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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA UNICURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA MIGUEL FERREIRA FILHO LIMITES, FINS E IMPACTOS DA REGULAÇÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR SOBRE OS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE CURITIBA 2018

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA – UNICURITIBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

MIGUEL FERREIRA FILHO

LIMITES, FINS E IMPACTOS DA REGULAÇÃO DA

AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR

SOBRE OS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE

CURITIBA

2018

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MIGUEL FERREIRA FILHO

LIMITES, FINS E IMPACTOS DA REGULAÇÃO DA

AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR

SOBRE OS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em

Direito Empresarial e Cidadania, do Centro

Universitário Curitiba – UNICURITIBA, como requisito

parcial à obtenção do Título de Mestre em Direito

Empresarial e Cidadania.

Orientador: Prof. Dr. Sandro Mansur Gibran

Coorientador: Prof. Dr. Daniel Ferreira

CURITIBA

2018

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MIGUEL FERREIRA FILHO

LIMITES, FINS E IMPACTOS DA REGULAÇÃO DA

AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR

SOBRE OS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre junto ao

programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, do Centro Universitário Curitiba,

pela Banca Examinadora formada pelos Professores:

Orientador:____________________________________________________________

Prof. Dr. Sandro Mansur Gibran

Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do

Centro Universitário Curitiba — UNICURITIBA

Coorientador:__________________________________________________________

Prof. Dr. Daniel Ferreira Programa de Mestrado Acadêmico em Direito do

Centro Universitário Internacional — UNINTER

Membro:______________________________________________________________

Profª. Dra. Sandra Mara Maciel de Lima

Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do

Centro Universitário Curitiba — UNICURITIBA

Membro:______________________________________________________________

Prof. Dr. Miguel Kfouri Neto

Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do

Centro Universitário Curitiba — UNICURITIBA

Membro:______________________________________________________________

Prof. Dr. Fabrício Macedo Motta

Programa de Mestrado Profissional em Direito e Políticas Públicas da

Universidade Federal de Goiás — UFG

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A Deus, pela existência além da vida

À minha mãe Ana Maria, pela dádiva da vida

À minha esposa Priscila, pelo amor nesta, e “noutras vidas”

A meu filho Felipe, continuidade de minha vida

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AGRADECIMENTOS

Ninguém constrói nada sozinho, sendo sempre fruto de um esforço coletivo. E, esta

pesquisa não foi exceção.

Tive o privilégio da companhia de pessoas que, direta ou indiretamente, ocuparam papel

fundamental para a concretização deste meu objetivo. Portanto, gostaria de render-lhes o meu

mais sincero agradecimento.

Ao meu irmão, amigo e orientador de todos os momentos Daniel Ferreira, cujo estímulo

e confiança me fizeram encampar uma nova carreira (de Direito) bem como sua continuidade

no mestrado.

Ao meu orientador, professor Sandro Mansur Gibran pelos ensinamentos, apoio e

confiança em mim depositados.

Aos professores Sandra Mara Maciel de Lima, Miguel Kfouri Neto e Fabrício Macedo

Motta, por todas as críticas e considerações feitas quando da qualificação deste trabalho, que

tanto complementaram sua revisão.

Aos demais professores do Mestrado de Direito Empresarial e Cidadania do Unicuritiba,

por terem contribuído de maneira especial em minha formação acadêmica.

Aos colegas do mestrado, pois tornaram a jornada mais profícua com os seus mais

diversos posicionamentos.

A todos os funcionários do mestrado, aos quais, na pessoa da Sra. Josilene Mariano da

Silva, agradeço pela simpatia, paciência e profissionalismo.

A meu irmão Rafael Ferreira, pelo incentivo de sempre.

A meu filho Felipe Furtado Ferreira, pelo apoio e considerações feitas no decurso de

toda minha trajetória no Direito e, em especial, nesta pesquisa.

À minha mãe Ana Maria Ignaszewski Ferreira, a quem devo toda minha educação e

preparo para a vida.

À minha querida e amada Priscila Muller Faria, companheira de todos os momentos,

pelo incentivo sempre presente, pela compreensão de minha ausência e pelo amor inabalável.

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RESUMO

Ao setor privado da assistência à saúde — da saúde suplementar —, importa uma série de

reivindicações, tanto por parte dos consumidores quanto das operadoras, que são decorrentes

das obrigações assumidas quando do firmamento do contrato de plano de saúde. Ainda que

integrado no âmbito de atividade econômica, pela relevância pública constitucionalmente

atribuída aos serviços de saúde, este setor exige do Poder Público maior regulamentação,

fiscalização e controle, o que é realizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar — ANS.

Entretanto, mesmo decorridas quase duas décadas de sua existência, variados e recorrentes são

os protestos em relação ao acesso, conteúdo e qualidade da prestação privada de serviços de

assistência à saúde. A presente pesquisa identifica as finalidades da regulação exercida pela

Agência Nacional de Saúde Suplementar, bem como a existência de limites e impactos,

positivos e negativos, sobre os contratos de planos de saúde. Para tanto, adotou-se o método

dedutivo-analítico, a partir da metodologia de revisão bibliográfica e legislativa. Constatou-se,

enfim, que a regulação desenvolvida pela ANS não conseguiu, até hoje, dar cabo de atender

simultaneamente todas as finalidades lhe impostas por lei, o que não desnatura sua importância

e não elide o dever de persistir na regulação suficiente e necessária para harmonizar os direitos

dos consumidores e as justas expectativas das operadoras.

Palavras-chave: saúde suplementar; consumidores; operadoras; obrigações; contratos;

regulação.

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ABSTRACT

The private sector of health care - supplementary health care – shows a several demands, both

on the part of the consumers and the operators, which are due to the obligations assumed at

the time of the firm's health insurance contract. Even though integrated into the ambit of

economic activity, due to the public relevance constitutionally attributed to health services, this

sector requires greater regulation, fiscalization and control by the Public Power, which is

carried out by the National Supplementary Health Agency (ANS). However, even after almost

two decades of its existence, various and recurrent are the protests regarding the access,

content and quality of the private provision of health care services. The present research

identifies the purposes of the regulation carried out by the National Supplementary Health

Agency, as well as the existence of positive and negative limits and impacts on health insurance

contracts. For that, the deductive-analytical method was adopted, based on the methodology of

bibliographical and legislative revision. Finally, it was noted that the regulation developed by

the ANS has not yet succeeded in fulfilling all the purposes imposed by law, which does not

deny its importance and does not elude the duty to persist in the regulation that is sufficient and

necessary to consumer rights and the fair expectations of operators.

Keywords: supplementary health; consumers; operators; obligations; contracts; regulation.

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LISTA DE SIGLAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações

ANP Agência Nacional do Petróleo

ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CC Código Civil Brasileiro

CDC Código de Defesa do Consumidor

CFM Conselho Federal de Medicina

CONSU Conselho de Saúde Suplementar

CONITEC Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CNS Confederação Nacional de Saúde

CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados

CPT Cobertura Parcial Temporária

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

DC Diretrizes Clínicas

DESAS Departamento de Assistência à Saúde

DICOL Diretoria Colegiada

DIFIS Diretoria de Fiscalização

DLP Doenças e Lesões Preexistentes

DUT Diretrizes de Utilização

EBCT Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos

EC Emenda Constitucional

IAP Instituto de Aposentadoria e Pensão

IDSS Índice de Desempenho da Saúde Suplementar

INPS Instituto Nacional de Previdência Social

INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

MP Medida Provisória

NIP Notificação de Intermediação Preliminar

NTRP Nota Técnica de Registro de Produtos

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OCDE Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico

OMS Organização Mundial da Saúde

OPME Órteses, Próteses e Materiais Especiais

PAC Procedimentos e Eventos em Saúde de Alta Complexidade

PROUT Protocolo de Utilização

RDC Resolução de Diretoria Colegiada

RN Resolução Normativa

RVE Reparação Voluntária Eficaz

SAS Secretaria de Assistência à Saúde

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

SUS Sistema Único de Saúde

SUSEP Superintendência de Seguros Privados

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11

2 OS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE ..................................................................... 15

2.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS PARA A ADEQUADA DELIMITAÇÃO E

COMPREENSÃO DO TEMA ................................................................................................. 15

2.1.1 A Assistência à Saúde no Ordenamento Jurídico Brasileiro ........................................... 17

2.2 MODELOS DE PARTICIPAÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA NA PRESTAÇÃO DA

ASSISTÊNCIA À SAÚDE COMPLEMENTAR E SUPLEMENTAR ................................... 23

2.3 RAZÕES HISTÓRICAS DO SURGIMENTO DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL

.................................................................................................................................................. 28

2.4 CONTRATUALIZAÇÃO DE PLANOS DE SAÚDE ..................................................... 33

2.5 DA EVOLUÇÃO NA INTERPRETAÇÃO E NA APLICAÇÃO DAS REGRAS E

PRINCÍPIOS IMPLICADOS COM OS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE .............. 39

2.6 A LIBERDADE DE CONTRATAR EM RELAÇÃO AOS PLANOS DE SAÚDE, DE

ACORDO COM O CÓDIGO CIVIL ....................................................................................... 43

2.7 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS PLANOS DE SAÚDE ................. 49

2.8 A LEI DOS PLANOS DE SAÚDE A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL, DO CÓDIGO CIVIL E DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR ....................................................................................................................... 53

2.8.1 A Lei nº 9.656/1998 e o CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ......................... 57

3 A REGULAÇÃO COMO INTERVENÇÃO ESTATAL INDIRETA NO DOMÍNIO

ECONÔMICO ........................................................................................................................ 59

3.1 APONTAMENTOS HISTÓRICOS ACERCA DA RELAÇÃO ESTADO/MERCADO . 59

3.2 AS FORMAS DE INTERVENÇÃO ESTATAL SOBRE DOMÍNIO ECONÔMICO ..... 64

3.3 REGULAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO ........................................................................ 66

3.3.1 Poder Regulamentar da Administração Pública (Regulamentação) ................................ 68

3.3.2 Função (Administrativa) Regulatória .............................................................................. 74

3.4 AS AGÊNCIAS REGULADORAS ................................................................................... 79

3.4.1 Objetivos das Agências Reguladoras .............................................................................. 81

3.4.2 Natureza Jurídica das Agências Reguladoras .................................................................. 83

3.4.3 A Necessária Independência das Agências Reguladoras ................................................ 84

3.4.4 O Controle das Agências Reguladoras ............................................................................ 87

3.4.5 A Função Normativa das Agências Reguladoras ............................................................ 89

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3.4.6 As Funções Fiscalizadora e Sancionadora das Agências Reguladoras ........................... 94

4 A REGULAÇÃO DA ANS SOBRE O SETOR DE PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA À

SAÚDE SUPLEMENTAR ..................................................................................................... 98

4.1 ASSISTÊNCIA À SAÚDE COMO ATIVIDADE DE RELEVÂNCIA PÚBLICA ........ 98

4.2 O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE

SUPLEMENTAR ................................................................................................................... 104

4.3 A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS ................................ 108

4.4 A REGULAÇÃO ASSISTENCIAL ................................................................................. 112

4.5 OS AGENTES REGULADOS E AS CONDIÇÕES DE SEU INGRESSO, OPERAÇÃO E

SAÍDA DO SETOR ............................................................................................................... 125

4.6 REGULAÇÃO DO PREÇO ............................................................................................. 131

4.7 FISCALIZAÇÃO E SUA EFETIVIDADE ...................................................................... 135

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 144

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 148

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1 INTRODUÇÃO

O ano de 2018 é emblemático para os prestadores e usuários dos serviços privados de

saúde, no Brasil: a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) completa 18 anos de

existência e o marco regulatório do setor, a Lei nº 9.656/1998, atinge duas décadas desde a sua

edição.

O setor de assistência à saúde suplementar, que antes não contava com uma normação

específica, passou a ser norteado por diretrizes emanadas de uma agência reguladora incumbida

de sua fiscalização.

Desde a sua instituição cabe à ANS a promoção, o controle e a fiscalização do mercado

por meio da elaboração de normas, bem como de regras de funcionamento para as empresas

prestadoras de serviço do setor. Ademais, com fulcro na defesa do interesse público diretamente

imbricado com a assistência à saúde, compete-lhe, ainda estabelecer garantias para os

consumidores, induvidosamente a parte mais vulnerável nesse sistema.

Trata-se de mercado que já aglutina a prestação de serviços de assistência à saúde a

24,5% da população brasileira,1 equivalentes a 47,3 milhões de beneficiários atendidos por

1.055 operadoras de planos de saúde, correspondendo a 1,5 bilhão de procedimentos por ano,

dentre consultas, exames complementares, terapias e internações.2

Talvez pela grandiosidade dos números, as queixas relativas ao setor de planos de saúde

continuam a liderar o ranking de reclamações no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor,

pelo sexto ano consecutivo,3 ao que se soma a percepção da sociedade brasileira, em relação à

necessidade de melhoria dos serviços de saúde, que, pelo quinto ano consecutivo, é a mais

citada entre as três principais prioridades a serem enfrentadas pelo Governo.4

Destarte, a prestação da assistência à saúde é assunto contumaz e, em regra, se encontra

voltado para os mais variados problemas, dentre os quais os relativos ao acesso, ao conteúdo

1 De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar, é de 24,5% o percentual da população brasileira

atendida por planos privados de assistência médica (com ou sem odontologia). BRASIL. Agência Nacional de

Saúde Suplementar. Dados gerais. Brasília, 2017. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-

gerais>. Acesso em: 16 nov. 2017. 2 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. 18 anos. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/18anos>.

Acesso em: 03 mar. 2018. 3 Pelo 6º ano seguido, planos de saúde lideram em reclamações: ranking é feito com base em atendimentos de

órgão de defesa do consumidor. Folha de São Paulo, São Paulo, cotidiano, 12 mar. 2018. 4 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Retratos da sociedade brasileira. Gerência Executiva de

Pesquisa e Competitividade, Brasília, a. 7, n. 41, 2018. Disponível em: <https://static-cms-

si.s3.amazonaws.com/media/filer_public/d8/80/d8809d69-ae2c-47f2-8a4b-

30cde9d92b11/retratosdasociedadebrasileira_41_problemaseprioridadespara2018_v1.pdf>. Acesso em: 04 mar.

2018. p. 7.

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exigido e à sua própria “qualidade”. As situações de exclusão, carência e privação, mesmo

quando temporária, atingem negativamente a integridade psicofísica e a própria dignidade

humana daqueles que dela — assistência à saúde —, direta ou indiretamente, necessitam.

Logo, a prestação da assistência à saúde apresenta, similarmente, acentuada relevância

jurídica, na qual o estudo dos contratos de planos de saúde suplementar, bem como da regulação

do setor econômico a eles concernente, assume papel de supina importância. Não por acaso, a

saúde integra o rol de direitos sociais insculpidos no art. 6º da Constituição da República, sendo

direito de todos e dever do Estado, admitindo a participação de pessoas físicas ou jurídicas de

direito privado na prestação de serviços de saúde.

Por se tratar de um dos bens mais relevantes da pessoa humana, a saúde — e,

consequentemente a prestação de sua assistência — reclama do Poder Público uma maior

regulamentação, controle e fiscalização, independentemente de sobre quem recaia a execução

do serviço.

Com efeito, não é recente a participação de agentes privados na prestação de serviços

de assistência à saúde, mas os problemas a ela relacionados assumem papel de maior relevância

à medida em que a sua execução é paulatinamente transferida do setor público para o setor

privado. Foi assim que a atuação não estatal cresceu e o setor se desenvolveu com a

comercialização de planos privados de assistência à saúde, instrumentalizados por contratos de

prestação de serviços.

E com o crescimento do segmento as queixas avolumaram-se, notadamente aquelas

relacionadas com a não fidedigna execução do contrato firmado com as operadoras de planos

de saúde. Por exemplo, a dificuldade de acesso a especialistas da área da saúde, a leitos

hospitalares disponíveis, ao fornecimento de medicamentos em certos casos, de insumos, de

tratamentos e de procedimentos etc.

De outro lado, as empresas comercializadoras de planos privados de assistência à saúde

apresentam diversas reclamações, dentre outras as usuais relativas aos (baixos) valores das

mensalidades cobradas, ao incremento do rol de procedimentos e, principalmente, quanto à

forma de fiscalização e controle da Agência Nacional de Saúde Suplementar, que muitas das

vezes, tem sido entendida como insuficiente ou excessiva.

Frente à insatisfação de consumidores e operadoras de planos de saúde, perquire-se se

a regulação da ANS tem se mostrado instrumento hábil para acomodar os interesses desses

atores.

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Ou seja, o objetivo da presente pesquisa é identificar os limites, os fins e os impactos da

regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar sobre os contratos de prestação privada

de assistência à saúde.

Ocorre que as transformações de ordem econômica, política e social como vivenciadas

pelas sociedades ocidentais refletiram sobre o instituto do contrato que, visando atender a uma

economia de massa, passaram a contar com conteúdo homogêneo, dispostos no mercado para

simples adesão.

O primeiro capítulo desta pesquisa enfrenta a plurissignificação de determinados termos

e expressões com o fito de melhor delimitar e aclarar do tema proposto, assim como apresentar

os modelos de participação da iniciativa privada na prestação da assistência à saúde para, a

partir de uma perspectiva inicial acerca da formação do mercado de saúde suplementar,

aprofundar-se na questão da contratualização de planos de saúde, sua rede contratual e os

reflexos da Constituição da República, do Código Civil, do Código de Defesa do Consumidor

e da Lei nº 9.656/1998.

O segundo capítulo volta-se para a análise das formas de intervenção estatal sobre o

domínio econômico, com especial atenção à intervenção indireta, pela qual cabe ao Estado

editar normas e regular as atividades econômicas, com a finalidade de influenciar o

comportamento dos agentes econômicos envolvidos. Neste sentido, nele busca-se identificar

em que consiste a regulação estatal, mormente consoante a distinção entre as funções estatais

exercidas como agente “normativo” e “regulador” da atividade econômica para o exercício de

função administrativa regulatória. A partir dessas considerações, a pesquisa se dirige para o

estudo das agências reguladoras, abordando os seus objetivos, sua natureza jurídica, sua

necessária independência, seu controle e, com destaque, as suas funções de índole normativa,

fiscalizatória e sancionadora.

No terceiro e derradeiro capítulo busca-se identificar a finalidade e as competências

atribuídas à ANS, notadamente no que se relaciona com a obrigação imposta aos agentes

regulados em adequadamente prestarem a assistência à saúde, objeto do contrato de planos de

saúde. Com a mesma atenção, almeja-se identificar possíveis impactos decorrentes da regulação

setorial assim como eventuais limites ao exercício da função regulatória desempenhada pela

ANS sobre os contratos de plano de saúde suplementar.

Para o desenvolvimento do trabalho será utilizada a metodologia de pesquisa

bibliográfica como referencial teórico, assim como da legislação pertinente para o emprego do

método dedutivo de avaliação.

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Como o tema reclama especial investida sobre a atividade empresarial e, demais disso,

da própria função social dos contratos de planos de saúde, a partir da intervenção do Estado no

domínio econômico, resta clara a aderência do tema à área de concentração do programa de

mestrado do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, qual seja “Direito Empresarial e

Cidadania”.

Da mesma forma, a linha de pesquisa que direciona a investigação — “Obrigações e

contratos empresariais: responsabilidade social e efetividade” — permite o seguro e regular

desenvolvimento do tema, haja vista que busca chamar a atenção para a importância da

regulação da ANS sobre os contratos de prestação de serviços de assistência à saúde; portanto,

sobre a regulação a que estão submetidos e acerca das eventuais consequências dessa, seja na

perspectiva empresarial, seja na dos consumidores.

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2 OS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE

2.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS PARA A ADEQUADA DELIMITAÇÃO E

COMPREENSÃO DO TEMA

O tema objeto deste estudo envolve uma série de desafios, inclusive o de superar as

dificuldades provenientes da plurissignificação dos signos.5

A título de ilustração inaugural, tomem-se, por exemplos, os termos e expressões

“saúde”, saúde “complementar”, saúde “suplementar” e “direito à saúde”.

Perante um leigo, referir à prestação de serviços de saúde como suplementares (ou

mesmo complementares) poderia levar à suposição de que estar-se-ia diante de uma atividade

paralela, que adiciona algo, porém que não se faz imprescindível. O detalhe é que o regime

jurídico da prestação de serviços de saúde de natureza “complementar” em nada se aproxima

da prestação em regime “suplementar”, o que reclama certa atenção do interlocutor e, mais

ainda, uma quase habitualidade no seu manejo. Sem isso, a chance de confusão ou de má-

compreensão aumenta sobremaneira.

Saúde não é termo que suporte uma conceituação simples e, até mesmo, a elaborada

pela Organização Mundial da Saúde (OMS) — para a qual saúde é “a situação de perfeito bem-

estar físico, mental e social, e não somente o estado de afecções e enfermidades”6— é criticada.

Marco Segre e Fernando Carvalho Ferraz sustentam que o conceito de saúde, como

elaborado pela OMS, encontra-se ultrapassado, uma vez que, para os autores, deve ser

verificada a “inexistência de uma clivagem entre mente e soma, sendo o social também

interagente”. Ou seja, que a saúde não se limita apenas ao corpo, devendo incluir também a

mente, as emoções, as relações sociais, a coletividade. Ademais, a saúde, como conceituada

pela OMS, encerra uma utopia no termo “perfeito bem-estar” haja vista a sua inatingibilidade.

Para os citados autores, “a saúde é um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a sua

própria realidade”.7

5 Como bem ensina John Hospers, as palavras são meros rótulos que, na maioria dos casos, não mantém qualquer

relação com as coisas que pretendem designar, razão pela qual pululam equivocidades que comprometem o

entendimento dos textos e, pior, induzem a erros na própria apreensão do direito vigente (Apud Agustín

GORDILLO, In: Tratado de derecho administrativo, tomo I. Buenos Aires: Macchi, 1974, p. 1-13). 6 A definição consta do preâmbulo da Constituição da Assembleia Mundial da Saúde, adotada pela Conferência

Sanitária Internacional realizada em Nova York, em junho de 1946, e em vigor desde 7 abril de 1948. (Constituição

da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) – 1946, Biblioteca Virtual de Direitos Humanos, USP.

Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-

da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 16 jun. 2017.) 7 SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho. O conceito de saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 31,

n. 5, out., 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v31n5/2334.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2017. p. 540.

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Nesta mesma linha de críticas ao conceito de saúde estabelecido pela OMS, Moacyr

Scliar salienta que o conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural

e, portanto, não representa a mesma coisa para todas as pessoas, pois é dependente de valores

individuais, concepções científicas, religiosas e filosóficas.8

O conceito da OMS, divulgado na carta de princípios de 1948 — desde então Dia

Mundial da Saúde —, reflete uma aspiração dos movimentos sociais do pós-guerra,

expressando o direito de uma vida plena sem privações. Para Moacir Scliar, entretanto, tal

conceito não pode ser usado nem do ponto de vista técnico, como objetivo dos serviços de saúde

(saúde ideal) e nem mesmo do ponto de vista político, pois permite a interferência estatal na

vida dos cidadãos sob o pretexto de promoção da saúde.9

Historicamente, as objeções ao conceito estabelecido pela OMS não refletem situação

recente. Em 1977 surge o conceito de Christopher Boorse, para quem a “saúde é a ausência de

doença”, não passando de uma questão objetiva, relativa às funções biológicas e desafetada de

qualquer juízo de valor.10

Procurando responder às críticas, a OMS, na Conferência Internacional de Assistência

Primária à Saúde realizada na cidade Alma-Ata (no atual Cazaquistão), em 1978, além de

executar tarefas de caráter normativo — classificação internacional de doenças, elaboração de

regulamentos internacionais de saúde, de normas para a qualidade da água —, salientou a

responsabilidade dos governos na prestação da saúde e a participação da sociedade no

planejamento e implementação dos cuidados (primários) à saúde, por meio de uma estratégia

calcada em:

1) as ações de saúde devem ser práticas, exequíveis e socialmente aceitáveis; 2) devem

estar ao alcance de todos, pessoas e famílias - portanto, disponíveis em locais

acessíveis à comunidade; 3) a comunidade deve participar ativamente na implantação

e na atuação do sistema de saúde; 4) o custo dos serviços deve ser compatível com a

situação econômica da região e do país. O sistema nacional de saúde, por sua vez,

deve estar inteiramente integrado no processo de desenvolvimento social e econômico

do país, processo este do qual saúde é causa e consequência.11

Logo, os cuidados primários de saúde deveriam incluir a educação em saúde, uma

nutrição adequada, saneamento básico, cuidados materno-infantis, planejamento familiar,

imunizações, prevenção e controle de doenças endêmicas e outros frequentes agravos à saúde,

8 SCLIAR, Moacyr. História do conceito de saúde. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, a. 17, v. 1,

2007. Disponível em: <https://www.scielosp.org/pdf/physis/2007.v17n1/29-41/pt>. Acesso em: 16 jun. 2017. p.

30. 9 Ibid., p. 30-37. 10 Ibid., 37. 11 Ibid., p. 37-38.

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provisão de medicamentos essenciais, além de uma integração entre o setor de saúde e os da

indústria e agricultura. Neste sentido, o conceito de cuidados primários à saúde seria tanto uma

proposta racionalizadora como política, “no lugar de grandes hospitais, ambulatórios; de

especialistas, generalistas; de um grande arsenal terapêutico, uma lista básica de medicamentos

— enfim, em vez da “mística do consumo”, uma ideologia da utilidade social” o que justificaria

a ausência de discussão acerca de um conceito de saúde na Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988(CRFB).12/13

De todo modo, embora a CRFB não conceitue nem saúde nem em que consiste o objeto

de seu direito,14 ela exige que as ações e serviços sejam voltados para a sua promoção, proteção

e recuperação.

2.1.1 A Assistência à Saúde no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Intrinsecamente ligado à dignidade e ao direito à vida,15 o direito à saúde integra o rol

dos direitos fundamentais sociais consoante ao disposto no art. 6º da CRFB, e, ao disciplinar a

ordem social, em seu art. 196, a mesma é inequívoca ao preceituar a saúde como direito de

todos e dever do Estado.

Sem se aprofundar na temática, a questão da determinação do conteúdo do direito à

saúde suscita debates que se dirigem ao grau de efetividade que pode ser conferido à norma.

Assim, como sustentado por Ingo Wolfgang Sarlet, não se pode inferir que o direito à saúde

albergue toda e qualquer espécie de prestação relacionada à saúde humana, ou que este direito

à saúde se restrinja às prestações básicas e vitais,16 pois “Quem vai definir o que é o direito à

12 Eis o teor do art. 196, CR, saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações

e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 13 SCLIAR, op. cit., p. 39. 14 Acerca do tema saúde, Ingo Wolfgang Sarlet adverte que “a primeira dificuldade que se revela aos que enfrentam

o problema seja o fato de que nossa Constituição não define em que consiste o objeto do direito à saúde, limitando-

se, no que diz com este ponto, a uma referência genérica”. (SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em

torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. Revista Eletrônica sobre a

Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 11, set./out./nov., 2007.

Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/rere-11-setembro-2007-ingo_sarlet_1.pdf>.

Acesso em: 10 mai. 2017. p. 12.) 15 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à

saúde na constituição de 1988. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto

Brasileiro de Direito Público, n. 11, set./out./nov., 2007. Disponível em:

<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/rere-11-setembro-2007-ingo_sarlet_1.pdf>. Acesso em: 10

mai. 2017. p. 4. 16 As prestações básicas e vitais, entendidas como o piso mínimo voltado à saúde — saúde básica —, são conteúdos

prestacionais imediatamente reclamáveis, ou seja, são normas de aplicabilidade imediata, com natureza de regras,

que resultam de ponderações feitas pelo constituinte. “As prestações básicas de saúde são aquelas que podem ser

fornecidas pelo Estado a toda a população — ou seja, toma-se como critério a universalização do acesso ao bem

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saúde, quem vai, neste sentido, concretizar esse direito é o legislador Federal, Estadual e/ou

Municipal, dependendo da competência legislativa prevista na própria Constituição”.17

Destaque-se, em antecipação, que, pelo art. 197, as ações e serviços de saúde são

considerados como de relevância pública, mas sua execução é permitida à iniciativa privada,

nos termos da lei.

A CRFB prescreve, no caput do art. 199, que “a assistência à saúde é livre à iniciativa

privada” e, portanto, autoriza aos particulares a prestação remunerada da assistência à saúde. E,

ressalte-se que esta atuação não se confunde com o modelo de saúde “complementar”,

determinado no §1º, do mesmo artigo, que permite aos particulares participarem, por meio de

contratos de direito público ou convênios remunerados pela Administração Pública, da

prestação de serviços de assistência à saúde vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS).18

Em termos gerais, a regulamentação do direito à saúde no ordenamento jurídico

brasileiro se perfaz pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, conhecida como Lei Orgânica

da Saúde, e que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde,

a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, sejam eles prestados pelo

Estado ou pela iniciativa privada.19

O referido diploma legal preceitua, de acordo com o parágrafo 2º, de seu art. 2º, que “o

dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade”, assim,

prestigiando o princípio da solidariedade social, objetivo da República, admitindo a

participação da iniciativa privada no Sistema Único de Saúde, em caráter complementar, em

consonância com o seu art. 4º, §2º.

Em relação aos serviços privados de assistência à saúde, a Lei nº 8.080/1990 os

caracteriza, em seu art. 20, como sendo a “atuação, por iniciativa própria, de profissionais

liberais, legalmente habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção

jurídico. Estas prestações compõem o mínimo existencial e são exigíveis de plano, independentemente de

regulação infraconstitucional”. (PIVETTA, Saulo Lindorfer. Direito fundamental à saúde: regime jurídico-

constitucional, políticas públicas e controle judicial, 270 f. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) — Setor

de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2013. Disponível em:

<https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/30251/R%20-%20D%20-

%20SAULO%20LINDORFER%20PIVETTA.pdf;sequence=1>. Acesso em: 18 jun. 2017. p. 79) 17 SARLET, 2017, p. 12. 18 O Sistema Único de Saúde, foi criado em 1988 com a promulgação da Constituição Federal, tornando o acesso

à saúde direito de todo cidadão. Até aquele momento, o modelo de atendimento à saúde se perfazia em três

categorias de cidadãos: os que podiam arcar com serviços de saúde privados, os segurados pela previdência social

(trabalhadores com carteira assinada) que tinham direito aos serviços de saúde pública) e os que não possuíam

direito algum. (BRASIL, Portal do. Saúde, SUS. 2009. Disponível em:

<http://www.brasil.gov.br/saude/2009/12/sus>. Acesso em: 06 jul. 2017.) 19 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Público e privado no setor de saúde. Revista de Direito Público da

Economia — RDPE, Belo Horizonte, ano 3, n. 9, jan./mar., 2005. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=12799>. Acesso em: 27 abr. 2018. p. 109.

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e recuperação da saúde”, franqueando-os livre à iniciativa privada (art. 21), desde que, na

prestação de serviços privados, sejam observados os princípios éticos e as normas expedidas

pelo órgão de direção do SUS quanto às condições para seu funcionamento (art. 22).20

Tanto a CRFB quanto a Lei nº 8.080/1990 estabelecem de que forma a participação da

iniciativa privada se perfaz, relacionando a participação complementar quando da eventual

insuficiência da rede pública de saúde, ou seja, da “ideia de subsidiariedade da rede privada em

relação à rede pública, servindo para suprir deficiências ou insuficiências da última” e que

decorre diretamente das metas e objetivos das políticas públicas de saúde.21

Desta maneira, identificada uma situação em que as disponibilidades sejam insuficientes

para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o SUS poderá

recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada, de forma complementar, e formalizada

mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.

A título de melhor explicitar a participação de agentes privados de maneira

complementar na prestação de assistência à saúde, tome-se, por exemplo, o atendimento de

pacientes oriundos do SUS em um hospital particular. A assistência à saúde se perfaz por meio

de agentes privados, mas a contraprestação pelos serviços é de responsabilidade do Poder

Público.22

Percebe-se, pois, que, no Brasil, a assistência à saúde se caracteriza por um sistema

híbrido. Um subsistema de assistência à saúde público, que admite a participação da iniciativa

privada de modo complementar e, um subsistema de assistência à saúde eminentemente privado

— precípuo objeto desta pesquisa.

Apenas a título de exemplo, um hospital privado pode prestar atendimento tanto a

pacientes oriundos do SUS, por meio de contratos ou convênios, quanto a pacientes privados.

Enquanto naquela prestação o hospital se insere no sistema público de forma “complementar”

— “complementando” os serviços do SUS —, nesta, atua de forma suplementar, quando

mediada por terceiras empresas.

20 BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e

recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 set. 1990. 21 MARQUES NETO, op. cit., p. 110. 22 Em verdade, o particular que presta serviços complementares ao SUS é um delegatário de serviço público (em

regime distinto das delegações previstas no artigo 175 da Constituição, é bem verdade). Apenas o que ocorre é que

o utente (usuário) do serviço não é o pagador direto, substituído que é pelo poder público, em um modelo próximo

daquele das parcerias público privadas (PPPs), hoje chamado de "usuário único". (MARQUES NETO, Floriano

de Azevedo. Público e privado no setor de saúde. Revista de Direito Público da Economia — RDPE, Belo

Horizonte, ano 3, n. 9, jan./mar., 2005. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=12799>. Acesso em: 27 abr. 2018. p. 113)

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A expressão “saúde suplementar” se refere, por conseguinte, à prestação de serviços de

saúde que se dá fora do âmbito do SUS, vinculado a um sistema organizacional de pessoas

jurídicas especializadas, que compreende as “operadoras de planos de saúde”23 e as

seguradoras, genericamente consideradas.

As empresas de prestação de serviços de saúde suplementar atuam de forma adicional e

facultativa ao sistema de saúde público, e se inserem no campo de atividade econômica em

sentido estrito, submetendo-se a regras de direito privado. Mas, por força do art. 197 da CRFB,

este mercado é considerado de relevância para a coletividade, reclamando por regulamentação,

fiscalização e controle, tema que será melhor discutido oportunamente.

De todo modo, o direito fundamental à saúde possui uma dimensão de eficácia dupla,

uma de natureza defensiva e outra positiva. A eficácia de natureza defensiva do direito à saúde

diz respeito “à salvaguarda da saúde individual e da saúde pública contra ingerências indevidas,

por parte do Estado ou de sujeitos privados, individual e coletivamente considerados”.24

De outra banda, a eficácia de natureza positiva, de prestações positivas do direito

fundamental à saúde, pode ser considerado em um aspecto mais amplo, que impõe deveres

quanto à organização e procedimentos para a prestação da saúde, como, por exemplo, a

organização dos serviços de assistência à saúde, das suas formas de acesso, da distribuição dos

recursos financeiros e sanitários; ou, em sentido estrito, que se revela no fornecimento de

prestações materiais como, consultas, internamentos, tratamentos, medicamentos etc.25

No âmbito das relações privadas, como é o caso da prestação de assistência à saúde

suplementar, a eficácia de natureza negativa não comporta maiores problemas, uma vez que

basta a abstenção de violação do direito à saúde para sua concretização.26

23 Termo atribuído pelo art. 1º, I da Lei 9.656/1998 para se referir a qualquer pessoa jurídica constituída sob a

modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço

ou contrato de plano privado de assistência à saúde. (BRASIL. Lei 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe

sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

Brasília, DF, 04 jun. 1998). 24 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o direito

fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. 2008. Disponível

em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/O_direito_a_saude_nos_20_anos_da

_CF_coletanea_TAnia_10_04_09.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2017. p. 8-9. 25 Ibid., p. 9. 26 Verifica-se a eficácia de natureza negativa quando observada o respeito ao princípio bioético da não-

maleficência imposto aos profissionais da área de saúde. A não-maleficência deve ser entendida como sendo a

obrigação de não causar danos, relacionando-se com a máxima “primum non nocere”, cuja tradução livre é “em

primeiro lugar não se deve causar danos ao paciente”. KIPPER, Délio José; CLOLET, Joaquim. Princípios da

Beneficência e Não-maleficência. In: COSTA, Sérgio Ibiapina Ferreira; OSELKA, Gabriele; GARRAFA, Volnei

(Coord). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. p. 47.

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A maior dificuldade se encontra na eficácia de natureza prestacional positiva entre

particulares. Logo, na eficácia horizontal.

Thiago Penido Martins sustenta que apesar de o texto constitucional ter firmado o

princípio da solidariedade entre o poder público e a sociedade civil nas questões relativas ao

direito à saúde, esta solidariedade não comporta uma interpretação que imponha ao particular a

prestação de assistência à saúde em toda e qualquer situação, sob o fundamento de que o direito

à saúde possui eficácia direta e imediata nas relações jurídicas interprivadas, uma vez que

caberia precipuamente ao Estado o desenvolvimento de políticas públicas de acesso e promoção

da saúde.27

O autor adverte, contudo, que, embora a garantia do direito à saúde seja dever do Estado,

a CRFB não lhe atribui este dever de forma exclusiva, mas que, por meio do exercício de sua

função legislativa, deve viabilizar a integral satisfação do direito à saúde também no plano das

relações jurídicas entre particulares. Ou seja, enquanto o poder público se vincula diretamente

ao dever de garantir o direito à saúde, na elaboração de políticas públicas e normas jurídicas

para a sua promoção, os particulares – empresas prestadoras de assistência à saúde suplementar

- se vinculam de maneira indireta, “nos termos e nos limites das responsabilidades que lhes

forem atribuídas pelo legislador, obrigados a garantir a cobertura de procedimentos ou eventos

de saúde a seus beneficiários”.28

Somente de maneira excepcional admitir-se-ia a vinculatividade direta dos particulares

à eficácia prestacional do direito à saúde, ou seja, quando verificada a omissão do legislador

em regulamentar a aplicação do direito à saúde na esfera das relações privadas ou, quando, as

normas infraconstitucionais sejam insuficientes ou não disciplinem adequadamente a matéria,

não conferindo adequada proteção à dignidade ou à vida.29

A partir do raciocínio de Virgílio Afonso da Silva, Thiago Penido Martins esclarece que

O direito à saúde, assim como os demais direitos fundamentais “não podem aspirar

a uma força conformadora de relações privadas dado que isso significaria um

confisco substancial da autonomia pessoal”, pois como destaca Silva, “em uma

ordem jurídica constitucionalizada, a autonomia privada tende, também, a

definhar se não houver alguma força contrária aos direitos fundamentais”, uma

vez que os direitos fundamentais, “levados isoladamente ou em consideração,

tenderão a anular toda e qualquer competência (ou seja, a capacidade de um

27 MARTINS, Thiago Penido. Contratos de planos de saúde: o direito à saúde nas relações jurídicas entre as

operadoras de planos de assistência à saúde e seus beneficiários. Curitiba: Juruá, 2016. p. 195. 28 Ibid., p. 196. 29 Ibid., p. 197.

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particular alterar uma posição jurídica de outro particular) que a autonomia

privada poderia garantir”.30(Grifos do autor)

O autor não defende que as empresas prestadoras de serviço de assistência à saúde

suplementar, fundadas na livre iniciativa e na autonomia privada, possam impor restrições ou

limites ao direito à saúde de seus beneficiários, mas que não é possível sustentar que estas

empresas sempre estarão vinculadas diretamente ao direto fundamental à saúde e, por

conseguinte, incondicionalmente obrigadas a custear toda e qualquer assistência que não se

encontre considerada pela lei ou pelo contrato.31

Continuando, sustenta que a determinação da vinculação das operadoras de planos ao

direito fundamental da saúde, como direta ou indireta, depende da análise do caso concreto,

devendo ser considerada a existência ou de não de normas jurídicas que disciplinam a questão

controvertida, pois, adverte o autor citando Ingo Wolfgang Sarlet, “é inviável advogar a

existência de soluções uniformes também no que diz com a eficácia dos direitos fundamentais

nas relações entre particulares”, uma vez que “a intensidade da vinculação dos particulares aos

direitos fundamentais deve ser pautada de acordo com o caso concreto”.32

Não se pode olvidar que a CRFB também assegura aos particulares os direitos

fundamentais à liberdade e à livre iniciativa. A livre iniciativa é um dos fundamentos do Estado

brasileiro, um princípio fundamental, e vem insculpido logo no art. 1º da CRFB ao lado da

soberania, cidadania, dignidade humana, valores sociais do trabalho e pluralismo jurídico.

Entrementes, a livre iniciativa é, ao lado da valorização do trabalho humano, princípio

geral da ordem econômica, previsto no caput do art. 170 da CRFB, e denota a opção do

constituinte originário por um regime de economia de mercado. Sendo assim, considerar que o

particular seja devedor de prestações materiais não contratadas ou não legalmente consideradas

como obrigatórias em razão do direito fundamental à saúde viola o direito fundamental à livre

iniciativa, autonomia privada e liberdade contratual.33

De todo modo, os contratos de planos de saúde pressupõem uma necessidade concreta

de assistência à saúde. Ou seja, as empresas de planos de saúde se obrigam, ou não, por força

legal ou contratual, a prestações materiais para a promoção da saúde como consultas, exames,

tratamentos etc., mas sempre se obrigam pela assistência assumida quanto à qualidade,

segurança e adequação do tratamento a seus beneficiários.

30 MARTINS, 2016, p. 198. 31 Ibid., p. 199. 32 Ibid., loc. cit. 33 Ibid., p. 208-209.

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Ainda que delineados estes contornos iniciais, faz-se necessário uma melhor abordagem

dos possíveis arranjos público-privados adotados para a prestação de serviços e assistência à

saúde, bem como a que se refere os sistemas privados de saúde.

2.2 MODELOS DE PARTICIPAÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA NA PRESTAÇÃO DA

ASSISTÊNCIA À SAÚDE COMPLEMENTAR E SUPLEMENTAR

A participação de agentes privados na execução de serviços de assistência à saúde não

é exclusividade do Brasil, pois é resultado de transformações sociais, econômicas e tecnológicas

ocorridas nas últimas décadas do século XX, as quais repercutiram em muitos ordenamentos

jurídicos.34

Segundo Fernando Borges Mânica, as formas de organização da assistência à saúde

adotada pelos países ocidentais, independentemente da consagração e da regulamentação do

direito à saúde em nível constitucional, bem como do modelo de financiamento ou organização

dos sistemas de atenção à saúde, buscam a qualidade, a eficiência e igualdade na prestação dos

serviços e a preservação da viabilidade dos sistemas frente a um contexto de limitações de

ordem orçamentária, podendo ser agrupadas em três modelos: (i) sistemas bismarckianos; (ii)

sistemas beveridgeanos; e (iii) sistemas segmentados.35

Os sistemas de saúde chamados bismarkianos caracterizam-se pela existência de uma

pluralidade de seguros públicos ou privados, regulados pelo Estado e que são financiados com

recursos públicos oriundos de tributação incidente sobre os salários, com cota de contribuição

de empregadores e empregados, o Estado mantém os seguros que suportam os custos das ações

e serviços de assistência à saúde. Este modelo é marcado pela assunção estatal da

responsabilidade na assistência à saúde, de forma inaugural. Nos idos finais do século XIX, a

Alemanha, com vistas a evitar a mobilização social que se criava frente às condições precárias

de trabalho oriundas da expansão do capitalismo, implantou o seguro-doença para o

atendimento dos trabalhadores vinculados ao mercado, que foi estendido à toda população, ao

longo do século XX, quando se consagra a saúde como direito de todos.36

As linhas mestras desse sistema estão presentes na Alemanha dos dias de hoje. Os

seguros-saúde recebem a denominação de “Caixas de Doença”, sendo instituições autônomas,

34 MÂNICA, Fernando Borges. O setor privado nos serviços públicos de saúde. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

p. 58. 35 Ibid., p. 55-57. 36 Ibid., p. 58-59.

