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Desenvolvimento Humano no Brasil Crescimento e Pobreza na Ásia Dinheiro para a Educação ARTIGOS RESENHA Desigualdade na América Latina e no Caribe Centro Internacional de Pobreza Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Janeiro 2004

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Page 1: Centro Internacional de Pobreza · Quase ao mesmo tempo, o PNUD publicou seu Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. O Atlas confirmou que, no correr dos anos 90, a distribuição

Desenvolvimento

Humano no Brasil

Crescimento e

Pobreza na Ásia

Dinheiro para

a Educação

ARTIGOS

RESENHA

Desigualdade na América Latina e no Caribe

Centro Internacional de Pobreza

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Janeiro 2004

Page 2: Centro Internacional de Pobreza · Quase ao mesmo tempo, o PNUD publicou seu Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. O Atlas confirmou que, no correr dos anos 90, a distribuição

Em conferência recente no Rio de Janeiro, o seu orador principal relembrou o discurso pronunciado em 1997 pelo economista A. B. Atkinson na Sociedade Real de Economia do

Reino Unido, intitulado “Tirando do Gelo a Distribuição de Renda”. Segundo o palestrante, o temada distribuição de renda – particularmente o da desigualdade – não estava apenas saindo do gelo,mas chegava agora a constituir uma questão bastante “quente” nos debates sobre odesenvolvimento, após anos de esquecimento.

A questão é certamente evidenciada na América Latina – e talvez em nenhum outro país comono Brasil, onde o novo Centro Internacional de Pobreza do PNUD (CIP) está sediado. Ainda emoutubro último, três importantes publicações brasileiras apresentaram a desigualdade como seutema central. A primeira, lançada pelo IBGE, é um compêndio de indicadores socioeconômicosdo século XX. Retrata um país que, entre 1900 e 2000, se tornara muito mais próspero, no entanto nitidamente mais desigual. Quase ao mesmo tempo, o PNUD publicou seu Atlas doDesenvolvimento Humano no Brasil. O Atlas confirmou que, no correr dos anos 90, a distribuiçãode renda piorou em dois terços dos 5.500 municípios do Brasil, apesar de haver grandes progressosem outros indicadores da qualidade de vida. Na trilha desse estudo, a FGV trouxe a lume o Mapa daFome. Esse estudo demonstra que 50 milhões de brasileiros – cerca de um terço da população –vivem hoje em condições miseráveis, com uma dieta inferior a 2.280 calorias e uma renda abaixode R$2,67 diários.

Infelizmente, essas extraordinárias disparidades sociais não se limitam à renda e nem ao Brasil.Novo estudo do Banco Mundial constata que, na última década, a desigualdade de rendaaumentou, às vezes significativamente, em considerável número de países latino-americanos. Istoajuda a explicar o elevado nível de descontentamento dos habitantes da região com a qualidadeda democracia no continente. Para além da América Latina, o Relatório de DesenvolvimentoHumano 2003 do PNUD revela a presença de enormes desníveis sociais em todas as regiões doplaneta. Mesmo sob um verniz de progresso social abrangente, subsistem imensas e, em certoscasos, até crescentes disparidades entre ricos e pobres em muitos países. A persistência dessasdesigualdades pode prejudicar o avanço rumo aos alvos definidos pelas Metas do Desenvolvimentodo Milênio. Mesmo que um país atinja uma ou mais metas, tal conquista significaria pouco casonão efetivamente melhorasse a qualidade de vida de seus cidadãos menos favorecidos.

Esse renovado interesse pela desigualdade reside em parte no aumento, desde os anos 90, dosacervos de dados de pesquisas domiciliares em um número crescente de países. A disponibilidadede dados de pesquisa permitiu aos analistas testarem suas hipóteses, e assim validar (ou refutar)suposições bastante arraigadas, como as relativas a conflitos entre a eqüidade e a eficiência, ouentre a redistribuição e o crescimento. O acesso a estudos nacionais veio permitir a análise demudanças nas desigualdades dentro de cada país e de um para outro, assim como a exploração deseus determinantes estruturais e de micronível. Desse modo a pesquisa empírica confirmou adeterioração nas tendências distribucionais, tanto nos países em desenvolvimento quanto naseconomias em transição, durante as duas últimas décadas. As pesquisas revelaram igualmente umatendência à crescente desigualdade entre as nações, algumas delas debatendo-se em um “círculovicioso” de baixos índices de crescimento e pobreza crônica.

Além da renovada preocupação com a pobreza e os determinantes do crescimento desde os anos90, esses resultados suscitaram um interesse redobrado pelas relações entre o crescimento, apobreza e a distribuição. A desigualdade bloqueia os esforços de reduzir a pobreza? De quemaneira um elevado nível inicial de pobreza e desigualdade afeta as taxas de crescimentoeconômico subseqüentes? Sob que condições o crescimento age em favor dos pobres? E quaispolíticas e programas poderiam levar a um declínio sustentável da pobreza e a uma maioreqüidade social?

Este primeiro número de Em Foco aborda algumas dessas questões. Em números futuros,continuaremos a apresentar os resultados de pesquisas de autores renomados sobre a pobreza.Logo, esperamos situar-nos no centro dos debates sobre a pobreza, a igualdade e odesenvolvimento humano, atingindo um público tão numeroso quanto possível de gestorespúblicos e especialistas desta área.

Em Foco é uma publicação eletrônica do CentroInternacional de Pobreza (CIP) do PNUD. Suafinalidade é de divulgar de maneira sucintaosresultados de trabalhos e pesquisas recentessobre temas de pobreza e desigualdade nomundo em desenvolvimento.

O CIP é um novo centro global criado pelo PNUDcom o propósito de facilitar, promover edisseminar conhecimentos e experiênciasorientados à melhoria das condições de vida dospobres nos países em desenvolvimento.Um objetivo básico do CIP é melhorar acompreensão das causas da pobreza e dadesigualdade, como primeiro passo para aelaboração de políticas e programas orientadosa reduzi-las. As atividades do CIP se alinhamdentro do objetivo prioritário do PNUD de apoiaras Metas de Desenvolvimento do Milênio,adotadas no ano de 2000 na Cúpula do Milêniodas Nações Unidas.

