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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC PUC PUC PUC-SP SP SP SP Gastão Rúbio Gastão Rúbio Gastão Rúbio Gastão Rúbio de Sá Weyne e Sá Weyne e Sá Weyne e Sá Weyne OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINA DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINA DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINA DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINA DOUTORADO EM DOUTORADO EM DOUTORADO EM DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo 201 201 201 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOPONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOPONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOPONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUCPUCPUCPUC----SPSPSPSP

Gastão Rúbio Gastão Rúbio Gastão Rúbio Gastão Rúbio dddde Sá Weynee Sá Weynee Sá Weynee Sá Weyne

OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE

DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINADISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINADISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINADISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINA

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São PauloSão PauloSão PauloSão Paulo

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PUCPUCPUCPUC----SPSPSPSP

Gastão Rúbio Gastão Rúbio Gastão Rúbio Gastão Rúbio dddde Sá Weynee Sá Weynee Sá Weynee Sá Weyne

OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A INCLUSÃO DE

DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINADISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINADISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINADISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS CURRÍCULOS DE MEDICINA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Doutor em

Educação Matemática sob a orientação do Professor

Doutor Saddo Ag Almouloud.

São PauloSão PauloSão PauloSão Paulo

2012012012012222

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Banca Examinadora

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JOAQUIM GOMES DE SOUZA (matemático, astrônomo,filósofo, professor e

parlamentar)

Doutor em Ciências Matemáticas e Físicas pelo Rio de Janeiro e em Ciências Médicas por Paris (Sorbonne);

Lente da Academia Militar do Brasil;

Secretário da Correção da Corte;

Capitão do Corpo de Engenheiros do Exército;

Membro das Universidades de Londres, Berlim e Viena;

Deputado Geral (Federal) pelo Maranhão. OBRAS:

Resoluções das Equações Numéricas, 1850;

Recuel de Memoires d’Analise Mathematiques, 1857;

Dissertação Sobre o Modo de Indicar os Novos Astros Sem Auxílio de Observações Diretas, 858;

Anthologie Universalle–choix de meilleures poesies de diverses nations dans les langues originales, 1859;

Melange de Calcul Integral, 1882 (obra póstuma);

Fisiologia Geral das Ciências Matemáticas;

Leis da Natureza ou Código em que, passando em revista o Universo, pretendeu expor as leis fixas, gerais e invariáveis que presidiram a sua organização.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Orientador, Professor Doutor Saddo Ag Almouloud, pelo empenho, seriedade e eficiência em sua tarefa de orientação, desenvolvida em ambiente de ampla liberdade, marcante responsabilidade e franca cordialidade. Tive um grande prazer e uma subida honra em conviver com ele durante meus estudos de doutoramento, o que me trouxe um sincero sentimento de gratidão, respeito e amizade.

Aos Professore(a)s Doutore(a)s Nilson José Machado, André Mota, Maria José Ferreira da Silva e Fumikazu Saito, pela preciosa contribuição e doutas sugestões que me transmitiram como membros da Banca do meu Exame de Qualificação.

A todas as pessoas maravilhosas e inesquecíveis que me acompanharam e me incentivaram antes e durante o período do meu Curso de Doutoramento, pelas significativas sugestões que me passaram e pela rara bondade e proverbial tolerância que comigo tiveram.

À minha distinta e gentil colega, Professora Cíntia Rosa da Silva, pela sadia troca de ideias que me proporcionou e também pela ajuda que me prestou durante meu Exame de Qualificação.

O Autor

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RESUMO

Neste trabalho procura-se identificar, analisar e discutir os obstáculos epistemológicos que se

apresentam quando se questiona a resistência à inclusão, nos currículos dos cursos de Medicina,

de disciplinas que abordem conteúdos de Matemática, como Biomatemática, Bioinformática,

Simulação, Modelos Matemáticos e Otimização. Com base em critérios mistos de antiguidade,

tradição, avaliações positivas de órgãos oficiais, conceito junto à mídia, opiniões e professores de

Medicina e informações extraídas de consagradas obras de História de Medicina, foram estudados

os currículos de seis Faculdades de Medicina do Brasil e dezesseis Faculdades de Medicina de

alguns países desenvolvidos, constatando-se que a disciplina Bioestatística é amplamente aceita.

Os obstáculos epistemológicos encontrados são de origem histórica ou oriundos de conhecimentos

anteriores equivocados, relativos a estruturas curriculares, professores, perfil do formando,

tradicionalismo, conservadorismo, corporativismo, critérios, desequilíbrios, ideologia e relações de

poder. Adotou-se, como base de orientação, os estudos de Brousseau, fundados em Bachelard,

sobre os obstáculos epistemológicos. Como proposta de currículo sugere-se a inclusão da disciplina

Biomatemática no primeiro ano do curso de Medicina e da disciplina Modelos Matemáticos em

Medicina, a ser ministrada no segundo ano do aludido curso, juntamente com Bioestatística.

Palavras-chave: Matemática e Medicina. Currículo de Medicina. Educação Matemática. Educação

Médica. Matemática na Medicina.

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ABSTRACT

This work aims the identification, analysis and discussion about the epistemological obstacles

presented when it is questioned the resistance for inclusion, in the curriculum, in the medical courses

of mathematical subjects as Biomathematics, Bioinformatics. Simulation, Mathematical Models and

Optimization. Based on mixed criterions of antiquity, tradition, conservativeness , positive evaluation

from official agencies, press information, opinions of medicine educators and texts from consecrated

books of history of medicine, was studied the programs of six faculties of medicine of Brazil and

sixteen faculties og medicine of some developed countries, being verified tha Biostatistics is

accepted for all this faculties. The epistemological obstacles are from historic origin or proceeding for

old and wrong knowledge, curriculum structures, educators, concerned to profile of future physicians,

traditionalism, conservativeness, corporative spirit, ideology and relations of power. It was adopted,

as base for orientation, the studies of Brousseau, founded on Bachelard, about the epistemological

obstacles. It is give a proposal about the medicine curriculum, including Biomathematics in the first

year and Mathematical Models, together Biostatistics in the second year in the courses of medicine.

Key Words: Mathematics and Medicine. Curriculum of Medicine. Mathematics Education. Medical

Education. Mathematics in Medicine.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 11

1 Preâmbulo ..................................................................................................................... 11

2 Visão sinóptica atual do estado da Educação Matemática na Medicina .......................... 17

3 Hipótese e justificativas para a escolha do tema ............................................................. 21

4 Premissas associadas à Educação Matemática na Medicina .......................................... 25

5 Objetivos do trabalho ..................................................................................................... 30

6 Abrangência da pesquisa ............................................................................................... 31

7 Metodologia da pesquisa ............................................................................................... 32

8 Sequência na apresentação do trabalho ........................................................................ 33

CAPÍTULO I ............................................................................................................................ 35

Bases filosóficas da Matemática e integração Matemática-Medicina

.................................

35

1.1 Bases filosóficas da Matemática ................................................................................. 35

1.2 Bases filosóficas da Educação Matemática ................................................................. 45

1.3 A Matemática e o aprimoramento da inteligência ........................................................ 49

1.4 Bases para a integração curricular Medicina – Matemática ......................................... 54

CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 59

Modelos Matemáticos na Medicina ................................................................................... 59

2.1 Biomatemática e Modelos Matemáticos ..................................................................... 59

2.2 Bioinformática e Simulação ........................................................................................ 64

2.3 Modelos Matemáticos e Medicina .............................................................................. 67

2.4 Otimização Matemática e Medicina ............................................................................ 75

2.5 Um exemplo de Modelo Matemático: resistência e dilatação dos vasos sanguíneos ..... 76

2.5.1 A situação concreta .......................................................................................... 76

2.5.2 Estruturação e Matematização do modelo: volume, vazão e pressão do sangue

.

80

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2.5.3 Modelo Matemático: resistência e dilatação dos vasos sanguíneos ................... 81

2.5.4 Informações, estratégias e previsões do modelo matemático ............................ 82

CAPÍTULO III .......................................................................................................................... 87

Síntese histórica do ensino médico no Brasil e disciplinas matemáticas

.............................

87

3.1 A Evolução da Medicina no Brasil Colonial .................................................................. 87

3.2 Primórdios do ensino médico no Brasil e disciplinas matemáticas ............................... 92

3.3 Síntese histórica do ensino médico atual no Brasil ...................................................... 99

CAPÍTULO IV ......................................................................................................................... 105

Problemas curriculares dos cursos de Medicina

.................................................................

105

4.1 Fundamentos da Educação Médica ............................................................................. 105

4.2 Problemas curriculares das Faculdades de Medicina no Brasil .................................... 111

4.3 Resistências a mudanças curriculares nos cursos de Medicina .................................... 116

4.4 Aspectos ideológicos que influenciam os currículos dos cursos de Medicina ................ 122

CAPÍTULO V ........................................................................................................................... 131

A Matemática nos currículos dos principais cursos de Medicina no Brasil

...........................

131

1 Introdução ..................................................................................................................... 131

2 Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FMUFRJ)

..................

132

3 Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (FMUFBA) ............................. 133

4 Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) ..................................... 134

5 Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (FMUNIFESP)

..................

135

6 Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (FMPUCSP)

....

136

7 Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) ....................................................................... 137

8 Conclusões .................................................................................................................... 138

CAPÍTULO VI .......................................................................................................................... 141

A Matemática nos currículos de algumas Faculdades de Medicina de alguns Países

desenvolvidos ....................................................................................................................

141

1 Introdução ..................................................................................................................... 141

2 França: Faculdade de Medicina da Universidade de Poitiers ........................................... 142

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3 França: Faculdade de Medicina da Universidade de Montpellier ..................................... 143

4 França: Faculdade de Medicina da Universidade de Lyon ................................................ 144

5 França: Faculdade de Medicina da Universidade de Nice ................................................ 144

6 Estados Unidos da América: Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard

...........

145

7 Estados Unidos da América: Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins

......

146

8 Estados Unidos da América: Faculdade de Medicina da Universidade de Colúmbia

.........

147

9 Estados Unidos da América: Faculdade de Medicina da Universidade de Yale

.................

148

10 Portugal: Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra ..................................... 149

11 Portugal: Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa ........................................ 150

12 Reino Unido: Faculdade de Medicina da University College London .............................. 150

13 Reino Unido: Faculdade de Medicina da Universidade de Oxford .................................. 151

14 Reino Unido: Faculdade de Medicina da Universidade de Cambridge ........................... 152

15 Reino Unido: Faculdade de Medicina do Imperial College London ................................ 153

16 Itália: Faculdade de Medicina da Universidade de Bolonha .......................................... 154

17 Itália: Faculdade de Medicina da Universidade de Pádua ............................................. 154

18 Conclusões .................................................................................................................. 155

CAPÍTULO VII ........................................................................................................................ 157

Conjecturas e Reflexões ..................................................................................................... 157

CAPÍTULO VIII ....................................................................................................................... 165

Obstáculos epistemológicos na integração Medicina – Matemática

...................................

165

CAPÍTULO IX .......................................................................................................................... 177

Proposta de inclusão de disciplinas matemáticas nos currículos dos cursos de

Medicina ...

177

CAPÍTULO X ........................................................................................................................... 181

Considerações Finais ......................................................................................................... 181

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 189

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11

INTRODUÇÃO

1 PREÂMBULO

Ao longo dos tempos, as relações de interdependência entre a Medicina e a Matemática,

que alicerçam os objetivos do presente trabalho de pesquisa, têm se caracterizado pela tendência

de separação entre suas atividades e conteúdos científicos. Uma pesquisa exploratória inicial nas

obras consideradas raras e importantes sobre o desenvolvimento da Medicina, estudadas por

Bobrow e Monasch (1977), por exemplo, indica que, entre 321 publicações listadas, com o nome

dos autores e resumos dos trabalhos, abrangendo um período que se estende do século XVI até o

ano de 1977, nada há sobre conteúdos matemáticos. Este fato não é uma prova, mas se constitui

em forte indício de que a integração entre a Medicina e a Matemática parece não ter acontecido

naquele período1. No entanto, ao que tudo indica, nos dias atuais, vislumbra-se um horizonte de

transição que parece indicar perspectivas de integração entre essas duas relevantes áreas do

conhecimento humano.

Observe-se, preliminarmente, que, durante a Antiguidade Clássica, os pensadores gregos

não separavam a Ciência da Filosofia e, por isso, ocorria uma situação caracterizada pela união das

diferentes áreas do conhecimento. No decorrer dos tempos, entretanto, as diversas Ciências que se

confundiam com a Filosofia separaram-se, como ramos de um tronco comum dessa Filosofia,

inicialmente considerada como um saber universal. Mostra a História, além disso, que somente

duas áreas de estudo iniciaram o longo processo de separação da filosofia: a Medicina e a Física, e

nesta última, consequentemente, a Matemática. Observa Mattoso (1956) que

______________ 1 BOBROW, Anne; MONASCH, Lottie. Medicine: Rare and Important Books in the History and

Development of Medicine and Related Sciences; Catalogue No. 245, Winter 1977. Los Angeles: Zeitlin & Ver Brugge Booksellers, 1977.

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a Filosofia grega, na sua evolução, procura conhecer, primeiro, a origem das coisas, por meio da Metafísica, das matemáticas e de outras ciências; trata, depois, de analisar, de verificar e de aplicar a ciência à vida por meio da reflexão. [...] "Ciência" e "Filosofia" confundem-se, pois, razão porque os sábios helênicos são, ao mesmo tempo, filósofos. Na Grécia, são os filósofos os primeiros homens que formulam os princípios de quase todas as ciências. Estas, só mais tarde, se separam da Filosofia2.

Nos séculos V a.C. e IV a.C., a Física e a Matemática, tomaram grande impulso com os

trabalhos de Arquimedes (287 a.C./212 a.C.), entre outros, ocorrendo o mesmo com a Medicina

que, principalmente, com a relevante participação de Hipócrates (460 a.C.–377 a.C.), consolidou os

princípios científicos essenciais que norteiam os médicos até hoje.

A história mostra que Hipócrates, considerado o pai da Medicina, foi o autor de um

pensamento marcante, no qual menciona a relevância da Matemática na Medicina. Disse ele que "o

conhecimento da Matemática não só vos alcançará mais glória e utilidade nas coisas humanas, mas

tornará o vosso espírito mais inteligente e mais próprio para os assuntos que dizem respeito à

Medicina3".

Esse pensamento de Hipócrates indica que, desde os primórdios da Medicina, na palavra

de seu mais expressivo representante, a Matemática já parecia ser considerada como um poderoso

instrumento para educar o raciocínio. Nessa linha de pensamento, Hipócrates admitia a hipótese de

que a Matemática se constituía em um valioso meio para o desenvolvimento da inteligência e da

ciência, contribuindo para melhorar as condições de vida na sociedade4.

Essa afirmação de Hipócrates indicava, para ele, a necessidade de integração entre a

Medicina e a Matemática. A resistência a essa integração – discutida no presente trabalho – no

entanto, tem se caracterizado, ao longo dos tempos, pela existência de múltiplos obstáculos de

difícil transposição e pelo consequente impedimento à inclusão de disciplinas matemáticas nos

currículos dos cursos de Medicina.

Alguns professores brasileiros de Matemática, seguindo a mesma linha de raciocínio

defendidas na presente Tese – que discute os obstáculos para a inclusão de disciplinas

matemáticas nos currículos de Medicina – publicaram ou traduziram obras relativas a conteúdos

______________ 2 MATTOSO, Antônio G. História da Civilização – Antiguidade. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1956. p. 359-

365. 3 MELLO E SOUZA, Júlio César de. As Grandes Fantasias da Matemática. Rio de Janeiro: Editorial Getúlio

Costa, 1945. p. 62-63. 4 FRANÇOIS, Karen; BENDEGEM, Jean Paul Van. Philosophical Dimensions in Mathematics Education.

Melbourne: Springer, 2009. p. 11.

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necessários a profissionais da saúde, particularmente de Medicina, como Serrão (1941), da Escola

de Engenharia da Universidade do Brasil (atual Faculdade de Engenharia da Universidade Federal

do Rio de Janeiro)5; Batschelet (1978), livro traduzido por professores da Universidade Federal do

Rio de Janeiro6; Aguiar, Xavier e Rodrigues (1988), professores da Universidade Federal do Ceará7;

e Weyne (2009), Professor de Matemática e Bioestatística da Faculdade de Medicina do ABC8.

Foram esforços isolados, com resultados de pouca significação, que buscaram mostrar a

importância da Matemática, particularmente para enriquecer os currículos dos cursos de Medicina.

Partindo-se de uma análise mais ampla, vale ressaltar que o papel dos profissionais de

saúde, como médicos, farmacêuticos, nutricionistas e enfermeiros, entre outros, é de inquestionável

relevância para a sociedade. Observe-se que esses profissionais desempenham uma atividade que

atua no cerne da questão de maior prioridade para todos os seres humanos que é a sua própria

vida. Parte-se aqui do pressuposto de que a maioria desses atores da saúde, particularmente os

médicos, é pouco afeita ao estudo de assuntos fora de sua especialidade, particularmente de

Ciências Matemáticas.

Não é um fato raro ouvir-se um estudante de Medicina no Brasil, criteriosamente

selecionado por um concorrido exame vestibular, afirmar que “escolhi Medicina porque não tem

Matemática (sic)”. É fácil refutar este posicionamento do aluno, muitas vezes insincero, perguntando-lhe: Como você irá lidar com preparações farmacêuticas complexas, resolver um

problema de Cálculo Infinitesimal decorrente de uma pesquisa médica, ou entender um Modelo

Matemático de natureza médica se você não conhece Matemática?

Por outro lado, é difícil que se possa afirmar que essa posição seja considerada uma

opinião coletiva, pois, para que isto ocorra, devem concorrer quatro condições, segundo Surowiecki

(2006): 1. diversidade (os indivíduos que compõem a multidão devem ser díspares em suas raízes,

formações e opiniões); 2. independência (os indivíduos devem formar e manter suas opiniões de

maneira independente das opiniões dos demais integrantes do grupo); 3. descentralização (as

decisões que um grupo produz são mais inteligentes quando não há uma força centralizadora

______________ 5 SERRÃO, Alberto Nunes. Lições de Matemática para Médicos e Químicos. Porto Alegre: Globo, 1941. 6 BATSCHELET, E. Introdução à Matemática para Biocientistas. Trad. de Vera Maria Abud Pacifico da

Silva e Junia Maria Penteado de Araújo Quiteto. Rio de Janeiro: Interciência, 1978. 7 AGUIAR, Alberto Flávio Alves; XAVIER, Airton Fontenele Sampaio; RODRIGUES, José Eury Moreira.

Cálculo para Ciências Médicas e Biológicas. São Paulo: Harbra, 1988. 8 WEYNE, Gastão Rúbio de Sá. Matemática para as Ciências da Saúde. 2ª Edição. São Paulo: Grupo

Editorial Scortecci, 2009.

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coordenando os esforços); 4. agregação (uma vez produzidas, as opiniões dos componentes do

grupo devem ser agregadas, de forma a produzirem uma opinião coletiva)9.

Vale a pena reiterar que, no Brasil e no Exterior, tem ocorrido a criação de um número

significativo de Sociedades de Modelos Matemáticos Aplicados à Medicina que patrocinam

congressos sobre o assunto, com a significativa participação de médicos e de outros profissionais

da área da saúde. No caso do Brasil, ocorre uma participação efetiva da Associação Médica

Brasileira (AMB), uma sociedade sem fins lucrativos, fundada em 26 de janeiro de 1951. A AMB

congrega cerca de 250 mil médicos sócios e tem sob seu comando 27 unidades federativas filiadas

e 56 Sociedades Brasileiras de Especialidade10.

Para mostrar a plena aceitação dos Modelos Matemáticos pelos médicos no Brasil, lembre-

se, por exemplo, que, nos dias 27 e 28 de março de 2008, a Associação Médica Brasileira (AMB),

com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), ocorreu o III

Encontro de Modelagem Matemática em Biomedicina, com o objetivo de reunir pesquisadores das

áreas biológicas, médicas e exatas que tenham interesse na elaboração e análise de Modelos

Matemáticos em Biologia e Medicina. Muitos médicos apresentaram trabalhos de pesquisa11.

Isso mostra a relevância do uso de Modelos Matemáticos em Medicina, aceito pelos

profissionais dessa área. O problema central, no entanto, é que a inclusão de disciplinas específicas

de Matemática como, por exemplo, Modelos Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática,

Simulação e Otimização, nos currículos de graduação ou de pós-graduação em Medicina, não vem

ocorrendo.

Além disso, os currículos dos cursos de Medicina são considerados, em geral,

fragmentados e a formação dos docentes, médicos ou não, embora satisfatória na maioria dos

casos, mostra o problema do desconhecimento das finalidades dos currículos, situação que pode

ser corrigida. Parece não serem conhecidos, por parte desses professores, os currículos dos cursos

nos quais lecionam e seus objetivos, ou seja, os professores desconhecem a intencionalidade do

______________ 9 SUROWIECKI, James. A Sabedoria das Multidões. Rio de Janeiro: Record, 2006. 10 Site: http://www.amb.org.br/, acesso em 15/12/2009. 11 Alguns dos palestrantes e os assuntos discutidos no III Encontro de Modelagem Matemática foram os

seguintes: • Eduardo Massad (FM-USP); • Leonardo P. Maia (UFABC) – Perspectivas na modelagem matemática do câncer; • Cláudia P. Ferreira (IBB/UNESP) – Modelando a doença do caranguejo letárgico (DCL); • Paulo Mancera (IBB/UNESP) – Dinâmica humoral via modelagem matemática e estequiometria biológica; • Roberto C. A. Thomé (CEFET/RJ) – Controle ótimo aplicado na estratégia de combate ao Aedes aegypti utilizando inseticida e mosquitos estéreis; • José Luiz Boldrini (UNICAMP) – Control of mosquito population: a simple model;• Andressa Pinheiro (UNICAMP) – Modelagem matemática da interação do rotavírus com o sistema imunológico.

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currículo12.

Por outro lado, o autor deste trabalho, com mais de dez anos como docente da área da

saúde na Faculdade de Medicina do ABC, constatou que os colegas docentes de Matemática

frequentemente dão o mesmo curso para diferentes públicos-alvo. Julga-se, nessa abordagem, que

o professor que assume, por exemplo, a responsabilidade de lecionar Matemática em um curso de

Farmácia, deve estudar fundamentos de Ciências Farmacêuticas, conhecer o perfil do profissional a

formar e os currículos deste curso. Somente assim é possível despertar o interesse e o

reconhecimento dos alunos, com resultados favoráveis do seu trabalho. Em outras palavras, os

professores de Matemática que atuam na área da saúde não podem estar alheios à profissão objeto

do curso, e os conteúdos ensinados não podem representar um fim em si mesmo, mas, sim, devem

ser uma função das necessidades do curso em que estão situados. É necessária, portanto, uma

atitude de integração da Matemática com a Medicina ou, mais especificamente, da Educação

Matemática com a Educação Médica.

A importância das atividades dos profissionais de saúde para a sociedade é,

indubitavelmente, da mais significativa relevância, o que pode ser confirmado pela própria definição

de saúde que cria implicações legais, sociais e econômicas dos estados de saúde e doença. Sem

dúvida, a definição mais difundida é a encontrada no preâmbulo da Constituição da Organização

Mundial da Saúde (OMS): é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas

a ausência de doença.

Esta definição adotada pela OMS tem sido alvo de inúmeras críticas, uma vez que definir a

saúde como um estado de completo bem-estar faz com que a saúde seja algo ideal, inatingível, e

assim a definição não poderia ser usada como meta pelos serviços de saúde. Alguns afirmam ainda

que a definição em questão teria possibilitado uma medicalização da existência humana, assim

como abusos por parte do Estado a título de promoção da saúde13. Por outro lado, a definição

utópica de saúde é útil como um horizonte para os serviços de saúde por estimular a priorização

das ações. A definição, pouco restritiva, dá liberdade necessária para ações em todos os níveis da

organização social.

Analisando o conceito de saúde e levando em conta os cuidados que se deve ter com ela,

ressaltando-lhe algumas características ocultas, Gadamer (2006) indica alguns aspectos do bem-

______________ 12 MARCONDES, Eduardo; GONÇALVES, Ernesto Lima. Educação Médica. São Paulo: Sarvier, 1998. p.

143. 13 Site: http://www.amb.org.br/, acesso em 15/12/2009.

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16

estar e defende o trabalho médico associado ao diálogo. Questionou as possibilidades relativas à

saúde e assim se manifestou:

Quais possibilidades nós temos, então, de fato, quando se trata de saúde? Reside, sem dúvida, na vitalidade de nossa natureza o fato de a consciência se conter de si mesma de tal forma que a saúde passa a se ocultar. Apesar de toda a ocultação, ela se revela num tipo de bem-estar e, ainda mais, quando nos mostramos dispostos a empreendimentos, abertos ao conhecimento e podemos nos auto-esquecer, bem como quando quase não sentimos mesmo fadigas e esforços – isso é saúde. Ela não se constitui numa preocupação cada vez maior consigo mesmo, dada a situação oscilante do nosso bem-estar, ou muito menos em engolir pílulas repugnantes. A perturbação da saúde é o que torna necessário o tratamento médico. Parte de um tratamento é o diálogo. Ele domina a dimensão decisiva de toda atividade médica, não somente entre os psiquiatras. O diálogo promove a humanização da relação entre uma diferença fundamental, a que há entre o médico e o paciente. Tais relações desiguais pertencem às mais difíceis tarefas entre os seres humanos14.

Para se ter uma idéia da abrangência da área da saúde, veja-se o caso do Brasil – uma

situação de analogia com outros países – em que as atividades do setor são juridicamente

regulamentadas. Na situação brasileira, a ordem cronológica, baseada na primeira lei de exercício

profissional, é a seguinte: Odontologia–1931; Medicina–1932; Farmácia–1932; Enfermagem–1955;

Nutrição–1967; Veterinária–1968; Fisioterapia–1969; Terapia Ocupacional–1969; Psicologia–1971;

Biomedicina–1979; Biologia–1979; Fonoaudiologia–1981; Educação Física–1998; Serviço Social–1999; Profissional de Educação Física–2000; Psicomotricista (Reabilitação Psicomotora)–2000;

Agente comunitário de saúde–200615.

É de fundamental importância observar que, entre essas atividades profissionais, poucos

são os cursos que incluem disciplinas matemáticas em seus currículos de graduação. Ressalte-se,

além disso, que, entre os diferentes cursos oferecidos na área da saúde, o de Medicina reveste-se

de uma peculiar e significativa importância. Considerando-se a concreta resistência à inclusão de

disciplinas matemáticas em seus currículos, a Medicina merece, neste trabalho, uma posição

especial, que limita o campo desta pesquisa. Assim, a Medicina e a Educação Médica são os

objetos de enfoque deste trabalho, a fim de que se avalie como caminham em relação à Matemática

e à Educação Matemática.

Reitere-se que a Medicina – como precursora histórica das atividades de saúde – e a

______________ 14 GADAMER, Hans-Georg. O Caráter Oculto da Saúde. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 118. 15 Site: http://pt.wikipedia.org/wiki/profissional_da_%c3%a1rea_da_sa%c3%bade, acesso em 23/07/2009.

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Filosofia coexistiam, como já se fez menção, de forma integrada na Antiguidade, prolongando-se ao

longo da Idade Média. Era comum que os cientistas do mundo antigo fossem filósofos e

matemáticos e, às vezes, também médicos, e a separação entre essas áreas não se mostrava

clara. Embora houvesse harmonia entre Medicina e Filosofia, a tensão entre a Medicina e as

crenças religiosas dificultava e até impedia seu estudo.

Hipócrates (460 a.C.–377 a.C.) foi o primeiro a separar a Medicina da Religião e, antes

dele, as doenças eram atribuídas à possessão por espíritos malignos, como uma forma de punição

para os pecados. Sobre Hipócrates, o historiador Calder (1995) assim se manifestou:

[...] ele deu, à Medicina, o espírito científico; substituiu a superstição pondo em seu lugar a observação diagnóstica e o tratamento clínico; e deu, à Medicina, os seus ideais éticos. [...] Assim, ao invés de atribuir aos deuses a culpa pelas enfermidades, Hipócrates, em todos os casos de doentes, observava os sintomas e a natureza do mal, como se fossem todos fatos novos16.

Analisando o papel de Hipócrates na defesa da ética médica, Paumape (1995) afirmou que

Hipócrates e sua escola, não só conferiram à medicina um estatuto científico, mas contribuíram também para consolidar as coordenadas éticas da profissão médica. Contém deveras o Juramento de Hipócrates a identidade moral do médico. É pronunciado até hoje, com modificações e adaptações nem sempre felizes, na cerimônia de colação de grau dos médicos em grande número de países17.

Além disso, Hipócrates foi quem primeiramente rejeitou o conceito deísta e atribuiu às

doenças causas naturais, como os miasmas, ou seja, os vapores venenosos que contaminavam o

ar e as águas. Opunha-se aos espancamentos e torturas para exorcizar os maus espíritos,

afirmando que a cura ocorreria naturalmente com repouso, alimentação saudável, ar puro e hábitos

de higiene18. Toda sua obra marcou o fim da medicina mística e o início da observação dos fatos

clínicos, ou seja, o nascimento da Medicina como Ciência.

2 VISÃO SINÓPTICA ATUAL DO ESTADO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA

MEDICINA ______________ 16 CALDER, Ritchie. O Homem e a Medicina. Trad. de Raul de Polillo. São Paulo: Boa Leitura, 1995. p. 73. 17 PAUMAPE, Mini. Hipócrates, Aforismos e Juramento. Trad. de Osmar Portugal Filho. São Paulo:

Paumape, 1995. p. 10. 18 BRUNINI, Carlos. Aforismos de Hipócrates. São Paulo: Typus, 1998. p. 47.

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Inicialmente, é possível afirmar que, entre os trabalhos publicados, advindos das áreas de

Medicina ou de Matemática, o autor, após judiciosa revisão da literatura específica, não encontrou

qualquer pesquisa que mostre, com amplitude, as incoerências, inadequações e o aparente

desinteresse dos profissionais da área médica com relação ao ensino de disciplinas matemáticas

em seu campo de conhecimento. Observa-se que, embora a necessidade de conhecimentos

matemáticos seja reconhecida pelos médicos, os currículos não são modificados para que a

inclusão de disciplinas matemáticas ocorra. E mais: ainda não há propostas concretas que se

proponham a lutar pela inclusão de disciplinas específicas como Modelos Matemáticos,

Biomatemática, Bioinformática, Simulação e Otimização – tão defendidas nas associações médicas

e discutidas em congressos – sejam incluídas nos currículos de Medicina.

No entanto, como já se fez menção, é animador o movimento que já se concretizou na área

médica para implantação de Modelos Matemáticos, divulgando o sentimento da necessidade de

aprofundamento dos conhecimentos matemáticos com aplicações nesses modelos. Atualmente,

sente-se uma grande evolução da Modelagem Matemática, uma integração e universalização da

Matemática com outras áreas do conhecimento, vindo contribuir, principalmente, para o maior

desenvolvimento de tecnologias e maior controle sobre o funcionamento de sistemas. A modelagem

e a simulação computacional, aliadas à visualização gráfica e à realidade virtual, permitem, entre

muitas outras aplicações médicas, fornecer imagens tridimensionais de alta resolução

representando os fenômenos que estão acontecendo no organismo de um paciente.

Desta forma, no cenário contemporâneo, em razão do marcante desenvolvimento científico

e tecnológico e com o advento da Informática, problemas altamente complexos puderam ser

simulados computacionalmente utilizando Modelos Matemáticos que permitiram incluir um número

muito maior de variáveis. Os pesquisadores das áreas de Matemática, Engenharia, Biologia e

Medicina consolidaram as ferramentas computacionais preditivas dentro das práticas na área da

saúde, especialmente da Medicina.

Na sua obra sobre a História da Medicina, com relatos desde Hipócrates até o

desenvolvimento do genoma humano, Adler (2004) enfatizou:

Entendo que a nossa capacidade de decodificar e manipular as informações genéticas depende de outra revolução em processo, a computação. Os genes são essencialmente informações puras. Os computadores são as ferramentas que nos permitem entender o que aquelas informações significam. O casamento de computadores e a Medicina – a Bioinformática – está formando médicos com a capacidade de visualizar a estrutura e o funcionamento do corpo humano em

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três dimensões e, com o passar do tempo, dando a geneticistas a capacidade de detalhar as semelhanças e diferenças entre indivíduos e entre espécies, e a químicos a capacidade de projetar novas drogas antes de testá-las em animais ou em seres humanos19.

Ressalte-se que o atual grau de desenvolvimento alcançado pelas técnicas de modelagem

computacional, juntamente com o rápido crescimento do desempenho do cálculo com

computadores, têm permitido o estudo, o desenvolvimento e a solução de modelos

mecânicobiológicos altamente sofisticados. Estes modelos são capazes de antecipar, com razoável

grau de precisão, os resultados de importantes procedimentos médicos, como por exemplo, a

implantação de ponte de safena e o transplante renal20.

Além disso, a estrutura geométrica da rede vascular e a composição heterogênea do

sangue, assim como as interações mecânicas e bioquímicas com as paredes dos vasos e o

movimento pulsátil do fluxo sanguíneo, são fenômenos fisiológicos extremamente complexos21. Um

dos desafios da pesquisa nesta área consiste no desenvolvimento de Modelos Matemáticos que,

tendo em conta os recursos computacionais disponíveis, incluam as complexidades mais relevantes

da circulação sanguínea22.

Uma área de aplicação de Modelagem Matemática na Medicina de grande proeminência é a

de Epidemiologia de doenças infecciosas. Uma epidemia (do grego epi, posição superior e demos,

povo), em sua definição tradicional, corresponde a uma enfermidade amplamente disseminada que

afeta a muitos indivíduos de uma população. Na atualidade, o conceito está associado a uma

relação entre uma linha de base de uma enfermidade que pode ser a prevalência ou a incidência

em relação ao número de casos que se detectam em dado momento23. Uma epidemia pode estar

restrita a uma área local, abranger uma extensão mais ampla como um país (endemia), ou pode ter

um caráter mundial (pandemia).

Por outro lado, a Modelagem Matemática está constantemente presente na Medicina

Veterinária e já está contribuindo no planejamento terapêutico e cirúrgico das mais variadas

doenças, no desenvolvimento de modelos para a dinâmica do sistema cardiovascular, do sistema

______________ 19 ADLER, Robert A. Medical Firsts – from Hyppocrates to Human Genome. Nova Jersey: Wiley, 2004. p.

210. 20 BYNUM, William. The History of Medicine – A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press,

2008. p. 145-148. 21 HORN, Mary Ann; SIMONETT, Gieri; WEBB, Glenn F. Mathematical Models in Medical and Health

Science. Londres: Vanderblit University Press, 1998. p. 327. 22 WEYNE, Gastão Rúbio de Sá. Modelos Matemáticos em Ciências da Saúde. São Paulo: Grupo Editorial

Scortecci, 2009. 23 Incidência é a frequência de novas ocorrências de uma doença; prevalência é o número de pessoas da

população com determinada doença.

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respiratório, crescimento de tumores, transporte, dosagem e absorção de fármacos pelos animais.

Contribui, além disso, no treinamento de cirurgias, na área de epidemiologia de doenças infecciosas

e na Genética24.

Além disso, a Matemática auxilia, de maneira significativa, as pesquisas genéticas, para o

melhoramento de espécies e, consequentemente, na otimização da produção pecuária, através da

teoria das probabilidades, que permite descobrir as chances de se obter determinado resultado,

proveniente de um cruzamento experimental. Funções matemáticas podem ajudar o médico

veterinário no cálculo da frequência cardíaca ou respiratória de um animal, permitindo que se tenha

um diagnóstico preciso sobre o estado em que este se encontra, aumentando as possibilidades de

se obter êxito no tratamento de algum distúrbio fisiológico25.

A dosagem de um determinado medicamento é indispensável durante a recuperação de um

animal, pois, se houver algum excesso ou falta de uma substância ou princípio ativo no organismo,

pode haver alteração radical no metabolismo. Em casos cirúrgicos, a medida certa do anestésico

pode determinar o desfecho de uma cirurgia. Essas dosagens são determinadas de acordo com o

peso do animal, através de cálculos de razão e proporção associados a conhecimentos

farmacológicos. Em termos práticos, portanto, a Matemática é um instrumento ou uma linguagem

fundamental para compreensão ou modelagem de fenômenos biológicos e de doenças. No entanto,

existe uma resistência natural de médicos e estudantes de medicina em incorporar esse instrumento

nos currículos de seus cursos em razão da estrutura universitária brasileira, que dificulta os

processos de integração26.

A multidisciplinaridade parece ser o caminho para que se possam desenvolver áreas como

Modelos Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática, Simulação e Otimização, aplicadas ao ensino

na área da saúde, particularmente na Medicina. É necessária, portanto, a participação de grupos

multidisciplinares de pesquisadores de diversos ramos do conhecimento. No entanto, falta diálogo

entre essas áreas e os benefícios que a Modelagem Matemática e Computacional pode

proporcionar à medicina dependem da superação dessas dificuldades.

Observe-se que, nos caminhos para a integração, a multidisciplinaridade ou

pluridisciplinaridade diz respeito ao estudo de um objeto de uma única disciplina por diversas

disciplinas ao mesmo tempo. A interdisciplinaridade se refere à transferência de métodos de uma

disciplina à outra. Para a transdisciplinaridade não devem existir fronteiras entre áreas do ______________ 24 Site: http://www.veterinaria.org/, acesso em 15/12/2009. 25 Site: http://www.somatematica.com.br/mundo/veterinaria.php, acesso em 14/12/2009. 26 Site: http://www.cpac.embrapa.br/download/320/t, acesso em 14/12/2009.

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conhecimento e a interação chega a um nível tão elevado que é praticamente impossível distinguir

onde começa e onde termina cada disciplina27.

3 HIPÓTESE E JUSTIFICATIVAS PARA A ESCOLHA DO TEMA

Neste trabalho, parte-se da hipótese de que existem fortes indícios de que existem

obstáculos para a inclusão de disciplinas de Matemática nos currículos dos cursos de Medicina no

Brasil e em algumas universidades de países desenvolvidos. Parece haver desconhecimento,

nesses cursos, das bases filosóficas e da utilidade da Matemática, resultando nas dificuldades para

a inclusão de Biomatemática, Bioinformática, Modelos Matemáticos, Simulação e Otimização nos

currículos dos cursos de Medicina.

Os obstáculos, a que se refere este trabalho são, na maioria das vezes, de natureza

epistemológica, como será discutido em capítulos posteriores, ou seja, têm um papel relevante no

desenvolvimento histórico dos conhecimentos. Conforme a conceituação de Bachelard (2008):

Quando se procuram as condições psicológicas do progresso da ciência, logo se chega à convicção de que é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser colocado. E não se trata de considerar obstáculos externos como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem de incriminar a fragilidade dos sentidos e do espírito humano: é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos. A estas causas de estagnação e até de regressão, detectaremos causas de inércia às quais daremos o nome de obstáculos epistemológicos28.

Os obstáculos de origem epistemológica são constitutivos do conhecimento propriamente

dito. Os de origem didática são os que parecem depender das escolhas feitas no processo de

ensino29.

