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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE DIREITO DANIELY LIMA DA COSTA OS DESAFIOS DA ADOÇÃO TARDIA NO BRASIL FORTALEZA 2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE DIREITO

DANIELY LIMA DA COSTA

OS DESAFIOS DA ADOÇÃO TARDIA NO BRASIL

FORTALEZA

2014

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DANIELY LIMA DA COSTA

OS DESAFIOS DA ADOÇÃO TARDIA NO BRASIL

Monografia apresentada ao Centro de Ensino Superior do Ceará – Faculdade Cearense – FAC, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Doutor José Júlio Da Ponte Neto.

FORTALEZA

2014

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DANIELY LIMA DA COSTA

OS DESAFIOS DA ADOÇÃO TARDIA NO BRASIL

Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito, outorgado pela Faculdade Cearense - FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores.

Data de aprovação: ____/ ____/ ____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________

Orientador Professor Doutor José Júlio Da Ponte Neto

_________________________________________________________________

Professor Mestre José Péricles Chaves.

_________________________________________________________________

Professora Esp. Ana Mabel Moreira Chaves.

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Ao Senhor Jeová Deus, primeiramente, porque sem Ele eu não sou nada.

Agradeço pelo que conquistei até agora, mas peço a Ele para me dar sabedoria e inteligência para conquistar muito mais.

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AGRADECIMENTOS

Em todos os momentos de nossas vidas devemos agradecer os obstáculos

ultrapassados, as vitórias alcançadas e a vida que Deus nos concedeu. Obrigada

senhor Jeová Deus pelo dom da vida, pelo seu amor infinito e pela sua misericórdia.

A minha família, especialmente meus pais, Francisco José da Costa e Elionora

Furtado de Lima, que sempre me deram força, coragem e constante apoio para

seguir em busca dos meus objetivos, mãe te amo.

A meus irmãos Paulo Henrique e Felipe, que sempre acreditaram em mim, e isso me

encorajou muito.

A minha tia Eliane, que sempre me ajudou e me protegeu, guerreira que me ensinou

e ser forte e corajosa.

Ao meu tio Francisco, que sempre está ao meu lado me ajudando em tudo, e

acreditando no meu potencial.

Ao meu esposo Elinaldo dos Santos Oliveira, que Deus me presenteou no decorrer

do curso de direito, que sempre esteve ao meu lado me ajudando em tudo, e sendo

paciente e amoroso comigo nos momentos mais difíceis da vida estudantil, Amor da

minha vida, tu e o nosso filho Davi da Costa Oliveira, filho amado, fruto do nosso

amor, que nos ajudou tanto a estudar e até mesmo frequentava as salas de aula

comigo e o seu papai, sempre nos ajudou ficando quietinho e prestando atenção nas

aulas, vocês são os meus pilares.

Agradeço também a todos os professores que me acompanharam durante todo esse

tempo, pela dedicação, companheirismo, paciência, enfim por todo o conhecimento

que me foi transmitido.

A meu orientador Professor Doutor José Júlio da Ponte Neto, pelo incentivo,

dedicação e principalmente, a orientação concedida durante todo o processo de

elaboração deste trabalho.

Aos membros da banca, por terem aceitado o nosso convite para composição da

banca examinadora.

Aos meus amigos e amigas, minha segunda família, que fortaleceram os laços da

igualdade, num ambiente fraterno e respeitoso.

Obrigada a todas as pessoas que contribuíram para meu sucesso e para meu

crescimento como pessoa. Sou o resultado da confiança e da força de cada um de

vocês, principalmente do senhor Jeová Deus que é o meu tudo e que me fortalece.

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“O SENHOR é o meu pastor, nada me

faltará.”

Salmos 23:1

“Ainda que eu andasse pelo vale da

sombra da morte, não temeria mal algum,

porque tu estás comigo; a tua vara e o teu

cajado me consolam.”

Salmos 23:4

“Faze-me justiça, ó Deus, e pleiteia a

minha causa contra a nação ímpia. Livra-

me do homem fraudulento e injusto.”

Salmos 43:1

“Porque para Deus nada é impossível.”

Lucas 1:37

Deleita-te no SENHOR, e Ele satisfará os

desejos do teu coração.

Salmo 37:4

Pedi, e vos será concedido; buscai, e

encontrareis; batei, e a porta será aberta

para vós.

Mateus 7:7

Pois todo o que pede recebe; o que busca

encontra; e a quem bate, se lhe abrirá.

Mateus 7:8

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo fazer a abordagem da adoção tardia de forma que

seja possível entender a legislação em vigor, sob a ótica jurídica, mas, também,

entender as expectativas, medos e mitos que existem acerca do processo de

adoção de crianças maiores de 2 (dois) anos, processo esse que é considerado

como adoção tardia. Por vários motivos, as crianças preferidas para adoção são

recém-nascidos, brancos e isso faz com que muitas crianças e jovens em situações

de abandono acabem sendo relegados a viver num abrigo por praticamente toda a

infância e adolescência, aumentando anda mais a solidão que o abandono as

relegou. Neste trabalho serão abordadas as leis de adoção no Brasil, o seu histórico,

os mitos e dificuldades que envolvem esse processo e também a analise de

jurisdições publicadas em fóruns e sites especializados de casos de adoção tardia,

tendo em vista que e preciso um olhar imparcial sobre o tema para que possam ser

identificados os fatores que envolvem esse processo de forma a analisar os seus

pontos críticos tanto jurídicos quanto psicológicos, isso incluindo o olhar do menor e

também dos pais envolvidos nesse tipo de adoção que ainda é cercado de

preconceitos e, por isso, precisa ser visto com maior cuidado e atenção pelas

autoridades competentes, no intuito de legislar em intenção da melhoria de suas

condições a fim de incentivar essa prática e dar a essas crianças maiores de 2 (dois)

anos chances de serem recebidas em um novo lar, para uma nova vida.

Palavras chave: Adoção tardia, legislação de adoção, bem estar infantil, abandono.

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ABSTRACT

This paper aims to approach the late adoption so that you can understand the laws in

force in the legal perspective, but also understand the expectations, fears and myths

that exist about the adoption of children aged 2 process a process that is considered

late adoption. For various reasons, preferred to adopt children are newborns, whites

and this causes many children and young people in situations of abandonment end

up being relegated to living in a shelter for nearly all childhood and adolescence,

increasing loneliness walks more than leaving the relegated. In this paper we will

discuss the adoption laws in Brazil, its history, myths and difficulties involved in this

process and also to analyze the testimonials posted on forums and specialized sites

of late adoption cases, three cases that worked and one that went wrong, and

considering that takes an unbiased look at on the topic so that the factors involved in

this process in order to analyze their critical points both legal and psychological can

be identified, including it look smaller and also the parents involved this type of

adoption that is still surrounded by prejudice and, therefore, should be interpreted

with great care and attention by the relevant authorities in order to legislate in the

intention of improving their conditions to encourage the practice and give these older

children 2 years likely to be received in a new home for a new life.

Keywords: Late adoption, adoption law, child welfare, abandonment.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2- DO DIREITO A VIDA E AO PRIORITARIO DIREITO A UM LAR ........................ 14

2.1 – A decisão de ter um filho na evolução da sociedade ......................................................... 14

2.2 – O direito a vida versus condição de miséria......................................................................... 17

2.3 – O incentivo à adoção como garantia de direitos básicos ................................................... 21

2.4 – Os princípios básicos da adoção e os menores excluídos ................................................ 22

3- HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DA ADOÇÃO NO BRASIL ......................................... 25

3.1 – Histórico da adoção no Brasil ................................................................................................. 26

3.2 - Evolução da legislação sobre adoção no Brasil ................................................................... 28

3.2.1 – Do código Civil de 1916 ....................................................................................................... 28

3.2.2 – Do código Civil de Menores de 1927 ................................................................................. 29

3.2.3 – Da lei nº 3.133 / 57 ................................................................................................................ 30

3.2.4 – Da lei nº 4.655 / 65 ................................................................................................................ 31

3.2.5 – Da lei nº 6.697/79 .................................................................................................................. 32

3.2.6 – Da lei nº 8.069/90 – O Estatuto da Criança e do Adolescente ...................................... 33

3.2.7 – Da Lei nº 12.010/09 .............................................................................................................. 35

4 – MITOS E DIFICULDADES NA PRÁTICA DA ADOÇÃO TARDIA ..................... 36

4.1 – Mitos da adoção tardia ............................................................................................................ 37

4.2 - Os dados sobre adoção tardia no Brasil ................................................................................ 39

4.3 – Jurisprudências sobre adoção tardia no Brasil .................................................................... 47

5-CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 52

6-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 54

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1 INTRODUÇÃO

Adotar uma criança muitas vezes é a única saída para casais que

desejam ser pais. Seja por problemas de saúde que causam infertilidade ou por

algum outro fator não biológico, muitos casais precisam se utilizar da prática da

adoção para poder realizar o sonho de ter um filho.

Outras vezes a adoção é motivada apenas pela vontade de aumentar a

família, nos casos em que as pessoas já possuem filhos, ou mesmo por sentirem um

dever moral de amparar uma criança que foi abandonada por seus pais biológicos.

Em outra situação, pessoas oriundas da união homoafetiva que desejam

formar uma família sem que um dos parceiros precise gerar uma criança, ou mesmo

por não possuírem condições de tentar métodos de fecundação em uma terceira

pessoa, também optam pela adoção para realizar o sonho de serem pais.

Ocorrem também situações em que uma pessoa solteira, seja homem ou

mulher, independente de possuir um parceiro, também sentem despertar esse

desejo de ter um filho, como uma forma de produção independente.

Seja qual for a motivação que leva uma ou duas pessoas, independente

de sua opção sexual, a adoção é uma forma mais rápida e eficiente de conseguir ter

um filho, visto que casos que envolvem tratamentos de fertilização podem demorar

anos para dar certo e causar um imenso desgaste emocional em todas as vezes em

que não se obtém êxito.

De qualquer forma, não há como dissociar a adoção de um ato de amor e

de demonstração de afeto grandioso, haja vista que a relação de pais e filhos se

construirá independente de haver um laço sanguíneo que uma essas vidas. Não

houve o período gestacional para que se acompanhasse o desenvolvimento da

criança dentro do corpo, vendo bem de perto o seu desenvolvimento e a sua

evolução através de exames de ultrassom, de auscultação de batimentos cardíacos,

enfim, momentos que criam laços afetivos únicos entre os pais e os filhos e que são

etapas que são puladas no processo de adoção.

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Por outro lado o processo de adoção envolve outros momentos

igualmente importantes entre os potenciais pais e os pretensos filhos, que são os

momentos de vivencia, onde existe um esforço mutuo de conquista entre ambos,

que muitas vezes se resume a um olhar, um gesto, algo que toca o coração dos

futuros pais e que os fazem querer aquela criança tanto quanto se a tivessem

gerado.

Alguns estudiosos e defensores da adoção chegam inclusive a afirmar

que os laços afetivos criados em uma relação de adoção são bem mais intensos e

fortes do que em muitos casos de laços de famílias biológicas, com parentesco

consanguíneo, baseado no fato de que, ao contrario do que ocorre em um processo

normal de gestação, na adoção os pais escolhem os filhos e os filhos também

escolhem os pais, reforçando os laços de afeto criados, em muitos casos, desde o

primeiro contato entre quem pretende adotar e a criança que também deseja ser

adotada.

No entanto, existe uma tendência na maioria desses casos de adoção, e

que é até certo ponto compreensível, da opção pela adoção de crianças recém-

nascidas ou mesmo de idade tenra, por motivos que vão desde o desejo de

acompanhar o desenvolvimento desta vida desde o seu inicio até a criação de laços

mais profundos com a criança, já que não existe um histórico anterior de convivência

com outros pais.

Além disso, principalmente no caso das mulheres, é comum que muitas

queiram viver as etapas da maternidade desde o seu inicio, sendo em muitos casos

reconhecidos pela literatura em que esse laço criado é tão forte que as mães que

adotam chegam até a produzir leite e conseguem amamentar esses bebes tamanho

é o instinto maternal envolvido.

Esse tipo de opção de adoção, que é o mais comum pelas razões

supracitadas, acaba por ser também segregador, visto que não existem apenas

crianças recém-nascidas ou de idade tenra precisando de um lar.