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não estatais e que não visam lucro, cabendo ao Estado a regulação do setor. A participação dos

trabalhadores assalariados é compulsória, porém com contribuições proporcionais aos salários

até um limite definido em lei. Às Caixas incumbe firmar contratos com hospitais e farmácias,

bem como o credenciamento de médicos e demais profissionais, além de financiar todos os

serviços de saúde cujo rol encontra-se determinado em lei.37

Nas últimas décadas do século XX, o sistema de seguro-saúde alemão sofreu sensíveis

alterações que se consubstanciaram na:

(i)ampliação da competência das Caixas no controle dos serviços de saúde e na

negociação com os prestadores, (ii) restrição do rol de serviços e introdução de novas

ações preventivas no catálogo de serviços oferecidos pelas Caixas; (iii) reforço da

competição entre as próprias Caixas; (iv) aumento da possibilidade de escolha das

Caixas pelos trabalhadores, que até então tinham o dever de se filiar a determinada

Caixa;158 (v) incentivo à concorrência também entre os hospitais. Recentemente, a

Lei de Reforma da Saúde, de 2004, restringiu ainda mais o rol de serviços a

assegurados; e a Lei para Melhora da Viabilidade Econômica no Fornecimento de

Medicamentos, de 2006, buscou estabelecer (i) novas condições na compra e no preço

de medicamentos pagos por meio do Seguro Social de Saúde, (ii) a possibilidade de

as Caixas estabelecerem contratos de desconto com os fabricantes de remédios e (iii)

o incentivo à comercialização de medicamentos genéricos.38

A estrutura central da gestão em saúde de origem bismarckiana funda-se em uma

prestação de serviços que se dá tanto por entidades públicas quanto privadas, que celebram

ajustes com seguradoras públicas e privadas para prestar os serviços de assistência à saúde, e

cuja remuneração é realizada diretamente pelas seguradoras ou pelos usuários, que são

reembolsados total ou parcialmente pela seguradora. Tal modelo é adotado, ainda que não em

sua completude, por países como Holanda e França.39

O sistema denominado beveridgeano possui origem na Inglaterra, da primeira metade

do século XX. Até o início da década de 1940, a prestação de serviços de assistência à saúde

era baseada em seguros sociais que forneciam proteção a determinados grupos de trabalhadores,

ainda que a execução dos serviços fosse dependente de profissionais privados.40

Em 1942 foi apresentado o estudo Beveridge Report, resultado do esforço de um comitê

instituído pelo governo inglês para o estudo do sistema de proteção social daquele país. Tal

estudo preconizou a estruturação de um sistema de saúde em que, independentemente de

contribuição a determinada seguradora, a oferta de serviços de saúde estivesse disponível a

todas as pessoas. Desta forma, foram desenvolvidos os chamados “sistemas nacionais de

37 MÂNICA, 2010, 59-60. 38 Ibid., p. 61. 39 Ibid., p. 62-65. 40 Ibid., p. 65.

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saúde”. O “National Health System” foi implantado pela Inglaterra em 1948, tendo por

princípios a “universalidade de atendimento” e o “financiamento por via de tributação geral”.41

A partir da década de 1970, as dificuldades de ordem financeira, incluídas as decorrentes

do aumento dos custos da saúde, impuseram a necessidade de reformas no sistema de saúde

inglês sem, contudo, o abandono de seus princípios básicos. O foco foi o fortalecimento da

oferta de serviços através da (i) racionalização de seu uso, (ii) da contenção dos custos e (iii) da

eficiência em sua prestação, através da implantação de um “mercado interno ou quase-mercado

de atenção à saúde, mediante a separação entre os entes estatais financiadores e os prestadores

dos serviços de saúde”.42

Desta forma, embora o financiamento permanecesse público, foram definidos órgãos

estatais aptos a contratar com prestadores de saúde, públicos ou privados, a oferta de serviços

à população, oportunizando a competição entre os prestadores, e com isso se caracterizou a

preferência dos ingleses na contratualização como mecanismo de gerenciamento e controle dos

serviços, por exemplo, através de parceria público-privada.43

Este modelo beveridgeano inglês, de sistema nacional de saúde, foi seguido por países

como Canadá, Espanha e Portugal.44

No Canadá, por não haver constituição escrita, é no âmbito legal que o direito à saúde é

previsto, assim como a regulamentação dos serviços para sua garantia. O Canada Health Act

determina que o objetivo das políticas de saúde é “proteger, promover e restaurar o bem-estar

físico e mental dos residentes no Canadá e facilitar o acesso razoável a serviços de saúde sem

barreiras, financeiras ou não”.45 De acordo com a Lei Canadense de Saúde, os serviços

garantidos pelo Poder Público são isentos de pagamento, mas são delimitados. No entanto,

existem seguros privados de saúde voltados a cobrir despesas por serviços não garantidos pelo

sistema público, nos termos da Health Insurance Act, leis provinciais de seguros privados.46

Em Portugal, a adoção do modelo beveridgeano ocorreu na década de 1970, com a

consagração da saúde como direito fundamental, universal e gratuito, por meio do Serviço

Nacional de Saúde. Entretanto, em 1986, por meio de um decreto-Lei, foram instituídas as

denominadas taxas moderadoras de acesso aos serviços de saúde. Por esta via, o usuário paga

uma parcela ínfima dos custos dos serviços prestados, que possui por fundamento ser um

41 MÂNICA, 2010, p. 65. 42 Ibid., p. 66. 43 Ibid., p. 66-68. 44 Ibid., p. 68. 45 Ibid., p. 69. 46 Ibid., loc. cit.

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mecanismo racionalizador da utilização dos serviços de saúde. Tal medida gerou controvérsias

em relação ao caráter gratuito da garantia constitucional dos serviços de saúde, mas que foi

resolvida por Emenda Constitucional (EC), que alterou a redação da Constituição portuguesa,

na qual os serviços de saúde deixaram de ser gratuitos. A participação da iniciativa privada no

setor de saúde português se dá pelo que a lei denomina “rede nacional de prestação de cuidados

de saúde”, que compreende os estabelecimentos do Sistema Nacional de Saúde e

estabelecimentos por ele contratados, nas modalidades de contrato de gestão; de contrato de

prestação de serviços; ou de contrato de colaboração.47

Distintamente dos modelos bismarckianos e beveridgeanos, nos quais a saúde é

considerada como direito fundamental e assegurada de modo universal, nos Estados Unidos da

América a saúde não é considerada direito fundamental e, portanto, a tutela estatal não é voltada

para a proteção de todo e qualquer cidadão, mas apenas a camadas específicas da sociedade,

motivo pelo qual se justifica a denominação de “sistema segmentado”.48

Os Estados Unidos não possuem um sistema público universal de saúde, a assistência à

saúde é realizada por meio de seguros de saúde, oferecidos pelas empresas a seus funcionários

ou por hospitais filantrópicos sem fins lucrativos, com adesão voluntária. Dois são os principais

programas estatais de assistência à saúde: o Medicare e o Medicaid.49

O Medicare garante um seguro público aos cidadãos com mais de 65 anos de idade, não

cobertos por seguros privados, bem como àqueles indivíduos portadores de doença renal em

estágio avançado. O programa funciona como um seguro privado, com cobertura a determinado

rol de serviços, mas que envolve coparticipação.50

Voltado para as pessoas de baixa renda, existe o programa chamado Medicaid, mas cuja

vinculação exige a comprovação de uma série de requisitos e, portanto, restringe o acesso ao

programa.51

Em 2012, com o “Patient Protection and Affordable Care Act”, mais conhecido por

“Obamacare”, devido à influência exercida pelo então presidente Barack Obama, o panorama

da saúde pública estadunidense mudou. O programa aprovado pelo Congresso americano, em

2009 determinou que todos os cidadãos daquele país tivessem assistência à saúde. Para aqueles

sem condições de arcar com os custos de um plano privado, ao Estado caberia o seu subsidio,

47 MÂNICA, 2010, p. 70-72. 48 Ibid., 76-77. 49 Ibid., p. 77-78. 50 Ibid., p. 78. 51 Ibid., loc. cit.

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resolvendo o problema de acesso à saúde da população que não preenche os requisitos exigidos

pelos Medicare e Medicaid.52

Tal programa foi alvo de várias ações judiciais com vistas à declaração de sua

inconstitucionalidade, mas, em 2012, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu pela

constitucionalidade da Lei, operando uma drástica mudança na prestação dos serviços de saúde,

que dantes era considerada como de pertinência privada passa a ser assunto de interesse público.

Embora sem instaurar um sistema nacional de saúde, uma vez que o Poder Público não intervém

diretamente na prestação dos serviços de assistência à saúde, não é mais possível sustentar a

existência de um sistema segmentado naquele país, pois a característica de restrição de acesso

de determinados indivíduos aos programas públicos não mais prevalece. Com o Obamacare, o

sistema norte-americano se aproxima do modelo bismarckiano, no qual a universalização do

acesso à assistência à saúde se dá através de seguros públicos e privados, e os prestadores de

serviços são eminentemente privados.53

Fazendo uma análise comparada dos sistemas de saúde e dos arranjos público-privados

adotados, Isabela Soares Santos identifica, calcada nos dados da Organização de Cooperação

para o Desenvolvimento Econômico — OCDE, que nos países em que serviços semelhantes

são cobertos tanto pelo seguro privado quanto pelo sistema público, independentemente de o

sistema ser o nacional de saúde ou de seguro social, está-se frente a um modelo duplicado. Ou

seja, as consultas médicas, as internações eletivas e os serviços de apoio ao diagnóstico e

tratamento são ofertados de modo duplicado pelo sistema público e pelo sistema privado. Este

sistema público-privado chamado duplicado está presente em países como Brasil, Espanha,

Portugal e Reino Unido.54

Nas situações em que o sistema privado oferece elementos de maior sofisticação

associados aos serviços de saúde como, por exemplo, hotelaria, cirurgias estéticas,

possibilidade de escolha de medicamentos não genéricos, de procedimentos realizados com

distintos equipamentos, o sistema público-privado é do tipo suplementar, e é presente no Brasil,

Espanha, Portugal e Reino Unido.55

52 PIVETTA, Saulo Lindorfer. Direito fundamental à saúde: regime jurídico-constitucional, políticas públicas e

controle judicial, 270 f. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) — Setor de Ciências Jurídicas, Universidade

Federal do Paraná. Curitiba, 2013. Disponível em:

<https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/30251/R%20-%20D%20-

%20SAULO%20LINDORFER%20PIVETTA.pdf;sequence=1>. Acesso em: 18 jun. 2017. p. 171-172. 53 Ibid., p. 172. 54 SANTOS, Isabel Soares. Evidência sobre o mix público-privado em países com cobertura duplicada:

agravamento das iniquidades e da segmentação em sistemas nacionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, a. 6,

v. 16, 2011. Disponível em: <https://www.scielosp.org/pdf/csc/v16n6/13.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2018. p. 2744. 55 Ibid., p. 2744.

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O sistema privado será considerado do tipo complementar quando ampliar o acesso a

serviços não cobertos ou que exijam copagamento, situação que é crescente em países como

França, Alemanha, Dinamarca e Bélgica aonde o mecanismo é utilizado para viabilizar a

coparticipação no pagamento ao sistema público para cobrir medicamentos, serviços de saúde

bucal e serviços de diagnose e tratamento. Este mesmo modelo é adotado por parte dos idosos

que possuem o Medicare e grande parte da população norte-americana, sem recursos para a

coparticipação de seguros privados. E, ainda no caso em que o indivíduo deverá optar entre o

sistema público e o sistema privado, este será considerado do tipo substitutivo, comum para

serviços específicos e populações que se encontram acima de determinados níveis de renda na

Alemanha e Holanda.56

Pelo que até o momento exposto, percebe-se que o arranjo público-privado adotado pela

Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, consubstancia-se por modelo de saúde

beveridgeano, sendo mais complexa a gestão pública dos serviços, e que admite um sistema

genericamente chamado de “saúde suplementar”, correspondente à prestação de serviços de

assistência à saúde de conteúdo duplicado e com elementos de maior sofisticação, que se

desenvolveu ao longo dos anos.

2.3 RAZÕES HISTÓRICAS DO SURGIMENTO DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL

A insuficiência da prestação de serviços públicos de assistência à saúde ao longo dos

tempos, no Brasil, propiciou o surgimento e o célere desenvolvimento do mercado de prestação

de serviços de saúde suplementar, que oportuniza aos indivíduos a contratação de planos

particulares e, que, mediante o efetivo pagamento de avenças mensais, possui por finalidade a

oferta de segurança e de qualidade no atendimento.57

Claro que tal modelo assistencial é resultado das transformações sociais e econômicas

que permeiam a história de cada país.

No Brasil, mesmo durante a fase do Estado Liberal, a atividade desenvolvida pela classe

médica, notadamente de forma individual, já se deslocava para um modelo mais organizado,

56 SANTOS, 2011, p. 2745. 57 BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 36, de 25

de julho de 2013, que institui ações para a segurança do paciente em serviços de saúde e dá outras providências.

Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2871504/RDC_36_2013_COMP.pdf/36d809a4-

e5ed-4835-a375-3b3e93d74d5e>. Acesso em: 13 nov. 2016.

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em que empresas começam a ser envolvidas nesse processo, muito em função do custo que os

serviços médicos representavam.58

A Lei Eloy Chaves, promulgada em 1923, marca o início da Previdência Social no

Brasil. Por aquele dispositivo legal era criada “[…] em cada uma das estradas de ferro existentes

no país, uma Caixa de Aposentadorias e Pensões para os respectivos empregados”, que

funcionavam como fundos geridos e financiados por empregadores e empregados que, além de

garantirem aposentadorias e pensões, também financiavam serviços médico-hospitalares aos

trabalhadores e seus dependentes.59

O desenvolvimento do setor privado na área da assistência à saúde brasileira possui

origem na opção de modernização do aparelho estatal implementada pelo governo da ditadura

militar que, ao unificar os institutos previdenciários, aumentou a população previdenciária do

sistema.60

Segundo Célia Almeida, tal fato — de unificação dos institutos previdenciários —

“desintegrou os esquemas associativos que lhe davam voz, impondo à política social uma

racionalidade privatizante”, e, por conta disso, iniciam-se, segundo a autora, as modificações

no mix público/privado no setor de saúde, que expandem o mercado de serviços de assistência

médica por meio da compra de serviços pelo Estado e pela transferência da função provedora

para a iniciativa privada.61

De forma sintética, o golpe militar de 1964 propiciou as condições políticas necessárias

para a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), responsáveis pela

concessão de benefícios pecuniários e assistência médico-hospitalar, cada qual no âmbito de

sua competência, em um único instituto: o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que

expandiu a assistência médica a todos os empregados formais, bem como àqueles que

contribuíssem para com a Previdência. A consequência imediata dessa reestruturação, todavia,

foi o incremento da demanda por serviços médicos, em proporção muito além da capacidade

de atendimento disponível pelos antigos IAPs, repercutindo na necessária utilização da rede

58 SCAFF, Fernando Campos. Direito à saúde no âmbito privado: contratos de adesão, planos de saúde e seguro-

saúde. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 24. 59 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Histórico. Brasília, 2003. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/aans/quem-somos/historico>. Acesso em: 14 jun. 2017. 60 MÉDICI, André Cezar. Incentivos Governamentais ao Setor Privado de Saúde no Brasil. Revista da

Administração Pública, Rio de Janeiro, a. 26, v. 2, abr./jun., 1992. p. 81-82. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/viewFile/8798/7548>. Acesso em: 01 jul. 2017. p. 81- 84. 61 ALMEIDA, Célia. O Mercado Privado de Serviços de Saúde no Brasil: panorama atual e tendências da

assistência médica suplementar. Brasília: IPEA, 1998. p. 11. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/TDs/td_0599.pdf>. Acesso em: 02 ago. 2017.

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privada na prestação de serviços públicos de saúde, por meio de contratos, credenciamentos e

convênios.62

Destaque-se que foi a ineficiência do setor público na prestação de assistência à saúde

decorrente do aumento da população a eles relacionada que impuseram ao Estado a necessidade

de se valer de recursos privados. Desta maneira, o exercício da atividade prestacional privada

deixou de se resumir a contratos de natureza particular, ou seja, de relação direta entre o

paciente e o prestador de serviços médicos ou hospitalares, para atender também aos usuários

do INPS, por meio de instrumentos contratuais entre prestadores e Estado.

De outro lado, também cresciam as relações contratuais entre profissionais médicos e

empresas para o atendimento de determinadas categorias de trabalhadores. Destaque-se que na

década de 1960, as indústrias multinacionais, principalmente aquelas localizadas no grande

ABC paulista, frente às deficiências da saúde pública, se preocuparam em buscar outros meios

para propiciar um atendimento médico de melhor qualidade a seus empregados.63

O interesse dessas empresas repousava no controle da assistência médica prestada aos

seus empregados para a obtenção de soluções mais rápidas na recuperação das condições de

trabalho e controle do absenteísmo. Ou seja, uma assistência voltada para a prevenção de

doenças ocupacionais e dos acidentes do trabalho. Estas empresas estimularam os médicos a

formarem as chamadas empresas de “medicina de grupo”, cujo escopo era ofertar diferentes

planos de saúde, bem como o surgimento das cooperativas médicas, como reação à medicina

de grupo.64

Ligia Bahia, citando Cordeiro, afirma que:

A partir de meados da década de 1960 as relações entre financiadores e provedores de

serviços foram substancialmente modificadas. Os denominados convênios médicos

entre as empresas empregadoras com empresas médicas (cooperativas médicas e

empresas de medicina de grupo), mediados pela Previdência Social, estimularam

decisivamente o empresariamento da medicina. Pode se dizer, de maneira muito

simplificada, que da organização empresarial dos prestadores de serviços, em

detrimento da prática médica liberal e da autonomia de cada estabelecimento

hospitalar, emergiram as empresas médicas contando inicialmente com suas redes

próprias.65

62 MÉDICI, 1992, p. 82. 63 MENICUCCI, Telma Maria Gonçalves. Público e privado na política de assistência à saúde no Brasil: atores,

processos e trajetória. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 84. 64 Ibid., p. 115-116. 65 BAHIA, Lígia. Planos privados de saúde: luzes e sombras no debate setorial dos anos 90. Ciência e Saúde

Coletiva, a. 6, v. 2, 2001. Disponível em: <https://scielosp.org/pdf/csc/2001.v6n2/329-339/pt>. Acesso em: 02

ago. 2017. p. 331.

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O financiamento da prestação da saúde por meio da Previdência Social foi a força motriz

que impulsionou o setor privado de assistência à saúde. As medicinas de grupo, que se

associaram a proprietários de hospitais, e as cooperativas de médicos (Unimed´s — dentre

outras), criadas como alternativa para a preservação do atendimento médico em consultórios,

começaram a comercializar “planos de saúde”. E, no intuito de dar concretude à prestação de

serviços de assistência à saúde, estas empresas passaram a contratar ou credenciar hospitais,

laboratórios e, no caso das medicinas de grupo, pela aquisição de consultas médicas nos

consultórios médicos.66

Tanto as empresas de medicina de grupo quanto as cooperativas médicas prestavam

serviços por meio dos chamados “planos de pré-pagamento”. Neste sistema, o contratante paga

para a empresa contratada um valor per capita prefixado, independentemente dos

procedimentos que porventura venham a ser exigidos para o tratamento. Destaque-se que,

inicialmente, as medicinas de grupo se destinavam exclusivamente aos chamados “planos

coletivos ou empresariais”, enquanto que as cooperativas médicas se voltavam para a captação

de planos individuais.67

O estabelecimento de redes de serviços privados contratados pelo estado, bem como

aqueles relativos ao mercado de compradores institucionais privados, grandes industriais e

empresas, foram a tônica das décadas de 1960 e 1970. Entretanto, prevalecia a contratação de

regimes diferenciados de atendimento com remunerações também distintas, seja no âmbito da

Previdência — que mantinha regime de contratação específico para os trabalhadores rurais —,

seja nos demais esquemas assistenciais alternativos.68

A despeito de sua previsão desde o Decreto-Lei nº 73, de 1966, as seguradoras privadas

somente começaram a comercializar produtos relativos à assistência à saúde nos anos 1970,

após autorização da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Para estes contratos, o

limite financeiro se restringe ao valor da apólice adquirida, mas permite a livre escolha dos

profissionais e demais serviços de saúde pelo segurado com pagamento direto ao prestador de

serviço.69

Telma Maria Gonçalves Menicucci atesta a baixa aceitação do Seguro de Saúde no

mercado brasileiro, e, em sentido oposto, aponta a circunstância de o chamado “Seguro de

Assistência Médica ou Hospitalar”, criado pela Resolução 16 do Conselho Nacional de Seguros

66 BAHIA, 2001, p. 332. 67 MENICUCCI, op. cit., p. 117-118. 68 BAHIA, op. cit., loc. cit.. 69 GREGORI, Maria Stella. Planos de saúde: a ótica da proteção do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2007. p. 30-31.

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Privados (CNSP), de 1988, ser francamente comercializado. A atuação mais sistemática dessas

empresas ocorreu a partir do momento em que foram autorizadas pela Susep, em 1989, a se

vincularem aos serviços de saúde por meio do referenciamento de prestadores, bem como a

efetuar o pagamento diretamente ao prestador, em vez as despesas realizadas pelo segurado.

Tal situação permitiu que estas empresas constituíssem redes de serviços médicos, assim como

se voltassem tanto para o atendimento de clientes individuais como para empresariais.70

Neste cenário, o setor de assistência à saúde privado se beneficiou do modelo

assistencial-privatista durante aproximadamente quinze anos e, tendo recebido vultuosos

recursos do setor público bem como dos financiamentos subsidiados, cresceu e se desenvolveu.

Criado em 1977, o Sistema Nacional de Previdência Social organiza o Instituto Nacional

de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Acerca deste sistema, Joseane Suzarte

Lopes da Silva esclarece que

O referido programa médico-assistencial privatista era constituído por três

subsistemas:

a) o estatal, integrado pelo Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais

de Saúde, tendo por finalidade a prática de ações médicas simples em favor das

populações desprovidas economicamente e as de caráter sanitário;

b) o subsistema privado que mantinha contratos ou convênios com a Previdência

Social, responsável pelo atendimento dos beneficiários desta, sendo o de maior porte,

pois deu-se prioridade à contratação de empresas privadas para atuarem na área de

saúde, relegando-se para o setor particular as atividades que competiam ao poder

público;

c) o subsistema de atenção médica supletiva, que visava atrair as grandes empresas

para a formalização de contratos destinados ao atendimento da mão de obra.71

É neste contexto que a iniciativa privada passa a participar ainda mais do mercado de

prestação de serviços em saúde, e, sem amarras, frente à inoperância do sistema público de

saúde, estas empresas encontram terreno fértil para proliferação.

A partir do momento em que o setor público entra em crise, as empresas de assistência

à saúde percebem que, para sua manutenção no mercado, não mais poderiam se valer daquele

modelo e passam a formular novas alternativas para a sua estrutura. Desta forma, dando ênfase

a determinadas parcelas da população, dentre as quais a classe média e categorias assalariadas,

a atenção médica passa a se organizar sobre uma nova base estrutural, que é autônoma em

relação ao setor público.72

70 MENICUCCI, 2007, p. 118. 71 SILVA, Joseana Suzart Lopes da. Planos de saúde e boa-fé objetiva: uma abordagem crítica sobre os

reajustes abusivos. Salvador: JusPodium, 2007. p. 42-43. 72 MENICUCCI, op. cit., p. 121-126.

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O fornecimento desses serviços de saúde, realizado de forma privado-autônoma, se dá

por dois tipos de organização. Num primeiro modelo organizacional se encontram as chamadas

empresas de autogestão, que nada mais são que serviços organizados e prestados pelas próprias

empresas/sindicatos ou por estabelecimentos de saúde credenciados para prestar tais serviços.

O outro modelo de organização engloba os serviços delegados a organizações gestoras de

planos de saúde — cooperativas médicas, empresas de medicina de grupo — ou instituições

gestoras de seguro-saúde.73

Até a presente data encontram-se, em franca atuação no Brasil, 173 empresas de

autogestão, 299 cooperativas médicas, 273 medicinas de grupo, 10 seguradoras especializadas

em saúde, 109 cooperativas odontológicas, 228 odontologias de grupo, 138 administradoras de

benefícios e 46 empresas filantrópicas com registro ativo, e comercializando contratos de

prestação de assistência à saúde.74

A frente que se propõe investigar é, pois, como se dá a contratualização de tais serviços.

2.4 CONTRATUALIZAÇÃO DE PLANOS DE SAÚDE

Como explica Enzo Roppo, as sociedades ocidentais sofreram profundas

transformações de ordem econômica, social e política, que se refletiram sobre o instituto do

contrato. Para dar cabo das necessidades de uma economia de massa, que se caracteriza por

imenso volume de trocas, os contratos passam a apresentar um conteúdo standartizado e

impessoal, com o fito de “garantir a celeridade das contratações, a segurança e a estabilidade

das relações”, mas incompatíveis com a teoria da vontade.75

Logo, numa sociedade de massa, como a atual, por uma questão de racionalização,

economia e celeridade, são postos no mercado contratos com conteúdo homogêneo, sem a

possibilidade de discussão sobre as cláusulas ali existentes, para a simples adesão do

interessado.

No Brasil, a forma de contratação assistência privada a saúde não é outra senão a de

contratos de massa, pois, frente às crescentes demandas por um atendimento de assistência à

saúde constante e eficiente, as empresas privadas de planos de saúde surgiram e se

desenvolveram ofertando a prestação de serviços à população, em limites contratuais pré-

73 MÉDICI, 1992, p. 91-92. 74 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Dados gerais. Brasília, 2017. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/tabnet?dados/tabnet_03a.def>. Acesso em: 16 nov. 2017. 75 ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina. 2009. p.

297-298.

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estabelecidos, na forma de adesão, e mediante uma contraprestação financeira objetivamente

fixada que desconsidera o indivíduo “em si”.

Dois são os modelos de contrato postos à população pelas empresas de planos de saúde:

o contrato de seguro-saúde e o contrato de plano de saúde.

O contrato de seguro-saúde é contrato típico, com definição legal prevista no art. 757

do Código Civil (CC), por meio do qual “o segurador se obriga, mediante o pagamento do

prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos

predeterminados”.76

O seguro é uma operação na qual o segurador recebe uma prestação (prêmio) com a

finalidade de formação de um fundo comum, que é por ele (segurador) administrado e que visa

garantir o pagamento de um valor em dinheiro àqueles afetados por um risco previamente

previsto no contrato.

Para atuarem no âmbito da saúde suplementar as seguradoras se submetem ao crivo da

Lei nº 10.185, de 12 de fevereiro de 2001, que dispõe sobre a especialização das sociedades

seguradoras em planos privados de assistência à saúde. Por este instrumento legal, somente

seguradoras especializadas na área de seguros-saúde podem atuar no mercado, devendo seu

estatuto social vedar a atuação em quaisquer outros ramos ou modalidades, conforme o caput

do art. 1º.77

Pelo contrato de seguro-saúde são transferidos, de maneira onerosa e contratual, os

riscos futuros da saúde do segurado (beneficiário), mediante a promessa de prestação de

assistência à saúde por meio de entidades conveniadas ou do reembolso das despesas.

Ou seja, nem sempre haverá a contraprestação por parte do segurador, pois depende de

ser ver concretizado o risco previsto, o que pode não ocorrer.

Em suma, o seguro-saúde visa ao ressarcimento das despesas ocorridas com o

tratamento assistencial à saúde, relativas, pois, ao pagamento de honorários profissionais, de

despesas hospitalares, dos diversos exames laboratoriais e de imagem, enfim, de todos os custos

necessários, de acordo com o conteúdo contratual ajustado entre as partes.

Para Leonardo Vizeu Figueiredo, o contrato de plano privado de assistência à saúde

pode ser assim conceituado

76 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. 77 BRASIL. Lei nº 10.185, de 12 de fevereiro de 2001, que dispõe sobre a especialização das sociedades

seguradoras em planos privados de assistência à saúde e dá outras providências. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 fev. 2001.

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[...] pacto celebrado entre a entidade e o beneficiário, no qual este se obriga ao

pagamento de contraprestação pecuniária e periódica, ainda que de forma indireta, sob

forma de benefício salarial, ao passo que aquele se obriga a disponibilizar atendimento

em rede médica específica, bem como a arcar com o ônus financeiro, tão somente, nas

hipóteses em que ocorram eventuais enfermidades contratualmente cobertas.78

Pela simples análise do conceito retro, é possível concluir que o contrato visa garantir a

assistência à saúde do beneficiário bem como a cobertura financeira quanto aos riscos dessa

cobertura.

A celebração dessa modalidade contratual pressupõe, portanto, que o beneficiário,

mediante o pagamento antecipado e periódico de determinado valor, obtenha da empresa

contratada a contraprestação identificada na realização de atendimentos e procedimentos a

serem realizados por seus recursos próprios (rede própria) ou por seus prepostos (rede

credenciada ou conveniada). Esta maneira de exercer a contraprestação se reveste como a mais

marcante distinção em relação aos contratos de seguro-saúde, cuja contraprestação, como visto,

se perfaz pelo reembolso.

Em que pese sejam reconhecidos como contratos distintos, os contratos de plano de

saúde e os contratos de seguro-saúde apresentam uma imensa aproximação. Na prática

cotidiana, estas modalidades de contrato muito se assemelham, haja vista que é usual que as

empresas de seguro-saúde indiquem médicos, hospitais e demais prestadores que a elas se

vinculam de modo permanente e os quais remunera diretamente pelos serviços realizados, sem

que ocorra o reembolso diretamente aos segurados.79

De acordo com Leonardo Vizeu Figueiredo, embora o contrato de seguro-saúde se

aproxime do contrato de plano de saúde pelas suas características,80 ao contrato de seguro-saúde

importam certas peculiaridades que os distingue, quais sejam: a) prazo determinado (estipulado

contratualmente e extinto no decurso do tempo); b) onerosidade (o segurado paga a prestação

aventada e a seguradora reembolsa o segurado ou paga diretamente ao prestador) e; c)

78 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de direito de saúde suplementar: manual jurídico de planos e seguros

de saúde. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. Disponível em:

<https://online.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-4305-9/>. p. 167. 79 SCAFF, 2010, p. 30. 80 Características do contrato de plano de saúde: a) pluralidade de partes (número de beneficiários relativos ao

contrato a depender de planos individuais, familiares ou coletivos); b) trato sucessivo e prazo indeterminado

(contratos que se prolongam no tempo e que para a solução de continuidade no vínculo contratual dependem de

manifestação volitiva das partes); c) onerosidade (envolve o pagamento de pecuniário, sucessivo e mensal, de uma

parte à outra); d) comutatividade (encerra obrigações mútuas, cabendo ao beneficiário o pagamento das avenças

mensais e à empresa a disposição de rede para o atendimento do beneficiário, nos limites contratuais); e) adesão

(o beneficiário contratualmente adere a um rol mínimo de serviços obrigatoriamente cobertos, sem possibilidade

de negociação) e; f) aleatoriedade (encerra a noção de risco para a empresa, pois pode tanto auferir lucro, quando

seus serviços não são necessário, quanto assumir o prejuízo, quando alto o nível de sinistralidade) (FIGUEIREDO,

2012, p. 167-169)

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comutatividade (a responsabilidade da seguradora se limita ao valor do prêmio

independentemente do valor final do tratamento e o segurado possui livre escolha do prestador

de serviços). Para o autor, tais diferenças devem ser observadas afim de que estejam claras as

responsabilidades e os direitos das partes contratantes, mormente a do segurado/consumidor,

comumente prejudicado pelo desequilíbrio contratual.81

Deve-se atentar para o fato de que a semelhança entre os contratos de seguro-saúde e de

planos de saúde não se restringem apenas àquelas relativas aos seus prepostos, mas na gestão

de seus negócios.

Tanto as seguradoras quanto as operadoras de planos de saúde devem gerir os recursos

captados dos seus contratantes, pois as empresas detêm uma função distributiva, devendo alocar

de cada segurado ou beneficiário, uma parte suficiente da receita que seja capaz de cobrir os

riscos contratados. Sem a reunião de um fundo de prêmios suficiente, não há como cumprir

com as obrigações decorrentes dos riscos assumidos.82

O contrato de plano de saúde e o contrato de seguro-saúde são constituídos com base

em uma solidariedade entre seus segurados-beneficiários, ligados pelo mutualismo que decorre

da característica coletiva que tais contratos apresentam.

A garantia de que os custos da prestação à assistência à saúde serão devidamente

adimplidos pela operadora ou seguradora de planos de saúde se firma exatamente no número

de beneficiários/segurados a elas ligado, que constituindo um fundo sólido permite que essas

empresas atuem no mercado com segurança financeira.

Levando-se em consideração que as noções de equilíbrio econômico-financeiro dos

contratos de planos de saúde não diferem, em sua natureza, daqueles aplicados à Previdência,

socorre-se desta para compreender que o equilíbrio financeiro representa a garantia de

equivalência entre as receitas auferidas e as obrigações em cada exercício financeiro; ou seja,

o equilíbrio financeiro é atingido quando o que se arrecada dos participantes do sistema é

suficiente para custear os benefícios por ele assegurados.83

Ainda com base nos conceitos previdenciários, o equilíbrio atuarial representa a garantia

de equivalência, a valor presente, entre o fluxo estimado das receitas e das obrigações

81 FIGUEIREDO, 2012, p. 170-171. 82 LOPES, Reinaldo de Lima. Consumidores de seguros e planos de saúde (ou, doente também tem direitos). In:

MARQUES, Cláudia Lima; LOPES, Reinaldo de Lima Lopes; PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos (Coord.).

Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999. p. 30-32. 83 LIMA, Diana Vaz de; GUIMARÃES, Otoni Gonçalves. Contabilidade Aplicada aos Regimes Próprios de

Previdência Social. Brasília: MPS, 2009. Disponível em:

<http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_100204-101907-696.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2017. p. 10-11.

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projetadas, apuradas atuarialmente, a longo prazo, devendo os prêmios ser definidos a partir do

cálculo atuarial que leve em consideração uma série de critérios.84

Para a garantia da prestação da assistência à saúde, assim como da saúde da própria

empresa, é fundamental que seja feito o cálculo atuarial e, mais do que isso, que se garanta o

equilíbrio entre as obrigações das partes o sentido de não haver solução de continuidade desses

serviços “essenciais”.

Por fim, falta tratar da rede contratual nos planos de saúde.

Através de uma única operação econômica – contratação de plano de saúde – se

encontram presentes uma série de relações jurídicas contratuais distintas, mas que se ligam por

um determinado vínculo.

Para que determinada empresa prestadora de serviços de assistência à saúde tenha

condições de ofertar o serviço no mercado, há a necessidade de disponibilizar um grande

número de demais prestadores, serviços como, por exemplo, médicos, hospitais, clínicas de

laboratório e de imagem, dentre outros.

Os contratos realizados entre as operadoras de planos de saúde e os demais prestadores,

colocados à disposição dos beneficiários (consumidores) por meio de um único contrato,

caracterizam uma rede contratual.

A rede contratual é espécie do gênero contratos conexos, contratos que apresentam uma

determinada ligação, um determinado nexo, mas que não decorre de norma jurídica ou cláusula

contratual específica. As redes contratuais se identificam por apresentarem uma “coordenação

de contratos, diferenciados estruturalmente, porém interligados por um articulado e estável

nexo econômico, funcional e sistemático”.85

A noção de sistema nessa relação contratual permite a identificação de uma finalidade

negocial supracontratual que justifica a criação e o funcionamento de uma rede. Neste sentido,

é de clara evidência o ensinamento de Ricardo Luis Lorenzeti86 para quem

[...] hay un interés asociativo que se satisface a través de un negocio que requiere

varios contratos unidos en sistema; la causa en estos supuestos vincula a sujetos que

son partes de distintos contratos situándose fuera del vínculo bilateral pero dentro del

sistema o red contractual. Ello significa que hay una finalidad económico-social que

trasciende la individualidad de cada contrato y que constituye la razón de ser de

84 LIMA; GUIMARÃES, 2009., p. 11. 85 LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes contratuais no mercado habitacional. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003. p. 137. 86 LORENZETI, Ricardo Luis, Redes contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de

colaboración, efectos frente a terceros. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS. Porto Alegre, v. 16, 1999,

p. 161-202. Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.br/revfacdir/article/download/70573/40048>. Acesso em: 07

jun. 2017. p. 175.

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su unión; si se desequilibra la misma se afecta todo el sistema y no un solo contrato.

(Grifos nossos)87

Consoante aos contratos conexos,88 Rodrigo Xavier Leonardo sustenta que “é a

operação econômica supracontratual, movida por um propósito igualmente supracontratual, que

justifica o reconhecimento de especial nexo, com a atribuição de específicas consequências

jurídicas”.89 No mesmo sentido é a posição de Cláudia Lima Marques:

A conexidade é, pois, o fenômeno operacional econômico de multiplicidade de

vínculos, contratos, pessoas e operações para atingir um fim econômico unitário e

nasce da especialização das tarefas produtivas, da formatação das redes de

fornecedores no mercado e, eventualmente, da vontade das partes.90

A rede de contratos é um sistema de contratos que tem por fundamento uma finalidade

operacional capaz de minimizar custos e maximizar benefícios.

Esta característica é bem evidente nos contratos de prestação de serviços de saúde

suplementar, nos quais se verifica uma complexidade de relações contratuais que envolvem

terceiros (prestadores/fornecedores) com interesses relativos ao objeto contratado (assistência

à saúde), mas que não figuram como parte direta na relação contratual mantida entre a operadora

de plano de saúde e o consumidor.

Daí que, o sistema normativo brasileiro, reconhecendo a figura do consumidor como

parte hipossuficiente, se direciona no sentido de melhor equilibrar a relação jurídica entre

operadoras de planos de saúde e seus beneficiários.

87 [...] existe um interesse associativo que é satisfeito através de uma empresa que exige vários contratos unidos

no sistema; A causa nesses casos relaciona assuntos que são partes em diferentes contratos, fora do vínculo

bilateral, mas dentro do sistema ou rede contratual. Isso significa que existe uma finalidade econômico-social que

transcende a individualidade de cada contrato e que constitui o motivo de sua união; se for desequilibrado, afeta

todo o sistema e não um único contrato. (tradução nossa) 88 Leonardo Rodrigo Xavier propõe a divisão dos contratos conexos em dois grupos: os contratos conexos em

sentido estrito e as redes contratuais. Para ele, os contratos conexos em sentido estrito dizem respeito a uma relação

empresarial, na qual as relações jurídicas se perfazem entre contratantes que exibem posições, em teoria, de

equidade. Contratos que podem ser entre sociedades empresarias ou entre particulares, mas desde que não

apresentam o elemento desigualdade. As redes contratuais, por outro lado, se referem a uma relação consumerista.

(LEONARDO, Rodrigo Xavier. Os contratos coligados. In: BRANDELLI, Leonardo (Org.). Estudos em

homenagem à Professora Véra Maria Jacob de Fradera. Porto Alegre: Lejus, 2013. p. 9-10) 89 LEONARDO, Rodrigo Xavier. Os contratos coligados. In: BRANDELLI, Leonardo (Org.). Estudos em

homenagem à Professora Véra Maria Jacob de Fradera. Porto Alegre: Lejus, 2013. p. 9. 90 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 94

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2.5 DA EVOLUÇÃO NA INTERPRETAÇÃO E NA APLICAÇÃO DAS REGRAS E

PRINCÍPIOS IMPLICADOS COM OS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE

Sem se confundir com o atendimento mediante pagamento direto realizado pelo

paciente, coloquialmente identificado como regime particular, a prestação privada de

assistência médico-hospitalar se perfaz por meio de contratos entre empresas e beneficiários,

que se regem por uma principiologia própria do direito privado.

Com o aumento do número de planos de saúde, bem como os interesses da população

aos benefícios dos avanços tecnológicos das ciências da saúde, verificou-se uma verdadeira

massificação do mercado de saúde suplementar, por meio de contratos standard de conteúdos

variados.

O forte crescimento econômico deste mercado ocasionou a disparidade da relação entre

os beneficiários dos planos e seguros-saúde em relação às empresas prestadoras de serviços,

principalmente, em decorrência da ausência de uma legislação que regulasse e promovesse a

fiscalização do setor.

De natureza eminentemente liberal, o contrato — que instrumentalizava as relações

jurídicas entre prestadores de serviços de assistência a saúde e seus usuários — possuía como

marca a unilateralidade. Ausente a liberdade contratual material, os contratos postos no

mercado possibilitavam aos interessados no serviço apenas a sua adesão, e de forma

incondicional, a uma proposta já formada.

Entretanto, não é mais possível pontuar qualquer debate em torno dos negócios jurídicos

pela assunção absoluta do princípio do pacta sunt servanda, premissa do individualismo liberal

que se propagou até o início do século XX.

Numa perspectiva puramente liberal, as partes criam os direitos e as obrigações, dando-

se à autonomia da vontade e à imutabilidade dos contratos valores quase absolutos. Por

conseguinte, ao Estado não caberia a tarefa de intervir no negócio, mas “estabelecer as regras

do jogo das liberdades privadas, no plano infraconstitucional, de sujeitos de direitos

formalmente iguais, abstraídos de suas desigualdades reais”, como assentado por Paulo Luiz

Netto Lobo.91

Paulo Nalin explica que, na concepção clássica do contrato, a liberdade (contratual),

expressão da autonomia da vontade, se revelava pela possibilidade ou não de se contratar, pela

escolha de outro contratante e, ainda, pelo conteúdo do contrato. Neste contexto, o autor

91 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação Legislativa. Brasília,

ano 36, n. 141, jan./mar. 1999. p. 101.

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assenta, ainda, que “o dogma da vontade, núcleo absoluto do sistema contratual da

modernidade, além do princípio da liberdade contratual, é fonte de instituição dos princípios da

intangibilidade contratual (pacta sunt servanda) e da relatividade dos efeitos dos contratos”.92

A liberdade contratual, a obrigatoriedade do contrato e a relatividade do contrato, como

base de sustentação principiológica do contrato moderno, soçobram frente a massificação dos

contratos, pois ao menos um dos princípios, senão todos os três, não se encontra presente. E,

portanto, não refletem mais a realidade fática por força da mudança na maneira de se contratar.93

A CRFB opera profunda transformação no modo pelo qual se deve interpretar o

ordenamento jurídico pátrio. A tutela da liberdade, de cunho patrimonialista, deixa de ser o

fulcro de interesse do Direito que, por força da Constituição, é transferido para a pessoa.

Neste diapasão, o instituto da propriedade foi repensado no sentido de que se

[...] abandonasse a concepção de um absoluto direito subjetivo, para abraçar a ideia

social de uma função que lhe desse conteúdo e criasse deveres, ou ônus, também ao

proprietário, cuja contrapartida passasse a ser gama de direitos afetos a centros de

interesse não proprietários, em verdadeira relação jurídica complexa, de recíproca

fluidez de direitos e obrigações.94

Em outras palavras, a codificação civil de cunho liberal, que encontra o valor da

realização da pessoa na propriedade, dá lugar aos valores fundados na dignidade e reloca a

figura da pessoa humana como centro do direito civil, e a propriedade se torna coadjuvante.95/96

O direito civil, interpretado à luz da CRFB, persegue a igualdade material, e o equilíbrio

entre as partes torna-se a base da estabilidade na relação contratual, superando o princípio

fundante de que o “contrato faz lei entre as partes” (pacta sunt servanda). Por conseguinte, o

contrato que, por suposto, admitia a supremacia de uma parte sobre a outra, consubstanciado

na possibilidade de um proveito injustificado ou na onerosidade excessiva, tornou-se

expressamente vedado pelo Direito.

A preocupação do ordenamento jurídico neste campo se volta para o estado real das

partes, com o solidarismo que deve reger as relações. E, segundo Miguel Reale, é neste sentido

92 NALIN, Paulo. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-

constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 110. 93 Ibid., p. 110-111. 94 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. 4 ed. São Paulo:

Saraiva, 2012. p. 20. 95 LÔBO, 1999, p. 103. 96 No mesmo sentido, Paulo Nalin assenta que “A construção desse novo paradigma do Direito Civil e, em especial,

do contrato, no Brasil, passa pelo reconhecimento que se confere às normas eminentemente civis, e que alcançaram

dignidade constitucional com a Carta de 1988. Ela trata, notadamente, das regras posta em favor da pessoa e da

sua existência (dignidade, liberdade, igualdade, inviolabilidade de direito à vida, à segurança, à propriedade etc.),

assumindo a pessoa o centro das atenções do ordenamento jurídico”. (NALIN, 2001, p. 87)

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que a CRFB se irradia, ou seja, em função de princípios jurídicos e metajurídicos como os da

eticidade e socialidade, para influenciar o Direito Civil. E, “daí a consequência de novo

entendimento do que seja sujeito de direito, não mais concebido como um indivíduo in

abstracto, em uma igualdade formal, mas sim em razão do indivíduo situado concretamente no

complexo de suas circunstâncias éticas e socioeconômicas”.97

Isto posto, os contratos de planos de saúde formados pela simples adesão de um

interessado, sem liberdade contratual, não se adequam à teoria contratual clássica por ferirem

o dogma maior defendido, que é a autonomia da vontade das partes. Isto é

Jamais, para fins de enquadramento ou de adaptação, o contrato de adesão se

adequaria ao contrato descrito no Código Civil, haja vista a ausência, completa e

absoluta, de exercício de liberdade contratual. Tal fato se revela ainda mais forte na

medida em que esteja o aderente diante de um bem da vida, em mercado oligopolizado

ou monopolizado (v.g. o mercado financeiro).98

Não se olvida que é por meio dos contratos de planos de saúde que se realizam as

necessidades de um atendimento médico, o tratamento de doenças ou, até mesmo, a prevenção

de moléstias. Todavia, esta atividade econômica deve se manifestar no sentido de atender,

evidentemente, aos princípios gerais da ordem econômica, como previsto na Constituição da

República Federativa do Brasil.

Hodiernamente, pois, somente o contrato que cumpre função social é

constitucionalmente protegido, haja vista que a ordem econômica possui por finalidade

“assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social”99, admitindo-se a

intervenção estatal como uma maneira de conformar o instrumento contratual à realidade dos

objetivos contemporâneos. Ou seja, o contrato deve prestigiar a igualdade material das partes e

o interesse social.

São, portanto, incompatíveis com a Constituição as políticas econômicas públicas e

privadas denominadas neoliberais, pois pressupõem um Estado mínimo e total

liberdade ao mercado, dispensando a regulamentação da ordem econômica, que só faz

sentido por perseguir a função social e a tutela jurídica dos mais fracos e por supor a

intervenção estatal permanente (legislativa, governamental e judicial).100

97 REALE, Miguel. A Constituição e o Código Civil. 2003. Disponível em:

<http://www.miguelreale.com.br/artigos/constcc.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017. s/p. 98 NALIN, 2001, p. 115. 99 Art. 170 “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (BRASIL. Constituição da República

Federativa do Brasil. Emenda constitucional nº 90, de 15 de setembro de 2015. 48 ed. Brasília: Edições Câmara,

2015). 100 LÔBO, 1999, p. 107.

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É neste sentido que a CRFB exige que para o exercício da livre iniciativa e, pois, também

para a celebração de contratos, seja observada sua necessária função social.

Para tanto, a CRFB determina, nos incisos XXII e XXIII do art. 5º, a salvaguarda do

direito de propriedade, mas condicionando-o ao atendimento da função social. Com a mesma

orientação, a Carta Maior trata da ordem econômica, que fundada na livre iniciativa e na

valorização do trabalho humano, determina a observação dos princípios da propriedade privada

(art. 170, II) e da sua função social (art. 170, III).101

Há uma aparente antinomia quando a CRFB trata do direito de propriedade. Note-se

que, o art. 5º trata o direito de propriedade tanto por uma perspectiva liberal clássica, prevista

no inciso XXII (é garantido o direito de propriedade), quanto por uma dimensão coletiva e

intervencionista, de cunho social, pelo inciso XXIII (a propriedade atenderá a função social).

O mesmo ocorre no artigo 170 da CRFB, que trata da atividade econômica. Se por um lado, a

CRFB garante o interesse individual, de outro, ao mesmo tempo, garante o interesse social.