EditorAlejandro Grinspun

Editores assistentesCraig Fagan, Suzana G. Haddad

DesignDesign GenuínoBernardo Lac, Maria de Oliveira

FotografiaCidade de Deus, Rio de Janeiro, 2002Tony Barros / Viva Favela

Programa das Nações Unidaspara o DesenvolvimentoCentro Internacional de PobrezaSBS - Ed. BNDES, 10° Andar70076 900 Brasília DF Brasil

www.undp.org/[email protected]

O conteúdo desta publicação não reflete,necessariamente, a posição oficial do PNUD.Para comentários e sugestões, por favore n t r a r e m c o n t a t o c o n o s c o a t r a v é s d oe - m a i l p o v e r t y c e n t r e @ u n d p . o r g. Alejandro Grinspun

DO EDITOR

PNUD Centro Internacional de Pobreza Em Foco Janeiro 2004 2

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PNUD Centro Internacional de Pobreza Em Foco Janeiro 2004 3

O Brasil experimentou um importanteprogresso em desenvolvimento humanoao longo da década de 1990. Entre 1991e 2000, o IDH cresceu sete pontospercentuais (de 0,70 a 0,77), o quelevou ao Brasil à 65o posição no rankingmundial do IDH. Este progresso foiespacialmente abrangente, beneficiandotodas as áreas do país, e tambéminclusivo, na medida em que beneficioumais os municípios de menordesenvolvimento humano.

Com a exceção de apenas cinco dos5.507 municípios brasileiros, todos osmunicípios do país melhoraram seuIDH durante este período. Esta melhorageneralizada no IDH foi inclusive uma demagnitude considerável. O crescimentodo IDH superou 1 ponto percentual aoano em quase a metade dos municípiosbrasileiros, sendo que apenas 4% dosmunicípios presenciaram melhorainferior a 0,5 pontos percentuais ao ano.

Este progresso foi não apenassignificativo e abrangente, mas acimade tudo inclusivo. Os municípios que, aoinício da década de 1990, apresentavamas piores condições foram os maisbeneficiados. Entre os municípios comIDH inferior a 0,50, o progresso superou10 pontos percentuais, enquanto queentre os municípios de maior IDH(aqueles com IDH superior a 0,75),o progresso foi inferior a 5 pontospercentuais. Conseqüentemente,as disparidades espaciais no paísdiminuíram, refletidas na significanteredução ocorrida na distância médiaentre o IDH dos municípios brasileirosentre 1991 e 2000.

Os municípios de pequeno e médio porteforam os que mais se beneficiaram doprogresso humano ocorrido ao longoda década passada. Enquanto que oIDH cresceu 9 pontos percentuais nos

municípios de pequeno e médio porte,o progresso foi em média de 6 pontospercentuais nos municípios de grandeporte. Apesar do caráter espacialmentebalanceado do progresso humano, aindapersistem grandes disparidades entreos municípios das diferentes regiões dopaís. Por exemplo, enquanto o municípiopaulista de São Clemente do Sul possuium IDH semelhante ao da Espanha(19o posição no ranking mundial de IDH),o IDH do município pernambucanode Manari é idêntico ao do Haiti(150o posição).

Embora o progresso humano tenha sidoespacialmente abrangente e inclusivo,este progresso não ocorreu de formabalanceada nas três dimensões queformam o IDH. Apenas um dos trêscomponentes do IDH, o acesso aoconhecimento, foi responsável por metadedo progresso em desenvolvimentohumano alcançado. Enquanto que o IDH-educação cresceu 10 pontos percentuaisno período (de 0,75 para 0,85), o IDH-renda e o IDH-longevidade cresceram 4e 6 pontos percentuais, respectivamente.Assim, uma boa parte do sucessoalcançado nos últimos dez anos deveu-sea um estrondoso progresso educacional.

De fato, a significante redução dasdisparidades espaciais em IDH foiliderada pela expansão no acesso aoconhecimento. Quase 2/3 do progressonos municípios de menor IDH deveu-seà expansão do acesso ao conhecimento,que foi duas vezes mais acentuado nosmunicípios de pequeno e médio portedo que entre os municípios de grandeporte. Este componente por si sóresponde por quase 90% do declínionas disparidades espaciais em IDHocorridas na década. Inversamente,as disparidades em termos do IDH-longevidade e do IDH-renda declinarammuito pouco durante este período.

Ricardo Paes de Barros,Instituto de PesquisaEconômica Aplicada

(IPEA), Brasil

O Atlas do DesenvolvimentoHumano no Brasil (ADHB),elaborado pelo PNUD, o IPEAe a Fundação João Pinheiro(FJP), é um banco de dadoseletrônico feito com oobjetivo de democratizaro acesso a dados socio-econômicos relevantes dos5.507 municípios e dos 27estados brasileiros.

Baseado nos microdadosdos censos do IBGE de 1991e de 2000, o ADHBdisponibiliza informaçõessobre o Índice de Desenvolvi-mento Humano Municipal(IDH-M) e 124 outros indica-dores georreferenciados depopulação, educação,habitação, longevidade,renda e desigualdade social.

A riqueza da informaçãocontida no ADHB permitenão só tecer consideraçõessobre o padrão de desenvol-vimento seguido pelo país,mas também lança luz sobrepossíveis estratégias a seremperseguidas a fim de garantira expansão da rota dodesenvolvimento humano.

DesenvolvimentoHumano no Brasil

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Contrário ao notável progressoeducacional da última década, a evoluçãoda desigualdade de renda no Brasil foicomplexa. Apesar da desigualdade totalter permanecido relativamente estável,com um leve crescimento do coeficientede Gini de 0,63 para 0,65, talcomportamento apenas ofuscaimportantes mudanças em seuscomponentes. Utilizando-se o índice dedesigualdade de Theil, obtém-se, por umlado, um aumento na desigualdade intra-municipal e, por outro lado, um declíniona desigualdade entre municípios de ummesmo estado, entre estados de umamesma região e entre as diferentesregiões do país. De fato, o crescimentona desigualdade interna dos municípioscompensou o declínio ocorrido nadesigualdade entre os municípios,entre os estados e entre as regiões.Notadamente, ¾ da desigualdade totalno país hoje advém da desigualdade

local entre as famílias de um mesmomunicípio, indicando que a desigualdadede renda no Brasil é um fenômenoessencialmente local.

