa entre universidade e instituições de Educação Infantil, tendo em vista o aprimoramento da prática docente relativa à linguagem musical. (NOGUEIRA, 2005, p.6).

    Nogueira (2005) escolheu cinco CMEIs para investigar, na tentativa de

    abranger o maior número de casos distintos dentro da mesma rede.

    Os CMEIs foram visitados por duplas de pesquisadoras em, pelo menos, três ocasiões, após o contato inicial com a direção de cada um deles. Nestas ocasiões, as pesquisadoras passavam longos períodos (tardes ou manhãs) observando a rotina da instituição, particularmente no que dizia respeito às práticas musicais. (NOGUEIRA, 2005, p.6).

    Com suas observações, ela constatou que a música era ―sub-utilizada‖ não

    estando presente na atividade do dia-a-dia das crianças ―e as poucas atividades

    com a linguagem musical aconteciam sem a intervenção das educadoras (música

    ambiente). Na maioria dos CMEIs vimos que a direção e a coordenação pedagógica

    também não estimulavam práticas musicais.‖ (NOGUEIRA, 2005, p.6). Somente em

  • 38

    um CMEI, ela constatou que a música se fazia presente pelo fato de que uma

    ―diretora havia sido estimulada, na sua formação inicial, para o papel da arte na

    formação das crianças e devido a este fato buscava sempre oferecer às educadoras

    o máximo de apoio na realização deste tipo de atividade.‖ (NOGUEIRA, 2005, p.6)

    Quanto à utilização dos CDs, mesmo nos CMEIs munidos com os Kits, ―o

    trabalho com a linguagem musical não cresceu em qualidade nem em quantidade na

    maioria absoluta‖. (NOGUEIRA, 2005, p.6)

    Nogueira constatou que:

    A música aparecia nos planejamentos das educadoras de forma muito desigual e, o que é mais grave, nem sempre o fato de constar no planejamento diário significava um trabalho efetivo com as crianças. Exemplificando: por vezes, o canto estava descrito no planejamento como atividade de rotina, mas nos períodos de observação essa prática não foi verificada. (NOGUEIRA, 2005, p.10).

    A pesquisa relatada pela pesquisadora evidenciou que o grande obstáculo

    para que se obtenha uma prática docente variada e considerada de boa qualidade,

    relativa à linguagem musical, reside na formação inicial e continuada das

    educadoras infantis daquelas instituições pesquisadas. As políticas públicas são

    deficientes na formação das educadoras e não dão subsídios para tais iniciativas.

    (NOGUEIRA, 2005)

    No período de observações, no início do estágio, tivemos muitos indícios de

    que a linguagem musical é uma fonte importante de experiências para as crianças

    pequenas e se constitui em uma rica e complexa forma de interação, significação e

    ressignificação do mundo que as rodeia. A partir das observações iniciais e das

    reflexões sobre os registros das situações vivenciadas pelas crianças do GT2, foi

    possível desenvolver o projeto de estágio.

    Após o período destinado às observações, iniciaram-se nossas proposições

    pedagógicas. No dia 13 de maio de 2008, trouxemos nossa primeira proposição.

    Nossa intenção era a de propor situações de um modo que as crianças pudessem

    se expressar das mais diversas maneiras.

    Foram disponibilizados para elas cones coloridos, confeccionados de garrafas

    PET. Num primeiro momento, as crianças, por indicação das professoras,

    sentaram-se em círculo11 no tapete da sala e esperaram pelo início de nossa

    11

    Movimento já comentado anteriormente.

  • 39

    proposta. Ao entregarmos os cones às crianças, estas, num movimento de

    reconhecimento do próprio objeto, começaram a esfregar os mesmos no chão, nas

    paredes e a batê-los nas mais diversas superfícies (mesa, paredes, chão, entre

    outros), neste momento as crianças começaram a sair do tapete e se deslocar para

    vários lugares da sala. Um trecho retirado do diário de campo evidencia o que

    aconteceu naquele momento:

    Em seguida, foram colocadas músicas de vários gêneros. Entre as crianças que participaram da proposição, Maria saiu correndo pela sala e tentou trocar o seu cone com outra criança. A Diana, ao ouvir uma música do gênero jazz, colocou o cone na boca e começou a emitir um som: - AAAAAHHHHH!!!!! AHHHHHHH!!!!

    Então partimos para a música infantil: ―Lá vem o pato, pataqui, patacolá, lá vem o pato para ver o que que há!‖ Ao ouvir essa música o Antonio, pega dois cones e bate um contra o outro, numa tentativa, interpretada por nós, de imitar o som produzido pela música que está tocando. E depois bate os cones na parede. Maysa coloca o cone na boca e começa a falar. Maria repete a mesma cena. Vinícius arrasta o seu cone no chão, tentando imitar o ritmo. Já Juliano, tenta bater o cone na mesa de acordo com o ritmo da música. O Caíque coloca a boca na abertura menor do cone, e começa a fazer um som que lembra o de uma corneta, de acordo com a música que está tocando naquele momento, Carmina Burana de Carl Orff. Após isto, Juliano o imita. Maysa já fala no cone: - Lá lá lá lá, ô ô ô (alguns balbucios e palavras emitidas pela criança)

    Neste momento colocamos o gênero musical ―chorinho‖ para as crianças, iniciando por ―Brasileirinho‖. Todos agora arrastam agora os cones na mesa, numa tentativa de acompanhar o ritmo da música, segundo nos parece. André inicia e, logo após as outras crianças imitam-no. Este gênero, a nosso ver, chamou mais atenção das crianças.