Entretanto, não sendo possível uma interpretação hegemônica de uma regra sobre outra,

uma vez que possuem igual status constitucional, a superação dessa aparente antinomia — entre

o direito de propriedade e a função social — deve ser alcançado por critérios hermenêuticos.

No dizer de Paulo Luiz Netto Lôbo

A função social é incompatível com a noção de direito absoluto, oponível a todos, em

que se admite apenas a limitação externa, negativa. A função social importa limitação

interna, positiva, condicionando o exercício e o próprio direito. Lícito é o interesse

individual quando realiza, igualmente, o interesse social. O exercício do direito

individual da propriedade deve ser feito no sentido da utilidade não somente para si,

mas para todos. Daí ser incompatível com a inércia, com a inutilidade, com a

especulação.102

No mesmo sentido é o posicionamento de Francisco Cardozo Oliveira e Ligia Neves

Silva, que assim se manifestam:

[...] o alcance do princípio da função social deve ser objetivamente mensurado em

torno de duas finalidades: a de assegurar o acesso a posições proprietárias, tendo em

conta a redução de desigualdades sociais que está na base do princípio de

solidariedade inscrito no texto da Constituição, e o de resgatar o papel do trabalho na

construção da socialidade.103

101 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Emenda constitucional nº 90, de 15 de setembro

de 2015. 48 ed. Brasília: Edições Câmara, 2015 102 LÔBO, op. cit., p. 106. 103 OLIVERIA, Francisco Cardozo, SILVA, Lígia Neves. Possibilidades de uma análise econômica do princípio

da função social do contrato: trocas, acesso à posições proprietárias e o trabalho. Revista Direitos Fundamentais

& Justiça, PUCRS, ano 5, n. 16, jul./set. 2011. p. 18.

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Os contratos são expressão do direito de propriedade e, por conta disso, também

sofreram os reflexos da constitucionalização do direito civil no sentido de atenderem a uma

função social.

Miguel Reale adverte, contudo, que a subordinação dos contratos a uma realização

social, para além das partes contratantes, não implica no exaurimento do primado contratual

clássico do “pacta sunt servanda”, que continua a ser o fundamento primeiro das relações

contratuais. Para o autor

O que o imperativo da “função social do contrato” estatui é que este não pode ser

transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte

contrária ou a terceiros [...] Não há razão alguma para se sustentar que o contrato

deva atender tão somente aos interesses das partes que o estipulam, porque ele, por

sua própria finalidade, exerce uma função social inerente ao poder negocial que é uma

das fontes do direito, ao lado da legal, da jurisprudencial e da consuetudinária.104

No entanto, relativamente aos contratos de planos de saúde, o desequilíbrio contratual

gerado por qualquer das partes, seja a empresa ou o consumidor, acaba por resultar em

verdadeiro desrespeito à sua função social, pois poderia afetar não somente os contraentes, mas

a população em geral. No caso das empresas prestadoras de serviço, se houver, por exemplo,

um excessivo aumento do prêmio, uma negativa de atendimento ou qualquer outra situação que

implique no rompimento do contrato, tal redundará na saída deste consumidor daquele sistema

passando a depender unicamente do sistema de saúde público.

Em relação ao consumidor, o inadimplemento dos prêmios ou o uso desnecessário dos

recursos a ele disponibilizados gerarão por reflexo um incremento no cálculo atuarial, que é

arcado por toda aquela coletividade.

A liberdade no exercício da autonomia da vontade que gerou desigualdades dá lugar à

autonomia privada, onde persiste o direito do exercício da liberdade de contratar desde que

atendida sua função social.

2.6 A LIBERDADE DE CONTRATAR EM RELAÇÃO AOS PLANOS DE SAÚDE, DE

ACORDO COM O CÓDIGO CIVIL

Ocorre que dita função social foi igualmente incorporada pela legislação.

104 REALE, 2003, s/p.

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A função social do contrato recebeu destaque especial dentro do título que cuida dos

contratos em geral, no artigo 421 do CC que, assim, dispõe: “A liberdade de contratar será

exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.105

A despeito da referida norma introduzir explicitamente a função social no âmbito do

direito contratual, a vagueza semântica dos termos por ela empregados merecem uma maior

atenção.

Para Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, a noção de liberdade de contratar diz

respeito àquela liberdade que cada um tem de realizar ou não contratos, de acordo com sua

necessidade ou vontade. Para a autora uma melhor conformação ao direito seria a expressão

“liberdade contratual”, uma vez que importaria a noção de limites impostos ao conteúdo do

contrato e, em atenção ao bem comum e no interesse coletivo.106

Quando relativa à livre iniciativa econômica, a liberdade de contratar assume papel

puramente instrumental para, segundo Judith Martins-Costa, dar “fisionomia e identidade à

ordem econômica numa ordem jurídico-social que valoriza, antes de mais, a dignidade da

pessoa e o livre desenvolvimento de sua personalidade”.107

A compreensão semântica da expressão “função social”, como limite ao exercício da

liberdade de contratar e como razão de ser do exercício dessa mesma liberdade, merece uma

maior atenção.

Eduardo Tomasevicius Filho sustenta existirem duas visões sobre a liberdade contratual.

Uma visão realista da liberdade contratual pela qual a liberdade de contratar é inerente ao

indivíduo e, nesta perspectiva o direito apenas reconhece a vontade humana — a autonomia da

vontade — como fonte de direito objetivo. Por outro lado, existe a visão legalista da liberdade

de contratar que consiste no fato de que a mesma (liberdade de contratar) somente existe porque

o direito a confere, reconhecendo a autonomia privada.108

105 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. 106 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado.

Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 97, jan., 2002. Disponível em:

<http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67537/70147>. Acesso em: 17 jun. 2017. p. 138. 107 MARTINS-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos. Revista Direito GV,

São Paulo, v. 1, n. 1, mai. 2005, p. 41-66. Disponível em:

<bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/download/35261/34057>. Acesso em: 12 jun. 2017. p.

45. 108 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social do contrato: conceito e critérios de aplicação. Revista de

Informação Legislativa. Brasília, ano 42, n. 168, out./dez. 2005. p. 197-214. Disponível em:

<http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/462/R168-15.pdf?sequence=4>. Acesso em: 17 jun. 2017.

p. 203.

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Daí que, numa concepção ampla da autonomia privada, o Estado pode condicionar o

exercício da liberdade de contratar dos indivíduos à consecução de determinados encargos,

determinados fins, como a solidariedade social e o conteúdo da liberdade é, portanto,

“positivo”. Contudo, quando o Estado permite aos indivíduos se auto-regrarem, desde que não

firam preceitos estabelecidos pelo direito, o conteúdo da liberdade é “negativo”.109

Segundo o autor, a redação do art. 421 do CC parece contraditória ao estabelecer ao

mesmo tempo, para a função social, uma concepção de liberdade negativa (nos limites) e uma

concepção de liberdade positiva (em razão). E, — interessado especificamente no alcance do

termo função social relativo à liberdade de contratar — argumenta que, numa perspectiva de

liberdade negativa, se o contrato for usado na forma como foi criado e produzir os efeitos que

dele é esperado, sem que cause danos a terceiros, o contrato cumpre a função social. Por outro

lado, na perspectiva de liberdade positiva, como “poder-dever” do contratante, não basta que o

contrato produza os efeitos esperados, nem que não cause danos a terceiros, mas que se destine

a determinados resultados ou vantagens para a sociedade.110

Facilmente se percebe que os contratos de planos de saúde se revestem de uma função

social cuja característica marcante se dá no plano da liberdade positiva. Não se olvida da

relevância do objeto contratado, pois ao mesmo tempo em que atende aos interesses do

contratado também importa numa vantagem socialmente distribuída. Aquele consumidor bem

atendido não necessita da prestação da assistência à saúde em nível público, não onera o Estado

e permite, em tese, um melhor acesso para aqueles que dele dependem.

Enquanto finalidade social, a função social do contrato se relaciona com a liberdade

negativa de contratar, atendendo a dois propósitos. Primeiramente, o abuso no exercício da

liberdade de contratar pode causar dano aos demais indivíduos, sendo socialmente indesejado.

O segundo motivo é a promoção da circulação e distribuição dos direitos de propriedade, uma

vez que os recursos materiais não se encontram disponíveis a todos, o que requer um equilíbrio

de interesses entre quem tem acesso e quem não tem, por meio do contrato.111

Em similitude, Judith Martins-Costa, ao tratar da liberdade de contratar quando exercida

“nos limites” da função social, concorda com a estreita ligação entre função social e a noção de

liberdade negativa, assentando que, “Como princípio geral, apanha uma grande variedade de

casos particulares, tais como a repressão de condutas que expressam a supremacia injustificada

109 TOMASEVICIUS FILHO, 2005, p. 203. 110 Ibid., p. 203-204. 111 Ibid., p. 205.

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do poder de uma parte sobre a outra ou casos de desvirtuamento da finalidade econômico-social

do negócio”.112

A partir do exposto, resta claro que a liberdade de contratar encontra limites na função

social para prestigiar uma relação equilibrada entre os contratantes e incide, por exemplo, nas

cláusulas abusivas, nas compras casadas e no abuso de direito.

A presença de cláusulas abusivas, restrições inapropriadas, limitações de acesso a

indivíduos com maior risco de doença, limitações por faixa etária são exemplos de contratos de

planos de saúde que não cumprem com sua função social.

Postos no mercado de forma homogênea, esses contratos não podem servir de

instrumento para benefício da empresa em detrimento de uma prestação adequada a todos

aqueles que a ela queiram aderir.

Tratando da liberdade de contratar como “em razão” da função social, Judith Martins-

Costa sustenta que a expressão “em razão” se refere concomitantemente à:

a) que a função social do contrato integra, constitutivamente, o modo de exercício do

direito subjetivo (liberdade contratual); b) que é o seu fundamento, assim

reconhecendo-se que toda e qualquer relação contratual possui, em graus diversos,

duas distintas dimensões: uma, intersubjetiva, relacionando as partes entre si); outra,

transubjetiva, fazendo reverberar as obrigações e os direitos assumidos pelos

contratantes na esfera de terceiros, determinados ou indeterminados.113

Nesta linha de raciocínio, a função social opera eficácias no plano intersubjetivo para

impor deveres positivos aos contratantes, com condutas dirigidas ao favorecimento de

justificado interesse de uma das partes. Contratos que viabilizam “prestações essenciais” são,

para a autora, exemplo de contratos que demandam o favorecimento de uma parte em relação à

outra.114

O eixo para a concretização da função social é deslocado do contrato, instrumento

jurídico, para o seu objeto (bem da vida) que procura instrumentalizar. Assim, quanto mais

essencial for o bem da vida relativo ao objeto contratual, maior deve ser a intervenção estatal.

O princípio da função social deve nortear a interpretação das regras, contratuais e legais, no

sentido de melhor garantir o bem essencial instrumentalizado pelo contrato.115

Pelo contrato de plano de saúde, o indivíduo espera ter assegurada a sua assistência à

saúde (objeto do contrato) e, portanto, há uma maior necessidade de intervenção estatal para

equilibrar a relação contratual, bem como procurar garantir a efetiva prestação.

112 MARTINS-COSTA, 2005, p. 49. 113 Ibid., p. 50. 114 Ibid., loc. cit. 115 Ibid., p. 53.

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De acordo com Judith Martins-Costa, o contrato é um fato social e, portanto, pode

repercutir efeitos em terceiros não-contratantes, denominados efeitos transindividuais e, que

podem ser identificadas em pelo menos três situações: a) a tutela externa do crédito; b) a

interdependência funcional entre vários contratos e; c) a projeção de efeitos sobre terceiros não

determinados ou a bens fundamentais da comunidade.116

Pela tutela externa do crédito procura-se evitar a interferência ilícita nos contratos. Vale

dizer, a possibilidade de responsabilizar um terceiro, não integrante da relação jurídica

contratual, por lesar o direito de crédito mediante interferência no contrato. Nesta seara, o

princípio da função social impõe ao contrato uma obrigação para além das partes, de que

terceiros devem respeitar o contrato. Assim, o princípio da função social, como sustentado por

Antônio Junqueira de Azevedo, é “preceito a integrar os contratos numa ordem social

harmônica, visando impedir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade (por exemplo,

contratos contra o consumidor) quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas

determinadas”.117

Contratos que envolvem a tutela do meio ambiente e a tutela da concorrência se

enquadram no âmbito da eficácia da função social no que se refere à projeção de efeitos sobre

terceiros não determinados ou a bens fundamentais da comunidade. A CRFB estatui a defesa

do meio ambiente como princípio da ordem econômica, além de assegurar “a todos” o direito

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Neste sentido, a função social impõe que a

atividade contratual além de não poder ser lesiva ao meio ambiente, deve dirigir para a sua

preservação e promoção. Situação similar ocorre com a tutela da livre concorrência, contratos

de fusão e de incorporação, por exemplo, devem, por força da função social, precaver-se contra

eventuais formas de dominação de mercado.

No caso da interdependência funcional entre vários contratos, como ocorre na rede de

contratos de planos de saúde, o fundamento se encontra tanto numa explicação sociológica

quanto numa explicação jurídica e, de acordo com Judith Martins-Costa o fundamento jurídico

se encontra na:

[...] consideração da eficácia de um contrato na esfera jurídica de terceiros, ou

em outros contratos, está na continuidade e na interferência entre esferas de

interesse, que se congregam, em múltiplas esferas na vida de relações contratuais, por

116 MARTINS-COSTA, 2005, p. 54. 117 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado.

Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. Função social do contrato e responsabilidade

aquiliana de terceiro que contribui para o inadimplemento contratual. RT/Fasc. Civil, São Paulo, ano 87, v. 750,

abr. 1998. p. 116.

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forma a impor aos gestores das “esferas contíguas” limites internos que, na

convivência ordenada e civil, descendem da socialidade. (Grifos nossos)118

É nesta seara que os contratos de planos de saúde, organizados como um sistema de

contratos em rede, são executados, pois viabilizam prestações essenciais (assistência à saúde)

para uma das partes – consumidores.

As redes de contrato de prestação de serviços de saúde suplementar se consubstanciam,

na prática, numa série de prestadores vinculados contratualmente que, de maneira conjunta,

colocam seus serviços à disposição daquele que realiza um contrato de plano de saúde.

Ou seja, o interessado contrata a prestação de assistência médica de uma empresa, que

se obriga a promover a cobertura do tratamento de doenças, bem como tudo o que se fizer

necessário para sua implementação, mediante a contraprestação assumida pelo beneficiário

(consumidor) de pagar o valor contratado junto à prestadora.

Os contratos de planos de saúde são relações contratuais que possuem características

especiais, relações que envolvem obrigação de fazer, serviços que envolvem terceiros para a

realização do verdadeiro objetivo contratual (assistência à saúde), organizada por uma cadeia

de prestadores/fornecedores diretos e indiretos. Portanto, serviços complexos que são ofertados

no mercado como contratos de adesão, considerando que as cláusulas contratuais são definidas

de modo unilateral pela operadora, sem caber ao beneficiário qualquer possibilidade de

discussão que, antes da regulamentação dos planos de saúde, se submetia a disposições que não

lhes eram favoráveis.

O princípio da boa-fé objetiva,119 que já havia sido positivado pela Lei nº 8.078,120 de

1990, foi também internalizado no CC, em seu art. 422, que, prescreve que “Os contratantes

são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios

de probidade e boa-fé”.

Destarte, nos contratos de planos de saúde importa uma destacada atenção à boa-fé

contratual, dado que eles ostentam a qualidade de contratos de consumo na perspectiva do

usuário.

118 MARTINS-COSTA, op. cit., p. 56. 119 A exigência do respeito ao princípio da boa-fé nas relações contratuais é, apesar de há muito conhecida como

princípio geral de Direito, pela primeira vez positivada através do CDC. A mesma (boa-fé objetiva) vem

disciplinada, como linha teleológica de interpretação no art. 4º, III, e como cláusula geral, no art. 51, IV. 120 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras

providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 set. 1990.

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2.7 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS PLANOS DE SAÚDE

Visando o equilíbrio e a garantia da isonomia nas relações consumeristas, o art. 5º,

XXXII, da CRFB, insere no rol dos direitos e garantias fundamentais a defesa ao consumidor.

A Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, em consonância com o mandamento

constitucional, instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que busca equilibrar a

relação contratual entre fornecedores e consumidores.

Não pairam dúvidas quanto à natureza consumerista do contrato de prestação de serviço

na modalidade plano de saúde, pois trata-se de um contrato que tem como objeto a prestação

de serviços com predominância de uma obrigação de fazer, e as figuras do consumidor e do

fornecedor estão bem caracterizadas, conforme os arts. 2º e 3º, do referido diploma legal.121

Saliente-se que são contratos de adesão, envolvendo prestações continuadas, que se

prolongam no tempo. Portanto, contratos de trato sucessivo em que o consumidor se coloca em

relação de dependência em face da contratada, com expectativa de manutenção do vínculo

contratual por tempo indeterminado.

Nesse contexto, como linha de interpretação, a boa-fé objetiva funciona como parâmetro

hábil para proporcionar a harmonia nas relações de consumo, como prescreve o inciso III do

art. 4º.122

Logo, por meio do cumprimento do princípio da boa-fé estabelece-se um padrão de

comportamento a ser atendido pelas partes contratantes, pautado na transparência, na harmonia

e no equilíbrio. Desta forma, ela acaba por orientar toda e qualquer relação de consumo.

Cláudia Lima Marques explica que o princípio da boa-fé não se encontra somente na

fase de contratação, mas estende-se por toda a execução do contrato, sendo fonte de deveres

anexos, de causa limitadora do exercício abusivo de direitos subjetivos e, da concretude e

interpretação dos contratos.123

121 Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário

final. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como

os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,

transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras

providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 set. 1990). 122 harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do

consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios

nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio

nas relações entre consumidores e fornecedores. (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe

sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

Brasília, DF, 12 set. 1990). 123 MARQUES, 2002, p. 180.

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Como fonte de deveres anexos de conduta, a boa-fé objetiva se revela pela lealdade,

pela cooperação, não bastando que as partes cumpram apenas a obrigação principal. Sendo

limitadora do abuso de direito, a boa-fé objetiva se torna escudo dos consumidores frente a

presença de cláusulas contratuais que se revelem abusivas. E, como fonte de interpretação dos

contratos, a boa-fé impõe ao intérprete a tarefa de não se limitar a uma exegese literal do

negócio jurídico, mas numa interpretação que leve em consideração as convenções sociais.

Ressalte-se, por oportuno, que, não há um conceito para o que seja a boa-fé objetiva,

sendo um conceito jurídico indeterminado, que deve ser interpretado no desiderato de atender

ao equilíbrio contratual. Cláudia Lima Marques ensina que

A boa-fé objetiva é um standard, um parâmetro objetivo, genérico, que não está a

depender da má-fé subjetivo do fornecedor A ou B, [...] portanto, uma atuação

“refletida”, uma atuação refletindo , pensando no outro, no parceiro contratual,

respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus

direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão o

desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o

cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes.124

Pelo princípio da boa-fé objetiva, qualquer cláusula abusiva que estiver presente em um

contrato de natureza consumerista, como os contratos de plano de saúde, deverá ser considerada

nula de pleno direito, portanto inaplicável ao consumidor.

Ocorre que, no caso dos contratos em comento, ainda se vislumbra a existência de

cláusulas que excluem da cobertura contratual determinados procedimentos, limitam

internações ou tratamentos, levando os consumidores a uma situação de vulnerabilidade, no

momento em que mais carecem de cuidados.125

A transparência é outro princípio norteador dos contratos consumeristas e se encontra

no caput do art. 4º. Transparência, neste sentido, é a informação clara e correta sobre o produto

ou serviço, sobre o contrato a ser firmado, é a exigência de lealdade e respeito entre consumidor

e fornecedor. A transparência nos contratos de planos de saúde é de suma importância para a

preservação dos interesses tanto dos consumidores quanto da empresa prestadora de serviços.

Os serviços assistenciais disponibilizados, os valores dos prêmios, eventuais prazos de

carências, a rede de prepostos e demais serviços como, por exemplo, transportes especiais,

home care etc, devem estar bem detalhados, de forma simples e clara para oportunizar ao

eventual beneficiário a escolha ou não de seus serviços.

124 MARQUES, 2002, p. 181-182. 125 Trata-se dos chamados contratos antigos ou não regulamentado, contratos realizados anteriormente à Lei nº

9.656/1998 e, que ainda serão melhor abordados.

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Na visão de Cláudia Lima Marques, em relação ao princípio da transparência, o

legislador pretendeu evitar qualquer tipo de lesão ao consumidor, pois sem ter noção acerca do

conteúdo do contrato, das obrigações que estará assumindo, o consumidor poderia vincular-se

a um contrato sem condições de adimpli-lo.126

Todavia, é importante destacar que a obediência ao princípio da transparência também

se dirige aos consumidores e com grande importância no setor de saúde suplementar. Cabe ao

futuro contratante dos serviços de assistência à saúde ser, da mesma forma, leal e respeitoso

informando à pretensa contratada quanto à existência de doenças pré-existentes, de hábitos ou

vícios que possam interferir em sua saúde, por exemplo.

Por meio do respeito ao princípio da transparência, evitam-se conflitos durante a

execução do contrato, em função de ausência de cobertura ou de carência contratual. Ademais,

as informações do consumidor são necessárias para o efetivo equilíbrio do cálculo atuarial,

lembrando que a prestação de serviços se funda em seu caráter de mutualismo.

Uma vez realizado o negócio jurídico entre fornecedor e consumidor, o CDC demanda

a observação de outro de seus princípios, qual seja, o princípio da equidade contratual, do

equilíbrio entre direitos e deveres com mote na justiça contratual.

Pelo seu art. 47, o CDC reclama a interpretação contratual mais benéfica ao consumidor

e, pelo art. 51, IV, considera nulas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas

iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam

incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

O dirigismo contratual não visa aniquilar com a liberdade contratual ou com a iniciativa

privada, pois o contrato tem como função realizar o desenvolvimento da personalidade humana

como instrumento de acesso de bens e serviços essenciais à vida.

O que não se pode mais admitir é o exercício da liberdade contratual nos moldes

oitocentistas que redundariam em um desequilíbrio da relação entre os contratantes, de uma

contratação que proporcione exagerada desvantagem para um dos contratantes.

A equidade contratual é adotada na busca pela continua equalização dos efeitos

econômicos no contrato, o que pode implicar na modificação do preço, a resolução do

contrato e, em linha de sistema jurídico, contemplando-se o Código de Defesa do

Consumidor, a nulidade de cláusulas abusivas.127

126 MARQUES, 2002, p. 595. 127 NALIN, Paulo. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual,

igualdade. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. (Coord.). Teoria geral dos contratos. São Paulo:

Atlas, 2011. p. 115.

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O equilíbrio dos efeitos econômicos dos contratos deve nortear o intérprete, a despeito

da vontade das partes, com vistas a dar concretude à justiça contratual. Pois, se em tempos

passados “a justiça foi sinônimo de liberdade e autonomia, hoje, ela se baseia e se projeta no

equilíbrio, de modo a convocar o intérprete ao incessante compromisso de vigília das relações

contratuais”.128

Na esfera da saúde suplementar, pode-se inferir que o princípio da equidade contratual

seja invocado para a resolução de conflitos, principalmente, relativos à majoração dos valores

premiais em função de faixa etária.

As operadoras de planos de saúde majoram o valor do prêmio de acordo com a faixa

etária do consumidor, que levam em consideração a análise do risco em relação ao

desenvolvimento de situações que demandem maior ou menor necessidade de assistência à

saúde. Nesta linha de raciocínio, quanto mais idoso torna-se o indivíduo, maior o risco da

necessidade de cuidados em saúde e, portanto, maior deve ser o valor do prêmio. A este respeito,

Leandro Martins Zanitelli ensina que

Designa-se como seleção adversa a realização de contratos de seguro por pessoas

sujeitas a risco superior ao da média dos segurados, bem como a desistência de

contratar pelas de risco inferior à média. À falta de algo que conduza a uma situação

de equilíbrio, a seleção adversa pode se manter até a eliminação do mercado (o que se

conhece como “espiral da morte”). A procura do seguro por indivíduos de alto risco

acarreta a elevação dos prêmios, o que, por sua vez, estimula os de baixo risco a

abandonar o mercado, provocando novo aumento de preços. O número de segurados

se reduz, assim, progressivamente.129

Por outro lado, não é raro de se constatar situações nas quais consumidores que

participaram do fundo premial por décadas, no momento em que mais necessitam dos cuidados

em saúde, devem, a despeito de uma condição financeira minorada, por exemplo, por

aposentadoria, aportar maiores valores para a manutenção de seu contrato.

Apesar de tal majoração aparentar afronta às normas consumeristas, o Superior Tribunal

de Justiça (STJ), em sede de recurso repetitivo, considerou legal o reajuste de mensalidade de

plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário,

porém observados os seguintes critérios: a) haja previsão contratual, b) sejam observadas as

normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e, c) não sejam aplicados

128 NALIN, 2011, p. 115. 129 ZANITELLI, Leandro Martins. Planos de saúde e planos-referência: considerações sobre uma eventual

alteração da Lei nº 9.656/1998. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 44, n. 174, abr./jun. 2007.

Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/141078/R174-29.pdf?sequence=5>.

Acesso em: 15 ago. 2017. p. 199.

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percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem

excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.130

Destaque-se que pela complexidade dos contratos de planos de saúde e,

consequentemente, seus mais diversos problemas em relação, por exemplo, à forma de reajuste,

reajuste abusivos, negativas de assistência, cláusulas de exclusão etc., o setor de saúde

suplementar enseja uma maior intervenção do Estado.

2.8 A LEI DOS PLANOS DE SAÚDE A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL, DO CÓDIGO CIVIL E DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR

Em 03 de junho de 1988 foi promulgada a Lei nº 9.656,131 que dispõe sobre os planos e

seguros privados de assistência à saúde, entrando em vigor em 1999, que surgiu para

regulamentar aquilo que a jurisprudência já havia pacificado, a imposição de que as condutas

adotadas pelas operadoras de planos e seguros de saúde observassem os preceitos do CDC e a

boa-fé nas relações contratuais, que é melhor definida no CC de 2002.

Essa legislação alcança todos os planos e seguros de saúde, desde os que já existiam no

mercado, bem como os que venham a integrá-lo. Sua incidência recai sobre os planos próprios

de hospitais, autogestões, medicina de grupo, cooperativas em geral, administradoras,

seguradoras, ou seja, de todas as empresas que possuam planos de assistência à saúde com

contraprestação pecuniária, independentemente de sua natureza jurídica ou forma de

comercialização, denominando-as genericamente de operadoras, e configurando-as nos moldes

de um seguro.

A Lei define o plano privado de assistência à saúde como sendo a

prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou

pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite

financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por

profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede

credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e

odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora

130 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.568.244 - RJ (2015/0297278-0), da Segunda

Sessão, Brasília, DF, 14 de dezembro de 2016. Diário de Justiça eletrônico, dez. 2016. 131 BRASIL. Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à

saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 jun. 1998.

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contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem

do consumidor;132

Esta legislação é um verdadeiro divisor de águas entre os contratos estabelecidos antes

e após sua promulgação, conferindo-se aos contratos a denominação de pré e pós-

regulamentados, não-regulamentados e regulamentados ou, ainda, planos (contratos) antigos e

planos (contratos) novos respectivamente.

Todos os contratos, a partir de 02 de janeiro de 1999, se submetem integralmente à Lei

nº 9.656/98, que também tratou de conferir certas garantias que se estendem aos contratos

anteriores a ela, a saber: a) não podem ser rescindidos de forma unilateral pela operadora; b) as

internações não podem ser interrompidas sem a devida alta médica ; c) as mensalidades dos

planos individuais e familiares só podem ser majoradas com expressa e previa autorização do

Poder Público e; d) a alegação de doença ou lesão preexistente se submete à apreciação do

Poder Público.133

Ao consumidor é dada a possibilidade de adaptação do plano antigo para o modelo

contratual regulamentado pela Lei, através de formalização em termo próprio, assinado pelos

contratantes, de acordo com as normas definidas pelo Poder Público.134

Ou seja, na adaptação, o consumidor continua com o contrato antigo, mas as cláusulas

que se encontram em desconformidade com as novas regras são alteradas. A mensalidade será

acrescida em percentual não superior a 20,59% em relação ao valor pago até então, percentual

estabelecido pela Resolução Normativa (RN) nº 254/2011, da ANS.135

132 Art. 1º inciso I da Lei nº 9.656/98. (BRASIL, Lei 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e

seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 jun.

1998). 133 Art. 35-E. A partir de 5 de junho de 1998, fica estabelecido para os contratos celebrados anteriormente à data

de vigência desta Lei que: I - qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de

sessenta anos de idade estará sujeita à autorização prévia da ANS II - a alegação de doença ou lesão preexistente

estará sujeita à prévia regulamentação da matéria pela ANS; III - é vedada a suspensão ou a rescisão unilateral do

contrato individual ou familiar de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei por parte da

operadora, salvo o disposto no inciso II do parágrafo único do art. 13 desta Lei; IV - é vedada a interrupção de

internação hospitalar em leito clínico, cirúrgico ou em centro de terapia intensiva ou similar, salvo a critério do

médico assistente. (BRASIL, Lei 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de

assistência à saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 jun. 1998.) 134 Art. 35, §1º. a adaptação dos contratos de que trata este artigo deverá ser formalizada em termo próprio, assinado

pelos contratantes, de acordo com as normas a serem definidas pela ANS. 135 BRASIL. ANS. Resolução Normativa – RN nº 254, de 05 de maio de 2011, que dispõe sobre a adaptação e

migração para os contratos celebrados até 1º de janeiro de 1999 e altera as Resoluções Normativas nº 63, de 22 de

dezembro de 2003, que define os limites a serem observados para adoção de variação de preço por faixa etária nos

planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 2004; e nº 124, de 30 de março de

2006, que dispõe sobre a aplicação de penalidades para as infrações à legislação dos planos privados de assistência

à saúde. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MTczOA==

>. Acesso em: 14 jun. 2017.

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Há, contudo, a possibilidade de o consumidor migrar o contrato. Por esta via, é firmado

um novo contrato com a mesma operadora, sem novas carências, exceto para novas coberturas,

quando não houver produto (plano) compatível e o tipo de cobertura for alterada. Nos contratos

anteriores à Lei, a cobertura é aquela determinada no contrato e as exclusões estão

expressamente relacionadas. O novel contrato extingue o antigo, ampliando as coberturas e

diminuindo as exclusões, pois obriga o prestador de serviços a atender ao plano referência.

Leonardo Vizeu Figueiredo salienta as conquistas sociais e consumeristas trazidas pela

lei, destacando: a) a obrigatoriedade, no plano-referência, da cobertura de todas as doenças

relacionadas na Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados

com saúde, da OMS, bem como de cobertura odontológica, transplante de córneas e renal e,

transtornos psiquiátricos; b) reembolso obrigatório para os custos advindos de casos de urgência

e emergência; c) permissão da inclusão de filho adotivo menor de doze anos, com os mesmos

direitos de um filho natural; d) garantia de permanência no plano, do trabalhador demitido ou

aposentado.136

O plano referência, que define a cobertura mínima exigida pelos contratos de planos de

saúde, é determinado pelo art. 10, da lei em comento. Por este dispositivo legal se estabeleceu

a possibilidade de oferta de quatro produtos: a) cobertura assistencial médico-ambulatorial; b)

internação hospitalar; c) atendimento obstétrico e; d) atendimento odontológico, fixando os

serviços que devem obrigatoriamente estar incluídos nessas modalidades.137

136 FIGUEIREDO, 2012, p. 124. 137 O art. 12 da Lei n° 9.656 indica os serviços que obrigatoriamente devem estar à disposição do beneficiário, de

acordo com o tipo de produto contratado, de onde se extrai que no:

i) atendimento puramente ambulatorial: a operadora deve dar cobertura médica em clínicas básicas e

especializadas, sem limite de consultas; cobertura de serviços de apoio diagnóstico, assim como tratamentos e

demais procedimentos ambulatoriais solicitados pelo médico assistente e; cobertura de tratamentos antineoplásicos

domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de seus efeitos adversos.

ii) quando incluir internação hospitalar: a cobertura de internações hospitalares, inclusive unidades de terapia

intensiva, sendo vedada a limitação de prazo, valor máximo e quantidade, em clínicas básicas e especializadas;

cobertura de despesas referentes a honorários médicos, serviços gerais de enfermagem e alimentação; dos exames

complementares indispensáveis para o controle da evolução da doença e elucidação diagnóstica, fornecimento de

medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões e sessões de quimioterapia e radioterapia, conforme

prescrição do médico assistente, realizados ou ministrados durante o período de internação hospitalar; cobertura

de toda e qualquer taxa, incluindo materiais utilizados, assim como da remoção do paciente, comprovadamente

necessária, para outro estabelecimento hospitalar, dentro dos limites de abrangência geográfica previstos no

contrato, em território brasileiro; cobertura de despesas de acompanhante, no caso de pacientes menores de dezoito

anos; cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos

radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, na qualidade de procedimentos cuja necessidade esteja

relacionada à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar.

iii) quando incluir atendimento obstétrico: cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do

consumidor, ou de seu dependente, durante os primeiros trinta dias após o parto; inscrição assegurada ao recém-

nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, como dependente, isento do cumprimento dos períodos de

carência, desde que a inscrição ocorra no prazo máximo de trinta dias do nascimento ou da adoção.

iv) quando incluir atendimento odontológico: cobertura de consultas e exames auxiliares ou complementares,

solicitados pelo odontólogo assistente; cobertura de procedimentos preventivos, de dentística e endodontia;

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Tal regra comporta exceções,138 mas que são objeto de regulamentação especifica por

parte do Poder Público.

A Lei também veda a exclusão de cobertura de doenças ou lesões preexistentes à data

de contratação após vinte e quatro meses de vigência do instrumento contratual.

Note-se que, ainda nos dias de hoje, após 20 anos da vigência da Lei nº 9.656, de um

total de 47.303.952 de contratos de plano de saúde, realizados por 1.068 operadoras, 4.841.097

ainda são contratos não-regulamentados.139

Considerado em termos percentuais, o número de contratos antigos representa uma

parcela pequena dos contratos, de apenas dez por cento, mas em se considerando o número de

beneficiários envolvidos (4.841.097), a importância desse modelo contratual ainda é

significante.

O art. 32, da Lei dos Planos de Saúde, prescreve que os serviços prestados a seus

consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou

contratadas, integrantes do SUS, serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos.

Logo após o início da vigência da lei, a Confederação Nacional de Saúde (CNS) –

hospitais, estabelecimentos e serviços – propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade – a ADI

1.931-8/DF, na qual questiona a constitucionalidade da lei, incluído o art. 32.140

Os autores da ação alegaram que, pelo art. 32, o Estado procurava transferir para a

iniciativa privada o ônus de assegurar a saúde para todos, bem como de violar a garantia

constitucional da livre inciativa, pelas operadoras de planos e seguros de saúde. Além disso,

afirmam que o ressarcimento teria natureza tributária, como fonte de custeio para a seguridade

social e, desta forma, violando o §4º do art. 195, combinado com o inciso I do art. 154, ambos

da CRFB, que exige lei complementar, e não lei ordinária.

cobertura de cirurgias orais menores, assim consideradas as realizadas em ambiente ambulatorial e sem anestesia

geral. (BRASIL, Lei 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência

à saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 jun. 1998.) 138 I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental; II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos,

bem como órteses e próteses para o mesmo fim; III - inseminação artificial; IV - tratamento de rejuvenescimento

ou de emagrecimento com finalidade estética; V - fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados;

VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar; VII - fornecimento de próteses, órteses e seus

acessórios não ligados ao ato cirúrgico; IX - tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto

médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes; X - casos de cataclismos, guerras e comoções

internas, quando declarados pela autoridade competente. 139 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Perfil do setor: dados gerias. Brasília, 2017. Disponível

em: <http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais>. Acesso em: 16 nov. 2017. 140 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 1.931-8, Tribunal Pleno, Brasília, DF, 21 de agosto de 2003.

Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347335>. Acesso em: 17

de set. 2017.

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Tal celeuma, todavia, foi devidamente resolvida, em 07 de fevereiro deste ano, pelo

plenário do STF ao julgar o RE nº 597.064 assentando que

O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 345

da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte

tese: “É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei 9.656/98, o qual

é aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais custeados pelo

SUS e posteriores a 4/6/1998, assegurados o contraditório e a ampla defesa, no âmbito

administrativo, em todos os marcos jurídicos”.141 (grifos nossos)

Ademais, reconhecendo o caráter de atividade econômica organizada que as operadoras

e seguradoras de planos de saúde detém, um atendimento ou tratamento custeado pelo SUS, em

detrimento de uma obrigação contratual privada, poderia ensejar um enriquecimento sem causa.

Percebe-se que, muito embora a Lei nº 9.656/1998, desde 1999, discipline as relações

contratuais entre empresas prestadoras de serviço de saúde suplementar e consumidores, as

questões que envolvem os contratos anteriores à edição da Lei, ainda são relevantes.

2.8.1 A Lei nº 9.656/1998 e o Código de Defesa do Consumidor

A questão que se levanta é a aplicação da Lei nº 9.656/1998 em relação aos chamados

contratos antigos, assim como a própria aplicação do CDC nos chamados contratos novos.

Como já anunciado, foi oportunizado ao consumidor a adequação do contrato antigo

para o novo, por meio da adaptação consoante ao disposto no art. 35, que assim prevê:

Aplicam-se as disposições desta Lei a todos os contratos celebrados a partir de sua

vigência, assegurada aos consumidores com contratos anteriores, bem como àqueles

com contratos celebrados entre 2 de setembro de 1998 e 1º de janeiro de 1999, a

possibilidade de optar pela adaptação ao sistema previsto nesta Lei.

Todavia, não restam dúvidas quanto a aplicação do CDC aos contratos antigos, mesmo

aqueles realizados antes da vigência do CDC, pois como são contratos de renovação sucessiva,

a incidência da norma de ordem pública, como o CDC, não gera maiores controvérsias.

Ademais, em 2018, o STJ editou a Súmula nº 608, segundo a qual “Aplica-se o Código de

Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades

de autogestão”142, consolidando o entendimento de que as operadoras de planos de saúde, que

141 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 597.064, Tribunal Pleno, Brasília, DF, 02 de fevereiro de 2018.

Diário de Justiça Eletrônico, nº 25, 14 fev. 2018. Disponível em:

<stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDecisao.asp?numDj=25&dataPublicacao=14/02/2018&incidente=2661252&ca

pitulo=2&codigoMateria=3&numeroMateria=1&texto=7395153>. Acesso em: 20 fev. 2018. 142 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 608, Segunda Seção, Brasília, DF, julgado em 11 de abril de

2018. Diário de Justiça eletrônico, 17 abr. 2018

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disponibilizam à população os serviços remunerados de assistência à saúde, à exceção das

empresas de autogestão, tem sua atividade regida pelo CDC.143 Tal entendimento reconhece

que as entidades de autogestão são um tipo de operadora de plano de saúde que se caracterizam

pela ausência de finalidade lucrativa e pelo vínculo associativista, como definido na RN nº

37/2006, não tendo seus produtos comercializados no mercado de saúde.

No que concerne à aplicação da Lei nº 9.656/1998 aos contratos antigos, a tese da

aplicação deste regramento legal aos contratos antigos pela consideração de o mesmo ser de

trato sucessivo não é cabível. E isto ocorre por força de seu art. 35, que permite ao beneficiário

optar, ou não pela adaptação do ajuste original, prestigiando a liberdade de escolha sobre o

conteúdo do contrato.

Ressalte-se que no julgamento da ADI 1931-8, em atendimento aos princípios do

direito adquirido e do ato jurídico perfeito, a Corte suspendeu cautelarmente a incidência dos

dispositivos legais da Lei nº 9.656/1998 nas cláusulas contratuais firmadas sob o regime

anterior, não se podendo cogitar de retroatividade para tanto.144

Nesta linha de raciocínio, o CDC é aplicado a todos os contratos, mas em relação aos

contratos novos ela ocorre de forma subsidiária, nos termos do art. 35-G, que dispõe aplicarem-

se “subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o

inciso I e o §1º do art. 1o desta Lei as disposições da Lei nº 8.078, de 1990”, que foi incluído

pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001.

Vale dizer, não se afasta por completo a aplicação do CDC aos contratos novos, pois,

embora a Lei nº 9.656/1998 traga regras bem específicas quanto “à abrangência mínima dos

contratos de assistência à saúde suplementar, o Código de Defesa do Consumidor apresenta

princípios igualmente aplicáveis à essa relação, que não colidem diretamente com os

dispositivos da lei especial”.145 De todo modo, coube à MP nº 2.177-44146, de 2001, alterar

vários dispositivos da Lei nº 9.656/98 com a finalidade de permitir a regulação e a fiscalização

da atividade econômica no setor de saúde suplementar por Agência Reguladora criada

especificamente para este fim. E é disso que se passa a tratar.

143 A Súmula nº 608 cancelou a Súmula 469, vigente desde 2010 que possuía o seguinte teor: “Aplica-se o Código

de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 469,

Segunda Seção, Brasília, DF, julgado em 24 de novembro de 2010. Diário de Justiça eletrônico, dez. 2010). 144 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 1.931-8, Tribunal Pleno, Brasília, DF, 21 de agosto de 2003.

Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347335>. Acesso em: 17

de set. 2017. 145 TAVARNARO, Roberto Ribas; KFOURI NETO, Miguel. A boa-fé objetiva nos contratos de medicina pré-

paga. Revista Jurídica, Curitiba, v. 4, n. 45, 2016, p. 824. 146 BRASIL. Medida Provisória nº 2.177-44, de 24 de agosto de 2001, que altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de

1998, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde e dá outras providências. Diário Oficial [da]

República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 set. 2001.

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3 A REGULAÇÃO COMO INTERVENÇÃO ESTATAL INDIRETA NO DOMÍNIO

ECONÔMICO

3.1 APONTAMENTOS HISTÓRICOS ACERCA DA RELAÇÃO ESTADO/MERCADO

Historicamente, a relação entre o Estado e o mercado varia de acordo com os direitos

que se pretende ver assegurados e, que, por conseguinte, se expressam de maneira distinta sobre

a sociedade.

Com a queda do Estado absolutista, marcada pela Revolução Francesa, de 1789,

estabeleceu-se um novel regime pelo qual a fonte do Direito não mais se encontraria em

instância transcendental à comunidade, nas escolhas individuais do soberano, cuja vontade

prevalecia por meio de normas gerais e abstratas ou por atos singulares, mas na vontade geral,

que consubstanciada na lei passa a impor um dever negativo do Estado em face dos

particulares.147

A gênese do constitucionalismo e do Estado de Direito está ligada aos ideais liberais,

notadamente ao liberalismo político, de transformação social, que se caracteriza pelo

insurgimento da classe burguesa contra o poderio do soberano, da nobreza e do clero.148

O Estado liberal de Direito é identificado por duas perspectivas que se fundem: a Política

econômica, como expressão do liberalismo econômico e; o constitucionalismo liberal, que é

representado, principalmente, pela consagração dos direitos e garantias individuais e pela

Teoria da divisão dos poderes.149

Na Lição de Ivo Dantas, o liberalismo político

[...] refere-se, fundamentalmente, aos direitos políticos, isto é, direito de voto, direito

de participação e decisão do tipo de governo. Ao lado destes, são apontados o Estado

de Direito representado pelo Império da Lei, Supremacia Constitucional, Direitos e

Garantias Individuais, Teoria da Divisão de Poderes e Soberania Popular.150

O mercado é o local da manifestação da liberdade individual na esfera econômica, que

é entendido como um sistema caracterizado por regras próprias, com prevalente absenteísmo

estatal, e que acomoda os interesses individuais.

147 SANTOS NETO, João Antunes. Legalidade e decisões políticas. Revista de Direito Administrativo. Rio de

Janeiro, n. 234, out./dez., 2003. p. 157. 148 DANTAS, Ivo. O econômico e o constitucional. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 200,

abr./jun. 1995. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/46526/46568>.

Acesso em: 30 dez. 2016. p. 60-61. 149 Ibid., p. 63. 150 Ibid., loc. cit.

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Fortemente inspirado por Adam Smith, o liberalismo, em seu aspecto econômico,

propugna a liberdade econômica para a realização individual, uma vez que

o interesse geral da comunidade não era considerado numa perspectiva

transindividualista, pois se reconduzia automaticamente à soma aritmética dos

interesses particulares dos vários membros que a compunham, não podendo o

intervencionismo, fora dos casos em que assegurava a polícia da ordem pública e a

defesa de bens como a justiça, conduzir senão a desperdícios e atentados à liberdade

individual. O bem-estar geral identificava-se com a soma dos diversos casos de bem-

estar individual e crescia na razão direta destes, pois que o livre jogo das liberdades

individuais conduziria espontaneamente, orientado como que por uma “invisible

hand” (ADAM SMITH), ao máximo de produção e à distribuição mais justa.151

Neste contexto, o desiderato do Estado liberal se resume em resguardar a liberdade dos

indivíduos conforme expresso nas declarações de direitos e garantias, assim como evitar a

concentração de poderes, que devem estar separados entre si.152

Ocorre que as imperfeições do regime liberal clássico não tardaram a aparecer. Isto

porque a presunção de igualdade e a existência de um ambiente concorrencial perfeito,

elementos necessários para uma competição equilibrada voltada para a realização de interesses

coletivos, nunca se concretizou.153

Como resultado, o que se experimentou foi o incremento das desigualdades sociais

favorecido por uma maior concentração de renda dos detentores dos meios de produção e, de

outro lado, a interferência do Estado no mercado de trabalho, reprimindo o direito de greve, o

direito de associação sindical e as ações coletivas dos trabalhadores.