O nível de desenvolvimento humanoalcançado por uma comunidade dependenão apenas dos recursos disponíveis, mastambém da efetividade com que acomunidade vem transformando recursosem resultados. As comunidades com maioracesso ao conhecimento ou com menoresníveis de pobreza normalmente exibemmelhores resultados em termos deesperança de vida ou mortalidade infantil.Entretanto, existem também comunidadesque, apesar de contarem com um menoracesso ao conhecimento, exibem níveis demortalidade infantil ou mesmo de pobrezatão baixos quanto os de comunidadesmais privilegiadas em termos de acesso aoconhecimento. Devido a estes ganhos deeficiência, estados e municípios podem

diferir acentuadamente no que diz respeitoà capacidade de traduzir recursos emresultados. Portanto, a troca de experiênciaspode ser de extrema importância para umamelhor utilização dos recursos disponíveisna direção de maiores níveis dedesenvolvimento humano.

A experiência brasileira ao longo da últimadécada apresenta lições importantes aoutros países. O marcante progressohumano ocorrido deveu-se em grandeparte ao avanço do acesso ao conhecimento.Esta experiência contrasta acentuadamentecom a tradição brasileira, em que ‘progresso’sempre foi sinônimo de crescimentoeconômico. Assim, o país demonstrouque é possível alcançar um significativodesenvolvimento humano com progressosacentuados no acesso ao conhecimento enas condições de saúde mesmo sem contarnecessariamente com um substancialcrescimento econômico.

Além disso, este novo estilo dedesenvolvimento com ênfase no acessoao conhecimento trouxe redução nasdesigualdades entre municipalidades eestados da federação, contrastando coma experiência de décadas anteriores, duranteas quais o desenvolvimento associava-se auma acentuada ampliação da desigualdade.Isso demonstra que um crescimentoeconômico significativo não é uma condiçãonecessária nem suficiente para se obter umdesenvolvimento humano inclusivo eabrangente com redução na desigualdade.A dúvida que permanece é se este novoestilo de desenvolvimento é sustentável edesejável ou se é apenas o melhor que sepode obter quando restrições externasimpedem que um sólido crescimentoeconômico possa ser alcançado.

PNUD, IPEA e FJP, Atlas do DesenvolvimentoHumano no Brasil, 2003.

Metas globais, estratégias locais

No Brasil, mesmo municípios próximos, que apresentam nível de desenvolvimento

humano similar, podem estar enfrentando gargalos ao seu desenvolvimento bem

distintos. Por exemplo, considerando três municípios do estado do Maranhão observa-

se que todos apresentam IDH de 0,50 e, portanto, pertencem ao grupo dos 20

municípios brasileiros com menor IDH. Estes municípios, todavia, diferem totalmente

uns aos outros com relação aos gargalos que limitam seu desenvolvimento humano.

Para o município de Belágua, a grande restrição é a geração de renda. Com uma

renda per capita pouco superior a 10% da média nacional, apenas duas das 5507

municipalidades do país têm renda per capita inferior a sua. Apesar disso, Belágua

está mais bem posicionada em termos de esperança de vida e em relação à taxa

de analfabetismo. Logo, apesar de apresentar um dos mais baixos IDHs do país, sem

dúvida, a população de Belágua enfrenta mais problemas de falta de renda do que

de baixa esperança de vida ou mesmo de baixa escolaridade.

Já no caso de Araióses, a esperança de vida é 13 anos menor do que a média nacional

e maior apenas do que a de dois dos 5507 municípios brasileiros. Por outro lado, a sua

renda per capita supera a de vários municípios, enquanto que a taxa de analfabetismo

de sua população é inferior a de tantos outros. Assim, no caso de Araióses, a principal

restrição ao desenvolvimento humano está mais relacionada às condições de saúde

do que propriamente à geração de renda ou ao acesso ao conhecimento.

Por fim, no caso de Fernando Falcão, observa-se que, com uma taxa de analfabetismo

de mais de 55%, apenas nove municípios brasileiros estão em pior situação. No que

se refere à renda per capita e a esperança de vida, este município não apresenta

resultados tão dramáticos. Neste caso, o grande gargalo ao desenvolvimento

humano é decisivamente um limitado acesso ao conhecimento.

Dadas estas disparidades, é importante ressaltar que apesar do desenvolvimento humano

ser uma meta global, a estratégia para alcançá-lo deve ser espacialmente diferenciada.

A experiência recente doBrasil contrasta acentu-adamente com a tradi-ção do país, em que“progresso” sempre foisinônimo de crescimen-to econômico.

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Pela teoria do “trickle-down”, os frutos docrescimento econômico se propagamautomaticamente por todas as camadassociais. Vão primeiro para os ricos e, então,aos pobres a partir do momento em que osricos se põem a gastar a renda obtida. Logo,o modo mais eficaz de reduzir a pobrezaseria promover um crescimento econômicoacelerado para os pobres ganharem comesses recursos verticalmente derramadosdo topo da pirâmide.

Essa era a opinião mais difundida entre osteóricos do desenvolvimento nos anos 50 e60, quando os debates giravam em tornode um aumento nas taxas de poupança edos investimentos. No início dos anos 70,essa teoria já perdera algo de seusatrativos, embora jamais tenha chegado aficar ausente por completo da temática dodesenvolvimento.

Nos anos 90, a teoria ganhou novo alentoem meio a um intenso debate em tornoda correlação entre crescimento,desigualdade e pobreza. Melhoras nosdados do Banco Mundial (BM) sobredistribuição de renda ensejaram umagrande safra de análises comparativasentre países. Estas levaram a crer que ocrescimento e a redução da pobreza seacham firme e positivamente associados.Essas opiniões ganharam mais força coma publicação, no ano 2000, do estudo deD. Dollar e A. Kraay do BM. Valendo-se deregressões para 80 países no correr dequatro décadas, os autores concluíramque o crescimento econômico favoreciaos pobres na mesma proporção que aeconomia em seu todo. O corolário doestudo era que “o crescimento econômicoé bom para os pobres” seja qual for a suanatureza. Assim sendo, os governos nãoprecisavam adotar políticas em prol dospobres; eles, para restringir a pobreza emseus países, deviam concentrar-se emmaximizar o crescimento sem descurarda estabilidade macroeconômica.