O conceito de "obstáculo epistemológico" ocupa, portanto, um lugar predominante na teoria

de Gaston Bachelard (1884-1962). Sua teoria do conhecimento científico e o conceito de obstáculo

epistemológico tiveram uma marcante relevância no campo da Filosofia das Ciências e na

Pedagogia. O conhecimento é concebido por Bachelard como produto de uma atividade do sujeito e

______________ 27 ERNEST, Paul; GREER, Brian; SRIRAMAN, Bharat. Critical Issues in Mathematics Education.

Charlotte, NC: IAP, 2009. p. 306-308. 28 BACHELARD, G. A Formação do Espírito Científico. Trad. de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro:

Contraponto, 2008. p. 17. 29 BROUSSEAU, Guy. Introdução ao Estudo das Situações Didáticas. São Paulo: Prol Editora Gráfica,

2008. p. 51.

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não consiste em uma simples reprodução do mundo das coisas. O sujeito é, em consequência, um

construtor de seu conhecimento. Para Bachelard, quando se investigam as condições psicológicas

do progresso da ciência, chega-se à convicção de que é necessário fundamentar o problema do

conhecimento científico em termos de obstáculos30.

Desenvolvendo as ideias de Gaston Bachellard, Guy Brousseau considera, conforme

Almouloud (2007), que os conhecimentos construídos pelos alunos geralmente são locais e podem,

eventualmente, constituir fontes de dificuldades, ou de erros, na ocasião da aprendizagem de novos

conhecimentos. Brousseau, baseando-se em Bachelard, introduziu a noção de obstáculo

epistemológico com o intuito de ter um outro olhar sobre os erros dos alunos, buscando

compreender e explicitar o papel do erro no processo de aprendizagem, suas, influências e

consequências31.

Observe-se que, enquanto Bachelard considerava a Matemática uma atividade para

desenvolver teorias, Brousseau admitia a Matemática uma atividade para resolver problemas. Neste

trabalho, os obstáculos epistemológicos para a inserção de disciplinas matemáticas nos cursos de

Medicina serão fundamentados na concepção de Guy Brousseau32.

Os problemas de ensino e de aprendizagem, objeto da Educação Matemática, são

complexos e exigem muito esforço para a descoberta dos caminhos a seguir para a transposição

dos obstáculos. Segundo Maasz (2006),

a natureza e a estrutura da Matemática possibilitam a ocorrência de problemas inevitáveis, intrínsecos e desafiadores de ensino e aprendizagem [...] Tudo indica que não existe nenhum caminho possível para evitar os problemas e desafios identificados. Os alunos que, com sucesso, podem aprender Matemática têm condições de superar os obstáculos, ou por seus próprios esforços ou pela ajuda de bons professores. Descobrindo e investigando os problemas por meio de pesquisa e explicitamente pondo-os no programa de trabalho de ensino parece uma necessidade, embora longe de ser suficiente [...]33.

______________ 30 BACHELARD, G. A Formação do Espírito Científico. Trad. de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro:

Contraponto, 2008. p. 10-11. 31 ALMOULOUD, Saddo Ag. Fundamentos da Didática da Matemática. Curitiba: Editora da UFPR, 2007. p.

129. 32 BROUSSEAU, Guy. Les obstacles Epistemologiques et les Problemes en Mathematiques.

Recherches en Didactique des Mathématiques, v. 4, n. 2, p. 165-198,1983. 33 MAASZ, Jürgen; SCHOEGLMANN, Wolpgang. New Mathematics Education Research and Practice.

Rotterdam: Sense Publishers, 2006. p. 61.

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Por outro lado, observe-se que são enfatizados os obstáculos epistemológicos, sendo

considerados de pouca significação, neste trabalho, os obstáculos de natureza didática, psicológica

e ontogênica.

As justificativas que conduziram à escolha do presente tema repousam, inicialmente, na

experiência do proponente deste trabalho, com mais de 10 anos como Professor Titular do Curso de

Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Medicina do ABC, de Santo André-SP (FMABC), em três

disciplinas básicas: Matemática, Operações Unitárias e Bioestatística (disciplina que também

lecionou no curso de Medicina). Por outro lado, sendo um docente de formação intelectual não

pertencente á área da saúde, foi possível observar, com espírito crítico, durante esses anos, o

quadro de deficiências, inadequações, impropriedades e necessidades presentes na Educação

Matemática daquela instituição de ensino. Foi possível constatar que este quadro ocorre, em

diferentes gradações, em outras instituições congêneres, no País e no Exterior. Esta justificativa

inicial, alicerçada na experiência de vida do autor deste trabalho é concordante com o pensamento

de Almouloud (2007), quando afirmou que,

por sua posição social, formação e experiência profissional, o professor se apóia em um conjunto de concepções sobre seu trabalho, na disciplina a ser ensinada, no ato pedagógico e nas capacidades dos alunos. A relação do docente com o saber depende da sua formação e história de vida34.

Para complementar a justificativa deste trabalho, convém notar que, entre as tendências

atuais da área da saúde na Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), um universo amostral restrito,

destacam-se a preferência pelo perfil do profissional generalista, o estímulo à absorção de um

espírito de humanização, a primazia da prevenção sobre o tratamento e a aceitação da

complementação das pesquisas em métodos opcionais. Os professores da FMABC aceitam,

embora sem entusiasmo, o uso de Modelos Matemáticos, especialmente na Medicina. No entanto,

disciplinas específicas de Matemática não estão presentes nos currículos de seus cursos, exceto

Bioestatística.

Uma análise crítica preliminar do problema educacional na Faculdade de Medicina do ABC

– restrito a esse universo amostral – parece mostrar uma marcante necessidade, sentida pelos

próprios profissionais da saúde, de uma Educação Matemática melhor estruturada no ensino e na

pesquisa, com os conhecimentos necessários, entre outros, de fundamentos, de habilidades e de

bases para entendimento dos Modelos Matemáticos. Busca-se a geração de instrumentos com

______________ 34 ALMOULOUD, Saddo Ag. Fundamentos da Didática da Matemática. Curitiba: Editora da UFPR, 2007. p.

27.

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vistas a um desempenho profissional mais eficiente e a criação de condições favoráveis para a

ampliação da capacidade do profissional da saúde e para expandir o campo de suas pesquisas.

Ocorre, portanto, uma necessidade de redirecionamento de currículos, adaptando-os às exigências

atuais de reestruturação da educação interdisciplinar, a fim de contribuir para melhorar o perfil do

profissional de Medicina.

Recentemente, o Senhor Diretor da Faculdade de Medicina do ABC35, lendo os livros

publicados pelo autor deste trabalho, “Matemática para a Área da Saúde”, “Bioestatística e Validade de Trabalhos Científicos” e “Operações Unitárias nas Indústrias de Medicamentos e de Alimentos”36,

preparados especificamente para o Curso de Ciências Farmacêuticas da Instituição e com

exemplos exclusivos na área de saúde – todos indicados nas Referências – afirmou que, se

dependesse somente dele, iria inserir, de imediato, disciplinas específicas de Matemática no Curso

de Medicina. A não inclusão dessas disciplinas, com base nessa opinião do Senhor Diretor, seria

uma incoerência, como aqui procura-se mostrar, não pelo fato de que os citados livros foram

elaborados visando especificamente a área da saúde, mas em razão da necessidade que os

estudantes revelam, embora de forma indireta, da inclusão de disciplinas matemáticas em seus

estudos, principalmente quando participam de congressos ou elaboram pesquisas mais profundas e

necessitam de um instrumental matemático mais completo, particularmente quando aplicam

conteúdos de Biomatemática, Bioinformática, Simulação e Otimização, ou lidam com Modelos

Matemáticos.

O interesse por este tema foi também alicerçado e reforçado pela formação multidisciplinar

do autor desta tese, forjada nos longos anos vividos como Professor Associado da Escola

Politécnica da USP, até a aposentadoria. Este fato é acrescido com a experiência de mais de 25

anos como Professor Titular da PUC-SP (1980-2005), quando o autor lecionou disciplinas com

embasamento matemático como Pesquisa Operacional e Administração da Produção.

Outro aspecto que justifica a escolha do presente tema alicerça-se na formação específica

do proponente desta pesquisa, na área de “ciências exatas”. O autor concluiu o Curso de Engenharia Química no Instituto Militar de Engenharia e o Curso de Bacharelado e Licenciatura

______________ 35 PASCHOAL, Luiz Henrique Camargo, Diretor da Faculdade de Medicina do ABC. Comunicação pessoal,

em 25/09/2009. 36 WEYNE, Gastão Rúbio de Sá. Matemática para as Ciências da Saúde. 2ª Edição. São Paulo: Grupo

Editorial Scortecci, 2009.

________. Bioestatística e Validade de Trabalhos Científicos. 2ª Edição. São Paulo: Grupo Editorial Scortecci, 2009.

________. Operações Unitárias nas Indústrias Farmacêuticas e de Alimentos. 2ª Edição. São Paulo: Grupo Editorial Scortecci, 2009.

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Matemática, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, atual Instituto de Matemática e

Estatística (IME-USP).

Por outro lado, o estudo da Educação Matemática na PUC-SP é vinculado, basicamente, ao

ensino de Ciências Matemáticas, mas também, entre outras, às áreas de Filosofia e História. Esse

fato possibilitou uma associação desses conhecimentos com os conteúdos do Curso de

Bacharelado e de Doutoramento em Direito, ambos concluídos pelo proponente deste trabalho na

Faculdade de Direito da USP. Nessa Faculdade concluiu sua Tese na área de Filosofia do Direito e,

portanto, de fácil integração com a Filosofia da Matemática37.

Enfatize-se, além disso, que este trabalho se originou, basicamente, da sensação de

inquietude e mal-estar do proponente com a aparente posição de desprestígio da Matemática nas

instituições de ensino superior da área da saúde, notadamente nos cursos de Medicina. Reitere-se

que, entre os cursos da Faculdade de Medicina do ABC (Medicina, Farmácia, Enfermagem,

Nutrição, Fisioterapia e Saúde Ambiental), somente nos currículos dos Cursos de Ciências

Farmacêuticas e de Saúde Ambiental consta, explicitamente, a disciplina Matemática. Vale

ressaltar, no entanto que, nos currículos da grande maioria dos cursos da área de saúde, inclusive

Medicina, é oferecida, em níveis de graduação e pós-graduação, a disciplina Bioestatística,

sabidamente da área de Matemática, visando as pesquisas futuras destes profissionais. Constata-

se, porém, que esta inclusão não tem capacitado a estes profissionais as condições de

independência para a aplicação dos ensinamentos de Bioestatística em suas pesquisas, ou seja, os

médicos continuam dependendo dos matemáticos para orientações estatísticas. Isso parece

mostrar que falta um embasamento matemático mais sólido nos cursos de Medicina. Além disso, a

disciplina Bioestatística na FMABC e em outras instituições – como será mostrado – não é

independente, sendo, em geral, ministrada, ao que parece, de forma incompleta como parte da

disciplina Epidemiologia, do Departamento de Saúde Coletiva.

4. PREMISSAS ASSOCIADAS À EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA MEDICINA

Convém ressaltar que, neste trabalho, parte-se de algumas premissas associadas à

Educação Matemática, a seguir elencadas: 1. O mito da neutralidade da ciência; 2. O mito da

______________ 37 WEYNE, Gastão Rúbio de Sá. Igualdade e Poder Econômico, uma Visão Crítica. Tese de

Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, fevereiro de 2004. Orientador: Alaôr Caffé Alves.

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ideologia da certeza; 3. A relevância da Matemática Crítica; 4. A importância dos conceitos da

Matemática Humanística. Essas premissas definem a linha ideológica desta pesquisa e são

consideradas inseparáveis dos demais conteúdos de natureza matemática ou educacional.

Como primeira premissa, admite-se a concepção que supera a postura “cientificista”, situação em que os conhecimentos científicos e tecnológicos são admitidos como atividades

humanas, de caráter histórico e, portanto, não-neutros. Questionando e opondo-se ao mito da

neutralidade científica, Japiassu (1975) faz a seguinte análise:

Em sua realidade concreta, a ciência é um poder exercido sobre as coisas e sobre os seres vivos. Esse poder torna-se tanto mais opressor quanto mais coincide com um saber-fazer, que apela, como a seu alterego, a tudo quanto não sabe produzir: o poder de saber o que fazer. Somos levados a crer que o mundo esteja inflacionado de ciência, que ele padece de uma "doença" científica irreversível ou incurável [...] Atualmente, a atividade científica defronta-se com sérios desafios internos e externos. De um ponto de vista coletivo, os descontentamentos sociais ligados à introdução de inúmeras inovações tecnológicas (da poluição industrial aos horrores das guerras químicas e eletrônicas), estão levando a um questionamento da equivalência entre ciência e progresso, entre tecnologia e bem-estar social [...] O que podemos perguntar, desde já, é se não seria temerário entregar o homem às decisões constitutivas do saber científico. Poderia ele ser "dirigido" pela "ética do saber objetivo"? Poderia ser "orientado" por esse tipo de racionalidade?38.

O conceito de neutralidade da ciência, num sentido amplo, deve ser analisado em alguns

componentes, um dos quais é a imparcialidade, ou seja, busca-se uma seleção de teorias na

ciência para escolha da melhor.

A segunda premissa, nesta linha de pensamento, consiste em admitir como infundadas e

desprovidas de bases humanísticas e ideológicas as proposições que defendem os seguintes

princípios da chamada ideologia da certeza: a) a Matemática é perfeita, pura e geral, no sentido de

que a verdade de uma declaração matemática não se alicerça em nenhuma investigação empírica.

A verdade matemática não pode ser influenciada por nenhum interesse social, político ou

ideológico; b) a Matemática é relevante e confiável, porque pode ser aplicada a todos os tipos de

problemas reais. A aplicação da Matemática não tem limite, já que é sempre possível matematizar

um problema.

A ideologia da certeza, defendida na Matemática, representa uma atitude crítica em relação

à ideologia que a acoberta. Este conceito de ideologia está associado a uma estrutura geral e ______________ 38 JAPIASSU, Hilton. O Mito da Neutralidade Científica. Rio de Janeiro: Mago, 1975. p. 12-13.

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fundamental de interpretação para um número crescente de questões que transformam a

Matemática em uma linguagem de poder. Essa visão da Matemática – como um sistema perfeito,

como pura, como uma ferramenta infalível se bem usada – contribui para o controle político, mas

representa uma visão alienada que não condiz com a tese aqui defendida de que a Matemática é

uma “atividade humana, histórica e, portanto, não neutra”. Nesta linha de pensamento não se pode

admitir a Matemática como um instrumento ou uma estrutura estável e inquestionável inserida no

mundo atual, sabidamente muito instável.

Frequentemente são usadas, na mídia e nas escolas, frases como "foi provado

matematicamente", "os números expressam a verdade", "os números falam por si mesmos", "as

equações asseguram que". Essas afirmações parecem expressar uma visão da Matemática como

uma referência "acima de tudo", como um "juiz", que está acima dos seres humanos, como um

artifício não-humano que pudesse controlar a imperfeição humana. Parece necessário lutar contra

esse mito se o objetivo ético é construir uma pedagogia que combata a opressão na sociedade, já

que essa visão alienada de Matemática corrobora a noção de que a Matemática é livre da influência

humana e superior aos seres humanos.

A queda do mito da certeza matemática trouxe alguns problemas no relacionamento entre

os pesquisadores matemáticos e os estudiosos de outras áreas. Kline (1980) assim se expressou

sobre o assunto:

A perda de verdade, a complexidade continuamente crescente da Matemática e das Ciências, além das incertezas sobre que abordagem matemática seria segura, causou à maioria de matemáticos a idéia de abandonar a Ciência. Com a “peste em todas as suas casas" eles retrocederam para especialidades em áreas de Matemática onde os métodos de prova pareciam ser mais seguros. Eles também encontraram problemas de relacionamento humano, mas que eram mais atraentes e manipuláveis que os problemas encontrados na natureza. Essas crises e conflitos na Matemática também desencorajaram a aplicação da Metodologia Matemática para muitas áreas de nossa cultura como Filosofia, Ciência Política, Ética, e Estética39.

Isso mostra que, no passado, a esperança de achar um objetivo, leis e padrões infalíveis foi

enfraquecendo. Em síntese, parece que, naquela época, a “Idade da Razão” estava indo embora.

Como terceira premissa, admite-se a relevância da chamada Matemática Crítica. Vale

lembrar, inicialmente, que a chamada “consciência ingênua”, que se opõe à “consciência crítica”,

______________ 39 KLINE, Morris. Mathematics – The Loss of Certainty. Nova York: Oxford University Press, 1980. p. 7.

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revela um conhecimento parcial da realidade: as pessoas orientam-se pelo senso comum e prático

da vida. Os inúmeros problemas que afligem o homem na busca de sua sobrevivência material e

social, contudo exigem uma compreensão mais profunda do seu mundo. A “consciência crítica” surge como uma superação dos limites colocados à consciência na percepção do real.

Uma das características fundamentais da Teoria Crítica, desde suas origens e conforme

Pucci et al (1995), tem sido a sua negativa em considerar o marxismo como um corpo acabado de

verdades. Ser crítico significa até mesmo reduzir a validade de categorias dialéticas como as de

totalidade, por mais necessárias que elas sejam historicamente na contraposição ao empirismo

ingênuo40.

A Teoria Crítica nasceu com Max Horkheimer, Friedrich Pollock, Herbert Marcuse e Theodor

Adorno. Com o líder de sua segunda geração, Jürgen Habermas, a Teoria Crítica permaneceu no

centro do pensamento social e político europeu durante o período da Guerrra Fria. Ela ainda é uma

perspectiva filosófica e política vital e uma terceira geração de teóricos críticos, entre eles Axel

Honneth, o mais proeminente41.

No conhecimento crítico, o homem busca compreender o mundo concreto em suas bases

reais e não apenas aparentes. Pensar criticamente é derrubar falsas imagens, ir além das crenças e

rotinas estabelecidas, redescobrir a realidade em seus fundamentos. A consciência crítica

caracteriza-se pela atitude interrogativa e pelo senso de problematização42.

O espírito crítico, portanto, enfoca o plano das intencionalidades globais, originárias e finais

do movimento da existência e não se concentra nas limitações das particularidades. Trata-se de um

esforço de separar o que pode ser reconhecido como válido do que não o é. A crítica é um recuo

em direção ao passado e uma incursão no futuro. Analisando a teoria crítica nos campos filosófico e

educacional, Horkheimer (2003) assim se manifestou:

[...] a análise crítica não é dirigida somente ao trabalho científico, mas também ao filosófico, então cabe a ela decerto a diferenciação dogmática entre aparência e coisa em si, assim como a diferenciação entre os conceitos filosóficos e científicos correspondentes a ela, mas, em contrapartida, o conhecimento emerge até como fenômeno histórico [...]43.

______________ 40 PUCCI, Bruno (Org.) et al. Teoria Crítica da Educação. Petróplis: Vozes, 1995. p.15. 41 RUSH, Fred. Teoria Crítica. Trad. de Beatriz Kalinsky e Regina Andrés Rebollo. Aparecida-SP: Ideias &

Letras, 2008. p. 25-26. 42 ADORNO, Theodor W. Prismas-La Crítica de la Cultura y la Sociedad. Trad. de Manuel Sacristán.

Barcelona: Ariel, 1962. p. 18. 43 HORKHEIMER, Max. Teoría Crítica I. Trad. de Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 47.

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A “Educação Matemática Crítica” não deve ser entendida como um ramo especial da Educação Matemática, não pode ser identificada com certa metodologia de sala de aula e nem pode

ser constituída por currículo específico. Ao contrário, a Educação Matemática Crítica é definida em

termos de algumas preocupações emergentes da natureza crítica da Educação Matemática. Se não

existe relação intrínseca entre Educação Matemática e alguns desenvolvimentos sociopolíticos

atraentes, então a relação tem que ser feita com referência a um contexto particular. Um dos

grandes defensores desta linha de pensamento, Skovsmose (2008), um dos expoentes maiores

nesta concepção, assim a questiona e a conceitua:

Pode-se perguntar se a Educação Matemática Crítica representa uma forma de pensamento para a qual não há mais espaço no mundo contemporâneo. É ela um resquício de um movimento de esquerda que existiu na educação e está ultrapassado? E, se não for, qual é o significado de Educação Matemática Crítica hoje? E o que dizer do seu futuro? Vejo a Educação Matemática Crítica como a expressão das preocupações sobre os papéis sociopolíticos que a Educação Matemática pode desempenhar na sociedade. As raízes da Educação Matemática Crítica são inúmeras, uma das quais se encontra na Teoria Crítica, que também alimentou o movimento pela Educação Crítica em geral. As mesmas fontes que servem de inspiração, porém, ajudam a cristalizar visões de mundo que podem emperrar o processo evolutivo. Aponto para a necessidade de que a Educação Matemática Crítica seja repensada e cultivada com base em novas referências. Raízes são importantes, mas é necessário arejar o terreno de vez em quando44.

Assim, a Educação Matemática Crítica é uma resposta a uma posição crítica da Educação

Matemática.

A quarta premissa, antes mencionada, refere-se ao entendimento e a aceitação da

chamada Matemática Humanística. Parte-se do pressuposto de que a Matemática não pode ser

ensinada simplesmente como o saber de procedimentos, mas, ao contrário, deve incluir elementos

humanísticos, uma vez que os valores humanísticos são aqueles que nutrem a consciência de

completa responsabilidade humana45. Em outras palavras, a Matemática "Humanística" tem que se

relacionar com os demais assuntos do curso.

Nessa linha de pensamento, tudo indica que os currículos das disciplinas matemáticas a

serem lecionadas nos cursos da área de saúde, notadamente na Medicina, devem mostrar

coerentes conotações de adequação a cada curso nos quais serão aplicados, além de obedecerem

______________ 44 SKOVSMOSE, Ole. Desafios da Reflexão em Educação Matemática Crítica. Campinas: Papirus, 2008.

p. 101. 45 BOULIGAND, Georges; DESBATES, Jean. La Mathématique et son Unité. Paris: Payot, 1947. p. 304.

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a uma vinculação caracterizada por uma visão crítica, humanística e democrática. Tudo parece

indicar que a Matemática não é só um universo de objetos, formalismos ou construções

matemáticas. Ao contrário, este universo pode ser ampliado englobando a essência da Matemática

Humanística, ou seja, pode-se admitir outra perspectiva, a perspectiva humana46. Sobre este ponto

de vista, referindo-se à Matemática Pura, Tymoczko (1993) defende que “a Matemática Pura é, em última instância, humanística porque é uma disciplina intelectual com uma perspectiva humanística

e uma história que a complementa”47.

Por essas razões, pode-se afirmar que o ensino da Matemática deve ser feito de modo

humanitário considerando-se que a Matemática Pura, segundo abalizadas opiniões, é Matemática,

em última instância, Humanística. É uma das humanidades, portanto, porque ela é uma disciplina

intelectual com uma perspectiva humana e uma história que a suporta. Desta forma, o papel

principal do professor de Matemática, um ser humano, devia ser no sentido de “humanizar” suas aulas. Ressalte-se que humanizar uma atividade educacional é contribuir, com a força da educação,

para a formação do ser humano. No comportamento humanista, os valores humanos devem ser

lembrados, cultuados e praticados. Uma aula deve ir além dos conteúdos programáticos a ensinar,

pode e deve ser ampliada de modo a incluir, de alguma forma, a preocupação com os valores

humanos como a dignidade, o comportamento ético, a igualdade humana, os ideais de liberdade e

de democracia.

5 OBJETIVOS DO TRABALHO

Os objetivos deste trabalho estão centrados na identificação e caracterização dos

obstáculos epistemológicos que se apresentam quando se questiona a não inclusão, nos currículos

dos cursos de Medicina, de disciplinas que abordem conteúdos de Matemática, como

Biomatemática, Bioinformática, Simulação, Modelos Matemáticos e Otimização. Na busca desses

obstáculos epistemológicos, foram estudadas as relações de interdependência entre a Medicina e a

Matemática, ou, mais especificamente, entre a Educação Médica e a Educação Matemática.

______________ 46 ATWEH, Bill; FORGASZ, Helen; NEBRES, Ben. Sociocultural Researches on Mathematics Education.

Londres: Lawrence Erlbaum, 2001. p. 295. 47 TYMOCZKO, Thomas. Humanistic and Utilitarian Aspects of Mathematics. In: WHITE, Alvin M. Essays

in Humanistic Mathematics. Providence-Rhode Island: The Mathematical Association of America, 1993. p. 11.

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Defende-se, no ensino e na pesquisa, a imperiosa necessidade de integração entre a

Educação Médica e a Educação Matemática, visando o aperfeiçoamento contínuo das atividades

profissionais dos atores envolvidos. Isso pode se concretizar através de um redirecionamento dos

currículos dos cursos de Medicina, com base no perfil do profissional a ser formado.

Observe-se que esta pesquisa se desenvolveu no universo amostral em que o

conhecimento é considerado um produto social, e cada época tem as suas prioridades. Tudo parece

indicar a necessidade de que seja construído o Humanismo do Século XXI que não dissocie o

sentido e o saber; que considere a criatividade como relevante e necessária; que admita a união de

disciplinas e de pontos de vista diversos; que aceite e estimule a consolidação de uma relação

técnica e humana entre a Medicina e a Matemática.

Os obstáculos epistemológicos pesquisados são de origem histórica ou oriundos de erros

anteriores, vinculados à presença e não à ausência de conhecimentos e, além disso, pertencentes a

situações que associam estruturas curriculares, professores, perfil do formando, tradicionalismo,

conservadorismo, corporativismo, critérios, desequilíbrios, ideologia e relações de poder. Adotou-se,

como base de orientação, os estudos de Brousseau sobre os obstáculos epistemológicos48.

6 ABRANGÊNCIA DA PESQUISA

Inicialmente, é de conveniência salientar que o arco temporal abrangido por este trabalho

de pesquisa estende-se, basicamente, do início da Antiguidade Clássica, que se iniciou,

aproximadamente, no século VIII a.C., até os dias atuais. No entanto, para melhor entendimento

sobre as relações entre a Medicina e a Matemática, este trabalho guarda a independência para

fazer breves menções a passagens históricas anteriores a esse período.

Quanto à abrangência espacial, um amplo estudo da situação do ensino da Matemática em

universidades de países desenvolvidos foi um dos objetivos desta pesquisa. O critério de escolha

dessas instituições se baseou na tradição, na antiguidade e no prestígio das Universidades

envolvidas junto a mídia, na opinião de professores médicos e nas informações obtidas em obras

consagradas sobre História da Medicina. Foram analisados os currículos de dezesseis Faculdades

de Medicina de universidades do Exterior, sendo quatro do Reino Unido (Oxford, Cambridge,

Imperial College, University College London), quatro dos Estados Unidos (Harvard, Columbia, Yale,

______________ 48 BROUSSEAU, Guy. Les obstacles Epistemologiques et les Problemes en Mathematiques.

Recherches en Didactique des Mathématiques, v. 4, n. 2, p. 165-198, 1983.

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Universidade Johns Hopkins), quatro Universidades da França (Paris, Nice, Montpellier, Poitiers),

duas de Portugal (Coimbra e Lisboa) e duas da Itália (Bolonha e Pádua). O ensino de disciplinas

matemáticas foi também pesquisado em instituições nacionais do ensino da Medicina com base nos

mesmos critérios usados para as Faculdades de Medicina do Exterior. Além da Faculdade de

Medicina do ABC, foram analisados os currículos de outras cinco Faculdades de Medicina do Brasil:

Faculdades de Medicina da Universidade de São Paulo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

da Bahia e de São Paulo (Escola Paulista de Medicina), além da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo (Faculdade de Medicina de Sorocaba-SP).

7 METODOLOGIA DA PESQUISA

A pesquisa foi alicerçada em amplo trabalho de revisão bibliográfica abrangendo in totum a

leitura das obras citadas nas “Referências” para conhecimento do problema, com citação de todas

elas (O grifo é da lavra do autor). Todas as obras mencionadas nas Referências foram

exaustivamente consultadas e seus conteúdos longamente analisados e discutidos. Após a leitura

de cada assunto em estudo e cuidadosa reflexão exegética sobre o seu conteúdo, procurou-se,

passo a passo, delinear e caminhar no sentido da consecução dos objetivos deste trabalho.

Os conteúdos da metodologia usada estão contidos, principalmente, nas obras de Morse

(1992)49 e de Kelly e Lesh (2000)50. Procurou-se, ao longo da análise e discussão dos conteúdos,

aplicar critérios de razoabilidade, de coerência e de bom senso, sempre admitindo, com modéstia, a

presença e a intervenção das imperfeições humanas, com aceitação de que a aprendizagem

contínua também se alicerça nos ensinamentos colhidos a partir dos próprios erros51.

Este trabalho, além disso, é uma pesquisa qualitativa, de abordagem interpretativa. Partiu-

se de uma fase exploratória, visando proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a

torná-lo mais explícito. A pesquisa situa-se, portanto, entre os tipos: a) descritiva, tendo como

objetivo primordial a descrição das características do universo médico e sua rejeição à inclusão de

disciplinas matemáticas nos currículos; b) explicativa, em que a preocupação central é identificar os

fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência da aludida rejeição. Busca-se

______________ 49 MORSE, Janice M. Qualitative Health Research. Londres: Sage Publications, 1992. p. 43-49. 50 KELLY, Anthony A.; LESH, Richard A. Handbook of Research Design in Mathematics and Science

Education. Nova Jersey: Lawrence Erlbaum, 2000. p. 35-44. 51 POPPER, Karl. Conjecturas e Refutações. Trad. de Benedita Bettencourt. Lisboa: Almedina, 2006. p. 17-

52.

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aprofundar o conhecimento dessa realidade, porque procura-se explicar a razão, o porquê desses

fatos.

A metodologia qualitativa utilizada tem características mais objetivas que subjetivas,

fundamentada, principalmente em pesquisa bibliográfica, desenvolvida com base em material já

elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos, com um mínimo de textos

retirados da Internet, de origem confiável, que não constituem o arcabouço teórico do trabalho. Por

outro lado, admite-se, neste trabalho, uma visão científica e humanística do tema, que ocorre no

mundo complexo de hoje no qual se exige que a ordem conviva com a desordem, em processo de

integração, passando-se da multidisciplinaridade para a interdisciplinaridade. Isso permite que se

busque como meta ideal, atingir a transdisciplinaridade, ou seja, faz-se necessário que ocorra uma

efetiva religação dos conhecimentos52.

Sob o enfoque metodológico, procura-se mostrar, a partir de uma perspectiva crítica e

realista53, a necessidade de reexaminar os alicerces que sustentam a pesquisa sobre a Educação

Matemática nas instituições de ensino de Medicina, no Brasil e em alguns países desenvolvidos.

Fez-se necessário um aprofundamento de estudos sobre a Educação Médica para, com base em

suas teorias e aplicações, ser possível uma integração com a Educação Matemática.

8 SEQUÊNCIA NA APRESENTAÇÃO DO TRABALHO

Para a apresentação deste trabalho, optou-se pela seqüência explicitada a seguir.

Na Introdução, são apresentados um preâmbulo, uma visão sinóptica atual do estado da

Educação Matemática na Medicina, a hipótese e justificativas para a escolha do tema, as premissas

associadas à Educação Matemática na Medicina, os objetivos do trabalho, a abrangência da

pesquisa e a sua metodologia.

O capítulo I trata da análise e discussão das bases filosóficas da Matemática e a relevância

da integração da Educação Matemática com a Educação Médica.

______________ 52 MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. p. 177. 53 LUKÁCS, Georg. La Signication Présente du Realisme Critique. Paris: Gallimard, 1960. p. 15-23;

DRAKE, Durant et al. Essays in Critical Realism. Nova York: Gordian Press, 1968. p. 3-32.

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No capítulo II, é analisada e discutida a relevância dos Modelos Matemáticos, da

Biomatemática, da Bioinformática, da Simulação nos cursos de Medicina, incluindo os processos de

Otimização Matemática e a sua aplicação na Medicina.

No capítulo III, é feita uma síntese histórica do ensino médico no Brasil, de seus primórdios

até a atualidade, enfatizando-se o desinteresse dos médicos pelas disciplinas matemáticas.

No capítulo IV, são discutidos os problemas curriculares dos cursos de Medicina, incluindo

os fundamentos da Educação Médica, as resistências a mudanças curriculares e seus aspectos

ideológicos.

No capítulo V, são analisadas e discutidas as disciplinas matemáticas nos currículos de seis

cursos de medicina no Brasil, incluindo a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, a Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, a

Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e a Faculdade de

Medicina do ABC.

No capítulo VI, são pesquisadas e analisadas as disciplinas matemáticas nos currículos de

dezesseis consagradas Faculdades de Medicina em alguns países desenvolvidos (quatro da

França, quatro do Reino Unido, quatro dos Estados Unidos, duas da Itália e duas de Portugal).

No capítulo VII, são apresentadas as conjecturas e reflexões sobre o tema da pesquisa.

No capítulo VIII, busca-se a identificação e a caracterização dos obstáculos epistemológicos

encontrados.

No capítulo IX, é apresentada uma proposta de currículo para um curso de Medicina, com

inclusão de disciplinas matemáticas.

No capítulo X, são apresentadas as considerações finais e sugestões para trabalhos

futuros.

As Referências são indicadas no final do trabalho, todas citadas no texto (grifo do autor).

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CAPÍTULO I

BASES FILOSÓFICAS DA MATEMÁTICA E INTEGRAÇÃO MATEMÁTICA - MEDICINA

1.1 BASES FILOSÓFICAS DA MATEMÁTICA

Como antes mencionado, os objetivos deste trabalho estão centrados no entendimento do

problema da não inclusão de disciplinas matemáticas – como Biomatemática, Bioinformática,

Simulação, Modelos Matemáticos ou Otimização – nos currículos de graduação em Medicina do

país e em alguns países desenvolvidos. Para que se possa atingir esses objetivos e na busca de

argumentos para o entendimento da integração entre a Educação Médica e a Educação

Matemática, um estudo sobre as bases filosóficas da Matemática e da Educação Matemática se faz

necessário.

Observe-se, inicialmente, que a Matemática fundamentou os estudos e as descobertas de

alguns dos grandes benfeitores da humanidade como Euclides, Arquimedes, Ptolomeu, Copérnico,

Kepler, Galileu, Pascal e Newton, entre outros54. Considere-se também que Lavoisier, considerado

o Pai da Química Moderna, foi assim considerado por matematizar os resultados experimentais das

reações químicas, introduzindo a balança como instrumento de medição das massas envolvidas nas

transformações que ocorrem na camada externa dos átomos.

Por outro lado, a Matemática é considerada uma das sete artes liberais, divididas estas

entre quadrivium: Aritmética, Geometria, Música e Astronomia; e trivium: Gramática, Retórica e

Lógica55.

______________ 54 ADLER, Mortimer J.; WOLFF, Peter. Foundations of Science and Mathematics. Chicago: William Benton

Publisher, 1960. 55 SMITH, D. E. History of Mathematics. 2 Volumes. Nova York: Dover, 1951. p. 2-3 (Vol. 2).

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Considere-se também que a Matemática, em sua essência, é alicerçada em linguagem

abstrata e simbólica. Fundamenta-se, além disso, no formalismo, na intuição, nas generalizações,

no logicismo e no uso de algoritmos. Em discussão que fez sobre o uso de símbolos, Weyl observou

que

não há como fugir do uso de símbolos em Matemática [...] Existem quatro tipos diferentes de símbolos que são distintos como as peças do jogo de xadrez: a) para constantes (conjuntos numéricos, por exemplo); b) para variáveis (x, y. z ...), com uma operação (~ , , por exemplo); c) ou múltiplas operações (s, =, por exemplo), e d) para integração (Ó, ∫, por exemplo)56.

A Matemática é uma atividade humana que se iniciou a cerca de quatro mil anos; é parte da

herança cultural da humanidade; é um assunto muito útil, belo e em constante progresso. O

pesquisador Andrew Russ Forsyth (1858-1942), membro da Associação Britânica para o Avanço de

Ciência disse, em 1897, que a "Matemática é umas das mais antigas das ciências; também é uma

das mais ativas; em razão de sua força tem o vigor de uma mocidade perpétua." Este pensamento

mostra uma característica peculiar da Matemática, que outras ciências, ao que parece, não

possuem com a mesma extensão. O passado, o presente e o futuro de seus conteúdos são

intimamente relacionados, fazendo a Matemática uma ciência cumulativa com seu passado sendo

sempre assimilado pelo seu presente e futuro57.

A Matemática, como expressão da mente humana, reflete a vontade ativa, a razão

contemplativa, e o desejo da perfeição estética. Segundo Courant e Robbins,

seus elementos básicos são a lógica e a intuição, a análise e a construção, a generalidade e a individualidade. Embora diferentes tradições possam enfatizar diferentes aspectos, é somente a influência recíproca destas forças antitéticas e a luta por sua síntese que constituem a vida, a utilidade, e o supremo valor da Ciência Matemática. Sem dúvida alguma, todo o desenvolvimento da Matemática tem suas raízes psicológicas em exigências mais ou menos práticas. No entanto, uma vez desencadeado pela pressão de aplicações necessárias, inevitavelmente ganha impulso por si e transcende os confins da utilidade imediata. Esta tendência da ciência aplicada para a teórica aparece na História Antiga e também em muitas contribuições à Matemática moderna por engenheiros e físicos 58.

______________ 56 WEYL, Hermann. Philosophy of Mathematics and Natural Science. Princeton: Princeton University

Press, 1949. p. 55. 57 KATZ, Victor. Using History to Teach Mathematics. Washington: Mathematical Association of America,

2000. p. 3. 58 COURANT, Richard; ROBBINS, Herbert. O que é a Matemática? Trad. de Adalberto da Silva Brito. Rio de

Janeiro: Ciência Moderna, 2000. p. 1.

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Na análise da liberdade criadora da Matemática, Pastor e Babini (1951), assim se

expressaram:

Na progressiva ascensão até os cumes mais abstratos, isto é, mais gerais, que caracteriza a Matemática desde o século XIX com aparente desvio da explicação do universo a que se consagrou o século anterior, há algo mais que virtuosismo de artistas que preferem a liberdade criadora a servil tarefa de resolver problemas propostos pela Física; sob esse impulso ascensional fica nas mentes mais profundas a convicção de que muitos desses problemas físicos, longínquos e diferentes, são manifestações externas de uma mesma estrutura íntima, que pode ser captada, isto é, expressa e explicada, mediante símbolos abstratos susceptíveis de muitas diferentes interpretações59.

A Matemática é indubitavelmente uma de maiores realizações intelectuais do homem. Sua

linguagem, processos e teorias estão presentes nas ciências, nas organizações e representam um

poder. Os cálculos matemáticos regem os projetos de Engenharia. A Metodologia da Matemática

inspirou os pensamentos social e econômico, enquanto os matemáticos influenciaram a Pintura, a

Arquitetura e a Música. Até a sobrevivência de uma nação depende hoje dos progressos da

Matemática. Finalmente, a Matemática tem se constituído em uma força importante para moldar as

visões do universo60.

Sobre a Lógica e a Filosofia da Matemática, Russel (2007) assim se definiu:

Os primórdios da Lógica Matemática são menos explicitamente conhecidos que sua parte mais recente, mas são de interesse filosófico pelo menos igual. Muito do que é exposto nos capítulos que se seguem não deve ser propriamente chamado de "Filosofia", embora as matérias envolvidas fossem incluídas na Filosofia quando não existia para elas nenhuma ciência satisfatória. A natureza da infinidade e da continuidade, por exemplo, pertenceu à Filosofia, mas hoje faz parte da Matemática. Talvez não se possa argumentar que a Filosofia da Matemática, no sentido estrito, inclui resultados científicos definidos; deve-se esperar, naturalmente, que a Filosofia da Matemática trate de questões na fronteira do conhecimento, com relação às quais ainda não se obteve certeza relativa. Mas a especulação acerca dessas questões dificilmente tenderá a ser frutífera, a menos que as partes mais científicas dos princípios da Matemática sejam conhecidas61.