Contudo, o Estado não protegia a classe trabalhadora frente às desigualdades sociais

decorrentes do rápido crescimento econômico, o que redundou numa profunda injustiça social,

mas que ainda foi incrementada pelo crack da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, e pelas duas

Grandes Guerras.154

Após o declínio do modelo de Estado liberal, uma nova forma de relação exsurgiu entre

o Estado e o mercado, que pautada pelo intervencionismo se distingue em duas vertentes: o

Estado socialista e o Estado de bem-estar social. Acerca destes dois modelos intervencionistas,

André Saddy explica que

151 DANTAS, 1995, p. 64. 152 Ibid., loc. cit. 153 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. A evolução da ordem econômica no direito constitucional brasileiro e o papel

das agências reguladoras. Revista da AGU, a. 6, n. 13, mai./ago., 2007. Disponível em:

<https://seer.agu.gov.br/index.php/AGU/article/view/374/114>. Acesso em: 05 nov. 2016. p. 2. 154 SADDY, André. Fases evolutivas e cronologicamente distintas das formas de intervenção do Estado na

economia. Fórum Administrativo Direito Público FA, Belo Horizonte, ano 9, n. 106, dez. 2009. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=64400>. Acesso em: 5 jan. 2017. p. 7.

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o Estado social ou intervencionista, que tomou para si a tarefa de produção de riqueza

e sua distribuição pela sociedade, desconheceu a propriedade privada, tal como tratada

pelo Estado liberal clássico, e eliminou a autonomia contratual. Desconhecendo os

mecanismos de concorrência, que fazem a comunicação entre fornecedor e

consumidor, e uma série de outros motivos que não cabe aqui referir, deu-se o fracasso

desse modelo. Aparece, então, o Estado bem-estar, que, equidistante do modelo liberal

e social, buscou acolher seus elementos, tendo-se uma livre iniciativa com intervenção

em proveito da sociedade, uma tutela da propriedade privada com função social e um

dirigismo contratual para correção de assimetria.155

Destaque-se que o modelo de Estado social de Direito deixa de ser neutro, individualista

e formal, para se transformar em Estado material de Direito, conquanto pretende realizar a

justiça social,156 mas que para esta finalidade absorve a atividade econômica, ensejando

mudanças de ordem estrutural, organizacional e normativa como

[...] estruturas estatais excessivas e caras para o atendimento da sociedade, alargando

em muito o papel, o tamanho e o custo da máquina estatal, gerando um cenário de

mau atendimento e insatisfação. O Estado, por intervir, editava grande número de

normas jurídicas. Além da socialização, houve um fortalecimento do poder executivo,

fazendo com que o Estado assumisse um papel de prestador de serviços, que, apesar

de ter posto fim às injustiças sociais geradas pela aplicação dos princípios

incorporados pelo Direito Civil, trouxe consigo a prerrogativa de limitar o exercício

dos direitos individuais em benefício do bem-estar coletivo.157

Destarte, o estado tornou-se verdadeiro prestador, abrangendo atividades de natureza

social e econômica, mas restou inchado, perdulário e ineficiente em relação às demandas sociais

mais prementes como, por exemplo, segurança, educação, habitação, transporte e, inclusive, a

assistência à saúde.

Verificada a ineficiência crônica dos serviços públicos, o endividamento público, a

inflação crescente e o aumento da carga tributária, as sociedades nacionais “não tinham

alternativa que partir para a reformulação dos dois modelos interventivos e, reivindicando então

o seu protagonismo, desenvolver um modelo misto, temperando a organização e disciplina até

então atingidas pelo Estado”.158

O Estado, desacreditado em seu potencial de empresário e provedor, passa a devolver à

iniciativa privada as atividades que se encontravam insatisfatoriamente prestadas pela máquina

estatal. Sérgio Guerra explica que este movimento de redução do aparelhamento estatal com

155 SADDY, 2009, p. 7. 156 SILVA, José Afonso da. O Estado democrático de direito. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro,

n. 173, jul/set, 1988. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/%20viewFile/45920/44126>. Acesso em: 15 jan. 2017. p.

18. 157 SADDY, op. cit., loc. cit. 158 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O novo papel do Estado na economia. Revista de Direito Público

da Economia ‐ RDPE. Belo Horizonte, a. 3, n. 11, jul. / set. 2005. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=31154>. Acesso em: 15 dez. 2016. p. 3.

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redistribuição de atividades para o setor privado foi erigido sob o termo de neoliberalismo.

Fundado na obra de Friedrich Hayek, “O caminho da servidão”, de 1944, que é um ataque a

qualquer forma de intervenção estatal sobre o mercado — contra a liberdade econômica e

política —, o neoliberalismo começa a ser aplicado na década de 1970 em resposta à crise do

modelo keynesiano adotado pelos governos da Organização Europeia para o Comércio e

Desenvolvimento.159

O pensamento neoliberal se propaga pelo fenômeno da globalização retomando a noção

de Estado mínimo configurado “por meio das privatizações de empresas estatais, desregulando-

se a economia, reduzindo os direitos sociais, diminuindo-se os gastos estatais e a prestação

direta de serviços públicos”.160

Neste cenário neoliberal, o Estado deixa de ser o principal agente executor dos serviços

públicos, preocupando-se, primariamente, com sua função regulatória, garantindo a

estabilidade econômica e fiscal necessária ao desenvolvimento econômico que deve ser

derivado da própria sociedade. O setor privado passa a desempenhar papel de destaque, atuando

em setores que, até então, lhe eram reservados.

Sob a influência do neoliberalismo é que a CRFB de 1988 foi promulgada,161 todavia,

num modelo de retorno comedido aos ideais do liberalismo e sem o abandono da necessidade

de sociabilidade de bens essenciais, com a finalidade de se garantir a dignidade da pessoa

humana.

Este modelo constitucional rígido e predominantemente conceitual, adotado pelo

constituinte brasileiro, em 1988, não atendia às exigências relativas ao campo econômico, e

necessárias para o desenvolvimento econômico nacional. Tal situação resultou na edição das

Emendas Constitucionais nº. 6, 7, 8 e, 9, todas do ano de 1995, que modernizaram

sucessivamente os setores empresarial, mineral, de transportes, de telecomunicações e

radiodifusão e do petróleo.162

Percebe-se, pois, que logo após a promulgação da Carta Maior, as relações mantidas

entre o Poder Público e o mercado sofreram profundas transformações, que, pela privatização

de diversas empresas estatais e o consequente afastamento do Estado na execução da atividade

econômica, impuseram, em 1995, uma necessária reforma estatal, operada pelo Plano Diretor

da Reforma do Aparelho do Estado, como assim explicado por Luiz Carlos Bresser Pereira

159 GUERRA, Sérgio. Agências reguladoras: da organização administrativa piramidal à governança em rede.

Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 88. 160 Ibid., loc. cit. 161 Ibid., p. 89. 162 MOREIRA NETO, 2005, p. 12.

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A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel

do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e

social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de

promotor e regulador desse desenvolvimento. No plano econômico o Estado é

essencialmente um instrumento de transferências de renda, que se torna necessário

dada a existência de bens públicos e de economias externas, que limitam a capacidade

de alocação de recursos do mercado. [...] neste plano, entretanto, salientaremos um

outro processo tão importante quanto, e que no entretanto não está tão claro: a

descentralização para o setor público não-estatal da execução de serviços que não

envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado,

como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica.

Chamaremos a esse processo de “publicização”.163

Com efeito, a esta transferência de atividades de utilidade pública do setor público para

o privado, seguiu-se um maior controle do Estado no que concerne à regulação, fiscalização e

planejamento da atividade econômica, pois como sustentado por Sandro Mansur Gibran e

Antônio Carlos Efing

A retirada do Estado da prestação direta da atividade econômica não significa redução

do intervencionismo estatal. Ao contrário, faz-se necessária a criação de mecanismos

desprovidos de subordinação, com autonomia perante as ingerências políticas, com

funções técnicas delimitadas, para que a prestação de serviços essenciais à população

não fique ao alvitre do interesse privado do empresário, cuja atuação muitas vezes não

beneficia a coletividade.164

Frise-se que a retirada do Estado da prestação direta da prestação de serviços essenciais

tem por consequência a exigência de uma maior fiscalização das empresas privadas, por meio

de entes desprovidos de subordinação, sem influência política, e com funções técnicas

delimitadas, que são desenvolvidas por diversos entes reguladores de mercado econômico e

setores de relevante interesse coletivo, assim como pelas autoridades antitruste que compõem

o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

De todo modo, é necessário verificar as formas de intervenção estatal

constitucionalmente admitidas.

163 BRASIL. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Câmara da Reforma do Estado. Brasília, 1995.

Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em 11

dez. 2016. p. 12-13. 164 GIBRAN, Sandro Mansur; EFING, Antônio Carlos. Livre iniciativa, liberdade de contratar e defesa do

consumidor: uma nova ordem hermenêutica de integração. In: XV Encontro Preparatório para o Congresso

Nacional do CONPEDI, 2007, Campos. Anais do XV Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do

CONPEDI. Campos RJ, 2007. v. 1. p. 699-712. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/campos/sandro_mansur_gibran.pdf>. Acesso

em: 29 nov. 2016. p. 8.

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3.2 AS FORMAS DE INTERVENÇÃO ESTATAL SOBRE O DOMÍNIO ECONÔMICO

Ab ovo, é necessário determinar o sentido dado à expressão atividade econômica

encontrada nos arts. 173 e seu § 1º e 174 da CRFB165. A este respeito, Celso Antônio Bandeira

de Mello sustenta haver total separação entre os conceitos de atividade econômica e de serviços

públicos. Enquanto a atividade econômica é exclusiva aos particulares, os serviços públicos,

entendidos como atividades juridicamente não econômicas, são da alçada do Estado e, portanto,

somente podem ser exercidas por particulares mediante seu credenciamento, por ato explícito,

ainda que lhes conserve a titularidade.166

Divergindo do conceito retro, Eros Roberto Grau assevera que atividade econômica é

gênero que comporta duas espécies: atividade econômica em sentido estrito e atividade

econômica em sentido amplo (compreendendo o serviço público).167

Para Marçal Justen Filho, o conceito de atividade econômica em sentido restrito possui

por fundamentos os princípios da exploração empresarial, da livre iniciativa e da livre

concorrência e “pressupõe que os agentes possam organizar os fatores da produção para

obtenção de resultados não predeterminados pelo Estado, com apropriação privada do lucro.”168

A atividade econômica em sentido estrito é, em regra, desempenhada pelo setor privado,

e sua exploração direta pelo Estado é prevista, como excepcional, no art. 173 da CRFB.

Acerca do serviço público, disciplinado pelo art. 175 da CRFB, Marçal Justen Filho

sustenta que as atividades econômicas necessárias ao atendimento direto e imediato de

necessidades humanas, essencialmente a dignidade humana, são atribuídas à titularidade169 do

Estado e submetidas a regime jurídico de direito público, fato que, por consequência, afasta os

princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.170

Em relação ao art. 174, Eros Roberto Grau ensina que a expressão atividade econômica

é utilizada em sentido amplo, respeitando a globalidade da atuação estatal como agente

165 No que tange à seara econômica, ressalvados os casos constitucionalmente previstos, não cabe ao Estado a

exploração de atividade econômica exceto quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante

interesse coletivo (art. 173, CR), mas compete-lhe, como agente normativo e regulador uma tríplice função: de

fiscalização, de incentivo e planejamento (art. 174, CR). 166 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros,

2011. p. 801-802. 167 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 13 ed. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 108-109. 168 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 7 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 660. 169 Em relação à titularidade do serviço público, destaque-se que, embora seja atribuída ao Estado, a execução do

serviço pode ser conferida ao setor privado, sob regime de concessão ou permissão, a teor do art. 175 da CR, in

verbis, “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre

através de licitação, a prestação de serviços públicos”. 170 JUSTEN FILHO, op. cit., p. 658-659.

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normativo e regulador, compreendendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,

que, consoante disposição legal é “determinante para o setor público e indicativo para o setor

privado”.171

Ressalte-se, pois, que na seara econômica, a CRFB apresenta um sistema econômico

capitalista já que elenca como fundamento a livre iniciativa (art. 170, caput) e como princípio

a livre concorrência (art. 170, IV), mas adota um modelo econômico misto ao permitir

excepcionalmente a exploração direta de atividade econômica pelo ente estatal (art. 173, caput

e § 1º), e determinar ao Estado a normatização e regulação da atividade econômica (art. 174,

caput).

De todo modo, três são as formas pelas quais o Estado pode interferir na atividade

econômica, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello

a) disciplinando-a, vale dizer, impondo-lhe limitações a fim de compatibilizá-la com

os interesses coletivos (poder de polícia); b) fomentando-a, isto é, propiciando-lhe

estímulos e condições de desenvolvimento mediante implantação de infraestrutura, de

concessão de financiamentos, de apoio tecnológico, de isenção de tributos etc.; c)

assumindo-a, ou seja, protagonizando-a como sujeito ativo, como titular dela, ou seja,

o agente que a explora.172

Dita classificação é acompanhada por Luís Roberto Barroso ao referir que a intervenção

estatal se dá pelo poder de polícia (disciplina), através de incentivos à iniciativa privada

(fomento) e por meio de atuação empresarial (atuação direta).173

Aparentemente, ambas as classificações pretendem refletir o tratamento que a CRFB dá

à intervenção do Estado no domínio econômico. Como já visto alhures, a CRFB somente

autoriza atuação estatal direta de modo excepcional (art. 173), mas permite ao Estado uma

atuação indireta, na qual atua como “agente normativo e regulador”, exercendo as “funções de

fiscalização, incentivo e planejamento” consoante ao art. 174, e cuja finalidade é influenciar,

pela regulação, o comportamento dos agentes econômicos particulares.

171 GRAU, 2008, p. 107. 172 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O Estado e a ordem econômica. Revista de Direito Administrativo,

Rio de Janeiro, nº 143, jan./mar., 1981. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/43285/41945>. Acesso em: 30 de ago. 2016. p.

37. 173 BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de

preços. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, nº 226, out./dez. 2001. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47240/44652>. Acesso em: 28 dez. 2016. p. 291.

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3.3 REGULAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO

Influenciado pelo neoliberalismo, como adrede analisado, cabe ao Estado priorizar sua

competência regulatória em detrimento da prestação direta de atividades econômica, que

inclusive pode ocorrer, mas apenas de modo excepcional. Daí a expressão Estado regulador,

cuja intervenção sob o domínio econômico se perfaz de forma indireta, e que difere em natureza

daquele Estado produtor de bens e serviços.

Ao Estado regulador, portanto, interessa uma atuação que se liga a dois aspectos: a

redução da intervenção direta do Estado na seara econômica e o incremento de suas

competências regulatórias com o fito de garantir as finalidades e princípios eleitos na CRFB,

dentre os quais aqueles da ordem econômica.174

Há que se destacar, entretanto, que Estado regulador “não significa referência apenas ao

aspecto de sua intervenção indireta no domínio econômico (regulação econômica), mas também

na ordem social, permitindo-se falar também em regulação social”, uma vez que a regulação

não se dirige apenas ao equilíbrio da concorrência ou a regulação do mercado, mas se estende

a diferentes tipos de atividade, como as de ordem social.175

Regulação econômico-social é, para Marçal Justen Filho, a “atividade estatal de

intervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e

sistemático, para implementar as políticas de governo e a realização dos direitos

fundamentais”.176

O sentido do vocábulo “regulação”, entretanto, não é unívoco na doutrina.

Paulo Roberto Ferreira Motta explica que a expressão regulation possui origem nos

estudos sobre economia realizados por profissionais de língua inglesa, com a finalidade de

permitir a distinção entre a noção de regulamentação clássica de direitos e a intervenção estatal

regulatória no campo da economia.177

174 art. 170, CR: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por

fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V -

defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o

impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das

desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de

pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”. 175 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Limites da função reguladora das agências diante do princípio da legalidade.

In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. (Coord.) Direito regulatório: temas polêmicos. 2 ed. Belo Horizonte:

Fórum, 2009. p. 25. 176 JUSTEN FILHO, 2011, p. 648. 177 MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Regulação e universalização dos serviços públicos: análise crítica da

regulação da energia elétrica e das telecomunicações. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 39.

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Ao ser traduzido para o português, ao termo regulation pode ser atribuída uma

conotação distinta daquela pretendida por quem a utilizou.

Ocorre que, regulation admite tanto a noção de regulação como de regulamentação na

sua compreensão, aspecto que é explicado por Odete Medauar

Ao se cogitar do aspecto estritamente normativo, para quem entende regulamentar ou

editar regulamento significa só explicitar a lei, os sentidos mostram-se diversos;

regulamentar teria sentido mais restrito que regular. Para quem aceita a possibilidade

de haver regulamentos destinados, não apenas a explicitar a lei, mas a disciplinar

matérias não privativas de lei, haveria identidade nos termos, sob o estrito ângulo

normativo.178

Exatamente sob o aspecto destacado, de ausência de identidade entre os termos

“regular” e “regulamentar”, Paulo Roberto Ferreira Motta alerta para o que entende ser a

principal e mais grave confusão, a legitimação do “exercício da função dita regulatória por

pessoas não autorizadas ao exercício de funções normativas de estatuição primária de direito”.

Isto é, a confusão terminológica da palavra “regulação” acabaria por permitir ao agente público

vinculado a uma agência reguladora o poder conferido pela CRFB ao Legislativo.179

Edmir Netto de Araújo atribui ao termo regulação um sentido que alberga a

regulamentação. Entende, pois, que o termo “regular” é genérico, de sujeição a “regras em

geral” e, se aproxima do sentido de normatizar. Para o autor, o termo “regulamentar” tem

sentido de sujeição a regulamentos, cuja edição é de competência privativa do Chefe do

Executivo, por intermédio do Decreto.180

Nesta perspectiva, de compreensão dos limites atribuídos à noção de regulação, há que

se distinguir as funções estatais como agente “normativo” e “regulador” da atividade econômica

impostas por determinação constitucional do art. 174181. Enquanto aquela — agente normativo

— se dedica à produção de normas de caráter geral e abstrato, próprios da função normativa,

esta — como agente regulador — se caracteriza por delimitar os aspectos da atividade

econômica nos limites concretos inerentes à função regulatória.

178 MEDAUAR, Odete. Regulação e auto regulação. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 228,

abr./jun. 2002. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/46658/44479>.

Acesso em: 17 nov. 2016. p. 124-125. 179 MOTTA, 2009, p. 42. 180 ARAÚJO, Edmir Netto de. A aparente autonomia das agências reguladoras. In: MORAES, Alexandre de.

(Org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 41. 181 art. 174, CR. “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei,

as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo

para o setor privado”.

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3.3.1 Poder Regulamentar da Administração Pública (Regulamentação)

Não há como se tratar do poder regulamentar, do poder de editar normas, atribuído à

Administração Pública sem antes investigar em que se fundamenta referido poder.

Desde logo, chama-se a atenção para a existência de normas que ocupam distintas

posições hierárquicas. Destas, a lei destaca-se das demais por dever obediência apenas às

normas constitucionais, das quais retira sua força e validade, sendo, portanto, um ato normativo

originário e primário, capaz de inovar o ordenamento jurídico, impondo obrigações.182

A garantia constitucional de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer

alguma coisa senão em virtude de lei”, disposta no art. 5º, II, da CRFB, é sede principal do

princípio da legalidade, comportando dois subprincípios: a preferência da lei e a reserva

legal.183

O princípio da preferência (supremacia, prevalência ou primazia) da lei enuncia que o

Estado se submete ao Direito e, portanto, somente ao Legislativo cabe a incumbência de, como

representante da vontade geral, editar as leis. Ainda, em razão dessa especial característica, as

medidas adotadas pelo Poder Executivo devem estar em conformidade com a lei. Nesta

acepção, Fabrício Motta reconhece as seguintes dimensões do princípio

a) a lei é o ato estatal juridicamente mais forte e hierarquicamente melhor posicionado,

prevalecendo, em princípio sobre todos os outros atos do Estado, à exceção das

normas constitucionais; b) os atos do Executivo, em regra, encontram-se sujeitos à lei,

prévia e posteriormente; c) não existem, em princípio, limites materiais à lei —

qualquer matéria pode ser objeto de sua regulação.184

Reconhece-se a sujeição do Executivo à supremacia da lei na edição de regulamentos

fundados no art. 84, inciso IV da CRFB, pelo qual, compete privativamente ao Presidente da

República a expedição de decretos e de regulamentos para a fiel execução das leis, — típicos

atos normativos derivados.

O texto constitucional exige lei e não decreto, regulamento, portaria ou similares para

que seja imposta qualquer restrição de liberdade aos indivíduos. Somente por meio de lei é

possível a imposição de obrigações aos administrados.185

Neste mesmo sentido, Daniel Ferreira sustenta o reconhecimento do constituinte

originário de que “somente lei formal — ou seja, aquela decorrente de um processo legislativo

182 MOTTA, Fabrício. Função normativa da administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 116-118. 183 Ibid., p. 118-119. 184 Ibid., p. 120. 185 BANDEIRA DE MELLO, 2011. p. 345.

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próprio — pode estipular, a priori, quais serão as condutas reconhecidas como proibidas ou

obrigatórias e, por exclusão silenciosa, as facultadas”.186

Assim, o que não está proibido ou obrigado aos particulares, está permitido.

O outro subprincípio relativo à legalidade é o princípio da reserva legal que, segundo

Fabrício Motta, sinteticamente determina ser a lei a única via normativa competente para

regular dado assunto.187

José Afonso da Silva, preocupado com eventuais confusões entre o princípio da

legalidade e o princípio da reserva legal, assevera que “o primeiro significa a submissão e o

respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador” e, “o segundo consiste

em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por

lei formal”.188

O autor resolve a dificuldade de distinção com base no Direito Constitucional positivo,

de acordo com o poder que a Constituição outorga ao Poder Legislativo. Desta forma, “quando

essa outorga consiste no poder amplo e geral sobre qualquer espécie de relações (...), tem-se o

princípio da legalidade”. Todavia, “quando a Constituição reserva conteúdo específico, caso a

caso, à lei, encontramo-nos diante do princípio da reserva legal”. E, sustenta, ainda, que

enquanto o princípio da legalidade se relaciona com a questão da hierarquia das leis, o princípio

da reserva legal diz respeito à questão da competência.189

Para melhor compreensão do alcance ou extensão da reserva legal, a mesma é

frequentemente classificada como sendo absoluta ou relativa.

A reserva legal será considerada como absoluta quando não se admitir qualquer outro

ato normativo distinto da lei para a regulação de elementos essenciais como, por exemplo, em

matéria penal ou tributária. De outra banda, a reserva legal será relativa quando admitir que a

regulação seja oriunda, em parte, de fonte diversa da lei, desde que ela (a lei) indique as

condições de validade da regulação.190

Da mesma forma com que os administrados se submetem ao império da lei, também se

submete a Administração Pública consoante ao art. 37 da CRFB, que dispõe: “A administração

pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência”.

186 FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 91. 187 MOTTA, 2007, p. 122. 188 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 422. 189 Ibid., p. 422. 190 MOTTA, op. cit., p. 123-125.

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Destarte, o princípio da legalidade opera de modo distinto para a Administração Pública

se comparado ao modo como opera para os administrados. Como já se viu, para estes —

administrados — é lícito fazer tudo que lei não proíbe ou obrigue, mas, para a Administração

Pública só é lícito fazer o que a lei determina.

No que concerne à submissão da Administração Pública às leis, Fabrício Motta sustenta

que a compreensão das dimensões do princípio da legalidade não esgota a questão, sendo

necessário atribuir ao princípio da legalidade um significado que simultaneamente

a) considere a normatividade dos demais princípios constitucionais, notadamente os

aplicáveis à Administração; b) importe em uma vinculação mais estrita que a imposta

aos particulares, por força do art. 5º, II da Constituição; c) leve em consideração a

força normativa da Constituição, notadamente dos direitos fundamentais, e a estrutura

escalonada do ordenamento jurídico; d) não importe em vinculação estrita a ponto de

ser, na prática, irrealizável.191

Neste sentido, o autor identifica os princípios da juridicidade, da legitimidade ou da

constitucionalidade da Administração, que são utilizados pela doutrina em substituição ao

princípio da legalidade, significando que a Administração Pública não se encontra submetida

exclusivamente à lei formal, mas a todo o Direito, notadamente a CRFB.192

No que diz respeito à competência normativa da Administração, cabe ressaltar o alerta

feito por Fabrício Motta acerca da designação de “regulamento” que, em sendo aplicada a todas

as normas editadas pelo Poder Executivo (seus órgãos e entidades) com hierarquia inferior à

lei, possibilita um conceito hipertrofiado de regulamento.193

Faz-se necessário compreender o que se entende por regulamento numa acepção restrita

e, Celso Antônio Bandeira de Mello explica que o regulamento (administrativo) é “ato geral e

(de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a

estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à

execução de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública”.194

Para Fabrício Motta, regulamento em sentido estrito é “o ato administrativo normativo,

editado pelo Chefe do Poder Executivo, segundo uma relação de compatibilidade e hierarquia

com a lei, a fim de assegurar seu fiel cumprimento e execução”.195

191 MOTTA, 2007, p. 128. 192 Ibid., p. 128-129. 193 Ibid., p. 152. 194 BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 343. 195 MOTTA, op. cit., p. 155-156.

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Do que tratado até o momento acerca do princípio da legalidade, bem como da

competência do Chefe do Executivo para a edição regulamentos, Celso Antônio Bandeira de

Mello resume que

Em suma: é livre de qualquer dúvida ou entredúvida que entre nós, por força dos arts.

5°, II, 84, IV e 37 da Constituição, só por leis se regula liberdade e propriedade; só

por lei se impõem obrigações de fazer ou não fazer. Vale dizer: restrição alguma à

liberdade ou propriedade pode ser imposta se não estiver previamente delineada.

configurada e estabelecida em alguma lei, e só para cumprir dispositivos legais é que

o Executivo pode expedir decretos e regulamentos.196

Desta forma, os regulamentos devem determinar os parâmetros pelos quais a

administração deve se portar em função e para consecução da prescrição legal. A esta

constatação, Celso Antônio Bandeira de Mello enfatiza que “onde não houver espaço para uma

atuação administrativa, não haverá cabida para o regulamento”, bem como “onde não houver

liberdade administrativa alguma ser exercida (discricionariedade) [...], não haverá lugar para

regulamento que não seja a mera repetição da lei [...]”.197

Note-se, pois que, pelo regulamento não é possível inovar a ordem jurídica, impondo

obrigações, deveres ou direitos não legalmente previstos.

Em estreita correlação ao art. 84, IV, da CRFB, a doutrina brasileira, de forma

majoritária, aceita somente a presença de regulamentos de execução no Direito brasileiro.198

Tendo em conta as características de generalidade e abstração da lei, não é possível ao

legislador atender a todas as situações cabíveis de regulamentação, assim, quando a lei

necessitar de alguma complementação para sua execução, esta se dará pelo regulamento

administrativo, nos termos do art. 84, IV da CRFB.

A finalidade do regulamento executivo ou de execução, portanto, é a de explicitar a lei

que o exigiu bem como determinar os meios pelos quais comando legal deverá ser executado.

A este respeito, Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta que

196 BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 349. 197 Ibid., p. 352. 198 Consigne-se, por oportuno, a existência de regulamentos autônomos ou independentes, que não apresentam

correspondência direta a alguma lei e, portanto, surgindo nos espaços livres da lei, não carecem de norma prévia

para sua autorização já que seu objeto diz respeito a situações não regradas por instrumento legislativo.

(CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001. p. 47) Uma

vez que os regulamentos autônomos não completam ou desenvolvem lei prévia, por conseguinte, acabam por

inovar a ordem jurídica, estabelecendo normas sobre matérias não disciplinadas em lei. (DI PEITRO, Maria Sylvia

Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 91.) Destaque-se que pela EC nº 32/2001, que alterou

o inciso VI do art. 84, da CR, foi introduzida a única possibilidade de regulamento autônomo no nosso

ordenamento jurídico. Por meio desta, o Presidente da República pode editar decretos, sem correspondência a

nenhuma lei anterior, para criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas. Mas, frise-

se é caso de regulamento de organização da Administração.

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Ditas normas são requeridas para que se disponha sobre o modo de agir dos órgãos

administrativos, tanto no que concerne aos aspectos procedimentais de seu

comportamento quanto no que respeita aos critérios que devem obedecer em questões

de fundo, como condição para cumprir os objetivos da lei.199

O Poder regulamentar será exercido, portanto, dentro do espaço de liberdade que a

própria lei conferir. Vale dizer, a discricionariedade administrativa é a esfera de liberdade

delegada ao administrador público no texto legal, pois se a lei dispuser a única forma de atuação

para atender determinado caso, não haverá espaço algum para a edição de regulamentos

administrativos.200

A razão que reclama a edição de regulamentos é a garantia de um tratamento isonômico

aos administrados, pois, sem esses padrões, a aplicação da lei pelos agentes administrativos

poderia resultar em tratamento desuniforme, em desconformidade com o princípio da

igualdade.201

Neste compasso, Daniel Ferreira assevera que “ao regulamento compete, portanto,

inovar a ordem jurídica, porém jamais em caráter inicial; se o fizer estará eivado de mácula

insanável, pela negação de seu caráter a ela subordinado”.202

Como visto, a hipótese de competência exclusiva do chefe do Executivo para a

expedição de regulamentos é derivada do art. 84, IV da CRFB. Entretanto, a Constituição prevê

ainda, em seu art. 87, parágrafo único, inciso II, que compete ao Ministros de Estado “expedir

instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos”.

Consoante a esta disposição constitucional, pode-se inferir que a expedição de

regulamentos não se restringe ao Presidente e seus Ministros, pois, tal como as leis, os

regulamentos expedidos pelas autoridades constitucionalmente autorizadas podem requerer

maiores complementações, tarefa a ser executada por outros atos normativos, incluídos aí,

aqueles emanados por entidades e órgãos administrativos.

Reconhecendo a existência de atos normativos diversos (instruções normativas,

resoluções, portarias etc.) que são editadas por outras autoridades administrativas, com o fito

de explicitação de leis, José dos Santos Carvalho Filho sustenta que as mesmas são meios de

formalização do poder regulamentar. Todavia, considera que, frente a um sistema de hierarquia

normativa, existem graus diversos de regulamentação. Para ele,

Os decretos e regulamentos podem ser considerados como atos de regulamentação de

primeiro grau; outros atos que a eles se subordinem e que, por sua vez, os

199 BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 351. 200 Ibid., p. 352. 201 Ibid., loc. cit. 202 FERREIRA, 2001. p. 99.

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regulamentem, evidentemente, com maior detalhamento, podem ser qualificados

como atos de regulamentação de segundo grau, e assim por diante.203

Acerca ainda do Poder regulamentar, e sua consoante competência, é necessário traçar

algumas considerações quanto a delegação legislativa.

A delegação legislativa vem regrada pela CRFB em seus arts. 62 e 68, permitindo ao

Chefe do Poder Executivo inovar a ordem jurídica, desde que atendidos os requisitos

constitucionalmente impostos.204

Ressalve-se que a delegação legislativa é uma medida de excepcionalidade em face dos

princípios da separação dos poderes, consagrado no art. 2º da CRFB, bem como os da

representação política e da soberania popular, insculpidos no parágrafo único do art. 1º do

mesmo diploma.

Fundado no sistema de freios e contrapesos, a cada um dos Poderes foi conferido certo

grau de interferência recíproca com a finalidade de que seja alcançado um equilíbrio necessário

para coibir as arbitrariedades, bem como atingir os objetivos da coletividade.

Decorrendo da necessidade de edição de leis que não podem esperar o processo

legislativo típico, a Constituição autoriza o Poder Executivo a legislar, mas em apenas duas

situações: para edição de medidas provisórias (art. 62) e produção de leis delegadas (art. 68),

sendo esta segunda hipótese merecedora de maior atenção, no que tange ao propósito do

presente trabalho.

José Loureiro Junior define a delegação legislativa como sendo “a outorga temporária,

parcial e condicionada do exercício da competência legiferante feita pelo Poder Legislativo a

outro Poder”.205

Sem se confundir com o poder regulamentar, a delegação concedida ao Poder

Executivo, para exercer função legiferante, somente se dá por um caráter específico e precário.

Específico no que diz respeito aos limites do objeto (conteúdo certo e predeterminado), e

precário já que a delegação pode ser revogada a qualquer tempo pelo ente delegante.206

203 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.

56. 204 Art. 62, CRFB. “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas

provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”. Art. 68, CRFB. “As leis

delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional”. 205 LOUREIRO JUNIOR, 1968 apud CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São

Paulo: Dialética, 2001. p. 111. 206 CUÉLLAR, 2001, p. 112.

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Repise-se, por força do princípio da legalidade, somente por meio de lei é possível a

aquisição ou restrição de direitos, devendo o regulamento explicitar a lei naquilo que lhe couber

e nos limites que ela (a lei) o exigiu e assim determinou.

Frente ao princípio da separação de poderes, não pode o legislador dispor que,

determinado direito ou obrigação seja disciplinado por regulamento. Se isso ocorrer

Considera-se que há delegação disfarçada e inconstitucional, efetuada fora do

procedimento regular, toda vez que a lei remete ao Executivo a criação das regras que

configuram o direito ou que geram a obrigação, o dever ou a restrição à liberdade. Isto

sucede quando fica deferido ao regulamento definir por si mesmo as condições ou

requisitos necessários ao nascimento de direito material ou ao nascimento da

obrigação, dever ou restrição. (grifos do autor)207

A liberdade, ou seja, o grau de discricionariedade atribuído à Administração Pública

encontra seus limites na lei que deve regulamentar.

Como já aventado, há a possibilidade de edição de normas, distintas dos regulamentos,

por demais órgãos e entidades da Administração Pública, no exercício de sua função normativa,

dentre os quais, as agências reguladoras, e que será objeto de análise oportuna.

3.3.2 Função (Administrativa) Regulatória

Retomando-se a noção adrede apresentada, de acordo com o disposto no art. 174 da

CRFB, faz-se necessária a análise da “função estatal regulatória” da atividade econômica, que

se caracteriza por delimitar os aspectos da atividade econômica nos limites concretos inerentes

à função (administrativa) regulatória.

Existe função, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello,

quando alguém está investido no dever de satisfazer dadas finalidades em prol do

interesse de outrem, necessitando para tanto, manejar os poderes requeridos para

supri-las. Logo, tais poderes são instrumentais ao alcance das sobreditas finalidades.

Sem eles o sujeito investido da função não teria como desincumbir-se do dever posto

a seu cargo. Donde, quem os titulariza maneja, na verdade, “deveres-poderes”, no

interesse alheio.208 (grifos do autor)

Neste sentido, ao se tratar de “função”, há que se ter em mente que o seu exercício não

é mera faculdade e, portanto, não admite qualquer espaço para escolhas independentes.

207 BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 358. 208 Ibid., p. 72.

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Quando, ademais, este dever-poder – função - é adjetivado por administrativo, como

“função administrativa”, impõe à Administração Pública duas exigências: a) o dever de atuar

em conformidade com o sistema normativo e, b) pressupõe a satisfação do interesse coletivo.209

Continuando esta análise estratificada da “função administrativa regulatória”, exsurge o

imperativo de se delimitar a “regulação”, que se dirige ao campo econômico.

Como já assentado, o Estado como órgão regulador consiste na substituição da atividade

prestacional do Poder Público para a atividade de controlador da execução dos serviços

outorgados a pessoas jurídicas públicas ou privadas.

Marcos Juruena Vilela Souto chama a atenção para três concepções de regulação:

(a) em sentido amplo, é toda a forma de intervenção do Estado na economia,

independentemente dos seus instrumentos e fins; (b) num sentido menos abrangente,

é a intervenção estadual na economia por outras formas que não a participação directa

na actividade económica, equivalendo, portanto, ao condicionamento, coordenação e

disciplina da actividade económica privada; (c) num sentido restrito, é somente o

condicionamento normativo da actividade económica privada (por via de lei ou outro

instrumento normativo).210

Logo, a regulação estatal sobre a economia há de ser considerada em graus diversos, de

uma regulação ampla e abrangente até uma regulação puramente normativa.

De todo modo, o estabelecimento de regras de conduta, o controle da atividade privada

pelo Estado — equivalente à ideia de polícia administrativa — e a finalidade pública — de

funcionamento equilibrado do mercado — são noções básicas que Maria Sylvia Zanella Di

Pietro lançou mão para formular sua definição de regulação econômica concebida “como o

conjunto de regras de conduta e de controle da atividade privada pelo Estado, com a finalidade

de estabelecer o funcionamento equilibrado do mercado”.211

A autora chama a atenção para o fato de que, de acordo com o conceito proposto, a

regulação restringe-se ao aspecto econômico, mas, no âmbito jurídico, a regulação abrange

outras áreas, destacando os serviços públicos exclusivos (serviços comerciais ou industriais

como os do art. 21 da CRFB) e os serviços públicos não-exclusivos do Estado, que prestados

na área social (saúde, educação, assistência social, previdência, cultura) são objeto de regulação

direta pelo Estado ou por meio de órgãos o entidades públicas criadas para este fim, como

Conselhos de Educação, de Trânsito, ou, ainda, pelas agências reguladoras.

209 BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 98. 210 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Agências reguladoras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro,

v. 216, p. 125-162, abr. 1999. ISSN 2238-5177. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47359/45378>. Acesso em: 16 out. 2017. p. 128. 211 DI PIETRO, 2009, p. 21.

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Analisando o conceito de regulação de Santiago Muñoz Machado, que defende a ideia

da regulação como um conjunto de técnicas de intervenção pública mediada por uma agência

pública sobre uma atividade de relevância social, Paulo Roberto Ferreira Motta ressalva a

diferença apresentada pelo autor entre regulação e poder de polícia. Enquanto o poder de polícia

é atividade da Administração sobre os agentes do mercado, a regulação é atividade legislativa

que atua sobre o mercado.212

Entretanto, se faz necessária uma análise da diferença entre poder de polícia e polícia

administrativa e, para tanto, recorre-se aos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello

para quem, poder de polícia é, em sentido amplo, a atividade estatal — no âmbito do Legislativo

e do Executivo — que delineia a liberdade e a propriedade dos cidadãos. Polícia administrativa,

que é forma restrita do poder de polícia, por seu turno, se refere

unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer

concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder

Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar o desenvolvimento

de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais.213

Considerando a intensidade com que o Estado interfere na liberdade e propriedade dos

agentes de mercado e tratando da regulação como instituto jurídico, Paulo Roberto Ferreira

Motta sustenta que

[...] a regulação nada mais é do que o processo administrativo encetado pela

Administração Pública, mediante a observância do regime jurídico de Direito Público,

de limitação (mínima, média ou máxima, conforme a opção ideológica do legislador)

à liberdade e à propriedade, visando dar funcionalidade e racionalidade ao mercado.

Quando direcionada à atividade privada, estabelece um regime de sujeição geral

e impõe deveres aos agentes do mercado. Ao revés, quando endereçada aos

serviços públicos, constitui um regime de especial sujeição e impõe obrigações

aos prestadores e cidadãos-usuários.214 (grifos nossos)

Acerca dos regimes de sujeição geral e de sujeição especial, que também são aplicados

por conta da regulação, Daniel Ferreira esclarece que, enquanto no primeiro – regime de

sujeição geral – se encontram todas aqueles que não possuem vínculo específico com a

Administração Pública, no segundo – regime de sujeição especial – existe um particular e

voluntário liame que coloca a pessoa, jurídica ou não, em posição peculiar em face do Estado.215

212 MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. A Regulação como Instituto Jurídico. Revista de Direito Público da

Economia - RDPE, Belo Horizonte, a. 1, n. 4, out./dez. 2003. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=12753>. Acesso em: 10 set. 2017. p. 3. 213 BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 829. 214 MOTTA, op. cit., p. 18. 215 FERREIRA, 2001, p. 35.

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O autor, analisando os estados de sujeição segundo Adolfo Carretero Perez e Adolfo

Carretero Sanchez, destaca que, no regime de sujeição especial, as obrigações decorrem “das

relações internas ou de organização da própria Administração, da relação entre a

Administração-servidor (regime disciplinar) e das determinações emanadas das autarquias

responsáveis pela fiscalização do exercício profissional”.216

Não se pode deixar de esclarecer, portanto, que, nas relações comuns da Administração

Pública com os particulares, ou seja, no regime de sujeição geral, por força de obediência à

deveres gerais, impera o típico exercício do poder de polícia. Contudo, existindo vontade livre

e consciente do particular em manter uma relação específica com a Administração, lhe é

imposta a observância de deveres especiais — de obrigações — decorrentes do poder

disciplinário.217

Reforce-se, deste modo, que, na regulação dos serviços públicos, se estabelece uma

relação de sujeição especial para os agentes privados. Todavia, atribui-se uma relação de

sujeição geral a todos os agentes particulares que atuem em setores econômicos regulados

como, por exemplo, o setor de prestação de assistência à saúde.

De todo modo, resta claro que a regulação não se restringe ao plano puramente

econômico, devendo ser considerada sob três aspectos: (a) a regulação de monopólios, em

relação aos quais as forças de mercado devem ser minoradas por meio do controle sobre os

preços e a qualidade do serviço, (b) a regulação para a competição, para viabilizar a existência

e a continuidade do mercado e, (c) a regulação social, que deve assegurar a prestação de serviços

públicos de caráter universal, bem como a proteção do meio ambiente.218

André Saddy ensina que

O atual Estado regulador deixa de executar e passa a planejar, organizar, supervisionar

e fiscalizar atividades indicativas, iniciativas e imperativas relacionadas à prestação

de serviços públicos, bem como no que concerne às atividades econômicas e

atividades sociais. Nesse modelo, a execução de diversas atividades passou à

iniciativa privada, por meio da desestatização. [...] esse modelo fez com que a

Administração Pública passasse a ter mais uma função administrativa, qual seja, a

regulatória.219

216 FERREIRA, 2001, 37. 217 Ibid., p. 36-39. 218 SOUTO, 1999, p. 129. 219 SADDY, André. Atividade não prestacional do Estado na economia e as distintas funções regulatórias

(normativa, política, jurisdicional e administrativa). Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, NDJ, n. 11,

nov. 2012. Disponível em:

<https://www.researchgate.net/publication/209734029_Funcao_administrativa_regulatoria_novos_aspectos_rela

cionados_a_atividade_nao-prestacional_do_Estado_na_economia>. Acesso em: 16 out. 2017. p. 1263-1265.

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Marçal Justen Filho assenta que a função administrativa regulatória é composta por

poderes disciplinadores voltados para os setores empresariais, usa de medidas jurídicas de

permissão e proibição além de outras de incentivo e desincentivo. Desta maneira, o Estado

objetiva disciplinar as atividades de interesse coletivo exercidas pela iniciativa privada.220

A função regulatória é puramente instrumental, e deve se dirigir para todas as atividades

econômicas, inclusive as relativas aos serviços públicos, não importando serem prestados direta

ou indiretamente pelo Estado. Isto é, cabe à Administração Pública utilizar todos os

mecanismos necessários para concretizar os direitos e princípios estabelecidos na CRFB como

a soberania, a propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa

do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a

busca do pleno emprego, o valor social do trabalho, a livre iniciativa, a cidadania e a dignidade

da pessoa humana, dentre outros.221

Sinteticamente, Floriano de Azevedo Marques Neto sustenta que o Estado pretende

intervir em setores econômicos

i) sem afastar a participação dos agentes privados; ii) separando as tarefas de

regulação das de exploração de atividade econômica, mesmo quando remanescer

atuando no setor por ente controlado seu; iii) orientando sua intervenção

predominantemente para a defesa dos interesses dos cidadãos enquanto participantes

das relações econômicas travadas no setor regulado; iv) procurando manter o

equilíbrio interno ao setor regulado de modo a permitir a preservação e incremento

das relações de competição (concorrência), sem descurar da tarefa de imprimir ao

setor pautas distributivas ou desenvolvimentistas típicas de políticas públicas; e, por

fim, v) exercendo a autoridade estatal por mecanismos e procedimentos menos

impositivos e mais reflexivos (permeáveis à composição e arbitramento de interesses),

o que envolve maior transparência e participação na atividade regulatória.222

Entretanto, deve-se atentar para o fato de que a CRFB, como promulgada em 1988, não

fazia referência à uma função regulatória da Administração Pública nem, tampouco,

apresentava algum modo para sua execução. O cabedal normativo em que se ancora a função

administrativa regulatória foi fruto do processo de reformas econômicas223 pelas quais o Brasil

passou.

220 JUSTEN FILHO, 2011, p. 101. 221 MOTTA, 2009, p. 131. 222 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências reguladoras: instrumentos de fortalecimento do Estado.

ABAR - Associação Brasileira de Agências de Regulação, São Paulo, jul., 2016. Disponível em:

<http://abar.org.br/wp-content/uploads/2011/07/agencias-e-reguladoras.pdf>. Acesso: 10 nov. 2016. p. 19. 223 Conforme Luís Roberto Barroso, as reformas econômicas em solo brasileiro envolveram três transformações

estruturais que, apesar de não se confundirem, se complementam. São elas: (a) a extinção de determinadas

restrições ao capital estrangeiro, operada pelas Emendas Constitucionais nº 6 (que extinguiu determinadas

restrições ao capital estrangeiro) e nº 7 (que alterou as exigências quanto a navegação de cabotagem e interior);

(b) a flexibilização dos monopólios estatais, por meio da EC nº 5 (que abriu a possibilidade de os Estados-membros

concederem às empresas privadas a exploração dos serviços públicos locais de distribuição de gás canalizado), da

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As áreas de telecomunicações e de petróleo foram os primeiros setores a, por força da

EC nº 8, que alterou o art. 21, XI da CRFB, e da EC nº 9, que alterou o inciso III do § 2º do art.

177 da CRFB, ambos de 1995, demandarem a criação de entidades reguladoras.