Todavia, algumas dessas conclusõesgeraram controvérsias e contestações.O estudo de Dollar e Kraay tem por baseregressões que apenas descrevem astendências em média, mas não dão contadas experiências concretas de cada país.As políticas de maximização docrescimento talvez se apliquem a alguns,mas não a outros, que podem precisarde políticas explícitas destinadas areduzir a pobreza e a desigualdade.

Sem dúvida, o crescimento econômicoexerce uma influência capital sobre astaxas de pobreza, ao gerar um aumentode bens e serviços que podem assim serdistribuídos entre a população. Se todosos indivíduos são beneficiados na mesmaproporção, as taxas de pobreza teriamde baixar rapidamente. Mas em fasesde crescimento econômico, não há comoevitar que proporcionalmente uns recebammaior parcela, o que afeta os níveis dedesigualdade e portanto o ritmo deredução da pobreza.

Alterações nos índices de pobreza dedado país estão condicionadas a doisfatores. O primeiro é a taxa de crescimentoeconômico: quanto mais elevada, maiora redução nos índices de pobreza.O segundo é o grau em que os frutosdo crescimento são colhidos pelos pobres.Esses dois fatores podem tomar rumosopostos e, portanto, uma taxa positivade crescimento pode até redundar emmais pobreza se for acompanhado por umaumento na desigualdade. O aceleramentodo ritmo de redução da pobreza podeexigir um misto de políticas que agilizemo crescimento e também melhorem adistribuição da renda numa sociedade.

Nós criamos um indicador, a Taxa deCrescimento Equivalente à Pobreza (PEGR*)que combina esses dois fatores para formarum único índice. O PEGR de dado país podeobter-se facilmente se existem levantamentos

Nanak Kakwani,Universidade de South

Wales, Austrália

Países com taxas de cresci-mento econômico similarespodem exibir um históricode redução da pobrezasignificativamente distintos.

Um índice que combina taxade crescimento e distribuiçãoajuda a distinguir os impactosna redução da pobrezadentre duas ou mais estraté-gias de crescimento.

O crescimento em prol dospobres requer uma estratégiadeliberada e tendenciosa-mente favorecendo os pobrespara que estes beneficiemproporcionalmente maisque os outros.

O Crescimento em Proldos Pobres na Ásia

* PEGR: Poverty Equivalent Growth Rate.

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de renda e gastos familiares relativos a nomínimo dois períodos. Quando o PEGR émaior, maior será a redução proporcionalda pobreza para dada cifra de crescimentona renda média. Assim, é sempre possíveldistinguirmos qual dentre duas ou maisestratégias de desenvolvimento carreiamais benefícios para os pobres.

Ao calcularmos o PEGR, podemos obterquatro cenários alternativos. O primeiro,o crescimento por “trickle-down”, se dáquando o PEGR se situa entre zero e a taxade crescimento da renda ou do consumomédio. Nesse caso, os aumentos deprodução no país reduzem a pobreza,porém de par com um agravamentoda desigualdade. O ritmo da reduçãoda pobreza não é rápido o bastante, poisos pobres ganham com o crescimentoproporcionalmente menos que os outros.O segundo cenário se apresenta quandouma taxa de crescimento positiva podeaté agravar a pobreza. Tal ocorre quandoo aumento da desigualdade chega a pontode neutralizar o impacto benéfico docrescimento, convertendo-o numcrescimento “pauperizante”.

Inversamente, o cenário de um “crescimentoem prol dos pobres” pressupõe umaestratégia deliberadamente a favor dospobres e que conduza a um rápidodecréscimo da pobreza. Isso pode sedar em termos relativos ou absolutos. Adesigualdade relativa se ameniza quando ocrescimento econômico favorece os pobresproporcionalmente mais que os outros, aopasso que a desigualdade absoluta caiquando os pobres recebem ao menos amesma soma de benefícios que os outros.Esta é a condição mais importante para seatingir o “crescimento em prol dos pobres”.

Para determinarmos quais desses quatrocenários se apresentam durante os períodosde crescimento econômico, importa saber onível inicial de desenvolvimento econômicoe de desigualdade de renda em um país.Nossa análise demonstra que um baixonível inicial de desigualdade propicia maisrapidez na redução da pobreza.

A metodologia PEGR, aplicada à Coréia e àTailândia, leva a crer que o crescimento daCoréia nos anos 90 se deu mais em prol dospobres que o da Tailândia. Contudo, emambos os casos os pobres sofreram fora dequalquer proporção com a crise asiática de

1997-98. À diferença da Tailândia, a Coréiajá dispunha de programas assistenciaisantes da crise se instaurar. Logo apóso colapso da moeda, o governo coreanoampliou os programas existentes, acudindoas populações mais atingidas epromovendo a rápida recuperação do país.

Já a Tailândia não dispunha de quaisquerredes de proteção social quando o paísse viu exposto à crise. Mesmo recebendofundos emergenciais de organizaçõesdoadoras, o governo tailandês nãologrou implementar rapidamentequaisquer normas eficazes em ajuda aossegmentos vulneráveis da população.Nada mais fez que confiar em políticasad hoc, que foram de pouca valia durantea crise. Um corolário dessas duasexperiências foi a clara compreensãode que a existência de redes abrangentesde proteção social necessariamente seimpõe para dar abrigo aos maisnecessitados em bases permanentes.

A aplicação desta metodologia a outrospaíses asiáticos revela uma divergênciasimilar no impacto de estratégiasalternativas de crescimento sobre a reduçãoda pobreza. No Vietnã, a pobreza declinouacentuadamente entre 1992-93 e 1997-98,especialmente nas zonas rurais, e issoresulta de o governo ter adotado um mistode políticas para fomentar o crescimentoe simultaneamente reduzir a pobreza.