Muitas crianças, quando não são abandonadas ainda no período pós-

nascimento, convivem um tempo com os pais biológicos, ou com algum parente, até

serem entregues em um abrigo, ou então, por algum problema de maus tratos, é

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retirada do convívio familiar e encaminhada para adoção, já com idade superior a 3

(três) anos, as vezes até já próximos da adolescência, o que dificulta em muito a

adoção desses menores, daí o termo adoção tardia.

Os números mais recentes divulgados em fevereiro de 2014 pelo

Cadastro Nacional de Adoção aponta que atualmente existem 5,4 mil crianças e

jovens para adoção em todo Brasil, sendo que deste total, um número de 4,3 mil,

que corresponde a 80% do total das crianças a espera de um lar, estão na faixa

etária acima de 9 (nove) anos.

Esses números são bastante preocupantes visto que, segundo

informações divulgadas nesse estudo, ao passo que a idade dessas crianças vai

avançando, diminui gradual e proporcionalmente as chances delas serem adotadas.

O Conselho Nacional de Justiça traz ainda números sobre esse processo,

ao afirmar que o cadastro de pretendentes á adoção gira em torno de 30 mil

inscritos, um numero mais de 6 vezes superior ao que seria necessário para adotar

esse imenso contingente de crianças que ainda aguardam por um lar, entretanto,

segundo esse mesmo dado estatístico, 70% dos pretendentes a adoção não aceitam

adotar uma criança que tenha idade superior aos três anos de idade, motivada pelas

mais diversas razões, encabeçada pelo preconceito e pelo desconhecimento.

Outro numero divulgado também pelo Conselho Nacional de Justiça da

conta de que existem mais de 80 mil crianças em abrigos das quais, por razões

bastante diversas, menos de 10% estão em condições de serem adotadas.

Apesar da promulgação da lei 12.010/09 em agosto de 2009, a burocracia

ainda é muito grande e o processo de adoção é muito demorado, dificultando as

condições dessas crianças que estão enquadradas nos critérios para serem

enquadradas nos processos de adoção tardia.

O fato é que nos últimos cinco anos, período em que a lei de adoção está

em vigor, pouco se avançou no sentido de facilitar a adoção dessas crianças com

idade superior a três anos de idade e o contingente desses menores só aumenta e

com eles o problema de encontrar um lar para esses jovens de vida tão sofrida.

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Nesse sentido, esse trabalho baseia-se na seguinte questão: quais são os

grandes desafios da adoção tardia no Brasil? Parte-se do pressuposto de que, por

um lado, o processo em si, ainda que tenha sido facilitado com a promulgação da lei

12.010/09 em agosto de 2009, ainda é bastante lento e burocrático, o que por si só

já dificulta o andamento das adoções.

Em segundo lugar, porém não menos importante, tem-se a questão do

preconceito de pretendentes a futuros pais, por puro desconhecimento ou falta de

orientação, o que exigiria um esforço multidisciplinar nesse sentido, incentivado

pelos principais órgãos envolvidos no processo.

Os objetivos desse trabalho são, portanto, prioritariamente, expor as

dificuldades e desafios do processo de adoção tardia no Brasil, tanto no que

concerne à legislação quanto ao que diz respeito ao desconhecimento e ao

preconceito de pretensos pais.

Como objetivos específicos têm-se: expor a história da adoção no Brasil e

sua evolução ao longo do tempo; compreender o processo de adoção como um todo

após a promulgação da lei 12.010 em agosto de 2009 e; enumerar os principais

dados estatísticos sobre adoção no Brasil e a forma como os números vêm se

comportando ao longo dos últimos 5 anos.

A justificativa da escolha do tema reside no fato de que o contingente de

jovens em condição de adoção tardia no país é muito grande e contrasta

grandemente com o numero de pretendentes escritos no Cadastro Nacional de

Adoção, o que levou essa pesquisadora a tentar entender o que pode ser a causa

desse imenso hiato que leva ao impedimento da adoção tardia, seja por causa da

legislação, seja por questões relacionadas com os futuros pais pretendentes de

adoção.

A metodologia que será utilizada para a elaboração desse trabalho é o

método de pesquisa bibliográfica, onde serão consultados livros, artigos e

publicações de internet ligados ao tema, além de um estudo com dados sobre a

adoção no Brasil e sua vinculação com a adoção tardia.

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Além disso, serão feitas comparações e exposições de dados listados pelo

Cadastro Nacional de adoção, sendo, pois esses os dados oficiais da adoção no

Brasil, sendo analisado tanto pela ótica dos pretendentes a adoção quanto das

crianças que estão disponíveis para adoção.

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2 DO DIREITO A VIDA E AO PRIORITARIO DIREITO A UM LAR

A decisão de ter um filho, ao menos na teoria, deveria ser algo planejado,

haja vista que é o surgimento de uma nova vida, um novo indivíduo que será

integrado à sociedade e precisa que isso seja feito de forma a moldar sua

personalidade para que ele venha a ser um cidadão, com condições dignas de vida,

com seus direitos básicos assegurados.

Porém nem sempre isso é feito dessa forma. Ainda que haja um amplo

acesso a informações sobre natalidade, prevenção, controles contraceptivos e uma

variada gama de maneiras de se planejar uma gravidez, ainda assim existem

mulheres que engravidam de forma não planejada ou até mesmo indesejada.

Contudo, ter um filho nos dias atuais e ter um filho em épocas mais

antigas são situações diferentes, em virtude inclusive da visão da sociedade em

relação a esse momento da maternidade, haja vista que os padrões de

comportamento vem se modificando ao longo dos anos, em especial nos países em

que há uma ampla liberdade para que as mulheres possam inclusive ter filhos de

forma independente, bem diferente de alguns anos atrás, onde filhos fora de um

casamento eram considerados como ilegítimos, perante a sociedade e inclusive

perante as leis que, conforme será visto nos tópicos a seguir, também se adequou à

evolução dos costumes.

2.1 A decisão de ter um filho na evolução da sociedade

Desde muitos anos atrás o meio mais fácil para se livrar de uma criança

indesejada é o abandono. Dado que até algumas décadas atrás, não haviam leis

que amparassem a criança de forma ampla, o abandono era algo recorrente,

principalmente entre as famílias mais humildes, e nada era feito por parte do Estado

para proteger esses indivíduos, haja vista que não eram ainda considerados tão

importantes para a sociedade, como hoje.

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Conforme Silva et.al. (2013,p.01)

O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a consolidar leis próprias para crianças e adolescentes, mas é evidenciado que muitas dessas leis não são respeitadas pelas mais diversas regiões do país, uma característica dessa contradição é o grande número de casos de abandono sendo assim considerado um problema social. Com o abandono e casos de negligencia relacionados a todos os tipos de violência, crianças e adolescentes são encaminhados para instituições conhecidas como casas de passagem ou abrigos, sendo obrigadas a conviver e aprender novos modos de socialização, se deparando com novas regras, rotinas e pessoas desconhecidas. Fazendo-se necessário para esses sujeitos uma nova compreensão dessa realidade que ele está assujeitado e muitas vezes essa nova adaptação forçada pode acarretar em disfunções nos mais diversos âmbitos da vida do sujeito, inclusive de identidade, de percepção de si mesmo.

Assim como evoluiu a visão da sociedade sobre o cuidado para com as

crianças e adolescentes, evoluíram também as leis para acompanhar o

desenvolvimento dessa nova forma de ver os pequenos e jovens cidadãos para que

o Estado possa cada vez mais dar condições para seu saudável crescimento.

Porém nem sempre foi assim. Nos tempos mais primitivos, a criança era

vista como um ser sem importância, indefeso e que poderia ser submetido a todo

tipo de impropérios e maus tratos, de acordo com o destino que sua família desse a

esse pequeno ser. Conforme Weber (2000, p.01):

O abandono de crianças foi permitido e tolerado desde tempos imemoriais. Na Grécia antiga era conhecido o ato de ektithenai quando um pai ou uma mãe, querendo livrar-se de um filho, colocavam o recém-nascido em um lugar selvagem, desejando-lhe a morte, mas sem matá-lo com as próprias mãos. Na vida romana o direito à vida era concedido, geralmente pelo pai, em um ritual. Neste ritual, o recém-nascido era colocado aos pés de seu pai. Se o pai desejava reconhecê-lo, tomava-o nos braços, se não, a criança era levada para fora e colocada nas ruas. Se a criança não morresse de frio ou de fome, pertencia a qualquer pessoa que desejasse cuidar dela para, principalmente, fazê-lo seu escravo.

O Brasil somente no ultimo século avançou nesse quesito de proteção à

criança e ao adolescente e por isso mesmo ainda possui um histórico ruim de

abandono de crianças, sendo sorte os casos em que, por exemplo, crianças recém-

nascidas são abandonadas para morrer e acabam sendo resgatadas e tendo uma

nova chance de viver no convívio com outra família.

Porém existem crianças que são abandonadas mais velhas, com mais de

dois anos, entregues a própria sorte e tendo que virar pequenos adultos para

sobreviver às decepções e frustrações que a vida já lhe reservou em uma idade tão

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tenra e onde ainda não se tem estrutura psicológica suficiente para compreender os

motivos que levaram seus genitores a os abandonarem.

O Brasil desde muito tempo atrás começou a olhar com maior

benevolência para as crianças e adolescentes, sendo destaque entre os demais

países do mundo como um dos que primeiro levou mais a fundo a questão da

proteção da criança e do adolescente, procurando fazer valer os direitos básicos de

um cidadão também para as crianças, como ter direito a uma família, a uma moradia

digna, à educação e à saúde, tentando minimizar os casos de abandonos que

sempre foram tão recorrentes na história da humanidade em praticamente todos os

países, inclusive os que são tidos como mais desenvolvidos, como é o caso dos

países do continente europeu. De acordo com Wibrantz e Gobbo (2010,p.05):

Abandonar, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa (1996), significa: “deixar, desamparar, desprezar, renunciar”. E o abandono de crianças não é fato recente. No Brasil, um modelo inspirado na tradição européia foi implantando como forma de garantir o acolhimento de recém- nascidos abandonados, bem como manter o anonimato de que os ali deixasse, conhecido como Roda dos Expostos. Tratava-se de um compartimento giratório instalado geralmente em igrejas e hospitais onde a criança era abandonada do lado de fora, e a mãe, girando a estrutura permitia que do outro lado a criança fosse recepcionada sem que fosse identificada.

Em uma época em que a sociedade abominava mães solteiras, era muito

comum que moças que eram “desonradas” ao serem iludidas por um rapaz fossem

enviadas a outras cidades para terem o filho e por lá mesmo o deixavam, seja para

ser criado por alguém da família ou por algum desconhecido, sendo essa uma forma

de “limpar o nome” da moça e com isso fazer com que ela pudesse novamente ser

pretendida para casamento. De acordo com Wibrantz e Gobbo (2010,p.06):

A concentração do abandono nas vilas devia-se a várias razões, sendo a mais importante delas o fato de se caracterizar como um refúgio seguro contra o escândalo e a reprovação de gravidez indesejável. Desse modo, as instituições criadas para acolher e assistir os abandonados se constituía em agências para eliminação da infância indesejada. “As mães iriam para as vilas não só devido à existência de estabelecimentos especiais para acolher seus filhos, mas também porque nas localidades de origem a criança ilegítima e o escândalo disso decorrente impediam as mães de encontrar alojamento e trabalho. Nas vilas existiam pessoas que, sob remuneração, ofereciam seus serviços às moças grávidas, e às mães solteiras. Não só os serviços de parteira, mas também de ajuda àquelas que quisessem se livrar do fruto de amores ilícitos.

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Outro caso também comum, em especial das moças mais humildes, era o

de abandono de seus filhos por falta de condições para cria-los, por conta da fome e

da pobreza que assolava grande parte dos países, em especial nas zonas rurais.