Leis infraconstitucionais criaram as agências reguladoras nacionais daqueles setores,

assim como a demais setores da economia,224 que se estenderam também aos demais entes da

federação.

Em consonância com o propósito da presente pesquisa, interessa analisar com mais

atenção as agências reguladoras, assim como a regulação por elas desempenhadas no exercício

da função administrativa regulatória.

3.4 AS AGÊNCIAS REGULADORAS

Em decorrência do fenômeno da globalização, o vocábulo “agência” foi importado do

direito norte-americano, onde, consoante Maria Sylvia Zanella Di Pietro, possui sentido mais

abrangente, que inclui “qualquer autoridade do Governo dos Estados Unidos, esteja ou não

sujeita ao controle de outra agência, com exceção do Congresso e dos Tribunais, conforme

EC nº8 (que permitiu a concessão de serviços de telecomunicações e de radiodifusão sonora e de sons e imagens

a agentes privados) e da EC nº 9 (que alterou o monopólio estatal do petróleo) e; (c) a privatização, que operou-se

sem alteração do texto constitucional, com a edição da Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, criou o Plano Nacional

de Desestatização, posteriormente substituída pela Lei nº 9.491, de 09 de setembro de 1997. O Plano Nacional de

Desestatização produziu uma importante transformação no cenário econômico, mormente através dos incisos I e

IV do seu art. 1º, que apresentam os seguintes objetivos fundamentais: I- reordenar a posição estratégica do Estado

na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; IV -

contribuir para modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a

capacidade empresarial nos diversos setores da economia. (BARROSO, Luís Roberto. Apontamentos sobre as

agências reguladoras. In: MORAES, Alexandre de (org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 111-

112.) 224 Surgiram desta forma, até o início de 2002, as seguintes agências de âmbito federal: a Agência Nacional de

Telecomunicações - ANATEL, prevista na Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997; a Agência Nacional de Energia

Elétrica - ANEEL, instituída pela Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1997; a Agência Nacional do Petróleo -

ANP, que foi instituída pela Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997; a Agência Nacional de Vigilância Sanitária -

ANVISA (Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1990); a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS (Lei nº 9.961,

de 28 de janeiro de 2000), a Agência Nacional de Águas - ANA (Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000), as Agência

Nacional de Transportes Terrestres - ANTT e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ, ambas

criadas pela Lei n° 10.233, de 5 de junho de 2001. (BARROSO, Luís Roberto. Apontamentos sobre as agências

reguladoras. In: MORAES, Alexandre de (org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 118.) E, Em

período mais recente, ainda foram criadas a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC (Lei nº 11.182, de 27 de

setembro de 2005) e a Agência Nacional de Cinema – ANCINE (Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011),

totalizando as dez agências existentes até o presente.

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consta expressamente da Lei de Procedimento Administrativo225 (Administrative Procedure

Act)”.226

Desta forma, excluídos os três Poderes do Estado, todas as demais autoridades públicas

são agências. Nos Estados Unidos, falar em Administração Pública significa falar das agências,

excluído do conceito o Poder Executivo.227

Citando Bernard Scwartz, Leila Cuéllar ressalva que ao direito administrativo norte-

americano não importa qualquer agência que possua poderes executivos, mas apenas aquelas

com poderes sobre direitos e obrigações de particulares. Ademais, aponta que

a doutrina concebe o direito administrativo como o conjunto de normas e princípios

que definem os poderes e a estrutura das agências administrativas, especificam as

formalidades procedimentais a serem adotadas por elas, determinam a validade das

decisões por elas proferidas e fixam o papel a ser desempenhado pelos Poderes

Executivo, Legislativo e judiciário no controle das agências.228

Assim, as agências reguladoras norte-americanas possuem funções quase-legislativas e

quase-judiciais, além da função executiva, uma vez que se encontram autorizadas a elaborar

regras jurídicas e aplicá-las, bem como possuem poderes para fiscalizar, punir e decidir

litígios.229

A função quase-legislativa dessas agências sempre foi causa de discussões nas Cortes

norte-americanas, haja vista a possibilidade de violação ao princípio da separação de poderes,

que é bastante rígido naquele país.230

A controvérsia parece ser bastante nítida uma vez que as agências são criadas pelo Poder

Legislativo que lhes outorga o poder normativo. Entretanto, deve-se observar que não se trata

de uma outorga apenas de competência regulamentar, de explicitar as leis, consoante ao nosso

ordenamento jurídico.

Os tribunais norte-americanos, desde 1936, consideram a possibilidade de delegação

por parte do Congresso norte-americano, desde que sejam fixados “standards” com significado

determinável para direcionar os administradores. Desta forma, é admitida a delegação de

225 Chama-se a atenção para o fato de que a elaboração de normas pelas agências norte-americanas se sujeita a um

procedimento específico que é imposto pela Lei de Procedimento Administrativo (Administrative Procedure Act),

no qual a participação do cidadão é obrigatória, e que não ocorre no caso das agências reguladoras brasileiras,

faltando-lhes o caráter democrático no processo. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Limites da função reguladora

das agências diante do princípio da legalidade. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. (Coord.) Direito

regulatório: temas polêmicos. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 46). 226 DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 463. 227 Ibid., loc. cit. 228 CUÉLLAR, 2001, p. 67. 229 Ibid., p. 71. 230 DI PIETRO, op. cit., p. 464.

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poderes legislativos, desde que em limites pré-estabelecidos (standards), de forma clara e

concreta, para que as agências reguladoras atuem com mínima discricionariedade, de acordo

com a vontade do legislador.231

Destaque-se, por oportuno, que as normas editadas pelas agências reguladoras não são

isentas de controle, pois se submetem ao veto legislativo realizado diretamente pelo Congresso,

que é cláusula que condiciona a revisão e aprovação para a entrada em vigor de regulamento,

assim como ao crivo do Congressional Review Act (CRA), ato que estabelece um mecanismo

que pode rever e desaprovar todas as regras emanadas pelas agências federais. O CRA exige

ainda que “as agências submetam aos dois órgãos representativos do Congresso norte-

americano e ao Comptroller General a proposta das regras, acompanhado de sua descrição e

seus motivos e a data da proposta para o início de sua vigência”.232

3.4.1 Objetivos das Agências Reguladoras

Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta a existência de dois modelos de agências

reguladores no direito brasileiro: a) as que exercem típico poder de polícia e que, de acordo aos

poderes inerentes a este poder, normatizam a atividade, fiscalizam o cumprimento das normas

e aplicam sanções; e b) as que regulam e controlam as atividades que constituem objeto de

concessão, permissão ou autorização do serviço público ou de concessão ou exploração de bem

público.233

Assim, as agências reguladoras, por óbvio, possuem por finalidade exercer a regulação

estatal sobre determinados setores da economia e não apenas sobre serviços públicos.

Leila Cuéllar demonstra esta situação ao referir que a Agência Nacional do Petróleo, a

Agência Nacional de Vigilância Sanitária e Agência Nacional de Saúde Suplementar não

regulam, controlam ou fiscalizam um serviço público, mas uma atividade economicamente

relevante.234

Para a autora, a regulação que é voltada para a prestação de serviços públicos visa a

“promoção da eficiência na prestação de serviço público, justa e razoável fixação de tarifas,

mas também a defesa do mercado e das liberdades econômicas das pessoas vinculadas à

231 CUÉLLAR, 2001, p. 73. 232 Ibid., p. 69-70. 233 DI PIETRO, 2010, p. 468. 234 CUÉLLAR, op. cit., p. 78.

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prestação de atividades que até algum tempo eram serviços públicos”,235 ao passo que aquela

destinada às atividades econômicas em sentido estrito se destinam a

regular, normatizar, controlar e fiscalizar as atividades desenvolvidas por particulares,

tendo em vista o interesse público (desenvolvimento de ações de proteção à saúde, no

caso da Agência Nacional de saúde Suplementar e da Agência Nacional de Vigilância

Sanitária) e a defesa dos interesses dos consumidores, almejando a manutenção da

qualidade dos serviços e produtos ofertados, os preços justos, o respeito aos menos

privilegiados e às minorias.236

É dizer, a agência reguladora intervém no mercado, visando a máxima eficiência do

setor por ela regulado, de modo a acomodar os interesses da coletividade, dos utentes-

consumidores de bens e serviços de relevância social, sem descurar dos interesses dos

particulares que assumem o lugar do Estado.

Para este desiderato, as agências reguladoras desempenham funções concernentes à

natureza do objeto por cada qual regulada, mas cujos instrumentos são

i) poder normativo, consistente em editar comandos gerais para o setor regulado

(complementando os comandos legais crescentemente abertos e indefinidos); ii)

poder de outorga, consistente na prerrogativa de emissão, em consonância com as

políticas públicas aplicáveis ao setor, de atos concretos de licenças, autorizações,

injunções, com vistas a franquear ou interditar o exercício de uma atividade regulada

a um particular; iii) poder de fiscalização do setor, a qual se revela tanto pelo

monitoramento das atividades reguladas (de modo a manter-se permanentemente

informada sobre as condições econômicas, técnicas e de mercado do setor), quanto na

aferição das condutas dos regulados de modo a impedir o descumprimentos de regras

ou objetivos regulatórios; iv) poder sancionatório, consistente tanto na aplicação de

advertências, multas ou mesmo cassações de licenças, como também na prerrogativa

de obrigar o particular a reparar um consumidor ou corrigir os efeitos de uma conduta

lesiva a algum valor ou interesse tutelado pelo regulador; v) poderes de conciliação,

que se traduzem na capacidade de, dentro do setor, conciliar ou mediar interesses de

operadores regulados, consumidores isolados ou em grupos de interesses

homogêneos, ou ainda interesses de agentes econômicos que se relacionam com o

setor regulado (malgrado não explorarem diretamente a atividade sujeita à regulação

setorial) no âmbito da cadeia econômica; e por fim vi) poderes de recomendação,

consistente na prerrogativa, muitas vezes prevista na lei que cria a Agência, do

regulador subsidiar, orientar ou informar o poder político, recomendando medidas ou

decisões a serem editadas no âmbito das políticas públicas. (Grifos do autor)237

Observa-se que, desenvolvendo atividades típicas de autoridade estatal, estas entidades

necessitam de certa autonomia o que lhes é conferida pela sua natureza jurídica.

235 CUÉLLAR, 2001, p. 79. 236 Ibid., p. 79-80. 237 MARQUES NETO, 2016, p. 25-26.

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3.4.2 Natureza Jurídica das Agências Reguladoras

O decreto-Lei nº 200 de 1967, dispõe em seu art. 5º, I, que autarquia é “o serviço

autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para

executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor

funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”.238

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o enunciado normativo deixou de lado a

característica que permite identificar o sujeito de direito como autarquia, a personalidade de

Direito público. Para ele, é esta característica da personalidade — de Direito público — que

admite a possibilidade de a autarquia ser titular de atividade típica da Administração Pública.239

A Administração Pública pode descentralizar240 determinada atividade, ou a sua

execução, que lhe é conferida pelo ordenamento jurídico, em prol do interesse público, e

instituir por lei, uma pessoa jurídica de direito público, denominada autarquia, incumbindo-lhe

a execução e titularidade daquela atividade.

Agência executiva e agência reguladora são autarquias, mas que não se confundem entre

si. Enquanto aquela (agência executiva) é “apenas uma qualificação dada à autarquia ou

fundação que celebre contrato de gestão com órgão da administração direta a que se acha

vinculada, para a melhoria da eficiência e redução de custos”,241 esta (agência reguladora) é,

em sentido amplo, “qualquer órgão da Administração direta ou entidade da Administração

indireta com função de regular a matéria específica que lhe é afeta. Se for entidade da

administração indireta, ela está sujeita ao princípio da especialidade [...]”.242

A especialização sobre a matéria — objeto da regulação — é característica necessária e

fundamental para que a Administração Pública transfira poderes administrativos para

determinada agência reguladora. Não por outro motivo,

a especialidade se presta não apenas a garantir maior eficiência regulatória, como

também se põe como um instrumento para reduzir a assimetria informacional

(entendida como o déficit existente entre o patamar de informações que o regulado

possui sobre a atividade em relação ao arcabouço de informações acervadas pelo

238 BRASIL. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a organização da Administração

Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Diário Oficial [da]

República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 fev. 1967. 239 BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 160. 240 A descentralização setorial é fenômeno pelo qual a Administração pública reorienta o aparelho estatal e o

exercício do poder público, de modo a atuar com eficácia e economicidade fundados na autonomia e

profissionalização. (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e agências executivas. Revista de

Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 228, abr./jun. 2002. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/46657>. Acesso em: 16 set. 2016. p. 107-108.) 241 DI PIETRO, 2010, p. 465. 242 Ibid., p. 467.

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regulador). A especialidade, portanto, relaciona-se diretamente com a legitimação

técnica dos entes reguladores.243

Floriano de Azevedo Marques Neto alerta para o fato de o objeto de execução das

agências reguladoras não se limitar exclusivamente à atividade típica da Administração Pública,

pois tais órgãos irão deter também competências normativas e quase judiciais, caracterizando-

as como funções de Estado, o que lhes vem respaldado pela atribuição de um regime especial.244

No Brasil, as agências reguladoras brasileiras são qualificadas como autarquias, mas sob

um regime “especial”, o que lhes importa maior grau de autonomia, de liberdade em face da

Administração direta que as demais autarquias.245

Marcos Juruena Villela Souto trata as agências reguladoras como sendo:

“...entidades que integram a Administração Pública indireta, criadas por lei para o

exercício da autoridade inerente à função de intervir na liberdade privada por meio de

ponderações entre interesses em tensão, tendo, assim, personalidade de direito

público, caracterizando-se como autarquia, por exigir autonomia em relação ao poder

central, da espécie autarquia especial, por ser dotada de independência, que se

manifesta, principalmente, pela atribuição de mandatos fixos a uma direção

colegiada”.246

Considerando-se que a agência reguladora atua num campo de atuação exclusiva do

Estado, ou seja, executando ações que podem implicar em restrição de liberdade empresarial

em prol de interesses coletivos, é necessário compreender em que balizas se dá a autonomia

destas entidades.

A autonomia da agência reguladora se perfaz em maior ou menor grau em razão do

dispositivo legal que a criou, contudo todas apresentam independência político-administrativa

e econômico-financeira para melhor desempenharem o papel legalmente lhes atribuído sem a

interferência externa, especialmente do Poder Público.247

3.4.3 A Necessária Independência das Agências Reguladoras

Não há como as agências reguladoras cumprirem o desiderato que lhes é imposto sem

que lhes sejam concedidos espaços de liberdade em face da Administração Pública.

243 MARQUES NETO, 2016, p. 20. 244 Ibid., p. 24. 245 DI PIETRO, op. cit., p. 469. 246 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.

p. 245. 247 BARROSO, Luís Roberto. Apontamentos sobre as agências reguladoras. In: MORAES, Alexandre de. (Org.).

Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 121.

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A independência das agências reguladoras é, portanto, condição

essencial para que o regulador possa exercer suas funções de forma equidistante em

relação aos interesses dos regulados (operadores econômicos), dos beneficiários da

regulação (os usuários, consumidores, cidadãos) e ainda do próprio poder político,

ficando protegido tanto dos interesses governamentais de ocasião, quanto dos

interesses estatais diretamente relacionados ao setor regulado (como titular da

atividade objeto da regulação – no caso de serviços públicos –; como titular de bem

explorado no setor – no caso de bens públicos escassos ou de bens reversíveis –; e no

caso de titular do capital de empresa que opera no setor regulado – nas situações em

que o setor foi aberto à competição mas nele remanesceram operadores públicos).248

Para tanto, Arnoldo Wald e Luiza Rangel de Moraes asseveram que a independência de

uma agência reguladora se perfaz em quatro dimensões: a) independência decisória, pela qual

a agência resiste às pressões de grupos de interesse, assim como adota procedimentos para a

nomeação e demissão de seus dirigentes, fixando mandatos longos e não coincidentes com o

ciclo eleitoral; b) independência de objetivos, objetivos esperados da regulação desde que não

conflitem com a busca do bem-estar do consumidor; c) independência de instrumentos, que

consiste na escolha dos instrumentos de regulação de modo a atingir os seus objetivos e; d)

independência financeira, que se refere à disponibilidade de recursos humanos e materiais aptos

a executar a atividade regulatória.249

Das dimensões apresentadas, duas se revestem de grande importância pelo fato de que,

se não respeitadas, acabariam por desnaturar, e por completo, o propósito da regulação de

determinado setor.

A primeira diz respeito à independência de objetivos e que se relaciona diretamente com

os interesses dos consumidores. É que a regulação visa o equilíbrio do setor por ela regulado,

lógico, sem descuidar de uma finalidade redistributiva, mas

não pode se transformar num simples e incondicional promotor do interesse do

consumidor, desconhecendo as outras dimensões da atividade regulatória”. [...] o

atrelamento exclusivo ao interesse do usuário pode levar, em situações limite, ao

aniquilamento de parcela dos exploradores da atividade regulada, acarretando, a longo

prazo, a redução da competição (com a oligopolização ou monopolização do mercado

específico).250

Do exposto, é razoável pressupor que uma regulação que seja tendenciosa aos interesses

dos utentes/consumidores vai naturalmente desequilibrar aquele setor econômico no sentido de

248 MARQUES NETO, 2016, p. 30. 249 WALD, Arnoldo; MORAES, Luiza Rangel de. Agências Reguladoras. Revista de Informação Legislativa,

Brasília, a. 36, n. 141, jan./mar. 1999. Disponível em:

<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/457/r141-12.pdf?sequence=4>. Acesso em: 15 set. 2016. p.

146. 250 MARQUES NETO, op. cit., p. 31.

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desestimular a entrada de maior número de agentes econômicos, forçar a saída de tantos outros

e, ao fim ao cabo, criar um oligopólio ou monopólio, que afeta o poder de escolha dos cidadãos.

A outra dimensão, não menos importante, é a independência da regulação em sua

capacidade decisória. Ou seja, que não se encontre de modo algum vinculada ao poder político.

As balizas da regulação são determinadas por lei específica, com resultado do exercício político,

mas, uma vez definidas, as agências reguladoras passam a defender interesses de Estado e não

de Governo, não podendo serem reduzidas a um mero objeto de troca no jogo político. Pelos

motivos expostos, a independência decisória “deve servir para que o órgão regulador seja um

instrumento de política governamental e não um instrumento de política de um governo”.251

Ainda consoante à independência necessária à regulação, dois outros aspectos merecem

uma devida atenção: a independência orgânica e a independência administrativa, que embora

distintas se complementam.

A independência orgânica se justifica para assegurar ampla autonomia no manejo dos

instrumentos regulatórios.252

Não se pode confundir, entretanto, tal autonomia com liberalidade por parte dos

reguladores, pois sua atividade há de ser condicionada i) pelos princípios e objetivos previstos

na lei que o criou; ii) pelos princípios gerais que regem a Administração pública e em especial

a atividade regulatória253; iii) pelas políticas públicas estabelecidas direta ou indiretamente para

o setor.254

A independência orgânica se dá, em parte, pela estabilidade dos dirigentes das agências

em razão da investidura no mandato, com prazo fixo e garantia de inamovibilidade e, que,

portanto, não se vinculam à Administração direta, nem ao alvedrio político. Ou seja, o regulador

poderá desempenhar suas atividades sem quaisquer interferências do poder central.

Não por acaso, a legislação instituidora de cada agência reguladora prevê, em relação a

esta independência, que: a) a nomeação de seus diretores seja com lastro político (no caso de

agência de âmbito federal, a nomeação é feita pelo Presidente da República); b) o mandato seja

fixo de três ou quatro anos (conforme a legislação) e; c) impossibilidade de demissão, exceto

falta grave apurada mediante o devido processo legal.255

251 MARQUES NETO, 2016, p. 32. 252 Ibid., loc. cit. 253 Onde avultam com importância destacada princípios como o da subsidiariedade, proporcionalidade,

razoabilidade, transparência, eficiência e participação. (MARQUES NETO, 2016, p. 32) 254 MARQUES NETO, 2016, p. 32. 255 BARROSO, 2002, p. 122.

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Com o fito de se evitar que determinado dirigente de uma agência reguladora viesse a

prestar, direta ou indiretamente, qualquer tipo de serviço a qualquer agente econômico do setor,

as leis instituidoras das agências reguladoras preveem uma quarentena de 12 meses, a partir do

término de seu mandato. A lei ainda garante ao ex-dirigente a remuneração equivalente ao cargo

de direção que exercera.256

Ainda no tocante à independência orgânica, vale ressaltar a ausência de mecanismos

típicos de controle hierárquico. Neste sentido, os atos praticados pelas agências reguladoras não

são passiveis de anulação, revisão ou revogação pela Administração central, mas limitam-se à

supervisão ministerial.257

A independência administrativa, por seu turno, diz respeito aos mecanismos para o

exercício de uma regulação independente. É uma independência de gestão, de meios para se

garantir uma boa atuação regulatória, sem que seja necessário recorrer à Administração

central.258

A este respeito, Floriano de Azevedo Marques Neto leciona que, a independência

administrativa se dá pela: i) autonomia de gestão, que se realiza pela capacidade de organização

e gerencia de seus orçamentos; ii) autonomia financeira, que se caracteriza pela dotação

orçamentaria geral, sem liberalidade do poder central, além de arrecadação de receitas como,

por exemplo, taxas ou participações em contratos e convênios, mas que devem ser

necessariamente despendidos no exercício da atividade regulatória.259

Conclui-se, assim, que somente com a devida independência em face da Administração

direta, as agências reguladoras podem se voltar para uma regulação equidistante no desiderato

de equilibrar o setor por elas regulado.

3.4.4 O Controle das Agências Reguladoras

Apesar de sua necessária independência, as agências reguladoras não estão isentas de

controle.

Segundo Alexandre de Moraes, as agências reguladoras sujeitam-se ao controle do

Congresso Nacional, previsto no art. 49, V da CRFB que permite sustar os atos normativos do

Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa,

256 BARROSO, 2002, p. 123. 257 MARQUES NETO, 2016, p. 33. 258 Ibid., p. 34. 259 Ibid., p. 33-34.

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uma vez que serve de mecanismo de controle do Legislativo ao eventual exagero das agências

reguladoras no exercício de sua função normativa. Além disso, cabe ao Congresso Nacional a

fixação dos parâmetros básicos que norteiam a função normativa e, desta maneira, podem

fiscalizar e controlar os atos das agências reguladoras com base no art. 49, X da CRFB.260

Além dos incisos do art. 49 da CRFB já apresentados, Adilson Abreu Dallari destaca

também o inciso XI pelo qual, cabe ao Congresso Nacional zelar pela preservação de sua

competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes.261

Leila Cuéllar destaca que as agências reguladoras se sujeitam às formas de controle

previstas para as autarquias em geral. O controle político, pela indicação dos dirigentes pelo

chefe do Poder Executivo, como já adiantado e, controle financeiro, em sua modalidade externa,

vez que a execução orçamentária é submetida ao Tribunal de Contas, consoante determinação

do art. 70 da CRFB.262

Por outro lado, por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, insculpida no

art. 5º, XXXV, da CRFB, e que declara que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”, as decisões das agências reguladoras são passiveis de

controle externo judicial.

Afora os meios de controle citados, há ainda o controle social das agências reguladoras

como forma de garantir a participação popular na tomada de decisões da Administração Pública,

no que se refere, particularmente, aos serviços públicos.263

Destacam-se para esta finalidade, segundo Leila Cuéllar, as Ouvidorias, às quais

compete receber e analisar as sugestões e reclamações dos agentes regulados e dos usuários ou

consumidores, propondo medidas para atendê-las; além da previsão de audiências públicas,

como meio de coleta de informações e subsídios; a instituição do contrato de gestão relativo à

administração da agência; e a instituição do Conselho Consultivo, como órgão opinativo com

representação e participação da sociedade.264

Dinorá Adelaide Musetti Grotti ressalta, entretanto, que, a participação de usuários no

controle social das agências reguladoras é extremamente dificultosa em razão da complexidade

técnica dos assuntos postos em pautas decisórias, carecendo de mecanismos de representação

260 MORAES, Alexandre de. Agências reguladoras. Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo

Horizonte, a. 1, n. 8, jun., 2001. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=747>.

Acesso em: 20 nov. 2016. p. 9. 261 DALLARI, Adilson de Abreu. Controle político das agências reguladoras. Interesse Público – IP, Belo

Horizonte, n. 18, a. 5, mar./abr., 2003. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=51029>. Acesso em: 20 nov. 2016. p. 7. 262 CUÉLLAR, 2001, p. 102-103. 263 Ibid., p. 103 264 Ibid., p. 103-104.

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técnica dos interesses dos usuários. E, para a autora, a validade de ato normativo somente deve

ser reconhecida quando a participação dos interessados tenha sido provida de significado

prático.265

Uma questão controversa é a possibilidade de controle das agências reguladoras por

meio de supervisão ministerial. A este respeito, Sérgio Guerra esclarece que a qualificação de

independente conferida a agências reguladoras deve ser entendida em termos, ou seja, dentro

dos parâmetros fixados pelo ordenamento jurídico. Ou seja, não é admissível o recurso

hierárquico impróprio contra decisões finais das agências reguladoras quando exercem as

funções executivas, normativa ou judicantes dentro dos limites de suas competências técnicas

regulatórias. Porém, quando tais decisões versarem sobre temas exclusivamente relacionados

às políticas públicas do setor regulado, atingindo a competência do Poder Legislativo e do Poder

Executivo, admite-se o cabimento de recurso hierárquico impróprio dirigido à autoridade

ministerial.266

Uma derradeira observação é necessária para aquelas agências reguladoras em que há a

exigência de contrato de gestão como, por exemplo, a ANVISA e a ANS. Nestas, o contrato de

gestão pode tanto “se constituir num alargamento da autonomia conferida pelo legislador,

quando da criação da agência”; quanto “se constituir como um fator de diminuição da

autonomia conferida pelo legislador, estabelecendo metas a menor”, fato que pode

descaracterizar a própria agência, segundo Paulo Roberto Ferreira Motta.267

Portanto, apesar do amplo espaço de atuação das agências reguladoras, as mesmas não

deixam de ser passíveis de controle.

O passo seguinte da pesquisa volta-se para as características da regulação econômica

nos espaços da regulamentação normativa, da supervisão fiscalizatória e da sanção punitiva.

3.4.5 A Função Normativa das Agências Reguladoras

No sentido de dar fiel cumprimento aos objetivos estipulado nas leis que as criaram, as

agências reguladoras são dotadas de competência para edição de atos normativos voltados a

estimular condutas com vistas à maior eficiência do setor, objeto da tutela regulatória.

265 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. As agências reguladoras. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP,

Belo Horizonte, a. 2, n. 4, jan./mar., 2004. p. 211. 266 GUERRA, 2012, p. 129. 267 MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Agências reguladoras. São Paulo: Manole, 2003. p. 131.

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Referente ao “poder normativo” das agências reguladoras é que se assentam as maiores

discussões, pois não se discute que fiscalização, repressão e punição são atividades

administrativas que podem ser exercidas por órgãos da Administração Pública, direta ou

indireta.268

Isto ocorre porque à exceção da Agência Nacional de Telecomunicações e da Agência

Nacional do Petróleo, fruto das Emendas Constitucionais nº 8 e 9, de 1995, as demais agências

reguladoras não detém função normativa outorgada pela Constituição, mas por lei

infraconstitucional.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a doutrina se aproxima quanto à admissão ou

negativa em relação à possibilidade de as agências reguladoras instituírem normas, mas sem

uniformidade em relação à sua fundamentação, e cujos principais argumentos são:

a) tais órgãos ou entidades (que serão chamados, uniformemente de agências)

exercem função normativa por delegação legislativa; b) o que existe é a deslegalização

ou delegação de matérias, em que ocorre a retirada de certa matéria do domínio da lei

para passá-la ao domínio dos regulamentos; c) o fundamento decorre do princípio da

eficiência; d) as agências baixam regulamentos autônomos; e) as agências exercem

poder regulamentar delegado por lei; f) invoca-se também a crise do princípio da

legalidade e o surgimento de outras formas de produção normativa; a regulação

envolveria um novo tipo de direito que foge ao tradicional princípio da legalidade; g)

apela-se ainda para uma distinção que é feita no direito alemão entre relações jurídicas

gerais (que dizem respeito a relações gerais da Administração com o cidadão e são

objeto de regulamentos jurídicos) e as relações jurídicas especiais (que dizem respeito

a relações que envolvem sujeições especiais, as quais são objeto de regulamentos

administrativos, como por exemplo o regime jurídico do servidor e o regime jurídico

dos contratos administrativos); as relações jurídicas especiais poderiam ser objeto de

regulamentos administrativos, inclusive de agências, porque dizem respeito a poderes

inerentes à Administração, que independem de delegação; h) argumenta-se também

com as ideias de crescimento do Estado, mudanças na economia, complexidade dos

temas a serem normatizados, globalização, necessidade de flexibilidade e

adaptabilidade das normas às mudanças rápidas na vida econômica e social, demora

do processo legislativo; i) apela-se até para o fato de estarmos diante de uma realidade

que já se institucionalizou, tornando-se praticamente irreversível; j) e há o velho

argumento da fundamentação em princípios e institutos do direito estrangeiro.269

Na visão de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, não é possível a atribuição de competência

normativa a órgãos ou entidades da Administração Pública que não tenham sido alcançados

pelo texto constitucional sem que se fira os princípios da legalidade, da segurança jurídica e o

Estado de Direito.270

Impende anotar que, como sustentado por Fabrício Motta, “a função normativa, em

nosso ordenamento, encontra-se plenamente subordinada à Constituição e às leis, em razão do

268 DI PIETRO, 2009, p. 41. 269 Ibid., p. 41-42. 270 DI PIETRO, 2010, p. 472-473.

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princípio da legalidade”, sendo este o primeiro limite para a função normativa exercida pelas

agências reguladoras.271

Contrapondo a noção de que somente por meio da Constituição é possível atribuir

competência normativa às agências reguladoras, Egon Bockmann Moreira e Heloisa Conrado

Caggiano afirmam que a competência normativa possui natureza jurídica de dever-poder, pois

“a lei imputa certos deveres às agências reguladoras, outorgando-lhes os correlatos poderes para

que sejam atingidos”. Para os autores, os regulamentos emanados pelas agências reguladoras

são normas, e por esta razão vinculam os agentes regulados. Mas, destacam, visam o

cumprimento da lei e não a sua substituição. 272

No mesmo sentido é o entendimento adotado por Fabrício Motta que, reconhecendo que

a Constituição não atribui às agências reguladoras uma reserva de regulação, mas uma reserva

legal, assenta que a função normativa das agências reguladoras é “concedida pela lei mediante

remissão normativa”, sendo justificada pela ausência de conhecimento técnico acerca da

matéria objeto de regulação por parte do Legislativo. Acresce ainda que, a função normativa é

complementar, dá às agências reguladoras função integratória conquanto as normas por elas

editadas subordinam-se, em extensão e limites, à lei que as criou.273

Levando-se em conta que cada setor regulado possui características específicas e

altamente técnicas, não seria possível uma regulação eficiente sem que a estes entes reguladores

não fosse atribuída certa competência para a edição de normas. Contudo, em respeito ao

princípio da legalidade, os atos normativos daí emanados não podem extrapolar os limites

impostos pela lei que instituiu determinada agência.

Frente a uma sociedade complexa, como a em que vivemos, a exigência de implementar

os objetivos, direitos e garantias fundamentais reclama um maior esforço normativo no intuito

de atender às inúmeras relações jurídicas a que estão sujeitos a Administração Pública e os

administrados.

Entretanto, seja pela ausência de um conhecimento técnico específico, seja pela

morosidade do processo legiferante, alguns autores sustentam a possibilidade de o princípio da

separação de poderes ser mitigado para oportunizar a delegação de poderes ao Executivo.

Sobre o princípio da separação dos poderes, Alexandre Santos Aragão assevera que

271 MOTTA, 2007, p. 178. 272 MOREIRA, Egon Bockmann; CAGGIANO, Heloisa Conrado. O poder normativo das agências reguladoras na

jurisprudência do STF: mutação constitucional do princípio da legalidade?. Revista de Direito Público da

Economia – RDPE, Belo Horizonte, a. 11, n. 43, jul./set. 2013. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=97658>. Acesso em: 15 jul. 2017. p. 7. 273 MOTTA, op. cit., p. 179.

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se retirado o caráter mítico e absoluto da idéia “clássica” da separação dos poderes, a

complexidade e a autonomia das competências conferidas às agências reguladoras

independentes em nada contraria a divisão de funções estabelecida pelas constituições

contemporâneas e os valores do Estado de Direito, que, afinal, constituem o principal

parâmetro da admissibilidade ou não do exercício de distintas funções pelo mesmo

órgão ou entidade pública.274

E, analisando o processo de delegificação, pelo qual o legislador atribui ao

administrador liberdade normativa sobre determinada matéria, o autor supracitado assenta que,

“A necessidade de descentralização normativa, principalmente de natureza técnica, é a razão de

ser das entidades reguladoras independentes, ao que podemos acrescer o fato de a competência

normativa, abstrata ou concreta, integrar o próprio conceito de regulação”.275

A flexibilização de delegação de poderes encontra raízes na Direito norte-americano, e

que se fundamenta em duas teorias: a primeira, a teoria do filling up details (preenchimento dos

detalhes) é semelhante à noção de edição de regulamentos executivos, na qual autoriza a

atuação do Executivo naquilo que seja necessário para o fiel cumprimento da lei; a segunda é a

teoria da delegation with standards (delegação com parâmetros) que admite a atuação do órgão

delegado nos limites rígidos impostos pelo ente delegante.276

A legitimidade do poder normativo exercido pelas agências reguladoras teria por

fundamento o fato de que as respectivas leis de sua criação teriam operado uma delegação de

competências legislativas necessárias à regulação de determinado setor econômico.

Contudo, entendendo-se a necessidade do estabelecimento de um mínimo de standards

para o exercício da função normativa como um início de legislação, não restaria configurada a

deslegalização, mas uma remissão normativa.277

Como antecipado, Fabrício Motta sustenta que a possibilidade de edição de normas

pelas entidades reguladoras se dá em razão das chamadas remissões normativas. Assim, é a lei

que expressamente incumbe a “Administração de elaborar ato normativo secundário,

subordinado à mesma lei, para tratar de determinado assunto” e, portanto, “o ato normativo

estará obrigatoriamente sujeito à preferência de lei posterior”, devendo respeito às reservas

legais.278

274 ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado

democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 37, v. 148, out./dez., 2000. Disponível

em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/646/r148-19.pdf>. Acesso em: 16 set. 2016. p. 282. 275 Ibid., p. 291. 276 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A constitucionalização do Direito administrativo: O princípio da

Juridicidade, a Releitura da Legalidade Administrativa e a Legitimidade das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro:

Lúmen Juris, 2009. p. 49. 277 MOTTA, 2007, p. 195. 278 Ibid., p. 190.

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Prossegue o autor asseverando que, “o processo de interpretação, aplicação e controle

destes atos normativos deve seguir uma trilha de generalização sucessiva: dos princípios

específicos para os setoriais; destes últimos para os princípios gerais; e assim

sucessivamente”.279

De todo modo, as normas emitidas pelas agências reguladoras são manifestações de sua

competência normativa estatuída da lei que as cria, não se confundindo com delegação

legislativa. Ademais, como visto, estas normas possuem por justificativa a maior especialização

técnica da agência reguladora sobre o setor por ela regulado e, acrescente-se que, o grau de

liberdade — de discricionariedade — atribuído às agências para a edição de normas encontra

limites no princípio da legalidade e da reserva legal.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que às agências reguladoras foi atribuído

competência normativa exclusivamente no âmbito técnico uma vez que

A única maneira de defender validamente a discricionariedade técnica aplicada à

função normativa das agências reguladoras (e de outros órgãos administrativos que

exercem função semelhante) é a de reduzir (se é que isso é possível) o conceito de

regulamento, para dele excluir as normas que apenas definem conceitos técnicos

contidos na lei. E, isto pelo fato de que a discricionariedade técnica não constitui

verdadeira discricionariedade, não envolve decisão política, porque não dá liberdade

de escolha para a Administração. O órgão regulador limita-se a definir um conceito

que já está contido na lei e cujo conteúdo vai ser apenas explicitado na norma infra

legal.280

Não podendo inovar a ordem jurídica, contrariar a lei e o Direito, impondo restrições à

liberdade, igualdade e propriedade, ditos regulamentos devem respeitar o princípio da

separação de poderes, da legalidade e da reserva legal.

As agências reguladoras não podem usurpar do Poder Legislativo a edição de normas

gerais e abstratas com viés político-administrativo, restringindo-se à edição de regulamentos de

ordem técnica, que fogem do campo do legislativo apenas por carência desse conhecimento

técnico-especializado.

279 MOTTA, 2007, p. 190. 280 DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Discricionariedade Técnica e Discricionariedade Administrativa. Revista

Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, n. 9, fev./mar./abr., 2007. p. 13. Disponível em:

<http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-9-FEVEREIRO-2007-MARIA%20SYLVIA.pdf>. Acesso

em: 29 de ago. 2016.

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3.4.6 As Funções Fiscalizadora e Sancionadora das Agências Reguladoras

A noção de regulação implica no exercício de diferentes funções dentre as quais a de

assegurar a aplicação das normas relativas ao setor regulado, bem como a de aplicar as sanções

cabíveis quando verificadas as infrações.

A função sancionadora das agências reguladoras depende diretamente de uma boa ação

fiscalizatória por parte da administração, de modo a verificar o cumprimento, pelo ente

regulado, das regras a ele impostas.281

Não restam dúvidas, por outro lado, que, tanto melhor será a regulação de determinado

setor quanto mais eficiente for a sua fiscalização.282

Neste desiderato, a participação dos utentes-consumidores é fundamental, e que se

realiza por meio das ouvidorias e dos call centers, instrumentos dispostos à sua utilização para

a coleta de informações necessárias às ações fiscalizatórias das agências reguladoras.283

Na lição de Duciran Van Marsen Farena, somente por procedimentos fiscalizatório e

sancionador eficientes, perante as práticas abusivas adotadas por entes regulados, é que se

reforça o papel da regulação, pois

Se a regulação tem em vista a criação do ambiente competitivo, mediante

regulamentação adequada, a fiscalização visa promover o cumprimento dos deveres

do concessionário, quanto ao interesse público, ao desenvolvimento econômico, à

qualidade dos serviços, e à proteção do consumidor, que também integra o marco

regulatório, ao contrário da visão reducionista que ali vislumbra apenas a lei

específica, os regulamentos do serviço e o contrato, como se não existissem Código

de Defesa do Consumidor e Constituição.284

A fiscalização será, todavia, inútil se as infrações por ela identificadas não redundarem

num processo sancionatório eficiente.

Dentre os institutos jurídicos disponíveis ao Estado para o exercício da intervenção

sobre o domínio econômico por meio da regulação se encontra a sanção administrativa.

No plano teleológico, as sanções administrativas apresentam diferentes finalidades,

dentre as quais, Juliana Bonacorsi de Palma destaca: i) repressão do infrator, ii) recomposição

281 FARENA, Duciran Van Marsen. Agências reguladoras: fiscalização dos serviços públicos e defesa do

consumidor. Revista eletrônica do Ministério Público Federal, v. 4, 2013. Disponível em:

<http://www.prrj.mpf.mp.br/sala-de-imprensa/publicacoes/custos-legis/agencias-reguladoras-fiscalizacao-dos-

servicos-publicos-e-defesa-do-consumidor/view>. Acesso em: 17 mai. 2017. p. 7. 282 Ibid., loc. cit. 283 Ibid., p. 10. 284 Ibid., p. 8.

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da legalidade, iii) prevenção de infrações, iv) revestimento de eficácia às políticas regulatórias

pela afirmação do regulador perante os regulados e v) persuasão nos acordos consensuais.285

Acerca da necessária afirmação do ente regulador em face dos regulados, Floriano de

Azevedo Marques Neto sustenta que

o exercício da função punitiva possui grande importância. Isso não só por constituir a

punição um requisito de eficácia da atividade reguladora, mas também porque é

primacialmente pelo poder de sanção que o órgão regulador se afirma frente aos atores

privados regulados (concessionários, permissionários, autorizatários etc.) e perante os

administrados (consumidores). Sem a ameaça potencial de sanção, resta fragilizada a

autoridade regulatória. Sem perceber a capacidade coercitiva do regulador, sente-se o

administrado desamparado.286

De todo modo, a medida sancionadora aplicada pela agência reguladora teria por

finalidade, numa perspectiva geral, “desestimular condutas administrativamente

reprováveis”.287

Ocorre que, não raramente, as agências reguladoras prescrevem condutas dirigidas aos

entes regulados no intuito de equilibrar o setor. Cabe ressaltar, entretanto, que a instituição de

infrações e a fixação das respectivas sanções às condutas é matéria reservada à lei formal, em

razão do princípio da legalidade. E, portanto, é necessário que para o estabelecimento dessas

condutas proibidas, a lei já tenha trazido, mesmo que abstratamente, os elementos essenciais da

infração e da correspondente sanção.288

A este respeito Daniel Ferreira esclarece que

Quando a lei, por sua generalidade e abstração, não determina com precisão qual a

conduta ou, melhor, a categoria de condutas que desde logo assinala como proibidas,

deve o Executivo restringir as possibilidades, nos limites nela previstos, garantindo

uma maior segurança jurídica (sobre o que é proibido, obrigatório ou facultado) [...]289

Deste modo, cabe às agências reguladoras determinar com clareza quais condutas serão

tidas por obrigatórias e proibidas cominando-lhes as respectivas sanções, em respeito à

segurança jurídica.

Embora se possa admitir, tanto nos regimes de sujeição geral ou especial, a eventual

utilização de conceitos jurídicos indeterminados, e de valor, na previsão normativa das

285 PALMA, Juliana Bonacorsi de. Processo regulatório sancionador e consensualidade: análise do acordo

substitutivo no âmbito da Anatel. Revista de Direito de Informática e Telecomunicações - RDIT, Belo

Horizonte, a. 5, n. 8, jan./jun. 2010. p. 9. 286 MARQUES NETO, 2000 apud PALMA, Juliana Bonacorsi de. Processo regulatório sancionador e

consensualidade: análise do acordo substitutivo no âmbito da Anatel. Revista de Direito de Informática e

Telecomunicações - RDIT, Belo Horizonte, a. 5, n. 8, jan./jun. 2010. p. 9. 287 FERREIRA, 2001, p. 44. 288 MOTTA, 2007, p. 196. 289 FERREIRA, op. cit., p. 99.

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condutas, a Administração Pública não se desobriga “do dever de minimizar a generalidade e

abstração da lei por meio de regulamentos (para sua fiel execução), permitindo ao destinatário

da norma saber exatamente “o quê”, “quando” e “como” se proíbe ou obriga, sob ameaça de

sanção”.290

Ademais, as normas editadas pelas agências reguladoras podem inovar a ordem jurídica,

porém jamais em caráter inicial, seu conteúdo e extensão encontram limites na lei e no Direito.

Outro aspecto da função sancionadora das agências reguladoras diz respeito à aplicação

da sanção quando verificada determinada infração. Uma primeira impressão acerca do assunto

leva a crer que “dado o ilícito, deve ser a sanção”, porém, Daniel Ferreira, revisitando o tema,

entendeu a consequência jurídica atribuída ao ilícito administrativo como sendo “a imposição

da correspondente sanção administrativa – salvo se a lei permitir ou determinar ao contrário”.291

Desta forma, presente na lei que cria determinada agência reguladora, ou mesmo

concede poderes para ela no âmbito de sua função normativa, é possível a substituição da sanção

por outra medida. Ademais, na atualidade, não somente a sanção administrativa toma novas

feições, mas a própria finalidade do direito administrativo.

Marcel Madureira Prates salienta a necessidade de se analisar o poder administrativo

sancionador pelos seus dois aspectos: o aspecto sancionador e o aspecto administrativo.

Enquanto o primeiro tem relação com os direitos e garantias dos particulares sujeitos à sanção

administrativa, o segundo relaciona-se à missão constitucionalmente atribuída à Administração

de perseguição dos interesses públicos.292

Para Alexandre dos Santos Aragão, a exigência de realização de objetivos concretos nos

setores regulados impõe à Administração a superação do modelo autoritário, coercitivo, para

assumir um modelo caracterizado pela negociação, pelo caráter residual e subsidiário do

emprego da autoridade. O autor não quer, contudo, menosprezar a lei, mas valorizar os seus

elementos finalísticos. Ou seja, a função regulatória da Administração Pública, assim como a

função sancionadora, deve se pautar em razão da obediência ao princípio da eficiência (art. 37,

CRFB). Neste sentido, entende que

O Princípio da Eficiência de forma alguma visa a mitigar ou a ponderar o Princípio

da Legalidade, mas sim a embeber a legalidade de uma nova lógica, determinando a

290 FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas: entre direitos fundamentais e democratização da ação estatal.

Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 12, n. 12, jul./dez., 2012. p. 178. 291 FERREIRA, Daniel. Teoria geral da infração administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 333. 292 PRATES, Marcelo Madureira. Sanção administrativa geral: anatomia e autonomia. Coimbra: Almedina,

2005. p. 39.

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insurgência de uma legalidade finalística e material dos resultados práticos

alcançados, e não mais uma legalidade meramente formal e abstrata.293

E, continua o autor para assentar que “O modelo das normas jurídicas "hipótese de

incidência (r) sanção" continua a existir, mas não é mais o único nem o mais importante, a ele

tendo se somado o das normas jurídicas estruturadas pelo esquema "finalidades (r) meios de

alcance destas finalidades"”.294

Revela-se, nesta toada, a valorização do aspecto administrativo em relação ao aspecto

sancionador da função administrativa sancionatória. Não se trata de descumprimento da lei,

mas, no processo de sua aplicação em determinado caso concreto, prestigiar os objetivos

legalmente instituídos em relação à mera observância de suas regras.