Relacionando o ensino e o conhecimento matemático, Greer observou que,

______________ 59 PASTOR, J. Rey; BABINI, J. Historia de la Matemática. Buenos Aires: Espasa-Calpe, 1951. p. 333. 60 WIMBISH JR., G. Joseph. Readings for Mathematics: A Humanistic Approach. Belmont-Califórnia:

Wadsworth, 1972. p. 30. 61 RUSSEL, Bertrand. Introdução à Filosofia da Matemática. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 15.

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o ensino e o conhecimento matemático acadêmico envolvem as demandas de: 1. Cultura matemática acadêmica; 2. Ação da sociedade e do Estado para produzir trabalhadores matematicamente competentes; 3. Ecologia e humanidade global como fatores de influência para a formação de pensadores matemáticos críticos; 4. Comunidades multidisciplinares capazes de ensinar Matemática62.

Discutindo as variáveis críticas em Educação Matemática, Begle (1979) assim se

posicionou:

Uma condição prévia para o estudo da Matemática é uma compreensão clara da natureza da aprendizagem matemática. Eu adotei o seguinte modo de encarar a Matemática como uma forma útil sob o ponto de vista da Educação Matemática. Eu considero a Matemática como um sistema interrelacionado de símbolos e de abstrações63.

“A essência da Matemática é a liberdade”, disse Georg Cantor. Liberdade para construir,

liberdade para criar hipóteses. Estes aspectos da Matemática são reconhecidos no construtivismo e

no formalismo. No entanto, Cantor era crente em uma realidade matemática que transcende a

mente humana. Para Davis (1985), "estas construções, estes mundos imaginários impõem-nos

então sua ordem. Temos que reconhecer sua objetividade; são parcialmente conhecidos,

parcialmente misteriosos e difíceis de conhecer; parcialmente, talvez, não cognoscíveis"64.

A Matemática é considerada por alguns como uma ciência à parte, desligada da realidade,

vivendo na penumbra do gabinete, um gabinete fechado, onde não entram os ruídos do mundo

exterior, nem o sol, nem os clamores dos homens. Isso, só em parte é verdadeiro. Sem dúvida, a

Matemática possui problemas próprios, que não têm ligação imediata com os outros problemas da

vida social. Mas não há dúvida também de que os seus fundamentos mergulham tanto como os de

outro qualquer ramo da Ciência, na vida real; uns e outros entroncam na mesma matriz65.

Segundo Chevallard, Bosch e Gascón (2000), as atividades matemáticas concentram-se em

três grupos distintos: 1. Utilização de princípios e modelos matemáticos conhecidos (solução de

______________ 62 GREER, Brian et al. Culturally Responsive Mathematics Education. Nova York: Routledge, 2009. p.

346. 63 BEGLE, E.G. Critical Variables in Mathematics Education. Washington: Mathematical Association of

America National Council of Teachers of Mathematics, 1979. p. 1. 64 DAVIS, Philip J.; HERSH, Reuben. A Experiência Matemática. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985. p.

450. 65 CARAÇA, Bento de Jesus. Conceitos Fundamentais da Matemática. Lisboa: Tipografia Matemática,

1952. p. XII-XIV.

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problemas); 2. Aprendizagem e ensino da Matemática; 3. Criação de novos princípios e habilidades

matemáticas (caso dos pesquisadores matemáticos)66.

Em defesa da relevância e da indispensabilidade da Matemática para o desenvolvimento da

Ciência em geral, Colyvan (2002) argumentou que

uma das características mais intrigantes da Matemática é a sua aplicabilidade em ciências empíricas. Todo ramo de Ciência utiliza extensas partes, frequentemente diversas, de Matemática. Não são apenas as Ciências Físicas que utilizam os serviços de Matemática. A Biologia, por exemplo, faz uso extenso de equações diferenciais e Estatística [...] Realmente, tão importante é a linguagem matemática que é duro de imaginar como algumas teorias poderiam ser consideradas como tal sem a Matemática. Além disso, olhando para o mundo através de uma visão matemática, em inúmeras ocasiões as inovações matemáticas têm possibilitado o avanço da Ciência67.

Defendendo a relevância dos valores para a educação científica, Lacey (1998) mostrou a

importância de se admitir esta posição, assim se expressando:

Apresentei uma concepção sobre o caráter e a forma do entendimento científico. Ela sugere que a Ciência pode lidar com diferentes classes de possibilidades, dependendo das diferentes concepções dos valores sociais e do florescimento humano. Assim, ela tem implicações imediatas para a educação científica. A tarefa da educação científica, sugiro, não consiste apenas na formação dos estudantes no conhecimento, nas teorias, nas habilidades, nas metodologias e nas práticas apropriadas à pesquisa e à sua aplicação; nem consiste apenas em ensiná-los a ser competentes para avaliar quais teorias são corretamente aceitas em relação a determinados domínios de fenômenos e para apreender o que a ciência nos diz acerca do mundo em geral. A tarefa da educação científica é também desenvolver a autoconsciência crítica sobre o caráter da atividade científica e de suas aplicações e sobre as escolhas com as quais se defrontam seus participantes responsáveis68.

A Filosofia da Matemática, ao que tudo indica, disciplina o intelecto do professor e, ao mesmo

tempo, dá ferramentas para ampliar a sua capacidade de imaginação, ou seja, ao atribuir os

problemas da Educação às suas raízes na Filosofia, o professor vê esses problemas em

perspectiva mais ampla. Segundo Kneller (1970),

______________ 66 CHEVALLARD, Yves; BOSCH, Marianna; GASCÓN, Josep. Estudiar Matematicas. Barcelona: Ice-

Horsori, 2000. p. 15-16. 67 COLYVAN, Mark. The Indispensability of Mathematics. Oxford: Oxford University Press, 2001. p. 4. 68 LACEY, Hugh. Valores e Atividade Científica. São Paulo: Discurso Editorial, 1998. p. 139.

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seja qual for a conclusão final, essa autoanálise não pode deixar de fazer bem. Em qualquer senda da vida temos de possuir uma Filosofia própria, a fim de sabermos que rumo levamos. Se um professor ou um líder educacional não tiver uma Filosofia da Educação, será difícil que chegue a algum lado. E os alunos não terão outra alternativa senão caminhar sem rumo certo ou formular as grandes perguntas da juventude a outrem69.

Ressalte-se que um pensamento filosófico vivo implica três aspectos fundamentais: é

especulativo e sistemático, é dirigido pela meditação dos grandes autores do passado e alimenta-se

com as contribuições das investigações em outros domínios do pensamento. Se lhe falta uma ou

outra dessas dimensões, empobrece-se de forma significativa. Segundo Salman (1973):

A Filosofia é, em primeiro lugar, sistemática, ou seja, é uma elaboração de uma doutrina sabiamente organizada que pretende penetrar num aspecto da realidade, explicar sua natureza e definir seus últimos princípios constitutivos. A Filosofia, em seu conjunto, se divide em partes distintas, cada uma estudando um aspecto diferente do real, implicando investigações próprias, lançando mão de categorias particulares para resolver problemas definidos [...] A segunda dimensão essencial da investigação filosófica é de natureza histórica. O motivo é evidente. Os problemas a estudar não são novos e há séculos que os grandes pensadores da humanidade estão preocupados com isto. Estas especulações do passado têm um valor permanente [...] Resta uma terceira dimensão fundamental da investigação filosófica. Não é menos essencial que as outras duas, mas é geralmente mais desconhecida. Trata-se da informação científica, que deve fornecer à especulação seus elementos, sugerir suas primeiras sistematizações e permitir também suas verificações essenciais70.

Os problemas da Filosofia são de ampla relevância para as preocupações humanas, são

complexos em suas ramificações e se encontram, de diferentes formas, constantemente presentes.

Embora, no decorrer do tempo, esses problemas tenham sido submetidos à investigação filosófica,

tudo indica que necessitam ser reconsiderados em cada época à luz de conhecimentos científicos

mais vastos e a uma experiência ética mais profunda. Melhores soluções têm sido descobertas por

métodos mais refinados e rigorosos. Assim, quando se aborda o estudo da filosofia na esperança de

compreender o melhor do que ela proporciona, buscam-se tanto as questões fundamentais como as

realizações contemporâneas71.

______________ 69 KNELLER, George F. Introdução à Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. p. 166. 70 SALMAN, D. H. O Lugar da Filosofia na Universidade. Trad. de João Bosco Fonseca Lara. Petrópolis:

Vozes, 1973. p. 25-27. 71 BENACERRAF, Paul; PUTNAM, Hilary. Philosophy of Mathematics. Nova Jersey: Prentice-Hall, 1964. p.

390-391.

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As reflexões de caráter filosófico sobre a Matemática começaram na Antiguidade e foram

reativadas nos últimos anos, com muita intensidade. Pode-se afirmar que a Filosofia da Matemática

é, na atualidade, um ramo de alta complexidade e muito controvertido da Filosofia.

Com contínuos progressos, os novos e profundos resultados técnicos afastaram velhos

preconceitos, iniciando o que, no futuro, quando se voltar os olhos para o que está acontecendo,

poder-se-á caracterizar como um dos notáveis acontecimentos intelectuais da história do

pensamento. É cedo, ainda, para crer que se haja entendido, de modo cabal, o significado filosófico

dos recentes resultados técnicos. Um ponto, no entanto, está claro: as discussões filosóficas a

propósito da Matemática não podem ser feitas com real proveito ignorando-se os modernos

desenvolvimentos técnicos72.

Observe-se que a Filosofia da Matemática não é Matemática e nada tem a acrescentar aos

teoremas e teorias matemáticas. Pode-se dizer, em breve análise, que é uma reflexão sobre a

Matemática, suscitando suas próprias questões e respostas particulares. No entanto, apesar dessa

distinção, a ligação entre as duas disciplinas tende a ser realmente uma relação de aproximação e

de integração. Não se pode refletir com proveito sobre um tema se não se está familiarizado com

ele. E a reflexão sobre o que se está fazendo pode obviamente ser profícua ao tornar a ação mais

eficiente. Observe-se que, ao longo de sua história, a Matemática e a Filosofia têm-se influenciado

mutuamente.

Por outro lado, as avaliações filosóficas da Matemática em sua relação com a ciência

empírica e a Lógica têm sugerido problemas matemáticos e até mesmo levado a novos ramos da

própria Matemática, tais como as geometrias não-euclidianas e as álgebras abstratas da Lógica

Matemática73.

Considerando-se que o pensamento matemático não é apenas uma reflexão de natureza

altamente especializada e presente nas atividades cotidianas, os problemas da Filosofia da

Matemática dizem respeito tanto ao que é em geral familiar quanto às questões técnicas. Alguns de

seus problemas, possivelmente os mais importantes, fazem parte do dia a dia, independendo de

qualquer instrução específica, ao passo que outros só surgem posteriormente, numa longa e árdua

jornada através de alguma disciplina não-filosófica.

______________ 72 ERNEST, P. The Philosophy of Mathematics Education. Londres: Falmer Press, 1991. p. 165. 73 BARKER, Stephen, F. Filosofia da Matemática. Trad. de Leonidas Hegenberg e 0ctanny Silveira da Mota.

Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p. 51-54.

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Quando se analisam os enunciados matemáticos aparentemente autoevidentes ou

indubitavelmente verdadeiros verifica-se que tal ocorre porque são resultantes de objetos de algum

tipo especial, isto é, números, formas e classes. No entanto, a reflexão passa das questões

matemáticas mais familiares para questões menos familiares e mais técnicas de modo gradual e

inevitável. Qualquer tentativa de responder a essas questões conduz esse enunciado no contexto

do sistema de números naturais e possivelmente de sistemas numéricos ainda mais amplos. Vê-se,

portanto, que as questões formuladas sobre o enunciado aparentemente isolado estendem-se

imediatamente ao sistema ou sistemas a que ele pertence74.

Todas as implicações resultantes da resposta que um filósofo dê a uma questão tornar-se-

ão, naturalmente, mais claras quando se considerar a maneira pela qual ele lida com problemas

mais específicos, particularmente os controversos. Um desses problemas – e um dos mais

importantes – concerne à própria análise da noção de infinito. O problema surge num dos primeiros

estágios de reflexão sobre as possibilidades aparentemente ilimitadas de se continuar a sequência

dos números naturais e de se subdividir a distância entre dois pontos, ressurgindo em todos os

posteriores e mais sutis estágios de filosofar acerca de quantidades discretas e contínuas. Se, na

História da Matemática, uma nova época pode às vezes ser caracterizada por uma nova concepção

de quantidades e conjuntos infinitos, tal fato é até mesmo mais verdadeiro no que tange à história

da Filosofia da Matemática75.

Hersh (1995) questionou a relação entre a Filosofia da Matemática e o ensino dessa

disciplina, e ele mesmo responde:

Há uma influência recíproca. O Ensino da Matemática influencia a Filosofia da Matemática no sentido de que a Filosofia da Matemática deve ser compatível com a forma como a Matemática deve ser ensinada. Se a Filosofia ignora o Ensino da Matemática deve ser desprezada […]. O ensino é o coração da concepção humanística da Matemática [...] uma filosofia humanista da Matemática implica vínculos com o povo, com a sociedade, com a história [...] a adoção pelos professores de uma Filosofia Humanista da Matemática irá beneficiar a Educação Matemática76.

No âmbito da Filosofia da Matemática é de conveniência lembrar algumas concepções

atuais por meio de uma breve síntese das principais teorias destes últimos decênios. O

______________ 74 TYMOCZKO, Thomas. New Directions in the Philosophy of Mathematics. Princeton: Princeton

University Press, 1998. p. 49-50. 75 ASPRAY, William; KITCHER, Philip. History and Philosophy of Modern Mathematics. Minnesota:

University of Minnesota Press, 1988. p. 289. 76 HERSH, Reuben. What is Mathematics Really? Oxford: Oxford University Press, 1995. p. 237-238.

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conhecimento dessas concepções teóricas auxiliará, neste trabalho, a construção de bases para um

melhor entendimento da integração da Matemática com a Medicina. Em outras palavras, poderá

fornecer subsídios para defender a inclusão de disciplinas matemáticas nos cursos de Medicina.

Com uma visão de integração, analisando a intuição e a Lógica na Ciência, Poincaré (1995)

discutiu a relação entre os espíritos dos matemáticos “lógicos” – rigor apurado, busca da certeza,

longos cálculos – e os matemáticos intuitivos” – visão espacial, abordagem sumária, mundo

concreto. Defende Poincaré que a lógica e a intuição são complementares e que ambas as

correntes são necessárias ao desenvolvimento do pensamento matemático77.

Essas duas correntes de pensamento mencionadas por Poincaré (1995) e a idéia de

incompletude de Gödel são de interesse do presente trabalho e são abordadas a seguir, de forma

resumida.

a) O logicismo. O “realismo” matemático é uma visão de conjunto sobre a Matemática, sobre a sua natureza, fundamento e extensão, mas, como tal, não entra na técnica da disciplina78.

Uma visão afim, e com ela conexa, o “logicismo”, deu um grande impulso à Matemática, tanto na visão de conjunto, como na sua estrutura técnica79. O logicismo sustenta que as leis da Matemática

são deriváveis da lógica ou são “redutiveis” às leis lógicas; o desenvolvimento da matemática tem, em consequência, uma explanação rigorosamente lógica; da lógica decorre o fascínio, o rigor e a

exatidão80. Para Kleene (2002),

todo desenvolvimento de Matemática faz uso da Lógica. Um exemplo familiar é a apresentação da Geometria de Euclides em que os teoremas são deduzidos por meio da Lógica, a partir de axiomas (ou postulados), ou seja, qualquer conteúdo de Matemática exibe conexões lógicas. Desta forma, a Lógica é usada para organizar o conhecimento científico e como uma ferramenta de fundamentação e argumentação na vida cotidiana81.

b) O intuicionismo. A “coerência” no intuicionismo parece um critério imprescindível da construção matemática. Muitos intuicionistas referem-se a Kant afirmando que a “intuição pura” espaço-temporal é um dos fundamentos da Matemática, mas desenvolvem as suas teses no efetivo

______________ 77 POINCARÉ, Henri. O Valor da Ciência. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995. p. 13-25. 78 ERNEST, P. The Philosophy of Mathematics Education. Londres: Falmer Press, 1991. p. 94. 79 HAACK, Susan. Filosofia das Lógicas. Trad. de Cezar Augusto Mortari e Luiz Henrique de Araújo Dutra.

São Paulo: Editora da UNESP, 2002. p.25. 80 MANNO, Ambrogio Giacomo. A Filosofia da Matemática. Trad. de Armindo José Rodrigues. Lisboa:

Edições 70, s/n. p. 242. 81 KLEENE, Stephen Cole. Mathematical Logic. Nova York: Dover, 2002. p. 3.

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labor matemático. Alguns expõem com grande relevância as posições do intuicionismo, defendendo

que, na base da Matemática está o poder intuitivo fundamental da mente humana, válido mesmo

para outras formas de conhecimento como Arte, Filosofia, Literatura. A Matemática, nessa

concepção, tem como objeto, portanto, as “funções” da mente82.

Estabelecendo uma comparação das correntes dos matemáticos logicistas-formalistas e

dos intuicionistas, Körner (2009), estabelece algumas diferenças básicas entre essas duas linhas de

pensamento, afirmando que

o matemático clássico, o logicista e o formalista admitem como legítimos os enunciados relativos à "existência" de um número com certas propriedades, embora até agora nenhum método para construir tal número seja conhecido. O intuicionista não permite tais enunciados – teoremas de pura existência – em sua Matemática. Por conseqüência, não dá a devida atenção à crítica de ser estranho que um teorema matemático que mostra a construtibilidade real de um número se torne verdadeiro apenas depois de ter sido provado (por meio de seus métodos. Para o intuicionista, assim como para qualquer um que compreenda a posição intuicionista, segundo a qual "existência matemática" significa a mesma coisa que "construtibilidade real", nada há de estranho nessa situação. O que deve ser considerado construtibilidade real nunca foi, de fato, definido precisamente em termos gerais, mas – assegura o intuicionista – torna-se claro na prática83.

c) A incompletude e a demonstração de Gödel. Gödel buscou desiludir os que têm a

esperança de que o conjunto proposto para a Aritmética no passado, era de fato completo, ou que,

na pior das hipóteses, que se pode completar acrescentando simplesmente um número finito de

axiomas aos já existentes84.

Numa primeira conclusão, Gödel diz que é impossível fazer uma demonstração matemática

da coerência de um sistema bastante amplo para conter a Aritmética, a não ser que a demonstração

não use regras de inferência para certos aspectos essencialmente diferentes das regras de

transformação usadas na dedução dos teoremas no sistema dado. A segunda conclusão de Gödel é

que qualquer sistema em cujo âmbito possa ser desenvolvida a Aritmética, são “essencialmente incompletos”, ou seja, dado um “conjunto” qualquer de axiomas aritméticos, há nele proposições aritméticas logicamente verdadeiras, que não podem ser deduzidas do “conjunto”. A Matemática ______________ 82 BENACERRAF, Paul; PUTNAM, Hilary. Philosophy of Mathematics. Nova Jersey: Prentice-Hall, 1964. p.

42. 83 KÖRNER, Sthepan. The Philosophy of Mathematics – An Introdutory Essay. Nova York: Dover, 2009.

p. 128. 84 GODËL, Kurt. O Teorema de Godël e a Hipótese do Contínuo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

1979. p. 869.

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está repleta de proposições gerais, para às quais nunca se encontrou uma exceção e, no entanto,

não se encontrou para elas uma demonstração85. Na visão de Machado (1997), "na verdade, o

significado maior dos resultados de Gödel é de que os resultados da razão não se cingem ao dos

formalismos, de que novos princípios de demonstração devem ser desenvolvidos, sendo

problemática a identificação de raciocínios rigorosos com raciocínios formalizados"86.

É relevante lembrar que, com a demonstração de Gödel de que nenhum sistema pode

mostrar sua própria consistência, foi posto efetivamente um fim aos argumentos formalistas de

Hilbert, contrários ao teorema da incompletude. O programa de Hilbert defendia a exigência de uma

prova finitária da confiabilidade dos sistemas ideais da Matemática Clássica87.

Outras correntes filosóficas de pensamento como o nominalismo (que rejeita as concepções

abstratas, ideais, e admite apenas as realidades empíricas88), e o formalismo (em que os termos,

símbolos e regras vigentes no seio da Matemática não têm, per se, nenhum outro valor ou

significado além do estritamente “formal”89) são de interesse na Educação Matemática, mas fogem

ao escopo deste trabalho.

1.2 BASES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Em relação à Educação Matemática, incluindo Filosofia e História da Matemática, visa-se a

integração e busca-se discutir as condições de aprofundamento, continuidade e inserção em

projetos coletivos de investigação destes estudos.

Quando se aceita a evidente conclusão de que um matemático pode descobrir e provar

novas verdades matemáticas sem ser capaz de dizer quais são as características próprias de uma

prova ou verdade matemática, percebe-se a necessidade de algo que examine a Matemática, e

que, porém, esteja além da mesma, ou seja, percebe-se a necessidade de uma Filosofia da

______________ 85 GOLDSTEIN, Rebecca. Incompletude – A Prova e o Paradoxo de Kurt Gödel. São Paulo: Companhia

das Letras, 2008. p. 139-157. 86 MACHADO, Nilson José. Matemática e Realidade. São Paulo: Cortez, 1997. p. 37-38. 87 AUDI, Robert (Org.). Dicionário de Filosofia de Cambridge. São Paulo: Paulus, 2006. p. 462. 88 FRANÇOIS, Karen; BENDEGEM, Jean Paul Van. Philosophical Dimensions in Mathematics Education.

Melbourn: Springer, 2009. P. 1988 AUDI, Robert (Org.). Dicionário de Filosofia de Cambridge. São Paulo: Paulus, 2006. p. 462.

88 FRANÇOIS, Kare 2. 89 BARKER, Stephen, F. Filosofia da Matemática. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p. 129.

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Matemática. Enquanto o matemático visa um recorte da realidade, o filósofo se preocupa com a

realidade como um todo, analisando, de forma global, os pormenores.

Ao que tudo indica, não se pode considerar que a Filosofia da Matemática, no sentido

estrito, inclua resultados científicos definidos. Da Filosofia da Matemática esperar-se-á,

naturalmente, que trate de questões que se situam na fronteira do conhecimento humano e sobre as

quais ainda não se tem relativa certeza. Mas a especulação em torno dessas questões dificilmente

será frutífera, a menos que sejam conhecidas as partes mais científicas dos princípios da

Matemática.

Um pensamento marcante sobre a interação entre a Matemática e a Filosofia deve-se a

Laisant (1898) que assim se expressou: “Sem a Matemática não se penetra a fundo na Filosofia; Sem a Filosofia não se penetra a fundo na Matemática”90.

O estudo da História da Matemática é o valor do conhecimento histórico para o professor de

Matemática. O interesse dos alunos em seus estudos pode ser significativamente aumentado se a

solução dos problemas e a lógica fria das demonstrações forem temperadas notas históricas. Cajobi

(2007) defende que a História da Matemática

pode ser tão instrutiva como agradável; e pode não só relembrar-nos do que temos, mas pode também ensinarmos como aumentar a nossa bagagem [...] previne-nos contra conclusões contundentes; aponta a importância de uma boa notação sobre o progresso da ciência; desencoraja a especialização excessiva da parte do investigador, por mostrar como ramos aparentemente distintos possuem inesperadas conexões; isto impede o estudante de perder tempo e energia com problemas que estejam, talvez, resolvidos a longo tempo; desestimula o interessado de atacar a solução de um problema pelo mesmo método que levaram outros matemáticos a falhar; ensina que fortificações podem ser tomadas por outros caminhos além dos ataques diretos, e que, quando repelidos em resposta a um assalto direto, é bom alvitre reconhecer e ocupar o terreno vizinho e, assim, descobrir o caminho secreto pelo qual a aparentemente inconquistável posição possa ser ocupada. A importância desta norma "estratégica” pode ser enfatizada citando um caso em que fora violada91.

Além disso, a História da Matemática é importante também como uma valiosa contribuição

à História da Civilização. O progresso humano está intimamente identificado com o pensamento

científico. As pesquisas matemáticas e físicas são autênticos registros do progresso intelectual. A

______________ 90 LAISANT, C. A. La Mathématique, Philosophie, Enseignement. Paris: Georges Carré, 1898. p. 6. 91 CAJORI, Florian. Uma História da Matemática. Trad. de Lázaro Coutinho. Rio de Janeiro: Ciência

Moderna, 2007. p. 17.

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História da Matemática, além disso, abre um horizonte no qual a visão filosófica tira as lições das

épocas passadas e traça a linha do desenvolvimento intelectual.

Visando uma ampliação da cultura matemática e tirar lições da história, é de fundamental

importância o conhecimento da História da Matemática, buscando-se a fidelidade não só para com a

estrutura e exatidão matemáticas, mas também para com as perspectiva e detalhes históricos. A

importância da História da Matemática é enfatizada no pensamento de Aaboe (1984) que assim se

expressou:

É muito estimulante descobrir a maneira de pensar das grandes mentes do passado distante, e nas ciências matemáticas pode-se reconhecer quando a ressonância e obtida com um grau muito mais alto de certeza do que em qualquer outro campo. É um privilégio conduzir outros pelos caminhos percorridos pela primeira vez há tanto tempo, ou, segundo uma bela frase antiga, fazer com que os antigos falem novamente, em seus túmulos. Não há, contudo, nenhum substituto real para a leitura dos próprios matemáticos antigos, e se este livreto conseguir induzir alguns de seus leitores a fazerem isso, terá desempenhado bem sua tarefa92.

Observe-se que na década de 1980, surgiu na Educação Matemática o movimento da

Educação Matemática Crítica93. Esse movimento se preocupa fundamentalmente com os aspectos

políticos da Educação Matemática. Em outras palavras, traz para o centro do debate da Educação

Matemática questões ligadas ao tema “poder”. Conduz a perguntas como: a quem interessa que a

Educação Matemática seja organizada dessa maneira? Para quem a Educação Matemática deve

estar voltada? Como evitar preconceitos nos processos analisados pela Educação Matemática que

sejam nefastos para grupos de oprimidos?

A Filosofia da Matemática busca fazer uma objetiva análise crítica, reflexiva, sistemática e

universal, ao tratar de temas associados à Matemática. Não pode ser confundida com a

Matemática, uma vez que não se pode fazer matemática mediante a construção do conhecimento

dessa ciência. A Filosofia da Matemática dedica-se a entender o significado da Matemática no

mundo, no mundo da ciência, o sentido que faz para o homem, de uma perspectiva antropológica e

psicológica, a lógica da construção do seu conhecimento, os modos de expressão pelos quais

aparece ou materializa-se, cultural e historicamente, a realidade dos seus objetos, a gênese do seu

______________ 92 AABOE, A. Episódios da História Antiga da Matemática. Trad. de João Bosco Pitombeira de Carvalho.

Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 1984. p. 8. 93 SKOVSMOSE, Ole. Educação Matemática Crítica – A Questão da Democracia. Campinas: Papirus,

1997. p. 95.

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conhecimento. Bicudo e Garnica (2006) tornam claras essas diferenças conceituais, com

questionamentos e respostas:

As perguntas básicas da Filosofia – "O que existe?", "O que é o conhecimento?", "0 que vale?" –, são trabalhadas pela Filosofia da Matemática, focalizando especificamente os objetos matemáticos. Desdobram-se em termos de "Qual a realidade dos objetos matemáticos?", "Como são conhecidos os objetos matemáticos e quais os critérios que sustentam a veracidade das afirmações matemáticas?", "Os objetos e as leis matemáticas são inventados (construídos) ou descobertos?" O tratamento dessas questões é relevante para a autocompreensão da Matemática e necessário para a definição de propostas curriculares, por determinar escolhas de conteúdos, atitudes de ensino, expectativas de aprendizagem, indicadores de avaliação94.

Na atualidade, admite-se que o valor da Matemática, que lhe possibilita uma avaliação

significativamente positiva, está no cerne da sua construção como ciência, tanto nos procedimentos

lógicos, caracterizados pelos modos de inferência indutiva e dedutiva; quanto em seu caráter de

precisão, manifestado por meio da linguagem formal – também entendida como simbólica – como

pela quantificação e pelo cálculo – que foram transpostos para as demais ciências. Daí, nessa

perspectiva, sua relevância para a sociedade nas suas aplicações como ciência básica da

tecnologia que pode conduzir ao ideal de bem estar e de progresso.

Questionando sobre os novos rumos da Educação Matemática na busca da equidade

social, Adajian, Secada e Fennema (2003) assim se manifestaram:

Perguntamos sobre os benefícios do trabalho duro que nós estamos realizando neste penoso empreendimento. Todos os educadores esperam e estão profundamente decididos a transformar as escolas visando um aperfeiçoamento contínuo. Os esforços visam uma melhora contínua do currículo e do ensino nestas instituições [...] Buscam concepções mais democráticas de equidade, para reduzir os conflitos de gênero, de classe, minimizando as desigualdades sociais dentro e fora da escola, e este objetivo é cada vez mais relevante95.

Por outro lado, a Filosofia da Educação Matemática busca elaborar a análise crítica e

reflexiva das propostas e ações educacionais no tocante ao ensino e à aprendizagem da

Matemática nos diferentes contextos em que ocorrem: nas instituições de ensino, na mídia, nas

famílias, na rua. A Filosofia da Educação Matemática também se propõe a resolver questões sobre

______________ 94 BICUDO, M. A. V.; GARNICA, Antonio Vicente Marafioti. Filosofia da Educação Matemática. São Paulo:

Autêntica, 2006. p. 29. 95 ADAJIAN, Lisa Byrd; SECADA, Walter G.; FENNEMA, Elizabeth. New Directions for Equity in

Mathematics Education. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 345.

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o conteúdo a ser ensinado e a ser apreendido e, desse modo, necessita-se das análises e reflexões

da Filosofia da Matemática sobre a natureza dos objetos matemáticos, da veracidade do

conhecimento matemático, do valor da Matemática. Segundo Bicudo e Garnica (2006):

O trabalho nuclear da Filosofia da Educação Matemática é analisar criticamente os pressupostos ou as idéias centrais que articulam o currículo ou a proposta pedagógica, buscando esclarecer suas afirmações e a consonância entre as ações visualizadas. Por exemplo: "Há consistência entre a concepção de educação, de ensino, de aprendizagem, de conteúdo matemático veiculado e concepções de Matemática e conhecimento matemático, atividades propostas e desenvolvidas, avaliação proposta e efetuada na realidade escolar ou educacional?" "Da análise efetuada, que ações podem ser indicadas e com que intenção ou em nome de qual política?", Esse trabalho, entretanto, como foi apontado no item sobre Filosofia da Educação, pode ser efetuado de diferentes modos conforme a postura filosófica ou os pressupostos filosóficos assumidos96.

A Filosofia da Educação Matemática movimenta-se, portanto, construindo seu modo de

argumentar, de articular idéias, de pesquisar, de agir na realidade educacional, de expressar seu

pensamento por meio de uma linguagem apropriada ao seu universo de questionamento.

1.3 A MATEMÁTICA E O APRIMORAMENTO DA INTELIGÊNCIA

Embora seja um tema polêmico, nesse amplo horizonte de correntes filosóficas, muitos

profissionais do ensino da Matemática mantêm, ao longo do tempo, a convicção de que o

conhecimento dessa disciplina contribui de maneira singular e marcante para o aprimoramento da

inteligência e para o desenvolvimento da capacidade de pensar. É verdade que, durante algum

tempo, muitos profissionais de outras áreas, incluindo a área de saúde, voltaram-se contra o

pensamento desses professores, afirmando que suas convicções eram infundadas, pois não há

transferência de experiências entre diferentes campos de conhecimentos. Em razão da longa e

paciente espera por parte dos docentes de matemática, parece que muitos daqueles profissionais

mudaram de opinião. O problema maior que se apresenta é a busca da verdade matemática97.

______________ 96 BICUDO, M. A. V.; GARNICA, Antonio Vicente Marafioti. Filosofia da Educação Matemática. São Paulo:

Autêntica, 2006. p. 34. 97 BOURBAKI, Nicolas. Éléments d’ Histoire de Mathematiques. Paris: Hermann, 1969. p. 21.

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Onde estará a verdade? Pode-se considerar como válida a defesa da importância da

Matemática pela sua marcante influência no raciocínio de qualquer área do conhecimento humano,

particularmente na Medicina?

Questionando se os estudiosos de Matemática pensariam melhor, Wimbish (1972),

reconhecendo a dificuldade do problema, deixa a resposta no ar:

Finalmente, vamos discutir o último mito no programa de trabalho. Com que freqüência você ouviu, "Estudando Matemática você pensará melhor?" Isto é um argumento que foi usado por muitos anos para alunos iniciantes de Geometria para incentivá-los a completar o curso com sucesso. Muitos alunos corretamente suspeitam que existe mais a pensar do que provar teoremas de interesse e valor um pouco duvidosos para eles. Os mais astutos perceberão que existe mais conteúdo em Geometria. Certamente, quando se atingiu o nível acadêmico, o argumento pode ser avançado e muitos defenderam que um aluno pode pensar suficiente bem sem suportar o trauma de estudar Matemática. A noção que Matemática ajuda que você pense melhor conduz a voltar até Platão (apesar do fato que seu professor, Sócrates, disse que os matemáticos não podiam pensar). Desde a época em que os gregos antigos foram mencionados, nós poderíamos continuar a dizer que a primeira academia de artes liberais foi fundada por Pitágoras e todos nós sabemos que Pitágoras era um matemático. Nós não precisamos ter muita criatividade para saber quais as habilidades que a Matemática ensinou em nossa escola. Isso aconteceu há 2600 anos atrás. Como será hoje? Não pode haver uma resposta única essa pergunta seja respondida individual ou coletivamente. Parece que você deve responder por si mesmo98.

Em alusão às características da Matemática, admitia Sócrates que os estudos dessa

disciplina eram os mais indicados para desenvolver as faculdades, fortalecer o raciocínio e iluminar

o espírito. Afirmou Sócrates:

Já notei que aqueles que sabem calcular naturalmente e sem dificuldade, são dotados de uma inteligência capaz de fazer progressos rápidos em todas as artes, e que as criaturas de espírito tardio e pouco aberto se tornam, quando exercitadas na Aritmética, mais engenhosas e mais inteligentes99.

Observe-se que, no tempo de Sócrates, os cálculos numéricos eram complicadíssimos e

exigiam grande atenção, desmedido esforço e não pequena habilidade do calculista. Veja-se que

uma parte significativa dos matemáticos da Antiguidade eram também filósofos100.

______________ 98 WIMBISH JR., G. Joseph. Mathematics: A Humanistic Approach. Belmont-Califórnia: Wadsworth, 1972.

p. 3-4. 99 TAHAN, Malba. Didática da Matemática. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 1961. p. 7. 100 CUMSTON, Charles Greene. An Introduction to the History of Medicine. Nova York: Dorset, 1987. p.

72.

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51

Uma pesquisa de grande significação parece mostrar a importância da aprendizagem da

Matemática no desenvolvimento mental, incluindo a maior facilidade no entendimento de outras

disciplinas. Na obra de Devlin (2006), encontra-se o seguinte relato:

Em 1997, o Departamento de Educação dos Estados Unidos publicou um relatório oficial (o Relatório Riley, assim chamado em homenagem ao Secretário de Educação) ressaltando a importância da Matemática no ensino do curso médio para conseguir ingresso na universidade, e sucesso no mercado de trabalho, especificamente para os estudantes de baixa renda. Usando dados de diversos estudos de longo prazo, o relatório em questão descobriu que 83% dos estudantes de ensino médio que tinham estudado Álgebra e Geometria ingressavam na universidade, um número maior que o dobro (36%) do de estudantes que não estudaram essas matérias101.

Isso indica que os estudantes de baixa renda que estudavam Álgebra e Geometria tinham

uma probabilidade quase três vezes maior de ingressar numa universidade do que os que não

estudavam essas disciplinas. De acordo com Boyer

Deve ser lembrado que a Matemática tem sido frequentemente comparada a

uma árvore, pois cresce numa estrutura acima da terra, espalhando-se e

ramificando-se continuamente, enquanto, simultaneamente, suas raízes cada

vez mais se aprofundam e se alargam, em busca de fundamentos mais sólidos.

A História mostra esse duplo crescimento, com a rápida expansão das teorias e

aplicações matemáticas na área da saúde, divulgadas, principalmente, pelos

pesquisadores e professores da área102.

Observe-se que o trabalho dos professores de Matemática visa ensinar, entre outros

objetivos, a natureza do raciocínio dedutivo, com vistas à descoberta de pressuposições escondidas

e de argumentos enganosos, treinando seus discípulos de forma a serem precisos no pensamento e

na maneira de falar, prevenindo-os contra generalizações apressadas. Entenda-se que, no

raciocínio dedutivo, parte-se do geral para o particular, do todo para as partes.

Não se pode negar que algumas pessoas temem que a ênfase dada atualmente à

Matemática e à Ciência acarrete um enfraquecimento da educação liberal, incluindo a área da

saúde. Ao que se pode constatar, os professores de Matemática não compartilham deste medo. Se

a educação liberal é aquela que liberta a mente, a Matemática pode desempenhar um papel

______________ 101 DEVLIN, Keith. O Gene da Matemática.Trad. de Sergio Moraes Rego. Rio de Janeiro: Record, 2008. p.

303. 102 BOYER, Carl B. História da Matemática. Trad. de Elza F. Gomide. São Paulo: Edgard Blücher, 1974. p.

435.

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importante nessa educação. Os conteúdos dos programas contemporâneos abrem uma visão cada

vez mais ampla no ensino da Matemática103.

O exemplo da Geometria Não-Euclidiana, fundamentada no desenvolvimento de uma “reta” sobre uma superfície curva, mostra esta nova visão que indica, de um lado, a amplitude e a

profundidade do pensamento matemático e, de outro, a flexibilidade e a capacidade de adaptação

do raciocínio próprio da Matemática, considerada por alguns como a “Rainha das Ciências”. Quando, durante o estudo da Geometria Esférica, um hemisfério no qual são identificados pontos

diametralmente opostos do círculo que o limita é considerado como um plano de Riemann ou um

plano riemanniano104. Na Geometria Euclidiana105 aprende-se que a soma dos ângulos de um

triângulo vale 180°, enquanto, no espaço riemanniano, vale mais do que 180°. Assim, verifica-se

que todas as conclusões obtidas por dedução têm caráter relativo. Enfatiza-se, desta forma, a busca

de hipóteses sobre as quais é baseado um raciocínio matemático. Isto constitui uma experiência de

pensamento crítico de valor incalculável para pessoas que vivem ou irão viver no mundo de hoje106.

Ao mostrar, por outro lado, que a Geometria Não-Euclidiana admite a soma dos ângulos

maior que dois retos (geometria elíptica), observada sobre a superfície de uma esfera, Riemann

essencialmente provou a consistência dos axiomas de que a Geometria deriva. No mesmo sentido,

Eugênio Beltrami mostrou que havia disponível um modelo para a Geometria de Lobachevsky107.