O desempenho da Índia divergeacentuadamente ao do Vietnã. Entre osanos 50 e 70, a Índia pouco progrediu naredução das taxas de pobreza. Já nos anos80, o país assistiu a um vigoroso declínioda pobreza, o que provavelmente foisubproduto das numerosas políticas deassistência às populações carentesintroduzidas nos anos 70, especialmentenas zonas rurais. O PEGR demonstra queo crescimento da Índia tomou um viés emprol dos pobres nos anos 80, quando oslares carentes das zonas rurais passaram a

receber uma cota proporcionalmente maiordos benefícios decorrentes do crescimento.Entretanto, o mesmo não ocorreu com ospobres das regiões urbanas. Quase 32% docrescimento atingido durante esse períodose perdeu nas cidades, porque os pobresestavam obtendo uma parcela menor dosbenefícios da expansão econômica que ados ricos. Até mesmo apresentou-se umacréscimo na desigualdade entre aquelesque viviam abaixo da linha da pobreza, detal ordem que os ‘ultrapobres’ obtiveram docrescimento menos ganhos proporcionaisque outras populações carentes.

Por sua vez, o caso da China demonstraque um crescimento econômico aceleradonão contribui necessariamente paradeclínios igualmente rápidos na taxa depobreza. Muito respeitada por seusassombrosos ganhos de produção e suaimpressionante redução nos índices depobreza, o desempenho da China causamenos espanto diante de um exame maisacurado. A taxa anual de crescimento dopaís de 9,5% nos anos 90 ultrapassouquaisquer declínios proporcionais nosíndices de pobreza. Os índices de pobrezaaté subiram com o desaceleramento daChina entre 1996 e 1999, apesar de termantido uma taxa de crescimentoeconômico ainda positiva. Sendo assim, oPEGR deixa transparecer que o crescimentogeral da China não foi em prol dos pobres.

Esses cinco casos permitem concluir que,dependendo da maneira como afeta adesigualdade, um crescimento mais rápidopode até conduzir a um declínio nas taxasde redução e mesmo a um aumento dapobreza. Mesmo um crescimentoeconômico acanhado reduz a pobreza maisrapidamente, se a desigualdade diminui noprocesso. Este resultado faz crer que umcrescimento modesto, em prol dos pobres,pode ter sobre a pobreza um impactomaior e mais positivo que um crescimentomais rápido, porém em favor dos ricos.

O que é preferível – um crescimento rápidoemparelhado com uma desigualdadeascendente, ou um crescimento menorcom um declínio da desigualdade? Esta éuma pergunta empírica que o PEGR podeajudar os governantes a responder.

Nanak Kakwani, Shahidur Khandker e Hyun H.Son: Poverty Equivalent Growth Rate, withApplications to Korea and Thailand, 2003.

O desempenho de umpaís deve ser julgado combase no crescimento dosequivalentes de pobreza enão somente com basenas taxas de crescimento.

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Para muitos dos pobres do planetaos programas de proteção socialconstituem talvez a única esperançade viver ao abrigo da pobreza crônica.No entanto, muitos programas detransferência existentes são coibidos porgraves insuficiências. Esses programasraramente atingem as camadas maisvulneráveis da população, e sua eficácia émuitas vezes tolhida em virtude de custosadministrativos desnecessariamente altos.A preocupação excessiva com o alívio dascarências atuais impede o objetivo maisambicioso de alcançar declíniossustentáveis nos índices de pobreza. Empaíses pobres, o provável é os programasem larga escala nem sequer serem viáveisdado o alto custo de abarcar umapercentagem vultosa da população.

Para tratar dessas carências algunspaíses vêm tentando um novo tipode programa de proteção social: atransferência condicionada para aeducação (TCE). Um programa TCEproporciona às famílias pobres umasoma mensal para elas manterem osfilhos na escola. Uma premissa básicadesses programas é que as famílias sãopobres não somente em função da rendae do consumo, mas também por nãoterem acesso à saúde e à educação. Écomum os pais de famílias pobres severem incapazes de mandar os filhospara a escola por causa das despesasinerentes e das oportunidades detrabalho perdidas. O baixo desempenhoescolar das crianças pobres virá afetar asua produtividade e os seus ganhos peloresto da vida, acarretando com isso atransmissão e persistência da pobrezatanto no seio como através das gerações.Os programas TCE visam a romper essecírculo vicioso, conjugando assistência edesenvolvimento social ao condicionar atransferência de recursos para as famíliaspobres a investimentos com a educaçãoe a saúde de seus membros.

Cabe ressaltar a importância capitalde dois aspectos dos programas TCE.Em primeiro lugar, os programas utilizamtodo um conjunto de instrumentos defocalização destinados a garantir queos benefícios (sejam transferênciasmonetárias ou em espécie) efetivamentecheguem até às famílias mais pobres. Emsegundo lugar, as famílias beneficiadastêm de aceitar a condição de manter osfilhos na escola e, em muitos casos,de estes comparecerem regularmenteaos centros de saúde para continuarrecebendo tais benefícios. Deixar decumprir essas condições implica emabrir mão temporária ou mesmodefinitivamente desses benefícios. Nessesentido, os programas TCE visam a aliviaras tribulações da pobreza atual e aomesmo tempo incrementar a capacidadedas famílias para escapar à pobrezacrônica, e para este fim se valem doestímulo ao investimento na educaçãoe saúde dos filhos.

Uma das vantagens principais dosprogramas TCE reside nessa duplanatureza. Combinam a função preventivade um programa tradicional detransferência de recursos com umafunção de fomento que visa a investirno fortalecimento das capacidades daspessoas. À semelhança de qualqueroutro programa de proteção social, atransferência monetária ajuda a elevartemporariamente a renda das famíliaspobres. Já os esquemas TCE, à diferençados programas apenas consagradosà transferência de recursos, propiciamvantagens a longo prazo até porqueasseguram uma melhora permanenteno desempenho escolar dos filhos dessasfamílias. Não é provável que essascrianças, uma vez dotadas de instrução,voltem a cair na indigência. Seu potencialde ganhos futuros, reforçado pelos anosde escolaridade adicional, prevenirá quea pobreza se transmita à geração

Dinheiro paraa Educação

Samuel Morley,International Food Policy

Research Institute(IFPRI), E.U.A.

Uma estratégia de desenvolvi-mento eficaz requer investi-mentos nas capacidades daspessoas.

Como o trabalho é um dosativos mais importantes dospobres, a vinculação detransferências monetáriasa investimentos na saúdee na educação visa rompera transmissão da pobrezapara gerações futuras.

Os programas TCE fazemjustamente isto. Eles conju-gam assistência e desenvolvi-mento social ao condicionartransferências para os pobresa investimentos na saúde eeducação de seus filhos.