Repise-se que, a tarefa fim das agências reguladoras é a intervenção no mercado, com

vistas à eficiência do setor por elas regulado, acomodando os interesses da coletividade e dos

particulares prestadores de bens e serviços. Neste desiderato, a aplicação de medidas

sancionatórias pode não corresponder à finalidade de interesse coletivo.

Como sustentado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de Freitas, “a

sanção administrativa deve, portanto, ter natureza instrumental, isto é, não se constitui como

um fim em si, mas como um dos meios — e não o único — para se evitar o descumprimento

de uma obrigação jurídica e para viabilizar a prossecução do interesse público tutelado”.295

É nesta perspectiva finalística de interesse público, pautada no princípio da

consensualidade, que a Administração Pública vem mitigando a imperatividade em favor de

acordos face ao descumprimento de dever jurídico. Em outras palavras, substitui uma sanção

exigível por uma conduta (obrigação) negociável.

Feitas tais considerações, é chegado o momento de tratar, com mais detença, a regulação

estatal sobre a assistência à saúde suplementar,

293 ARAGÃO, Alexandre Santos de. O marco regulatório dos serviços públicos. Interesse Público – IP. Belo

Horizonte, n.27, ano 6, set/out 2004. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/PD0006.aspx?pdiCntd=50327>. Acesso em: 31 out. 2016. p. 4. 294 ARAGÃO, 2004, p. 5. 295 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da Lei Anticorrupção –

Reflexões e interpretações prospectivas. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 14, n. 156, p. 9-20,

fev. 2014. p. 17.

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4 A REGULAÇÃO DA ANS SOBRE O SETOR DE PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA À

SAÚDE SUPLEMENTAR

Como já adiantado, o aparecimento das diversas agências reguladoras brasileiras se deu

em função da reforma do aparelho estatal que, pela transferência da execução de serviços à

iniciativa privada, assume as funções de planejamento, regulação e fiscalização.

Entretanto, a regulação da saúde suplementar não resultou do processo de

desestatização, mas da necessidade de se intervir em um mercado que já se encontrava

privatizado, contudo, imperfeito, com grandes falhas informacionais e, que diz respeito a uma

atividade considerada de relevância pública.

Com efeito, a Constituição estatuiu ser a assistência à saúde livre à iniciativa privada,

mas como atividade de relevância pública que, de tal ordem, exige ao Poder Público dispor, nos

termos da lei, sobre a sua regulamentação, fiscalização e controle, razão de ser e objeto deste

capítulo.

4.1 ASSISTÊNCIA À SAÚDE COMO ATIVIDADE DE RELEVÂNCIA PÚBLICA

A CRFB faz menção expressa ao termo “relevância pública” nos artigos 129, II e 197:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: II - zelar pelo efetivo

respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos

assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a suagarantia;

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder

Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,

devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por

pessoa física ou jurídica de direito privado.296

Antes, contudo, de adentar-se especificamente à análise do que venha a ser uma

atividade de “relevância pública”, se faz necessário uma melhor compreensão acerca do que

venha a ser o serviço público.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello,

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material

destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos

administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si

mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto,

296 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Emenda constitucional nº 90, de 15 de setembro

de 2015. 48 ed. Brasília: Edições Câmara, 2015.

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consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em

favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.297

A noção de serviço público não é simples, importando diferentes acepções. Na CRFB,

dois conceitos são regularmente utilizados: o conceito orgânico, com significado de aparato

administrativo do Estado e, o conceito objetivo, como modalidade de atividade técnica de

natureza pública.

Enquanto conceito orgânico, o serviço público pressupõe que a atividade seja exercida

diretamente pelo poder público ou que haja relação de dependência entre a atividade e a

Administração ou, ainda, quando exista uma presença orgânica da Administração, quer dizer,

exercendo controle permanente sobre o gestor de serviço público, com intervenção maior que

a aplicação de medidas de poder de polícia, já que ela (Administração) é responsável pela

atividade.298

A título de exemplo de serviço público com vínculo orgânico, cita-se o art. 175, caput,

da CRFB, pelo qual se “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime

de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.299

Em relação ao sentido objetivo de serviço público, Paulo Modesto refere que o mesmo

comporta uma subdivisão que diz respeito aos destinatários do serviço público. Assim, o serviço

pode se referir a atividades de prestação que atendem a necessidades individuais (serviços uti

singuli, divisíveis e de fruição singular) ou a atividades de prestação de necessidades não

divisíveis e voltadas para uma coletividade (serviços uti universi).300

Fazendo uma crítica ao conceito doutrinário de serviço público, que é apresentado sobre

diferentes aspectos (serviço público em sentido amplo, restrito, objetivo, subjetivo, formal,

próprio, impróprio, geral, específico, dentre outros), Paulo Modesto sustenta que o conceito

jurídico de serviço público pressupõe a existência de vários elementos conjugados para a sua

caracterização, elencando-os como sendo: (1) atividade que corresponda ao desempenho de

uma “prestação administrativa”, oferecimento de uma utilidade concreta fruível direta ou

297 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros,

2011. p. 679. 298 MEDAUAR, Odete. Serviço Público. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 189, jul./set.,

1992. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45285/47720>. Acesso em:

17 nov. 2016. p. 110. 299 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Emenda constitucional nº 90, de 15 de setembro

de 2015. 48 ed. Brasília: Edições Câmara, 2015. 300 MODESTO, Paulo. Reforma do Estado, Formas de Prestação de Serviços ao Público e Parcerias Público-

Privadas: demarcando as fronteiras dos conceitos de serviço público, serviços de relevância pública e serviços de

exploração econômica para as parcerias público-privadas. Revista Eletrônica de Direito Administrativo

Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 2, mai./jun./jul., 2005. Disponível

em:<http://ww.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 05 de ago. 2016. p. 9.

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indiretamente pelo administrado, mas imediatamente a cargo do Estado ou de seus delegados;

(2) que a atividade deve atender efetivamente a necessidades públicas administrativas, cujo

oferecimento deve ser ao público em geral, mesmo que o gozo seja individualizado, mas sempre

com vistas ao atendimento do princípio da dignidade da pessoa humana; (3) que o Estado deve

ser titular exclusivo de determinada atividade de prestação, mesmo quando delegada a

particulares (o Estado responde pela regularidade do serviço e pela atuação dos seus delegados);

(4) que deve haver submissão total ou parcial da atividade a regime jurídico de direito público,

bem como a princípios específicos como, por exemplo, da continuidade, da mutabilidade, da

igualdade, da obrigatoriedade; e (5) que nas atividades de serviço público, haja a exclusão da

livre iniciativa privada, ressalvada a possibilidade de agirem como entes delegados.301

Para o autor, o conceito de serviço público é obrigatoriamente mais restrito, e neste

contexto, serviço público é

a atividade de prestação administrativa material, direta e imediatamente a cargo do

Estado ou de seus delegados, posta concretamente à disposição de usuários

determinados ou indeterminados, sob regime de direito público, em caráter

obrigatório, igualitário e continuo, com vistas a satisfazer necessidades coletivas, sob

titularidade do Poder Público.302

Muito embora o conceito apresentado afaste de sua incidência outras atividades que não

sejam de titularidade exclusiva do Estado, não se duvida que pela sua própria natureza

apresentem grande relevância coletiva.

A Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve,

define as atividades essenciais em seu art. 10, como sendo:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica,

gás e combustíveis; II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e

comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte

coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações; VIII -

guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego

aéreo; XI compensação bancária.303

E, pelo parágrafo único do art. 11, a Lei dispõe que “São necessidades inadiáveis, da

comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde

ou a segurança da população”.

301 MODESTO, 2005, p. 12-15. 302 Ibid., p. 15-16. 303 BRASIL, Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as

atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.

Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 jun. 1989.

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O caráter de essencialidade atribuído àquelas atividades se dá pelo grau de importância

que as mesmas detêm para o desenvolvimento da sociedade, bem como sua imprescindibilidade

à manutenção da dignidade da pessoa humana.

Chama-se à atenção, como destacado por Paulo Modesto, para o fato de que no rol das

atividades consideradas essenciais estão presentes tanto serviços públicos quanto serviços

privados, assim como a obrigação de assegurar a manutenção do atendimento não se restringe

aos serviços públicos e, ainda se verifica a responsabilidade do Poder Público pela prestação

desses serviços, em caso de violação da lei, independentemente de a atividade se constituir em

serviço público, atividade econômica ou atividade de relevância pública.304

A assistência à saúde suplementar é, neste sentido, um serviço de relevância pública

adequando-se perfeitamente ao conceito de serviços de relevância pública, como apresentado

pelo autor

São atividades consideradas essenciais ou prioritárias à comunidade, não titularizadas

pelo Estado, cuja regularidade, acessibilidade e disciplina transcendem

necessariamente à dimensão individual, obrigando o Poder Público a controlá-las,

fiscalizá-las e incentivá-las de modo particularmente intenso.305

Retomando o referencial constitucional do art. 197, que caracteriza as ações e serviços

de saúde como de relevância pública, percebe-se que o Estado não é, direta ou indiretamente,

titular exclusivo da execução dessas atividades, admitindo-se a participação de pessoa física ou

jurídica de direito privado.

Ao tratar do art. 197 da CRFB, Floriano de Azevedo Marques Neto destaca que a

Constituição delimita duas esferas distintas de prestação dos serviços de saúde: uma

esfera pública, de responsabilidade do Estado (dever); e uma esfera privada, que pode

ou não ser desenvolvida por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. No

primeiro caso, estamos diante de esfera de serviço público não exclusivo (ou

impróprio). No segundo, trata-se do exercício de atividade econômica regulada.306

Prossegue o autor assentando que, de acordo com o art. 199 da CRFB, é admitida a

participação de agentes privados na prestação de serviços de saúde, distintos da rede pública, e

que são regulados por preceitos e normas jurídicas essencialmente diferidas por serem

considerados atividade econômica.

304 MODESTO, 2005, p. 18. 305 Ibid., p. 19. 306 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Público e privado no setor de saúde. Revista de Direito Público da

Economia — RDPE, Belo Horizonte, ano 3, n. 9, jan./mar., 2005. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=12799>. Acesso em: 27 abr. 2018. p. 108.

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A atividade econômica (lato sensu) de prestação de serviços de saúde é submetida,

segundo a disciplina constitucional, a dois regimes distintos. De um lado, será serviço

público, quando deva ser provida pelo Estado. De outro, poderá vir a adquirir a feição

de atividade econômica em sentido estrito, quando prestada por particulares fora do

âmbito público do serviço, inserindo-se neste caso na esfera mais ampla da liberdade

de empreendimento da iniciativa privada (atividade econômica stricto sensu). O

Estado não se encarrega, desta vez, da prestação direta, mas tão somente da regulação

do setor, devido à relevância pública estabelecida também em sede constitucional, no

artigo 197. O papel do Estado corresponderá, neste caso, a assegurar os interesses dos

usuários deste sistema privado, suplementar ao sistema público. 307

Para Eros Roberto Grau, os serviços de relevância pública são serviços contidos no

âmbito da atividade econômica e, portanto, próprios da iniciativa privada. Salientando a

hipótese de exclusão do predicado “serviços de relevância pública” aos serviços públicos, o

autor sustenta que em havendo política pública de saúde, consoante ao dever estatal estatuído

do art. 196 da CRFB, o serviço e as ações de saúde a ela (política pública) concernente deve ser

entendido como serviço público. Daí que, continua o autor, há serviços de relevância pública

que não são serviços públicos como os do art. 197 da CRFB, para o qual as ações e serviços de

saúde são considerados como de relevância pública.308

Percebe-se, pois, que o traço que marca uma atividade como de “relevância pública”

não se encontra na pessoa que o presta, podendo ser tanto ente público quanto privado, mas no

objeto do serviço.

Ou seja, da essencialidade do serviço exsurge para o Estado um dever-poder de prestar

o serviço, isto como consequência do interesse da sociedade na garantia do seu direito.

Ademais, quando o Estado não presta o serviço diretamente, ele mantém um poder de

intervenção mais elevado que o atribuído a outros serviços prestados por particulares.309

Impende destacar que nas ADIs nº 1007 e 1266, o STF decidiu que os serviços de

educação, independentemente de serem prestados pelo Estado ou por particulares, configuram

serviço público não privativo, e que podem ser “desenvolvidos pelo setor privado

independentemente de concessão, permissão ou autorização, seguindo, aliás, a linha do

pensamento de Eros Roberto Grau, que considera esses serviços, assim como os de saúde,

sempre serviços públicos”.310

307 MARQUES NETO, 2005, p. 109. 308 GRAU, Eros Roberto. O conceito de “relevância pública” na Constituição de 1988. Revista de Direito

Sanitário, São Paulo, v. 5, n. 2, jul., 2004. Disponível em:

<https://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/80683>. Acesso em: 18 nov. 2016. p. 74. 309 FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo; DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, Antônio Herman. O

conceito de “relevância pública” na Constituição Federal. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 5, n. 2, jul.,

2004. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/80685>. Acesso em: 18 nov. 2016. p. 87. 310 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Evolução da teoria do serviço público. Enciclopédia jurídica da PUC-

SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito

Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André

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Para Alexandre Santos de Aragão, a assistência à saúde suplementar, embora de

relevância pública, é atividade realizada por agentes particulares, no âmbito da liberdade de

iniciativa, sendo, portanto, uma atividade econômica stricto sensu para as quais podem ser

atribuídas duas consequências relativamente antagônicas:

a ) as empresas exercem essas atividades não por uma decisão político-administrativa

do Estado, mas por direito próprio, o que não ilide, contudo, que sejam submetidas a

exigência de uma prévia autorização (art. 170, parágrafo único, CF), discricionária ou

vinculada, e a uma forte regulação (art. 174, CF), que pode inclusive alcançar alguns

aspectos essenciais do desenvolvimento da atividade, como a fixação dos preços a

serem cobrados dos usuários (ex., táxis) e o conteúdo mínimo das prestações (ex.,

planos de saúde); b) essas competências autorizatórias e regulatórias da

Administração Pública não podem, contudo, ser legislativa ou administrativamente

impostas como se essas atividades fossem do próprio Estado (como se fossem serviços

públicos), e não da iniciativa privada. As empresas que exercem essas atividades

podem ser funcionalizadas e instrumentalizadas pelo Estado para a realização de

políticas públicas, mas não elas próprias serem forçadas a executá-las.311

Portanto, para o autor, o fato dessas empresas se encontrarem protegidas pelo direito

fundamental da livre iniciativa constitui a característica que as diferencia dos serviços públicos,

aonde a participação de particulares somente é possível mediante delegação.

Por este raciocínio, o Estado, por meio da regulação da ANS, deve pôr em prática os

meios eficazes de “regulamentação, fiscalização e controle”, ou seja, exercer o poder de polícia

em relação aos agentes econômicos do sistema de saúde suplementar que prestam serviços

diretamente — planos de saúde — ou por meio de terceiros — seguros saúde —, incluindo as

medidas de controle assistencial e econômico.

Reconhecendo ser necessária a forte regulação estatal do setor de atividade de relevância

pública, o direito de livre iniciativa não pode, contudo, “ser sacrificado por limitações

administrativas prévias ou concomitantes à atividade, independentemente do interesse público

invocado, por mais relevante que seja”.312

De todo modo, impede destacar como se desenvolveu a criação da ANS para a regulação

do mercado de assistência à saúde suplementar.

Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível

em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/40/edicao-1/evolucao-da-teoria-do-servico-publico>. Acesso

em: 25 abr. 2018. s/p. 311 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Atividades privadas regulamentadas: autorização administrativa, poder de

polícia e regulação. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, a. 3, n. 10, abr./jun.,

2005. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=30039>. Acesso em: 18 nov.

2016. p. 3. 312 Ibid., p. 8.

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4.2 O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE

SUPLEMENTAR

Até o final da década de 1990, somente o setor de seguro-saúde possuía alguma forma

de normatização, mas limitada ao seu aspecto econômico-financeiro pelo Decreto-Lei nº 73, de

novembro de 1966, que dispõe sobre o sistema nacional de seguros-privados.

Com a entrada em vigor da Lei nº 8.078/1990, ou seja, do CDC, os consumidores

passaram a encontrar suporte jurídico para os problemas advindos dos contratos de planos de

saúde. Todavia, não tratando das peculiaridades do setor de assistência à saúde, a aplicação do

CDC se mostrara insuficiente para suplantar o desequilíbrio contratual prevalente, em favor dos

interesses dos fornecedores.313

Neste cenário, entidades representativas de consumidores, empresariais e entidades

médicas atuaram em conjunto participando ativamente de reuniões e audiências públicas que

se destinavam a criação de uma legislação específica para o setor, capaz de minimizar os

problemas reclamados.314

Em fevereiro de 1994 foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei nº 93/1993,

apresentado pelo Senado Iram Saraiva, que determinava a proibição de exclusão de cobertura

de despesas de determinadas doenças pelas empresas médicas, contando com apenas três

artigos.315 Este projeto seguiu para a Câmara dos Deputados, sob o número 4.425/1994, mas

sendo substancialmente alterado. Somente em 1997, após a análise de uma comissão especial

instituída na Câmara para a discussão, o Projeto de Lei retorna ao Senado Federal e o processo

legislativo é iniciado com 36 artigos, “admitindo a exclusão de doenças pré-existentes,

congênitas e infecto-contagiosas, bem como prevendo aumento da mensalidade em razão de

faixa etária etc”316.

No ano de 1998, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado apresenta manifestação

favorável ao parecer do Senador Sebastião Rocha. O texto final do relator foi aprovado pelo

plenário, e o Presidente da República sancionou, sem vetos, a Lei nº 9.656, de 03 de junho de

1998.317

A Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998, foi efetivamente editada pela Medida Provisória

nº 1.665, em 5 de junho, que promove alteração da lei como resultado das negociações no

313 GREGORI, 2007, p. 36. 314 Ibid., p. 37. 315 Ibid., p. 37-38. 316 Ibid., p. 38. 317 Ibid., p. 39.

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Senado Federal, representando uma “opção política, negociada por todos os atores envolvidos

no processo naquele momento. Caso o Senado promovesse alterações na Lei, o projeto teria

que ser novamente remetido à Câmara, o que prolongaria a discussão e adiaria sua

aprovação”.318

Daí que, numa primeira fase da regulação do setor de assistência à saúde suplementar

foram criadas duas instâncias: uma voltada para o aspecto econômico-financeiro das

operadoras, e outra para o aspecto da assistência, do produto oferecido.

Coube ao Ministério da Fazenda, por meio do Conselho Nacional de Seguros Privados

– CNSP e da SUSEP, a regulação econômico-financeira do setor, das normas para autorização

e funcionamento das operadoras, seus respectivos registros, assim como as regras para o

reajuste dos contratos e os respectivos atos de fiscalização.319

E, coube ao Ministério da Saúde, através do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU

e da Secretaria de Assistência à Saúde – SAS, por meio do Departamento de Assistência à

Saúde – DESAS, a responsabilidade consoante aos aspectos sociais relativos ao rol de

procedimentos, das exigências relativas aos produtos ofertados, da qualidade dos mesmos e os

atos de fiscalização necessários.320

Surgiu dessa maneira, inicialmente, um modelo de regulação bi-partite, com a esfera

econômica afeta ao Ministério da Fazenda, e a atividade relativa à prestação do serviço e dos

produtos comercializados ligada ao Ministério da Saúde, a partir do DESAS e do CONSU.

Com viés de participação democrática, o Senado Federal instituiu a Câmara de Saúde

Suplementar como órgão consultivo permanente na regulação do setor, aonde tomam assento

agentes do setor e da sociedade civil.

A Lei aprovada, com suas alterações, entrou em vigor efetivamente em janeiro de 1999,

e para regulamentá-la, o CONSU editou 23 resoluções.

É claro que o desafio da regulamentação do setor era e é imenso. Note-se que antes do

marco regulatório, instituído pela Lei nº 9.656/1998 e pela MP nº 1.665, as empresas que se

organizavam livremente para atuar no setor, que submetiam-se exclusivamente à legislação do

tipo societário escolhido, passam a ter que cumprir exigências específicas, tanto em relação aos

aspectos próprios da empresa (registro de funcionamento, sujeição à intervenção e liquidação,

constituição de garantia financeira) quanto ao produto ofertado (obrigatoriedade de assistência

318 MONTONE, Januário. Evolução e Desafios da Regulação do Setor de Saúde Suplementar. Série ANS, 4. Rio

de Janeiro: ANS, 2003. p. 11. 319 GREGORI, 2007, p. 41. 320 Ibid., loc. cit.

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integral à saúde, condições de operação e preço, proibição de seleção de risco, proibição de

rescisão unilateral do contrato, definição e limitação das carências).321

Os principais problemas apontados pelos consumidores como, por exemplo, a exclusão

de doenças e de tratamentos, carências e reajustes abusivos, tiveram solução com a definição

da cobertura mínima para assegurar a assistência à saúde, com a proibição de limites para

consultas médicas e internações, com a definição de prazos de carência, além a cobertura de

medicamentos utilizados em regime ambulatorial e hospitalar e, a garantia para o atendimento,

em seus primeiros 30 (trinta) dias de vida, para os nascidos na vigência de contrato do segmento

hospitalar com obstetrícia, conforme art. 12 da Lei nº 9.656/1998.

O modelo bi-partite de regulação se mostrou, no entanto, pouco eficiente em relação ao

sinergismo das tarefas de regulamentação e fiscalização econômico-financeira e de

regulamentação e fiscalização da produção dos serviços de assistência à saúde, proporcionando

problemas explorados por parcela do mercado.322

Uma segunda fase da normatização ocorreu em setembro de 1999, com a edição da MP

nº 1.908, que promoveu duas alterações com o fito de redefinir a instância regulatória.323

Primeiramente foi adaptado o conceito legal de plano privado de assistência à saúde,

que incorporou os produtos das empresas de seguro saúde, a abrangência da regulação se volta

para o tipo do produto ofertado e não pelas características das empresas que os fornecem.324

De outro lado, unificou o modelo de regulação ao determinar a competência exclusiva

do Ministério da Saúde, por meio do CONSU e SAS/DESAS, nos dois níveis de regulação do

setor, ou seja, nos seus aspectos econômico-financeiro e assistencial. Por esta via, o CONSU

foi transformado em Conselho Ministerial, composto por quatro Ministros de Estado, dentre os

quais, os Ministros da Saúde e da Fazenda, absorvendo as atribuições do CNSP, enquanto a

SAS/DESAS, as da SUSEP. A Câmara de Saúde Suplementar foi mantida, mas a ela atribui-se

a competência de opinar sobre todo o sistema, não se limitando ao aspecto assistencial.325

A terceira fase da normatização do setor teve início no final de 1999, através da Medida

Provisória 1.928, de 25 de novembro de 1999, que convertida na Lei nº 9.961, de 28 de janeiro

de 2000, define o marco referencial do modelo de regulação pela criação da Agência Nacional

321 MONTONE, Januário. Tendências e Desafios dos Sistemas de Saúde nas Américas. Série ANS, 3. Rio de

Janeiro: Ministério da Saúde, 2002. p. 14. 322 Ibid., loc. cit. 323 GREGORI, 2007, p. 41. 324 Ibid., p. 42. 325 Ibid., loc. cit.

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de Saúde Suplementar – ANS –, que assume todas as atribuições de regulação do setor de saúde

suplementar.326

A ANS é, então, criada como autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da

Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, com prazo de duração indeterminado e

atuação em todo o território nacional, definida no artigo 1º da Lei nº 9.961/2000 como órgão

de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência

suplementar à saúde.327

O parágrafo único do mesmo artigo define que a natureza de autarquia especial

conferida à ANS se caracteriza pela sua autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de

gestão de recursos humanos, bem como pela autonomia nas suas decisões técnicas e pelo

mandato fixo de seus dirigentes.328

Neste processo de reforma estatal, tanto a ANS como a Agência Nacional de Vigilância

Sanitária – ANVISA –, se encontram vinculadas ao Ministério da Saúde, diferindo das demais

agências reguladoras de infraestrutura, em particular por esta maior interação com os

Ministérios a que estão vinculadas, mas sendo as únicas cujas Diretorias Colegiadas se

subordinam às diretrizes definidas em contrato de gestão, com possibilidade de exoneração dos

dirigentes em caso de sua inobservância.329

Impende destacar que, diferentemente das demais agências do setor de infraestrutura, a

ANS não regularia uma atividade antes realizada por organizações estatais que foram

privatizadas, nas quais o Estado detinha as informações de produção e toda tecnologia de

regulação anterior. Januário Montone destaca que “A ANS foi criada para regular uma

atividade privada: a) já existente; b) extremamente complexa; c) num setor essencial, que é a

saúde; d) que nunca havia sido objeto de regulação do Estado”.330

Acrescente-se, como já adiantado, que a densa regulamentação do setor se dá pela

relevância pública que a atividade de prestação à saúde assume.

326 GREGORI, 2007, p. 42. 327 Art. 1º É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada

ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro - RJ, prazo de duração indeterminado e

atuação em todo o território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das

atividades que garantam a assistência suplementar à saúde. (BRASIL. Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, que

cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 jan. 2000) 328 Parágrafo único, do art. 1º da Lei nº 9.961/2000. “A natureza de autarquia especial conferida à ANS é

caracterizada por autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos, autonomia

nas suas decisões técnicas e mandato fixo de seus dirigentes.” 329 MONTONE, 2003. p. 16. 330 Ibid., loc. cit.

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4.3 A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS

Como visto, a ANS foi instituída pela Lei nº 9.961/2000, como autarquia sob regime

especial, subordinada às diretivas fixadas pelo CONSU331, com atuação controlada por um

contrato de gestão firmado com o Ministério da Saúde, tendo por finalidade institucional “a

promoção da defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as

operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores,

contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País”, consoante ao seu art. 3º.332

A ANS, pessoa jurídica de direito público, passou a ser o órgão responsável pela

regulação do mercado de saúde suplementar, normatizando e fiscalizando as atividades das

operadoras de planos privados de assistência à saúde, porém subordinada às diretrizes fixadas

pelo CONSU.

O CONSU foi criado pela Lei nº 9.656/1998, possuindo por finalidade atuar na

definição, regulamentação e controle das ações relacionadas com a prestação de serviços de

saúde suplementar nos seus aspectos médico, sanitário e epidemiológico. É órgão

governamental composto pelos Ministros da Saúde, da Fazenda, do Planejamento, do

Orçamento e Gestão e, da Justiça (como presidente), com competência para fixar as políticas

públicas a serem executadas pela ANS, pois compete-lhe as questões relacionadas à prestação

de saúde suplementar para “estabelecer e supervisionar a execução de políticas e diretrizes

gerais do setor de saúde suplementar”, assim como para ditar “as diretrizes gerais para a

implementação do setor de saúde suplementar”.333

Vinculado à ANS, a Câmara de Saúde Suplementar é um órgão consultivo permanente,

composto por representantes do Governo, das operadoras e da sociedade civil organizada e, que

desempenha relevante papel na construção de uma agenda de prioridades da regulação, assim

como na avaliação de seus resultados.

331 De acordo com o art. 4º, I, da Lei nº 9.961/2000, compete à ANS propor políticas e diretrizes gerais ao Conselho

Nacional de Saúde Suplementar - Consu para a regulação do setor de saúde suplementar. 332 Art. 3º A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência

suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e

consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País. (BRASIL. Lei nº 9.961, de 28 de

janeiro de 2000, que cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Diário

Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 jan. 2000) 333 GREGORI, 2007, p. 67.

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A estrutura organizacional básica da ANS, definida pela Resolução Regimental nº 01,

de 17 de março de 2017, se constitui por uma Diretoria Colegiada (DICOL)334 composta por

cinco diretores cada qual responsável por uma área específica, quais sejam:

Diretoria Colegiada: órgão superior, deliberativo e decisório da ANS, composta por

cinco diretores, atuando como última instância recursal administrativa, bem como

desenvolvendo o planejamento estratégico do mercado de saúde suplementar,

podendo inclusive editar normas para tal; a) Presidência - PRESI

b) Diretoria de Desenvolvimento Social (DIDES): representa os interesses do Estado

na regulação do setor, com o fim de modernizar e melhorar o desempenho e qualidade

das operadoras, bem como estimular e viabilizar a competição no mercado de saúde

suplementar;

c) Diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras: responsável pela

regulamentação, registro e acompanhamento do funcionamento das operadoras de

saúde suplementar;

d) Diretoria de Normas e Habilitação de Produtos: órgão responsável pela

regulamentação, registro e monitoramento dos planos e seguros de saúde, incluindo

as autorizações e reajustes de contratos;

e) Diretoria de Fiscalização: representa os interesses dos beneficiários das operadoras

de saúde suplementar enquanto consumidores finais dos “produtos” contratados,

cuidando tanto de aspectos econômico-financeiros como médico-assistenciais,

articulando-se conjuntamente com órgãos de defesa do consumidor;

f) Diretoria de Gestão: cuida da logística e infraestrutura da ANS, garantindo sua

autonomia através do gerenciamento de recursos financeiros, recursos humanos, rede

de informação e demais aspectos gerenciais da entidade.335

Na atual estrutura da ANS, o Diretor de Gestão além de desenvolver as atividades

próprias de sua diretoria acumula ainda a função de Presidente da DICOL.

Quanto ao patrimônio da ANS, o mesmo é formado por bens e direitos de sua

propriedade e, as suas receitas são resultantes da arrecadação da Taxa de Saúde Suplementar

decorrente do exercício do poder de polícia, de retribuição por serviços de quaisquer natureza

prestados a terceiros, da arrecadação das multas resultantes das suas ações fiscalizadoras, da

execução da sua dívida ativa, dotações consignadas no Orçamento-Geral da União, créditos

especiais, créditos adicionais, além de outras receitas disciplinadas nos artigos 16 a 25 da Lei

nº 9.961/2000.

Os parâmetros para a administração interna da ANS, assim como os indicadores que

permitem avaliar, objetivamente, a sua atuação administrativa e o seu desempenho, são

estabelecidos por um contrato de gestão negociado entre o seu Diretor-Presidente e o Ministro

334 Art. 2º A ANS terá a seguinte estrutura básica: I - Diretoria Colegiada - DICOL; a) Presidência – PRESI; b)

Diretoria de Desenvolvimento Setorial - DIDES; c) Diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras - DIOPE;

d) Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos - DIPRO; e) Diretoria de Fiscalização - DIFIS; e f) Diretoria

de Gestão – DIGES. (BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Regimental nº 01, de 17 de

março de 2017, que institui o Regimento Interno da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, e dá outras

providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 mai. 2017.) 335 GREGORI, op. cit., p. 67-68.

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de Estado da Saúde, com aprovação do CONSU, conforme previsão dos artigos 14, 15 e 36 da

Lei nº 9.961/2000.336

O contrato de gestão é celebrado entre uma autarquia e o Ministério supervisor com

fundamento constitucional no art. 37, §8º, que foi acrescido pela EC nº 19/1998, e no caput do

art. 3º do Decreto nº 2.487/1998, que dispõe que “o contrato de gestão definirá relações e

compromissos entre os signatários, constituindo-se em instrumento de acompanhamento e

avaliação do desempenho institucional da entidade”.

Este contrato de gestão firmado pelas agências reguladoras, segundo Egon Bockmann

Moreira, não é juridicamente um contrato, pois apresenta natureza jurídica de ato administrativo

complexo. Por este instrumento contratual, que possui unidade de conteúdo e unidade de fim,

os órgãos e entidades envolvidos conjugam objetivos e comprometem-se a

desenvolver em colaboração os compromissos ali descritos, institucionalizando-se um

controle tutelar específico, ao mesmo tempo em que se pretende conferir maior

flexibilização e autonomia gerencial à autarquia [...]337

O caso de descumprimento injustificado dos objetivos e metas estipuladas no contrato

de gestão é motivo para a perda dos mandatos dos dirigentes da ANS, assim como implicará a

dispensa do Diretor-Presidente, pelo Presidente da República, mediante solicitação do Ministro

de Estado da Saúde, consoante os arts. 8, IV; e 15 da Lei nº 9.961/2000.

Verifica-se, deste modo, que, há para a ANS a obrigação legal de firmar contrato de

gestão, com objetivos e metas definidos a serem postos em execução no setor, sob supervisão

ministerial. Dito de outro modo, é forma de controle do Poder Público voltada para a

prossecução de objetivos públicos.

O contrato de gestão pactuado entre a ANS e o Ministério da Saúde em dezembro de

2014, com prazo de vigência de três anos, denominado contrato de gestão 2015-2017, possui

por objetivo “o monitoramento e avaliação interna; revisão de processos e resultados; correção

336 Art. 14. A administração da ANS será regida por um contrato de gestão, negociado entre seu Diretor-Presidente

e o Ministro de Estado da Saúde e aprovado pelo Conselho de Saúde Suplementar, no prazo máximo de cento e

vinte dias seguintes à designação do Diretor-Presidente da autarquia.

Parágrafo único. O contrato de gestão estabelecerá os parâmetros para a administração interna da ANS, bem assim

os indicadores que permitam avaliar, objetivamente, a sua atuação administrativa e o seu desempenho.

Art. 15. O descumprimento injustificado do contrato de gestão implicará a dispensa do Diretor-Presidente, pelo

Presidente da República, mediante solicitação do Ministro de Estado da Saúde.

Art. 36. São estendidas à ANS, após a assinatura e enquanto estiver vigendo o contrato de gestão, as prerrogativas

e flexibilidades de gestão previstas em lei, regulamentos e atos normativos para as Agências Executivas. (BRASIL.

Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, que cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras

providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 jan. 2000.) 337 MOREIRA, Egon Bockmann. As agências executivas brasileiras e os “contratos de gestão”. In: CUÉLLAR,

Leila; MOREIRA, Egon Bockmann. Estudos de direito econômico. V.1. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 251.

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de rumos; verificação de impactos”338 dirigidos aos seguintes eixos direcionais: qualificação da

saúde suplementar; sustentabilidade do setor, articulação institucional e desenvolvimento e

aprimoramento institucional.

1. Qualificação da Saúde Suplementar refere-se ao impacto da regulação (efetividade)

e aos resultados das iniciativas implementadas. São os resultados relativos à interação

com a sociedade e com o cidadão-usuário, em articulação com o setor público e o

Ministério da Saúde. Traduzem mais diretamente a missão e a visão. Essa dimensão

permaneceu com sua nomenclatura original.

2. Sustentabilidade do Setor identifica resultados que permitem focar a estratégia da

organização de acordo com o público-alvo da estratégia de Regulação e Fiscalização

para a geração de saúde em modelos sustentáveis de planos de saúde. São os

resultados dos produtos e serviços específicos da organização; bem como questões

concernentes ao relacionamento com beneficiários, operadoras e prestadores e a

imagem da ANS. Os clientes são a razão de ser da instituição e, em função disso, suas

necessidades devem ser identificadas, entendidas e utilizadas, de forma que os

produtos possam ser desenvolvidos e os serviços oferecidos, agregando o valor

necessário para a sociedade. Essa dimensão anteriormente era denominada de

Sustentabilidade do Mercado (SM)

3. Articulação Institucional com o setor identificam os processos internos que

permitem a interação entre os atores do setor e a satisfação de suas necessidades, de

acordo com processos endógenos e exógenos (regulatórios), de forma a alcançar os

produtos e serviços desejáveis. Esse eixo, inicialmente era denominado de Articulação

Institucional (AI), em 2010 passou a ser denominado de Articulação e Aprimoramento

Institucional (AAI).

4. Desenvolvimento e Aprimoramento Institucional correspondem ao aprendizado e

crescimento e identifica a infraestrutura que possibilita a consecução dos objetivos

das três primeiras perspectivas e decorrem de três fontes principais: Pessoas, Sistemas

e Alinhamento Organizacional. A gestão de recursos permanece nessa dimensão,

sendo que as dimensões de gestão da informação e do conhecimento apresentam sua

origem nessa dimensão. Esse eixo era denominado de Desenvolvimento Institucional

(DI).339

Maria de Fátima Siliansky de Andreazzi sustenta que embora os objetivos da ANS se

encontrem em permanente (re)definição como resposta aos interesses sobre os quais a ação

reguladora intervirá, a finalidade da agência pode ser identificada como: a garantia de

cumprimento dos contratos, o equilíbrio econômico-financeiro, a preservação da qualidade do

produto (assistência à saúde), a garantia de adequadas condições de acesso à assistência à saúde

e a defesa da concorrência.340

Tendo por fundamento a sustentabilidade do setor, eixo direcional da ANS, que deve se

dirigir, da mesma forma, para a sustentabilidade das empresas aí inseridas. Januário Montone

338 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Contrato de gestão 2015-17, relatório de execução.

Disponível em: <http://www.ans.gov.br/index.php/aans/transparencia-institucional/prestacao-de-contas/155-

contratos-de-gestao>. Acesso em: 14 ago. 2017. p. 2. 339 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Contrato de gestão 2015-17, relatório de execução.

Disponível em: <http://www.ans.gov.br/index.php/aans/transparencia-institucional/prestacao-de-contas/155-

contratos-de-gestao>. Acesso em: 14 ago. 2017. p. 3. 340 ANDREAZZI, Maria de Fátima Siliansky de. Mercado de Saúde Suplementar: amplitudes e limites na arena

da regulação. In: Documentos técnicos de apoio ao fórum de saúde suplementar de 2003. MONTONE,

Januário; CASTRO, Antônio Joaquim Werneck de (Org.). Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2004. p. 129.

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sustenta que, para a melhor compreensão da regulação do setor de saúde suplementar, é

necessário analisar a atuação normativa e fiscalizadora da ANS em dimensões distintas, quais

sejam: a) regulação dos aspectos assistenciais; b) condições de ingresso, operação e saída do

setor; c) regulação de preço; d) fiscalização e efetividade da regulação; e) comunicação e

informação e; f) ressarcimento ao SUS.341

A regulação da ANS pode, sinteticamente, ser dividida em dois campos: a regulação

assistencial, que diz respeito às relações entre os agentes regulados e os respectivos

beneficiários e; a regulação técnico-assistencial, que leva em conta o controle, normatização e

fiscalização pela ANS das relações entre as operadoras e seus beneficiários, prestadores e o

SUS.

Destaque-se que, de acordo com os objetivos propostos no presente trabalho, o interesse

maior recai sobre aquelas dimensões que, direta ou indiretamente, se relacionam com o contrato

de prestação de serviços e, portanto, nem todas serão tratadas ou, ainda que o sejam, não se

aprofundará no tema.

Neste desiderato, a regulação dos aspectos assistenciais assume papel de relevo e sobre

a qual passa-se a tratar.

4.4 A REGULAÇÃO ASSISTENCIAL

Conforme antecipado, os produtos ofertados após a edição da Lei nº 9.656/1998

possuem cobertura definida no plano-referência que atende a exigências mínimas para os

segmentos de atendimento ambulatorial, hospitalar, hospitalar com obstetrícia e

odontológico.342

Entretanto, foi pela Resolução nº 195/2009 da ANS que, revogando a Resolução nº

14/1998 do CONSU, se regulamentou os regimes de contratação dos planos de saúde, que são

classificados em: (i) – individual ou familiar; (ii) – coletivo empresarial; ou (iii) – coletivo por

adesão.343

341 MONTONE, 2003, p. 19. 342 De acordo com o art. 12 da Lei nº 9.656/1998. 343 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 195, de 14 de julho de

2009, que dispõe sobre a classificação e características dos planos privados de assistência à saúde, regulamenta a

sua contratação, institui a orientação para contratação de planos privados de assistência à saúde e dá outras

providências. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MTQ1OA==

>. Acesso em: 14 jun. 2017.

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De acordo com a referida resolução, o plano individual ou familiar oferece cobertura da

atenção prestada para a livre adesão de beneficiários, pessoas naturais, com ou sem grupo

familiar, o plano coletivo empresarial, por seu turno, oferece cobertura da atenção prestada à

população delimitada e vinculada à pessoa jurídica por relação empregatícia ou estatutária e, o

plano privado de assistência à saúde coletivo por adesão oferece cobertura da atenção prestada

à população que mantenha vínculo com pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou

setorial.

Ainda acerca da mesma resolução, o modelo de contratação estabelece os limites do

risco da operação e a possibilidade da seleção de risco.

No caso de contrato de plano privado de assistência à saúde individual ou familiar, o

mesmo poderá conter cláusula de agravo ou cobertura parcial temporária, para as situações de

doenças ou lesões preexistentes, consoante o dispositivo legal.

Em sendo um contrato coletivo empresarial com número de participantes igual ou

superior a trinta beneficiários ou um contrato coletivo por adesão não poderá ser exigido o

cumprimento de quaisquer prazos de carência, desde que o beneficiário formalize o pedido de

ingresso em até trinta dias da celebração do contrato coletivo ou, no caso de contrato coletivo

empresarial, de sua vinculação a pessoa jurídica contratante. Contudo, no caso de contratos

coletivos por adesão é possível a existência de cláusula de agravo ou cobertura parcial

temporária, nos casos de doenças ou lesões preexistentes, o que é explicitamente vedado para

os contratos coletivos empresariais.

Acerca da definição, da segmentação e da classificação das operadoras de planos de

assistência à saúde, a ANS editou a Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 39/2000344

para fins de aplicação do art. 1º da Lei nº 9.656/98.

A RDC nº 39/2000 define a operação econômica de planos privados de saúde como

sendo as atividades de administração, comercialização ou disponibilização dos planos,

classificando as empresas como: administradora de planos; cooperativa médica; cooperativa

odontológica; autogestão; medicina de grupo; odontologia de grupo; ou filantropia.

344 BRASIL, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 39, de 27

de outubro de 2000, que dispõe sobre a definição, a segmentação e a classificação das Operadoras de Planos de

Assistência à Saúde. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=Mzgw>.

Acesso em: 14 jun. 2017.

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Em relação à segmentação contratada, a RDC nº 39/2000 leva em conta a viabilidade

de utilização de rede própria das operadoras de planos de atenção médico-hospitalar e de

atenção odontológica para o atendimento dos seus beneficiários.345

Observe-se que, em relação às seguradoras de planos de saúde, a Lei nº 10.185/2001

estabeleceu que somente sociedades seguradoras que estejam constituídas como seguradoras

especializadas é que poderão operar este tipo de seguro, sujeitando-se às normas e à fiscalização

da ANS.

Independentemente do regime de contrato ou de como é classificada a empresa, as

operadoras de planos de saúde se caracterizam, conforme os incisos I e II do art. 1º da Lei nº

9.656/1998, pela (a) prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a

preço pré ou pós estabelecido, (b) por prazo indeterminado, (c) com a finalidade de garantir,

sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por

profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede

credenciada, contratada ou referenciada, (d) visando a assistência médica, hospitalar e

odontológica, (e) a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada,

mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.

Com fundamento legal no art. 12 da Lei nº 9.656/1998, os contratos de planos de saúde

devem assegurar a cobertura básica, que sofre atualizações periódicas realizadas pela ANS, no

345 Art. 4º As Operadoras de Planos que, na forma do artigo anterior, atuam no tipo de atenção médico-hospitalar

segmentam-se em: I segmento primário principal - SPP: as que despendem, em sua rede própria, mais de 60%

(sessenta por cento) do custo assistencial relativo aos gastos em serviços hospitalares referentes a seus Planos

Privados de Assistência à Saúde; II segmento primário principal / SUS SPP/SUS: as que despendem, em sua rede

própria, mais de 60% (sessenta por cento) do custo assistencial relativo aos gastos em serviços hospitalares

referentes a seus Planos Privados de Assistência à Saúde e que prestam ao menos 30% (trinta por cento) de sua

atividade ao Sistema Único de Saúde - SUS; III segmento primário subsidiário - SPS: as que despendem, em sua

rede própria, entre 30% (trinta por cento) e 60% (sessenta por cento) do custo assistencial relativo aos gastos em

serviços hospitalares referentes a seus Planos Privados de Assistência à Saúde; IV segmento secundário principal

- SSP: as que despendem, em sua rede própria, mais de 60% (sessenta por cento) do custo assistencial relativo aos

gastos em serviços médicos referentes a seus Planos Privados de Assistência à Saúde; V segmento secundário

subsidiário - SSS: as que despendem, em sua rede própria, entre 30% (trinta por cento) e 60% (sessenta por cento)

do custo assistencial relativo aos gastos em serviços médicos referentes a seus Planos Privados de Assistência à

Saúde; ou VI segmento terciário ST: as que despendem, em sua rede própria, menos de 30% (trinta por cento) do

custo assistencial relativo aos gastos em serviços médicos ou hospitalares referentes a seus Planos Privados de

Assistência à Saúde.

§ 1º O enquadramento das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde dar-se-á, exclusivamente, em um único

segmento.

§ 2º Na hipótese de as Operadoras de Planos de Assistência à Saúde se enquadrarem em mais de um segmento,

prevalecerá, para fins do disposto no parágrafo anterior, o critério relativo aos gastos em serviços hospitalares.

Art. 5º As Operadoras de Planos, que atuam no tipo de atenção odontológico descrito no inciso II do art. 3º,

segmentam-se em: I segmento próprio - SP: as que despendem, em sua rede própria, mais 30% (trinta por cento)

do custo assistencial relativo aos gastos em serviços odontológicos referentes a seus Planos Odontológicos; II

segmento misto - SM: as que despendem, em sua rede própria, entre 10% (dez por cento) e 30% (trinta por cento)

do custo assistencial relativo aos gastos em serviços odontológicos referentes a seus Planos Odontológicos; ou III

segmento terciário - ST: as que despendem, em sua rede própria, menos de 10% (dez por cento) do custo

assistencial relativo aos gastos em serviços odontológicos referentes a seus Planos Odontológicos.

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âmbito de competência que lhe confere o §4º do art. 10 da Lei nº 9.656/98. A cobertura

assistencial obrigatória é a lista dos procedimentos, exames e tratamentos vigentes no ato de

solicitação de procedimento pelo médico assistente, e que corresponde ao Rol de Procedimentos

e Eventos em Saúde.