Esse modelo se fundamenta na superfície gerada pela revolução de uma tratriz em torno de sua

assíntota. Esta superfície é denominada pseudo-esfera por ter curvatura negativa constante, na qual

a soma dos ângulos internos de um triângulo é menor que dois retos, diferentemente da concepção

riemanniana que admite a esfera tem curvatura positiva constante, na qual, como já se fez menção,

a soma dos ângulos internos de um triângulo é maior que dois retos108.

Se for definido que a "reta" entre dois pontos da pseudo-esfera como a geodésica por esses

pontos, a geometria resultante, denominada Geometria Hiperbólica, terá as propriedades que

resultam dos postulados de Lobachevsky. Como o plano é uma superfície com curvatura constante

______________ 103 TYMOCZKO, Thomas. New Directions in the Philosophy of Mathematics. Princeton: Princeton

University Press, 1998. p. 9-10. 104 BARKER, Stephen, F. Filosofia da Matemática. Trad. de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da

Mota. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p. 52. 105 HEATH, Sir Thomas. A History of Greek Mathematics. Dois volumes. Nova York: Dover, 1981. p. 310-

314. 106 BOYER, Carl B. História da Matemática. Trad. de Elza F. Gomide. São Paulo: Edgard Blücher, 1974. p.

396-397. 107 EVES, H. Introdução à História da Matemática. Trad. de Higyno H. Domingues. Campinas: Unicamp,

2004. z\Xc, p. 541-542. 108 BARBARIN, P. La Géométrie Non Euclidienne. Paris: Gauthier,1920. p. 9-15.

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nula, a Geometria Euclidiana pode ser considerada como um intermediário entre os dois tipos de

Geometria Não-Euclidiana, a Elíptica ou Riemanniana e a Hiperbólica ou Lobachevskiana109.

Através da Geometria Não-Euclidiana, os estudantes de hoje entram também em contato

com um dos grandes problemas não resolvidos da Cosmologia: o universo físico é euclidiano,

riemanniano ou lobachevskiano?

Vale lembrar que os estudantes que aprenderam, pelo uso das coordenadas cartesianas,

que a Geometria Plana é uma Geometria de pares ordenados de números reais, entendem que a

geometria contemporânea tem n dimensões, com n maior do que 3. Assim, pode-se constatar que

os novos programas realçam a contribuição que o estudo da Matemática pode dar à educação

liberal, ou seja, estimulam a imaginação e cultivam o pensamento rigoroso, mas não rígido. Além

disso, encorajam a ampliação dos horizontes, a flexibilidade de pensamento e a visão crítica, e esse

fato gera reflexos certamente positivo na hipótese de integração entre a Matemática e a Medicina,

base deste trabalho.

As observações e as generalizações quantitativas em qualquer campo de estudo, em

particular na Medicina, não só facilitam como estimulam o uso de um tratamento matemático. Pode-

se de fato, ir além e afirmar que sempre será necessário um tratamento matemático, desde que não

sejam excluídos alguns procedimentos simples de Aritmética. Em alguns casos, o tratamento

matemático deve ser elaborado, mas, em outros, não precisa ultrapassar a simplicidade dos

cálculos. Observe-se que a importância de uma conclusão deve ser julgada pela complexidade da

Matemática utilizada para alcançá-la. Vale lembrar que Mendel nada mais fez do que calcular

algumas proporções ao derivar os princípios que são a base de toda a Genética, embora,

reconhecidamente, tenha utilizado um pouco de Álgebra para deduzir algumas de suas

consequências. O tratamento matemático dependerá, na realidade, da natureza do problema, do

tipo de experimento e da observação. Se exigir métodos complexos, métodos complexos devem ser

usados; mas sempre com prudência, pois em Ciência uma superelaboração nem sempre esclarece

e pode, facilmente, obscurecer certos pontos de discussão.

O fator fundamental na ciência quantitativa, como em qualquer outra ciência, é uma clara

compreensão do problema e da evidência necessária para formulá-lo; e, em princípio, esta clareza

não é uma questão de Matemática, porquanto, por mais refinada e sofisticada que seja, a

Matemática não poderá jamais pensar pelo analista. Não pode jamais substituir o bom senso, a

______________ 109 BARKER, Stephen, F. Filosofia da Matemática. Trad. de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da

Mota. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p. 54-55.

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consideração cuidadosa e a compreensão dos fundamentos. Todavia, usada convenientemente, a

Matemática dará aos raciocínios e análises uma precisão e agudeza impossíveis de alcançar de

outra forma, e frequentemente ajudará a aprofundá-los, o que seria também impossível de outra

forma. Constitui, de fato, um auxílio poderoso quando usado adequadamente, e uma ajuda da qual

não se pode prescindir110.

No sentido técnico, os princípios e artifícios matemáticos são independentes do uso que se

lhes procurem dar, observando-se que a Metodologia da Matemática, desde os seus primórdios, se

fundamenta, entre outros aspectos, na análise, na síntese e na redução ao absurdo111. Mas, quando

se passa a aplicar esses princípios e métodos à exploração de uma dada situação e à solução de

problemas particulares, seu uso deve refletir o tipo de raciocínio que este sendo elaborado. Tudo

indica ser necessária a familiaridade com o uso da Matemática em raciocínio dedutivo, onde se

procuram desenvolver as consequências particulares de um postulado geral: na verdade, a dedução

rigorosa é inerente ao desenvolvimento da Matemática, análogo ao da Geometria Euclidiana.

Por outro lado, a linguagem matemática que se usa depende do tipo de problema que se

enfrenta. O descobrimento de novas técnicas oferece frequentemente a possibilidade de tratar de

modo quantitativo os problemas novos, e inversamente a necessidade de resolver novos problemas

pode conduzir ao desenvolvimento imprevisto de técnicas matemáticas.

A partir deste ponto de vista, constata-se que foram observados poucos progressos na

Medicina. Não interessa discutir aqui se, como sustentam alguns, a Medicina não desenvolveu sua

própria técnica matemática porque seus problemas são demasiado complexos; ou se, como

afirmam outros, ao ser uma ciência com amplas implicações práticas, seus cérebros têm se

dedicado em muitos casos a uma atividade prática contínua que os tem separado substancialmente

da teoria de sua ciência. Ao contrário, interessa estabelecer que, pelo menos no momento atual, os

progressos na interpretação matemática dos problemas da Medicina têm sido obtidos utilizando, por

exemplo, o cálculo integral e diferencial e o cálculo estatístico-probabilístico.

1.4 BASES PARA A INTEGRAÇÃO CURRICULAR MEDICINA - MATEMÁTICA

______________ 110 TYMOCZKO, Thomas. New Directions in the Philosophy of Mathematics. Princeton: Princeton

University Press, 1998. p. 215-216. 111 DAUZAT, M. Éléments de Méthodologie Mathématique. Paris: Vuibert et Nony, 1908. p. 7-11.

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Tudo leva a crer que o entendimento da necessidade da integração dos currículos da

Medicina com a Matemática é uma prova substancial da relevância acadêmica do presente tema,

uma vez que permitirá a geração de novos conhecimentos, condição para a apresentação deste

estudo. Por outro lado, julga-se que o tema se reveste de relevância social, considerando-se a

importância do papel dos profissionais da Matemática e da Medicina para a sociedade, na hipótese

do exercício de atividades integradas como ocorreu com o Projeto Genoma Humano.

Abordando a relevância da pesquisa interdisciplinar, Fazenda (2002) defende que

Fazer pesquisa significa, numa perspectiva interdisciplinar, a busca da construção coletiva de um novo conhecimento onde este não é, em nenhuma hipótese, privilégio de alguns, ou seja, apenas dos doutores ou livre-docentes na Universidade. Fazer pesquisa numa perspectiva interdisciplinar, hoje nos parece, muito mais do que nos parecia até mesmo quando da realização de todos estes trabalhos citados, a busca da construção coletiva, em construção coletiva, em parceria, a quatro mãos, a seis, a muitas outras mais. [...] A tese é de que o velho sempre pode tornar-se novo, e de que em todo o novo sempre existe algo de velho. Novo e velho – faces da mesma moeda – depende da ótica de quem as lê, da atitude de quem as examina – se disciplinar ou interdisciplinar112.

Como já se fez menção, mostra a História ter surgido um divisor de águas que revolucionou

o ensino na área da saúde que foi a publicação, em 1910, do Relatório Flexner, contendo uma

crítica à situação da Medicina, propondo soluções para a questão. Descrevendo a situação de

muitas das 155 Faculdades de Medicina dos Estados Unidos daquela época, o educador Abraham

Flexner (1866-1959), redator do famoso relatório, revolucionou a Educação Médica americana e

também a européia, desde então. O Relatório Flexner foi responsável, conforme antes mencionado,

pelo fechamento de 123 escolas médicas nos anos seguintes, que não tinham condições

consideradas adequadas de ensino. Foram mantidas somente 32 delas.

O ensino da Medicina era, segundo Flexner, "uma aventura privada, mercantilizada no

espírito e no objeto que carecia, sobretudo, de bases científicas”. Tal fato significava, para os progressistas, uma heresia, já que sonhavam com um mundo da ciência”113.

As modificações nos cenários médico e científico sugeridas pelo relatório de Flexner

levaram, portanto, a uma radical mudança curricular ao exigir uma sólida formação científica pré-

médica, constando de conhecimentos de Física, Química e Biologia. Embora Flexner não tenha

______________ 112 FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez, 2002. p.161. 113 FLEXNER, Abraham. Medical Education in the United Sates and Canada. North Stratford: Ayer, 2003.

p. 24.

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citado explicitamente a necessidade da disciplina Matemática, entende-se esta não inclusão pela

inexistência, na época, de necessidades específicas como, por exemplo, de um ferramental

matemático necessário ao entendimento de assuntos complexos como a teoria dos Modelos

Matemáticos. Flexner considerava improvável que os conhecimentos necessários pudessem ser

adquiridos na escola secundária; alegava que os estudantes não teriam maturidade para a

compreensão dos conteúdos daquelas disciplinas. Somente após um mínimo de dois anos de

estudo dessas disciplinas básicas dentro das universidades, haveria a introdução dos conteúdos

considerados próprios das ciências médicas como Anatomia, Fisiologia, Patologia, Microbiologia,

Farmacologia, acompanhados de laboratórios e de professores que simultaneamente se dedicariam

ao ensino e à pesquisa114.

Na rota desta linha de raciocínio, neste trabalho defende-se a necessidade da integração

dos conteúdos curriculares das Faculdades de Medicina com a Matemática. Admite-se, neste

trabalho, que a pirâmide dos conhecimentos humanos, que engloba as etapas de aquisição,

aperfeiçoamento e integração, esta última etapa é a de maior relevância e a mais difícil de ser

atingida (figura 1, seguinte). Não seria o caso de implantar-se, nas Faculdades de Medicina,

disciplinas como Modelos Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática, Simulação ou Otimização?

Figura 1. Pirâmide dos conhecimentos.

______________ 114 FLEXNER, Abraham. Medical Education in the United Sates and Canada. North Stratford: Ayer, 2003.

p. 25-26.

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Brunschvicg (1945), analisando a situação de aparente predominância da Matemática no

começo do século XIX, defendendo uma posição de integração entre a Matemática e a Biologia,

observou que

as Ciências Matemáticas reinavam soberanas nessa sociedade, evidentemente aperfeiçoadas pelos trabalhos de Euler, de Bernouilli, de Clairault, de d'Allambert, de Laplace, haviam chegado a uma tal preponderância, a uma tal importância que abarcavam, como de seu domínio, a Astronomia e a Física; que tinham que fazer o mesmo com a Química e também com a Mineralogia, por intermédio da Cristalografia. As ciências naturais propriamente ditas, tanto nos seres como nos fenômenos com que se ocupavam, prestando-se pouco ou nada a uma aplicação das matemáticas [...] A Biologia parecia separar-se da Matemática pela interpretação anti-científica de que esta disciplina tinha sido, em épocas anteriores, vítima da Biologia, admitindo-se que a Matemática permitia ser conduzida novamente aos quadros da lógica escolástica. Desta forma, as críticas dirigidas alternativamente contra a Biologia sob o ponto de vista matemático e contra a Matemática sob o ponto de vista biológico, não eram opostas senão em aparência115.

Um forte argumento em defesa da integração entre diferentes áreas é o exemplo do projeto

genoma, um consórcio internacional, composto pelos Estados Unidos, Europa e Japão, que tem por

objetivo mapear todos os genes da espécie humana até o ano de 2025. Os seus objetivos

fundamentais na área da saúde incluem a melhoria e simplificação dos métodos de diagnóstico de

doenças genéticas, a otimização das terapêuticas dessas doenças genéticas e a prevenção de

doenças multifatoriais.

Os responsáveis pelo projeto acreditam que a descoberta da posição de cada gene, além

de sua composição e função no organismo, é a chave para o diagnóstico e a cura de muitas

doenças, como câncer, obesidade, diabetes, doenças auto-imunes e hipertensão. Os críticos do

projeto, no entanto, alertam para o perigo do uso indevido das informações genéticas. Candidatos a

emprego, por exemplo, poderiam ser recusados com base em testes capazes de revelar

predisposição genética para certas doenças, como o alcoolismo116.

Uma corrida egoísta de grandes proporções vem sendo travada no meio científico mundial,

envolvendo universidades de ponta, ganhadores do Prêmio Nobel, financiadores de pesquisa e

multinacionais farmacêuticas. Há muitas trocas de acusações deselegantes explicadas pela

______________ 115 BRUNSCHVICG, Leon. Les Étapes de la Philosophie Mathématique. Paris: Albert Blanchard, 1993. p.

611. 116 WILKIE, Tom. Projeto Genoma – Um Conhecimento Perigoso. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. p. 87-113.

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importância que essa empreitada tem para o mundo da Biologia, da Genética e da Medicina. É no

genoma que estão todas as instruções de funcionamento do organismo humano. Os médicos

cuidarão de doenças da mesma maneira que os engenheiros de software consertam programas de

computadores, eliminando as linhas defeituosas.

O projeto genoma humano possibilitou a criação de um código de ética que protege os

direitos humanos (Declaração Universal sobre o Genoma Humano e Direitos do Homem),

envolvendo, portanto, a área do Direito.

O conhecimento gerado pelo projeto genoma humano tem possibilitado, enfim, um maior

entendimento da diversidade genética humana e o desenvolvimento de diagnósticos e prognósticos

sobre doenças de origem genética sendo também de grande importância no desenvolvimento de

medicamentos para diversas doenças. As informações podem se diretamente obtidas dos principais

centros de pesquisa envolvidos via Internet. Dados atualizados dos mapeamentos e

seqüenciamentos estão sempre sendo atualizados. Outro aspecto a observar é que o

desenvolvimento de novas tecnologias relacionadas à análise de genes são usadas em estudos dos

mais diversos organismos que auxiliam no entendimento do genoma humano.

O projeto genoma humano, ao que tudo indica, é um passo pioneiro que mostra a

integração entre diferentes áreas do saber, principalmente a Computação, a Matemática, o Direito e

a Medicina. Sem essa integração, o projeto genoma humano não poderia ter o sucesso que,

indubitavelmente, alcançou.

Em defesa dessa integração, procurou-se mostrar que o conhecimento das bases filosóficas

da Matemática e da Educação Matemática contribui para tornar realidade a desejada e necessária

integração curricular da Matemática com a Medicina, tomando-se como paradigma o sucesso do

projeto genoma. Concretizando-se essa integração proporcionada pela Educação Matemática

certamente serão acrescentados marcantes benefícios à Educação Médica, conduzirá à melhoria do

perfil do médico a ser formado e resultará em benefícios concretos para a saúde da sociedade

brasileira.

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59

CAPÍTULO II

MODELOS MATEMÁTICOS NA MEDICINA

2.1 BIOMATEMÁTICA E MODELOS MATEMÁTICOS

Como já mencionado, os obstáculos existentes para inclusão de disciplinas matemáticas

nos currículos de Medicina estão associados a Modelos Matemáticos, Biomatemática,

Bioinformática, Simulação ou Otimização, que alicerçam os conteúdos curriculares passíveis de

inserção.

Nessa linha de pensamento, ressalte-se que são inegáveis os benefícios que foram

impulsionados pelas transformações tecnológicas dos últimos anos, resultado da pesquisa

multidisciplinar na qual a Matemática tem contribuído de forma significativa. E essa proximidade

entre pesquisa e aplicação estimula o interesse de estudantes em áreas que promovem o

desenvolvimento de várias competências. A importância marcante das disciplinas Modelos

Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática, Simulação e Otimização, parece mostrar a incoerência

da não inclusão de disciplinas matemáticas nos currículos médicos.

De fato, os problemas multidisciplinares envolvem a todos os que trabalham em equipes na

busca de objetivos comuns. Entretanto, podem ser problemas de alta complexidade e, para serem

solucionados, exigem habilidades especializadas em diferentes áreas que conciliem desde a

linguagem até a definição de prioridades na estratégia de resolução dos problemas.

Particularmente, os problemas em Biomatemática – aqui o termo é usado com significado

amplo da Matemática aplicada à Biologia – têm proporcionado um vasto campo de pesquisa como

também oportunidades de trabalho fora do meio acadêmico. Assim, é animador o movimento que

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vem se concretizando na área médica com a aceitação de Modelos Matemáticos, divulgando o

sentimento da necessidade de aprofundamento dos conhecimentos matemáticos com aplicações

nesses modelos117.

Observe-se, por outro lado, que o fator fundamental nas ciências quantitativas, como em

qualquer outra ciência, é uma clara compreensão do problema e da evidência necessária para

formulá-lo; e, em princípio, esta clareza não é uma questão de Matemática, porquanto, por mais

refinada e sofisticada que seja, essa disciplina não poderá jamais substituir os procedimentos

humanos. Não pode jamais substituir o bom senso, a consideração cuidadosa e a compreensão dos

fundamentos a serem aplicados. Todavia, usada convenientemente, a Matemática dará aos

diferentes raciocínios e análises uma precisão e agudeza difíceis de alcançar de outra forma, e

frequentemente ajudará a aprofundá-los, o que seria também improvável de outra forma. Constitui,

de fato, um auxílio poderoso quando usado adequadamente, e um auxílio de que não se pode

prescindir. Conforme Mather (1969),

no sentido técnico, os princípios e artifícios matemáticos são independentes do uso que lhes procuramos dar. Mas, quando passsamos a aplicar esses princípios e métodos à exploração de uma dada situação e à solução de problemas particulares, seu uso deve refletir o tipo de raciocínio que estamos elaborando. Todos estamos familiarizados com o uso da Matemática em raciocínio dedutivo, onde procuramos desenvolver as conseqüências particulares de um postulado geral: na verdade, aprendemos que a dedução rigorosa é um ramo da Matemática, análogo ao da Geometria Euclidiana118.

Leibnitz conceituou um modelo matemático como um paradigma simplificado de um fato

real, sendo composto de uma parte abstrata (o modelo) e uma parte concreta (o fato real), que se

apóiam mutuamente119.

Mais especificamente, conceitua-se como um modelo, neste trabalho, uma representação

ou interpretação simplificada da realidade, ou uma interpretação de um fragmento de um sistema,

segundo uma estrutura de conceitos mentais ou experimentais120.

______________ 117 MISRA, J. C. (Editor). Biomathematics – Modeling and Simulation. Nova Jersey: World Scientific, 2006.

Prefácio: p. xi-xii. 118 MATHER, Kenneth. Elementos de Biometria. Trad. de Álvaro Marchi, Walter Pontuschka e José

Manasteriski. São Paulo: Polígono, 1969. p. 3. 119 SERRES, Michel. Le Système de Leibnitz et sés Modèles Mathématiques. Paris: Presses

Universitaires de France, 1990. p. 63. 120 HEGBUSI, Olusegun J.; IGUCHI, Manabu; WAHNSIEDLER, Walter. Mathematical and Physical

Modeling of Materials Processing Operations. Londres: Chapman & Hall, 2000. p. 3-4.

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61

Um modelo apresenta, portanto, apenas uma visão ou cenário de um fragmento do todo.

Normalmente, para estudar um determinado fenômeno complexo, criam-se vários modelos. Os

Modelos Matemáticos são utilizados praticamente em todas as áreas científicas, como, por

exemplo, na Biologia, Química, Física, Economia, Engenharia e na própria Matemática Pura121.

Para representar um fenômeno físico complexo podem-se utilizar modelos físicos, modelos

matemáticos ou modelos híbridos de vários tipos. Na teoria, um modelo é uma estrutura composta

por um conjunto universo e por constantes, relações e funções definidas neste conjunto universo.

Em suma, conforme Nogueira, Martins e Brenzikofer (2008),

um modelo matemático é uma representação aproximada e seletiva de uma dada situação que pode ser expressa em termos matemáticos. Buscam-se estruturas associadas a essa situação que pode ser um fenômeno em ciências físicas, químicas, biológicas, humanas ou sociais; um processo tecnológico, uma obra literária ou musical; uma tarefa com etapas bem definidas122.

A construção de um modelo matemático está vinculado ao estruturalismo, uma corrente de

pensamento caracterizado pelo estudo de que estruturas dizem o que um objeto matemático é, e

como a ontologia (estudo do Ser) dessas estruturas deveria ser entendida123.

Observe-se que matematizar um modelo matemático não significa apenas traduzir a

situação em linguagem matemática. É muito mais que isso, pois consiste em desvelar possíveis

estruturas matemáticas contidas na situação. A essas estruturas podem ser aplicadas teorias

matemáticas cuidadosamente escolhidas visando a obtenção de informações novas sobre a

situação, previsões e estratégias124.

Outra vantagem do uso de modelos é a economia: situações diferentes podem admitir um

mesmo modelo. Em tais casos, as várias situações podem ser estudadas de forma global, de uma

vez só. E as conclusões obtidas serão válidas para cada situação em particular.

Em razão dessa busca de estruturas, a construção de modelos se enquadra na corrente de

pensamento estruturalista. A figura 2, seguinte, representa um esquema que dá uma noção do

conceito de modelo matemático.

______________ 121 BASMADJIAN, Diran. Mathematical Modeling of Physical Systems, An Introduction. Oxford: Oxford

University Press, 2008. p. 5-7. 122 NOGUEIRA, Eduardo Arantes; MARTINS, Eduardo Barreto; BRENZIKOFER, René. Modelos

Matemáticos nas Ciências Não-Exatas. São Paulo: Edgard Blücher, 2008. p. 15-16. 123 MEYER, Walter J. Concepts of Mathematical Modeling. Nova York: Dover, 2004. p. 1-60. 124 ARIS, Rutherford. Mathematical Modelling Techniques. Nova York: Dover, 1994. p. 3.

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62

Figura 2. Esquema de um modelo matemático.

Quando possível, os modelos devem ser testados com as situações reais para as quais

foram criados. Essa avaliação fornece uma medida do maior ou menor afastamento da realidade

observada125.

Sem dúvida, mais que um modelo para um restrito conjunto de fórmulas, o interesse do

matemático se volta para a determinação de modelos para toda uma teoria formal, o que se

consegue através da interpretação do conjunto de fórmulas que constituem os axiomas da teoria. A

corrente neo-positivista do pensamento científico atribui uma fundamental importância a este ramo

da Matemática que se denomina Teoria dos Modelos126. Neste contexto, o termo modelo tem um

significado bem característico e é com ele que são enunciados resultantes fundamentais.

Lévi-Strauss (1976), por exemplo, considera a Ciência como em face a face entre um objeto

real, que deve ser investigado, e um objeto artificial, construído para reproduzir o primeiro, para ser

o seu modelo. O modelo, aqui, é de natureza teórica, é uma construção formal. Trata-se em geral

de um conjunto de hipóteses relativas ao domínio científico que se investiga e que tem a coerência

e as possibilidades dedutivo-explicativas garantidas por uma codificação matemática. Neste sentido,

o modelo é um corpo de enunciados que visa unificar, ordenar e controlar a produção do saber127.

______________ 125 BENDER, EDWARD A. An Introduction to Mathematical Modeling. Nova York: Dover, 2000. p. 7. 126 SANMARTIN, J. Una Introduccion Constructiva a La Teoria de Modelos. Madri: Tecnos, 1977. 127 LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural Um (Trad. de Chaim Samuel Katz e Júlio Cezar

Melatti) e Dois (Trad. de Maria do Carmo Pandolfo). Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1976. In: MACHADO, Nilson José. Matemática e Realidade. São Paulo: Cortez, 1997, p. 74.

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Existe outra acepção do termo, modelo que se relaciona com montagens materiais,

autômatos, ou grafos, diagramas, fluxos, etc. Não há interesse por tal acepção, por fugir ao escopo

deste trabalho.

Consideram-se, então, duas instâncias epistemológicas da palavra modelo:

a) uma é o conceito matemático da teoria dos modelos e se situa no centro das atividades

dos matemáticos, pela ótica dos neopositivistas do Círculo de Viena128;

b) outra é uma noção decorrente de uma concepção da atividade científica como produtora

de modelos teóricos explicativos do real, como em Lévi-Strauss (1976). Para Levi-

Strauss (1976),

não se pode representar relações sociais por símbolos formais como se faz com as relações matemáticas. Consequentemente, os modelos sociológicos não são manipuláveis como equações matemáticas". O que significa aqui "relações sociais"? Se se trata de relações concretas tais como são apreendidas pela observação empírica, concordaremos com a maior facilidade, tanto mais se levarmos em conta que a escola primária já nos ensinara que não se pede somar peras e maçãs. Em compensação, se consentirmos em estabelecer uma diferença entre as observações empíricas e os símbolos que tiverem sido escolhidos para substituí-Ias, então não há motivo para recusar o tratamento algébrico destes símbolos - por exemplo, os que expressam regras de casamento –, que, sob a condição de serem corretamente manipulados, podem ensinar-nos multa coisa sobre a maneira como funciona um sistema matrimonial, destacando propriedades que não estavam imediatamente accessíveis à observação129.

Por outro lado, segundo Machado:

O conceito de Modelo Matemático e a outra noção decorrente de uma particular visão da Ciência têm em comum o fato de estabelecerem de um modo nítido as barreiras que separam o empírico do formal, ou o experimental da linguagem lógicomatemática que o codifica. Por outro lado, distinguem-se fundamentalmente e chegam mesmo a se opor quando se observa que, para o matemático é o empírico que é o modelo para a teoria, enquanto na outra acepção é a teoria que é o modelo para um domínio empírico dado. Além disso, a concepção neopositivista elege explicitamente a Lógica Matemática como a ciência básica que fundamenta todas as outras enquanto que, no outro caso, tal ciência desempenha um importante papel, mas de instrumento. Opera-se uma distinção na relação da Matemática com as outras ciências semelhante à

______________ 128 RASHEVSKY, Nicolás. Progresos y Aplicaciones de la Biologia Matemática. Buenos Aires: Espasa-

Calpe, 1947. 129 LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural Dois (Trad. de Maria do Carmo Pandolfo). Rio de

Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1976. p. 88.

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tratada quando da contraposição dos pontos de vista do formalismo e do logicismo a respeito da relação entre a Lógica e a Matemática. Concluindo, pode-se dizer que, na tentativa de identificar as duas acepções, de assentar uma nos pressupostos da outra, de utilizar o conceito matemático, preciso, rigoroso, controlável, como suporte para certas construções formais que por mais que se assemelhem ao real jamais poderão ser identificadas com ele. Além disso, é muito difícil captar-lhe a verdadeira racionalidade, conhecida de forma superficial. Aí está o fundamento da utilização da Matemática com finalidades de controle130.

2.2 BIOINFORMÁTICA E SIMULAÇÃO

Além das disciplinas da área de Matemática, Biomatemática e Modelos Matemáticos, outras

duas cujas finalidades guardam alguma analogia, são a Bioinformática, a Simulação e a Otimização,

todas de grande interesse da área médica.

Os computadores estão sendo utilizados cada vez mais para processamento e análise de

sinais fisiológicos, como o eletrocardiograma, mas a expansão principal de seu uso terá lugar,

provavelmente, na manutenção dos registros médicos e nos trabalhos de secretariado, tanto nos

hospitais como nas clínicas de cirurgia geral. Já se dispõe da tecnologia. Existem, no entanto,

determinados setores em que se comprovaram infrutíferas as técnicas de computação. Apesar de

todos os esforços que têm sido dedicados ao reconhecimento automático dos cromossomas, por

exemplo, têm-se obtido poucos resultados sob forma de sistemas confiáveis rotineiros131.

A Bioinformática é o estudo da aplicação de técnicas computacionais e matemáticas à

geração e gerenciamento de bioinformação. Alguns estudiosos do assunto acreditam que a

bioinformática, como se entende tradicionalmente no meio acadêmico e não pela análise da palavra,

é circunscrita à Biologia Molecular e, às vezes ainda mais especificamente, restrita à Genômica.

Outros acadêmicos, por outro lado, advogam a noção mais abrangente do termo com definição

envolvendo informação biológica de modo geral132. A Bioinformática combina conhecimentos de

Ciência da Computação, Informática, Matemática, Estatística, Química, Física e Biologia, para

processar dados biológicos ou biomédicos133.

______________ 130 MACHADO, Nilson José. Matemática e Realidade. São Paulo: Cortez, 1997. p. 77-78. 131 KEMBER, N. F. Aplicações do Computador em Medicina. Trad. de Eric Drysdale. Rio de Janeiro:

Campus, 1984. p. 12. 132 LESK, Arthur M. Introduction to Bioinformatics. Oxford: Oxford University Press, 2008. p. 16. 133 ATTWOOD, Teresa K.; PARRY-SMITH, David J. Introduction to Bioinformatics. Harlow - Inglaterra:

Prentice Hall, 1999. p. 2-4.

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A Bioinformática é, além disso, a ciência de usar a Informática para entender a Biologia. É a

ferramenta que se pode usar como auxílio para responder essas e muitas outras questões similares.

Infelizmente, com toda essa discussão em torno do mapeamento do genoma humano,

bioinformática tornou-se um termo da moda, sendo utilizado de diversas maneiras, dependendo de

quem o utiliza. Estritamente falando, a Bioinformática é um subconjunto de um campo maior da

Biologia Computacional, a aplicação de técnicas analíticas quantitativas à modelagem de sistemas

biológicos. Pode-se caminhar da Bioinformática à Biologia Computacional e voltar. As distinções

entre as duas não são importantes para este trabalho, que é o de abordar várias ferramentas e

técnicas que acredita-se serem importantes para os biólogos moleculares e médicos querendo

entender e aplicar as ferramentas computacionais básicas atualmente acessíveis134.

Buscando o tratamento de dados, é necessário desenvolver softwares para, por exemplo:

identificar genes, prever a configuração tridimensional de proteínas, identificar inibidores de

enzimas, organizar e relacionar informação biológica, simular células, agrupar proteínas homólogas,

montar árvores filogenéticas, comparar múltiplas comunidades microbianas por construção de

bibliotecas genômicas, analisar experimentos de expressão gênica, entre outras inúmeras

aplicações135.

Estabelecido recentemente em conseqüência da destacada atuação brasileira na área de

estudos genômicos e pós-genômicos, os programas de Mestrado e Doutorado em Bioinformática

Interunidades da USP foram criados e visam estender a consequente demanda para um programa

no nível de pós-graduação que trate simultaneamente os aspectos biológicos e computacionais

nesta área. Dessa maneira, o programa tem como objetivo a formação de recursos humanos de

excelência que possam atuar tanto em pesquisa quanto em desenvolvimento e inovação136.

A Simulação é uma técnica que se fundamenta em princípios do ensino baseado em tarefas

e se utiliza da reprodução parcial ou total destas tarefas em um modelo artificial, conceituado como

simulador. Sua aplicação é relacionada, em geral, à atividades práticas, que envolvam habilidades

manuais ou decisões137. Historicamente, se desenvolveu isoladamente em diversas áreas do

conhecimento humano e apenas recentemente começa a ser sistematizada. O interesse aumentado

______________ 134 GIBAS, Cynhia; JAMBECK, Per. Desenvolvendo Bioinformática. Trad. de Cristina de Amorim Machado.

Rio de Janeiro: Cmpus, 2002. p. 3. 135 NAYLOR, Thomas H. et al. Edmundo Emanuel Teixeira. Técnicas de Simulação em Computadores. Rio

de Janeiro: Vozes, 1971. p. 14-15. 136 Site: http://www.fm.usp.br/, acesso em 10/09/2010. 137 LESH, Richard A.; HAMILTON, Eric; KAPUT, James J. Foundations for the Future in Mathematics

Education. Londres: Lawrence Erlbaum, 2007. p. 161-163.

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pela Simulação em Medicina e Ciências Biomédicas já é conhecido há várias décadas,

principalmente como parte de pesquisas quantitativas sobre determinados fenômenos. Os modelos

desenvolvidos, no entanto, têm valor didático, ao permitirem a criação de "laboratórios virtuais",

muitas vezes de forma mais simplificada138.

Para se ter idéia da relevância do assunto, lembra-se que, em setembro de 2007, em São

Paulo-Capital, os alunos, professores, médicos e profissionais da área da saúde de todo o Brasil

participaram do I Simpósio Internacional de Saúde – Educação, Treinamento e Simulação em

Medicina. Reuniu especialistas renomados da saúde em um grande debate sobre o ensino médico

no Brasil, com foco nas novas perspectivas de treinamento e da segurança na área, especialmente

na Educação Médica Baseada em Simulação139.

A Simulação é uma técnica de grande aplicação na Medicina e na Biologia. 0 verbo

“simular” é uma palavra que apareceu recentemente na documentação científica para descrever a velha, arte da construção de modelos. Desta maneira a simulação, que foi aplicada na construção

de modelos de formas extremamente diversas, desde as esculturas e pinturas do Renascimento até

os modelos em escala, de aviões supersônicos e modelos analíticos de processos mentais, tornou-

se algo quase que específico para cientistas teóricos e práticos.

O uso moderno do vocábulo remonta sua origem ao trabalho de Von Neumann e Viam em

1940, quando eles associaram a expressão Análise de Monte Carlo a uma técnica matemática que

utilizaram para solucionar certos problemas de blindagem em reatores nucleares, que seriam muito

caros em uma solução experimental ou muito complicados para tratamento analítico140.

Mostrando a expansão dos processos de Simulação, Harrel (2002) observou que

o crescente papel da Simulação na resolução de problemas é inevitável e o número de áreas de aplicação continua a expandir empresas químicas, de alimentos, sistemas de distribuição, transportes, serviços industriais, saúde e o exército já estão usando Modelos de Simulação. A lista de outras aplicações potenciais é quase sem fim. Infelizmente, a tecnologia da simulação avançou mais rápido que a comunicação do seu valor como uma ferramenta para resolução de problemas. A efetivação dos seus benefícios dependerá da

______________ 138 SWANWICK, Tim. Understanding Medical Education. Oxford: Wiley-Blacckwell, 2010. p. 164-165. 139 Site: http://www.abem-educmed.org.br, acesso em maio de 2009. 140 NAYLOR, Thomas H. et al. Edmundo Emanuel Teixeira. Técnicas de Simulação em Computadores. Rio

de Janeiro: Vozes, 1971. p. 9.

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eliminação de medos e incertezas daqueles que não estão familiarizados com poder e a capacidade informativa da simulação141.

Tudo indica que o mais importante teste de um Modelo de Simulação em Computadores

seja o grau de precisão com que o modelo prevê o comportamento do sistema real (que está sendo

simulado) no futuro. Além disso, pode-se argumentar que a possibilidade de os modelos de

simulação serem capazes de predizer o futuro constitui a principal justificação para o uso da

simulação em computadores como ferramenta de análise. Isso não quer dizer que todos os modelos

de simulação em computadores sejam capazes de fornecer previsões acertadas sobre o futuro142.

2.3 MODELOS MATEMÁTICOS E MEDICINA

Reitere-se que as disciplinas matemáticas que podem ser úteis à Medicina são: Modelos

Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática, Simulação e Otimização. Todas essas disciplinas têm

um objetivo comum que é a elaboração de Modelos Matemáticos.

Observe-se que, com relação a Modelos Matemáticos aplicáveis à Medicina, são

consideradas como fundamentais algumas publicações, entre as quais as seguintes.

Inicialmente, citam-se os trabalhos na área de crescimento populacional, incluindo teorias e

modelos matemáticos, entre os quais as pesquisas de Hoppensteadt (1982), Hillion ( (1986),

Ginzburg e Golenberg (1985), Wilson e Bossert (1971)143.

O campo mais explorado dos modelos matemáticos parece estar contido na área de

epidemiologia, onde foram estudados os trabalhos de Daley e Gani (2001)144, Thomas e Weber

(2001)145, e Mollison (2001)146. Diferentes modelos matemáticos referentes à Medicina e às ciências

______________ 141 HARREL, R. H. et al. Simulação-Otimizando os Sistemas. Trad. de Alain de Norman et al. São Paulo:

Belge-Iman, 2002. p. 5. 142 NAYLOR, Thomas H. et al. Edmundo Emanuel Teixeira. Técnicas de Simulação em Computadores. Rio

de Janeiro: Vozes, 1971. p. 367. 143 BRAUER, Frect; CASTILLO-CHÁVEZ, Carlos. Mathematical Models in Population Biology and

Epidemiology. Nova York: Springer, 2000. p. 1-92. 144 DALEY, D. J.; GANI, J. Epidemic Modelling: An Introduction. Cambridge: Cambridge University Press,

2001. 145 THOMAS, James C.; WEBER, David J. Epidemiologic Methods for the Study of Infectious Diseases.

Oxford: Oxford University Press, 2001. 146 MOLLISON, Denis. Epidemic Models (Publications of the Newton Institute). Cambridge: Cambridge

University Press, 2003.

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da saúde em geral encontram-se na obra de Hoppensteadt & Peskin (1996), especificamente

correspondentes aos seguintes assuntos:

1. Demografia; 2. Genética; 3. Epidemiologia; 4. Biogeografia; 5. Circulação sanguínea; 6. Troca de ar nos pulmões; 7. Controle do volume das células e propriedades elétricas de membranas celulares; 8. Mecanismo da contracorrente renal; 9. Mecânica dos músculos; 10. Relógio biológico e mecanismos do controle neurológico147.

Na obra de Horn, Simonett e Webb (1998) encontram-se exemplos de Modelos

Matemáticos aplicáveis à Medicina e a outras ciências da saúde:

1. Estratégias do tratamento do câncer e modelagem matemática; 2. Controle de epidemias estruturais; 3. Técnicas de análise para retinopatia diabética; 4. Tuberculose: a resistência a antibióticos; 5. Movimento browniano: um modelo para difusão com interface?; 6. Dinâmica espaço-temporal para a resposta do o sistema imunológico ao câncer; 7. Um modelo estruturado em idade e maturidade da dinâmica da população de células; 8. Um novo modelo para a esquisostomose; 9. Análise de modelo de reação difusicional com dois componentes; 10. Modelo ramo de árvore para receptores sensoriais musculares; 11. Dinâmica de um modelo simples de infecção com HIV; 12. Análise matemática de um modelo epidêmico evolucionário; 13. Contribuição para um problema de controle ambiental; 14. Modelagem da probabilidade da cura de um tumor cancerígeno148.

Além disso, encontram-se na obra sobre Biomatemática de Robeva et al (2008) muitos

outros exemplos análogos:

1. Processos que variam com o tempo: sistemas dinâmicos; 2. Dos sistemas dinâmicos que interagem com sistemas complexos; 3. Matemática na genética; 4. Genética quantitativa e estatística; 5. Análise de riscos da glicose no sangue; 6. Como o sangue transporta oxigênio; 7. Endocrinologia e pulsatividade hormonal; 8. O uso de microarranjos para o estudo de padrões da expressão de genes; 9. Detectando ritmos em dados confusos; 10. Modelagem de uma rede endócrina: Variações na alimentação oscilações hormonais149.