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seguinte. Portanto, podemos conceber osprogramas TCE como uma transferênciaque, além de combater a pobreza, incluiparalelamente um benefício educacional;ou então como planos educacionais quevisam em última instância aodesempobrecimento. De uma forma oude outra, facultam aos gestores públicosum instrumento novo e promissor.

Em livro recente, David Coady e euexaminamos as características e oimpacto dos programas TCE em seispaíses: Bangladesh, Brasil, Chile,Honduras, México e Nicarágua. Sobqualquer critério, esses programas sãoem larga escala tanto pelo orçamentocomo pela abrangência. Respondem por0,1% a 0,2% do PIB, e por 1% até mais de5% das despesas correntes dos governos.Como parcela dos gastos públicos naeducação, as despesas desses programasvariam de 2,5% no Brasil a quase 10% naNicarágua. E caracteristicamente

representam uma fatia considerável dosrecursos destinados ao ensino básico emtodos os seis países.

Os programas TCE contribuem comuma média de 4% a 20% da renda totaldas famílias beneficiadas. Eles trazemcomo condição as crianças nelesincluídas terem um índice de freqüênciaescolar de 85% para cima, cabendo essecontrole normalmente às própriasescolas. Além do subsídio à educação,os programas em Honduras (PRAF),Nicarágua (RPS) e México (PROGRESA)propiciam uma transferênciacondicionada ao comparecimento dosmembros da família aos centros de saúdepara exames médicos regulares, controledo crescimento, consultas nutricionaise vacinação. Alguns dos programascomplementam esses subsídios àdemanda com transferências diretasde recursos para as escolas e os centrosde saúde, a fim de custear as despesas

salariais bem como outros gastoscom insumos que visam a garantira qualidade e suficiência dosserviços prestados.

Nossa análise dos programas TCE constataresultados animadores. Todos tiveram umpapel positivo no impulso à escolarizaçãodos filhos de famílias pobres. Igualmentevigoroso foi o impacto deles sobre asaúde, a nutrição e a ocorrência detrabalho infantil, conquanto seja aindaexcessivo o número de crianças quetrabalham e estudam.

No México, as transferênciascondicionadas têm contribuído para ascrianças ingressarem na escola mais cedo,bem como para uma queda na taxade evasão, um aumento na taxa deaprovação e uma alta nos índices derematrícula entre os que abandonarama escola prematuramente. Pelas nossasestimativas o efeito cumulativo das

País Programa Tipo de Programa Alcance do Programa* Cobertura Níveis de Impactos do ProgramaTransferência

Bangladesh FFE Transferências de 4,2% da DPT e 2,1 milhões de crianças US$36 anuais Impacto positivo sobre as matrículas(1993) alimentos condicionadas 7,9% da DGE (1999) e cerca de 25% por aluno escolares, a freqüência e as taxas de

à freqüência escolar dos domicílios pobres evasão da escola, mas não sobre asdas crianças de família proporções aluno-mestre e sobre osde baixa renda resultados dos testes. Impacto restrito

sobre a pobreza em virtude do nívelinsuficiente das transferências e dacobertura limitada das populações carentes

Brasil Bolsa Escola Transferência monetária 0,7% da DTP e 5 milhões de famílias e Até US$18 mensais Resultados educacionais positivos (ingresso(2001) destinada a famílias com 2,5% da DGE (2001) 8,6 milhões de alunos por família ou na escola em idade adequada, queda nos

filhos na escola (2002) US$216 anuais índices de evasão escolar e nas taxas deaprovação) e possivelmente na profundidadeda pobreza

Chile SUF Subsídio em dinheiro 0,9% da DTP e Quase 1 milhão de Uns US$6 mensais Notável impacto sobre a redistribuição de(1998) condicionado à freqüência 3,5% da DGE (1998) alunos (1998) por filho renda, com uma redução na proporção entre

escolar e a exames o quintil superior e o inferior de 15,5 paraperiódicos de saúde 8,5 vezes

Honduras PRAF** Transferências monetárias 2% da DTP e 5% 48.000 domicílios em Vale-educação de Dados não disponíveis(2000) para crianças em idade da DGE (2001) 50 municípios US$58 por filho e

escolar que freqüentam vale-saúde deas escolas, para gestantes US$46 anuaise para mães de crianças por famíliaentre 0 e 3 anos queprocuram regularmenteos centros de saúde

Nicarágua RPS** Transferência em dinheiro 2,2% da DTP e mais 10.000 domicílios Até US$335 anuais Impactos positivos sobre a pobreza, a(2000) condicionada à freqüência de 10% da DGE (2001) por família incidência de trabalho infantil, as matrículas

escolar e a consultas em (2001) escolares e as taxas de aprovação na escola centros de saúde

México PROGRESA Transferência em dinheiro 1.6% da DTP, 4,1% 2,6 milhões de famílias Transferência média Impactos positivos sobre a escolaridade,(1997) condicionada à freqüência da DGE e 20% do (40% das famílias que no valor de US$25 a saúde e a nutrição, assim como sobre

escolar, integrada a um orçamento federal habitavam as zonas mensais por família a pobreza nas zonas rurais e na participação componente relativo destinado ao combate rurais em 1999) até um máximo de de meninos na força de trabalhoà saúde e nutrição. à pobreza (1999) US$79 em 1999

* Como parcela de despesa pública total (DPT) e da despesa do governo com a educação (DGE). ** Fase piloto.

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transferências sob o PROGRESA resultanum acréscimo de 10% no desempenhoescolar das crianças pobres pelo fim daoitava série, ultrapassando a média de 6,2anos de escolaridade completa. Esseimpacto educacional deu-seprincipalmente entre os alunos da sétimasérie, registrando-se um aumento de 20%nas matrículas de meninas.

As matrículas e taxa de aprovaçãomelhoraram também na Nicarágua, ondeos subsídios do RPS deverão alçar o nívelmédio de escolaridade das comunidadesparticipantes em quase 25% no fimda oitava série. Por enquanto, aimplementação do FFE em Bangladeshtambém tem provocado umextraordinário surto nas inscrições,assim sendo, o programa explicaria oaumento de 9% nas probabilidades dematrícula de uma criança.