2.2 O direito a vida versus condição de miséria

No Brasil, como forma de minimizar os efeitos do abandono dessas

crianças, eram constituídas as chamadas Rodas de Enjeitados, que era uma

armação de madeira, normalmente na entrada de alguma instituição ou asilo, onde

as crianças eram “depositadas” para serem acolhidas. Corrobora com essa visão,

Weber (2000, p. 02):

A partir do século XII, quando se pensava em proteção à criança, pensava-se em instituições e, na verdade, o internamento de crianças tinha a finalidade de separá-las do convívio social, servindo mais aos interesses da sociedade do que aos de real proteção à criança. Foram criadas as famosas “Rodas dos Enjeitados ou dos Expostos”: um dispositivo de madeira fixado, geralmente na entrada de um asilo cuidado por religiosos, onde a pessoa depositava o bebê que enjeitava. A pessoa tocava uma sineta para avisar que um bebê havia sido abandonado e abandonava o local sem ser reconhecida. O abandono de bebês por meio da “Roda”, era considerado “um mal menor” se comparado ao infanticídio. Mas se dizia que o abandono em instituições era um infanticídio “oficial” a longo prazo, pois a maioria das crianças não sobrevivia.

O fato é que uma gravidez indesejada não escolhe classe social. Não é

prerrogativa dos casos de abandono advirem apenas de mulheres de classes mais

humildes, ainda que, com a evolução da sociedade e a aceitação dos casos de

produção independente, a “satisfação à sociedade”, que era muito comum no inicio

do século XX, no qual era inconcebível perante a sociedade uma moça ter um filho

sem pai, tenha sido praticamente abolida.

Na maioria dos casos de abandono ocorridos na era moderna, a

motivação para o abandono é ligada a pobreza, a miséria, a falta de condições

financeiras para a criação dessa criança que veio de maneira inesperada, que é

potencializada pela ilegalidade do aborto e que faz com que as mulheres optem por

parirem e após isso largarem seus filhos na maternidade, ou em lixos ou nas ruas,

expondo o menor a uma violência indescritível e bastante cruel.

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Conforme Weber (2000,p.03):

É nesse contexto de pobreza de parte do Brasil que encontramos a maioria dos casos de abandono de crianças: o abandono pela negligência, ou o abandono nas ruas, nos lixos, nas maternidades e em instituições. No Brasil o fenômeno está fortemente associado à proibição legal do aborto, à miséria, à falta de esclarecimento à população, à condenação pelo filho “ilegítimo”... Uma pesquisa que realizei com crianças adotadas em uma instituição durante o período de um ano verificou que 75% das crianças tinham sido abandonadas pela mãe em locais públicos. A maioria das mães abandonou seu filho já na maternidade e desapareceu, comprovando ser esta a prática mais comum em casos de abandono. Outras abandonaram seus bebês em uma capela, no lixo, no banco da maternidade e uma pediu para um passageiro de um ônibus segurar o bebê e aproveitou esse momento para descer do ônibus sozinha.

Engana-se quem pensa que esses casos de abandono são apenas com

relação a recém-nascidos. O abandono de menores é feito inclusive com crianças

maiores de 10 anos, casos estes inclusive que os próprios órgãos de proteção da

criança intervém no sentido de retirar essas crianças do convívio com aquela família

por conta de fatores diversos como violência domestica, abuso sexual, abusos

físicos e psicológicos ou tantos outros motivos que fazem com que haja a quebra

desses vínculos familiares.

Muitos autores corroboram com a ideia que o abandono não é

simplesmente abandonar a criança e não mais manter contato com esta. O

abandono é o descuido, a falta de proteção, de carinho, de cuidado, é o ato de

deixar a criança ou adolescente à mercê da própria sorte, a mercê dos perigos da

vida sem que essa tenha condições físicas e psicológicas para se defenderem

sozinhas.

Conforme Silva et.al. (2013,p.01):

O abandono familiar infanto-juvenil é assim um problema social, pois todos os dias encontram-se inúmeros casos que vão desde recém-nascidos abandonados nos lixões das ruas até adolescentes que são retirados do ambiente familiar pelos órgãos de proteção à criança, por motivos como a negligencia familiar, a violência doméstica, destacando os abusos físicos e sexuais que acometem essas crianças e adolescentes, fazendo assim com que a criança ou o adolescente seja levado para uma casa de abrigo que possa dar suporte as suas necessidades físicas, emocionais e abrigá-los. O abandono é visto como uma forma grave de descuido, que aponta para o rompimento de um vínculo apropriado dos pais para com os seus filhos, submetendo às vítimas de abandono a sofrimentos físicos e psicológicos, sendo contrárias as leis do estatuto da criança e do adolescente que garante a toda criança condições dignas de vida, explicitando especialmente o direito a liberdade, ao respeito e à dignidade.

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Existe, pois uma corrente de autores, da qual fazem parte Weber (2000)

que defendem inclusive que as mães que abandonam seus filhos, de algum modo

também foram abandonadas, foram excluídas pela sociedade que também não as

amparou.

São mães que tiveram uma vida miserável, sem acesso aos direitos

básicos como saúde, educação, moradia e uma vida digna, e que por desinformação

ou mesmo por fazerem parte de uma existência sem perspectiva, engravidam e

iniciam um novo ciclo de miséria e pobreza com essa nova vida que está gerando.

Como lembra Weber (2000,p.05):

As mães "abandonantes" no Brasil são, em sua maioria absoluta, mães excluídas. Elas abandonam porque estão abandonadas pela sociedade. Elas fazem parte de um enorme contingente de uma população que não tem acesso aos bens sócio-culturais e nem aos meios de produção necessários a sua sobrevivência. Ela abandona porque não encontram alternativas viáveis, porque não acreditam nos poderes constituídos, porque não tiveram educação, porque não tem esperança... Sistemas sociais opressivos que atuam sobre os setores de baixos recursos, estabelecem mecanismos pelos quais a sociedade como um todo se mostra como abandonante em relação às famílias desprivilegiadas que, por sua vez, reproduzem o mesmo modelo em relação aos seus filhos.

Essas mães, segundo autores como Wibrantz e Gobbo (2010), muitas

vezes preferem abandonar seus filhos em locais públicos ou mesmo em casas por

dois motivos básicos, sendo que, em primeiro lugar, não querem passar pelo

constrangimento de terem que reconhecer um erro e enfrentar o julgamento por uma

gravidez não planejada e preferem simplesmente deixar o “problema” e esquecer a

culpa.

O segundo motivo é que, segundo a Constituição Federal em vigência, o

ato de entregar um filho à própria sorte é caracterizado como abandono de incapaz

e configura-se um crime inclusive com penas previstas para esses casos, o que faz

com que esses abandonos cegos muitas vezes levem a criança à morte ou mesmo à

perda da chance de dar a essa criança uma nova oportunidade de uma nova vida,

se essa puder ser encaminhada para adoção.

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No entendimento de Wibrantz e Gobbo (2010,p.06):

Um dos principais motivos para o abandono em vias públicas é o constrangimento da mãe em entregar o próprio filho e, também, por ser considerado crime pelo Código Penal Brasileiro. O Código Penal tipifica como crime o abandono de incapaz e a exposição ou abandono de recém-nascido. Neste sentido, que a criminalização da conduta, na verdade, agrava a situação, pois os genitores, por temor à punição, acabam por procurar maneiras para lançar os recém-nascidos à própria sorte. É essa clandestinidade do abandono que confere maior crueldade e indignidade aos recém-nascidos.

Os motivos que levam uma mãe a abandonar seu filho são sempre

cercados de uma carga emocional muito grande, tanto para a mãe quanto para a

criança, tendo pois origem em vários problemas que englobam tanto questões

sociais quanto questões psicológicas. Esse abandono leva as crianças muitas

vezes para as ruas, ou para os abrigos, a espera de uma família que os reintegre ao

seio familiar, dessa vez de forma digna, planejada, cercada de afeto e de laços que

não sejam desfeitos por quaisquer motivos.

Conforme Silva et.al. (2013,p.04):

Muitas hipóteses existem para se compreender o motivo de atitudes violentas com crianças e adolescentes, principalmente a questão de abandono, porém é preciso uma análise de todo um sistema social, pois todos têm uma parcela de culpa nos crimes cometidos contra os “filhos da nação”, as crianças e adolescentes de um país representam o reflexo de toda uma sociedade, a criança é o elo mais fraco e exposto da cadeia social. Nenhuma nação conseguiu progredir sem investir na infância. A viagem pelo conhecimento da infância é a viagem pela profundeza de uma nação”.

Sejam quais forem os motivos pelos quais a criança é abandonada é de

grande importância saber que o estado precisa amparar esses menores no intuito de

restituir-lhes a garantia de asseguramento de seus direitos básicos, inclusive do

prioritário direito de ter um lar, uma família, um teto sobre suas cabeças, um lugar

digno onde ele possa morar e sentir-se seguro para criar novos laços afetivos e com

isso recomeçar a vida, com uma nova família que supra suas necessidades físicas e

psicológicas, fazendo com que seu passado de abandono não atrapalhe a formação

de seu caráter.

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Lembra Silva et.al. (2013,p.04):

O abandono familiar representa cerca de 18,9% dos motivos que levaram crianças e adolescentes ao abrigamento, seguido de violência doméstica 11,7%, dependência química dos pais ou responsáveis, incluindo alcoolismo 11,4%, vivência de rua 7,0% e orfandade 5,2%, esses números exigem uma reflexão e uma política de apoio a famílias em situação de risco para que essas estatísticas sejam minimizadas.

Nesse sentido, o estado precisa intervir com a regulamentação de leis

que tanto assegurem a integridade física e psicológica dessas crianças como

também facilitem a reintegração dessas a um seio familiar onde possam ter uma

vida digna e possam vir a crescer sem maiores problemas por terem sido

abandonadas.

2.3 O incentivo à adoção como garantia de direitos básicos

O incentivo a adoção de crianças no Brasil ainda passa por um processo

burocrático, porém necessário para que sejam cumpridas todas as exigências para

que uma criança possa ter novos pais e esses pais possam ter esses novos filhos de

forma que seja garantida a manutenção de uma relação saudável e duradoura.

A adoção é uma forma importante de trazer essas crianças que foram

abandonadas e relegadas à própria sorte a um convívio familiar, ao direito de ter

uma família, ao amparo e proteção de um lar, podendo, pois ter os seus direitos

básicos garantidos não só pela Constituição, mas pelo amor que receberá dessa

nova família que a escolheu para fazer parte desse seio familiar.

A adoção é uma forma que se conseguiu de fazer com que essas

crianças abandonadas pudessem ter um novo lar. Esse é um movimento que

perpassa a questão judiciária, haja vista que apenas os casos de adoção

formalizada é que são contabilizados pela justiça, o que não quer necessariamente

dizer que não existam casos em que a criança é acolhida em um outro lar, sem

passar pelos meios legais,

Como exemplo pode se citar crianças que são criadas por padrinhos ou

por conhecidos da mãe que podem tê-las abandonado não pela rejeição em si, mas

pela impossibilidade financeira e psicológica de cria-las, e optam por pedir a uma

pessoa com melhores condições para criar essa criança, dando condições para que

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a mesma possa ter um lar, sem ter que passar por abrigos, pela justiça, ou pelo

processo de ruptura do seio familiar de forma abrupta como ocorre com as crianças

que são abandonadas.

Lembram Rierdi e Sartori (2013,p.01):

A adoção envolve, na maioria das vezes, uma criança que foi abandonada pelos pais biológicos e um casal que não conseguiu gerar filhos biológicos. A noção de abandono é complexa, pois nem sempre entregar um filho para adoção significa abandonar, pode representar a impossibilidade de criar, dar afeto e condições de uma vida digna, situação que merece ser vista como ato de amor. Cada vez mais em evidência nos estudos psicológicos, sociais e jurídicos, a adoção vem sendo transformada em um meio mais simples e completo para extirpar o abandono infantil na sociedade atual.

No caso desse trabalho, não serão estudadas as adoções que são feitas

a margem da lei, apenas as que são reconhecidas legalmente como uma

reintegração dos menores a um lar passando por todos os processos legais

existentes, afim de que haja um amparo legal para esse gesto de amor e de

solidariedade para com essas crianças abandonadas. Há que se considerar também

que a adoção é uma forma de pessoas sem filhos, seja por uma impossibilidade

física ou pela perda de um filho, de se tornarem pais, sendo, pois a adoção uma via

de mão dupla, pois estes propensos pais também vivem a expectativa da construção

de um lar completo, o que se dá com a chegada desse filho que não poderia vir por

meio biológico. Como lembra Puretz e Luiz (2007, p.03):

A adoção é uma forma definitiva de colocação de criança ou adolescente em uma família substituta através da sentença judicial, com esse procedimento se forma uma nova família. Concordamos com Freire (1994) quando diz que a adoção é uma forma de relacionamento social, e ao mesmo tempo uma instituição legalmente estabelecida, a partir do momento que se esgotam os recursos de manutenção na família biológica. Portanto ela carrega consigo a prática jurídica e a social.