O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde é a cobertura mínima obrigatória válida

para todos os contratos de planos de saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 ou

regulamentados, e é revista a cada dois anos.346

A última alteração no Rol se deu em virtude da edição da RN nº 428, de 7 de novembro

de 2017, que além de atualizar a cobertura mínima exigida também atualiza o rol de

Procedimentos e Eventos em Saúde de Alta Complexidade – PAC, que é definido, para fins de

cobertura, como os procedimentos extraídos do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde que

podem ser objeto de Cobertura Parcial Temporária – CPT, nos casos de doenças e lesões

preexistentes – DLP.

Destaque-se que, pelo art. 2º da RN nº 428/2017, admite-se que as operadoras de

assistência à saúde possam oferecer cobertura maior do que a mínima obrigatória prevista, por

sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual.

A revisão do Rol também apresenta princípios a serem observados na atenção à saúde

suplementar em todos os níveis de complexidade, respeitando as segmentações contratadas,

visando a promoção da saúde, a prevenção de riscos e doenças, o diagnóstico, o tratamento, a

recuperação e a reabilitação: (i) atenção multiprofissional; (ii) integralidade das ações

respeitando a segmentação contratada; (iii) incorporação de ações de promoção da saúde e

prevenção de riscos e doenças, bem como de estímulo ao parto normal; (iv) uso da

epidemiologia para monitoramento da qualidade das ações e gestão em saúde; (v) adoção de

medidas que evitem a estigmatização e a institucionalização dos portadores de transtornos

mentais, visando ao aumento de sua autonomia.347

Como anexos à RN nº 428/2017 encontram-se: as Diretrizes de Utilização – DUT – que,

baseada nas melhores evidências científicas disponíveis, estabelece os critérios a serem

346 CESCHIN, Maurício. O impacto do novo rol de procedimentos. Revista do GVsaúde da FGV-EAESP, São

Paulo, n. 11, 2011. Disponível em: <http://gvsaude.fgv.br/sites/gvsaude.fgv.br/files/debates11.pdf>. Acesso em:

17 mar. 2018. p. 8. 347 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa - RN nº 428, de 7 de novembro de

2017, que Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura

assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999; fixa

as diretrizes de atenção à saúde; e revoga as Resoluções Normativas – RN nº 387, de 28 de outubro de 2015, e RN

nº 407, de 3 de junho de 2016. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzUwMg==

>. Acesso em: 15 nov. 2017.

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observados para que sejam asseguradas as coberturas de alguns procedimentos e eventos; bem

como, as Diretrizes Clínicas – DC - que visam à melhor prática clínica e; o Protocolo de

Utilização – PROUT - para alguns procedimentos e eventos em saúde.

As DUT são regras e normas elaboradas pela ANS que servem para orientação quanto

ao uso adequado de procedimentos médicos e de exames complementares. São diretivas

baseadas em estudos científicos médicos com a finalidade de utilização das novas tecnologias

ou exames que efetivamente apresentem benefícios para o paciente ou que auxiliem os médicos

no diagnóstico de doenças.

As Diretrizes Clínicas (DCs) podem ser definidas, segundo Wanderley Bernardo, como

“um conjunto de recomendações estruturadas, submetidas à atualização periódica à luz das

evidências científicas disponíveis, a fim de produzir ações de melhor qualidade. Procuram

integrar a experiência à melhor evidência clínica externa avaliável, visando o cuidado ao

paciente individual”.348

Partindo-se da definição apresentada, as recomendações são voltadas para a

generalidade dos pacientes e não necessariamente a um determinado indivíduo, mas a

necessidade de utilização desse expediente se deve à exigência de, na visão do autor, uma

“equidade sustentável”.349

Nesta linha de raciocínio, de boas práticas na assistência à saúde, a RN nº 428/2017

admite algumas exclusões ao plano-referência, consoante o §1º do seu artigo 20350, dentre as

quais, chama-se a atenção para o tratamento clínico ou cirúrgico considerado como

experimental em função de o medicamento ou produto solicitado pelo médico assistente se

encontrar em situação off-label. Isto é, que o medicamento ou o produto está sendo solicitado

348 BERNARDO, Wanderley. Diretrizes clínicas baseadas em evidência. In: Organização Pan-Americana da

Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar (org.). A implementação de diretrizes clínicas na atenção à

saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil. Brasília: OPAS; Rio de Janeiro: ANS,

2009. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/ProdEditorialANS_A_i

mplementacao_de_diretrizes_clinicas.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017. p. 41. 349 Ibid., loc. cit. 350 Com fundamento no art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998, são permitidas as seguintes exclusões assistenciais: I -

tratamento clínico ou cirúrgico experimental, isto é, aquele que: a) emprega medicamentos, produtos para a saúde

ou técnicas não registrados/não regularizados no país; b) é considerado experimental pelo Conselho Federal de

Medicina – CFM ou pelo Conselho Federal de Odontologia - CFO; ou c) não possui as indicações descritas na

bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label), ressalvado o disposto no art. 26; II - procedimentos clínicos

ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim; III - inseminação artificial; IV -

tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética; V - fornecimento de medicamentos

e produtos para a saúde importados não nacionalizados; VI - fornecimento de medicamentos para tratamento

domiciliar; VII - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico; VIII - tratamentos

ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes;

IX - casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente; e X -

estabelecimentos para acolhimento de idosos e internações que não necessitem de cuidados médicos em ambiente

hospitalar.

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para finalidade diversa daquela contida na bula ou manual registrado na ANVISA, bem como

inexista evidências científicas sobre a sua eficácia, efetividade e segurança demonstrada pela

Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC – ou a ANVISA

tenha emitido, mediante solicitação da CONITEC, autorização de uso para fornecimento, pelo

SUS.

Os procedimentos e eventos listados no rol podem ser executados por qualquer

profissional de saúde habilitado para a sua realização, respeitados os critérios de

credenciamento, referenciamento, reembolso ou qualquer outro tipo de relação entre a

operadora e prestadores de serviços de saúde.

Ocorre que o rol é permanentemente atualizado e consolida os procedimentos médicos

cobertos pelos planos de saúde, ou seja, é a incorporação de novas tecnologias aplicadas à

assistência à saúde e, portanto, de acordo com a sua complexidade pode gerar um maior ou

menor impacto de custo.351

Maurício Ceschin esclarece que, a pressão da sociedade para a aplicação de novas

tecnologias, que já adentraram no arsenal diagnóstico-terapêutico disponível no país por meio

de registro na ANVISA, cria a demanda necessária para sua utilização pelos prestadores de

serviço. Sendo inevitável a pressão por parte da sociedade para a utilização dessas tecnologias

em saúde352, a opinião dos profissionais da área da saúde, dos centros de pesquisas, dos órgãos

de defesa do consumidor, de sindicatos etc, contribuem para que tais demandas sejam avaliadas

antes de incorporadas ao rol. Contudo, frisa que o objetivo da revisão bienal do rol não é

assegurar necessariamente o avanço tecnológico, mas garantir melhor adequação e adaptação

aos novos eventos.353

Isto porque, considerando os impactos econômico-financeiros da incorporação de novas

tecnologias há uma análise prévia de custo e efetividade, e o objetivo da periodicidade bienal é

garantir previsibilidade, para que todos os atores envolvidos possam se preparar

adequadamente.354

Ocorre que amiúde novos produtos e medicamentos são colocados à disposição dos

profissionais da área de saúde mediante os seus respectivos registros na ANVISA, restando

incorporados ao arsenal terapêutico e, portanto, passíveis de indicação e utilização. Contudo, a

351 CESCHIN, 2011, p. 7. 352 Tecnologia em saúde “é o conjunto de medicamentos, equipamentos, dispositivos e procedimentos

médicos/cirúrgicos usados no cuidado médico, bem como os sistemas organizacionais de apoio mediante os quais

esse cuidado é dispensado”. (CESCHIN, 2011, p. 7.) 353 Ibid., p. 8. 354 Ibid., loc. cit.

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ausência de sua previsão no rol estabelecido pela ANS justificaria, em tese, a negativa de seu

emprego pela operadora. Como visto, pelo contrato de plano de saúde, a operadora se obriga

pela qualidade, segurança e adequação do tratamento a seus beneficiários. Daí que, é possível

admitir-se que eventual tecnologia (produto ou medicamento), mesmo que ainda não

internalizada no rol, seja a necessária e contratualmente obrigatória prestação.

Há, contudo, uma outra questão que merece atenção. É o caso da prescrição médica de

uso off-label de determinado medicamento. Como visto, a ANS exclui do plano-referência a

utilização de medicamentos que não possuem as indicações descritas na bula/manual registrado

na ANVISA.

O uso de determinado medicamento ou produto com finalidade off-label, ou seja,

finalidade distinta daquela contida na bula ou manual, pode ocorrer de dois modos. Por um

lado, a medicação ou produto é prescrito de maneira experimental, pois carece de

reconhecimento em nível internacional de qualquer evidência científica para o uso como

proposto pelo médico assistente, e não pode ser tido como instrumento apto para o tratamento.

De outro lado, a medicação já é comercializada, sua maior eficácia frente às demais registradas

(na ANVISA) já é reconhecida pela comunidade científica, mas é indicada pelo médico

assistente com propósito distinto do encontrado na bula. Neste caso, a ANVISA esclarece que

Uma vez comercializado o medicamento, enquanto as novas indicações não são

aprovadas, seja porque as evidências para tal ainda não estão completas, ou porque a

agência reguladora ainda as está avaliando, é possível que um médico já queira

prescrever o medicamento para um seu paciente que tenha uma delas. Podem também

ocorrer situações de um médico querer tratar pacientes que tenham uma certa condição

que, por analogia com outra semelhante, ou por base fisiopatológica, ele acredite

possam vir a se beneficiar de um determinado medicamento não aprovado para ela.

Quando o medicamento é empregado nas situações descritas acima está caracterizado

o uso off-label do medicamento, ou seja, o uso não aprovado, que não consta da

bula.355

Ou seja, pode ocorrer que a burocracia retarde a incorporação de determinada indicação

para medicamentos em solo brasileiro, mas que já é reconhecida pela comunidade científica

internacional. Portanto, quando a indicação off-label se dá numa perspectiva experimental, não

há que se falar em descumprimento contratual frente a negativa de cobertura por parte das

operadoras. Porém, quando a indicação é considerada off-label no Brasil, mas utilizada além-

355 BRASIL, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Uso off label de medicamentos. Disponível em:

<http://portal.anvisa.gov.br/resultado-de-

busca?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-

1&p_p_col_count=1&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=2863214

&_101_type=content&_101_groupId=219201&_101_urlTitle=uso-off-label-de-

medicamentos&inheritRedirect=true>. Acesso em: 15 abr. 2018.

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fronteiras com eficácia comprovada, não se pode pretender ver afastada a responsabilidade pelo

seu fornecimento uma vez que o tratamento da doença esteja previsto contratualmente. Pois,

como já decidido

os medicamentos considerados off label não devem ser confundidos com os

experimentais, estes sim excluídos, de acordo com o art. 10 da Lei 9656/98. Tratam-

se aqueles de medicamentos idôneos, os quais apenas seu uso não foi aprovado, que

não consta da bula, seja por ainda estar em análise das agências reguladoras ou por

sua evidência ainda não estar completa, o que não implica em dizer que não será

aprovado ou que já não o foi em outro país. Portanto, o uso de off label não está

incorreto e cabe ao médico requisitar e entender que tal medicamento será melhor

eficaz ao seu paciente, e não ao plano de saúde, caracterizando, assim, o ilícito e a

abusividade na negativa do tratamento.356

Ademais, pode-se inferir que ocorre excesso de regulação pela ANS quando a RN nº

424/2017357, que prevê a possibilidade de junta médica para dirimir divergência técnico-

assistencial sobre procedimento ou evento em saúde a ser coberto pelas operadoras de planos

de assistência à saúde, veda a sua utilização quando da indicação de Órteses, Próteses e

Materiais Especiais — OPME — ou medicamento para uso não constante no manual, instrução

de uso ou bula (off label), exceto quando a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias

no SUS – CONITEC tenha demonstrado as evidências científicas sobre a sua eficácia, a sua

efetividade e a segurança do medicamento ou do produto para o uso pretendido ou, ainda,

quando a ANVISA tenha emitido, mediante solicitação da CONITEC, autorização de uso para

fornecimento pelo SUS.358

356 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. 2ª Turma Recursal. RI 000801027201581600210 PR 0008010-

27.2015.8.16.0021/0 (Acórdão), Relator: Marcelo de Resende Castanho, Data de Julgamento: 12 mai. 2016,

Diário de Justiça, 19 mai. 2016. 357 BRASIL, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 424, de 26 de junho de

2017, que dispõe sobre critérios para a realização de junta médica ou odontológica formada para dirimir

divergência técnico-assistencial sobre procedimento ou evento em saúde a ser coberto pelas operadoras de planos

de assistência à saúde. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzQzOQ==

>. Acesso em: 18 set. 2017. 358 Art. 3º Não se admite a realização de junta médica ou odontológica nas seguintes situações: V – indicação de

OPME ou medicamento sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, ou para uso não

constante no manual, instrução de uso ou bula (off label), exceto quando: a) a Comissão Nacional de Incorporação

de Tecnologias no SUS – CONITEC tenha demonstrado as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a

efetividade e a segurança do medicamento ou do produto para o uso pretendido; e b) a ANVISA tenha emitido,

mediante solicitação da CONITEC, autorização de uso para fornecimento pelo SUS dos referidos medicamentos

e produtos, nos termos do art. 21 do Decreto nº 8.077, de 14 de agosto de 2013. (BRASIL, Agência Nacional de

Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 424, de 26 de junho de 2017, que dispõe sobre critérios para

a realização de junta médica ou odontológica formada para dirimir divergência técnico-assistencial sobre

procedimento ou evento em saúde a ser coberto pelas operadoras de planos de assistência à saúde. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzQzOQ==

>. Acesso em: 18 set. 2017.)

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Não é razoável excluir-se da possibilidade de instauração de junta médica os casos off

label cujas evidências científicas sejam de órgãos distintos do CONITEC, mas reconhecidos

pela comunidade científica internacional.

No que diz com as Carências e as Doenças e Lesões Preexistentes, o art. 12 da Lei nº

9.656/1998 faculta a oferta, a contratação e a vigência dos contratos de planos de saúde

estipulando o prazo máximo de carência de 300 (trezentos) dias para partos a termo; 180 (cento

e oitenta) dias para os demais casos e 24 (vinte e quatro) horas para a cobertura dos casos de

urgência e emergência.

A carência especial relativa a doenças e lesões preexistentes está disciplinada no art. 11

da Lei nº 9.656/1998 que veda a exclusão dessa cobertura após o prazo de 24 (vinte e quatro)

meses da assinatura do contrato.

No prazo de carência o consumidor não possui o direito a determinadas coberturas

contratuais, ou seja, atribui-se um lapso temporal entre a celebração do contrato e a efetiva

possibilidade de utilização dos serviços contratados.

Leonardo Vizeu Figueiredo ensina que sua finalidade é

a capitalização da empresa para que este possa garantir um equilíbrio atuarial, de

cunho econômico e financeiro, em relação à sua base de beneficiários, em face de suas

coberturas, mormente procedimentos médicos de maior complexidade e

consequentemente de maior custo. Outrossim, com a exigência da carência, coibi-se

o risco moral por parte dos consumidores, no qual contratam o plano somente durante

o período de enfermidade, vindo a descartá-lo a posteriori, quando de seu

restabelecimento, bem como a seleção adversa de mercado.359

Saliente-se que, para os contratos de planos coletivo empresarial e coletivo por adesão

não poderá ser exigido o cumprimento de quaisquer prazos de carência, nos termos da RN nº

195/2009 já discutida.

A mesma RN nº 195/2009 admite a possibilidade de existência de cláusula de agravo

ou cobertura parcial temporária em decorrência de doença ou lesão preexistente no caso de

contratos coletivos por adesão, vedando-as para os contratos coletivos empresariais.

Por meio da RN nº 186/2009, a ANS regulou a portabilidade de carências, sem a

imposição de cobertura parcial temporária. Desta forma, o prazo de carência cumprido em face

de determinada empresa é totalmente aproveitado pelo consumidor quando da contratação de

plano de saúde de outra empresa.

Destaque-se que os prêmios pagos durante o período de carência são aproveitados

apenas pela empresa ao qual o beneficiário se encontra contratualmente vinculado, e, portanto,

359 FIGUEIREDO, 2012, p. 205.

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tais valores pagos, e necessários à capitalização da empresa para a prestação de serviços, não

acompanham a portabilidade, não sendo transferidos para a novel operadora.

Em 2011, houve alteração nas regras de portabilidade pela RN nº 252/2011 que, dentre

outras medidas, deixa de exigir a abrangência geográfica do plano como critério para a

compatibilidade entre produtos. Assim, o beneficiário de um plano municipal poderá exercer a

portabilidade para um plano estadual, bem como destes para um nacional.

De acordo ainda com a resolução referida, a permanência mínima no plano inicial é

reduzida de dois para um ano, a partir da segunda portabilidade; e passa a ser obrigatória a

informação, no boleto de pagamento, da data inicial e final do período para solicitação de

portabilidade de carências.

A RN nº 252/2011 ainda instituiu a portabilidade especial tanto para beneficiário de

operadora que tenha seu registro cancelado pela ANS ou que esteja em processo de Liquidação

Extrajudicial, quanto beneficiário de plano de saúde em que tenha ocorrido a morte do titular

do contrato. Neste último caso, o direito à portabilidade foi estendido aos beneficiários de

planos coletivos por adesão novos ou adaptados. Em ambas, as situações, o prazo de

portabilidade é de 60 (sessenta) dias, a partir do evento que oportuniza a portabilidade.

A portabilidade, entretanto, é um exemplo de descabida intervenção estatal em

detrimento da autonomia das vontades privadas dos particulares envolvidos, sob a justificativa

de correção de falhas de mercado. Por um lado, os prazos de carência e de CPT têm por

pressuposto a higidez econômico-financeira do setor uma vez que pretendem corrigir a seleção

adversa, onde os serviços de saúde tendem a atrair os consumidores de alto risco e repelir os

consumidores de baixo risco, assim como o controle do risco moral, pelo qual os consumidores

realizam contratos de cobertura reduzidas, mais baratos, socorrendo-se, eventualmente, de

forma abusiva de seus direitos consumeristas, visando o acesso a procedimentos e tratamentos

médicos mais complexos e onerosos sabendo não ser beneficiário.360

Como consequência dos prazos de carência assim como da CPT, é natural que os

consumidores permaneçam por longos períodos num mesmo plano de saúde, o que lhes atribui

a característica de um contrato cativo.361

Por outro lado, observando-se a dificuldade enfrentada pelos consumidores para uma

eventual troca de operadora de planos de saúde, mormente no que concerne aos prazos de

carência e eventuais CPT, a portabilidade funciona como mecanismo capaz de estimular a

360FIGUEIREDO, 2012, p. 207. 361 Ibid., loc. cit.

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concorrência no setor, forçando eventual redução dos prêmios mensais, e com benefício para

os consumidores.362

Em íntima relação com a CPT, a existência de doenças e lesões preexistentes – DLP –

deve ser noticiada à empresa prestadora de assistência à saúde.

O art. 11 da Lei nº 9.656/1998 veda a exclusão de cobertura às doenças e lesões

preexistentes à data de contratação do plano de saúde e estabelece prazo de carência especial

de 24 (vinte e quatro) meses, cabendo à operadora o ônus da prova e da demonstração do

conhecimento prévio do consumidor.

Em 2007, a ANS editou a RN nº 162/2007 que estabeleceu a obrigatoriedade da Carta

de Orientação ao Beneficiário portador de preexistência, dispôs sobre as DLP, CPT e oferta de

agravo e, ainda, sobre a declaração de saúde e o processo administrativo para a comprovação

de conhecimento prévio de DLP pelo beneficiário.363

Pela resolução em comento, a Carta de Orientação ao Beneficiário foi instituída como

parte integrante obrigatória dos contratos de planos privados de assistência à saúde individuais

ou familiares e coletivos, em que haja previsão de cláusula de agravo ou cobertura parcial

temporária, sendo documento padronizado pela ANS, que visa orientar o beneficiário sobre o

preenchimento da declaração de saúde.

A declaração de saúde consiste num formulário, elaborado pela operadora, para registro

de informações sobre as doenças ou lesões de que o beneficiário saiba ser portador, no momento

da contratação ou da adesão contratual, sendo vedadas quaisquer perguntas sobre hábitos de

vida, sintomas ou uso de medicamentos, de acordo com o art. 10 da RN nº 162/2007.

Deve ser facultado um médico indicado pela operadora para a orientação do beneficiário

no preenchimento da declaração de saúde, sem ônus financeiro.

A declaração de saúde deverá, obrigatoriamente, conter a informação a respeito das

consequências previstas na legislação, de rescisão contratual e de responsabilidade do

beneficiário por despesas realizadas com os procedimentos que seriam objetos de CPT, caso

venha a ser comprovada junto à ANS, a fraude.

362 FIGUEIREDO, 2012, p. 209-210. 363 BRASIL, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 162, de 17 de outubro de

2007, que estabelece a obrigatoriedade da Carta de Orientação ao Beneficiário; dispõe sobre Doenças ou Lesões

Preexistentes (DLP); Cobertura Parcial Temporária (CPT); Declaração de Saúde e sobre o processo administrativo

para comprovação do conhecimento prévio de DLP pelo beneficiário de plano privado de assistência à saúde no

âmbito da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MTIyMw==

>. Acesso em: 14 jun. 2017.

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Conforme o artigo 15 da resolução em comento, identificado indício de fraude por parte

do beneficiário, referente à omissão de conhecimento de DLP, a operadora deverá comunicar

imediatamente a alegação de omissão de informação ao beneficiário através de Termo de

Comunicação ao Beneficiário, podendo: (a) oferecer CPT ao beneficiário pelos meses restantes

até completar o período máximo de 24 (vinte e quatro) meses da assinatura contratual ou da

adesão; (b) oferecer agravo ou; (c) solicitar abertura de processo administrativo junto à ANS,

quando identificado indício de fraude ou recusa do beneficiário à CPT.

Somente serão deferidas solicitações de abertura de processos administrativos de

alegação de DLP que possam gerar necessidade de eventos cirúrgicos, uso de leitos de alta

tecnologia e procedimentos de alta complexidade, de acordo com o definido no Rol de

Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS em vigor.

Não será permitida a negativa de cobertura assistencial sob qualquer alegação, assim

como a suspensão ou rescisão unilateral de contrato, até a publicação pela ANS do

encerramento do processo administrativo, ficando a operadora sujeita às penalidades previstas

na legislação em vigor. À operadora recai o ônus da prova, ela deve comprovar o conhecimento

prévio do beneficiário de DLP, não declaradas no momento da contratação ou adesão ao plano

privado de assistência à saúde, conforme o seu art. 16.

A legislação é expressa ao vedar a rescisão unilateral do contrato, nos termos do inciso

II do art. 13, da Lei nº 9.656/1998, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por

período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do

contrato.

De outra banda, versando acerca do atendimento em Situações de Urgência e

Emergência, a Lei nº 9.656/1998 determina a obrigatoriedade de atendimento nos casos de

emergência e urgência, a partir de 24 (vinte e quatro) horas da assinatura do contrato. A

definição de emergência e de urgência se encontra disciplinada no art. 35-C in verbis

I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de

lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;

II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de

complicações no processo gestacional;

Estas definições, entretanto, não guardam fiel correspondência àquelas oriundas da

Resolução 1451/1995 do Conselho Federal de Medicina – CFM -364, que é reproduzida pela

Portaria nº 354/2014 do Ministério da Saúde. Para os dois instrumentos normativos, emergência

364 BRASIL, Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1451, de 10 de março de 1995. Disponível em:

<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1995/1451_1995.htm>. Acesso em 17 jun. 2017.

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é a constatação médica de condições de agravo a saúde que impliquem sofrimento intenso ou

risco iminente de morte, exigindo, portanto, tratamento médico imediato e; urgência é a

ocorrência imprevista de agravo a saúde como ou sem risco potencial a vida, cujo portador

necessita de assistência médica imediata.

A disciplina para a cobertura dos casos de urgência e emergência está contida na

Resolução CONSU nº 13/1998 e varia de acordo com a segmentação de cobertura contratada.365

No caso de plano ambulatorial, disciplinado pelo art. 2º, a garantia de cobertura de

urgência e emergência é limitada até as primeiras 12 (doze) horas do atendimento. A partir deste

marco temporal, a responsabilidade financeira passará a ser do contratante sobre a realização

de procedimentos exclusivos da cobertura hospitalar, ainda que necessários, não cabendo ônus

à operadora.

Para o plano hospitalar, é garantida a cobertura aos atendimentos de urgência e

emergência que evoluírem para internação, desde a admissão do paciente até a sua alta ou que

sejam necessários à preservação da vida, órgãos e funções.

No caso de o beneficiário ainda se encontrar em carência para internamentos

hospitalares, o atendimento de urgência e emergência deverá limitar-se à cobertura assegurada

para o plano ou seguro do segmento ambulatorial, não garantindo, portanto, cobertura para

internação. É admitida, entretanto, a situação de atendimentos de urgência decorrentes de

acidentes pessoais, que será garantida, sem restrições, após decorridas 24 (vinte e quatro) horas

da vigência do contrato. Nos casos em que a atenção não venha a se caracterizar como própria

do plano hospitalar, ou como de risco de vida, ou ainda, de lesões irreparáveis, não haverá a

obrigatoriedade de cobertura por parte da operadora.

Indiferentemente de serem contratados sem ou com obstetrícia, os planos hospitalares

devem garantir o atendimento de urgência e emergência relacionados ao processo gestacional.

Caso a beneficiária se encontre cumprindo o prazo de carência para o segmento hospitalar, o

atendimento assegurado é o mesmo garantido para o segmento ambulatorial, consoante ao art.

4º da resolução.

Somente os contratos de plano-referência garantem a cobertura integral dos

atendimentos de urgência e emergência, decorridos 24 (vinte e quatro) horas da assinatura

contratual, para os segmentos ambulatorial e hospitalar. Quanto aos beneficiários que se

365 BRASIL, Agência de Saúde Suplementar. Resolução do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU nº 13,

de 03 de novembro de 1998, que dispõe sobre a cobertura do atendimento nos casos de urgência e emergência.

Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzAw>.

Acesso em: 20 jun. 2017.

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encontram em CPT, as coberturas se restringem àquelas do segmento ambulatorial nas situações

de urgência e emergência.

No caso de necessidade de atendimento em unidade mais bem equipada de rede própria,

credenciada ou conveniada, ou, ainda, para unidades do sistema SUS para a continuidade do

tratamento, cabe à operadora responsabilidade pela remoção do paciente, conforme o art. 7º da

resolução em comento.

Traçadas as linhas gerais do objeto do contrato de prestação de serviços em assistência

à saúde, mister se faz necessário identificar sobre quais modelos empresariais recai a regulação

da ANS, ou seja, quais agentes econômicos podem ingressar e realizar a operação econômica

relativa ao setor.

4.5 OS AGENTES REGULADOS E AS CONDIÇÕES DE SEU INGRESSO, OPERAÇÃO E

SAÍDA DO SETOR

Por definição legal, os agentes regulados no setor de saúde suplementar são as

operadoras de plano de assistência à saúde, caracterizadas como pessoa jurídica de direito

privado, constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade

de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de plano privado de assistência à saúde.366

Impende destacar que, em relação aos demais agentes envolvidos na operação

econômica que se perfaz pela rede contratual de planos de saúde, ou seja, os demais prestadores

(hospitais, clínicas, profissionais de saúde autônomos, serviços de diagnóstico por imagem,

laboratórios etc.), a regulação da ANS limita-se à exigência de formalização, em contratos

escritos entre operadoras e prestadores de serviços, das obrigações e responsabilidades entre

essas empresas, sob pena de sanção à operadora.367

Como adrede visto, para fins de aplicação do art. 1º da Lei nº 9.656/1998, a RDC nº

39/2000 classificou os segmentos que operam no mercado de saúde suplementar como sendo:

administradoras; cooperativas médicas e odontológicas; autogestões; medicinas e odontologias

de grupo; seguradoras e filantropia.

366 Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a

preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a

assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente

escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica,

hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante

reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor. (art. 1º, I, da Lei nº 9.656/1998) 367 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Contrato entre operadoras e prestadores. Disponível

em: <http://www.ans.gov.br/prestadores/contrato-entre-operadoras-e-prestadores>. Acesso em: 19 nov. 2017.

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Por inteligência da RN nº 196/2005, que alterou a RDC nº 39/2000, a figura das

administradoras foi substituída pelas administradoras de benefícios, que são empresas que

propõe a contratação de plano coletivo na condição de estipulante ou que prestam serviços para

pessoas jurídicas contratantes de planos privados de assistência à saúde coletivos, sendo-lhes

vedada a existência de rede própria, credenciada ou referenciada de serviços médico-

hospitalares ou odontológicos para oferecer aos beneficiários da pessoa jurídica contratante.

As cooperativas médicas e odontológicas, por seu turno, são sociedades de pessoas sem

fins lucrativos, constituídas conforme o disposto na Lei nº 5.764/1971 e que operam planos

privados de assistência à saúde e/ou odontológicos. Trata-se de formação societária de

cooperativas de profissionais liberais que atuam, simultaneamente, como cooperados e

prestadores de serviço.368

Cumpre destacar que é a Lei nº 5.764/1971 que rege as relações entre cooperativas e

cooperados e, portanto, não sendo possível a interferência da Lei nº 9.656/1998 naquelas

relações. A aplicação da mesma (Lei nº 9.656/1998) se restringe exclusivamente às relações

entre cooperativas e beneficiários, àqueles a quem são prestados os serviços de assistência à

saúde ou odontológicos contratados.

Leonardo Vizeu Figueiredo esclarece que o modelo de autogestão em assistência à

saúde “é o sistema no qual a própria empresa ou outro tipo de organização institui e administra,

sem finalidade lucrativa, o programa de assistência à saúde de seus beneficiários, reduzindo os

gastos decorrentes com a intermediação das empresas de plano de saúde do mercado”.369

A RN nº 137/2006, alterada pelas RNs nº 148/2007 e nº 355/2014, disciplina as

entidades de autogestão no âmbito do sistema de saúde suplementar, definindo-as como a

pessoa jurídica de direito privado que, por intermédio de seu departamento de recursos humanos

ou órgão assemelhado, opera plano privado de assistência à saúde a um grupo de beneficiários

legalmente estabelecidos, em razão de determinado vínculo com a empresa e, que possibilita a

inclusão de ex-empregados, aposentados, pensionistas dos beneficiários e grupos familiares até

o quarto grau de parentesco consanguíneo, até o segundo grau de parentesco por afinidade,

criança ou adolescente sob guarda ou tutela, curatelado, cônjuge ou companheiro dos

beneficiários.370

368 FIGUEIREDO, 2012, p. 274. 369 Ibid., p. 290. 370 BRASIL, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 137, de 14 de novembro

de 2006, que dispõe sobre as entidades de autogestão no âmbito do sistema de saúde suplementar. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MTExNw=>

. Acesso em: 14 jun. 2017.

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Destaque-se que tal modelo empresarial não trata apenas de assistência à saúde, pois

dele faz parte uma série de benefícios, sendo resultado de uma extensão de política salarial e/ou

assistencialista. Assim, a sistemática financeira destas empresas difere de um plano de pré-

pagamento uma vez que, não se está contratando cobertura em razão do valor despendido, mas

captando uma poupança que é própria de um sistema de repartição simples.371

As operadoras de filantropia são entidades sem fins lucrativos que operam planos de

assistência à saúde e que possuam certificado de entidade filantrópica emitido pelo Conselho

Nacional de Assistência Social — CNAS bem como declaração de utilidade pública federal,

estadual ou municipal, emitida pelos órgãos competentes.372

No que diz respeito às seguradoras especializadas em planos de saúde, deixa-se de fazer

maiores comentários uma vez que tal modelo já foi abordado preteritamente.

O último segmento da operação aqui tratada diz respeito à medicina e odontologia de

grupo, que é conceito estabelecido por critério residual. São, portanto, empresas operadoras de

planos de saúde que não se enquadrem como sendo administradora, cooperativa, seguradora

especializada em saúde, autogestão ou filantropia, e caracterizam-se por ser “um sistema de

atendimento médico-hospitalar de elevado padrão técnico-profissional de serviços e hospitais

próprios, e por contar com uma estrutura que inclui médicos e serviços auxiliares de diagnóstico

credenciados. Opera com planos coletivos, individuais e familiares”.373

No que tange às condições de ingresso, operação e saída do setor de assistência à saúde

suplementar, cumpre ressaltar que cabe à ANS a responsabilidade por toda a sua

regulamentação.

A RN nº 85/2004, com as alterações introduzidas pelas RN nº 100/2005 e RN nº

356/2014, estabelece as disposições normativas para a concessão de autorização de

funcionamento das operadoras no mercado de saúde suplementar, apresentando como requisitos

da autorização o registro da operadora, o registro dos produtos e o plano de negócios.

Para o registro da operadora, o arcabouço normativo exige a constituição de capital

mínimo ou a provisão da operação, integralmente realizada pelos subscritores ou interessados,

sendo 10% (dez por cento), no mínimo, em moeda nacional corrente.374

371 FIGUEIREDO, 2012, 291. 372 Ibid., 292. 373 Ibid., loc.cit. 374 Art. 8º A constituição do capital mínimo ou da provisão para operação, conforme disposto em norma própria,

deverá ser integralmente realizada pelos subscritores ou interessados, sendo 10% (dez por cento), no mínimo, em

moeda corrente. (BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 100, de 03

de junho de 2005, que altera a RN nº 85/2004 e dá outras providencias. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=OTUz>.

Acesso em: 14 jun. 2017.)

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O registro dos produtos ofertados pelas operadoras é condição para a sua

comercialização, mas estes podem sofrer alteração, cancelamento ou suspensão pela ANS. Para

a manutenção da regularidade do registro do produto, a operadora deve:

I - garantir a uniformidade das condições de operação aprovadas pela ANS para todos

os beneficiários vinculados a um mesmo plano de assistência à saúde; II - enviar

regularmente à ANS as informações relativas ao plano, previstas na legislação em

vigor; III - não alterar as características do plano fora dos casos previstos na

legislação, ou sem observar os procedimentos definidos pela ANS; IV - manter as

condições de suficiência da rede de serviços; V - manter atualizada a Nota Técnica de

Registro de Produto - NTRP, de acordo com as normas específicas da ANS; e VI -

manter um fluxo de produção de serviços assistenciais compatível com o universo de

beneficiários assistidos e com a segmentação assistencial do plano.375

Querendo acompanhar a higidez econômico-financeira do mercado de saúde

suplementar, a ANS atua acompanhando o desempenho técnico e financeiro dos entes

regulados, em intervalos de tempo regulares com respaldo normativo no art. 20 da Lei nº

9.656/1998.376/377

O monitoramento e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos agentes

regulados é uma das metas da regulação, pois tanto a qualidade e a garantia de continuidade

nos serviços prestados quanto a capacidade concorrencial das operadoras são diretamente

afetadas pela condição financeira da operadora.378

Indicadores são utilizado pela ANS para o adequado controle das operadoras e, segundo

Leonardo Vizeu Figueiredo, podem ser divididos em quatro tipos:

a) controle de liquidez: constitui-se em instrumento de aferição da capacidade da

operadora em honrar seus compromissos de curto e longo prazos, nos respectivos

casos de liquidez corrente e liquidez geral; b) indicadores de estrutura de capital: a

estrutura de capital, seja pelo monitoramento do grau de endividamento ou pelo nível

de imobilização, também avalia a capacidade financeira da operadora. Níveis altos de

dependência do capital de terceiros ou da venda de ativos permanentes implicam de

forma indireta uma baixa liquidez c) indicadores de custos: procuram medir a

capacidade da operadora em se manter em operação no longo prazo. Sempre que as

despesas forem superiores às receitas, haverá́ um risco iminente de insolvência da

operadora; d) indicadores de rentabilidade: expressa a atratividade financeira do setor,

indicando se os riscos incorridos na operação estão sendo adequadamente

375 Consoante ao art. 20 da RN nº 100/2005. (BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução

Normativa – RN nº 100, de 03 de junho de 2005, que altera a RN nº 85/2004 e dá outras providencias. Disponível

em: <http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=OTUz>.

Acesso em: 14 jun. 2017.) 376 Art. 20. As operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o §1º do art. 1º desta Lei são obrigadas a fornecer,

periodicamente, à ANS todas as informações e estatísticas relativas as suas atividades, incluídas as de natureza

cadastral, especialmente aquelas que permitam a identificação dos consumidores e de seus dependentes, incluindo

seus nomes, inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas dos titulares e Municípios onde residem, para fins do

disposto no art. 32. 377 FIGUEIREDO, 2012, p. 329. 378 Ibid., p. 331.

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remunerados. Caso contrário, haverá́ dificuldades na obtenção de financiamentos e

aportes de capital por parte de investidores.379

A Lei nº 9.656/1998 outorga à ANS mecanismos para impedir que o beneficiário de

planos de saúde venha a sofrer as consequências oriundas da má gestão das empresas. A teor

do art. 24,380 a ANS, verificando anormalidades econômico-financeiras ou administrativas

graves, poderá determinar a alienação da carteira, o regime de direção fiscal ou técnica.

O plano de contas padrão, que uniformiza a contabilidade, e o sistema de garantias e

provisões técnicas, que garante provisões financeiras suplementares, são as medidas de controle

para a proteção dos beneficiários adotadas pela ANS.381

Verificando anormalidades econômico-financeiras ou administrativas, a ANS pode

instaurar os respectivos Regimes Especiais, de direção fiscal para o caso de anormalidades

econômico-financeiras e, de direção técnica em caso de anormalidades administrativas, nos

quais ocorre o acompanhamento presencial feito por agente nomeado pela ANS, bem como a

liquidação extrajudicial, falência ou insolvência civil como mecanismos para o saneamento do

mercado.382

Além disso, uma vez identificado o comprometimento dos serviços prestados por

dificuldades financeiras e/ou administrativas de uma operadora de plano de saúde, a ANS pode

determinar, nos termos dos art. 9 e 10 da RN nº 112/2005383, que a sua carteira de clientes,

379 FIGUEIREDO, 2012, p. 332. 380 Art. 24 - Sempre que detectadas nas operadoras sujeitas à disciplina desta Lei insuficiência das garantias do

equilíbrio financeiro, anormalidades econômico-financeiras ou administrativas graves que coloquem em risco a

continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde, a ANS poderá determinar a alienação da carteira, o regime

de direção fiscal ou técnica, por prazo não superior a trezentos e sessenta e cinco dias, ou a liquidação extrajudicial,

conforme a gravidade do caso. 381 BARROS, Januária Lino de; BEIRUTH, Aziz Xavier. Aplicação de Modelos de Previsão de Insolvência nas

Operadoras de Planos de Saúde do Brasil. Revista de Auditoria, Governança e Contabilidade – RAGC, v. 4,

n. 15, 2016. Disponível em: <http://www.fucamp.edu.br/editora/index.php/ragc/article/viewFile/787/600>.

Acesso em: 18 abr. 2017. p. 18. 382 Ibid, loc.cit. 383 Art. 9. A ANS, [...], determinará a alienação da carteira das operadoras de planos de assistência à saúde nos

seguintes casos: I – por insuficiência das garantias do equilíbrio financeiro, anormalidades econômico-financeiras

ou administrativas graves que coloquem em risco a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde; II - na

vigência de regime de direção fiscal e/ou de direção técnica [...]; Art. 10. As operadoras de planos de assistência à

saúde terão prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data do recebimento do comunicado da decisão da

Diretoria Colegiada para promover a alienação compulsória [...] Resolução Normativa – RN nº 112, de 28 de

setembro de 2005, que dispõe sobre a alienação da carteira das operadoras de planos de assistência à saúde, e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=OTk1>.

Acesso em: 14 jun. 2017.)

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compreendida como o conjunto de contratos em vigor, seja transferida para outra operadora

com a finalidade de continuidade ao atendimento da assistência à saúde.384/385

Para este fim, da manutenção da prestação de serviços aos beneficiários, a ANS editou

a RN nº 384/2015 pela qual, após o prazo de 30 dias, e não sendo promovida a alienação

compulsória da carteira, poderá ser realizada a sua oferta. Neste procedimento, a operadora

adquirente passa a contar com determinados incentivos, de redução das exigências econômicas

como, por exemplo, composição gradual da margem de solvência, possibilidade de ajuste

atuarial, além de não aplicação de medidas sancionatórias relativas à prestação assistencial pelo

prazo de dois períodos de monitoramento.386

Tais benefícios estimulam a transferência da carteira de clientes pela modalidade

alienação compulsória. Contudo, em nada auxiliam a transpor as barreiras da alienação

voluntária, cujas regras estabelecidas na RN nº 112/2005 em nada propiciam a compra e venda

de carteiras do setor.

Por outro lado, na hipótese de alienação voluntária, a operadora adquirente deverá

acrescer consideravelmente as suas garantias financeiras conforme as Resoluções Normativas

RN nº 392/2015 e RN nº 393/2015 que estabelecem, respectivamente, os limites de alocação e

384 FIGUEIREDO, 2012, p. 341. 385 O caso mais emblemático desse tipo de intervenção da ANS ocorreu na maior operadora de planos de saúde do

país. Trata-se do caso da Unimed Paulistana, então com 744 mil usuários, que desde 2009 foi submetida a quatro

regimes especiais de direção fiscal e dois de direção técnica, em razão de problemas de ordem financeira e

administrativa. Apesar da implantação dos referidos regimes, em 02 de setembro de 2015, a ANS determinou a

alienação compulsória da carteira de clientes para outras operadoras, em prazo não superior a 30 dias.

(CALDEIRA, João Paulo. Caso Unimed expões falhas na regulação da ANS. Jornal GGN. Disponível em:

<https://jornalggn.com.br/noticia/caso-unimed-expoe-falhas-na-regulacao-da-ans>. Acesso em: 15 abr. 2017). 386 Art. 4°. Serão concedidos os seguintes incentivos à operadora cuja proposta seja autorizada pela Diretoria

Colegiada via OPRC: I – composição gradual ao longo de cinco anos do aumento da exigência de margem de

solvência decorrente do aumento da carteira em virtude de recepção de beneficiários via OPRC; II – para os planos

privados de assistência à saúde individuais, possibilidade de ajuste atuarial para os novos produtos registrados para

recepcionar as referências operacionais e cadastro de beneficiários via OPRC após 12 (doze) meses do término do

período de adesão aos contratos da operadora que tiver a proposta autorizada, uma vez comprovada, por intermédio

de relatórios auditados por auditores independentes, sinistralidade superior aos percentuais históricos médios dos

últimos 3 (três) anos da operadora com proposta autorizada, conforme regras explicitadas em Instrução Normativa

– IN da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos – DIPRO; III – não aplicação das medidas administrativas

previstas no art. 12-A da RN nº 259, de 17 de junho de 2011, pelo prazo máximo de 2 (dois) períodos de

monitoramento, contados a partir do término do período de adesão aos contratos da operadora que tiver a proposta

autorizada. (BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 384, de 04 de

setembro de 2015, que dispõe sobre oferta pública de referências operacionais e cadastro de beneficiários – OPRC,

estabelecendo requisitos para habilitação e condições especiais para as operadoras com proposta autorizada e altera

a Resolução Normativa – RN nº 112, de 28 de setembro de 2005; a RN nº 186, de 14 de janeiro de 2009, e a RN

nº 316, de 30 de novembro de 2012. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzA2Ng==

>. Acesso em: 14 jun. 2017.)

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de concentração na aplicação dos ativos garantidores das operadoras e as provisões técnicas a

serem observados pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde.387

Tal situação pode resultar no desestímulo de aquisições futuras de novas carteiras

quando se tratar de alienação voluntária, resultando na perda de capacidade de concorrência das

empresas de pequeno ou médio porte uma vez que dificilmente conseguiriam aportar garantias

suficientes como exigido, inclusive podendo resultar na absorção de sua parcela de mercado

por empresas de maior porte.

Ademais, em que pese a relevância de as operadoras de planos de saúde deterem lastros

suficientes para a garantia da assistência à saúde de seus beneficiários, não se pode deixar de

anotar que, ao exercerem atividade que se caracteriza pelo mutualismo, como visto

anteriormente, quanto maior o número de beneficiários, em tese, menor o risco da operação.

4.6 REGULAÇÃO DO PREÇO

Dentre suas atribuições para regular o mercado de saúde suplementar, a ANS atua

monitorando a variação de preços dos contratos de planos de saúde, com vistas à higidez

econômico-financeira do setor, conjuntamente com a política de defesa e proteção do

consumidor388, nos termos do art. 4º, XVII e XXI,389 da Lei nº 9.656/1998.

O preço inicial atribuído a cada produto ofertado pelas operadoras de planos de saúde é

o resultado de cálculos atuariais que é justificado na Nota Técnica de Registro de Produtos —

NTRP —, e que acompanha a solicitação de registro do produto, ficando vigente até que seja

efetuada nova atualização.390

387 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa - RN nº 392, de 9 de dezembro de

2015, que dispõe obre aceitação, registro, vinculação, custódia, movimentação e limites de alocação e de

concentração na aplicação dos ativos garantidores das operadoras no âmbito do sistema de saúde suplementar e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzE1Mg==

>. Acesso em: 25 abr. 2018. BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa - RN nº

393, de 9 de dezembro de 2015, que dispõe sobre aceitação, registro, vinculação, custódia, movimentação e limites

de alocação e de concentração na aplicação dos ativos garantidores das operadoras no âmbito do sistema de saúde

suplementar e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzE1Mg==

>. Acesso em: 25 abr. 2018. 388 FIGUEIREDO, 2012, p. 247. 389 XVII - autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à

saúde, ouvido o Ministério da Fazenda; XXI - monitorar a evolução dos preços de planos de assistência à saúde,

seus prestadores de serviços, e respectivos componentes e insumos. 390 BRASIL, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Manual de instalação, histórico de versão e outros

arquivos – NTRP. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-da-

operadora/registro-e-manutencao-de-operadoras-e-produtos/registro-de-produto/nota-tecnica-de-registro-de-

produtos-ntrp>. Acesso em: 02 fev. 2018. s/p.