No tocante à pobreza, os programasTCE parecem ter um impacto positivo emvirtude de grande parte dos benefíciosatingirem o alvo previsto. O programachileno SUF destina 90% de seusbenefícios aos 40% dos mais pobresda população. Na Nicarágua, os subsídiosdestinados à educação e à saúde são obastante vultosos para reduzir a brechade pobreza em até 70% nas comunidadesque participam do RPS. No total dosbeneficiários do programa, 80% sãopobres, incluindo 42% de indigentes.Não dispomos de dados formais sobreo programa Bolsa Escola do Brasil, masestima-se que as contribuições dasbolsas teriam elevado a renda dasfamílias beneficiárias em 20% a 30%.E no México credita-se ao PROGRESAuma redução da incidência e da brechade pobreza em 17% e 36%respectivamente, dados estes obtidos emestudos comparativos de comunidadesparticipantes e de controle antes edepois de implementado o programa.Segundo os nossos cálculos astransferências sob o PROGRESA elevarama renda das populações rurais carentesentre 10% e 15%.

Não é fácil quantificar os benefíciosoriundos da cota-investimento dosprogramas TCE. Em nossa pesquisa, aestimativa é que a escolaridade extrapara os pobres somaria uns 8% noMéxico e uns 9% na Nicarágua aos seus

rendimentos pela vida inteira. Como esseacréscimo se aplica a toda a vida ativadeste grupo, seu valor transcende emmuito aquele das próprias transferênciasmonetárias recebidas pelas famíliasparticipantes nesses programas. Essamelhora nos ganhos futuros vem paraficar e não depende das dotaçõescontinuarem. Pode-se concluir que osprogramas TCE seriam no mínimo duasvezes mais eficazes que umatransferência direta, dado o caráterpermanente do benefício em favor dasfamílias pobres carreado pelo aumentonos ganhos futuros de seus filhos.

O simples fato de os programas TCEacusarem um desempenho positivonão quer dizer que sua ampliaçãoseja indicada ali onde já existam. Pormuito bem-sucedidos que sejam, essesprogramas não são nenhuma panacéiacontra a pobreza ou contra asdeficiências educacionais de dado país.Embora os programas TCE pareçampreferíveis a transferências diretas noscasos de pobreza estrutural, nempor isso são uma alternativa para aimplementação de redes de proteçãosocial mais abrangentes que ponhamos pobres ao abrigo de choquesmacroeconômicos, de catástrofesnaturais e de outras emergências.

Similarmente, os programas TCEnão melhorarão os desempenhoseducacionais onde os baixos níveisde escolaridade dos pobres não sejamapenas um problema de demanda deserviços. Aliás, investir num programaTCE seria um erro na falta de escolas,salas de aula e mestres suficientes paraproporcionar um ensino de bom nívela quem o deseje.

Manter a eficácia dos programas TCEimplica em os países encararem de frentea questão do monitoramento. No mínimo,o sistema de ensino de um país requermecanismos nas escolas para constatar seas crianças incluídas em um programaefetivamente assistem às aulas, sãoaprovadas, e recebem um ensino de bomnível. Problema mais árduo é o de garantirque dadas famílias sejam retiradas doprograma, uma vez ultrapassado o limiarfixado para participação no mesmo.Cumpre igualmente excluir do programaas crianças que abandonem a escola ou

Ao aliviar as tribulaçõesda pobreza atual bemcomo estimular as famíli-as a investir no futuro dosseus filhos, os programasTCE representam umacombinação certeira naluta contra a pobreza.

a ela deixem de fazer jus apósdeterminada série. Para um programa sersustentável e bem focalizado cabe incluirtestes periódicos de meios que permitamavaliar se dadas famílias merecemcontinuar participando do programa.Caso contrário, poderia até barrar-se oingresso de uma outra leva de alunosnovos e mais jovens.

Os programas TCE provavelmente terãomais impacto sobre a pobreza e aeducação nos países da África e no Sul daÁsia que na América Latina. As criançasmatriculadas na escola primária são emnúmero muito menor naquelas duasregiões, e o impacto de um programaTCE sobre os ganhos futuros das famíliaspobres tende ali a ser mais vigoroso quenos países latino-americanos comprogramas já implementados.

É nos países de renda média que podehaver um conflito entre os objetivos demelhorar o ensino e de reduzir a pobreza.Países como o México e o Brasil, ondeelevados índices de pobreza coexistemcom índices de escolarizaçãorelativamente altos, podem ter problemacom a focalização de programas TCE.Quanto mais abrangente o programa,maior o impacto sobre a pobreza; porém,menos positivos os efeitos sobre oaumento das matrículas. Os gestorespúblicos de tais países terão de enfrentarum quebra-cabeça: definir regras dequalificação que maximizem o impactodos programas TCE sobre as condiçõesestruturais da pobreza sem por issodescuidar do componente emergencialpresente nesses programas.

Samuel Morley e David Coady, From SocialAssistance to Social Development: TargetedEducation Subsidies in DevelopingCountries, 2003.

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A América Latina é inequivocamente a região mais desigual do mundo, qualquerque seja o indicador socioeconômico utilizado. Nem sequer as amplas reformaseconômicas dos anos 90 lograram cobrir os hiatos crônicos entre os ricos e os pobresdessa região.

Tais são as conclusões de um relatório recente do Banco Mundial, baseado em dadosde 52 pesquisas domiciliares, que abarcaram 3,6 milhões de pessoas em 20 países latino-americanos e caribenhos. Publicado em outubro último, esse relatório visa a elucidar a“desigualdade excessiva” da região, responsável pelos malogros no combate à pobreza,pela desaceleração do crescimento econômico e pelos empecilhos ao próprio processode desenvolvimento.

O que faz da desigualdade um fator tão importante? Em dado nível de renda média,os países mais desiguais acusam níveis de pobreza mais acentuados do que as naçõesmais igualitárias. Os países que apresentam um alto nível de desigualdade podem atéter mais dificuldade para converter o crescimento econômico em maior bem-estar para apopulação, ou então precisarem crescer mais rápido do que os países mais homogêneosa fim de atingir o mesmo grau de redução de pobreza. Além de enfraquecer o impacto docrescimento nas taxas de pobreza, a imensa desigualdade em uma economia globalizada– em que as habilidades e o saber são críticos para a competitividade – pode até abrandaro ritmo do próprio crescimento. A combinação desses dois efeitos pode resultar nos paísesaltamente desiguais acharem difícil ou mesmo impossível escapar à pobreza absoluta.