A adoção, conforme já visto em passagens anteriores desse trabalho,

ainda é um processo lento e burocrático, chegando muitas vezes a uma espera de

cinco anos de pessoas que pretendem ter filhos por via de adoção.

2.4 Os princípios básicos da adoção e os menores excluídos

O grande problema relatado em varias pesquisas é o hiato que existe

entre a grande quantidade de crianças que estão em abrigos para serem adotadas a

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espera de um lar em contradição com milhares de pais que desejam adotar filhos

que esperam ansiosos por essa oportunidade.

O que justifica esse hiato é que, ao preencher os papéis de adoção, são

poucos os pais que não optam por adotar crianças recém-nascidas, “perfeitas”,

brancas, que são uma minoria na fila de adoção, conforme mostrarão os números

dos capítulos posteriores.

Isso ocorre por vários fatores que envolvem principalmente a

desinformação e o preconceito, haja vista que, as crianças maiores de dois anos já

são consideradas por muitos como sendo velhas para serem adotadas e acabam

passando muito tempo nos abrigos, muitas vezes até a adolescência ou idade

adulta.

O mesmo ocorre com crianças negras e também com crianças com algum

tipo de deficiência ou mesmo portadoras de alguma doença, como é o caso do HIV.

Esse ultimo caso a adoção é um processo complicado, haja vista que a exigência

que será feita para os pais, em termos de dedicação de tempo, de carinho, de

atenção, são ainda maiores do que o que ocorre sobre uma criança dita como

“perfeita”.

Isso faz com que os orfanatos e abrigos especializados fiquem

superlotados de crianças ditas “velhas” demais para serem adotadas, e com isso

essas crianças acabam por passar toda a vida nesses locais, vivendo sob a tutela do

Estado, longe de ter o aconchego familiar a que toda criança tem direito e que a

Constituição estabelece.

Conforme Camargo (2005, p.05):

No Brasil, assim como em grande parte do mundo ocidental, o destino das crianças rejeitadas e abandonadas por seus pais biológicos segue uma ordem cruel: boa parte cresce e se "educa" nos limites da instituição, quase sempre mantida e dirigida pelo Estado ou por associações não governamentais e religiosas. Algumas crianças, e porque não dizer, umas poucas privilegiadas, são adotadas por casais e famílias. Contudo, grande parte delas, os de fato excluídos social e economicamente pelo sistema, habitam as ruas.

Além de ser um grande custo para o Estado, essas crianças acabam por

crescer sem estabelecimento de vínculos afetivos com uma família, havendo

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apenas, em muitos casos, seus irmãos, igualmente abandonados, como uma

referencia do que vem a ser uma família.

Isso acaba gerando traumas psicológicos grandiosos nessas crianças,

que possuem uma idade muito tenra, mas que são obrigadas a desenvolver uma

maturidade de autodefesa muito cedo, não deixando de ser uma forma de se ter a

infância roubada, cujas consequências na idade adulta podem ser desastrosas.

O fato é que, quando a justiça não consegue enxergar que existe esse

hiato, e continua legislando sobre adoção fazendo com que todas as crianças sejam

tratadas como iguais, acaba por relegar esses menores com idade superior a dois

anos a uma situação de abandono permanente, pois são poucos os casos em que

famílias optam pelos processos da chamada adoção tardia, tema dos próximos

tópicos desse trabalho.

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3 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DA ADOÇÃO NO BRASIL

Conforme visto no capitulo sobre abandono, desde os primórdios da

civilização identificam-se casos de abandono de crianças. Porém as praticas de

abandono e adoção são sempre regidas de acordo com a cultura e as tradições de

cada povo, tendo, portanto formatos diferentes em cada país e cultura onde essa

pratica é identificada.

Conforme Puretz e Luiz (2007, p.03):

A adoção é uma prática que vem sendo realizada desde a antiguidade. A história nos mostra que esta prática está intimamente ligada aos padrões culturais de cada época e de cada sociedade. Assim, ela surgiu e também foi se desenvolvendo de acordo com a necessidade cultural de cada período (...) A adoção surgiu visando atender princípios religiosos, como forma de preservar a família com vistas à perpetuação da espécie. Sendo assim, a adoção era um recurso de continuidade da família quando não era possível ter filhos biológicos.

No caso do Brasil, destacam-se os casos mapeados desde o século XIX,

já citados no capitulo especifico sobre abandono e que citavam casos de desonra de

moças pobres ou mesmo filhos de camponeses miseráveis que deixavam seus filhos

em casas ricas ou em asilos para terem uma chance de serem criados longe da vida

miserável vivida pelos pais.

A adoção é, pois inicialmente vista como uma forma de minimizar esses

problemas sociais, sendo posteriormente vista como algo que poderia trazer

benefícios tanto para as famílias adotantes quanto para as crianças abandonadas,

que ganhariam uma nova chance de ter um lar.

Entretanto, vale ressaltar que, somente recentemente, com o advento do

Estatuto da Criança e do Adolescente, a criança passou a ser vista pela sociedade

realmente como um sujeito de direito, havendo, pois uma profunda modificação não

só nos preceitos da adoção, mas na sua essência.

Essa mudança representou inclusive o movimento do ordenamento

jurídico em se adequar as mudanças ocorridas na sociedade e também aos

parâmetros estabelecidos por sociedades de outros países, com um grau de

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desenvolvimento humano maior que o Brasil, e que serviram de inspiração para que

essas novas leis pudessem elevar as crianças e jovens a uma categoria condizente

com a necessidade iminente de amparo exigida por sua tenra idade.

3.1 Histórico da adoção no Brasil

No inicio do século XX ainda não haviam formalmente os orfanatos como

passaram a existir no Brasil na década de 30, porém já haviam casos em que as

crianças eram abandonadas e era “pegas para criar” por famílias mais abastadas e

que, ou não tinham filhos, ou queriam aumentar sua prole, ou mesmo, nos casos de

crianças do sexo masculino, eram a saída para famílias que desejavam ter um filho

varão mas eram biologicamente impedidos, ou só possuíam filhas do sexo feminino,

o que, em muitas culturas, e durante muito tempo também no Brasil, era uma afronta

aos pais e à família de uma forma geral, pois as mulheres possuíam um papel

secundário e bastante restrito na sociedade da época.

Segundo Arnold (2008, p.04):

Convém lembrar que nos tempos primievos da civilização, a adoção tinha por escopo dar continuidade ao culto do lar e, portanto, na falta do elemento masculino que presidisse esse culto, adotava-se um menino ou adulto para preservar a tradição do culto aos antepassados mortos daquela família, além de propiciar filhos àquelas pessoas que não os podiam ter de forma natural. Não se inseria, nesse contexto histórico, a preocupação em torno do bem-estar da criança ou adolescente adotado, sendo que os infantes após o período antigo da história, continuaram sendo "usados" - no período medieval - como um recurso para garantir um sucessor do patrimônio familiar bem como o de dar prosseguimento ao nome da família, satisfazendo, portanto, apenas os interesse dos adotantes.

Esse tipo de adoção, conforme relatado por Arnold (2008), ainda era visto

apenas pelo lado da família adotante, ou seja, o menor não possuía nenhum tipo de

amparo e o Estado não esboçava nenhum tipo de preocupação com o bem estar

desses menores.

Até porque, em muitos casos na época do coronelismo no Brasil, em

hipótese alguma uma autoridade teria a ação de colocar a idoneidade de um

fazendeiro abastado em duvida, questionando esse “ato de benevolência para com

um menor rejeitado” a fim de garantir que essa criança não sofreria maus tratos e

teria realmente um lar, não sendo, pois essa uma postura jurídica da época do inicio

do século XX.

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Conforme Camargo (2005, p.06):

Somente na década de 30 é que começaram a funcionar os conhecidos e ainda sobreviventes internatos, orfanatos, lares, casas transitórias, etc., legalizados a partir do primeiro Código de Menores, de 1927, e que cumprem com a dupla tarefa de, por meio da reclusão, proteger as crianças e adolescentes das hostilidades e riscos presentes na sociedade, ao passo que protegiam também essa mesma sociedade da incômoda convivência com a figura do menor abandonado.

Nessa época ainda não havia a visão da preocupação com o bem estar

das crianças abandonadas e, por isso, não havia um esforço no sentido de estimular

a adoção, sendo esses orfanatos e internatos um “deposito” dos menores relegados

por sua família original.

Vale ressaltar inclusive que, os menores abandonados eram obrigados a

conviver com os menores infratores que também eram recolhidos a esses abrigos e

que eram retirados do convívio social por atos pequenos de delinquência, ou

simplesmente por morarem na rua, oferecendo uma proteção mais para a sociedade

do que propriamente para o menor abandonado.

Nessa época ainda existiam as chamadas rodas de enjeitados, já citadas

anteriormente nesse trabalho e que serviam como uma maneira de as pessoas

abandonarem seus filhos em locais tidos como “ideais”, como instituições religiosas

e asilos, que eram locais considerados como seguros para um eventual abandono

de uma criança, em especial as que eram recém-nascidas, deixadas normalmente

na porta desses lugares por mães muito pobres e que não tinham condição de dar a

essas crianças nenhum amparo. Conforme Camargo (2005, p.06):

Com a inauguração dos orfanatos, por volta de 1950 as rodas dos enjeitados foram extintas, mas devido aos incontáveis casos de maus tratos denunciados pela sociedade civil, o Estado inaugura, sob a égide de um novo paradigma de cuidado com a infância, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) e, em diversos estados do território nacional, a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem).

Segundo o entendimento de Camargo (2005), apenas após a década de

50, e pressionado pela opinião popular é que houve um maior esforço no sentido de

preservar a idoneidade física e moral dessas crianças, haja vista as denuncias

populares de maus tratos que as crianças recebiam nesses lugares, dando um salto

maior no intuito de proteger esses menores e desestigmatizar as crianças que

sofriam abandono, mas que não eram infratoras e ainda assim eram vistas como tal.

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Como será visto no tópico sobre a evolução da legislação de adoção no

Brasil, ainda era muito pequeno o esforço do Estado na proteção do menor, e as

adoções eram feitas de forma quase negligente, como se fosse um favor que uma

família fazia ao adotar aquele menor. Foi somente com o advento dos anos 80 que a

adoção no Brasil passou a ser vista com outros olhos e que o Estado passou a se

interessar mais pelo tema. Vale ressaltar que, em virtude do Golpe de 64, o Brasil

esteve praticamente paralisado na legislação de menores, até meados dos anos 80,

quando do enfraquecimento do regime militar e a então promulgação do novo código

de menores, lei no 6.697, de 10 de outubro de 1979.

Porém o grande salto para a adoção no Brasil se deu mesmo com a

promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma legislação que lançou

um novo e diferenciado olhar sobre a criança e os processos que a rodeiam, sendo

a adoção um destes, e fazendo com que fosse dada uma prioridade maior ao seu

bem estar, sua qualidade de vida e o amparo em um seio familiar que lhe conferisse

a seguridade de seus direitos. Essa compreensão se dará com maior ênfase quando

do entendimento da evolução da legislação brasileira sobre adoção, que retrata de

forma fiel a visão do Estado sobre esse processo.