______________ 147 HOPPENSTEADT, Frank C.; PESKIN, C. S. Mathematics in Medicine and the Life Sciences. New York:

Springer, 1996. 148 HORN, Mary Ann; SIMONETT, Gieri; WEBB, Glenn F. Mathematical Models in Medical and Health

Science. Londres: Vanderblit University Press, 1998. 149 ROBEVA, Raina S. et al. An Invitation to Biomathematics. Nova York: Elsevier, 2008.

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Observe-se, além disso, o amplo trabalho de pesquisa realizado por Murray (2008) no

campo da Biomatemática e do desenvolvimento de modelos matemáticos espaciais150.

Nos dias atuais, há uma grande evolução da Modelagem Matemática, uma integração e

universalização da Matemática com outras áreas do conhecimento, vindo contribuir, principalmente,

para o maior desenvolvimento de tecnologias e maior controle sobre o funcionamento de sistemas.

A modelagem e a simulação computacional, aliadas à visualização gráfica e à realidade virtual,

permitem fornecer imagens tridimensionais de alta resolução representando os fenômenos que

estão acontecendo em uma parte do organismo de um paciente151.

Desta forma, no cenário contemporâneo, em razão do marcante desenvolvimento científico

e tecnológico e com o advento da Informática, problemas altamente complexos puderam ser

simulados computacionalmente utilizando Modelos Matemáticos que permitiram incluir um número

muito maior de variáveis. Os pesquisadores das áreas de Matemática, Engenharia, Biologia e

Medicina começaram a introduzir ferramentas computacionais preditivas dentro das práticas na área

da saúde, especialmente da Medicina.

Não se pode esquecer da grande importância do controle de dados de uma pesquisa por

meio de testes estatísticos a fim de verificar sua validade. A obra de Motta e Oliveira Filho (2009)

objetivou fazer o leitor adquirir habilidade no manuseio do SPSS®, conseguindo empregar e

interpretar os testes estatísticos mais comumente usados na área biomédica e resolver a maioria

das suas dúvidas no complexo caminho da pesquisa. Segundo ele,

as dúvidas dos pesquisadores, tanto no curso como na graduação, na elaboração de um artigo, dissertação ou tese, e também na pós-graduação, são resolvidas, desde a preparação dos dados para análise até problemas estatísticos mais complexos. Procuramos também, de maneira didática, apresentar vários tópicos de forma objetiva e simples, oferecendo ao leitor uma compreensão clara do texto, mesmo ele não tendo profundos conhecimentos matemáticos152.

______________ 150 MURRAY, James Dickson. Mathematical Biology. Vol. 1: An Introduction; vol. 2: Spacial Models and

Biomedical Applications. Pasadena, Califórnia, 2008. 151 HOPPENSTEADT, Frank C.; PESKIN, C. S. Mathematics in Medicine and the Life Sciences. Nova

York: Springer, 1996. 152 MOTTA, Valter; OLIVEIRA FILHO, Petrônio F. de. SPSS – Análise de Dados Biomédicos. Rio de

Janeiro: Medbook, 2009. p. 338.

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Diferentes pesquisas foram realizadas relativas a Biomatemática e a Modelos Matemáticos

que trazem alguns reflexos para aplicações em Medicina. Entre esses trabalhos foram consultados

e estudados os seguintes:

a) Na área de engenharia, as publicações de Mishke (1984) e de Weyne (1976)153;

b) em Psicologia, a obra de Restle (1971)154;

c) sobre modelos matemáticos que estudam o crescimento econômico, a publicação de

Tinbergen (1966)155;

d) no estudo da aplicação de modelos matemáticos na América Latina, a obra de

Varsavsky (1971)156;

e) modelos matemáticos sobre Epidemiologia, os trabalhos de Daley, Hoppensteadt e

Thomas (2001)157;

f) especificamente relativos à Biomatemática, as publicações de Britton (2003), de

Edelstein-Keshet (1988), de Lima (2006) e de Runza (2001)158.

A Matemática está desempenhando um papel cada vez mais importante nas Ciências

Físicas e Biológicas, provocando uma dissipação de limites entre disciplinas científicas e um

ressurgimento de interesse nas técnicas de Matemática Aplicada, com uma renovação da

conscientização dessa necessidade, tanto na pesquisa como no ensino. Os computadores têm se

mostrado relevantes porque oferecem uma ampla gama de possibilidades nas soluções dos

______________ 153 MISCHKE, Charles R. Construção de Modelos Matemáticos em Engenharia. Trad. de Manoel

Resende. Lisboa: Livros Técnicos e Científicos, 1984; WEYNE, Gastão Rúbio de Sá. Contribuição ao Estudo do Dimensionamento de Tubos Transportadores Cilíndricos Verticais para Secadores Pneumáticos, Dissertação de Mestrado apresentada e aprovada na Escola Politécnica da USP, com orientação de Maurício Torloni, 1976.

154 RESTLE, Frank. Mathematical Models in Psychology. Londres: Penguin Books, 1971. 155 TINBERGEN, Jan; BOS, Hendricus C. Modelos Matematicos del Crecimiento Económico. Trad. de J.

L. Barinaga. Madri: Aguilar, 1966. 156 VARSAVSKY, Oscar (Org.); CALCAGNO, Alfredo Erica (Orgs.) et al. America Latina: Modelos

Matematicos. Santiago do Chile: Editorial Universitária S.A., 1971. 157 DALEY, D. J.; GANI, J. Epidemic Modelling: An Introduction. Cambridge: Cambridge University Press,

2001; HOPPENSTEADT, Frank C. Mathematical Methods of Population Biology (Cambridge Studies in Mathematical Biology). Cambridge: Cambridge University Press, 1982; THOMAS, James C.; WEBER, David J. Epidemiologic Methods for the Study of Infectious Diseases. Oxford: Oxford University Press, 2001.

158 BRITTON, Nicholas F. Essential Mathematical Biology. Londres: Springer, 2003; EDELSTEIN-KESHET, Leah. Mathematical Models in Biology. Filadélfia: SIAM, 1988; LIMA, João José Pedroso de et al. Biomatemática, uma Introdução para o Curso de Medicina. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006. RUNZA, Franco Beltrame. Análise de Sinais Biológicos Utilizando Wavelets. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola Politécnica da USP, orientada por Fuad Cassab Jr., 2001.

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problemas, não devendo ser desprezado nas aplicações matemáticas, por outro lado, o uso de

calculadoras científicas159.

Ressalte-se então que a Biologia Matemática ou Biomatemática é o estudo da área de

saúde que usa Modelos Matemáticos para ajudar predizer e interpretar os fatos observados. Inclui,

entre muitos outros campos, biologia de população, neurologia, demografia, genética,

epidemiologia, biogeografia, fisiologia cardiovascular, pulmonar, renal. Assim, a Biomatemática é a

disciplina que combina os usos simultâneos das Ciências Biomédicas e da Matemática.

Entre as diferentes publicações sobre Biomatemática, encontram-se as obras de Edelstein

(1988), com amplo embasamento teórico160 e de Calvo e Luque (1995), que discutem diferentes

aplicações, exemplificadas com problemas matemáticos sobre a disciplina161.

Nos estudos sobre Modelos e Métodos Matemáticos encontrar-se-á uma exposição das

tendências que caracterizam as aplicações da Matemáticas no conjunto das Ciências Médicas.

Quando se evoca um ou outro exemplo de um método recebido desta ou daquela disciplina, será

mais com o objetivo de exemplificar do que de dar uma imagem exaustiva das aplicações da

Matemática na disciplina em questão. Importa, pois, não esquecer que os exemplos refletem

apenas a importância relativa das aplicações dos modelos e dos métodos matemáticos conforme a

disciplina. Ninguém tem dúvidas de que a Economia é uma ciência muito mais matematizada que,

por exemplo, a Medicina. Todavia, em vez de insistir, com múltiplos exemplos, sobre as aplicações

da Matemática em Economia e de descurar assim os esforços mais recentes dos médicos, dos

sociólogos e dos psicólogos, tenta-se dar a cada disciplina uma parte pouco mais ou menos igual162.

O estudo e a investigação das Ciências Médicas recorrem frequentemente ao apoio de

processos matemáticos e, numa análise da situação presente e do passado recente, torna-se claro

que intervenções da Matemática têm contribuído definitiva e decisivamente para o progresso da

Medicina, em muitos dos seus campos. Esta contribuição exerceu-se, de modo direto, sobretudo por

duas vias diferentes: por um lado, através do desenvolvimento de Modelos Matemáticos,

______________ 159 ATKIN, J. Miron; BLACK, Paul. Inside Science Education Reform – A History of Curricular and Policy

Change. Nova York: Columbia University, 2003. p. 74-75. 160 EDELSTEIN-KESHET, Leah. Mathematical Models in Biology. Filadélfia: SIAM, 1988. 161 CALVO, Maria Cristina Martínez; LUQUE, Alberto Pérez de Vargas. Problemas de Biomatemática.

Madri: Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, 1995. 162 BOUDON, Raymond. Modelos e Métodos Matemáticos. Trad. de Carlos Marques de Figueiredo. Lisboa:

Bertrand, 1973. p. 13.

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72

descrevendo os sistemas vivos e os processos que neles tomam lugar, por outro, através do

tratamento dos resultados das experiências biológicas.

O atual grau de desenvolvimento alcançado pelas técnicas de Modelagem Computacional,

juntamente com o rápido crescimento do desempenho de Cálculo em Computadores, têm permitido

o estudo, desenvolvimento e solução de modelos mecânicobiológicos altamente elaborados

capazes de antecipar, com razoável grau de precisão, os resultados de importantes procedimentos

médicos, como por exemplo, ponte de safena e transplante renal163.

Lembra-se, como exemplo, que a estrutura geométrica da rede vascular e a composição

heterogênea do sangue, assim como as interações mecânicas e bioquímicas com as paredes dos

vasos e o movimento pulsátil do fluxo sanguíneo, são fenômenos fisiológicos extremamente

complexos. Um dos desafios da investigação nesta área consiste no desenvolvimento de Modelos

Matemáticos que, tendo em conta os recursos computacionais disponíveis, incluam as

complexidades mais relevantes da circulação sanguínea164.

A área de aplicação de Modelagem Matemática na Medicina de maior proeminência é a de

epidemiologia de doenças infecciosas. Uma epidemia (do grego epi, posição superior e demos,

povo), em sua definição tradicional, corresponde a uma enfermidade amplamente disseminada que

afeta a muitos indivíduos de uma população. Na atualidade, o conceito está associado a uma

relação entre uma linha de base de uma enfermidade, que pode ser a prevalência ou a incidência

normais em relação ao número de casos que se detectam em dado momento. Uma epidemia pode

estar restrita a uma área local, abranger uma extensão mais ampla como um país (endemia), ou

pode ter um caráter mundial (pandemia).

Visando um estudo científico deste problema, em 1928, o pesquisador Wade Hampton

Frost, professor de Epidemiologia da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, criou um

Modelo Matemático para estudo da transmissão de moléstias infecciosas, em colaboração com

Lowell Reed, professor de Bioestatística da mesma universidade. Este modelo criado pela

integração entre os dois pesquisadores permaneceu durante duas décadas sem divulgação e,

desde então, foi-lhe dada uma grande importância, como ocorreu também com outros modelos

matemáticos165.

______________ 163 ROACH, G. F. Mathematics In Medicine and Biomechanics. Cheshire-Inglaterra: Shiva, 1984. 164 WEYNE, Gastão Rúbio de Sá. Modelos Matemáticos em Ciências da Saúde. São Paulo: Grupo

Editorial Scortecci, 2009. 165 MOLLISON, Denis. Epidemic Models (Publications of the Newton Institute). Cambridge: Cambridge

University Press, 2003.

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73

Por outro lado, a Modelagem Matemática está constantemente presente na Medicina

Veterinária e já está contribuindo no planejamento terapêutico e cirúrgico das mais variadas

doenças, no desenvolvimento de modelos para a dinâmica do sistema cardiovascular, do sistema

respiratório, crescimento de tumores, transporte, dosagem e absorção de fármacos, treinamento de

cirurgias, na área de epidemiologia de doenças infecciosas, genética, dentre outras aplicações166. A

Matemática auxilia, de maneira significativa, em pesquisas genéticas, para o melhoramento de

espécies e, conseqüentemente, na otimização da produção pecuária, através da teoria da

probabilidade, que permite descobrir as chances de se obter determinado resultado, proveniente de

um cruzamento experimental167.

Funções matemáticas podem ajudar o médico veterinário no cálculo da freqüência cardíaca

ou respiratória de um animal, permitindo que se tenha um diagnóstico preciso sobre o estado em

que este se encontra, aumentando as possibilidades de se obter êxito no tratamento de algum

distúrbio fisiológico. A dosagem de um determinado medicamento é indispensável durante a

recuperação de um animal, pois, se houver algum excesso ou falta de substância no organismo,

pode haver alteração radical no metabolismo. Em casos cirúrgicos, a medida certa do anestésico

pode determinar o desfecho de uma cirurgia. Essas dosagens são determinadas de acordo com o

peso do animal, através de cálculos de razão e proporção associados a conhecimentos

farmacológicos168.

Em termos práticos, portanto, a Matemática é um instrumento ou uma linguagem

fundamental para compreensão ou modelagem de fenômenos biológicos e de doenças. No entanto,

existe uma resistência natural de médicos e estudantes da área de saúde em incorporar esse

instrumento em razão da estrutura universitária brasileira, que dificulta os processos de integração.

A multidisciplinaridade é o caminho para se possam desenvolver as áreas de Matemática e

Computação Científica aplicadas na Medicina e na Biologia. É necessária, portanto, a participação

de grupos multidisciplinares de pesquisadores nessas diversas áreas do conhecimento. No entanto,

falta diálogo entre essas áreas e os benefícios que a Modelagem Matemática e Computacional pode

proporcionar à Medicina dependem da superação dessas dificuldades.

Adicionalmente, desde os anos sessenta, o computador abriu múltiplos caminhos à

Medicina, como aconteceu em outras disciplinas, permitindo uma melhor aplicação dos métodos ______________ 166 HORN, Mary Ann; SIMONETT, Gieri; WEBB, Glenn F. Mathematical Models in Medical and Health

Science. Londres: Vanderblit University Press, 1998. 167 Site: http://www.veterinaria.org/, acesso em 15/12/2009. 168 Site: http://www.cpac.embrapa.br/download/320/t, acesso em 14/12/2009.

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matemáticos. Parece não ser irrealista acreditar-se que os conhecimentos da Matemática poderão

ser úteis em medicina: a) na explicação de múltiplos fenômenos, associados à estrutura e às

funções do organismo, quer a nível macroscópico, quer microscópico, b) na aplicação e

desenvolvimento de metodologias físicas de apoio em diagnósticos e terapêuticas e c) no reforço da

capacidade de associação e raciocínio, como instrumento para a criação de ligações causa-efeito,

durante a prática das ciências da saúde. No nível do ensino da Medicina, a Física e a Matemática

constituem disciplinas complementares que podem ser utilizadas, em cada instante, em exemplos

de aplicação médica, criando o interesse e a conivência dos alunos. Na maior parte das situações, o

chamado fenômeno biológico tem como base fenômenos físicos e químicos, susceptíveis de uma

tradução matemática.

Muitas são as organizações internacionais que trabalham com Modelos Matemáticos,

incluindo a aplicação desses modelos em Medicina, entre as quais as seguintes169:

European Society for Mathematical and Theoretical Biology;

International Association for Mathematical and Computer Modelling (IAMCM);

Division of Mathematical Biology at NIMR;

National Institute for Mathematical and Biological Synthesis (NIMBioS);

Society for Mathematical Biology;

Society for Mathematical Psychology;

Department of Mathematical Modelling, Technical University of Denmark;

Centre for Mathematical Modelling and Computer Simulation;

Canadian Environmental Modelling Centre;

WWW Server for ecological modelling;

Interdisciplinary Centre for Mathematical and Computational Modelling – Warsaw

University;

Japanese Society for Mathematical;

Society for Industrial and Applied Mathematics;

Mathematical Modelling and Genetic Epidemiology Group (University of Sheffield);

Centre for Mathematical Modelling – Massey University, New Zealand;

______________ 169 Site: http://www.mat.uc.pt/jaimecs/model.html, acesso em 07/02/2011.

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MCM – The Mathematical Contest in Modeling;

ICM – The Interdisciplinary Contest in Modeling.

2.4 OTIMIZAÇÃO MATEMÁTICA E MEDICINA

Observe-se que as técnicas de Otimização têm sido, ao longo do tempo, uma eficiente

ferramenta para o progresso de diferentes ramos de indústrias, de atividades do governo, das

Forças Armadas, e em aplicações na área da saúde. Neste caso, representa um papel

crescentemente importante na Medicina moderna e nas investigações biológicas. Muitos problemas

médicos e biológicos podem ser formulados com o uso de Modelos Matemáticos que são

analisados por meio de processos de otimização sofisticados como a Programação Linear e a

Programação Dinâmica, além de técnicas computacionais. Na obra de Lim e Lee (2008) encontra-se

um amplo estudo de Otimização em processos médicos e biológicos, a seguir elencados:

1. Classificação e predição de doenças via programação matemática; 2. O uso de diagramas de influência na análise de custos para decisões médicas; 3. Classificação não-bayesiana para a obtenção de decisões clínicas de alta qualidade; 4. Otimização de formulários para vacinas pediátricas; 5. Otimização de despesas na prevenção e tratamento do HIV: Um panorama para avaliação de custos com exemplo de aplicação à iniciativa da Índia; 6. Otimização gráfica para doação pareada de rins; 7. Introdução à otimização no planejamento de terapia de radiação; 8. Método de otimização da orientação de raios no planejamento do tratamento terapêutico de radiação modulada; 9. Planejamento de otimização para terapia de radiação; 10. Introdução à biologia de sistemas para programadores matemáticos; 11. Algoritmos para análise genômica; 12. Métodos computacionais para projetos e seleções de provas; 13. Otimização de viroterapia de tumores com recombinação de viroses musculares; 14. Combate à resistência microbiana com agentes antimicrobianos pela otimização do regime de dosagem170.

A Otimização é um campo promissor que oferece desafios, entre outros, para matemáticos,

cientistas de áreas básicas, cientistas de computação, engenheiros, médicos e físicos. A prática de

Otimização depende amplamente de boas técnicas de modelagem como também do uso de

algoritmos eficientes.

______________ 170 LIM, Gino J. (Org.); LEE, Eva K. (Org.). Optimization in Medicine and Biology. Boca Raton: Auerbach,

2008.

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Graças aos avanços recentes em métodos e tecnologias, a Otimização é atualmente

reconhecida como um componente crucial em pesquisa e tomada de decisão em vários campos de

atividades. Com o uso de otimização, os cientistas fizeram significativos avanços em tratamento de

câncer, no planejamento, no controle a doenças, no desenvolvimento de drogas, como também no

sequenciamento do DNA e na identificação de estruturas de proteínas171.

Assim, a Otimização em Medicina e Biologia fornece aos pesquisadores uma fonte de

referência valiosa que possibilita a aplicação de técnicas atualizadas e de grande importância para o

trabalho desses profissionais. É de relevante importância, portanto, o conhecimento de boas

técnicas de modelagem, e de algoritmos eficientes. Ressalte-se a aplicação de Programação

Matemática que facilita o processo de tomada de decisão médica e aperfeiçoa a pesquisa biológica.

Convém destacar, enfim, que há avanços recentes e em aperfeiçoamento contínuo de técnicas de

Otimização para resolver problemas complexos em pesquisa médica.

2.5 UM EXEMPLO DE MODELO MATEMÁTICO: RESISTÊNCIA E DILATAÇÃO

DOS VASOS SANGUÍNEOS

Para que seja possível avaliar as possibilidades de um modelo matemático, transcreve-se, a

seguir, parte de um trabalho do autor desta Tese, referente a um Modelo Matemático sobre

resistência e dilatação dos vasos sanguíneos. Esse trabalho, que é um objeto matemático desta

Tese, foi publicado como uma contribuição às atividades de pesquisa na Faculdade de Medicina do

ABC, onde o autor lecionava172.

2.5.1 A SITUAÇÃO CONCRETA

Neste exemplo, a situação concreta do modelo é a existência do sistema circulatório

humano, que é completo, pois o sangue venoso separa-se completamente do sangue arterial, e

fechado, uma vez que as células do sangue estão sempre dentro de vasos sanguíneos. É composto

pelo sangue, condutores (veias e artérias) e coração. O coração é o órgão que bombeia o sangue.

______________ 171 Site: http://www.aem-educmed.org.br, acesso em 10/05/2008. 172 WEYNE, Gastão Rúbio de Sá. Modelos Matemáticos em Ciências da Saúde. São Paulo: Grupo

Editorial Scortecci, 2009.

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É responsável por conduzir elementos essenciais para todos os tecidos do corpo: oxigênio para as

células, hormônios (que são liberados pelas glândulas endócrinas) para os tecidos, condução de

dióxido de carbono para sua eliminação nos pulmões, coleta de excreções metabólicas e celulares,

entrega de excreções nos órgãos excretores, como os rins, no transporte de hormônio. Fica

caracterizado o importante papel do aparelho circulatório no sistema imunológico para a defesa

contra infecções e termorregulação: calor, na vasodilatação periférica; frio, na vasoconstrição

periférica. Transporta os nutrientes desde os locais de absorção até às células dos diferentes

órgãos. O sistema circulatório transporta o sangue por varias partes do corpo. Os condutos que

ligam o coração até outras partes do corpo humano são as veias.

Em abordagem mais ampla, o sistema vascular é composto pelos vasos sanguíneos:

artérias, veias e capilares. As artérias são os vasos pelos quais o sangue sai do coração. Como a

pressão do sangue no lado arterial é maior, em comparação com as veias, resulta ser a parede das

artérias mais espessa. As veias são os vasos que trazem o sangue para o coração; dentro delas há

válvulas que, caso o sangue comece a fluir na direção contrária do coração, fecham-se impedindo o

refluxo do sangue. Os capilares são vasos microscópicos, com apenas uma camada de células e

uma camada basal e são responsáveis pelas trocas de gases e nutrientes entre o sangue e o meio

interno.

O sangue segue um caminho contínuo, passando duas vezes pelo coração antes de fazer

um ciclo completo. Pode-se dividir, desta maneira, o sistema circulatório em dois segmentos: a

circulação pulmonar e a circulação sistêmica. A circulação pulmonar ou pequena circulação inicia-se

no tronco da artéria pulmonar, seguindo pelos ramos das artérias pulmonares, arteríolas

pulmonares, capilares pulmonares, vênulas pulmonares, veias pulmonares e deságua no átrio

esquerdo do coração. Na sua primeira porção, transporta sangue venoso. Nos capilares

pulmonares, o sangue é saturado em oxigênio, transformando-se em sangue arterial. Esta se inicia

no ventrículo direito e se encerra no átrio esquerdo.

A circulação sistêmica ou grande circulação inicia-se na aorta, seguindo pelos seus ramos

arteriais e na seqüência pelas arteríolas sistêmicas, capilares sistêmicos, vênulas sistêmicas e veias

sistêmicas, estas se unindo em dois grandes troncos, a veia cava inferior e a veia cava superior.

Ambas deságuam no átrio direito do coração. Sua primeira porção transporta sangue arterial. Nos

capilares sistêmicos, o sangue perde oxigênio para os tecidos e aumenta seu teor de gás carbônico,

passando a ser sangue venoso.

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Como já se fez menção, o coração funciona como uma bomba que impulsiona o sangue

nas diferentes partes do corpo humano. O sangue leva oxigênio (02) dos pulmões até os vários

tecidos do corpo e leva gás carbônico (C02) destes tecidos até os pulmões. O aparelho circulatório é

um sistema contínuo e sua descrição pode começar em qualquer ponto. O coração esquerdo

recebe sangue que é rico em O2 e bombeia este sangue nas artérias sistêmicas (vejam-se as figura

3 e tabela 1). Estas formam uma árvore de vasos progressivamente menores que fornecem sangue

altamente oxigenado e de cor vermelha acentuada que circula em todos os órgãos e tecidos do

corpo. O sangue arterial, de cor vermelha viva, flui nas artérias sistêmicas, até às de pequeno

diâmetro. É nos vasos capilares que a troca real de O2 e CO2 acontece.

O sangue que deixa os vasos capilares sistêmicos leva menos O2 e mais CO2 que o sangue

na entrada desses vasos. A perda de 02 causa uma mudança na cor de forma que o sangue adquire

uma cor mais azulada que antes. Deixando os vasos capilares sistêmicos, o sangue entra nas veias

sistêmicas, à medida que os vasos passam a ser de diâmetros progressivamente crescentes em

direção ao lado direito do coração.

O sangue é bombeado pelo coração direito nas artérias pulmonares que forma uma árvore

que distribui o sangue para os tecidos do pulmão. Os ramos de menor diâmetro desta árvore

conduzem aos vasos capilares pulmonares onde o CO2 deixa o fluxo de sangue e o O2 se forma

nos pulmões. Deixando os vasos capilares pulmonares, o sangue oxigenado é conduzido às veias

pulmonares e fluem de volta ao coração esquerdo e este completa a circulação. O tempo médio

exigido para completar o circuito descrito é de, aproximadamente, 1 minuto. A figura 3, seguinte,

mostra um esquema do sistema circulatório humano.

Figura 3. Esquema do sistema circulatório humano, a situação concreta do modelo.

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Deve ser observado que existe uma simetria importante no plano da circulação. O sangue

que deixa o coração esquerdo atravessa as artérias, vasos capilares, e veias da circulação

sistêmica antes de retornar ao coração direito. Semelhantemente, o sangue que deixa o coração

direito atravessa as artérias, capilares e veias da circulação pulmonar antes de retornar ao coração

esquerdo. Ressalte-se que estas “circulações parciais" não estão realmente fechadas, uma vez que não ocorre o fluxo de sangue diretamente de um lado do coração para o outro.

Em razão desta simetria entre as circulações sistêmica e pulmonar, pode-se admitir que as

equações matemáticas da circulação sistêmica terão a mesma forma que as equações da

circulação pulmonar. Semelhantemente, as equações correspondentes ao lado direito, na saída do

sangue do coração, seguirão o mesmo raciocínio, e a relação do coração direito para a circulação

sistêmica será o mesmo que a relação do coração esquerdo para a circulação pulmonar. No

entanto, estas simetrias na forma das equações não são combinadas por simetrias correspondentes

na sua magnitude, isto é, os parâmetros que aparecem nas equações da circulação pulmonar têm

valores que são diferentes dos parâmetros correspondentes da circulação sistêmica. Por causa

destas diferenças, o volume de sangue sistêmico é mais ou menos 10 vezes o volume de sangue

pulmonar, e a pressão arterial sistêmica é mais ou menos 6 vezes a pressão arterial pulmonar (veja-

se a tabela 1).

Tabela 1. Pressões e volumes das artérias e veias sistêmicas e pulmonares.

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P (mm Hg) V (litros)

sa 100 1,0

sv 2 3,5

pa 15 0,1

pv 5 0,4

(s = sistêmica, p = pulmonar, a = artéria, v = veia)

Observe-se que os diferentes diâmetros dos vasos do sistema circulatório humano, em

termos médios, são dados a seguir. Aorta: 2,5 cm; arteríola média: 0,4 cm; arteríola pequena: 30 ìm;

esfínter pré-capilar: 35 ìm; capilar verdadeiro: 8,0 ìm (5-9); vênula: 20 ìm; veia: 0,5 cm; veia cava:

3,0 cm.

2.5.2 ESTRUTURAÇÃO E MATEMATIZAÇÃO DO MODELO: VOLUME, VAZÃO E PRESSÃO DO

SANGUE

O volume, a vazão e a pressão do sangue no sistema circulatório humano são três variáveis

físicas definidas em uma abordagem quantitativa da circulação, que podem explicar o sistema das

unidades usadas por fisiologistas, e dar valores típicos que ocorrem nas diferentes partes da

circulação.

Considerando-se o sangue é praticamente incompressível, este volume serve como uma

medida conveniente da quantidade deste líquido em qualquer região da circulação. O volume será

medido em litros (1 litro = 1000 cm3) é designado pelo símbolo V. O volume de sangue total (Vo) é

mais ou menos 5 litros, conforme mostrado na tabela 1.

A definição da vazão é aqui definida como o volume de sangue que circula na unidade de

tempo, em determinado ponto do sistema circulatório. Desta forma, a vazão é medida em

litros/minuto, representado pelo símbolo Q. A vazão mais importante na circulação é a vazão

cardíaca, que é definida como o volume de sangue bombeado na unidade de tempo por um ou

outro lado do coração. Esta definição assume que os dois lados do coração produzem vazões

idênticas. A vazão cardíaca pode ser calculada como o produto do volume de sangue bombeado em

cada batimento cardíaco pela velocidade do sangue, ou seja, o número de batidas por unidade de

tempo. Valores típicos são:

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Volume de pulsação = 70 cm3/batimento = 0,070 litros/batimento

Velocidade do coração = 80 batimentos/minuto

Vazão na saída = 5.6 litros/minuto

A definição habitual de pressão (P) é considerada como a força por unidade de área, e a

pressão é expressa em termos da altura de uma coluna de mercúrio que pode ser suportada pela

pressão em questão. Note-se que esta altura é independente da área da seção reta da coluna: Se a

área é duplicada, o peso da coluna é também duplicada, e a pressão é a mesma. A unidade

convencional de pressão em fisiologia é mm Hg (milímetros de mercúrio).

Quando se consideram pressões, é importante lembrar que só diferenças de pressão

produzem efeitos observáveis. Deste modo, qualquer pressão de referência pode ser considerada

igual a zero, e outras pressões podem ser admitidas como diferenças em relação à pressão de

referência. Uma pressão de referência particularmente conveniente em fisiologia é a pressão

atmosférica, que é a pressão externa da maior parte dos vasos sangüíneos da circulação. As

diferenças de pressão com relação à atmosfera podem ser diretamente medidas pelo dispositivo

simples de deixar a outra extremidade (em forma de U) da coluna de mercúrio aberta à atmosfera.

Aqui será considerado o símbolo P como a pressão medida com relação à atmosfera. Esta definição

de pressão tem maior relevância para a circulação que a pressão absoluta.

2.5.3 MODELO MATEMÁTICO: RESISTÊNCIA E DILATAÇÃO DOS VASOS SANGUÍNEOS

Considere-se o vaso sangüíneo mostrado na figura 4. O volume do vaso é V, a vazão na

entrada é Q1, sua pressão é P1, a vazão na saída é Q2, e sua pressão é P2. A pressão externa é

zero (pressão atmosférica). Suponha-se que o vaso está em regime estacionário, o que significa

que nenhuma destas grandezas está variando com o tempo. Como o sangue é praticamente

incompressível, tem-se Q1 = Q2, considerando-se os índices 1 e 2, para a entrada e saída,

respectivamente.

Figura 4. Esquema de um vaso sanguíneo.

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Qual a relação entre Q, P1, P2 e V? Isto pode parecer uma pergunta complicada uma vez

que envolve duas propriedades diferentes do vaso sangüíneo: sua resistência ao escoamento de

sangue e sua conseqüente dilatação provocada em resposta ao aumento de pressão. Podem-se

isolar estas propriedades considerando casos especiais.

Primeiro, suponha-se que o tubo é rígido, de forma que o volume é admitido com o sendo

constante. Então é necessário encontrar uma relação entre Q, P1, e P2. Já que só diferenças de

pressão importam, é uma suposição segura que Q é determinado pela diferença P1 – P2. A relação

mais simples deste tipo é

Q = (1/R)(P1-P2) (1)

onde R é uma constante denominada resistência do vaso. Se um vaso satisfaz a equação (1)

anterior, este parâmetro é chamado de resistência do vaso. Supondo, em seguida, que o vaso

tubular é elástico, não havendo nenhuma resistência para o fluxo de sangue, as pressões nos dois

extremos do tubo são iguais para qualquer vazão Q. Sendo o tubo elástico, existe uma relação entre

as pressões P = P1 = P2 e o volume V. A relação mais simples deste tipo é

V=CP (2)

onde C é uma constante denominada dilatação do vaso.

2.5.4 INFORMAÇÕES, ESTRATÉGIAS E PREVISÕES DO MODELO MATEMÁTICO

A partir do modelo matemático, uma análise pode fornecer informações relevantes, definir

estratégias eficazes e possibilitar previsões, indicando a utilidade do modelo com efetiva

contribuição para a ampliação dos conhecimentos do assunto estudado.

No caso presente, é evidente que os conceitos de vaso de resistência e vaso de dilatação

são idealizações. Primeiramente, um vaso real deve exibir ambas as propriedades de resistência e

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de dilatação simultaneamente. Segundo, estão sendo consideradas relações lineares (equações do

primeiro grau) que podem ser muito simples para descrever vasos sanguíneos reais.

A resposta para estas objeções pode ser delineada. Primeiro, a circulação parece produzir

uma separação clara entre as funções de resistência e de dilatação em diferentes vasos. Deste

modo, as artérias e veias de maior diâmetro são basicamente vasos de dilatação no sentido de que

somente pequenas diferenças de pressão necessárias para possibilitar a vazão cardíaca nestes

vasos, enquanto suas mudanças em volume são altamente significantes. O local principal de

resistência está nos próprios vasos (principalmente no nível das artérias de menor diâmetro), onde

as mudanças de volume são menos importantes mas onde as grandes variações de pressão são

observadas.

Em segundo lugar, a hipótese de existência de uma relação linear entre vazão e diferenças

de pressão é uma boa aproximação quando se admitem mudanças em resistência. Isto pode

parecer ser um círculo vicioso, desde que se pode sempre fazer a equação (1) verdadeira

introduzindo-se a definição

R = (P1 – P2)/Q.

De fato, os tecidos exibem valores razoavelmente constantes de R sob condições onde os

diâmetros dos vasos sangüíneos permanecem constantes. Quando R varia, uma explicação

fisiológica deve ser buscada. Esta explicação normalmente envolve um estímulo que leva à

contração ou relaxamento dos músculos lisos nas paredes das artérias de pequenos diâmetros. Tal

estímulo pode ser gerado pelo sistema nervoso, por hormônios circulantes (ou outras substâncias

que circulam no sangue), ou pela ação de produtos localmente produzidos pelo metabolismo.

Imagine-se, como exemplo, que se deseja estudar um trecho de comprimento L =12 cm de

uma veia terminal, admitida como um tubo elástico, com parâmetros de valores usuais, como

diâmetro D = 0,15 cm de diâmetro, na qual a pressão do sangue seja P = 2 mm Hg em relação à

pressão atmosférica (P = 0).

Nestas condições, o volume do vaso, admitido como cilíndrico, será:

V 2D

.L4

20,15.12

4

0,212 cm3.

A constante de dilatação do vaso em questão será (equação 2):

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C = V/P = 0,212/2 0,106 cm3/mm Hg.

Se ocorrer, por exemplo, que a pressão sanguínea sofra um acréscimo de 10%, a nova

pressão será P = 1,10.2 = 2,2 mm Hg e o novo volume do vaso em estudo será

V = CP = 0,106.2,2 0,233 cm3.

Com esta previsão, tem-se uma ideia da utilidade do modelo, podendo-se questionar se o

vaso sanguíneo resistirá ou não ao aumento de pressão aqui admitida, resultando, portanto, em

novo questionamento.

Admitindo que a medida da velocidade sanguínea da veia terminal em questão acusa um

valo de 2,5 cm/s, a partir da definição de vazão volumétrica Q = Av, onde

A =área da seção reta;

v = velocidade. Tem-se:

Q = (ðD2/4)v = (ð.1,52/4)2,5 4,418cm3/s.

Com o acréscimo da pressão de 10%, a resistência do vaso será

R = (P1 – P2)/Q = (2,2 – 2,0)/4,418 0,045mm Hg.s/cm3.

Observe-se que o fluxo de sangue deve ocorrer em regime laminar definido pelo número de

Reynolds (Re), que é adimensional (número absoluto, sem unidades):

Re vD

, em que

v = velocidade do sangue;

D = diâmetro da veia;

ñ = massa específica (densidade absoluta) do sangue;

ì = viscosidade dinâmica do sangue.

Usando o Sistema Internacional de Medidas (SI), tem-se, para o sangue no caso em

questão:

v = 2,5 cm/s = 0,025 m/s;

D = 1,5 cm= 0,015 m;

ñ = 1,04 x 103 kg/m3;

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ì = 3,5 x 10-3 Pa.s.

Tem-se então: Re 3

3

0,025.0,015.1,04.10

3,5.10 111,429.

O regime de escoamento no caso é, portanto, laminar. Observe-se que a Mecânica dos

Fluidos considera o regime laminar quando Re < 2100 e, na área da saúde, recomenda-se para o

fluxo sanguíneo um valor de Re < 300.

Veja-se que as etapas do presente modelo matemático poderiam prosseguir

continuadamente dependendo do detalhamento dos objetivos da pesquisa.

Além disso, pode-se afirmar que não existe qualquer justificativa com o caráter de verdade

absoluta para admitir as relações de dilatação linear aqui consideradas. Embora se trate de uma

aproximação coerente para dizer que o volume de um vaso sanguíneo é determinado pela pressão

interna, a relação entre volume e pressão se torna progressivamente menor para se admitir a

dilatação quando ocorre um aumento de pressão. Desta forma, o modelo linear é admitido por

simplificação.

Ressalte-se que o Modelo Matemático pode se fundamentar em teorias matemáticas

simples como o modelo linear (equações do 1º grau) aqui mostrado, assim como pode se valer de

teorias mais complexas, como é o caso de uso frequente do operador nabla, constituído dos

operadores rotacional, gradiente, divergente (ou divergência) e laplaciano. Em quaisquer das

teorias, é possível trabalhar com margens de erros aceitáveis e estes modelos partem de uma

situação concreta, para se chegar às informações desejadas e às estratégias a serem buscadas, a

fim de se obterem as previsões que caracterizam o método científico.

Uma das vantagens de maior relevância no emprego de Modelos Matemáticos é o fato de

tratar-se de um processo de investigação não invasivo, o que evita qualquer tipo de comportamento

que conduza à intervenções de natureza cirúrgica no objeto real que está sendo pesquisado.

O uso de modelos, enfim, é um exercício de criatividade, onde os resultados obtidos

conduzem a novos questionamentos, cabendo ao pesquisador definir os limites que julga

necessários para a eficácia do seu trabalho.

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CAPÍTULO III

SÍNTESE HISTÓRICA DO ENSINO MÉDICO NO BRASIL E AS DISCIPLINAS

MATEMÁTICAS

3.1 A EVOLUÇÃO DA MEDICINA NO BRASIL COLONIAL

Com o fim de realizar uma pesquisa exploratória sobre a receptividade ou o interesse na

inclusão de disciplinas matemáticas nos currículos dos cursos de Medicina do País, necessário se

faz uma incursão na História, de um lado, para conhecer a evolução da Medicina no Brasil colonial

e, de outro, para colher ensinamentos históricos.