As disparidades entre pobres e ricos na América Latina sempre foram e continuamsendo altíssimas. Na Guatemala, a parcela de renda dos 10% mais ricos era, em 2000,58,6 vezes maior que a dos 10% mais pobres. No Brasil, as crianças nascidas nos laresdos 20% na base da pirâmide social têm três vezes mais probabilidade de morrer antesde chegar aos cinco anos de idade do que os filhos das famílias dos 20% no ápice. Essacifra é mais de quatro vezes maior na Bolívia. A escolaridade de um mexicano médiodos 20% mais pobres da população é de apenas três anos e meio, para 11,6 anos de umcidadão médio dos 20% mais ricos. E, no Peru, quase todas as gestantes dos 20% notopo da pirâmide têm o seu parto nas mãos de profissionais de saúde, o que só se dácom 14% das dos 20% na base.

As disparidades na América Latina são também altíssimas se comparadas às de outrasregiões. Dos anos 70 até fins dos anos 90, o coeficiente de Gini de renda per capita naregião foi em média de 50,47 – quase 10 pontos mais elevado que na Ásia e mais de20 pontos superior ao da Europa Oriental. Os 10% dos mais ricos da América Latinaganham 30 vezes mais que os mais pobres – uma proporção quase três vezes mais altaque a dos países industrializados. Os dados sobre as despesas familiares contam umahistória semelhante. O Gini da região supera em muito o da Ásia e o da Europa Oriental,e chega a ser algo superior ao da África.

Tamanhos desníveis de renda são acompanhados de vastas dissimilaridades no acessoa bens e serviços. Apesar dos progressos registrados na última década, o acesso a serviçosbásicos continua sendo bem desproporcional em todos os países. A América Latina acusatambém grandes disparidades no tocante aos serviços de saúde, muito embora asestatísticas desse setor apresentem um quadro favorável em relação a outras regiões.

Desigualdadena América Latinae no Caribe

R E S E N H A

Um relatório recente doBanco Mundial recoloca aproblemática da distribuiçãocomo o eixo central desua análise.

A países que desejem acelerarseu ritmo da redução dapobreza, o Banco recomendaa adoção de políticasredistributivas que transfiramrenda e ativos aos pobres.

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O aumento na desigualdade de renda dos anos 90 é igualmente preocupante, sendoque apenas dois países (Brasil e Panamá) acusaram uma elevação na parcela de rendados mais pobres. A desigualdade agravou-se mesmo entre os países que figuravamtradicionalmente entre os mais homogêneos – como na Argentina, onde o Ginisubiu 7,7 pontos e a pobreza triplicou entre 1992 e 2001.

Todavia, nem todas as notícias foram ruins. As diferenças de renda e educação entreos sexos diminuíram nos anos 90 em relação à década precedente. O hiato educacionalentre homens e mulheres até se inverteu entre os segmentos mais jovens, e as meninaschegaram mesmo a superar os meninos em anos de escolarização. Os gastos públicossociais aumentaram, não somente em sua difusão per capita mas também como parcelasobre os as despesas totais do governo e em função do PIB. Isso resultou em avançosmarcantes no acesso a muitos serviços públicos e em importantes indicadores não-monetários de bem-estar, como a expectativa de vida, a mortalidade infantil e os índicesde alfabetização. Deu-se igualmente em todos os países um aumento substancial nosíndices de matrícula e na média de anos de escolarização, inclusive para os filhos defamílias pobres. E, no entanto, a brecha de escolaridade entre ricos e pobres se ampliouem muitíssimos países. Essa diferença é ainda maior entre as crianças e os jovens, o quereflete uma tendência no aumento da desigualdade educacional na América Latina.A falta de mobilidade educacional é grave, dado que na maioria dos países as vantagenssalariais para a mão-de-obra especializada subiram nos anos 90.

Buscando explicar as elevadas e persistentes disparidades da América Latina, orelatório constata que a região atravessou por toda uma gama de experiências, semque a desigualdade na distribuição tenha mudado significativamente. “Assistiu arápidos avanços econômicos e a severas recessões, a modelos de crescimento internoe a estratégias de crescimento via exportações, a vultosas intervenções do setor públicoe a grandes reformas neoliberais”, e, no entanto, nenhuma dessas mudanças logrouaproximar significativamente a distribuição de renda à de outras regiões.

As causas da “excessiva desigualdade” da América Latina são efetivamente complexase profundas. Acham-se entranhadas na história, na cultura, nas instituições políticase na estrutura social. A raça e etnia se destacam entre as constantes que determinamas oportunidades do indivíduo. Mesmo após a verificação do histórico educacionale profissional, quem é de descendência indígena ou africana ganha muito menos doque os brancos em atividades afins, além do quê as mulheres não-brancas se achamem toda a região nos níveis mais baixos no tocante à distribuição dos ativos.

O que distingue o relatório de outros publicados pelo Banco Mundial é oreconhecimento de que a origem das desigualdades reside na ação recíproca de fatoreseconômicos, políticos e socioculturais. Conceitos raramente abordados pelo Bancotêm aqui o seu lugar: questões de justiça social, reduzida consciência de cidadania, ocontrole do estado pelas elites, e desigualdades de esfera de ação, de voz e de poder.

O relatório parece sinalizar uma mudança do discurso do Banco em matéria dedesenvolvimento, observando-se uma volta à preocupação com redistribuição ausentedesse discurso desde os anos 70. Os países desejosos de acelerar o ritmo da reduçãoda pobreza devem ter seriamente em mira a redistribuição de renda e ativos em favordos pobres. Uma redistribuição permanente não apenas poderia aumentar a eficáciado crescimento econômico para reduzir a pobreza, mas até poderia contribuirdiretamente para o próprio aumento da produção.

Isso, porém, requer coalizões amplas que articulem os pobres, a classe média e as elitesprogressistas no apoio a políticas e programas visando à igualdade de oportunidades.Os programas focalizados para os mais pobres, assim conclui o Banco Mundial, talvezexijam um elo com programas universais que incluam também a classe média.

Banco Mundial, Desigualdade na América Latinae no Caribe: Rompendo com a História?Washington D.C., 2003.

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