3.2 Evolução da legislação sobre adoção no Brasil

3.2.1 Do código Civil de 1916

O marco histórico da legislação sobre adoção no Brasil pode ser

encontrado ainda no inicio do século XX quando da promulgação do código civil

brasileiro de 1916, cujo livro de direito da família, em seu Título V - Relações de

Parentesco - Capítulo V - Da Adoção dizia o seguinte:

Art. 368 - Só os maiores de 30 (trinta) anos podem adotar. Parágrafo único - Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos 5 (cinco) anos após o casamento. Art. 369 - O adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotado. Art. 370 - Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher. Art. 371 - Enquanto não der contas de sua administração, e saldar o seu alcance, não pode o tutor, ou curador, adotar o pupilo, ou o curatelado. Art. 372 - Não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou nascituro

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Algumas peculiaridades desse texto refletem a cultura da época, onde o

processo de adoção era visto com interesses unilaterais, onde somente os pais

adotantes tinham seus direitos e prerrogativas analisados, sem que nada fosse dito

ou pensado em relação ao bem estar da criança. Continua o texto dessa lei:

Art. 373 - O adotado, quando menor, ou interdito, poderá desligar-se da adoção no ano imediato ao em que cessar a interdição, ou a menoridade. Art. 374 - Também se dissolve o vínculo da adoção: I - quando as duas partes convierem; II - nos casos em que é admitida a deserdação. Art. 375 - A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite condição, nem termo. Art. 376 - O parentesco resultante da adoção (Art. 336) limita-se ao adotante e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, a cujo respeito se observará o disposto no Art. 183, III e V. Art. 377 - Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária. Art. 378 - Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo.

As determinações diziam respeito à adoção somente por pessoas

casadas há mais de 5 anos, terem mais de 30 anos e serem ao menos 16 anos mais

velho que o adotado, e do fato de que duas pessoas só poderiam adotar uma

criança se fossem casados, uma forma de preservar a moral e os bons costumes da

época, mantendo-se assim a ideia de adotar um filho em condições que não

ferissem a tradicional família brasileira.

3.2.2 Do código Civil de Menores de 1927

Outra legislação identificada com os preceitos da adoção foi o código de

menores de 1927, que trazia o seguinte texto, dentre outras prerrogativas que

faziam um paralelo entre os menores abandonados e os menores infratores,

julgando-os com mesmo peso e medida, o que conferia grande carga de preconceito

sobre as crianças abandonadas e que eram vistas como renegados delinquentes

sem nem mesmo terem participação em algum tipo de contravenção ou o que quer

que seja que pudesse fazer com que elas fossem consideradas como menores em

mesma condição de julgamento, por parte da sociedade, com relação aos menores

que eram infratores.

O texto traz a descrição do abrigo de menores, que era o local para o qual

os menores abandonados e também os menores infratores e meninos de rua eram

levados indistintamente:

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Art. 189. Subordinado ao Juiz de Menores haverá um Abrigo, destinado a receber provisoriamente, até que tenham destino definitivo, os menores abandonados e delinquentes. Art. 190. O Abrigo compor-se-ha de duas divisões, uma masculina e outra feminina; ambas .subdividir-se-hão em secções de abandonados e delinquentes; e os menores serão distribuidos em turmas, conforme o motivo do recolhimento, sua, idade e gráo de perversão. Art. 191. Os menores se occuparão em exercicios de leitura, escripta o contas, lições de cousas e desenho, em trabalhos manuaes, gyinnastica e jogos desportivos. Art. 192. Qualquer menor. que de entrada no Abrigo será recolhido a um pavilhão de observação, com aposentos do isolamento, depois de inscripto na secretaria, photographado, submettido á identificação, e examinado pelo medico e por um professor; e ahi será conservado em observação durante o tempo necessario.

Conforme visto anteriormente esses abrigos de menores bem como as

rodas dos enjeitados eram locais onde os menores sofriam muito e a própria

sociedade se rebelou contra a existência de tamanho descaso com esses menores,

o que fez com que o governo interviesse e criassem as fundações de bem estar no

menor.

3.2.3 Da lei nº 3.133 / 57

Paralelo à criação das fundações de bem estar do menor, a Constituição

também ofereceu um novo olhar sobre a legislação de adoção vigente há 40 anos,

considerando-a ultrapassada, porém fazendo uma alteração muito sutil na lei, o que

não resultou em muita significação na pratica. Diz o texto da lei nº 3.133 de 8 de

maio de 1957:

Art. 1º Os artigos 368, 369, 372, 374 e 377 do Capítulo V - Da Adoção - do Código Civil, passarão a ter a seguinte redação: "Art. 368. Só os maiores de 30 (trinta) anos podem adotar. Parágrafo único. Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos 5 (cinco) anos após o casamento. Art. 369. O adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotado.

Continua o texto da mesma lei ao tratar dos critérios de adoção:

Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária." Art. 2º No ato da adoção serão declarados quais os apelidos da família que passará a usar o adotado. Parágrafo único. O adotado poderá formar seus apelidos conservando os dos pais de sangue; ou acrescentando os do adotante; ou, ainda, sòmente os do adotante, com exclusão dos apelidos dos pais de sangue. Art. 3º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

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Por mais que esse êxito já sinalizasse uma mudança, é importante

ressaltar que ainda era muito distante a questão da adoção como ocorre hoje, com

foco nos menores e não nos pais, que a época dessa lei, eram considerados os

benfeitores que acolhiam em suas casas menores relegados.

3.2.4 Da lei nº 4.655 / 65

Um grande e importante avanço se deu, porém com a promulgação da lei

numero 4.655 de 1965, ao conferir a legitimidade de filiação também aos filhos

adotivos, igualando-os aos filhos legítimos em direitos, o que representava um

ganho significativo para os filhos adotados perante a sociedade.

Diz o texto da lei nº 4.655/1965:

Art. 1º É permitida a legitimação do infante exposto, cujos pais sejam desconhecidos ou hajam declarado por escrito que pôde ser dado, bem como do menor abandonado pròpriamente dito até 7 (sete) anos de idade, cujos pais tenham sido destituídos do pátrio poder; do órgão da mesma idade, não reclamando por qualquer parente por mais de um ano; e, ainda, do filho natural reconhecido apenas pela mãe, impossibilitado de prover a sua criação. § 1º Será também permitida a legitimação adotiva, em favor do menor, com mais de 7 (sete) anos, quando à época em que completou essa idade, já se achava sob a guarda dos legitimantes, mesmo que êstes não preenchessem então as condições exigidas.

Vale ressaltar que ainda havia muito preconceito da sociedade para com

os filhos adotivos, em especial quando a família adotiva não ocupava grande

posição de destaque na sociedade, e era de conhecimento público que a pessoa era

oriunda de adoção.

Continua o texto da lei nº 4.655/1965:

Art. 2º Somente poderão solicitar a legitimação adotiva dos menores referidos no artigo anterior os casais cujo matrimônio tenha mais de 5 (cinco) anos e dos quais pelo menos um dos cônsules tenha mais de 30 (trinta) anos de idade, sem filhos legítimos, legitimados ou naturais reconhecidos. Parágrafo único. Será dispensado o prazo de 5 (cinco) anos de matrimônio provada a esterilidade de um dos cônsules, por perícia médica, e a estabilidade conjugal. Art. 3º Autorizar-se-á, excepcionalmente, a legitimação ao viúvo, ou viúva, com mais de 35 (trinta e cinco) anos de idade, provado que o menor esteja integrado em seu lar e onde viva há mais de 5 (cinco) anos. (...) Art. 9º O legitimado adotiva tem os mesmos direitos e deveres do filho legítimo, salvo no caso de sucessão, se concorrer com filho legítimo superveniente à adoção (Cód. Civ. § 2º do art. 1.605). § 1º O vínculo da adoção se estende à família dos legitimantes, quando os seus ascendentes derem adesão ao ato que o consagrou.

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Até mesmo dentro da própria família, em especial quando a família

possuía filhos legítimos biológicos além do que era adotado, não obstante as

disputas de herança era comum que esses filhos por adoção sofressem com o

preconceito e o escárnio dos próprios irmãos, dos parentes próximos, e de pessoas

que possuíam um convívio mais intimo com a família, justamente por conta de ainda

não haver o status de legitimação como filho daquela família.

3.2.5 Da lei nº 6.697/79

Outro marco importante para a legislação de adoção no Brasil foi a

promulgação da Lei no 6.697, de 10 de outubro de 1979, que veio instituir o novo

código de menores e trazer mais alguns benefícios para o processo de adoção,

porém ainda mantendo a prioridade de olhares para o adotante e não para o

adotado.

Essa lei trouxe pela primeira vez a definição de adoção simples e adoção

plena, e também fez a separação da ideia de menor abandonado da de menor

infrator, começando a trata-los de forma diferenciada com relação ao seu conceito.

Segundo o texto da Lei no 6.697, de 10 de outubro de 1979:

Art. 28. A adoção simples dependerá de autorização judicial, devendo o interessado indicar, no requerimento, os apelidos de família que usará o adotado, os quais, se deferido o pedido, constarão do alvará e da escritura, para averbação no registro de nascimento do menor. (...) Art. 29. A adoção plena atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.(...) Art. 32. Somente poderão requerer adoção plena casais cujo matrimônio tenha mais de cinco anos e dos quais pelo menos um dos cônjuges tenha mais de trinta anos. Parágrafo único. Provadas a esterilidade de um dos cônjuges e a estabilidade conjugal, será dispensado o prazo. (...)

O ganho com essa lei foi pequeno, porém não se pode esquecer que o

Brasil vivia o final da Ditadura Militar, período do qual muito pouco se pode avançar

em relação aos direitos civis e que trouxe apenas pequenas melhorias frente à

legislação de adoção que já existia à época.

A prioridade para os casais que não podiam gerar filhos fica também

explicitada no texto da lei, o que foi um diferencial importante para os casais que não

precisavam mais esperar cinco anos para serem pais quando sofrendo desta

condição. Traz ainda o texto da Lei no 6.697:

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Art. 33. Autorizar-se-á a adoção plena ao viúvo ou à viúva, provado que o menor está integrado em seu lar, onde tenha iniciado estágio de convivência de três anos ainda em vida do outro cônjuge.(...) Art. 34. Aos cônjuges separados judicialmente, havendo começado o estágio de convivência de três anos na constância da sociedade conjugal, é lícito requererem adoção plena, se acordarem sobre a guarda do menor após a separação judicial.(...) Art. 37. A adoção plena é irrevogável, ainda que aos adotantes venham a nascer filhos, as quais estão equiparados os adotados, com os mesmos direitos e deveres.

A equiparação de direitos e deveres entre os filhos adotivos e os filhos

legítimos continuou representando um grande avanço e foi mantido no texto da lei

justamente por sua importância na sociedade.

3.2.6 Da lei nº 8.069/90 – O Estatuto da Criança e do Adolescente

Porém, o grande divisor de águas da legislação não só de adoção, mas

do tratamento da criança e do adolescente segundo seus direitos e deveres se deu

com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, considerado por todos

os autores pesquisados como o marco legal mais importante para a mudança de

visão da prioridade dos adotantes para a prioridade da criança, quando de um

processo de adoção. Conforme Puretz e Luiz (2007, p.08):

Processual e historicamente estas condições foram sendo questionadas pela sociedade brasileira, através de movimentos sociais, representantes de classes de profissionais, juristas e de outras organizações em busca por direitos à infância e à juventude brasileira. Passando, em 13 de julho de 1990, a vigorar o Estatuto da Criança e do Adolescente, sob a Lei nº 8.069, o qual reordena a concepção dos direitos das crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 1990, fundamenta-se na Doutrina de Proteção Integral. A proteção integral e o sistema de garantia de direitos, prevista no ECA, coloca-se a partir da afirmação dos direitos fundamentais, bem como os direitos individuais e coletivos. A criança e o adolescente passam então a ser sujeitos de direitos.

Essa transição de um modelo conservador de adoção, que só via o lado

dos pais, para uma adoção moderna, que passou a ver também o lado dos filhos

adotados foi descrita também por Arnold (2008, p.11):

O que se verifica claramente é que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 passou a ver o universo infanto-juvenil um portador de direitos, com suas necessidades e particularidades, deixando consignado de forma expressa em seu artigo 227, a necessidade de uma política salutar, direcionada especialmente à criança e ao adolescente, estabelecendo os critérios e a obrigatoriedade tanto da família, da sociedade como do próprio Estado, visando assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à dignidade e à convivência familiar, além de colocá-los a salvo de toda negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe ganhos importantes para

a adoção ao instituir, por exemplo, que não somente casais podiam adotar, mas

também pessoas solteiras que tinham condições financeiras e psicológicas para tal.

Além disso, expressa claro em seu texto que o foco das decisões é o bem estar e a

segurança do menor, através da garantia de que terá respeitados os direitos que

lhes são garantidos por lei.

Diz a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990:

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. (...) Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei. § 1o A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. (...) Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. § 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. (...) § 4o Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. (...) Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.