    Agora, colocamos sons advindos da Capoeira. Maysa e Fernando estão aproximando-se do ritmo da música. Os outros após os verem batendo, imitam-nos, numa tentativa cadenciada de imitar o ritmo da música. (Diário de Campo, 13/05/2008).

    Os trechos do registro apresentado acima evidenciam uma primeira tentativa

    que fizemos de possibilitar às crianças experimentações e contato com músicas de

    vários gêneros musicais.

    Ostetto (2003), assim como Nogueira (2005), relata a preocupação em

    relação aos repertórios musicais a que as crianças têm acesso e se refere à

    formação artístico-cultural dos professores que atuam na Educação Infantil. A autora

    revive sua infância e a adolescência a partir das lembranças em sua cidadezinha, as

    cantigas de roda na praça, os cânticos da missa, as danças, o movimento, o ritmo, a

    melodia e a poesia das músicas brasileiras.

  • 40

    A autora se indaga sobre determinados tipos de músicas considerados

    ―música ruim‖, de ―baixo nível‖, que na época eram representadas pelas duplas

    sertanejas, como Chitãozinho e Xororó, alguns grupos de pagode, de axé e gêneros

    semelhantes. Neste contexto, ela faz vários questionamentos, discutidos na

    disciplina de Antropologia durante seu curso de doutorado:

    Apreendendo as primeiras lições da antropologia, através de um olhar que se abria para a visão e compreensão da diferença, das culturas enfim, de um olhar iluminado pelos temas que se faziam conhecer no curso, uma afirmativa como essa, uma classificação de ―música ruim‖ não passaria assim, simplesmente, sem gerar polêmica e questionamento. Afinal, quem pode dizer que uma música é ruim, apelativa, comercial, de baixo nível? Quem determina o que é a boa música? Por que determinados grupos sociais gostam ou preferem determinado tipo de música? De outro modo, é possível dizer que os grupos que cantam e dançam as músicas do Tcham (e afins) identificam-se com seu conteúdo, por fazer parte do seu contexto, de sua realidade? (OSTETTO, 2003, p.4).

    Os questionamentos da autora propõem uma discussão em torno das práticas

    educacionais no interior das escolas, creches e pré-escolas, especialmente

    relacionadas às vivências e aos repertórios culturais de alunos e professores. Para

    melhor visualizar as práticas educativas, a autora relata algumas cenas ocorridas em

    instituições de educação infantil que provocam uma reflexão sobre os gostos

    musicais infantis.

    Cena 1: Crianças de uma creche, com idades entre três e quatro anos, reúnem-se em grupinho e cantam ―baba baby, baby baba...‖

    12,

    coreografando a música.

    Cena 2: Em outra instituição de Educação Infantil, no horário a que chamam de ―hora do parque‖, algumas meninas, numa rodinha, ouvem e dançam uma música que tem um estribilho mais ou menos assim “... Aserehe ra de re / Dehebe tu de hebere seibiunouba mahabi... “. Com idades entre cinco e seis anos, as meninas tentavam ou ensaiavam uma coreografia, sendo que algumas meninas ensinavam outras, dizendo ―não é assim, olha, é assim...‖, movimentando cabeça, braços e pernas. Pergunto: que música é essa? É do Rouge! Respondem, em uníssono.

    13

    Cena 3: Professoras de Educação Infantil levam para a sala ―musiquinhas‖ da Xuxa (―dois patinhos foram passear...‖, conhecem?). Igualmente ensinam os gestos recomendados pela ―rainha dos baixinhos‖. (OSTETTO, 2003, p. 5).

    12

    Parte de uma música cantada pela brasileira Kelly Key, sucesso em 2002. 13

    Trecho da música ―Ragatanga‖ do Rouge, um grupo vocal formado por garotas selecionadas em um programa de TV.

  • 41

    As cenas evidenciam, segundo a autora, a forte massificação da mídia, em

    torno das escolas, creches e pré-escolas.

    A massificação de ―produtos culturais‖ é um dado inegável desta sociedade, em que os produtos colocados à venda seguem o ―gosto do mercado‖, mais que o ―gosto popular‖. Na verdade o povo, transformado em massa, é também o mercado onde serão divulgados e vendidos esses artigos, como por exemplo, os produtos da indústria do disco. E aqui há uma distinção interessante a fazer: as músicas, neste contexto, deixam de ser obras para transformarem-se em produtos. A obra, dizia um amigo meu, citando Lefebvre, vem da arte e o produto vem da indústria. Aquela, elaborada pelo artista, tem marca pessoal; esse, elaborado pelos profissionais da indústria, tem as marcas do gosto do mercado (quer dizer, do lucro!). Seguindo os ventos da moda, os produtos chegam e vão, passam, ao sabor do mercado, descartáveis. As obras ficam, inscrevem marcas que permanecem no tempo, resistentes a qualquer modismo. (OSTETTO, 2003, p.6).

    Para a autora, oferecer às crianças, nas instituições de educação infantil,

    músicas que são obras artísticas que passam de geração em geração sem perde