Mostrando a relevância do uso de conhecimentos históricos, e analisando o progresso da

Medicina na Europa do século XVIII, em crise com a qual não concordava, Foucault (2011) assim se

expressou:

Há sociedades que não conheceram esse modelo de desenvolvimento da Medicina, pois, devido à sua situação colonial ou semicolonial, tiveram apenas uma relação distante ou secundária com as estruturas médicas. Essas sociedades demandam uma medicalização à qual têm direito, dado estarem afetadas por doenças infecciosas atingindo milhões de pessoas [...] a reexploração da história da Medicina que podemos fazer nos dias de hoje apresenta certo interesse: trata-se de conhecer melhor não a crise atual da Medicina, que é um falso conceito, mas o modelo de funcionamento histórico dessa disciplina a partir do século XVIII, a fim de saber em que medida é possível modificá-la173.

______________ 173 FOUCAULT, Michel. Arte, Epistemologia, Filosofia e História da Medicina. Rio de Janeiro: Forense,

2011. p. 392.

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Pode-se afirmar, inicialmente, que a História da Medicina no mundo não é constituída de

uma contribuição de idealistas na busca da saúde e da vida, assim como a história do homem não é

mais gloriosa do que uma lista de manifestações de egoísmo e violência com alguns momentos de

coerência. Segundo Gordon (1996),

a História da Medicina é, em grande parte, a substituição da ignorância por mentiras. Esse vagar errante por becos sem saída pode ser uma progressão útil, quando os mais inteligentes e impacientes caminhantes encontram um caminho melhor. Muitas descobertas notáveis foram feitas por homens que, seguindo os passos da natureza com os próprios olhos, acompanharam-na por caminhos tortuosos, mas quase sempre seguros, até alcançá-la na sua cidadela da verdade. Em cada geração, desde 1600, esses individualistas legaram à humanidade algum avanço biológico, não relacionado com o progresso árido dos benfeitores convencionais. O fato de as suas descobertas terem sido, de um modo geral, ameaçadas por perigos insuspeitados, provocando doenças inesperadas e morte, só contribui para dar mais interesse à história. Os desbravadores das grandes extensões deste vale de lágrimas formam um grupo especial: todos inteligentes, alguns astutos, os de mais sorte abençoados com inspiração ou intuição, muitos deles simplesmente classificadores obsessivos dos homens e dos micróbios, ou simplesmente dotados de grande destreza manual174.

Tudo indica ser de grande dificuldade a interpretação histórica de um antigo fato médico e

relacioná-lo com um fato atual. Grande parte do atrativo de se buscar a explicação e a compreensão

da tendência para apresentar os fenômenos em causa de certo modo como “plausíveis” ou “naturais”. Essa situação, em caráter genérico, é analisada e criticada por Gardiner (2004), quando diz:

Examinemos em seguida mais ràpidamente alguns métodos de pesquisa histórica que implicam a admissão de hipóteses universais. Intimamente relacionada com a explicação e a compreensão está a chamada interpretação dos fenômenos históricos em termos de um acesso ou de uma teoria particulares. As interpretações que efetivamente se apresentam em história consistem ou em incluir os fenômenos em causa numa explicação científica ou num esboço de explicação; ou numa tentativa de incluí-los numa ideia geral que não pode submeter-se a qualquer teste empírico. No primeiro caso, a interpretação é nitidamente uma explicação por meio de hipóteses universais; no segundo, não passa de uma pseudo-explicação que pode ter interesse emotivo e evocar vivas associações pictóricas, mas que nos não favorece a compreensão teorética do fenômeno a considerar175.

______________ 174 GORDON, Richard. A Assustadora História da Medicina. Trad. de Aulyde Soares Rodrigues. Rio de

Janeiro: Ediouro, 1996. p. 7-8. 175 GARDINER, Patrick. Teorias da História. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2004. p. 432.

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Assim, o que se verifica usualmente é que o critério empregado para colher conclusões

sobre situações da História da Medicina conduz ao uso de metáforas ou belas palavras, não

representando uma compreensão científica.

Nessa incursão histórica, vale lembrar que, na Idade Média, foi usado o termo “físico” para designar o médico internista, ou seja, aquele que empregava drogas diversas no tratamento de

enfermidades internas do corpo, em contraposição ao cirurgião, que cuidava de lesões e problemas

externos por meio de operações manuais. Sobre o assunto, Nogueira (2007) observou que

Galeno, universalmente influente nessa época, um médico internista deveria, antes de tudo, ser um filósofo, para poder compreender a natureza humana em sua pertinência à totalidade da natureza (Physis). Apoiado em Hipócrates e na cosmologia de Empédocles, Galeno ensinava que o corpo humano é composto por quatro humores (sangue, linfa ou fleuma, bílis amarela e bílis negra), que correspondem, em suas propriedades, aos quatro elementos naturais (ar, água, fogo, terra)176.

Observe-se que o termo fisicien, em francês, difunde-se para várias línguas européias,

inclusive para o português. No inglês (physician) é traduzido como “médico”, mas ainda hoje conserva esse significado original.

Visando caracterizar a existência de "corporativismo" ou "espírito de corpo" na Medicina,

veja-se que os médicos e os cirurgiões da Idade Média, reunidos em guildas, participavam de uma

mesma forma de organização social da Medicina. Desta, o aspecto mais proeminente, de natureza

político-jurídica, era o controle da prática profissional por meio de normas que as corporações

faziam promulgar. Segundo Nogueira (2007),

as próprias corporações obedeciam a uma hierarquia de poder: as faculdades médicas, dependentes da Igreja, eram, por sua vez, hegemônicas perante as guildas de cirurgiões. As relações político- jurídicas eram criadas e mantidas ideologicamente, de duas maneiras: 1. ativamente, pelas faculdades médicas; 2. passivamente, pelo "espírito corporativo", que constituía o fundo ideológico comum aos físicos e aos cirurgiões177.

Com o passar dos tempos, a defesa dos interesses corporativos dos físicos, ou seja, do seu

espírito de corpo, estava a cargo da própria instituição responsável pela formação profissional – as

universidades. No início, as escolas médicas nada mais eram que a reunião de todos os físicos de

______________ 176 NOGUEIRA, Roberto Passos. Do Físico ao Médico Moderno. São Paulo: Unesp, 2007. p. 19. 177 NOGUEIRA, Roberto Passos. Do Físico ao Médico Moderno. São Paulo: Unesp, 2007. p. 44.

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determinada cidade com o objetivo de transmitir seus conhecimentos e, concomitantemente,

supervisionar o exercício da Medicina em sua jurisdição (associação é o sentido original da palavra

universitas). Pelo monopólio da reprodução do saber preservavam-se as prerrogativas profissionais,

visando a cura das doenças.

No caso do Brasil, foram muitas as doenças e as epidemias que atacaram os colonos,

aumentando consideravelmente suas dificuldades, criando condições desfavoráveis ao progresso

da Colônia. As populações de São Paulo, do Espírito Santo, da Bahia, de Pernambuco, do

Maranhão e do Pará, foram as que mais sofreram. O governo, preocupado em demasia com a

conquista e as riquezas da terra, pouco cuidava da saúde pública.

Antes de 1808, o sucesso profissional do médico dependia muito mais do meio social, do

prestígio político e dos hábitos culturais, pois a eficácia terapêutica era praticamente nula. Segundo

Gomes,

o conhecimento prestigiado era a cultura geral, que permitia fazer boa figura nas altas esferas sociais. O conceito de que a atividade mental e teórica enobrece, enquanto a atividade manual avilta, vem desde a Grécia antiga e encontrou sua expressão máxima nas monarquias absolutistas, com o ócio total das classes nobres. O resquício moderno desse conceito é visto no prestígio do diploma de curso superior, ainda que dele não se faça uso para prover o sustento178.

No tempo de Brasil Colonial, os hospitais eram escassos, insuficientes e pobres. Conforme

Ribeiro (1971),

os hospitais firmaram-se pelo esforço e abnegação dos que se não deixaram corromper pelo vício, pela cobiça, pela tentação da opulência, ou não se obnubilaram com a magnificência da terra que os relatos ora pintavam como nova Chanaan. Neste particular, a nossa história médica registra exemplos de rara grandeza179.

Apesar das penas previstas, o curandeirismo era exercido intensamente em toda a colônia

brasileira. O número de médicos e licenciados capazes esteve muito aquém das necessidades da

população. Além disso, dado o insucesso constante da medicina oficial, o povo recorria aos pagés,

aos empíricos que se diziam possuidores de forças divinas e dos segredos da terapêutica da flora

americana. Comentando esses fatos, Ribeiro (1971) observa que ______________ 178 GOMES, Marileide da Mota; VARGAS, Sylvia da Silveira Mello; FRANCO, Talita Romero. 1808-2008,

Faculdade de Medicina da UFRJ - Transformações Social, Política, Tecnológica e Evolução. Rio de Janeiro: Atheneu, 2008. p. 262.

179 RIBEIRO, Lourival. Medicina no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1971. p. 33.

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houve grande carência de médicos no Brasil Colonial, o que motivou intensa proliferação do curandeirismo em todos os núcleos populacionais. Mas, ainda que extremamente escassos em relação ao número de habitantes, sempre estiveram presentes às difíceis horas por que passaram os colonizadores no curso das epidemias180.

Por outro lado, a terapêutica do Brasil Colonial nem sempre foi eficiente. Ao contrário, não

raro foi maléfica, devido, sobretudo, aos seus falsos fundamentos. Mostra Ribeiro (1971) que

os médicos ainda se regiam pelas idéias de Hipócrates e de Galeno, expressas no conceito de que as doenças decorriam das desarmonias. e da corrupção dos humores e, por conseqüência, todo esforço da Medicina curativa visava a refazer esse desequilíbrio e eliminar essa corrupção, daí as sangrias e os purgantes serem considerados os dois grandes remédios a se utilizarem indistintamente em todas as doenças181.

Não eram muitas as doenças de que sofriam os indígenas no início da colonização do

Brasil. Mostra a história que as febres inespecíficas, as disenterias, as dermatoses, os pleurizes, o

bócio endêmico, como sendo as mais comuns. Mas este quadro, muito restrito, logo dilatou-se

devido ao convívio dos naturais com os colonos. E a esse convívio pagaram triste e amargo tributo,

marcado principalmente pelas epidemias que os atormentaram e os sacrificaram

desastrosamente182.

Apesar do desenvolvimento atual da Medicina, no Brasil ainda se utilizam métodos

anacrônicos de cura. Conforme Ribeiro (1997),

Amuletos, benzeduras, orações, defumadores e utilização farmacológica de produtos comuns ao universo das práticas associadas aos rituais de feitiçaria continuam sendo, em nossos dias, familiares a algumas comunidades brasileiras". Processaram-se metamorfoses e recriações de velhos sistemas de pensamento em novas estruturas sociais, mas não extinções. Entre nós, continuam bem vivas as cores com que os três povos tingiram a colônia brasileira183.

______________ 180 RIBEIRO, Lourival. Medicina no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1971. p. 87. 181 RIBEIRO, Lourival. Medicina no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1971. p. 171. 182 GOMES, Marileide da Mota; VARGAS, Sylvia da Silveira Mello; FRANCO, Talita Romero. 1808-2008,

Faculdade de Medicinas da UFRJ, Transformações Social, Política, Tecnológica e Evolução. Rio de Janeiro: Atheneu, 2008. p. 87.

183 RIBEIRO, Márcia Moisés. A Ciência dos Trópicos - A Arte Médica no Brasil do Século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 141.

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Observe-se que muitas crenças arcaicas, mantidas à época do Brasil colonial, ficaram de tal

modo arraigadas na população brasileira que permaneceram até hoje, embora algumas práticas de

cura popular tenham desaparecido. O baixo nível educacional do povo certamente tem contribuído

significativamente para a manutenção dessas terapêuticas rústicas e anacrônicas.

Por outro lado, na época do Brasil Colonial, a Medicina estava intimamente ligada à

Astronomia. Conforme Ribeiro (1971),

de acordo com crenças e teorias vigorantes então, o aparecimento de muitas doenças se relacionava com o movimento dos astros. O padre Valentim Estancel, célebre matemático e astrólogo da Companhia de Jesus, vaticinou graves enfermidades no Brasil, depois de ter observado eclipses da lua e do sol, no ano de 1685, ano em que se iniciou a epidemia de febre amarela que fez grandes estragos, principalmente em Pernambuco e na Bahia184.

Verifica-se, assim, que crenças sem quaisquer fundamentos científicos chegavam à

população colonial brasileira que, com significativa porcentagem de analfabetos, era enganada e

prejudicada com a divulgação dessas falsas teorias.

3. 2 PRIMÓRDIOS DO ENSINO MÉDICO NO BRASIL E DISCIPLINAS

MATEMÁTICAS

As lições da História da Medicina no Brasil são de grande relevância para a discussão dos

objetivos deste trabalho, especialmente visando as possibilidades de integração entre a Matemática

e a Medicina nos processos de ensino e de aprendizagem nas Faculdades de Medicina no País.

Por outro lado, a reflexão sobre a trajetória do ensino médico no Brasil incita o

questionamento dos projetos de formação que têm norteado as opções teóricometodológicas feitas

nos cursos de Medicina e o perfil de seu formando. Este perfil apresenta pontos consensuais em

diversas realidades institucionais e sociais, o que permite, numa perspectiva prática, assumir que o

planejamento do curso médico de graduação deve possibilitar ao aluno, em primeiro lugar, adquirir

habilidades e conhecimentos que lhe permitam identificar e definir os problemas básicos de saúde

de sua sociedade; diagnosticar, tratar e encaminhar as patologias mais prevalentes, orientando,

adequadamente, os pacientes e familiares quanto ao tratamento, profilaxia e prognósticos.

______________ 184 RIBEIRO, Lourival. Medicina no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1971. p. 87.

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Além disso, faz-se necessário integrar as ciências básicas com a clínica e entender os

conceitos de atenção primária relacionados com a promoção à saúde e à prevenção das doenças;

conhecer as peculiaridades do sistema de saúde vigente, as características do mundo do trabalho e

entender o engajamento do profissional médico como elemento integrante de uma equipe de saúde.

Enfim, é necessário ter flexibilidade profissional que lhe permita ser eficaz e eficiente e considerar

os valores, direitos e a realidade sócioeconômica de seus pacientes, colegas e do meio em que está

inserido.

Necessário se faz que algumas considerações preliminares sobre a História da Medicina no

Brasil, que envolvem outras área da saúde, sejam aqui apresentadas. Esta incursão histórica

mostra que, apesar dos progressos alcançados pela Medicina no País, não houve qualquer

aproximação significativa com os estudos da Matemática.

Observe-se, inicialmente que, no Brasil, a formação dos profissionais existentes até o

século XIX ocorreu nas escolas e hospitais da Península Ibérica, mais particularmente em Coimbra

e no Hospital Real de São José, de Lisboa. Segundo Santos Filho (1966),

não havia, no País, escola para o ensino médico. Resta acrescentar, a propósito dos cirurgiões, que aqui houve, no século XVIII, instrução e formação de cirurgiões em algumas Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Militares. E, em 1803, o capitão-general de São Paulo, Antônio José de Franca e Horta, instituiu oficialmente, no Hospital Militar da capital paulista, uma "Aula de Cirurgia", que foi frequentada por seis estudantes, os quais, em março de 1804, passaram por exames e saíram aprovados185.

O aumento da demanda por médicos no Brasil resultou na busca de conhecimentos em

universidades portuguesas, particularmente a de Coimbra. Segundo Ribeiro (1971),

o século XVIII é assinalado pelo crescente aumento de alunos brasileiros, matriculados no curso médico da Universidade de Coimbra, por maior interesse pelos estudos concernentes "às virtudes terapêuticas da flora", pela criação de hospitais para uso exclusivo dos militares, pelo isolamento dos leprosos e fundação de academias litero-cientificas [...]186.

Até a chegada de D. João VI, poucos médicos formados exerciam a clínica militar ou civil;

eram assalariados das Santas Casas ou dos Partidos da Câmara. Previamente, a Medicina não era

______________ 185 SANTOS FILHO, Lycurgo. Pequena História da Medicina Brasileira. São Paulo: Editora da USP, 1966.

p.76. 186 RIBEIRO, Lourival. Medicina no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1971. p. 99.

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uma profissão unificada e sim, constituída por corporações distintas. Segundo Gomes, Vargas e

Franco (2008),

a Medicina era praticada por físicos, ou médicos propriamente ditos, raríssimos, que eram principalmente os licenciados pela Universidade de Coimbra ou outra universidade ibérica; doutores que defenderam "conclusões magnas", ou teses, formados nas Universidades de Coimbra, Montpellier e Edimburgo; cirurgiões – barbeiros – que se habilitaram como aprendizes ou ajudantes de mestres, foram examinados e receberam "carta" – que, além dos atos cirúrgicos comuns à época, sangravam, sarjavam (escarificavam), aplicavam ventosas e sanguessugas, extraíam dentes, barbeavam e cortavam o cabelo (estas duas últimas práticas foram restritas ao "barbeiro" do século XVII em diante). "Cirurgiões aprovados", que seguiam um curso teórico-prático em hospitais, se submetiam a exame e obtinham "carta" que lhes outorgava o direito de exercerem todos os tipos de cirurgia e, mesmo, a própria Medicina, onde não houvesse físicos, os "cirurgiões diplomados", formados por escolas européias não ibéricas187.

Ainda havia os boticários e seus aprendizes, além de outros entendidos. A criação das

escolas de Medicina no Brasil representou o fim de muitas das restrições impostas pela metrópole,

possibilitando a formação de médicos qualificados no país.

Ao começar o século XIX, se não havia condições para a administração do ensino médico,

já para o de cirurgia, muito menos complexo, achavam-se aptos certos hospitais e mestres. Por

isso, ao chegar ao Brasil, em 1808, o Regente D. João VI decidiu logo fundar duas escolas – de

cirurgia, note-se bem – uma na Bahia e outra no Rio de Janeiro. Segundo Santos Filho (1991),

a vinda do Príncipe Regente D. João para o Brasil, em 1808, teve o condão de transformar a possessão americana em Metrópole do mundo português. Tornou-se o Brasil a sede da Corte, a sede do Governo Real. Transformou-se em nação. Para tanto, o Príncipe Regente ordenou uma série de providências nos mais diversos campos da administração. No setor da instrução, criaram-se as escolas de Cirurgia da Bahia e do Rio de Janeiro. E a fundação dessas escolas inscreve-se na história da Medicina brasileira como um momento de relevantes conseqüências, pois ensejou o advento dos médicos nacionais, acarretando assim o término da era dos físicos e cirurgiões formados no exterior, principalmente na península ibérica. Pouco a pouco estes últimos irão desaparecendo, substituídos que são pelos doutores brasileiros188.

______________ 187 GOMES, Marileide da Mota; VARGAS, Sylvia da Silveira Mello; FRANCO, Talita Romero. 1808-2008,

Faculdade de Medicinas da UFRJ, Transformações Social, Política, Tecnológica e Evolução. Rio de Janeiro: Atheneu, 2008. p. 84-89.

188 SANTOS FILHO, Lycurgo. História Geral da Medicina Brasileira. Volume 2. São Paulo: Hucitec, 1991. p. 9.

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Com a instituição das escolas médico-cirúrgicas da Bahia e do Rio de Janeiro, o saber

erudito tendeu a afastar-se a cada dia mais da medicina popular. Segundo Ribeiro (1997),

a repressão ao curandeirismo e aos processos curativos envolvendo rituais mágicos tomou-se ainda mais obsessiva. No entanto, as raízes de muitas crenças já estavam bem profundas no imaginário da Colônia. Era impossível arrebatá-Ias. Ao longo dos anos, muitas práticas de cura popular tenderam a desaparecer, mas outras se transformaram, fornecendo subsídios para a criação de terapêuticas que hoje qualificamos como rústicas, de indiscutível origem sincrética. Entre as camadas populares, ainda hoje se difundem rituais curativos cujo arsenal de crenças e uso de substâncias guardam reminiscências de velhos hábitos e costumes189.

As duas Escolas de Medicina (Rio de Janeiro e Bahia) transformaram-se, anos depois, em

"Academias Médico-Cirúrgicas". A Academia do Rio de Janeiro instalou-se em 1813, na Santa Casa

de Misericórdia, ao passo que a da Bahia, também sediada na Santa Casa, iniciando seu

funcionamento depois de 1815. Ambas concediam o diploma de "cirurgião-aprovado" ao aluno que

em cinco anos cursasse as diversas cadeiras de Anatomia, Química, Fisiologia, Higiene, Etiologia,

Patologia, Terapêutica, Operações, Obstetrícia e Clínica Médica. Receberia o título de "cirurgião-

diplomado" o candidato que repetisse em mais um ano as disciplinas lecionadas nas duas últimas

séries190.

O Brasil foi elevado à categoria de Reino em 1815 e, em 1822, emancipou-se de Portugal,

rompendo-se aí todos os liames e até mesmo os laços culturais. Após a Independência, uma

acentuada lusofobia afastou os estudantes brasileiros da Universidade de Coimbra, e foi para a

França que eles se dirigiram em busca de formação cultural e científica. Data de então a introdução

da influência francesa na Medicina nacional, que viria a perdurar até os dias atuais. Nem só na

Medicina, mas também na literatura, nos costumes, na sociedade, no vestuário, na alimentação

implantou-se a influência francesa. Da França emigraram para o Brasil médicos, boticários,

dentistas, pintores, desenhistas, artífices, cabeleireiros, alfaiates e até prostitutas. Os primeiros

compêndios para uso dos alunos das Academias Médico-Cirúrgicas do Rio de Janeiro e da Bahia,

publicados pela Impressão Régia, no Rio de Janeiro, são traduções ou adaptações de tratados de

autores médicos franceses191.

______________ 189 RIBEIRO, Márcia Moisés. A Ciências dos Trópicos. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 141. 190 OLIVEIRA, Eduardo de Sá. Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia. Salvador: Centro

Editorial e Didático da UFBA, 1992. p. 45-69. 191 BUSS, Paulo Marchiori (Org.) et al. Medicina e Saúde no Brasil e Portugal - 200 Anos. Rio de Janeiro:

Cultura & Arte, 2008. p. 34-35.

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Adotando sistemas e teorias médicas antiquados, alguns já ultrapassados na Europa,

baseando-se nos tratados e compêndios franceses – lidos no original ou traduzidos – os

professores das duas escolas nacionais ministraram uma ciência eminentemente teórica,

profundamente livresca. Escasseavam os meios materiais, econômicos, necessários à pesquisa, à

experimentação, à verificação. Eram mais que insuficientes, eram rudimentares as instalações e a

aparelhagem das escolas. E os doutores brasileiros diplomados em Paris, aqui não encontraram

ambiente propício. Estagnam, então, e se enfraquecem. Entretanto, alguns lentes de Clínica Médica

e Cirúrgica destacam-se dos demais pelo profundo saber teórico. E fazem-se notar pela argúcia e

pelo tino. Os lentes das disciplinas básicas, como a Anatomia, a Fisiologia, a Física e a Química,

diluem-se na mediocridade e ignorância gerais. Especificamente, não se pensou em Matemática e a

aplicação de alguns dos seus princípios estavam contidos na Física192.

Convém lembrar que alguns favores se estendiam aos que voltassem da França,

abandonando os estudos em Montpellier e Paris. Nessa época já era intenso o clamor em prol da

reforma das Academias Médico-Cirúrgicas do Rio de Janeiro e Bahia, apontadas como deficientes e

anacrônicas. Segundo Santos Filho (1991),

Francisco de Sales Torres Homem, futuro visconde de Inhomirim, que cursara a da Corte, escrevia, com sarcasmo, que os programas dos cursos das Escolas Médico-Cirúrgicas brasileiras haviam sido elaborados especialmente para favorecerem os diplomados por Coimbra, Universidade célebre entre os portugueses, mas muito pouco conhecida no resto da Europa [...] E o parlamentar mineiro Bemardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850) exclamava na Câmara dos Deputados (1826): "Podemos ser sábios sem tanto nos guiarmos pela Universidade de Coimbra". A reforma das Academias tomara-se de flagrante necessidade193.

As academias perduraram até 1832. Nesse ano, a Regência, em nome do Imperador-

menino, o futuro D. Pedro II, transformou as Escolas de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia em

Faculdades de Medicina, de acordo com o projeto elaborado pela Sociedade de Medicina do Rio de

Janeiro e aprovado pelo Congresso. O curso passou a ser de seis anos, abrangendo as matérias

básicas, como a Física, a Química, a Botânica, a Anatomia e a Fisiologia, as auxiliares como a

patologia e outras, e as cadeiras de Clínica e de Cirurgia. Posteriormente – houve três reformas do

ensino médico no período imperial – outras disciplinas foram acrescentadas, as de clínicas

especializadas. No final do curso, depois de defender uma tese sobre tema médico ou cirúrgico, o

______________ 192 FRAGA, Clementino. Ensino Médico e Medicina Social. Rio de Janeiro: A Noite Editora, 1932. p. 41. 193 SANTOS FILHO, Lycurgo. História Geral da Medicina Brasileira. Volume 2. São Paulo: Hucitec, 1991.

p. 87.

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aluno obtinha o diploma de Doutor em Medicina. Não se cogitou em momento algum de incluir

Matemática nos estudos médicos194.

Além do curso médico, as duas faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia – as únicas até o

início do século XX – ministraram um curso farmacêutico, em três anos, um curso obstétrico para

parteiras, em um ou em dois anos, e o curso odontológico, em três anos. Considerando-se as

condições da época e do meio, a organização de ensino formulada pela Sociedade de Medicina foi

um avanço, acrescentando-se que foram incluídas disciplinas que começavam a se desenvolver na

Europa, como Ginecologia, Psiquiatria, Oftalmologia e outras. Ocorreu sempre, portanto, um

afastamento dos currículos de disciplinas especificamente matemáticas.

Convém notar que a fundação do ensino superior no Brasil foi entravada e obstada pela

orientação colonialista da Metrópole lusa. Segundo Santos Filho (1991),

não se cogitou, no período colonial, do estabelecimento do ensino médico-cirúrgico. Rejeitou-se, mesmo, em princípios do século XIX, o projeto de organização da Instrução Pública no Brasil, elaborado pelo brigadeiro português Francisco de Borja Garção Stockler (1759-1829), escritor e matemático residente no Rio de Janeiro em 1816, e apresentado em 1806, em Lisboa, ao ministro do Reino, Antônio de Araújo de Azevedo, conde da Barca (1754-1817). Estruturado segundo o modelo e os programas das escolas alemãs, incluía as "Academias Reais de Medicina,Cirurgia e Farmácia". Outra tentativa de criação do ensino médico ocorreu, destinada ao fracasso. Quando os deputados da capitania de São Paulo compareceram às Cortes de Lisboa (1821), levavam instruções ou normas previamente traçadas para um melhor desempenho do mandato. Pois entre as providências que deveriam pleitear das mesmas Cortes figurava o estabelecimento de três cadeiras: uma de "Medicina teórica e prática", outra de "Cirurgia e Obstetrícia" e a terceira de "Arte veterinária", em cada uma das sedes das capitanias do Reino do Brasil195.

Quando ocorreu a separação entre o Brasil e Portugal (1822), foram chamados de volta

todos os brasileiros que estivessem no Exterior. Todos, exceto os estudantes matriculados na

Universidade de Coimbra. Estes deveriam concluir os seus cursos. Somente no ano de 1830, o

decreto de 26 de agosto, assinado pelo Imperador D. Pedro I e referendado pelo ministro visconde

de Alcântara (1781-1834), desfez o mito de Coimbra. Acenou-se com favores escolares aos

universitários brasileiros que regressassem de Coimbra.

______________ 194 GOMES, Marileide da Mota; VARGAS, Sylvia da Silveira Mello; FRANCO, Talita Romero. 1808-2008,

Faculdade de Medicinas da UFRJ, Transformações Social, Política, Tecnológica e Evolução. Rio de Janeiro: Atheneu, 2008. p. 104-105.

195 SANTOS FILHO, Lycurgo. História Geral da Medicina Brasileira. Volume 2. São Paulo: Hucitec, 1991. p. 86.

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Foi a partir do decreto de 3 de outubro de 1832 que passou a ser conferido, no Brasil, o

título de Doutor em Medicina. O candidato sustentava, em público, uma tese escrita no idioma

nacional, ou em latim, e impressa à própria custa. Facultou·se aos cirurgiões diplomados pelas

Academias e aos alunos que as cursavam no ano da transformação (1832) a obtenção do grau de

doutor mediante a realização de exame das matérias que não constavam do antigo currículo

escolar. Também os professores nomeados para as duas Faculdades e que não possuíam o título

de doutor receberam-no posteriormente, pelo decreto de 16 de setembro de 1834196.

Foi em dezembro de 1834 que os primeiros doutores em Medicina defenderam tese na

Faculdade do Rio de Janeiro, ao passo que na Bahia tal fato só se verificou em 1838. De quatro em

quatro anos, depois da defesa de tese, o jovem doutor, após aprovação em concurso especial,

viajava pela Europa, a expensas do Estado, em busca de novos conhecimentos médicos. A tese

compreendia uma "dissertação" e a enumeração de "proposições" que se traduziam, muitas vezes,

na transcrição, ipsis verbis, de aforismos de Hipócrates. Quanto à dissertação, ela primou pela

ausência de originalidade nos conceitos e na apresentação de observações médico-cirúrgicas. Em

contrapartida, enchiam-se às vezes até de quatro a cinco páginas impressas, com dedicatórias

repassadas de carinho e amizade, aos professores, aos parentes, amigos, padrinhos e protetores.

Se aprovada a tese – o que invariavelmente sucedia – pela banca examinadora composta por três

lentes, o doutorando colava grau em sessão solene, ou de maneira informal, na secretaria da

escola197.

Durante o movimento para proclamação da república, suprimiu-se a liberdade de ensino.

Apenas os opositores poderiam manter curso particular no recinto da escola. Nesse período, no

ensino médico, não houve mudança de mentalidade. As reformas posteriores, excetuando-se a de

1879, mutatis mutandis, conservam a mesma orientação, de estudos dirigidos, e a mesma

mentalidade católica romana, rigidamente conservadora. Não eram, aliás, permitidas mudanças

doutrinárias ou filosóficas. Para Santos Filho (1991),

os corpos docente e discente deveriam nortear as suas manifestações pelos princípios da religião católica. Vedadas eram as então modernas concepções materialistas, darwinistas ou posiitivistas. e bem conhecido o episódio Domingos Guedes Cabral (1851-1883). Livre-pensador, sua tese de doutoramento em

______________ 196 OLIVEIRA, Eduardo de Sá. Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia. p. 45-52. 197 GOMES, Marileide da Mota; VARGAS, Sylvia da Silveira Mello; FRANCO, Talita Romero. 1808-2008,

Faculdade de Medicinas da UFRJ, Transformações Social, Política, Tecnológica e Evolução. Rio de Janeiro: Atheneu, 2008. p. 84-89.

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1875, "Funções do cérebro", de fundo materialista, foi rejeitada pela Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia198.

No livro oficial “Medicina no século XIX”, nos capítulos dedicados à Patologia e Terapêutica,

Obstetrícia, Assistência Sanitária e Medicina Legal, vêm descritos os títulos de dezenas e dezenas

de teses de doutoramento defendidas nas duas Faculdades, do Rio de Janeiro e da Bahia. Também

no capítulo dedicado à Organização das mesmas duas faculdades brasileiras há referência à

elaboração e ao conteúdo das referidas teses. Para Salles (1971),

todas elas refletem a sabedoria médica do século XIX, no Brasil. De natureza teórica, destituídas de originalidade, pois repetiam os conhecimentos da Medicina francesa, e repetitivas nos títulos e no conteúdo – em cada ano diversos doutorandos expunham um mesmo tema com as mesmíssimas conclusões, elas são a amostra eloquente e veraz da ciência médica vigente no Brasil no século passado199.

O ensino da Medicina no Brasil foi significativamente influenciado com a aprovação, em

1849, do "Plano para a organização do Corpo de Saúde do Exército", que chegou aos tempos

atuais com a denominação de "Serviço de Saúde do Exército". Constituiu-se, naquela época, o

Corpo de Saúde do Exército com 105 oficiais médicos. Anote-se que, nessa época, o Brasil era dos

poucos países do mundo a possuir um Corpo de Saúde militar organizado. E a propósito refira-se

que, por ocasião da campanha de 1851-52 contra o general uruguaio Manuel Oribe (1792-1857) e o

ditador argentino Juan Manuel de Rosas (1793-1877), apenas as tropas brasileiras e a divisão

uruguaia possuíam "ambulâncias, farmácias e cirurgiões, que socorriam, em caso de urgente

necessidade, os demais corpos desprovidos de tais benefícios". Esses "demais corpos" eram as

forças argentinas do general Justo José de Urquiza (1800-1870), aliadas, na ocasião, ao Brasil200.

3.3 SÍNTESE HISTÓRICA DO ENSINO MÉDICO ATUAL NO BRASIL

Observe-se, preliminarmente, que, no Brasil, a universidade é um órgão social recente, só

instalado oficialmente quando sua presença se fez necessária. Nada tem de comum com os

similares estrangeiros, cuja fundação se conta por séculos. Dados os caracteres peculiares da

colonização portuguesa, o Brasil tinha de atravessar toda a sua fase colonial sem possuir

______________ 198 SANTOS FILHO, Lycurgo. História Geral da Medicina Brasileira. Volume 2. São Paulo: Hucitec, 1991.

p. 87. 199 SALLES, Pedro. História da Medicina no Brasil. Belo Horizonte: Holman, 1971. p. 228-229. 200 SANTOS FILHO, Lycurgo. História Geral da Medicina Brasileira. Volume 2. São Paulo: Hucitec, 1991. p.

556.

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universidades, pois várias razões tornavam-nas não só impossíveis como indesejáveis em nosso

meio. Só com a instalação da sede do poder colonizador no território da própria colônia, o que iria

facilitar, como ocorreu, a independência política, vieram a ser fundadas as primeiras escolas

superiores. Estas foram as de Direito, em Recife e São Paulo, e as de Medicina, na Bahia e no Rio

de Janeiro. Sobre esse fato, Vieira Pinto (1994) assim se manifestou:

Compreende-se que assim ocorresse, pois eram estas as oficinas que deviam preparar os especialistas exigidos pela sociedade semicolonial no grau em que se encontrava: advogados para defender os direitos dos senhores de terras, uns contra os outros, e médicos que tratassem da saúde dos membros da classe rica. É evidente que numa sociedade estagnada, onde nada de importante havia para construir ou fabricar, não se exigiam institutos de ciências naturais e de formação tecnológica201.

Na década de 1950 até o início da década de 1960, o aumento do número de diplomados,

numa situação em que o mercado de trabalho não tinha dinamismo correspondente, conduzia à

elevação dos requisitos educacionais, à desvalorização econômica e simbólica do diploma, ao

subemprego e ao desemprego. O quadro do ensino superior no país naquela época, segundo

Cunha (1989), permitia chamar a universidade de crítica em dois sentidos do termo:

No primeiro sentido, a universidade esteve numa situação crítica. Não era uma mera "crise de crescimento", superável pelo próprio desenvolvimento do processo. À medida que aquelas contradições se acirravam, a universidade tornava-se cada vez menos capaz de pretender legitimidade para sua atividade sóciopedagógica. Do ponto de vista discente, o ensino tomava-se um fardo tão inútil quanto insuportável, a autoridade universitária sendo definida como fonte de arbitrariedades [...] Mas a maioria dos professores estava mesmo interessada era na melhoria da sua situação empregatícia, sentindo na "federalização" eficiente mecanismo de cooptação – um apelo irresistível para o conformismo [...] No segundo sentido, a universidade foi crítica de si própria e da sociedade como um todo. Não era essa a tônica predominante no ensino da universidade brasileira do período. Ele se pautava por uma consistente combinação de arcaísmo técnico e conformismo político. Essa combinação foi sendo fragmentada de "dentro" e de "fora". Fissuras se abriam no seu interior quando as contradições que cindiam a sociedade brasileira levavam os professores a assumir posições políticas cada vez mais explícitas202.

O desenvolvimento do ensino médico no Brasil foi lento e muitas dificuldades existiam para

sua expansão. Segundo Carneiro (1999),

______________ 201 VIEIRA PINTO, Álvaro. A Questão da Universidade. São Paulo: Cortez, 1994. p. 18. 202 CUNHA, Luiz Antônio. A Universidade Crítica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989. p. 258-259.

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até 1950, existiam no Brasil 13 escolas médicas, das quais 2 em São Paulo, capital, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, fundada em 1913, e a Escola Paulista de Medicina, fundada em 1933, todas essas faculdades sediadas nas capitais dos Estados. Nessa época, já havia no âmbito governamental, e nos círculos médico-universitários, intenções de ampliar e descentralizar o número de escolas médicas. No entanto, encontravam dificuldades para atender às exigências da legislação federal competente, rígidas com relação, principalmente, à ligação da escola com uma universidade já existente, ou uma fundação muito bem estruturada, em condições amplas de manutenção de suas instalações, corpo docente de apreciável curriculum vitae, e demais exigências 203.

Ao longo do tempo, até os dias atuais, cresceu significativamente o número de Faculdades

de Medicina no país. Segundo Marcondes e Gonçalves (1998),

existem no Brasil, atualmente, 186 escolas médicas, distribuídas de maneira heterogênea por todo o território nacional. É oportuno lembrar que 56 dessas escolas estão inseridas na figura da universidade clássica, sendo 28 vinculadas ao poder federal, 9 ao estadual, 1 ao municipal e 18 à 355 iniciativa particular; as 30 restantes são escolas médicas isoladas: 29 escolas médicas vinculam-se à figura de fundação, 6 das quais correspondem a universidades federais, 1, à universidade estadual e 4, a universidades particulares; outras 18 fundações correspondem a escolas médicas isoladas, sendo 1 federal e 17 particulares204.

No panorama mundial, durante o século XX, a assistência médica tornou-se parte integrante

da máquina das sociedades industrializadas. As conseqüências disso não são fáceis de avaliar.

Persistem as imensas desigualdades de recursos entre ricos e pobres reveladas pelos estatísticos

do século XIX, enquanto as disparidades entre os padrões de saúde dos então chamados Primeiro

e Terceiro mundos tiveram um aumento flagrante. Segundo Porter (2004),

A Medicina moderna, naquilo que tem de melhor, tem possibilidades singulares de manter os indivíduos vivos, sadios e livres da dor. Sua contribuição para a saúde mais ampla da humanidade continua a ser mais questionável. Muitos acreditam que o investimento na saúde pública, na higiene ambiental e na

______________ 203 CARNEIRO, Hely Felisberto. A Faculdade de Medicina de Sorocaba e os 50 anos de sua História.

Sorocaba: Grafilínea Editora, 1999. p. 28-29 204 MARCONDES, Eduardo; GONÇALVES, Ernesto Lima. Educação Médica. São Paulo: Sarvier, 1998. p.

355.

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melhoria da nutrição fariam muito mais pela saúde dos países do Terceiro Mundo do que sofisticados programas de Medicina clínica205.

Vale lembrar que os aprimoramentos ambientais e a melhoria do padrão de vida contribuem

mais do que a medicina curativa, hoje em dia, para garantir a maior longevidade que hoje se

presume como certa. E a medicina tem feito apenas incursões lentas contra as doenças do

envelhecimento. A luz desses fatores, o papel e o alcance da medicina nos países avançados

parecem estar destinados a se modificar no século XXI, à medida que a ênfase se deslocar da

superação das doenças para a realização de desejos ligados ao estilo de vida, para o

aprimoramento do corpo e para a maior longevidade.