Quanto da instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, que

representou um marco, não só da adoção no Brasil, mas da visão que se tem a

respeito das crianças e adolescentes, focado principalmente no seu bem estar.

Essa, conforme será visto no capitulo sobre a legislação e sua evolução,

representou uma nova forma de ver o problema ao passo que foca na questão do

menor, da sua qualidade de vida, da sua proteção, do seu bem estar, e de seu

amparo legal como cidadãos, independente de serem ainda muito jovens, tendo

assim seus direitos assegurados por lei e, portanto sendo beneficiados com o

amparo legal do Estado de uma forma que até então ainda não se havia feito no

Brasil. Recentemente, no ano de 2009 foi promulgada a Lei 12.010 que promoveu

alterações em alguns pontos importantes do Estatuto da Criança e do Adolescente,

no que se refere à adoção a fim de que o processo recebesse maior celeridade e

menos burocracia.

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Dentre as mudanças ocorridas pode-se destacar a diminuição do tempo

de duração do processo de adoção, a possibilidade da família biológica extensa ser

candidata à adoção (como tios, primos), além de alterações no período de

convivência quando da adoção por pessoas de outros países.

Vale, pois ressaltar que ainda há um longo caminho jurídico a percorrer,

tendo em vista que a promulgação dessa nova lei precisa ser posta em prática de

forma efetiva, necessitando ainda de um aprimoramento dos processos a fim de que

essa aplicação seja feita a contento.

3.2.7 Da Lei nº 12.010/09

A lei 12.010/09, de iniciativa da senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), a

lei tem como principal objetivo de assegurar o direito de crianças e adolescentes à

convivência familiar e comunitária, admitindo-se a adoção apenas quando não for

possível manter o menor junto à família natural ou extensa, esta formada por

parentes próximos, como avós ou tios, sendo essa, pois uma das grandes inovações

da lei.

O intuito dessa lei é o de facilitar o processo de adoção, melhorando o

acesso dos pretensos pais e, dessa forma, diminuindo o tempo de permanência

dessas crianças nos abrigos e pode ampliar em muito o número de lares com

crianças adotadas.

Outra novidade trazida pela lei é o fato de que, caso sejam no mínimo 16

anos mais velhas que o propenso adotado, pessoas solteiras também podem adotar,

desde que passem por avaliação e comprovem sua aptidão para tal feito. Instituiu

também o cadastro nacional de adoção, minimizando as praticas de adoção direta,

onde os propensos pais já procuram a justiça de posse da criança adotada, o que

dificulta o acompanhamento do processo.

Ainda foi criada pela lei uma tutela maior sobre as agora chamadas casas

de acolhimento institucional, sendo, pois a ida da criança para esse local

determinada apenas pelo juiz e não mais por outros entes, como o conselheiro

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tutelar por exemplo. Com o advento da nova lei, espera-se que os números da

adoção no Brasil tenham ganhos significativos de melhoria.

4 MITOS E DIFICULDADES NA PRÁTICA DA ADOÇÃO TARDIA

Adotar uma criança com mais de cinco anos para muitos é uma situação

da qual não querem participar. Varias são as justificativas para não adentrar a esse

universo da adoção tardia, argumentos amparados muitas vezes no preconceito e

na visão errada que se tem sobre a questão.

Conforme Camargo (2005, p.04):

Em trabalho com o Grupo de Apoio aos Pais Adotivos, foi possível detectar uma série de mitos, medos e expectativas, atuando de modo negativo no processo de preparação dos casais e famílias, tanto para a adoção como para o momento da revelação da verdade ao filho já adotado. Neste sentido, muito pouco do que ouviram dizer, do que souberam ter acontecido com outros casais e famílias, ou do que tinham lido acerca da adoção, os encaminhava para uma perspectiva de adoção positiva e propensa ao êxito. Com os mitos instalados e os medos atuando, sobretudo no que diz respeito à verdade sobre a origem da criança, seu passado e seu futuro após a revelação, muitos casais e famílias com potencial para adoção deixam de concretizá-la.

Existem varias razões alegadas pelos pais para não querer adotar uma

criança com mais de três anos, entre elas a dificuldade de adaptação aos pretensos

pais, às memórias e ligações afetivas com a família anterior, alguns vícios e

maneiras já formados, entre vários outros argumentos que precisam ser superados

para que os menores em condição de serem acolhidos que possuírem mais de três

anos possam ter um lar e se inserirem em uma estrutura familiar como reza a

Constituição, que expressa claramente que toda criança precisa estar inserida em

um seio familiar para que possa se desenvolver de forma saudável.

Do outro lado essas crianças de processos de adoção tardia também

são cheias de medos e incertezas, causadas por traumas anteriores, o que não

significa que elas sejam mais difíceis de lidar, muito pelo contrario, segundo

especialistas, essas crianças são ainda mais ávidas e sedentas de carinho e amor

oriundos de uma família.

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Conforme já relatado no inicio do trabalho muitas são as alegações para

que as pessoas procurem adotar crianças mais novas, muitas vezes recém

nascidos, seja pela ideia da criação de vínculos familiares anteriores não existentes,

seja pela vontade de “sentir-se” mãe desde os primeiros momentos de vida da

criança, seja por medo de adotar crianças maiores.

É importante ressaltar que os medos em relação à adoção tardia

representam grandes obstáculos para essa prática, constituindo muitas vezes

motivos inclusive para a não adoção de crianças que já estão aptas a serem

adotadas, como será mostrado no tópico sobre os dados da adoção no Brasil.

4.1 Mitos da adoção tardia

Vários são os fatores enumerados para a escolha de uma adoção de

crianças em tenra idade entre os quais podem ser destacados segundo Arnald

(2008), Camargo (2005) e Puretz e Luiz (2007):

A questão de se ter uma adaptação mais fácil e tranquila em relação

tanto por parte dos pais quanto por parte da criança havendo uma

espécie de imitação das etapas de construção do vinculo que ocorre

quando do nascimento;

A possibilidade de que se possa criar laços afetivos mais fortes,

especialmente entre mãe e filhos, não restando, pois resquícios do

abandono sofrido por esta criança;

Ficaria mais fácil para famílias que não desejam revelar à criança a sua

condição de adotadas, uma vez que isso não é raro de acontecer, em

especial com crianças cujo biótipo é compatível com o dos pais adotivos;

A possibilidade do acompanhamento do desenvolvimento físico e social

dessa criança desde os primeiros movimentos, como a primeira palavra,

os primeiros passos, que confere uma maior sensação de paternidade

na visão de alguns pais, em especial aqueles que não possuem filhos

ainda ou que não podem gerar um filho por alguma condição biológica

de um dos parceiros e desconsideram as formas de fertilização artificial.

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A construção de uma historia familiar completa, com álbuns de família

completos, com o acompanhamento do desenvolvimento escolar, com

as noites em claro e trocas de fraldas, acompanhar festas e reuniões

sociais desde os primeiros momentos, enfim situações que trazem uma

sensação de maior vinculam paternal e maternal na visão de muitos dos

pretendentes à adoção.

Porém nada impede que os processos de adoção tardia também tenham

a sua importância na construção do vinculo fraterno entre pais e filhos, obviamente

sendo necessário um maior amadurecimento tanto por parte dos pais quanto da

família como um todo para a aceitação dessa criança, sendo, pois listadas na

literatura vários casos de sucesso e raros casos em que esse tipo de adoção tardia

não dá certo.

Conforme Camargo (2005, p.04):

Postulamos que tal fato se deva à ação do paradigma biologista que privilegia o chamado "laço de sangue" como componente indispensável à constituição familiar em detrimento da prática da adoção: uma outra via de acesso à família. Associada a tal paradigma encontra-se também, e em pleno funcionamento, uma "cultura da adoção" que, dentre os muitos obstáculos que impõe à difusão da prática da adoção, favorece a integração de crianças recém-nascidas ao seio de famílias e desabona o acolhimento de crianças mais velhas e adolescentes.

São muitas as historias em que adotar uma criança maior é até mais

vantajoso para algumas pessoas, em especial as que são solteiras, as que não

possuem condições de se ausentar do trabalho por muitas horas para cuidar dessa

criança, as que trabalham muito, enfim situações em que a criança precisa ser

menos dependente dos pais do que quando recém nascida ou muito pequena.

É importante considerar que, os processos de adoção tardia que não dão

certo são muito complicados de serem identificados por haver um compromisso dos

órgãos competentes em preservar tanto os pais quanto as crianças que passaram

por esses processos de adoção tardia, a fim de que não haja um estigma nem sobre

um nem sobre outro. Considera Arnoud (2008, p.06):

Os motivos alegados que levam à escassa procura por crianças mais velhas são inúmeros, tais como a preferência em adotar um bebê para acompanhar o seu crescimento e desenvolvimento. Há ainda o receio em adotar uma criança com mais de dois anos de idade pelo que a mesma traria consigo, ou o arraigado e inconcebível medo do "sangue ruim" e das

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conseqüências provocadas pela institucionalização e pelo abandono. Pode-se mencionar o temor de que a criança possa guardar mágoas e que tenha maus costumes.

Pela compreensão da literatura usada para esse trabalho, é importante

ressaltar que, num processo de adoção fracassado, muitas vezes a criança possui

dificuldades em se adaptar aos novos pais, mesmo após um período de

“experiência” pelo qual passam no intuito de se conhecerem melhor.

Em outras situações, são os pais que possuem dificuldades na adaptação

dessa nova realidade à sua antiga rotina e acabam por devolver a criança para o

local de onde a mesma foi acolhida, o que representa algo muito traumático para a

criança, e gera uma grande frustração na mesma, até mesmo pelo fato de que a

pouca maturidade e o histórico de abandono anterior que sofreu acabam por terem

mais um doloroso capitulo de uma nova rejeição.

Em ambos os casos, segundo relatos da literatura, um grupo de

psicólogos e assistentes sociais interveem para identificar onde está realmente o

problema, se na criança, ou se nos pais. Em ambos os casos é dada uma nova

chance para que tanto a criança possa ser adotada por uma nova família como

também os pais tem uma nova chance de adotar uma outra criança, visto que o

intuito é que haja uma relação harmoniosa para ambos os lados.

4.2 Os dados sobre adoção tardia no Brasil

Para a elaboração desse tópico, foram pesquisados os dados

diretamente no Cadastro Nacional da Adoção, de dados publicados com base em

dados atualizados, sendo esse um relatório gerado diretamente do site do CNA, com

os dados atualizados do dia da consulta.

O primeiro dado diz respeito ao cadastro de pretendentes a adoção, e traz

números bastante expressivos. São num total de 32.716 inscrições de pretendentes

à adoção, cujos dados para esse trabalho foram separados em quatro categorias

distintas para que se fosse feita uma analise mais minuciosa.

A primeira tabela trata da quantidade de pretendentes de acordo com a

sua pretensão de adoção em virtude da raça da criança. O próprio CNA afirma na

pesquisa que o critério de raça já não é mais determinante para adoção de uma

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criança, pois identifica que quase 45% dos pretendentes são indiferentes á raça da

criança.

O contraponto importante é que ainda existem 28% de pais em potencial

que somente aceitam crianças de cor branca, sendo, pois um percentual expressivo

dentro do total de pretendentes inscritos, representando claramente que alguns pais

ainda possuem algum tipo de preconceito para com a raça do filho adotivo, seja por

racismo, seja pelo fato de não quererem uma criança que possui uma cor diferente

da pessoa que está pretendendo adotar.

Tabela 1 – cadastro de pretendentes de acordo com a aceitação de raça

da criança.

Total de Pretendentes cadastrados 32716 100,00%

Total de Pretendentes que somente aceitam crianças da Raça Branca 9160 28,00%

Total de Pretendentes que somente aceitam crianças da Raça Negra 599 1,83%

Total de Pretendentes que somente aceitam crianças da Raça Amarela 312 0,95%

Total de Pretendentes que somente aceitam crianças da Raça Parda 1807 5,52%

Total de Pretendentes que somente aceitam crianças da Raça Indígena 301 0,92%

Total de Pretendentes que possuem restrições em relação a Raça da criança 5975 18,27%

Total de Pretendentes que são indiferentes em relação a Raça da criança 14562 44,51%

Fonte:CNA

Com relação à quantidade de crianças também identifica-se um paralelo

entre a teoria analisada nesse trabalho e a prática, haja vista que a maioria dos

pretendentes ainda deseja adotar apenas uma criança, o que acaba sendo um

problema para os casos em que irmãos aguardam por adoção.