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Ressalte-se, todavia, que os índices percentuais de reajuste autorizados anualmente pela

ANS são de observância obrigatória unicamente em relação aos planos individuais e familiares,

uma vez que em relação aos planos coletivos e empresariais, a ANS não considera haver relação

de hipossuficiência entre as partes contratantes e, atua somente monitorando a variação dos

preços praticados.391

A regulação do preço em relação à contraprestação pecuniária por mudança de faixa

etária, decorrente do incremento do risco atuarial de sinistralidade, se encontra prevista a

possibilidade de valores diferidos para faixas etárias distintas, mas que devem obedecer ao art.

15 da Lei nº 9.656/1998, bem como ao Estatuto do Idoso — Lei nº 10.741, de 1º de outubro de

2003. Assim, é necessário determinar a data inicial da contratação dos serviços de acordo com

o seguinte critério: se contratado antes de 2 de janeiro de 1999; entre 2 de janeiro de 1999 e 1º

de janeiro de 2004; depois de 1º de janeiro de 2004.

Nos contratos anteriores à vigência da Lei nº 9.656/1998, ou seja, anteriores a 2 de

janeiro de 1999, prevalece o que estabelecido contratualmente; nos contratos realizados sob a

vigência da Lei e anteriores ao Estatuto do Idoso, as faixas etárias e os percentuais de variação

devem estar expressos no contrato, contudo a lei determina que o valor da mensalidade da

última faixa etária (70 anos) não pode ser superior a seis vezes o valor da faixa inicial. Por

derradeiro, nos contratos em que ambos os dispositivos legais incidem, o número de faixas

etárias aumentou de sete para dez, vedando qualquer variação de faixa acima de 60 anos, na

qual o valor do prêmio não pode ser superior ao valor da primeira faixa etária (0 – 18 anos), de

acordo com a RN nº 63/2003.392

Ainda acerca dos reajustes dos planos individuais e familiares, era possível a revisão

técnica das mensalidades com vistas ao equilíbrio econômico-financeiro, sendo medida

excepcional fundada na teoria da imprevisão, disciplinada pela RN nº 27/2003. Todavia, esta

possibilidade de reajuste se encontra suspensa.

Os percentuais de reajuste e revisão aplicados aos planos coletivos médico-hospitalares,

independente da data da celebração do contrato, assim como as alterações de valores de franquia

e coparticipação, são disciplinados pela RN nº 128/2006.393 Tais variações, sejam elas positivas,

391 FIGUEIREDO, 2012, p. 249. 392 Ibid., p. 252-253. 393 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 128, de 18 de maio de

2006, que estabelece critérios para aplicação de reajuste das contraprestações pecuniárias dos planos privados de

assistência suplementar à saúde médico-hospitalares com ou sem cobertura odontológica, contratados por pessoas

físicas ou jurídicas. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=ODA5>.

Acesso em: 14 jun. 2017.

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negativas ou, ainda que inexistentes, devem ser comunicadas à ANS, por meio de aplicativo

próprio, pelo menos uma vez a cada doze meses.

Carlos Octávio Ocké-Reis destaca que o mercado de planos de saúde se diferencia das

demais atividades econômicas, por ser caracterizado por uma grande susceptibilidade à taxa de

juros, à rigidez dos fatores de produção, à incorporação de tecnologias e às alterações cambiais,

uma vez que a dependência tecnológica exige eventual importação de insumos e de

equipamentos médicos, o que implica numa variação dos preços da saúde e dos planos maior

que a taxa média da inflação da economia.394

Para o autor, nada obstante, as grandes operadoras atuam de forma oligopsônica no

mercado, barateando o custo dos serviços dos prestadores (médicos, hospitais, clínicas etc.),

que possuem baixo poder de barganha, e gerando impacto na qualidade do material dos insumos

e serviços, ao mesmo tempo em que reivindicam reajustes sistemáticos dos preços frente à

ausência de confronto da ANS, mormente em relação aos planos empresariais e coletivos por

adesão.395

De fato, a maior concentração de beneficiários de planos de saúde se encontra

distribuída nos contratos coletivos empresariais e coletivos por adesão. Conforme os dados

disponibilizados pela ANS, em março de 2018 apenas 19% (dezenove porcento) dos contratos

eram do tipo individual ou familiar.396

Ao que tudo indica, a maior concentração dos contratos em planos empresariais e

coletivos por adesão justificar-se-ia por dois fatores: (i) a diminuição da oferta de planos

individuais/familiares pelas operadoras de planos de saúde e; (ii) pela aparente vantagem de um

valor de mensalidade menor nos planos coletivos empresariais e coletivos por adesão.

Desde muito tempo se percebe que as operadoras de planos de saúde têm concentrado

suas atividades no segmento de planos coletivos, diminuindo ou extinguindo, a depender da

operação, a oferta de planos individuais e familiares. E mesmo entre as que mantém alguma

oferta para este segmento, de planos individuais e familiares, os preços iniciais são muito

elevados em comparação aos planos coletivos.397

394 OCKÉ-REIS, Carlos Octávio. Os desafios da ANS frente à concentração dos planos de saúde. Ciência & Saúde

Coletiva, a. 12, v. 4, 2007. Disponível em: <https://www.scielosp.org/pdf/csc/2007.v12n4/1041-1050/pt>. Acesso

em: 01 mai. 2018. p. 1042. 395 Ibid, loc. cit. 396 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Perfil do Setor: dados gerais. Brasília, 2017. Disponível

em: <http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais>. Acesso em: 27 abr. 2018. 397 SALAZAR, Andrea Lazzarini et al. Os planos individuais irão desaparecer e os “falsos” planos coletivos são

uma ameaça aos usuários. In: AZEVEDO JUNIOR, Renato. Planos de Saúde: nove anos após a Lei 9.656/96.

São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e Instituto Brasileiro de Defesa do

Consumidor, 2007. p. 9.

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Demais disso, a ANS somente controla o reajuste de preços dos contratos do tipo

individual e familiar, o que também poderia induzir as operadoras de planos de saúde a preferir

comercializar os demais contratos exatamente por sofrerem menor regulação. Esta limitação

legal imposta à ANS permite que as operadoras de planos de saúde, além de reajustarem seus

preços de maneira descontrolada, promovam a rescisão unilateral do contrato, que é vedada nos

contratos do tipo individual e familiar.398

Em reforço, os valores iniciais das mensalidades praticadas nos contratos de planos

coletivos podem ser 50% (cinquenta porcento) menores que os praticados para os planos

individuais e familiares, o que desestimula o seu consumo.399 Entretanto, com o envelhecimento

da carteira e maior uso dos serviços, as operadoras tendem a aplicar os reajustes técnicos e

reajustes por sinistralidade transferindo os riscos da atividade para os beneficiários, e as

mensalidades passam a ser maiores que aquelas praticadas nos contratos do tipo individual e

familiar.400

A diminuição da oferta de planos individuais e familiares e principalmente ausência de

controle sobre os preços propiciaram o fenômeno da “falsa coletivização”, ou seja, o

oferecimento de contratos coletivos a reduzidos grupos de pessoas, de dois ou mais indivíduos,

atraídos pelos valores das mensalidades (iniciais) mais baixas. Nestes contratos não é possível

admitir que haja qualquer paridade entre contratante e contratado, pois, em função do pequeno

número de vidas, o contratante perde qualquer poder de barganha. Fato que pode impactar no

cálculo do reajuste das mensalidades por sinistralidade para o tratamento de um câncer, por

exemplo, e que pode elevar em muito os custos do grupo.401

Para terem acesso aos serviços de assistência à saúde, vários indivíduos passaram a

constituir empresas do tipo microempreendedor individual com a finalidade de contratação de

plano de saúde coletivo empresarial. Entretanto, em dezembro de 2017, a ANS regulamentou

esta modalidade de contratação com vistas a coibir a constituição de empresa exclusivamente

para este fim.402

398 SALAZAR, 2007, p. 10-11. 399 CASEMIRO, Luciana; CAVALCANTI, Glauce. Venda de plano de saúde individual pode não decolar. O

Globo, Economia, 07 nov. 2017, defesa do consumidor. Disponível em:

<https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/venda-de-plano-de-saude-individual-pode-nao-

decolar-21977036>. 400 SALAZAR, op. cit., p. 12. 401 Ibid., p. 13. 402 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Agência regulamenta plano de saúde para empresário

individual. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/consumidor/4277-agencia-regulamenta-

plano-de-saude-para-empresario-individual>. Acesso em: 02 fev. 2018.

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A RN nº 432/2017 estabeleceu que para a contratação de plano privado de assistência à

saúde coletivo empresarial, o empresário individual deverá apresentar, além da documentação

que confirme a sua inscrição nos órgãos competentes, a sua regularidade cadastral junto à

Receita Federal, pelo período mínimo de 6 (seis) meses, de acordo com sua forma de

constituição. E, para a manutenção do contrato, o empresário individual deverá conservar a sua

inscrição nos órgãos competentes, bem como sua regularidade cadastral junto à Receita

Federal.403

Sem competência para poder disciplinar uma forma distinta para o reajuste dos prêmios,

a ANS, por meio da RN nº 432/2017, apenas veda a rescisão unilateral do contrato imotivada

antes de um ano da vigência do contrato e mediante notificação previa de 60 (sessenta) dias.

No que concerne à regulação dos preços, o controle da ANS, como visto, se limita a

uma pequena parcela do mercado, os planos individuais e familiares. Para os demais contratos,

a ANS apenas monitora o reajuste de preços, que é determinado por regras contratuais404, mas

que impactam notadamente aqueles contratos chamados de “falsos coletivos”. De todo modo,

a regulação de preços pela ANS encontra seus limites na lei, não podendo controlar os preços

praticados nos contratos coletivos assim como interferir na redução da comercialização de

planos individuais e familiares pelas operadoras, sob pena de, ao mesmo tempo, violar o

princípio constitucional da livre iniciativa.

4.7 FISCALIZAÇÃO E SUA EFETIVIDADE

Conforme Januário Montone, a fiscalização é ação central da ANS desenvolvendo-se de

uma forma direta e de uma forma indireta.405

403 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 432, de 27 de dezembro

de 2017, que dispõe sobre a contratação de plano privado de assistência à saúde coletivo empresarial por

empresário individual e altera o Anexo I da Resolução Normativa – RN nº 389, de 26 de novembro de 2015, que

dispõe sobre a transparência das informações no âmbito da saúde suplementar, estabelece a obrigatoriedade da

disponibilização do conteúdo mínimo obrigatório de informações referentes aos planos privados de saúde no Brasil

e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzUzMA==

>. Acesso em: 02 fev. 2018. 404 Os parâmetros para o reajuste, nos planos coletivos, são estipulados nas cláusulas contratuais, decorrentes da

livre negociação entre as partes. O critério de cálculo, bem como o percentual apurado pela operadora, podem ser

negociados entre esta e a pessoa jurídica contratante. BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Reajuste

anual em planos coletivos. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/images/stories/parecer_tecnico/uploads/parecer_tecnico/_2014-reajuste-em-planos-

coletivos.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2018. 405 MONTONE, 2003, p. 32.

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Relativamente à forma direta de fiscalização, cabe à ANS a apuração de denúncias e

representações assim como diligências nas operadoras. O autor esclarece que, por exemplo,

“uma denúncia à ANS de recusa de atendimento [sem justa causa] por parte de um usuário vai

gerar, após o devido processo, multa pecuniária e a reincidência caracterizará uma insubmissão

que permite a intervenção da agência”.406

De outro lado, a fiscalização indireta da ANS, cujos instrumentos de ação e os atos dela

decorrentes estão na esfera da regulamentação do setor, é exercida através do monitoramento

das operadoras, com base nos dados fornecidos aos sistemas de informações periódicas, que

levam em consideração os aspectos assistenciais, econômico-financeiros e cadastrais, além do

cruzamento das informações disponíveis, que incluem a incidência de reclamações e multas

aplicadas.407

Os procedimentos adotados pela ANS para a estruturação e realização de suas ações

fiscalizatórias encontram-se regulamentados pela RN nº 388/2015, que rege os processos

administrativos instaurados para apuração de infração aos dispositivos legais ou infralegais

disciplinadores do mercado de saúde suplementar, que poderão resultar em aplicação de sanção

administrativa, destacando que aos mesmos aplicam-se subsidiariamente as disposições da Lei

nº 9.784/1999.

Com a edição da RN nº 388/2015, o processo administrativo sancionador da ANS

passou a apresentar duas fases distintas: uma fase pré-processual e outra processual.

Em sede pré-processual, consoante ao art. 4º da RN nº 388/2015, compete à ANS,

de ofício ou mediante provocação, cientificada do suposto cometimento de infração a

dispositivos legais ou infra legais disciplinadores do mercado de saúde suplementar,

instaurar: I – Procedimento de Notificação de Intermediação Preliminar - NIP; ou II

– Procedimento administrativo preparatório, prévio à fase processual sancionatória.408

A Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), prevista desde a RN nº 226/2010,

consiste em um instrumento que visa à solução de conflitos entre as operadoras e seus

respectivos beneficiários em fase anterior à instauração de processos, que seriam, teoricamente,

mais morosos e custosos.

406 MONTONE, 2003, p. 32. 407 Ibid., loc. cit. 408 BRASIL, Agência de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 388, de 25 de novembro de 2015,

que dispõe sobre os procedimentos adotados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS para a

estruturação e realização de suas ações fiscalizatórias. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=PDFAtualizado&format=raw&id=MzEz

Ng==>. Acesso em: 14 jun. 2017.

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Assim, frente a um descumprimento de normas legais, regulamentares ou contratuais

obrigatórias por parte de operadora, os seus beneficiários podem apresentar suas reclamações

diretamente à Diretoria de Fiscalização (DIFIS) da ANS, através de seus canais disponíveis —

canais eletrônicos, disque ANS e atendimento pessoal.409

As reclamações recebidas são automaticamente registradas no procedimento da NIP e a

operadora é notificada, unicamente por meio eletrônico, para que adote as ações necessárias

para a solução da demanda com o beneficiário em prazo não superior a cinco dias úteis, para os

casos de NIP assistencial — descumprimento de prazos máximos para agendamento de

consultas; exames e cirurgias; negativa de autorização para realização de procedimentos;

dificuldades para recebimento de reembolso dentre outras —, e de dez dias úteis, para os casos

de NIP não assistencial — aplicação de reajustes indevidos; rescisão unilateral de contrato; não

envio de carteira do plano de saúde etc., conforme o artigo 10 da resolução em comento.

Ínsito a este procedimento, e decorridos os prazos previstos para imediata solução da

controvérsia, se encontra a fase denominada análise fiscalizatória, que consiste na verificação

dos elementos apresentados pelo beneficiário e pela operadora, na esfera da mediação, para a

classificação do conflito em: (i) não procedente; (ii) resolvida através de reparação voluntária

e eficaz — RVE; (iii) não resolvida; (iv) beneficiário não pertencente à operadora; (v) demanda

em duplicidade; (vi) insuficiência de dados mínimos para identificação do beneficiário, da

operadora e da infração relatada.410

De outra banda, pelo procedimento administrativo preparatório caracterizam-se como

denúncia toda reclamação, solicitação de providências ou petição assemelhada que forem

recebidas pela ANS, desde que contenham indícios suficientes de violação da lei ou de ato

infralegal, bem como aquelas que não se enquadram no procedimento da NIP.

Ressalte-se que a RN nº 388/2015, ao revogar a RN nº 48/2003, suprimiu a fase de

instrução prévia que determinava a remessa de ofício de solicitação de informações, ferindo

direitos e garantias fundamentais, notadamente os da ampla defesa e do contraditório.411

É que, as reclamações recebidas pela ANS, que continham indícios de violação da lei

ou de ato infralegal por parte das operadoras, somente eram tidas como denúncia após avaliação

dos órgãos competentes da DIFIS e, a abertura e instrução do respectivo processo

409 FGV – EAESP / MPGP, Grupo da Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais. Análise da qualidade

regulatória da saúde suplementar no Brasil, São Paulo, abr., 2017. Disponível em:

<https://www.iess.org.br/cms/rep/Relatorio_GrupoFGV.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2017. p. 21. 410 Art. 14 da Resolução Normativa – RN nº 388/2015. 411 FGV – EAESP / MPGP, Grupo da Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais, op. cit., p. 23.

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administrativo somente se realizava após a requisição de informações às operadoras ou da

deflagração de ação fiscalizatória para apuração dos fatos nela contidos.412

Com a regulamentação vigente, basta serem identificados os indícios de infração a

dispositivo legal ou infralegal disciplinador do mercado de saúde suplementar que será lavrado

auto de infração com a indicação do dispositivo legal e/ou infra legal supostamente infringido

e a respectiva sanção aplicável.413

Desta forma, esgotadas as possibilidades de resolução do conflito no âmbito da NIP, as

demandas classificadas como não resolvidas serão encaminhadas para a lavratura do auto de

infração, com a respectiva abertura do correspondente processo administrativo sancionador, e

a primeira manifestação da operadora no processo já será a sua defesa.

Entretanto, caso a operadora de plano de saúde adote as medidas necessárias para a

solução do conflito, resultando na reparação dos prejuízos ou danos eventualmente causados e

no cumprimento útil da obrigação, antes de esgotado o prazo para o início da análise

fiscalizatória, ou seja, dentro dos prazos estabelecidos no art. 10, restará configurada a

reparação voluntária e eficaz — RVE —, consoante ao art. 20 da RN nº 388/2015.

A ANS entende o instituto da NIP, como sendo forma de mediação no âmbito da sua

competência regular que, caso reste frustrado, enseja a abertura do processo administrativo

sancionador. Ressaltando que a NIP possibilita uma resposta mais rápida para o problema dos

consumidores, mas que não significa uma autorização imediata do procedimento solicitado pelo

médico assistente, apenas uma obrigatoriedade ou não de cobertura pela operadora de plano de

saúde.414

No que diz respeito, especificamente, às solicitações formuladas por médico assistente

e eventual divergência das operadoras quanto a procedimentos, tratamentos ou OPMEs, ou seja,

inexistindo negativa à realização de procedimento ou evento relativo à assistência, mas presente

dissenso quanto ao seu conteúdo e alcance, a ANS, no âmbito de sua competência fiscalizatória,

possibilita a instituição de um desempatador, de uma figura assemelhada a um árbitro.

412 BRASIL, Agência de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 48, de 19 de setembro de 2003, que

dispõe sobre o processo administrativo para apuração de infrações e aplicação de sanções no âmbito da Agência

Nacional de Saúde Suplementar. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=NTU3>.

Acesso em: 14 jun. 2017. 413 Arts. 22 e seguintes da Resolução Normativa – RN nº 388/2015. 414 BRASIL, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução extrajudicial de conflitos entre consumidores

e operadoras de planos de saúde. Disponível em:

<http://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/2141/1/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20extrajudicial%20de%20confl

itos%20entre%20consumidores%20e%20operadoras%20de%20planos%20de%20sa%C3%BAde.pdf>. Acesso

em: 12 jun. 2017. p. 183.

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Tal situação é regulamentada pela RN nº 424/2017 que disciplina os critérios para a

realização de junta médica ou odontológica formada para dirimir divergência técnico-

assistencial, excetuando-se os casos de: (i) urgência ou emergência; (ii) quando os

procedimentos não estão previstos nem no Rol nem no contrato; (iii) quando há indicação de

órteses, próteses e materiais especiais (OPME) utilizados exclusivamente em procedimento não

coberto pelo Rol, exceto nos casos de procedimentos garantidos contratualmente ou; (iv)

quando tratar-se de OPME ou medicamento sem registro na ANVISA, ou para uso não

constante do manual ou bula (off label).415

A junta será formada por três profissionais: o médico assistente, o médico da operadora

e um médico desempatador, escolhido consensualmente pelos dois primeiros, remunerado pela

operadora e, que, a seu critério — médico desempatador — definirá se a junta será realizada na

modalidade presencial ou à distância, porém respeitando o tempo estimado para a realização do

procedimento que não poderá ultrapassar os prazos máximos da garantia de atendimento

determinados pela ANS, nos termos do artigo 6º e seguintes da RN nº 424/2017.

A opinião do médico desempatador decidirá a divergência técnico-assistencial,

destacando-se que, no caso de a indicação constante do parecer conclusivo do desempatador

seja pela não realização do procedimento, a mesma não caracteriza negativa de cobertura

assistencial indevida por parte da operadora, conforme o art. 20 da RN nº 388/2017. Portanto,

não sendo possível a reclamação do beneficiário, sua caracterização como denúncia ou a

instauração de processo administrativo disciplinar.

Retomando a noção da NIP como instrumento de mediação da ANS entre operadoras

de planos de saúde e seus beneficiários, Dinorá Adelaide Musetti Grotti sustenta que

Na mediação, incumbe ao mediador, um terceiro neutro e conhecedor do assunto em

disputa, aproximar as partes para que reduzam suas divergências levando-as à

conciliação em virtude das vantagens por ele destacadas, sem imposição de solução

autoritária do conflito. Acrescente-se, ainda, que “a mediação é essencialmente o

diálogo ou a negociação com o envolvimento de uma terceira parte”, que busca

identificar as disputas, equacioná-las e transformá-las em um acordo.416

415 BRASIL, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 424, de 26 de junho de

2017, que dispõe sobre critérios para a realização de junta médica ou odontológica formada para dirimir

divergência técnico-assistencial sobre procedimento ou evento em saúde a ser coberto pelas operadoras de planos

de assistência à saúde. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzQzOQ==

>. Acesso em: 18 set. 2017. 416 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Arbitragem e o setor de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito

de Informática e Telecomunicações – RDIT, Belo Horizonte, a. 2, n. 2, jan./jun. 2007. p. 100.

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Destaque-se que, neste aspecto a NIP tem se mostrado como um instrumento de grande

eficiência regulatória na resolução de conflitos atingindo a marca de 90,43%, nos primeiros

cinco meses de 2016. A ANS mensura a resolutividade da NIP levando em conta a medida do

total de reclamações de beneficiários/consumidores que são finalizadas no âmbito da NIP sem

necessidade de abertura de processo administrativo sancionador.417

Como visto, às demandas classificadas como não resolvidas impõe-se a instauração do

correspondente processo administrativo sancionador para apuração de infração e aplicação de

sanção, através da lavratura de auto de infração ou representação.

Todavia, se a operadora adotar as providências necessárias à solução da controvérsia em

até 10 (dez) dias úteis, contados da data do encerramento dos prazos de RVE, comprovando-a

inequivocamente, configurando o instituto da reparação posterior disciplinado no art. 34 da RN

nº 388/2017, fará jus a um desconto percentual de 80% (oitenta por cento) sobre o valor da

multa correspondente à infração administrativa apurada no auto de infração lavrado.

À operadora ainda é facultado, no prazo de 10 (dez) dias a contar de sua intimação, a

apresentação de sua defesa ou o pagamento antecipado e à vista do valor da multa pecuniária

correspondente à infração administrativa apurada no auto de infração ou representação. Nesta

hipótese, o interessado fará jus a um desconto percentual de 40% (quarenta por cento) sobre o

valor da multa.

De acordo com a ANS, além dos resultados positivos obtidos após os aprimoramentos

implementados no procedimento da NIP, a RN nº 388/2015 promoveu alterações de cunho

operacional no fluxo do seu processo fiscalizatório, visando à celeridade e eficiência do

processo, resultando, consequentemente, na redução dos prazos em que os processos

sancionadores permanecem em apuração.418

À demanda não solucionada no âmbito da NIP importa a imediata instauração do

processo administrativo sancionador, uma vez que a RN nº 388/2015 eliminou a apuração

preliminar, até então vigente. Deste modo, como já assinalado, a primeira manifestação da

operadora na fase processual já será a sua defesa no auto de infração.

417 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Relatório de resultados da diretoria de fiscalização da

ANS – 1º semestre de 2016. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/Relatorio_resultados_dir

etoria_fiscalizacao_1_sem_2016_final.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2017. p. 10-13. 418 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Relatório de resultados da diretoria de fiscalização da

ANS – 1º semestre de 2016. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/Relatorio_resultados_dir

etoria_fiscalizacao_1_sem_2016_final.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2017. p. 13.

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Como reflexo da ausência da apuração preliminar, o número de autuações emitidas vem

aumentando progressivamente. Dados da ANS demonstram que em 2014, antes da vigência da

RN nº 388/2015, o número de autos emitidos foi de 5.551 passando para 10.269, em 2015, e

atingindo a marca de 9.638 no primeiro semestre de 2016.419

A este respeito, o Grupo da Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da

FGV- EAESP / MPGPP sustenta que

[...] é possível concluir, portanto, que toda estruturação da fiscalização do mercado de

saúde suplementar após Resolução Normativa n° 388/2015, e seus respectivos

mecanismos de operação, acabaram por seguir uma ordem altamente vocacionada

para a geração em grandes volumes de NIPs e, por extensão, de processos

sancionadores. Tal modelagem instituiu um sistema de geração de notificações e autos

de infração de grande escala. Por consequência, onera todo o sistema, com impactos

financeiros e operacionais, além de expandir a exposição de risco financeiro e a

imprevisibilidade do sistema.420

É inegável que o procedimento da NIP representa para o consumidor uma forma célere

de ter sua solicitação examinada e, eventualmente, atendida, pois, de acordo com a diretora de

Fiscalização Simone Freire, ao comentar acerca dos 18 anos de existência da ANS, “Hoje, cerca

de 90% das demandas são resolvidas em curto prazo e sem necessidade de abertura de um

processo sancionador”.421

Ocorre que, na visão das operadoras de planos de saúde, embora se reconheça a

agilidade processual introduzida pela RN nº 388/2015, a análise superficial dos fatos

compromete a defesa do operador, que opta por suspender determinado produto ofertado ao

invés de aperfeiçoá-lo, refletindo negativamente no setor de saúde suplementar.422

As NIP's podem impactar diretamente a avaliação das operadoras junto à ANS,

notadamente pelo Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS), conhecido como a

“nota” das operadoras e que integra o Programa de Qualificação da Saúde Suplementar, assim

como pelo índice de Monitoramento do Risco Assistencial, afetando as finanças dos planos de

saúde e, como consequência, nos valores das mensalidades.423

419 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Relatório de resultados da diretoria de fiscalização da

ANS – 1º semestre de 2016. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/Relatorio_resultados_dir

etoria_fiscalizacao_1_sem_2016_final.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2017. p. 14. 420 FGV – EAESP / MPGP, Grupo da Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais, 2017, p. 25-26. 421 BRASIL, Agência de Saúde Suplementar, Ao completar 18 anos, ANS faz balanço e projeta próximas ações,

jan., 2018. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/sala-de-imprensa/releases/a-ans/4297-ao-completar-18-anos-

ans-faz-balanco-e-projeta-proximas-acoes-2?highlight=WyJuaXAiLCJuaXBzIiwibmlwJ3MiXQ==>. Acesso em:

15 fev. 2018. s/p. 422 FGV – EAESP / MPGP, Grupo da Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais, op. cit., p. 28. 423 Para melhor compreensão desses índices, sugere-se a leitura das Resoluções Normativas nº 386/2015; nº

416/2016 e nº 423/2017.

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Ademais, as reclamações de natureza assistencial são contabilizadas pelo programa de

Monitoramento da Garantia de Atendimento424, da ANS, que promove a suspensão da

comercialização de planos de saúde que apresentem maior número de reclamações sobre

negativas de cobertura assim como o descumprimento dos prazos máximos de atendimento.

O Grupo da Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV- EAESP /

MPGPP exemplifica esta situação ao asseverar que uma operadora apresenta “risco de ter

suspensa a comercialização de algum de seus produtos se, a cada 10.000 atendimentos, fosse

alvo de 1,2 NIPs. Isso mostra a desproporcionalidade do critério de monitoramento da ANS

com base nas NIPs”.425

Destacando que as penalidades relativas às infrações da legislação dos planos privados

de assistência à saúde encontram-se disciplinadas pela RN nº 124/2006, os autores chamam a

atenção para outro fato, qual seja à desproporção do valor atribuído às multas em razão da

natureza da infração, relativamente ao risco à saúde e ao valor do tratamento.

Para exemplificar esta situação, relatam a possibilidade de uma operadora ser multada

em R$ 520.000,00 (quinhentos e vinte mil reais) pelo fato de o beneficiário não conseguir

agendar uma consulta com determinado profissional. Ademais, concluem que existe grande

distorção nos incentivos para a resolução do conflito, por meio das NIPs, uma vez que a

operadora opta por assumir algo que não é de sua responsabilidade e o beneficiário tem

incentivo para cometer fraudes em processos contra os planos de saúde.426

A despeito disso, extrai-se da referida normativa (RN nº 124/2006) evidente atenção

para com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, dando conta de sugerir

atendimento aos comando esculpido no inciso VI do art. 2º da Lei nº 9.784/99, que prevê que a

Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade,

razoabilidade e da proporcionalidade, devendo observar os critérios de “adequação entre meios

424 O Monitoramento da Garantia de Atendimento é o acompanhamento do acesso dos beneficiários às coberturas

contratadas, realizado com base nas reclamações recebidas pela ANS e na quantidade de beneficiários de planos

de saúde. As reclamações consideradas nesse monitoramento se referem ao descumprimento dos prazos máximos

para realização de consultas, exames e cirurgias ou negativa de cobertura assistencial. A partir dessas informações

as operadoras são classificadas em faixas, possibilitando uma análise comparativa entre elas. As operadoras

enquadradas nas faixas superiores do monitoramento apresentam um pior resultado no indicador de acesso às

coberturas assistenciais. (BRASIL, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Monitoramento de Garantia de

Atendimento. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/informacoes-e-avaliacoes-

de-operadoras/monitoramento-de-garantia-de-atendimento>. Acesso em: 12 nov. 2017. s/p. 425 FGV – EAESP / MPGP, Grupo da Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais, 2017, p. 28-29. 426 Ibid., p. 33.

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e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas

estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.427

Sintetizando, muito embora seja evidente o esforço da Agência Nacional de Saúde

Suplementar em bem regular o setor de saúde suplementar, nem sempre isso se concretiza,

mormente pelas dificuldades de ordem técnica às quais se imbricam as nuanças exigidas pelo

devido processo legal substancial.

É dizer, todo o esforço regulatório, inclusive acerca de preços, e fiscalizatório nem

sempre tem se mostrado eficiente e eficaz, o que não elide sua supina importância para garantir

a adequada prestação de serviços privados de assistência à saúde que atendem a

aproximadamente um quarto da população brasileira.

O que importa, enfim, é que existe regulação e atuação da agência reguladora e, a

contrario sensu, que existe atenção crescente da doutrina para que isso se dê na forma das leis

e do Direito.

427 BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da

Administração Pública Federal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1 fev. 1999.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da regulação desempenhada pela ANS sobre os contratos de planos de saúde

suplementar, nas suas mais diversas facetas, parece fundamental para a adequada compreensão

e defesa dos interesses dos beneficiários/consumidores e das operadoras de planos de saúde.

Os reflexos dessa regulação do setor privado de assistência à saúde não se limitam aos

agentes a ela concernentes, se difundem pela sociedade e recaem, inclusive, sobre a prestação

da assistência à saúde realizada pelo setor público. Afinal de contas, o que o setor privado não

der conta de atender, a despeito de contratado para tanto, acabará por repercutir na esfera do

tão onerado Sistema Único de Saúde, seja a partir da consideração dos seus recursos técnico-

operacionais, de infraestrutura ou mesmo orçamentários.

Nesse contexto, reconhece-se que a prestação da assistência à saúde se vincula

diretamente à dignidade e a própria vida do ser humano, e embora a Constituição da República

Federativa do Brasil admita a prestação de serviços de saúde pela iniciativa privada, impõe ao

Poder Público a necessária regulamentação, fiscalização e controle dessa atividade econômica,

em decorrência da relevância pública que tais serviços possuem.

Entretanto, passados 18 (dezoito) anos de sua criação, a regulação setorial da Agência

Nacional de Saúde Suplementar ainda se mostra insatisfatória para adequada intervenção no

setor privado de prestação de serviços de assistência à saúde (suplementar), não conseguindo

promover a eficiência almejada, nem acomodando os interesses dos beneficiários de planos de

saúde ou mesmo daqueles quase opostos, quais sejam, os das próprias operadoras.

E a razão parece “simples”, haja vista a pluralidade de objetivos impostos à ANS por

lei, que se dirigem para a garantia do cumprimento dos contratos firmados entre operadoras e

beneficiários, para o equilíbrio econômico-financeiro das empresas, com o fito de preservar a

qualidade da assistência à saúde, garantir o acesso à assistência à saúde para a população, assim

como a defesa da concorrência setor.

Mas não só. Pelo contrato de plano de saúde, o consumidor busca ver assegurada a

assistência de sua saúde e as operadoras de planos saúde, por sua vez, se obrigam em relação à

qualidade, segurança e adequação do tratamento a seus beneficiários. Ademais, nesta relação

contratual, os contratantes, por força normativa, devem respeitar os princípios da boa-fé

objetiva, da liberdade contratual e da função social do contrato, o que nem sempre se mostra de

concretização fácil.

Nesse sentido, quem contrata um plano de saúde espera, em um momento de

enfermidade, que a operadora lhe disponibilize os recursos necessários, dentro das melhores

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práticas da área da saúde, para seu tratamento. Contudo, as operadoras de planos de saúde

devem ser informadas pelos seus contratantes de eventuais enfermidades preexistentes para a

eventual necessidade de aplicação de prazos de carências ou determinação do valor das

mensalidades, que dão suporte ao cálculo atuarial para manter o equilíbrio econômico-

financeiro de suas atividades, sem prejuízos à prestação de serviços para sua carteira de clientes.

Sem isso, esse modelo de parceria simplesmente implode.

Ademais, o objeto contratado (“assistência à saúde”) não se confunde, necessariamente,

com o conteúdo e extensão do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, atualizado

bienalmente pela ANS, que nada mais é que uma mera listagem de procedimentos, cuja

prestabilidade é a de servir de referência para a cobertura de procedimentos pelos planos de

saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 ou adaptados para as coberturas previstas na

Lei nº 9.656/1998.

Portanto, eventuais restrições assistenciais pelo fato de não terem sido contempladas no

Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde não podem ser justificativas para desobrigar as

operadoras de planos de saúde pela assistência assumida em relação à qualidade, segurança e

adequação do tratamento a seus beneficiários. Quer dizer, ainda que tratamentos ou

procedimentos sejam considerados como experimentais, ou mesmo, medicamentos ou produtos

se encontrem em situação off-label, em solo brasileiro, a expertise dos profissionais da área de

saúde e as evidências reconhecidas em trabalhos científicos estrangeiros — a medicina baseada

em evidências — podem justificar a sua necessidade em casos específicos.

Uma regulação que pretenda garantir o cumprimento dos contratos firmados entre

operadoras e beneficiários não deveria se mostrar fugidia à eventual necessidade de novas

tecnologias ou tratamentos que se mostrem adequadas às necessidades de determinado

beneficiário. Ainda que se pretenda admitir que não caberia à ANS dirimir conflitos pontuais

entre operadoras e beneficiários, sob a justificativa de invadir arena própria de órgão regulador

específico, tal assertiva não encontra guarida no modo de atuação da própria ANS.

De um lado, porque a ANS, ao implantar a Notificação de Intermediação Preliminar —

NIP, tornou-se mediadora dos conflitos de natureza assistencial entre operadoras e

beneficiários. De outro, a ANS ao editar a Resolução Normativa – RN nº 424/2017 previu a

possibilidade de instauração de junta médica para dirimir divergências técnico-assistenciais

sobre procedimentos e eventos em saúde, mas que exclui as situações em que os procedimentos

não se encontrem no âmbito do Rol e os materiais e medicamentos considerados off-label.

Portanto, a ANS — em certa medida — já vem resguardando interesses individuais dos

consumidores, não se limitando à salvaguarda de interesses coletivos dos beneficiários. A

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melhor utilização do expediente da junta médica, pautada em critérios científicos apropriados,

pode ser dirigida no sentido de atender as necessidades de uma assistência adequada à saúde de

determinado beneficiário, sem a necessidade de o mesmo recorrer às vias judiciais, ao mesmo

tempo em que afasta o perigo de o consumidor vir a se submeter a um tratamento meramente

experimental, resultado de uma indicação controvertida.

Outro aspecto relevante da regulação da ANS diz respeito ao controle dos preços das

mensalidades praticados pelas operadoras. Apesar de haver uma limitação legal para a atuação

da agência em relação aos contratos empresariais e coletivos por adesão, qual seja a de somente

monitorar os preços praticados e não controlá-los, há que se admitir que a regulação, neste

quesito, não pode ser considerada como eficiente. Limitada ao controle de uma parcela reduzida

do mercado, menos de 20% (vinte por cento) dos contratos — contratos individuais e familiares

—, a situação se agrava pela diminuição da oferta deste tipo de produto por parte das

operadoras, que assim aparentemente pretendem se afastar do controle do poder público.

Evidentemente que, em havendo limitação constitucional, por conta do princípio da livre

iniciativa, e legal a partir da lei que a instituiu, para que a ANS possa promover uma regulação

adequada e que estimule a manutenção dos planos individuais e familiares é preciso proscrever

a firmação de contratos fraudulentos entre operadores e beneficiários (pequenos empresários e

empresários individuais) por meio dos quais se pretende dar vida a falsos planos coletivos, cuja

contratação parece financeiramente mais atrativa, mas que foge do controle de preços.

Por outro lado, quando se espera que a ANS intervenha nas operadoras que se encontram

com dificuldades econômico-financeiras ou de gestão, com a finalidade da manutenção das

atividades, preservando os interesses dos consumidores, tal regulação se mostra falha. Mesmo

após implantados os chamados regimes especiais, de direção técnica e de direção fiscal, nos

quais há ingerência direta de agentes da autarquia, o resultado da intervenção ainda assim pode

se concretizar a liquidação ou a falência de determinada operadora, o que simultaneamente

prejudica os beneficiários, o mercado e a sociedade.

No mesmo sentido, a oferta pública da alienação compulsória da carteira de clientes de

uma operadora, como hodiernamente determinada pela ANS, embora aparentemente enseje

incentivos à operadora adquirente, em quase nada contribui para a concorrência do mercado.

Dito de outro modo, se fosse possível a alienação voluntária (parcial ou total) da carteira de

clientes, sem as fortes exigências de garantias financeiras como exigidas pela ANS, além de

provisões técnicas e de ativos garantidores, certamente haveria uma melhor condição para o

crescimento da empresa adquirente, assim garantindo os serviços de assistência à saúde dos

beneficiários e estimulando a concorrência.

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A par disso, a inovação regulatória com a instituição das NIPs (notificações de

intermediação preliminar) mostrou-se um mecanismo exitoso para solução de potencias

controvérsias no segmento, que não apenas evitam judicializações desnecessárias e/ou pouco

proveitosas em situações de urgência e emergência para os usuários dos planos privados de

saúde, mas também se prestam para evitar e/ou mitigar as respostas sancionatórias que

usualmente seriam de se esperar da agência em situações.

Todavia, a maior vantagem advinda da regulação estatal em relação aos consumidores

parece provir da paulatina ampliação dos serviços a lhes serem obrigatoriamente

disponibilizados como decorrência do avanço tecnológico. Ou seja, a regulação tem se prestado

a “aditar os objetos contratuais” sem assim formalmente fazê-lo ou determinar que aconteça,

promovendo verdadeiro avanço no que diz com a interpretação e aplicação das avenças na

perspectiva de garantir o tratamento adequado com adequação temporal, muito embora a

revisão (apenas) bienal ainda cause certa ansiedade. De todo modo, mesmo com essa ostensiva

vantagem, ainda assim isso não resolve certas necessidades, em especial daquelas que fogem

do padrão-médio e que devem ser atendidas na conformação de cada personalíssima realidade.

Portanto, para além de legalmente obrigatória, não restam dúvidas acerca da importância

concreta da atuação da ANS para a regulação do setor de saúde suplementar, seja pela

fragilidade do SUS ou mesmo pela vulnerabilidade dos usuários de planos de saúde, mas

igualmente para garantir a operabilidade das próprias empresas, o que justificou o presente

estudo e legitima toda e qualquer crítica que acerca dela venha a ser feita. O importante é manter

a discussão, a crítica e a reflexão.

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de setembro de 2003, que dispõe sobre o processo administrativo para apuração de infrações e

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de junho de 2005, que altera a RN nº 85/2004 e dá outras providencias. Disponível em:

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de setembro de 2005, que dispõe sobre a alienação da carteira das operadoras de planos de

assistência à saúde, e dá outras providências. Disponível em:

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w&id=OTk1>. Acesso em: 14 jun. 2017.

_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 128, de 18

de maio de 2006, que estabelece critérios para aplicação de reajuste das contraprestações

pecuniárias dos planos privados de assistência suplementar à saúde médico-hospitalares com

ou sem cobertura odontológica, contratados por pessoas físicas ou jurídicas. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=ra

w&id=ODA5>. Acesso em: 14 jun. 2017.

_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 137, de 14

de novembro de 2006, que dispõe sobre as entidades de autogestão no âmbito do sistema de

saúde suplementar. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=ra

w&id=MTExNw=>. Acesso em: 14 jun. 2017.

_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 162, de 17

de outubro de 2007, que estabelece a obrigatoriedade da Carta de Orientação ao Beneficiário;

dispõe sobre Doenças ou Lesões Preexistentes (DLP); Cobertura Parcial Temporária (CPT);

Declaração de Saúde e sobre o processo administrativo para comprovação do conhecimento

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prévio de DLP pelo beneficiário de plano privado de assistência à saúde no âmbito da Agência

Nacional de Saúde Suplementar. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=ra

w&id=MTIyMw==>. Acesso em: 14 jun. 2017.

______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 195, de 14

de julho de 2009, que dispõe sobre a classificação e características dos planos privados de

assistência à saúde, regulamenta a sua contratação, institui a orientação para contratação de

planos privados de assistência à saúde e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=ra

w&id=MTQ1OA==>. Acesso em: 14 jun. 2017.

_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 254, de 05

de maio de 2011, que dispõe sobre a adaptação e migração para os contratos celebrados até 1º

de janeiro de 1999 e altera as Resoluções Normativas nº 63, de 22 de dezembro de 2003, que

define os limites a serem observados para adoção de variação de preço por faixa etária nos

planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 2004; e nº 124,

de 30 de março de 2006, que dispõe sobre a aplicação de penalidades para as infrações à

legislação dos planos privados de assistência à saúde. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=ra

w&id=MTczOA==>. Acesso em: 14 jun. 2017.

_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 259, de 17

de junho de 2011, que dispõe sobre a garantia de atendimento dos beneficiários de plano privado

de assistência à saúde e altera a Instrução Normativa – IN nº 23, de 1º de dezembro de 2009, da

Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos – DIPRO. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=ra

w&id=MTc1OA==>. Acesso em: 14 jun. 2017.

_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 384, de 04

de setembro de 2015, que dispõe sobre oferta pública de referências operacionais e cadastro de

beneficiários – OPRC, estabelecendo requisitos para habilitação e condições especiais para as

operadoras com proposta autorizada e altera a Resolução Normativa – RN nº 112, de 28 de

setembro de 2005; a RN nº 186, de 14 de janeiro de 2009, e a RN nº 316, de 30 de novembro

de 2012. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=ra

w&id=MzA2Ng==>. Acesso em: 14 jun. 2017.

_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 388, de 25

de novembro de 2015, que dispõe sobre os procedimentos adotados pela Agência Nacional de

Saúde Suplementar - ANS para a estruturação e realização de suas ações fiscalizatórias.

Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=PDFAtualizado&form

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março de 2017, que institui o Regimento Interno da Agência Nacional de Saúde Suplementar -

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_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa - RN nº 392, de 9

de dezembro de 2015, que dispõe obre aceitação, registro, vinculação, custódia, movimentação

e limites de alocação e de concentração na aplicação dos ativos garantidores das operadoras no

âmbito do sistema de saúde suplementar e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=ra

w&id=MzE1Mg==>. Acesso em: 25 abr. 2018.

_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa - RN nº 393, de 9

de dezembro de 2015, que dispõe sobre aceitação, registro, vinculação, custódia, movimentação

e limites de alocação e de concentração na aplicação dos ativos garantidores das operadoras no

âmbito do sistema de saúde suplementar e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=ra

w&id=MzE1Mg==>. Acesso em: 25 abr. 2018.

_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 424, de 26

de junho de 2017, que dispõe sobre critérios para a realização de junta médica ou odontológica

formada para dirimir divergência técnico-assistencial sobre procedimento ou evento em saúde

a ser coberto pelas operadoras de planos de assistência à saúde. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=ra

w&id=MzQzOQ==>. Acesso em: 18 set. 2017.

_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa - RN nº 428, de 7

de novembro de 2017, que Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui

a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à

saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999; fixa as diretrizes de atenção à saúde; e

revoga as Resoluções Normativas – RN nº 387, de 28 de outubro de 2015, e RN nº 407, de 3 de

junho de 2016. Disponível em:

<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=ra

w&id=MzUwMg==>. Acesso em: 15 nov. 2017.

_______. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa – RN nº 432, de 27

de dezembro de 2017, que dispõe sobre a contratação de plano privado de assistência à saúde

coletivo empresarial por empresário individual e altera o Anexo I da Resolução Normativa –

RN nº 389, de 26 de novembro de 2015, que dispõe sobre a transparência das informações no

âmbito da saúde suplementar, estabelece a obrigatoriedade da disponibilização do conteúdo

mínimo obrigatório de informações referentes aos planos privados de saúde no Brasil e dá

outras providências. Disponível em:

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=column-

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EntryId=2863214&_101_type=content&_101_groupId=219201&_101_urlTitle=uso-off-

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