O padrão de desempenho que se pode esperar do egresso da escola médica é função das

possibilidades que ele teve de ver atingidos os níveis adequados nas áreas básicas de educação, a

saber, a cognitiva, a afetiva e a psicomotora. Para se atingir os níveis adequados há dificuldades,

em maior ou menor escala, pela presença na mesma instituição, dos alunos de graduação e pós-

graduação e médicos residentes. A moderna tecnologia funda-se indiscutivelmente sobre a

Informática que deverá ser crescentemente aplicada à Educação Médica. Neste campo, os recursos

de multimídia abrem possibilidades ainda imprevisíveis206.

O principal corpo de dispositivos legais é hoje representado pelas Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, elaboradas pela Câmara de Ensino Superior do

Conselho Nacional de Educação, constantes da Resolução CNE/CES no 4, de 7 de novembro de

2001, com fundamentos no Parecer CNE/CES 1133 de 7 de agosto de 2001, homologado pelo

Senhor Ministro da Educação em 1o de outubro de 2001. Essas diretrizes foram publicadas no

Diário Oficial da União em 9 de novembro de 2001, à página 38 da Secção 1. Nessas diretrizes, o

perfil de profissional proposto é definido no Artigo 3o:

[...] médico com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano.

______________ 205 PORTER, Roy (Editer). Cambridge Illustred History of Medicine. Cambridge: Cambridge University

Press, 2009. p. 203. 206 Site: http://www.amb.org.br/, acesso em 15/12/2009.

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Uma observação imparcial indica que o preparo pedagógico dos professores das

Faculdades de Medicina do país é inadequada e até ineficiente. A competência na área técnica de

atuação médica tem sido o critério fundamental para a seleção ou eleição dos profissionais que vão

passar de médicos a pesquisadores ou professores. Isso implica a existência de profundo

desconhecimento de técnicas e metodologias de ensino, de trabalho com grupos e de produção de

materiais didáticos apropriados. Sobre o assunto, assim se manifestou Feuerwerker (2002):

Há pelo menos trinta anos, nos fóruns de discussão e reflexão sobre a educação médica, propiciados pela ABEM (Associação Brasileira de Educação Médica) e por outros atores da saúde, acumulam-se os argumentos favoráveis à necessidade de mudar a educação médica. Processos de avaliação de naturezas distintas como os promovidos pela CINAEM (Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação Médica) e pelo MEC – Ministério da Educação (provão e avaliação das condições de oferta) levam a conclusões semelhantes em relação ao diagnóstico de que em muitas escolas há falta de preparo dos professores para atividades de docência e de investigação, baixa produção de conhecimentos, currículos arcaicos, carga horária excessiva, dissociação teoria e prática, dissociação entre ciclo básico e clínico, formação que favorece a utilização indiscriminada de tecnologia e prática profissional impessoal e descontextualizada, etc.207.

Com uma crítica mais profunda, a falta de preparo pedagógico dos professores de Medicina

foi discutida por Bordenave e Pereira (1988):

Mais grave ainda que não haver formação técnica específica no terreno pedagógico é o fato de predominar amplamente nas escolas médicas uma concepção tradicional de ensino, segundo a qual a educação está baseada na transmissão do conhecimento e na experiência do professor, na supervalorização do conteúdo da matéria e na expectativa de que aluno o absorva e reproduza os conteúdos208.

Na verdade, o problema parece ser ainda mais complexo. Se for entendido que os

currículos são a expressão do equilíbrio de interesses e forças que operam no sistema educativo

em dado momento, se for sabido que os currículos estão relacionados com a questão do poder e

transmitem visões específicas sobre a sociedade e seus valores, pode-se perceber que esse debate

nas escolas médicas foi sempre feito de maneira muito limitada209.

______________ 207 FEUERWERKER, Laura. Além do Discurso de Mudança na Educação Médica. São Paulo: Hucitec,

2002. p. 1. 208 BORDENAVE, J. D.; PEREIRA, A. M. Estratégias de Ensino-Aprendizagem. Rio de Janeiro: Vozes,

1988. p. 16. 209 Site: http://www.saude.gov.br/promed, acesso em setembro de 2008.

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Observa-se que, no Brasil, o lento processo de mudança na formação do médico possibilita

que o assunto permaneça como um motivo de atenção, tanto de instituições governamentais como

da Associação Brasileira de Educação Médica – ABEM. Cite-se o exemplo de abril de 2005, quando

a ABEM realizou em Brasília uma Oficina Nacional com o objetivo de discutir assuntos relativos aos

processos de mudanças no perfil do profissional formado visando uma aproximação com as

exigências pelas diretrizes curriculares210.

Pode-se dizer que os currículos das Faculdades de Medicina buscam expressar o modo

como uma instituição educacional se vê no mundo, ou seja, qual o seu papel, que relações ela deve

estabelecer, quem são seus interlocutores, como se concebe o conhecimento (como ele é

produzido, para que serve), como se concebe a educação, qual a melhor forma de aprender, como

a escola se organiza considerando os elementos anteriores, o papel (e o poder) que cada um tem

dentro da escola. Além disso, no caso do ensino médico, o currículo também se destina a expressar

a concepção que se tem sobre saúde, sobre o papel do médico na sociedade, sobre o médico que

se quer formar. Nesse contexto, o ensino de disciplinas matemáticas, exceto Bioestatística, não é

sequer cogitado.

______________ 210 Associação Brasileira de Educação Médica – ABEM. Avaliação das Condições de Ensino da Medicina.

Site: www.abem-educmed.org.br, acesso em maio de 2009.

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CAPÍTULO IV

PROBLEMAS CURRICULARES DOS CURSOS DE MEDICINA

4.1 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO MÉDICA

Neste capítulo busca-se o entendimento dos fundamentos históricos e filosóficos da

Educação Médica no Brasil, a fim de que se possa melhor fundamentar a discussão sobre a sua

integração com a Educação Matemática, tendo em vista a consecução dos objetivos desta tese que

busca discutir a inserção de disciplinas matemáticas nos cursos de Medicina.

Tudo parece indicar que, quando se estudam as fronteiras entre pesquisa e

ensinoaprendizagem nos cursos de Medicina, a possibilidade de uma compreensão integral do ser

humano e do processo saúde-doença passa necessariamente por uma abordagem multidisciplinar e

por uma prática multiprofissional. A abordagem interdisciplinar deve incluir a construção do

conhecimento, chegando, pelo menos, a interações recíprocas e à colaboração entre disciplinas

diversas e, além disso, que implique a demolição das fronteiras entre pesquisa e

ensinoaprendizagem.

Demo (2000) critica a didática do “ensino e de aprendizagem” e defende a postura de “aprender a aprender”. Segundo a sua opinião,

a didática "ensino e de aprendizagem", como opção única da escola, é algo feudal, tipicamente de cima para baixo, solidificado na distinção obsoleta de um lado como único sujeito (ensinar) e de outro como único objeto (aprender). A par disso, revive o esquema do "reflexo condicionado", identificado com domesticação. E por fim, recoloca o cheiro de mofo, sacristia e exacerbação ideológica, como se educação fosse "doutrinação", enquadramento da cabeça do aluno, moldagem de coisas. Aprender, como papel exclusivo do educando, significa cristalizar a atitude de submissão, acatamento, obediência, reservando-

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se para o educador a postura de manipulação. Só o professor medíocre, que não merece reconhecimento, precisa desta subordinação. O. "aprender a aprender" supõe também aprender, mas seu centro está no saber pensar, fundamento do sujeito social consciente e competente. Enquanto não se perceber que didática deve ser estratégia emancipatória, a pedagogia representará o passado211.

Por outro lado, parece que o conhecimento científico em algumas áreas da saúde muitas

vezes é transformado em propriedade comercial, cuja função é dar dinheiro aos patrocinadores e

não de melhorar a saúde da coletividade. Sabe-se que muitas das pesquisas com medicamentos

são atualmente patrocinadas pela indústria farmacêutica e, pior que isso, em sua grande maioria,

essas pesquisas são feitas fora das universidades. Onde quer que sejam feitas essas pesquisas há

necessidade de honestidade intelectual, prestação de contas e integridade212.

Tem sido amplamente noticiado pela imprensa que médicos brasileiros responsáveis por

elaborar diretrizes clínicas têm ligações com laboratórios farmacêuticos, o que caracteriza um

conflito de interesses. Observe-se que diretrizes são orientações que padronizam a conduta ou

procedimentos para determinada doença.

A esse respeito, a Folha de São Paulo comentou:

Para os bioeticistas, médicos que recebem recursos da indústria farmacêutica ou de equipamentos “contaminam” as diretrizes, podem exagerar na prevalência ou na importância de doenças, minimizar os riscos e distorcer dados sobre a eficiência das drogas. Esses procedimentos conflituosos ocorrem em diversas situações, como nos casos dos procedimentos dos médicos que: 1) participam de estudos clínicos ou experimentais patrocinados pela indústria farmacêutica ou de equipamentos; 2) são palestrantes em eventos ou atividades patrocinadas pela indústria; 3) são membros do conselho consultivo ou diretivo da indústria farmacêutica ou de equipamentos; 4) participam de comitês normativos de estudos científicos patrocinados pela indústria; 5) recebem auxílio pessoal ou institucional da indústria; 6) elaboram textos científicos em periódicos que são patrocinados pela indústria213.

Os médicos utilizam a teoria da doença para formular hipóteses quando estão diante de um

paciente. A construção do raciocínio clínico e das hipóteses diagnósticas certamente é informada

pelo método científico. Mas o caráter científico da prática clínica é relativo por algumas razões.

Primeiro, pela singularidade de cada pessoa e, portanto, do doente. Singularidade histórica, que se

______________ 211 DEMO, P. Desafios Modernos da Educação. Petrópolis: Vozes, 2000. p.261. 212 AVORN, Jerry. Power Medicines. Nova York: Alfred A. Knopf, 2008. p. 401. 213 FOLHA DE SÃO PAULO: Médicos ligados à indústria ditam regras de conduta. 3 de fevereiro de

2011, página C4.

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revela em múltiplas dimensões – social, cultural, psicológica e até mesmo biológica – e que insiste

em particularizar e diferenciar o fenômeno patológico da doença em cada remédio, constitui-se fato

inadmissível se o foco estiver sobre o indivíduo e sobre suas necessidades. Canguilhem (1990),

estudando as características da Medicina, disse que

a Medicina é uma atividade que tem raízes no esforço espontâneo do ser vivo para dominar o meio e organizá-la segundo seus valores de ser vivo. É nesse esforço espontâneo que a Medicina encontra seu sentido, mesmo não tendo encontrado antes toda a lucidez crítica que a tornaria infalível. Eis porque, sem ser ela própria uma ciência, a medicina utiliza os resultados de todas as ciências a serviço das normas da vida214.

Já se fez menção que a História mostra ter surgido um divisor de águas que revolucionou o

ensino na área da saúde que foi a publicação, em 1910, do Relatório Flexner, contendo uma crítica

à situação da Medicina, propondo soluções para a questão. Descrevendo a situação de muitas das

155 Faculdades de Medicina dos Estados Unidos daquela época, o educador Abraham Flexner

(1866-1959), redator do famoso relatório, revolucionou a Educação Médica americana e também a

européia, desde então. O Relatório Flexner, como já mencionado, foi responsável pelo fechamento

de 123 escolas médicas americanas nos anos seguintes, que não tinham condições consideradas

adequadas de ensino. Foram mantidas somente 32 delas215.

Uma análise do Relatório de Flexner indica que este pesquisador da Educação Médica

considerava o conhecimento das ciências básicas e médicas, na época, insuficiente para uma boa

formação e que o progresso científico deveria ampliar muito a responsabilidade ética do profissional

de Medicina. Existia, sim, alguma preocupação com aspectos preventivos:

[...] a função do médico está se tornando rapidamente social e preventiva, mais do que individual e curativa. Sobre ele a sociedade se apóia para assegurar e, através de medidas essencialmente educacionais, levar às condições que previnam doenças e contribuam positivamente para o bem-estar físico e moral216.

Parte-se da hipótese na qual diferentes fatores podem dificultar as mudanças do ensino

médico, entre os quais: 1. Parece que os professores desconhecem a intencionalidade do currículo,

______________ 214 CANGUILHEM, G. O Normal e o Patológico. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p.154. 215 FLEXNER, Abraham. Medical Education in the United Sates and Canada. North Stratford: Ayer, 2003.

p. 327. 216 FLEXNER, Abraham. Medical Education in the United Sates and Canada. North Stratford: Ayer, 2003.

p. 26.

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ou seja, não têm conhecimento dos objetivos e dos conteúdos curriculares do curso; 2. Os

currículos são rígidos e se apresentam de forma fragmentada, em disciplinas não integradas; 3. Há

fortes indicações de que os professores não estão interessados em outras áreas do saber,

particularmente das ciências matemáticas; 4. O tempo de atividade dos professores na instituição

em que trabalham é pequeno para que se colaborem na integração das disciplinas como um passo

inicial para se atingir a interdisciplinaridade.

Observe-se que a maior parte do aumento notável dos conhecimentos médicos surgiu da

invenção de novas tecnologias que ampliam os tipos de conhecimento. A história da pesquisa

médica é uma história de capacidade humana para observar e manipular os organismos vivos por

meios como o microscópio eletrônico e a espectrometria, entre tantos outros, exigindo um

ferramental matemático e avaliações bioestatísticas.

Na opinião de Gunderman (2006), a Medicina acadêmica é apoiada em um tripé: ensino,

pesquisa e assistência aos pacientes. Esse equilíbrio foi mantido durante muito tempo. Em anos

recentes, a educação se tornou a perna pequena do tripé. Cada vez mais atenção e recursos foram

dedicados para cuidado com o paciente e pesquisa, mas a educação foi relegada a segundo plano.

Isto é uma situação perigosa, em parte porque ameaça desestabilizar a Medicina. Para que as

atividades médicas evoluam nós precisamos de médicos com elevado nível de educação, ou seja,

devem ser capazes de dar uma assistência eficiente a seus pacientes e dedicar algum tempo a

pesquisa217.

A gênese do movimento dos currículos nas Faculdade de Medicina, foi mostrada por Scott

(2008). Ele identificou os aspectos relevantes, no final do século XX, da onda de entusiasmo com a

aplicação do método científico para o estudo e a implementação do currículo. Discutiu e buscou

justificar, com precisão, objetividade, predição e o uso do método científico para estabelecer o que

deveria ser ensinado nas escolas médicas, indicando caminhos para a estruturação dos

currículos218.

Amaral (2002) comenta que “Na Europa, as escolas médicas implantaram os currículos priorizando a interdisciplinaridade, integrando o saber, o pensar e o agir”219. Gonçalves (2002)

levanta as perguntas:

______________ 217 GUNDERMAN, Richard. Achieving Excellence in Medical Education. Londres: Springer, 2006. p. 1. 218 SCOTT, David. Critical Essays on Major Curriculum Theorists. Nova York: Routledge, 2008. p. 6. 219 AMARAL, J. L. Avaliação e Transformação das Escolas Médicas: Uma Experiência Brasileira nos

Anos 90, na Ordenação de Recursos Humanos para o SUS. Dissertação de Mestrado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002. p. 54.

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Quais as habilidades, as atitudes, os conhecimentos que serão necessários oferecer ao estudante de Medicina para capacitá-lo a exercer eficientemente sua profissão? Mas, muito mais do que apenas isso: quais serão os valores que ele precisará internalizar para que possa ser realmente um médico? A resposta a essas questões coloca o desafio que a escola médica brasileira vem sendo insistentemente convidada a responder220.

Nos relatórios da Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação da Educação Médica –

CINAEM, de 1998, ficou clara a importância dos recursos humanos, ou seja, os professores do

curso, e o modelo pedagógico têm grande poder de determinar a adequação do médico formado221.

É sabido que o processo de ensinoaprendizagem desenvolve-se ao longo do tempo, em

particular quando se trata de sistemas comprometidos com a profissionalização, como é o caso da

Medicina. Por essa razão, os diferentes programas, que compreendem objetivos setoriais, devem

ser ordenados e organizados numa sequência racional. Nasce, dessa forma, o currículo do curso ou

da instituição que não é mais do que um instrumento a serviço do sucesso do processo de

ensinoaprendizagem. Em geral, segundo Gonçalves (2001),

os alunos dos cursos de Medicina limitam-se a memorizar o que ouviram ou leram nas anotações próprias ou alheias, para reproduzir fielmente o que foi apresentado, sem qualquer trabalho de interiorização pessoal. A matéria acumula-se numa programação que chega às vezes à margem do intolerável, sobrecarregando a memória do aluno, mas não comprometendo sua inteligência222.

Ao pesquisar o papel dos professores na formulação e os objetivos do ensino em geral,

Mager (1980) observa que,

antes de planejar o ensino, selecionar procedimentos, material ou conteúdo, é importante ser capaz de formular exatamente aquilo que se pretende com o ensino. Uma formulação clara de objetivos vai prover com uma base sólida a escolha de métodos e materiais, bem como a seleção de meios para avaliar o resultado da aprendizagem223.

______________ 220 GONÇALVES, Ernesto Lima. Médicos e Ensino da Medicina no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2002. p. 61. 221 COMISSAO INTERINSTITUCIONAL NACIONAL DE AVALIAÇÀO DA EDUCAÇÃO MÉDICA - CINAEM.

Projeto CINAEM - III Fase: Transformando a Educação Médica Brasileira. 1998. p. 5. 222 GONÇALVES, Ernesto Lima. Médicos e Ensino da Medicina no Brasil. São Paulo: EdUSP, 2001. p.

205. 223 MAGER, Robert F. A Formulação de Objetivos de Ensino. Porto Alegre: Globo, 2008. p. x.

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Tudo indica que deve existir uma certa disponibilidade intelectual do aluno para que o

discente possa adquirir e cultivar a capacidade de trabalhar independentemente. Para tanto, ele

deve dispor de tempo livre no contexto do currículo a fim de que possa desenvolver sua

autoeducação.

Entre os fatores determinantes do currículo estão: 1) a legislação pertinente; 2) as

determinantes institucionais como a tradição, um obstáculo às inovações; 3) os recursos humanos,

notadamente o corpo docente; 4) a comunidade em que a instituição está inserida.

Ao longo dos anos, novos determinantes curriculares vão se delineando. Um grupo de

fatores que emergem são os determinantes pedagógicodidáticos, como é o caso da exigência de

um "currículo nuclear", com priorização de conhecimentos a serem ministrados a grupos

específicos. Gonçalves (2001) afirma, ao defender a instituição do currículo nuclear, que

o ensino da Medicina defronta-se hoje no mundo todo com um desafio que tende a se agravar a cada momento; trata-se do crescimento explosivo dos conhecimentos médicos, havendo quem estime que se publica um novo artigo científico a cada 36 segundos. Essa massa de conhecimentos novos e novas descobertas vai fazendo com que, para que se consiga atingir um conhecimento de profundidade aceitável, seja necessário restringir o âmbito do que se pretende conhecer. Surge assim a especialização e rapidamente se caminha para a superespecialização. Em consequência, o docente médico vai se convencendo de que "é impossível ensinar tudo a todos", o que o obriga a priorizar os conhecimentos a serem transmitidos224.

Tudo parece indicar que a proposta do currículo nuclear é a que melhor se ajusta no

presente e no futuro das escolas médicas, inclusive no Brasil. No presente porque irá permitir a

adequação entre o que se desejaria ensinar – o pleno conhecimento médico – e o que se pode

ensinar, ou seja, a dose adequada para a boa formação do profissional. No futuro, uma vez que a

proposta garantirá a flexibilidade e a agilidade diante de fatos novos que surjam à frente da escola

médica. Deve-se reconhecer, entretanto, que a adoção do currículo nuclear não significará apenas

uma mudança da distribuição de cargas horárias, mas da mentalidade e da maneira de encarar o

processo de ensinoaprendizagem em Medicina.

______________ 224 GONÇALVES, Ernesto Lima. Médicos e Ensino da Medicina no Brasil. São Paulo: EdUSP, 2001. p.

210.

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4.2 PROBLEMAS CURRICULARES DAS FACULDADES DE MEDICINA NO

BRASIL

Com uma abordagem simplista, o currículo é um plano para a implementação de objetivos

educacionais. Uma vez que esses objetivos são extremamente variáveis e podem ser expressos em

diferentes termos, como a articulação do conhecimento, o desenvolvimento do conhecimento

autônomo ou a preparação para a vida adulta, podendo, portanto, aceitar diferentes interpretações,

é natural que essa seja uma área de intensa controvérsia.

No Brasil não existe um currículo escolar unificado diferentemente do que ocorre no Reino

Unido e em vários outros países. Adotam-se, no Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCN), complementados por propostas curriculares elaboradas nas secretarias estaduais e

municipais de educação. As escolas brasileiras possuem grande autonomia para elaborar seu

próprio currículo, conforme indicam as palavras "parâmetros" e "propostas". Isso permite que sejam

ensinados conteúdos completamente diferentes de uma instituição para outra. Embora. na prática,

um grande número de professores considere os livros didáticos como definidores do currículo, esta

hipótese não resiste a uma análise rigorosa225.

Os objetivos do ensino, definidos no currículo, não representam uma dimensão acessória

do trabalho humano. Como o mostra uma tradição teórica que remonta a Aristóteles, passando por

Kant, Marx e, hoje, Habermas e Giddens, os objetivos constituem um modo fundamental de

estruturação da atividade humana em geral e da atividade de trabalho em particular, concebidas

enquanto ações finalizadas, temporais, instrumentais, teleológicas. Como diziam Marx e Engels

(1990), “no próprio do trabalho humano – o que o distingue das realizações da formiga, da abelha e

do castor – é que o trabalhador elabora uma representação mental de seu trabalho antes de realizá-

______________ 225 BRASIL/Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática.

Brasília: Secretaria de Educação Fundamental/ MEC, 1997; BRASIL/Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos: Matemática. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998; BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n. 4, de 7 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de novembro de 2001. Seção 1, p. 38; BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB. 1996; BRASIL/OPAS/OMS. Ministério da Saúde/Ministério da Educação e Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde. PROMED – Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina. Edital de Convocação 08/2002. Disponível em www.saude.gov.br/promed. Acesso em setembro de 2008.

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lo e a fim de realizá-lo226. O mesmo serve para o ensino. No contexto dos estabelecimentos

escolares atuais, a questão dos fins educativos é inseparável das lógicas de ação que modelam

essas mesmas organizações.

Observe-se que essas organizações, as escolas onde trabalham os professores,

perseguem diferentes objetivos e têm diferentes expectativas quanto aos resultados da

escolarização, que pode ser considerada como o produto do trabalho dos professores. Para Tardif e

Lessard (2005),

os objetivos das escolas possuem algumas características formais próprias destas organizações: são objetivos, ao mesmo tempo, ambiciosos e bastante genéricos, heterogêneos e difíceis de conciliar, e ambíguos e pouco dados a uma avaliação precisa e quantitativa. Contudo, essas características são formais, sendo necessário, pois, completá-las com uma análise mais concreta227.

Os objetivos da escola são histórica e socialmente muito variados. De fato, trata-se de uma

tarefa basicamente política. Esses objetivos visam a preparação dos jovens para a vida adulta,

formando-os para os saberes e as habilidades necessárias à vida profissional, educando-os

moralmente em função das orientações básicas do status de adultos. Em suma, são organizações

orientadas a uma dupla missão: educar e instruir, socializar e formar.

Por outro lado, os programas que são a base da unidade do ensino constituem o quadro no

qual os professores se dedicam. Tal quadro deve ser exigente, pois determina horas de ensino,

objetivos, aprendizagens, avaliações, etc. Por isso, eles pertencem às atividades dos professores,

pois ensinar na escola, naturalmente, é seguir um programa e tentar realizar seus objetivos. Esses

quadros impõem, portanto, aspectos ideológicos, uma vez que veiculam, bem ou mal, valores

pedagógicos, culturais, intelectuais e sociais.

Os programas escolares também são, além disso, instrumentos cognitivos úteis que

permitem aos professores organizarem sua ação em função de objetivos, de expectativas, de

sequências, de cronologias, entre outros itens. Sem os programas, o ensino atual perderia sua

unidade e, além disso, cada professor teria que inventar integralmente seu planejamento, sua

didática, seus objetivos, etc., a cada vez.

______________ 226 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Vol. II. Trad. de Conceição Jardim e Eduardo Lúcio

Nogueira. Lisboa: Editorial Presença, 1990. p. 36-37. 227 TARDIF, M.; LESSARD, Maurice. O Trabalho Docente – Elementos para uma Teoria da Docência

como Profissão de Interações Humanas. Trad. de João Batista Kreuf. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 198.

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Os programas exercem, portanto, um papel relevante, unificando a ação coletiva dos

professores e orientando-a para os conteúdos e objetivos comuns. Eles permitem atingir padrões

comuns e gerais. Contribuem para homogeneizar as organizações e as práticas escolares. Servem,

enfim, para avaliar e comparar os conhecimentos escolares transmitidos a todos os alunos.

É importante ressaltar que a origem do termo currículo é a palavra latina currere – percurso

a ser realizado. O currículo, para Sacristán e Gómez (2000),

seria “o recheio” ou seja, o conteúdo desse caminho a ser percorrido pelos estudantes, no caso da escolaridade. Além de expressar os conteúdos do ensino, estabelece a ordem de sua distribuição e tem, portanto, certa capacidade reguladora da prática “[...] desempenhando o papel de uma espécie de partitura interpretável, flexível, mas de qualquer forma determinante da prática228.

No momento de transição vivido recentemente, o conceito de currículo, ao que tudo indica,

não corresponde às necessidades postas por um presente desestabilizador e um futuro incerto. Isso

deu margem a uma discussão mundial sobre a premência de se estabelecer diretrizes como

elementos norteadores do processo de construção de projetos pedagógicos, nos quais a

organização curricular seria apenas um dos componentes. Por outro lado, sabe-se que a

diversidade e a complexidade dos campos de atuação dos profissionais de saúde exigem um novo

delineamento para o âmbito específico de cada profissão. No entanto, todos os profissionais

deverão estar dotados de competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) que possibilitem a

sua interação e atuação multiprofissional, tendo como beneficiários os indivíduos e a comunidade,

promovendo saúde para todos. Estas competências estão relacionadas à atenção à saúde, tomada

de decisões, comunicação, liderança, administração/gerenciamento e educação permanente.

Considerando-se o currículo como um meio de se atingir determinado objetivo, conforme

Sacristán e Gomes (2000), “no caso das escolas médicas há de se levar em conta que essa mediação se torna fonte de distorções dos propósitos originais declarados, procedentes dos

contextos e das práticas que intervêm nesse processo"229.

Segundo esses autores, o currículo concreto recebido pelo aluno deve considerar a

dimensão da realidade, que não se reduz ao que parece evidente. O ensino não se reduziria ao que

os programas oficiais (currículo formal, oficial ou prescrito) ou mesmo ao que os próprios

professores dizem querer transmitir (currículo manifesto). ______________ 228 SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, A. I. Pérez. Compreender e Transformar o Ensino. Porto Alegre: Artmed,

2000. p.125. 229 SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, A. I. Pérez. Compreender e Transformar o Ensino. Porto Alegre: Artmed,

2000. p. 130-132.

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Um debate bastante intenso dos últimos anos girou em torno do currículo "oculto", que se

refere não às atividades deliberadamente planejadas para que os alunos e educandos tomem parte,

mas, ao contrário, às mensagens não planejadas – e talvez não intencionais – transmitidas aos

alunos pelas estruturas institucionais dos estabelecimentos de ensino brasileiros e as - sempre

pouco reconhecidas – atitudes daqueles que, sejam professores ou outros, servem a esses

estabelecimentos. Desta forma, ao lado do currículo que se diz estar desenvolvendo, existe outro

que funciona subterraneamente, denominado oculto. Giroux (1997) se refere ao currículo oculto

como sendo “o conjunto de normas, valores e crenças não declarados que “[...] são transmitidos aos estudantes através da estrutura subjacente de uma determinada aula"230.

Sacristán e Gómez apontam na mesma direção e sentido, quando dizem que

o currículo oculto se refere às experiências vividas na escola que não foram planejadas e, às vezes, das quais nem sequer se tem consciência de sua existência; de efeitos incontrolados, seriam a expressão de proposições ou objetivos implícitos. Algumas dessas experiências poderiam ser positivas em relação a um determinado projeto educativo e outras poderiam ter efeitos completamente contrários231.

A importância do chamado currículo oculto é inegável na formação do estudante, segundo

Apple (1979),

no que se refere aos padrões de comportamento e valores como ética, respeito ao outro e suas opiniões, honestidade, criticidade, autonomia, pontualidade, correção, competição, colaboração, docilidade, conformidade e outros. Para o estudante de Medicina, atitudes diante de assuntos relevantes, ligados à profissão, poderiam ser favorecidas ou não pelo currículo oculto, como, por exemplo, sentir-se comprometido com a melhoria da qualidade de vida da população, não se limitando a dar soluções apenas técnicas para problemas de sua área232.

Além disso, o aprendizado indireto, via currículo oculto, de acordo com Lampert (2009),

vem como subproduto do contato com seus professores e pares, com membros da equipe de saúde e acontece de forma duradoura no envolvimento contínuo com o ambiente que caracteriza a escola médica e é o reflexo da sociedade na qual está inserida. A eficácia formativa dos elementos imprevistos do cotidiano

______________ 230 GIROUX, H. Os Professores como Intelectuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 86. 231 SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, A. I. Pérez. Compreender e Transformar o Ensino. Porto Alegre: Artmed,

2000. p. 43. 232 APPLE, M. W. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense, 1979. p. 128.

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escolar pode contrastar com as demandas acadêmicas, com o currículo oficial, tendo linhas de estudo não prescritas, que incidem na eficácia do prescrito233.

Desde há muito é sabido que, na prática, o programa tem sido a base para organização do

currículo da instituição de ensino. Para alterar esta lógica faz-se mister uma judiciosa atenção,

redobrada coragem e ampla competência criativa. Dentre outros aspectos, é necessário encontrar

formas de mediação, ou seja, dispositivos pedagógicos que ajudem a concretizar o ideal desejado.

Embora nenhum instrumento ou estrutura garantam por si, estes instrumentos e estruturas não são

neutros, podendo dificultar ou favorecer quem está querendo mudar a prática. Segundo

Vasconcellos (2009),

é comum que, neste contexto seja operacionalizado o quadro de saberes necessários. Esta sistematização dos saberes necessários orienta o trabalho dos educadores e coordenadores no sentido de que todos os alunos, cujo perfil deve estar claramente definido, possam alcançá-los, mas no decurso de um tempo bastante razoável, o que permite a flexibilização das estratégias de ensino, a diferenciação curricular, de maneira a contemplar suas trajetórias singulares. Busca-se uma abordagem interdisciplinar ou mesmo transdisciplinar, que supere a fragmentação do saber (e da vida). Todavia, estas abordagens não negam a disciplinaridade, pelo contrário, supõem-na234.

É conveniente que existam alguns alunos (não todos) na instituição que se aprofundem no

estudo de uma disciplina específica, como Matemática, por exemplo. A existência de saberes

disciplinares no currículo não significa necessariamente que o currículo será disciplinar. Vai

depender da abordagem pedagógica. Para isto, o trabalho com projetos, temas geradores, estudo

do meio, experimentação, problematização, são alternativas significativas.

O conhecimento fragmentado em disciplinas, observado nas Faculdades de Medicina do

Brasil, conforme Beltrame (2006),

tem ainda como consequência, de acordo com as idéias de Morin, impedir com que se faça o vínculo entre as partes e o todo. Portanto, deveria ser substituído por um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos de estudo em seu contexto, sua complexidade. O ser humano, objeto de estudo da Medicina, é totalmente desintegrado na educação médica por meio das disciplinas. A educação, em qualquer nível, deveria contribuir para a formação da pessoa, ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver e ensinar como se tornar cidadão. Evidentemente essa preocupação deveria se iniciar na educação

______________ 233 LAMPERT, J. B. Currículo de Graduação e o Contexto da Formação do Médico. Revista Brasileira de

Educação Médica. V. 25, n. 1, jan./abr., 2001. Disponível em <http://www.aem-educmed.org.br. Acesso em 10 de maio de 2009. p. 11.

234 VASCONCELLOS, Celso dos S. Currículo: A Atividade Humana como Princípio Educativo. São Paulo: Libertad, 2009. p. 168.

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básica. Não obstante, os responsáveis pela educação superior podem fazer a sua parte. A Universidade deveria, ao mesmo tempo, adaptar-se às necessidades da sociedade contemporânea e realizar sua missão secular de conservação, transmissão e enriquecimento do patrimônio cultural. No entanto, há atualmente uma pressão super-adaptativa, que leva a adequar o ensino e a pesquisa às demandas econômicas, técnicas e administrativas do momento, a reduzir ou mesmo excluir quase completamente a cultura humanista dos currículos235.

Percebe-se alguma insatisfação por parte dos professores – médicos ou não – com o perfil do

profissional formado pelas instituições de ensino superior e tudo indica ser necessária a participação

de todos para mudança do status quo. Realmente, seria uma questão de coerência de pensamento

e até um problema de honestidade intelectual a de se obrigar a não perpetuar um procedimento que

se julga ser equivocado e que se possa contribuir para alterar.

4.3 RESISTÊNCIAS A MUDANÇAS CURRICULARES NOS CURSOS DE

MEDICINA

Nas escolas médicas em geral – e na maior parte das propostas de mudança que existiram

até aqui – no máximo se discutiu o papel da escola e o perfil do médico. A concepção de saúde

muitas vezes está implícita. Assim como a concepção de conhecimento e de educação. E o

currículo tem sido organizado por uma sucessão de disciplinas, cuja ordenação define o percurso do

estudante no processo de ensinoaprendizagem. As disciplinas são a expressão da cultura

elaborada, que deve ser transmitida pelo professor ao aluno e é por meio delas, supondo-se

determinados conteúdos educacionais, que se define o conhecimento avaliável.

Sacristán (2000) complementa que

a prática escolar que podemos observar num momento histórico tem muito a ver com os usos, as tradições, as técnicas e as perspectivas dominantes em tomo da realidade do currículo num sistema educativo determinado. Quando os sistemas escolares estão desenvolvidos e sua estrutura bem-estabilizada, existe uma tendência a centrar no currículo as possibilidades de reformas qualitativas em educação. Em primeiro lugar, porque a qualidade do ensino está estreitamente relacionada aos seus conteúdos e formas, como é natural; em segundo lugar, porque, talvez impotentes ou descrentes diante da possibilidade de mudanças em profundidade dos sistemas educativos, descobrimos a importância de mecanismos mais sutis de ação que configuram a prática. É difícil

______________ 235 BELTRAME, Registila Libania. A Formação do Médico: Um Debate à Luz das Diretrizes Curriculares

Nacionais. Tese de Doutoramento em Educação: Currículo, apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação de Myrtes Alonso, 2006. p. 83-84.

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mudar a estrutura, e é inútil fazê-lo sem alterar profundamente seus conteúdos e seus ritos internos236.

Por outro lado, os processos de mudanças curriculares nas escolas médicas, avaliados com

base no, poder dos professores, segundo Feuerwerker (2002),

sempre envolveram disputas ferozes e negociações complicadas porque a definição das cargas horárias das disciplinas refletia o jogo de poder entre departamentos e professores: a carga horária tinha menos que ver com a relevância do conteúdo e mais com o poder dos mestres. Tão complicada a negociação que alguns processos de inovação curricular (modesta) chegaram a levar dez anos! Por conta da intensa disputa e da lentidão, ao final de um processo desses geralmente se leva muito tempo para retomar a batalha e iniciar um outro movimento de reformulação curricular... Enquanto isso, as ementas se repetem ano a ano, bem como os slides e as transparências. Nas escolas mais dinâmicas, novas disciplinas ou novos conteúdos são introduzidos, dependendo do avanço das descobertas ou do reconhecimento de que determinados temas candentes (os problemas éticos que surgem com a nova maneira de trabalhar dos médicos ou com os avanços da Genética, por exemplo)237.

Como os currículos expressam, entre outros aspectos, as relações de poder, é comum que

os processos de mudança levem à produção de propostas híbridas, que combinam aspectos

parciais de várias proposições políticopedagógicas. A desestabilização das relações tradicionais,

que esse tipo de mudança traz tem o potencial de provocar, e pode ser estratégica para que outras

mudanças fundamentais possam ser introduzidas. Quebrar as relações de poder entre professores

e estudantes e também as existentes entre os professores é fundamental para poder mudar as

regras, por exemplo, em relação à definição de conteúdos e tempos, tornando-os função das

necessidades de aprendizagem e não das relações de poder. Talvez por isso mesmo a resistência

às mudanças dessa natureza haja sido historicamente tão grande.

Outra questão importante é não confundir as partes com o todo: o projeto

políticopedagógico inclui as concepções, as práticas, os conteúdos e os métodos. Os métodos

fascinam, mas, como dizem Bordenave e Pereira (1988),

______________ 236 SACRISTÁN, J. G. O Currículo: Uma Reflexão sobre a Prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 9. 237 FEUERWERKER, Laura. Além do Discurso de Mudança na Educação Médica. São Paulo: Hucitec,

2002. p. 24.

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a modernização dos métodos não garante por si mesma que a universidade se integre ao seu meio, se identifique com seus problemas e influa para mudar a realidade social. É preciso tratar especificamente da questão da mudança do conteúdo e das práticas porque elas não são decorrência automática de qualquer mudança metodológica (em alguns casos, sim, isso ocorre)238.

Constata-se, portanto, que o planejamento curricular tem que começar pelo perfil do médico

que se deseja formar, levando-se em consideração a política educacional e os objetivos

institucionais. Como a maioria das escolas médicas não definiu o tipo de médico que pretende

formar, se generalista, se orientado para especialidades, se em concordância com o mercado de

trabalho ou se para ser professor, pesquisador, fazer residência ou qualquer outra atividade, a

situação se torna complicada, pois cada uma formará o que deseja e como quiser, sem nenhuma

preocupação com os interesses da população ou dos serviços de saúde. Além disso, Lisbôa (1999)

indica que

a maioria dos currículos é formada por disciplinas agrupadas por vários critérios, em que a disposição, a hierarquização e os pré-requisitos não são rigorosamente obedecidos. Onde isso ocorre, as justificativas utilizadas são as mais diversas: insuficiência de professores, disponibilidade e comodidade dos professores e dos alunos, disponibilidade de salas de aula, insuficiência de áreas de treinamento, excesso de alunos e até desconhecimento dos prejuízos que poderão advir para o aprendizado quando o currículo é mal organizado239.

Uma mudança curricular, com objetivos coerentes, tem de ir muito além de redistribuir carga

horária e "trocar disciplinas de lugar", marca característica das tentativas de mudança anteriores.

Implica uma mudança de poder: as disciplinas e departamentos deixam de dispor livremente de seu

tempo e de seus conteúdos para fazer parte de um jogo mais amplo, em que a participação de cada

um está subordinada a um plano mais geral de formação, construído com base em grandes acordos

coletivos e gerenciado por um comitê curricular ou similar. Vê-se, portanto, que há dificuldades para

definir critérios para a elaboração dos currículos em Medicina. Por outro lado, as Ciências Físicas e

Biológicas que conformam a base do saber médico, segundo Canesqui (2000),

não dão conta de instrumentalizar completamente o médico para produzir respostas adequadas em sua prática clínica – já que o ser humano tem outras

______________ 238 BORDENAVE, J. D.; PEREIRA, A. M. Estratégias de Ensino-Aprendizagem. Rio de Janeiro: Vozes,

1988. p. 12. 239 LISBÔA, A. M. J. O Currículo Arco-íris: Reflexões sobre o Ensino Médico. Brasília: Linha Gráfica

Editora, 1999. p. 64.