O próprio estado reconhece a importância de manter os irmãos unidos,

por ser este muitas vezes o único vinculo familiar conhecido entre esses menores e

por isso, sempre que possível procura não separa-los nos processos de adoção, o

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que, em quase 80% dos casos de pretendentes isso não é aceito, conforme mostra

a tabela.

À medida que a quantidade de irmãos aumenta, menor é a chance de

adotar todos juntos, uma vez que não é desejo de praticamente todos os

pretendentes cadastrados adotar mais de uma criança, representando esse

percentual que aceita mais de duas crianças um numero inferior a 2%.

Tabela 2 – cadastro de pretendentes de acordo com a quantidade de

crianças pretendidas

Total de Pretendentes cadastrados 32716 100,00%

Total de Pretendentes que desejam adotar 1 criança 26069 79,68%

Total de Pretendentes que desejam adotar 2 crianças 6288 19,22%

Total de Pretendentes que desejam adotar 3 crianças 285 0,87%

Total de Pretendentes que desejam adotar 4 crianças 32 0,10%

Total de Pretendentes que desejam adotar 5 crianças 8 0,02%

Total de Pretendentes que desejam adotar 6 ou mais crianças 4 0,01%

Total de Pretendentes que aceitam adotar gêmeos 7171 21,92%

Total de Pretendentes que não aceitam adotar gêmeos 25545 78,08%

Total de Pretendentes que aceitam adotar irmãos 6778 20,72%

Total de Pretendentes que não aceitam adotar irmãos 25938 79,28%

Fonte:CNA

O que antes era motivo de preleção hoje é sinônimo de oportunidade para

ser adotado, que é o fato de ser criança do sexo feminino, mostrando uma inversão

nos valores da adoção na sociedade onde mais de 30% preferem que sejam

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meninas as crianças adotadas. Porém a boa noticia é que para mais de 60% dos

pretendentes o sexo da criança é indiferente.

Isso mostra que o critério adotado anteriormente, de constituir uma família

mais forte adotando-se um filho varão já foi extinta dos critérios de adoção, sendo

pelo contrario, motivo inclusive de rejeição por mais de 30% dos pretendentes a

adoção que preferem crianças do sexo feminino, por razões que não foram

analisadas na pesquisa feita e divulgada pelo CNA cujos dados estão sendo

tabulados e mostrados nesse trabalho.

Tabela 3 – cadastro de pretendentes de acordo com o sexo de crianças

pretendidas

Total de Pretendentes cadastrados 32716 100,00%

Total de Pretendentes que desejam adotar crianças somente do sexo Masculino 3153 9,64%

Total de Pretendentes que desejam adotar crianças somente do sexo Feminino 10233 31,28%

Total de Pretendentes que são indiferentes em relação ao sexo da criança 20002 61,14%

Fonte:CNA

A quarta tabela a ser analisada é a de maior importância para o tema

abordado nesse trabalho, por trazer os dados em relação aos pretendentes à

adoção de acordo com a idade das crianças procuradas para fazerem parte desse

novo seio familiar ao qual serão inseridas.

E infelizmente os dados, ainda que sejam mais favoráveis em relação as

crianças até os dez anos, o que já pode ser considerado como um grande passo

para a desmistificação da adoção tardia, ainda é preocupante em relação as

crianças que possuem mais de 6 anos, sendo esse um numero que vai declinando a

medida que o dado analisado considera idades superiores.

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Tabela 4 – cadastro de pretendentes de acordo com a idade das crianças

pretendidas

Total de Pretendentes cadastrados 32716 100,00%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 0 anos de idade 4227 12,92%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 1 anos de idade 5809 17,76%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 2 anos de idade 6497 19,86%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 3 anos de idade 6473 19,79%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 4 anos de idade 3791 11,59%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 5 anos de idade 3730 11,40%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 6 anos de idade 1528 4,67%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 7 anos de idade 746 2,28%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 8 anos de idade 372 1,14%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 9 anos de idade 145 0,44%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 10 anos de idade 264 0,81%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 11 anos de idade 59 0,18%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 12 anos de idade 93 0,28%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 13 anos de idade 26 0,08%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 14 anos de idade 19 0,06%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 15 anos de idade 30 0,09%

Total de Pretendentes que aceitam crianças com 16 anos de idade 10 0,03%

Fonte:CNA

Os números revelam que ainda é distante a convergência de números

entre os pais que pretendem adotar e as crianças que estão em condições de serem

adotadas, sendo, pois inclusive maior o numero de pretendentes do que o numero

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de crianças disponíveis para adoção, o que deveria representar uma solução para

essa enorme quantidade de crianças que aguardam ansiosamente pela

oportunidade de serem recolocadas em um lar, construir novos laços familiares e

reverter essa situação de abandono ao qual foram relegadas e para as quais cada

ano que se passa representa a diminuição gradual e voraz de suas chances de

serem adotadas por uma família ou mesmo por pais que desejam ser pais solteiros,

o que já é possível pela nova legislação.

É importante ressaltar que houve um aumento em relação aos

pretendentes a adoção em relação a crianças que possuem mais de dois anos,

sendo essa, pois uma idade já considerada avançada de acordo com a literatura

escolhida para a elaboração desse trabalho.

No entanto a maioria ainda se concentra nos pretendentes a adoção que

desejam adotar crianças até cinco anos de idade, sendo declinante o numero de

pessoas que desejam adotar crianças em idade superior a esta, e o quadro é ainda

mais grave com os maiores de 10 anos.

O mais complicado nessa equação é que essas são grandezas

inversamente proporcionais, pois ao passo que os pretendentes querem crianças

mais jovens os abrigos estão lotados de crianças com idades maiores, como

mostram esses dados abaixo:

Tabela 5 – cadastro de crianças disponíveis para adoção de acordo com a faixa

etária

Fonte: CNA

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Na contramão do que ocorre com os pretendentes, ao passo que existem

menos pessoas propensas a adotar com relação ao avanço da idade, maior é o

numero de crianças disponíveis para adoção nesse mesmo critério, representando

um hiato grave para a adoção no Brasil.

Tabela 6 – cadastro de crianças disponíveis para adoção de acordo com a

quantidade de irmãos

Fonte:CNA

Esse é outro dado preocupante em relação à adoção, o numero de

crianças que possuem irmãos e que precisam que os pretendentes aceitem adotar

crianças que possuem irmãos para não ter que separa-los, ficando a maioria em

torno de 2 a 3 irmãos, porém há um caso muito peculiar de uma criança que possui

14 irmãos, o que praticamente inviabiliza essa pratica de manter os irmãos todos

juntos caso haja a intenção de adoção deste menor.

Tabelas 7 e 8 – cadastro de crianças disponíveis para adoção de acordo

com a cor e o gênero.

Fonte:CNA

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Outro dado que também vai na contramão dos pretendentes é o gênero

da criança disponível para adoção, pois a maioria identificada dos menores são do

gênero masculino e da cor parda, números esses que somente podem ser

absorvidos pelos pretendentes que, ou se encaixam no perfil de preferência, ou que

são indiferentes a sexo e raça, que representam um numero pequeno frente ao

numero total de pretendentes.

Esses hiatos demonstrados com os números apresentados até aqui são

de grande importância para que se compreenda o processo de adoção no Brasil,

seus problemas e limitações, de forma que se possam fazer alterações nas leis e na

forma de adoção para que se tenha uma melhora nos números e consiga se

encontrar um denominador comum para uma demanda muito grande de adoções em

consonância com um grande número de crianças disponíveis para adoção, tendo em

vista que os perfis que não se encaixam no padrão preferencial precisam de um

tratamento diferenciado para que possa ser incentivado.

Tabelas 9 e 10 – cadastro de casais pretendentes de acordo com a

quantidade de filhos biológicos e adotivos

Fonte:CNA

Outro dado interessante em relação à adoção diz respeito aos

pretendentes que possuem filhos biológicos, adotados ou ainda nenhum filho. A

maioria dos pretendentes realmente não possuem filhos biológicos e também não

possuem outros filhos adotados, no entanto existe um percentual significativo de

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pessoas que, mesmo tendo um ou mais filhos biológicos, ainda assim querem adotar

uma criança, e também o percentual de pais que já possuem filhos adotivos e que

desejam adotar outra criança, o que valida o sucesso das experiências de adoção.

Os dados evidenciam que faz-se extremamente necessário que o Estado

e os órgãos de assistência direcionem esforços maiores e diferenciados aos

adotantes que estão fora do padrão, em especial os que se enquadram na adoção

tardia, para que essas crianças tenham seus direitos básicos assegurados, além de

poderem crescer em um lar com afeto e amparo afetivo.

4.3 Jurisprudências sobre adoção tardia no Brasil

Por ser um procedimento relativamente novo dentro do direito brasileiro

não é muito comum encontrar processos publicados na internet com o tema em

questão. Existem, por exemplo, muitos casos onde há pedido de pensão,

reconhecimento de filiação, porém o processo em si é mais raro de se encontrar em

uma pesquisa superficial.

No entanto, dois casos chamaram a atenção da autora do trabalho por

conta do teor, sendo o da negativa de adoção o que mais surpreendeu pelos fatos

relatados. A seguir segue-se o recurso interpelado através do processo de Nº CNJ:

0064407-20.2014.8.21.7000, correspondente a uma jurisprudência positiva de caso

de adoção tardia:

Sustentam os recorrentes que conheceram BRENDA na casa de passagem de Eldorado do Sul e de imediato nutriram um grande afeto pela menina. Alegam que questionada por eles, a menor manifestou interesse em ser adotada, o que os motivou a ingressarem com ação de guarda e adoção. Aduzem que, com a autorização da casa de passagem a menor passou a morar com eles, estando consolidada a relação de afeto entre eles. Argumentam que BRENDA está feliz e bem adaptada à família, tendo sido matriculada na escola Antônio Padre Vieira, localizada na frente da casa onde está residindo. Dizem que em Eldorado do Sul não há outros casais habilitados que estejam buscando uma adolescente com o perfil de BRENDA para adotar. Referem que o Ministério Público, ao pedir a busca e apreensão da menor, não pensou com calma no bem estar dela, preocupando-se apenas com possível preterição de fila de adoção. Destacam que estão habilitados e inseridos no Cadastro Nacional de Adoção desde 07 de março de 2013, com perfil de adotando de 0-14, sem restrição de sexo, raça ou cor. Afirmam que BRENDA já conta com 14 anos de idade e possui o direito de dizer se aceita ou não ser adotada por outras pessoas, com quem não mantenha laços afetivos. Ressaltam que possuem ótima situação financeira e que não há justificativa para o indeferimento da guarda provisória, por se tratar de situação excepcional. Pretendem seja-

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lhes deferida a guarda provisória da menor BRENDA. Pedem o provimento

do recurso.

Esse é um caso em que tudo se configura de forma positiva para os pais

e para adotante, visto que, baseado no Estatuto da Criança e do Adolescente, bem

como na lei 12.010/90, em que pesa a situação favorável do atendimento ao melhor

interesse do menor, como pode ser visto na decisão judicial.

Conforme decisão houve provimento do recurso, tendo sido relatado da

seguinte forma nos autos:

O deferimento da guarda visa à regularização de uma situação de fato, para conferir proteção jurídica, conforme dispõe o artigo33, parágrafo 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. In casu, ainda que a guarda fática, em princípio, não tenha sido regular, cumpre salientar que o caso concreto nos apresenta peculiaridades que autorizam a tutela jurisdicional. Com efeito, ainda que esteja subjacente ao pedido de guarda de Brenda a sua futura adoção e, assim, possivelmente, a burla à lista dos casais regularmente habilitados, impende considerar o casal agravante está habilitado e inserido no Cadastro Nacional Adoção desde 07/03/2013, com perfil de adotando de 0 a 14 anos de idade, sem restrição de sexo, raça ou cor, bem como sem restrição de local. Ademais, a certidão (fl. 23) atesta que, na comarca de Eldorado do Sul, não há outros casais interessados na adoção de Brenda. De fato, foi localizado na Comarca de Rio Grande casal interessado na adoção de uma adolescente no perfil de Brenda (fl. 130). Entretanto, é inegável que a situação fática de Brenda em relação à família dos agravantes já se consolidou, revelando a posse de estado de filiação. Observa-se que a agravante Cristina efetuou a matrícula de Brenda na escola em 04/02/2014 (fl. 88). Esta, a seu turno, relatou que sua mãe biológica era prostituta e que tem tudo na família do agravante, dizendo estar feliz e bem adaptada na escola (fl. 39). Os registros fotográficos de fls. 45/51, 56/68 e 87/96 demonstram tal que Brenda está bem adaptada à nova família e que esta apresenta estrutura própria para garantir um pleno e sadio desenvolvimento à adolescente. Ao que se verifica, Brenda já sofreu demais na vida, sendo deflagrada e ultimada a destituição do poder familiar contra os pais adotivos (fls. 114/124), sendo analisado que Brenda apanhava do pai, com a conivência da mãe adotiva, bem como também a ausência de vínculos afetivos. Se ela acena que deseja ficar com a família dos agravantes, deve ser entendido que a sua vontade converge para o deferimento do pleito dos agravantes e deve ser levada em consideração, nos termos do artigo 45, parágrafo 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual preceitua sendo o adotando maior de doze anos se mostra imprescindível o seu consentimento. De mais a mais, foi determinado o desligamento de Brenda do abrigo, conforme Guia n.º 3003112110942, a qual segue anexa junto com o termo de audiência realizada no dia 28/05/2014, quando se estabeleceu que, a despeito da guarda fática irregular, tal conjuntura deveria ser convalidada, fazendo-se menção ao pronunciamento deste Tribunal de Justiça. Por fim, é de notório conhecimento as dificuldades de colocação em família substituta de uma adolescente, já com 14 anos de idade, o que corrobora a relativização, no caso em tela, dos requisitos formais para a adoção, na medida em que restou verificado que os laços de afetividade entre Brenda e

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os agravantes estão sedimentados de forma que a ruptura mais sofrimento à jovem, o que vai contra o princípio do melhor interesse, basilar à espécie. Isso posto, o Ministério Público de segundo grau manifesta-se pelo conhecimento e provimento do recurso.”

A justiça analisa fatos do cotidiano e chega a conclusões em relação a

adaptação e ao bem estar do menor, conforme citado, nas evidências do cuidado

com a saúde, no interesse e apresso na educação, relatos de convivência de

vizinhos, amigos e pessoas de relação próxima ao menor e aos adotantes, fotos de

família, enfim, evidências que podem sustentar a tese de que o menor estará muito

mais bem resguardado junto ao casal adotante do que em um abrigo.

O segundo caso indicado nessa pesquisa é, além de curioso, algo que

desperta sentimentos de repulsa, haja vista o seu teor e a clara ausência de

postulados que evidenciem uma situação de bem estar, ao contrário, traz a luz da

justiça uma situação de abuso de uma menor, pretensa a ser adotada por seu

suposto abusador, caso que a justiça, com toda serenidade e assertividade, julgou

como improcedente.

O processo está protocolado sob o numero CNJ: 0300513-

94.2014.8.21.7000, cujo recurso traz o seguinte texto:

Trata-se de recurso de apelação interposto por JOSÉ JOELCI DA S. B. e NEREIDE FÁTIMA DE L., pretendendo a reforma da sentença das fls. 71-2, que julgou improcedente a ação de adoção consentida ajuizada em favor de LUCIANE FÁTIMA DE L. DOS S., filha de Nereide Fátima de L. e Romário dos S. Afirmam que a sentença deixou de observar e considerar a vontade do adotante José e da adotanda Luciane, os quais manifestaram em juízo o desejo recíproco de possuírem vínculo registral, a fim de regularizar a situação há muito já configurada. Referem que Luciane reconhece o apelante como pai, conforme demonstrado claramente em seu depoimento em juízo, assim como José igualmente demonstra sentimentos de carinho por Luciane. Quanto às brigas e discussões de José e Nereide, alegam que não há o desejo de desconstituir a união estável, negando a existência dos embates referidos pela assistente social. Destacam que, além dos benefícios afetivos, a adoção pugnada também traria benefícios patrimoniais à adolescente, pois ela passaria a ser herdeira necessária de José. Asseveram que a manutenção da sentença, nos termos em que proferida, representa verdadeiro prejuízo à adolescente. Postulam o provimento do recurso, para que seja acolhido o pedido de adoção do autor (fls. 73-5). Com as contrarrazões (fls. 77-127) e parecer do Parquet nesta Corte (fls. 130-5), pelo improvimento do recurso, vieram os autos conclusos para julgamento. Registro a observância dos requisitos previstos nos arts. 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

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Conforme relatos do processo, essa adoção em nada traria benefícios

para a menor, até ao contrário, conforme o próprio teor do processo mostra no relato

da Desembargadora Sandra Brisolara Medeiros, a menor estaria sendo posta em

risco, haja vista a convivência com o próprio abusador.

A justiça, ao fazer o levantamento da situação da menor, que inclusive é

portadora de necessidades especial, resolveu, para o bem e melhor interesse da

menor, indeferir o pedido, conforme pode ser visto no parecer da magistrada

relatado a seguir:

Eminentes Colegas. Adianto que estou em manter a sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos. Como se vê dos contido dos autos, trata-se de ação de adoção promovida por José Joelci e Nereide Fátima em favor da adolescente Luciane Fátima, filha biológica de Nereide e Romário (falecido em 13/09/2011 – fl. 38), a qual foi julgada improcedente, por entender não ser benéfica, tampouco do melhor interesse da adolescente, pois o requerente continuará convivendo com ela, podendo contribuir para o exercício da sua guarda, seu sustento e orientação sem nenhum prejuízo. A adolescente Luciane Fátima, nascida em 26/02/1998 (fl. 05) é portadora de Paralisia Cerebral Leve TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e Retardo Mental Moderado (fl. 104). Pertinente a transcrição do texto contido no parecer exarado pelo eminente Procurador de Justiça (fls. 130-5) que bem demonstra as evidências de motivação inadequada para o pedido de adoção. Confira-se: “(...) Em 03/02/2006, a adotanda foi abrigada, juntamente com outros dois irmãos, em razão de sofrer maus tratos pelos genitores. Posteriormente, em jun/2007, os genitores foram destituídos do poder familiar em relação à menina e seus irmãos, sendo estes já adotados. A adotanda permaneceu no COPAME até o deferimento da guarda respectiva à genitora e seu companheiro, no ano de 2013, nos autos do processo n.º 026/5.10.0000504-9. No mês de maio do ano em curso, Fátima Luciane foi novamente acolhida,

desta vez por suspeita de abuso sexual por parte do padrasto, JOSÉ

JOELCI , fato que determinou novo pleito de acolhimento institucional, que

foi deferida judicialmente. Observa-se que a sentença foi proferida em 26/03/2014 e as razões de apelação foram firmadas em 17/04/2014, portanto, antes da notícia de abuso sexual, quando a menina estava sob a guarda da genitora e seu

companheiro, JOSÉ JOELCI . O apelante alega que vem exercendo a função de pai em relação à Luciane Fátima e, com a concordância da mãe, pretende a adoção unilateral da menina. Nada obstante, há provas contundentes a evidenciar a existência de óbice à pretensão, por ser prejudicial à adolescente, além de não haver adequação no motivo adoção. Com efeito, as avaliações técnicas realizadas demonstram que o apelante não reúne condições para adotar a adolescente, bem como que a adoção não seria benéfica à menina. Não bastasse isso, há comprovação nos autos de que, no mês de abril do corrente ano, portanto, depois de proferida a sentença, aportou na

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Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de Santa Cruz do Sul relatório psicológico da adolescente trazendo relatos acerca da situação de risco da adolescente, em razão de abuso sexual patrocinado

pelo padrasto, JOSÉ JOELCI . Diante do relatório em questão, o Ministério Público promoveu Medida de Proteção de Acolhimento Institucional em relação à Luciane Fátima (fls. 82/86), obtendo liminar para a aplicação da medida protetiva de acolhimento

institucional junto ao Abrigo Municipal, restando vedadas as visitas de JOSÉ

JOELCI (fls. 113 e 114).

Desse modo, além dos motivos consignados na sentença para rejeitar o pedido de adoção – prejuízo à adotanda e falta de adequação do pleito -, a suspeita de abuso sexual por parte do apelante em relação à adolescente fulmina, definitivamente, a pretensão contida na inicial. (...)” Portanto, tenho que, no caso concreto, a pretensão dos apelantes se mostra

dissociada dos princípios do ECA e dos interesses da adolescente, razão

pela qual a manutenção da sentença é medida que se impõe. Do exposto, nego provimento ao apelo.

Casos como esse infelizmente não são tão raros, haja vista que, a adoção

de um menor em condição tardia, acima dos oito anos, por exemplo, em especial de

meninas, requer muita atenção e cuidado por parte de todos os profissionais

envolvidos de forma que o seu bem estar seja assegurado e que a justiça não seja

conivente com uma situação delituosa como a que se configurou na jurisprudência

apontada.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A legislação sobre a adoção no Brasil já teve grandes avanços, porém,

inegavelmente o maior avanço foi em relação à promulgação do Estatuto da Criança

e do Adolescente que modificou o foco da legislação de forma que as crianças e

adolescentes menores passaram também a serem sujeitos de direito e para tal

precisavam ser amparadas amplamente pelo Estado.

Mais que isso, o Estatuto trouxe a mudança da prioridade que antes era

focada no adotante e passou a focalizar o interesse do menor a ser alvo do processo

de adoção, no asseguramento de seus direitos e no amparo legal ao seu bem estar

e a sua qualidade de vida.

As mudanças feitas com o advento da lei n 12.010 deram maior

celeridade aos processos de adoção ao passo que diminuíram a burocracia e o

tempo de espera dos casais ou dos solteiros nas filas de adoção, que, conforme

visto nos dados estatísticos, é bem maior que o numero de crianças cadastradas

pelo Cadastro Nacional de Adoção.

Ocorre, porém que não se identificou na legislação, nem na evolução

desta e nem nas leis em vigor, um esforço maior por parte do governo no intuito de

promover e estimular a adoção tardia, o que é feito hoje basicamente por instituições

que lidam com adoção, mas que não possuem força para estimular esse tipo de

adoção sem o amparo do governo.

O fato é que ainda existe muito a ser feito para que seja legitimada a

aceleração necessária dos processos que envolvem a adoção tardia, principalmente

por conta da idade dos menores envolvidos, que muitas vezes, nos casos de

demora exagerada dos processos, podem chegar inclusive á maioridade sem que

seu processo de adoção seja concluído.

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Além disso, ainda existe muito preconceito em relação a esse tipo de

adoção e acreditasse que reside ai a grande porta de entrada de medidas eficientes

por parte do governo que podem ser adotadas no intuito de estimular a adoção

tardia.

É necessário, pois um esforço que vai além da esfera jurídica, inclusive

com caráter multidisciplinas, que envolva psicólogas, assistentes sociais, e todos os

profissionais capacitados que possam de alguma forma contribuir com seus saberes

para desmistificar a adoção tardia e fazer com que os números possam melhorar a

fim de fazer diminuir essa imensa quantidade de crianças que não possuem um lar e

ficam apenas aos cuidados do governo.

É preciso que haja um esforço conjunto no sentido de estimular essa

adoção até mesmo para diminuir os gastos do governo com essas crianças, haja

vista que, depois de certa idade, elas só saem de lá após atingirem a maioridade.

Por outro lado, os pais têm também a ganhar com os processos de

adoção tardia ao passo que adotarão uma criança que justamente por já ter uma

idade maior, não é tão dependente de cuidados como um bebê, o que é excelente

nos casos de casais em que ambos trabalham várias horas por dia e não podem

abster-se do trabalho para cuidar dos filhos, mesmo os biológicos.

O fato é que a adoção tardia, além de ser um ato de altruísmo e de amor

ao próximo é também uma experiência única, e são crianças que, independente da

idade, igualmente precisam de amor, carinho e proteção que só uma família,

independente de qual constituição esta se faça, é capaz de oferecer a uma criança,

sendo, pois isso fundamental na formação de seu caráter e também para desfazer

os medos e as frustrações aos quais o abandono de seus pais biológicos a relegou.

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