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dimensões que não a biológica, que cumprem papel fundamental em seu processo de viver, adoecer, reagir à doença e ao tratamento, morrer, etc.240.

Esses conhecimentos são parte do instrumental necessário para se levar em conta o

contexto em que vivem as pessoas, para entendê-las em suas múltiplas dimensões, o que é

importante no momento de estabelecer relações, interpretar situações, analisar causas e propor

soluções para os problemas.

No campo da educação de graduação em Medicina, falta construir maneiras de trabalhar

esses conteúdos com estudantes e profissionais que não são e não serão "da área". Quer dizer,

desenvolver abordagens não reducionistas, mas ao mesmo tempo acessíveis e compreensíveis, de

tal modo que esses conhecimentos possam ser apropriados e utilizados pelos médicos. Além disso,

até o momento, as contribuições desses outros campos para a compreensão do processo saúde-

doença serviram para revelar a complexidade do fenômeno, mas não agregaram novas

capacidades de ação para o médico em sua prática clínica. Ao contrário, dependendo da maneira

como são introduzidas, aumentam a sensação de impotência dos médicos, o que certamente ajuda

a que essas idéias sejam rejeitadas na prática. Falta, então, transformar essas contribuições de

outros saberes em ferramentas que aumentem a capacidade do médico de compreender e agir

sobre a realidade. Essa "tarefa epistemológica", no entanto, segundo Almeida Filho (2000), “é complexa e está relacionada a transformações radicais do sistema de formação dos sujeitos da

ciência, que propiciem a integração global de um conhecimento coletivamente construído"241.

Em outras palavras, a ruptura das barreiras disciplinares é parte do processo de

transposição de barreiras entre a filosofia e a ciência, entre as ciências "exatas" e as ciências

sociais e de superação do racionalismo moderno. Parte dessa ruptura de barreiras acontece ao

compreender que todo objeto de trabalho é um objeto construído: no campo das práticas essa

construção é realizada ao longo da história e no campo dos saberes é realizada em um tempo e

momento próprios. Essa compreensão, ao que tudo indica, tem dupla conseqüência: sobre a

História e sobre a Ciência, pois ao estabelecer uma relação de integração entre ambas, confere à

História seu sentido pleno e à Ciência, sua capacidade crítica e transformadora.

Desta forma, a importância de situar exatamente a complexidade da questão envolvida

nessa "derrubada de muros" entre as ciências e as disciplinas é a de não ocorrer uma satisfação ______________ 240 CANESQUI, A. M. Ciências Sociais e Saúde para o Ensino Médico. São Paulo: Hucitec-FAPESP,

2000. p. 35. 241 ALMEIDA FILHO, Naomar de. A Ciência da Saúde. São Paulo: Hucitec, 2000. p. 88.

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razoável com formulações simplistas em relação à construção do campo da saúde no plano teórico,

epistemológico. Como contribuição ao processo de construção desse novo modelo no âmbito da

prática, pode-se questionar ser fundamental que a incorporação dos conhecimentos vindos das

outras áreas sirva para agregar potência aos atos médicos e ao processo de produção de saber

sobre a saúde e a doença. Nessa linha de raciocínio, a inclusão de conhecimentos matemáticos nos

currículos de medicina não iria contribuir para essa agregação de potência?

A Medicina, desde a Anatomia e a Anatomia Patológica e especialmente a partir da era

microbiológica, tornou-se científica. A Educação Médica, a partir de Flexner, passou a ser entendida

como um processo de iniciação a uma ciência – a Medicina –, ao lado da Biologia, da Física e da

Química, como se fez referência. A prática médica, conseqüentemente, seria aplicação e produto

dessa ciência, e o raciocínio clínico seu método próprio. Aliás, Flexner defendia uma proposta

pedagógica que rejeitava a passividade e defendia que o estudante fosse ativo, envolvido em

atividades de pesquisa e não ficasse restrito a escutar e a memorizar. Para Flexner (2003),

duas circunstâncias mediaram a transformação da medicina de empírica a científica: o desenvolvimento da Física, da Química e da Biologia e a elaboração a partir delas de um método aplicável tanto à pesquisa como à prática. [...] Qual seria a importância do método científico para a prática clínica? [...] A principal ferramenta de um pesquisador é a elaboração de hipóteses. O cientista é confrontado por uma situação definida; ele a observa com o objetivo de extrair todos os fatos. Estes sugerem a ele uma linha de ação. Como dizemos, ele constrói uma hipótese. Orientado por essa hipótese, ele age e os resultados obtidos confirmam-na, desconfirmam-na ou modificam-na. Sua mente navega entre a teoria e o fato, e a teoria é útil e importante na exata medida em que o capacita a entender, descrever e controlar os fenômenos242.

O instrumento fundamental na passagem da medicina empírica para a científica foi,

portanto, a pesquisa científica, pois através dela a prática médica podia estar cientificamente

fundamentada. A Educação Médica, então, passou a ser vista como um processo de capacitação no

método científico e a articulação entre prática clínica e pesquisa laboratorial tornou-se essencial. As

disciplinas básicas ganharam valor absoluto e perderam sentido aplicado, fragmentando-se em

relação à clínica; desenvolveu-se o olhar em direção à doença e não ao doente e fragmentou-se o

todo que deveria ser indissociável.

______________ 242 FLEXNER, Abraham. Medical Education in the United Sates and Canada. North Stratford: Ayer, 2003.

p. 26.

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O ensino da Medicina à época de Flexner, "era uma aventura privada, mercantilizada no

espírito e no objeto que carecia, sobretudo, de bases científicas"243. Tal fato significava, para os

progressistas, uma heresia, já que sonhavam com um mundo da ciência. As modificações no

cenário médico e científico sugeridas pelo relatório de Flexner levaram, portanto, a uma radical

mudança curricular ao exigir uma sólida formação científica pré-médica, constando de

conhecimentos de Física, Química e Biologia. Embora Flexner não tenha citado explicitamente a

necessidade da disciplina específica de Matemática, entende-se esta não inclusão, como antes

mencionado, pela inexistência, na época, de necessidades específicas como de um ferramental

matemático necessário ao entendimento, por exemplo, de Modelos Matemáticos.

No entanto, ao sugerir a inclusão de Física no currículo, já ocorreu uma abertura para a

necessidade de Matemática. Por outro lado, Flexner considerava improvável, como antes

mencionado, que os conhecimentos necessários pudessem ser adquiridos na escola secundária;

alegava que os estudantes não teriam maturidade para a compreensão dos conteúdos daquelas

disciplinas. Somente após um mínimo de dois anos de estudo dessas disciplinas básicas, haveria a

introdução dos conteúdos considerados próprios das ciências médicas como Anatomia, Fisiologia,

Patologia, Microbiologia, Farmacologia, acompanhados de laboratórios e de professores que

simultaneamente se dedicariam ao ensino e à pesquisa244.

No tocante à educação na área da Medicina, defende-se que a mudança de paradigma no

ensino médico é considerada necessária para promover a formação de profissionais que, além de

humanistas, generalistas e críticos, devem entender a relevância e aplicação de Modelos

Matemáticos, associados à Biomatemática, à Bioinformática, à Simulação e à Otimização.

Sournia (1995) mostra passagens da História da Medicina nas quais o ensino médico

carece de uma maior aproximação com as “ciências exatas”, consideradas hierarquicamente inferiores às disciplinas clínicas. Cita que

a posição que nos propomos adotar é simplesmente a das ciências exatas [...] Na Europa, a autoridade que a França tinha adquirido durante a primeira metade do século XIX tendeu então a diluir-se, pois ela permaneceu demasiado ligada à clínica. Nas faculdades, os professores que ensinavam as ciências ditas fundamentais ocupavam um lugar inferior na hierarquia universitária, surgindo os professores «de clínica» à cabeça [...] Esta mentalidade e estas práticas mantiveram-se até meados do século XX. A França apagou-se pouco a pouco

______________ 243 FLEXNER, Abraham. Medical Education in the United Sates and Canada. North Stratford: Ayer, 2003.

p. 24. 244 FLEXNER, Abraham. Medical Education in the United Sates and Canada. North Stratford: Ayer, 2003.

p. 25-26.

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perante a Alemanha onde, bem pelo contrário, as ciências exatas ganharam ascendência sobre a clínica. A Grã-Bretanha seguiu-a de perto, e em seguida, os Estados Unidos [...] Não mudamos muito desde os nossos antepassados das cavernas. A Medicina tem ainda muito a fazer para nos ajudar a viver: a sua história está longe de estar terminada245.

Verifica-se, assim, que, nos cursos de Medicina, a competição entre as chamadas “ciências exatas” e as “ciências clínicas” é antiga, tendo ocorrido, de modo alternativo, predominância

hierárquica de umas sobre as outras. O que parece mais relevante, na concepção de Sournia

(1995) é que a competição, ao longo da História da Medicina, é que essa competição continua.

4.4 ASPECTOS IDEOLÓGICOS QUE INFLUENCIAM OS CURRÍCULOS DOS

CURSOS DE MEDICINA

A educação é uma atividade humana, histórica e, portanto, não neutra, ou seja, é uma

atividade política e ideológica, com reflexos na elaboração dos currículos escolares. Analisando as

atividades de educação, particularmente a Educação Médica sob um aspecto ideológico, constata-

se que o capital introduz-se no setor do ensino, e o faz como capital de serviços. Na abordagem da

História, encontram-se ordens religiosas, professores independentes, inclusive capitalistas do

ensino, em todo caso instituições não estatais, antes de ser considerada a escola pública. O motivo

pelo qual o capital tende a se introduzir no ensino é simples: a saturação do capital que se produz

nos setores já dominados por ele diminui a taxa de lucro e empurra os capitais excedentes para

novos setores que ainda não tinham sido submetidos ao modo de produção capitalista ou à criação

de setores inteiramente novos. Para Enguita (1998),

[...] um setor novo tem que criar seu próprio mercado, seja criando novas necessidades ou substituindo-se aos produtos de outro setor na satisfação de necessidades velhas. Em troca, se o setor já existia como setor submetido à pequena produção mercantil ou mesmo subtraído à esfera da troca (o caso dos serviços públicos propriamente ditos), então se precisa apenas de um processo de substituição. De resto, o capital excedente não é uma massa homogênea, mas composta por grandes e pequenos capitais particulares, e para estes últimos, especialmente, torna-se mais fácil, e até a única saída, introduzir-se no setor dos serviços, onde os grandes capitais podem fazer valer menos sua prepotência246.

______________ 245 SOURNIA, Jean-Charles. História da Medicina. Trad. de Jorge Domingues Nogueira. Lisboa: Instituto

Piaget, 1995. p. 261-377 246 ENGUITA, Mariano Fernández. Trabalho, Escola e Ideologia. Trad. de Ernani Rosa. Porto Alegre:

ArtMed, 1998. p. 263.

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Meszáros (2005), relacionou a educação com a emancipação humana, segundo ele, o

objetivo central dos que lutam contra a sociedade mercantil, a alienação e a intolerância.

Complementa que

a educação, que poderia ser uma alavanca essencial para a mudança, tornou-se instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista: fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema capitalista, mas também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes. Em outras palavras, tornou-se uma peça do processo de acumulação de capital e de estabelecimento de um consenso que torna possível a reprodução do injusto sistema de classes. Em lugar de instrumento da emancipação humana, agora é mecanismo de perpetuação e reprodução desse sistema. A natureza da educação – como tantas outras coisas essenciais nas sociedades contemporâneas – está vinculada ao destino do trabalho. Um sistema que se apóia na separação entre trabalho e capital, que requer a disponibilidade de uma enorme massa de força de trabalho sem acesso a meios para sua realização, necessita, ao mesmo tempo, socializar os valores que permitem a sua reprodução247.

Observe-se que o trabalho no setor de ensino é produtivo, ou seja, na linguagem

marxiana248, produz mais-valia, porque produz valor. Em conseqüência, a inversão do capital no

setor do ensino permitirá aos capitais invertidos participar do lucro médio, ou da taxa média de

lucro. Essa participação na mais-valia obviamente é uma fonte de lucro normal para o capital

comercial. Vasconcellos (2009) alerta que,

nos momentos delicados em que há uma crise nos sistemas de representação política e, quando nada se põe no lugar, cai-se no vazio, no desânimo. É preciso pensar em outro caminho, tanto social quanto escolar. No campo das instituições de ensino, este outro caminho passa necessariamente pelo professor se assumir como sujeito do processo; é certo que vai dialogar com os demais (inclusive com aqueles tidos como especialistas – no jogo de poder que até então se configurou no saber), mas sem esperar tudo dele. Pelo contrário, assumindo sua autonomia e mantendo a postura de diálogo249.

Werneck (1982) defende a existência de fortes vínculos entre as teorias da educação e os

matizes ideológicos, afirmando que

______________ 247 MESZÁROS, István. A Educação para Além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 15. 248 O termo “marxista” se refere às idéias defendidas pelos seguidores de Karl Marx, enquanto “marxiano” é

relativo ao pensamento do próprio Marx. 249 VASCONCELLOS, Celso dos S. Currículo: A Atividade Humana como Princípio Educativo. São

Paulo: Libertad, 2009. p. 243.

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as teorias da educação surgem da prática científica que, especialmente no caso das ciências humanas, trazem sempre conotações ideológicas. Daí, parece resultar que assim como não é possível uma prática educativa desvinculada da ideologia, também não o são as suas teorias filosóficas e científicas. Procuramos, apenas à guisa de ilustração, detectar os aspectos ideológicos de alguns desses discursos. A ação educativa não é uma prática autônoma, ela reflete em certa medida uma teoria da sociedade sob o enfoque educacional. O processo educacional se desenvolve dentro de uma estrutura social, em que as várias partes interagem continuamente250.

Entre os vícios associados à docência no ensino superior encontram-se os seguintes: 1) A

supervalorização do que é teórico sobre o que é prático. A prática é vista como uma aplicação da

teoria e não como um cenário gerador de teorias. Os conceitos predominam sobre as experiências.

Ao final, a insistência excessiva nas teorias acaba repercutindo nas possibilidades de construir

novos conhecimentos que constituam aportes reais para a melhoria das atuações docentes; 2) A

redução do que é científico aos seus formatos mais formalizáveis. Vale mais fazer citações do que

possuir uma bagagem de experiências profissionais. O esquematismo da lógica e do conhecimento

racional impera sobre a complexidade dos processos reais, que são dificilmente redutíveis a

categorias lógicas, modelos ou taxionomias. 3) A perda das visões globais e integradoras dos

campos científicos. A especialização prematura acaba esmaecendo o fundo disciplinário e

interdisciplinário das questões abordadas.

Veja-se que, no Brasil, conforme Vieira Pinto (1994), a essência da universidade é definida

com o seguinte posicionamento:

a universidade é uma peça do dispositivo geral de domínio pelo qual a classe dominante exerce o controle social, particularmente no terreno ideológico, sobre a totalidade do país. Se tal é a essência da universidade, deste logo se vê que o problema de sua reforma é político e não pedagógico. Este último aspecto existe, é claro, mas se mostra secundário, pois só se apresentará na forma em que pode e deve ser resolvido, depois que tiver sido decidido politicamente o destino da universidade e sua participação no projeto de transformação social empreendido pela comunidade251.

Analisando o exercício da dimensão política na docência universitária, Masetto (1998)

defende que,

______________ 250 WERNECK, Vera Rudge. A Ideologia na Educação. Petrópolis: Vozes, 1982. p. 71. 251 VIEIRA PINTO, Álvaro. A Questão da Universidade. São Paulo: Cortez, 1994. p. 19.

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como cidadão, o professor estará aberto para o que se passa na sociedade, fora da universidade ou faculdade, para suas transformações, evoluções, mudanças; atento para as novas formas de participação, as novas conquistas, os novos valores emergentes, as novas descobertas, as novas proposições, visando mesmo abrir espaço para discussão e debate com seus alunos sobre esses aspectos, já que eles afetam a formação e o exercício profissionais252.

Essas considerações tentam embasar a argumentação de que é muito difícil fazer o

discurso da indissociabilidade da lógica curricular tradicional com a ideologia. Já não é possível

tratar as reformas de currículo somente retirando, incluindo ou aumentando a carga horária das

disciplinas. São necessárias mudanças que promovam a ampliação e o aprofundamento nos

campos da ciência, da arte e da técnica. É necessário reconhecer que é fundamental tratar,

também, dos aspectos epistemometodológicos, das relações entre prática e teoria. É relevante

introduzir perspectivas interdisciplinares, promover o pensamento crítico, a criatividade, a

capacidade de resolver problemas, de unir ensino e pesquisa como indicadores de melhoria da

qualidade do ensino universitário, sempre voltados para a sociedade.

A preocupação com a qualidade de ensino nos cursos de Medicina e sua correlação com o

desenvolvimento da docência universitária envolve diferentes temas, entre os quais: a) o que

significa ser um docente que atua com profissionalismo e competência num contexto social em que

se vive sob o impacto da revolução tecnológica e de uma redefinição de paradigmas profissionais

de Medicina; b) a inserção dessa questão no campo dos currículos universitários, e a necessidade

de sua reconfiguração; c) a avaliação institucional, tendo por foco sua relação com a formação

docente. Esses temas, no entanto, não podem se afastar de seus aspectos sociais.

Estas são algumas reflexões que buscam oferecer subsídios para o debate, com a certeza

de que a formação pedagógica do professor universitário de curso de Medicina é tarefa primordial

para elevar, efetivamente, a qualidade e o nível de ensino na graduação.

Neste panorama, os obstáculos do ensino e da formação do médico encontram-se também

fora da profissão médica, e não somente em seu interior e no âmbito da organização sanitária. Mas

também as características culturais, as orientações didáticas, os programas das faculdades médicas

contribuem para impedir que o médico assuma um papel social novo, ativo e positivo.

______________ 252 MASETTO, Marcos. Docência na Universidade. Campinas: Papirus, 1998.

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Primeiramente, o ensino está baseado numa sucessão de matérias, que freia a

compreensão unitária do organismo humano em sua complexidade, tanto nas relações

psicossomáticas, como na dialética entre homem e ambiente.

Em segundo lugar, o ensino é baseado na transmissão de noções verbais ou mais

frequentemente escritas, sem que existam um estimulo e uma verificação práticas. Está baseado na

transmissão de palavras no lugar de atividades, na transmissão unidirecional do docente para o

estudante. O estudante fica excluído da atividade prática, da pesquisa científica, do aprofundamento

pessoal dos temas de estudo. Isto piora a qualificação dos médicos e prejudica, ao não suscitar os

estímulos e interesses científicos, as atitudes posteriores de atualização, tão necessárias hoje por

causa dos contínuos progressos da Medicina.

Em terceiro lugar, o ensino está baseado na separação da universidade do

desenvolvimento científico em seu conjunto. Esta separação se realiza seja através da escolha das

matérias (faltam disciplinas matemáticas, no caso da Medicina, como Modelos Matemáticos,

Biomatemática, Bioinformática, Simulação e Otimização), seja através de uma gestão da

universidade, das clinicas, dos institutos que muitas vezes, se contrapõe às exigências de

transformação da medicina, que é pouco permeável ao conjunto das atividades científicas.

A tudo isso junte-se a crescente separação entre ciência e profissão médica. Enquanto há

um crescente dinamismo das ciências médicas e afins e um acúmulo rápido de novas descobertas,

a formação e a atualização profissional dos médicos permanecem relativamente estáticas.

A formação universitária parece ser insuficiente, pois seria necessário um maior empenho

dos docentes, uma provisão mais ampla de instalações, uma impostação cultural mais moderna.

Além disso, depois da conclusão do curso, as condições do exercício profissional são tais que se

esquecem rapidamente os conhecimentos adquiridos. Sem dúvida, não há impedimento legal

nenhum para um médico que queira atualizar-se, mas os incentivos estão mais dirigidos para a

estagnação, do que para o progresso intelectual. Para Berlinger (1978), a atividade atual do médico

se realiza dentro de um duplo paradoxo:

Em primeiro lugar, ele ganha mais quanto mais cresce o número dos pacientes. Portanto está "co-interessado" no aumento da morbidade: sempre que os doentes sobrevivam - de outro modo, cessa o co-interesse – mais gente fica doente, mais o médico aumenta os honorários. Se o médico fosse coerente com seus próprios interesses materiais, em vez de atualizar e aplicar os modernos conhecimentos preventivos, deveria criar micróbios e difundir substâncias tóxicas. Não chega a tanto, mas vive em constante conflito entre a própria

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consciência e os próprios ganhos. Em segundo lugar, e este é um fenômeno muito difundido, o médico ganha mais, quanto menos se dedica à atualização profissional. Sobretudo nas instituições previdenciárias, cada hora dedicada à leitura é subtraída ao preenchimento de fichas de um sistema retributivo baseado, em essência, numa empreitada. É claro que tudo tem um limite: se os usuários descobrem que o médico tornou-se por demais burro, afastam-se e o ganho diminui. Vou acrescentar para não parecer pessimista – que estes paradoxos resolvem-se, em muitíssimos casos, em sentido positivo, graças à abnegação, moralidade, honestidade profissional dos médicos. No entanto, um sistema sanitário ordenado não pode basear-se na exigência que o médico resolva pessoalmente o conflito em que está obrigado a viver: deveria estar fundado na eliminação destes paradoxos253.

A educação em geral e o ensino médico em particular, que poderiam ser uma alavanca

essencial para a emancipação humana, na luta contra a sociedade mercantil, a alienação e a

intolerância, tornaram-se um instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista: fornecer os

conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema capitalista,

mas também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes. Em

outras palavras, tudo indica que tornou-se uma peça do processo de acumulação de capital e de

estabelecimento de um consenso que torna possível a reprodução do injusto sistema de classes.

Em lugar de instrumento da emancipação humana, agora é um mecanismo de perpetuação e

reprodução desse sistema.

Tudo indica que, no reino do capital, a Educação Médica é, em si mesma, uma mercadoria.

Daí a crise do sistema público de ensino, pressionado pelas demandas do capital e pelo

esmagamento dos cortes de recursos dos orçamentos públicos. O enfraquecimento da educação

pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao mesmo tempo em que a

socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo. Aprende-se a todo

momento, mas o que se aprende depende de onde e de como se faz esse aprendizado. Em uma

sociedade do capital, a Educação Médica e o trabalho se subordinam a essa dinâmica, da mesma

forma que em uma sociedade em que se universalize o trabalho – uma sociedade em que todos se

tornem trabalhadores – somente aí se universalizará a educação. Ao pensar a educação na

perspectiva da luta emancipatória, não poderia senão restabelecer os vínculos – tão esquecidos –

entre educação e trabalho, como que afirmando: digam-me onde está o trabalho em um tipo de

sociedade e eu te direi onde está a educação.

______________ 253 BERLINGUER, Giovanni. Medicina e Política. São Paulo: Hucitec, 1978. p. 187-188.

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Analisando as práticas médicas a fim de relacioná-las com o ensino da Medicina, Testa

1992) defende que

a tendência de certa forma de prática, nos países desenvolvidos, é cuidar dos pacientes em lugar de curá-Ios ("to care, not to cure"), que está de acordo com uma redução da eficácia curativa da medicina – é esta a razão interna – diante das transformações da patologia atual; em outras circunstâncias, nem se cuidam, nem se curam os doentes, devido à existência de um excesso de força de trabalho – esta é a razão externa – que torna desnecessária sua reposição ou manutenção254.

Analisando a obra de Vygotsky (1989), A Formação Social da Mente, traduzida por um

grupo de professores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, verifica-se que, ao enfatizar as

origens sociais da linguagem e do pensamento, Vygotsky seguiu a linha dos influentes sociólogos

franceses. Ao insistir em que as funções psicológicas são um produto da atividade cerebral, tornou-

se um dos primeiros defensores da associação da psicologia cognitiva experimental com a

neurologia e a fisiologia. Finalmente, ao propor que tudo isso deveria ser entendido à luz da teoria

marxista da história da sociedade humana, lançou as bases para uma ciência comportamental

unificada.

Ao contrário do paradigma dos intelectuais soviéticos que se apressam em fazer suas

teorias de acordo com a mais recente interpretação do marxismo elaborada pelo Politburo,

Vygotsky, desde o início de sua carreira, via o pensamento marxista como uma fonte científica

valiosa. "Uma aplicação do materialismo histórico e dialético relevante para a psicologia", seria um

resumo preciso da teoria sócio-cultural de Vygotsky dos processos psicológicos superiores.

Vygotsky viu nos métodos e princípios do materialismo dialético a solução dos paradoxos científicos

fundamentais com que se defrontavam seus contemporâneos. Um ponto central desse método é

que todos os fenômenos sejam estudados como processos em movimento e em mudança255 .

São muitos os críticos que apontaram, de forma reiterada, para a mudança de caráter

sofrida pela Medicina. Essa mudança – que recebeu o nome de fetichização, dado por Marx para

expressar a maneira pela qual um produto da mente humana fica independente dela, passando a

dominar seu produtor original – segue as mesmas pautas do resto das práticas na sociedade

capitalista. Para Testa (1992),

______________ 254 TESTA, M. Pensar em Saúde. Porto Alegre: Artmed, 1992. p. 59. 255 VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 7.

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o processo de fetichização da medicina passa por numerosas e sutis transformações, tanto no âmbito do conhecimento, como no da prática, implicando mudanças na organização de ambos. A importância de sua análise estriba-se na compreensão do processo que o produz, pois do contrário procurar-se-á resolvê-lo, apelando-se ao senso comum, aos bons sentimentos dos médicos ou à recuperação moral da sociedade. Nenhuma destas questões pode ser deixada de lado, em particular a recuperação moral, que é uma necessidade real, mas esta não pode ser atingida por meio de um processo sem conteúdo; esta é uma questão concreta. Em síntese, as transformações se exprimem no que ocorre com o corpo doente, que deixa de ser um objeto de trabalho para se tornar uma mercadoria. Esta denúncia já se tornou um lugar comum, quando se fala da comercialização da medicina, mas sua determinação é equivocada, ao ser atribuída a comportamentos individuais, em lugar de procurá-la onde realmente está, que é na maneira pela qual as concepções ideológicas do capitalismo invadem os diversos âmbitos do trabalho social256.

Em suma, a prática médica dos países capitalistas se organiza ao redor desta concepção. A

relação médico-paciente não é a relação humanitária pessoal postulada para ela. Parece ser

simplesmente uma relação de transações comerciais entre um cliente e seu fornecedor,

independentemente de ser o serviço prestado correspondente às necessidades da pessoa que o

recebe. O ensino da Medicina, a partir deste acúmulo de relações, nada mais faz do que consolidar,

com base em um círculo verdadeiramente vicioso, a fetichização do corpo doente.

Quando acompanhou o desenvolvimento e as mudanças em seus alunos com relação a

ligação entre a Matemática e busca da justiça social, Gutstein (2006) assim se manifestou:

Eu não quero criticar os alunos que buscavam entender o mundo dissociado da Matemática. O que aconteceu em minhas classes era um início de caminho e não se tratava sempre de uma estrada lisa. Existiam fatores que facilitaram a jornada e outros que a tornaram difícil, e eu tropecei algumas vezes e adaptei meu modo de ser aos novos tempos. De uma forma geral, porém, eu vi o crescimento da capacidade dos alunos para entender os aspectos complexos de sociedade. Quase sempre, eles usaram muita Matemática e, às vezes, eles aprenderam Matemática sem relacioná-la com o mundo. Nos últimos tempos, entretanto, eles usaram a Matemática como fazendo parte da realidade social, e cresceram com o passar do tempo, em experiência e em sua capacidade para fazer essa associação. No final, a Matemática se tornou uma necessária e poderosa ferramenta de análise que os alunos costumavam usar para justificar a sua existência sociopolítica257.

______________ 256 TESTA, M. Pensar em Saúde. Porto Alegre: Artmed, 1992. p. 60. 257 GUTSTEIN, Eric. Reading and Writing the World with Mathematics – Toward a Pedagogy for Social

Justice. Nova York: Routledge, 2006. p. 70.

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Enfim, é indubitável que a Matemática é uma “atividade humana, histórica e, portanto, não-

neutra”. Em outras palavras, as atividades matemáticas estão vinculadas a linhas ideológicas. Ressalte-se que a ideologia predominante na organização social do mundo capitalista procura

suprimir a idéia de que existe, ou poderia existir, qualquer alternativa preferível ao status quo. Os

conceitos críticos como contradição, exploração, classe, alienação ou são deturpados ou

destruídos, dificultando que seja atacada a desigualdade material ou a repressão e ainda,

impedindo que se considere a exploração como causa dessa desigualdade e da pobreza. Segundo

D’Ambrósio (2007),

Educação é um ato político. Se algum professor julga que sua ação é politicamente neutra, não entendeu nada de sua profissão. Tudo o que fazemos, o nosso comportamento, as nossas opiniões e atitudes são registrados e gravados pelos alunos e entrarão naquele caldeirão que fará a sopa de sua consciência. Maior ou menor tempero político é nossa responsabilidade. Daí se falar tanto em educação para a cidadania. Com a crescente abertura política - parece que finalmente as ditaduras estão saindo de moda no mundo - torna-se essencial uma participação efetiva da população na vida política258.

A clareza do texto e a importância do autor mostram a relevância e a adequação em se

considerar a Matemática como sendo associada a aspectos ideológicos que certamente irão

influenciar os conteúdos curriculares dos cursos de Medicina.

______________ 258 D'AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação Matemática – Da Teoria à Prática. Campinas: Papirus, 2007. p. 85.

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131

CAPÍTULO V

A MATEMÁTICA NOS CURRÍCULOS DOS PRINCIPAIS CURSOS DE

MEDICINA NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO

Com base em critérios mistos de antiguidade, tradição, avaliações positivas de órgãos

oficiais, conceito junto à mídia, opiniões de professores de Medicina, e informações contidas em

obras consagradas sobre História da Medicina, foram escolhidas e analisadas as seguintes

Instituições médicas do país: Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(FMUFRJ), Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (FMUFBA), Faculdade de

Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Faculdade de Medicina da Universidade Federal

de São Paulo (FMUNIFESP), Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo (FMPUCSP), Faculdade de Medicina do ABC (FMABC).

Procurou-se observar, fundamentalmente, além de um breve histórico da fundação da

instituição, os seguintes itens: a) se é oferecida uma disciplina específica de Matemática, de

Modelos Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática, Simulação e Otimização; b) se a disciplina

Bioestatística está inserida no currículo, se é independente, ou está vinculada à outra disciplina do

Curso.

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2 FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE

JANEIRO (FMUFRJ)

1.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO DA FMUFRJ

A Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FMUFRJ) foi criada

pelo príncipe regente D. João, por Carta Régia, assinada em 5 de novembro de 1808, com o nome

de Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia e instalada no Hospital Militar do Morro do Castelo. Até

então a filosofia colonial dificultava o ensino superior no Brasil, por considerá-lo ameaça aos

interesses da corte. É a mais antiga do Brasil juntamente com a Faculdade de Medicina da

Universidade Federal da Bahia259.

2.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Em 2010, no 5O semestre, a disciplina Epidemiologia (FMS35), do Departamento de

Medicina Preventiva, indica a seguinte ementa, relativa a Bioestatística: Conceitos e métodos

básicos que fundamentam a prática epidemiológica. Vigilância epidemiológica. Bioestatística.

Epidemiologia no âmbito clínico. Epidemiologia no âmbito populacional.

São oferecidas disciplinas optativas a partir do 5o semestre e, entre elas, Bioestatística

Médica (FMS243), do Departamento de Medicina Preventiva, com a seguinte ementa: Estatística

em Medicina. Descrição e apresentação de dados. Probabilidade e avaliação de testes

diagnósticos. Árvores de probabilidade e análise de sobrevida. Distribuições de variáveis aleatórias.

Comparação de grupos. Efeito de uma intervenção ou exposição. Modelos de regressão linear,

logístico e riscos proporcionais. Uso de pacotes estatísticos.

Observe-se que, em publicação recente, divulgada após 200 anos da criação da Faculdade

de Medicina da UFRJ, Mendes, Vargas e Franco, da FMUFRJ, fazem menção às mudanças

necessárias na Educação Médica, quando é defendida a necessidade de adaptação ao avanço

tecnológico e a flexibilidade aos padrões emergente, afirmando-se que

______________ 259 Site: http://www.medicina.ufba.br/, acesso em 09/09/2010.

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a Educação Médica precisa sair dos limites que a confinam às disciplinas e ao avanço tecnológico. O mesmo pode ser dito para lidar com a crescente complexidade nos cuidados superespecializados (ou subespecializados?) e na organização do sistema de saúde, ou seja, devemos [...] conhecer a limitação dos modelos lineares [...] responder flexivelmente aos padrões emergentes e oportunidades [...]260.

Esse posicionamento tolera ou aceita as inovações tecnológicas que, na Medicina, parecem

indicar uma possibilidade de inserção de disciplinas matemáticas no currículo, dependendo de

algum convencimento por parte dos educadores médicos, o que não tem sido fácil ao longo dos

tempos.

3 FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

(FMUFBA)

3.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

Juntamente com a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é a

mais antiga do Brasil. Após abrir os portos do Brasil às nações amigas de Portugal, D. João VI

assinou, em 18 de fevereiro de 1808, o documento que mandou criar a Escola de Cirurgia da Bahia,

no antigo Hospital Real Militar da Cidade do Salvador. Ocupou, inicialmente, o prédio do Colégio

dos Jesuítas, construído em 1553, no Terreiro de Jesus261.

3.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

A disciplina Formação em Pesquisa II (MEDB15), do Departamento de Medicina Preventiva

e Social, que é oferecida no 2o semestre, contém tópicos de Bioestatística, conforme a ementa:

Introdução à Bioestatística; Tipos de variáveis; Tipos de amostragem; Tipos de frequências e seus

cálculos; Medidas de tendência central; Medidas de dispersão; Medidas de posição; Distribuições

______________ 260 GOMES, Marileide da Mota; VARGAS, Sylvia da Silveira Mello; FRANCO, Talita Romero. 1808-2008,

Faculdade de Medicinas da UFRJ, Transformações Social, Política, Tecnológica e Evolução. Rio de Janeiro: Atheneu, 2008. p. 161.

261 Site: http://www.medicina.ufba.br/, acesso em 09/09/2010.

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de frequências e distribuições probabilísticas; Conceitos de normalidade; Distribuição de médias

amostrais; Teste z; Cálculo de intervalo de confiança; Teste qui-quadrado.

Além disso, no 4º semestre e mesmo Departamento é oferecida a disciplina Formação em

Pesquisa IV (MEDB24), com os seguinte conteúdo de Bioestatística: Tipos de estudos

epidemiológicos; confundimento e interação em estudos epidemiológicos. Causalidade em

Epidemiologia.

Também não é admissível nesse estado de deficiente influência científica que exercemos em nosso meio, bastante estranhável e necessitando, consequentemente, ser corrigidos. Precisamos ampliar nosso saber para, com outra mentalidade desempenharmos a dita influência científica exigida por uma sociedade em crescimento262.

4 FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

(FMUSP)

4.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A primeira aula da Faculdade foi proferida em 2 de abril de 1913, por Edmundo Xavier.

Apenas em 1914 as aulas passaram a ser ministradas na sede provisória da Faculdade, localizada

à rua Brigadeiro Tobias. Em 1918 formou-se a primeira turma, composta por 27 médicos, entre os

quais duas mulheres263.

A construção do Hospital das Clínicas se constituiu em relevante acontecimento para a

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Segundo Lacaz (1999),

a construção do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina constituiu um marco fundamental no desenvolvimento da própria medicina brasileira. "Antes e depois do Hospital das Clínicas", poderíamos afirmar, por tudo o que o fabuloso hospital promoveu ao longo de sua fecunda existência. Era compromisso do governo do Estado de São Paulo construí-lo, para complementar o ensino na Faculdade de Medicina. Assim, no dia seguinte ao do lançamento da pedra fundamental da nova faculdade, a 25 de janeiro de 1928, já se noticiava alguma coisa sobre esse grandioso hospital, conhecido em detalhes seu projeto. Em 1929 foram interrompidos os trabalhos do escritório de obras e dispensado todo

______________ 262 OLIVEIRA, Eduardo de Sá. Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia. Salvador: Centro

Editorial e Didático da UFBA, 1992. p. 78. 263 Site: http://www.fm.usp.br/, acesso em 10/09/2010.

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135

seu pessoal. Somente em 1938 é que se reativou o estudo do projeto, novamente entregue ao Escritório Técnico da Faculdade de Medicina264.

4.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

No 4º semestre do curso de graduação é oferecida uma disciplina obrigatória intitulada

Métodos Quantitativos em Medicina (MPT0164), com a seguinte ementa: 1. Métodos Quantitativos:

conceitos iniciais, 2. Probabilidade: conceitos e leis; 3. Distribuições estatísticas; 4. Inferência e

Raciocínio Médico; 5. Teste z; 6. Teste t; 7. Análise de Variância; 8. Bioestatística não Paramétrica;

9. Correlação e regressão; 10. Qui Quadrado; 11. Teorema de Bayes em Medicina: definição e

aplicações; 12. Matemática das Populações; 13. Herança: Introdução à Genética Quantitativa; 14.

Teoria da Evolução Darwiniana em Medicina.

Ao completar 95 anos de sua fundação, a Faculdade de Medicina da Universidade de São

Paulo, em publicação sobre sua trajetória, Marinho apresenta um compromisso com a evolução da

ciência, nos seguintes termos:

Em 2007, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo completou 95 anos de existência. Ao longo dessa existência quase centenária, a Faculdade desenvolveu uma trajetória de engajamento na comunidade científica, nacional e internacional, e nos diversos segmentos da sociedade brasileira. Referência no ensino médico em todo o país, tem sido capaz de inovar e ao mesmo tempo manter suas tradições. Uma perspectiva que deverá acompanhá-la na tarefa que se impôs e que permanece como exigência fundamental para todas as gerações: formar e promover a competência médica aliada ao compromisso social em torno de um país igualmente justo265.

5 FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO

PAULO (FMUNIFESP)

5.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

______________ 264 LACAZ, Carlos da Silva. História da Faculdade de Medicina – USP. São Paulo: Atheneu, 1999. p. 123. 265 MARINHO, Maria Gabriela S. M. C. Trajetória da Faculdade de Medicina da Universidade de São

Paulo: Aspectos Históricos da “Casa do Arnaldo”. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2006.

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136

Sob a influência da Revolução Constitucionalista de 1932, uma nova escola médica nasceu

no Estado de São Paulo, a segunda na cidade de São Paulo, sendo fundada em 1 de junho do ano

de 1933 com o nome de Escola Paulista de Medicina (e ainda assim até hoje conhecida por muitos

sob esta designação), iniciando sua trajetória acadêmica com o Curso de Medicina, cuja aula

inaugural deu-se em 15 de julho de 1933266. A Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) é

uma instituição pública brasileira de ensino superior localizada no Estado de São Paulo, sendo

importante centro de graduação e pós-graduação no país, baseada no "tripé" Pesquisa-Ensino-

Assistência. Reconhecida pelo MEC em 2008 e 2009 como a melhor instituição de ensino superior

do país dentre aquelas que participaram desta avaliação.

5.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Nos anos de 2005 a 2010 foi oferecida a disciplina obrigatória Bioestatística, com a seguinte

ementa: Definição de Bioestatística. Etapas do método científico. Planejamento de experimentos e

amostragem. Tipos de variáveis geradoras de dados. Estatística Descritiva e Inferencial.

6 FACULDADE DE MEDICINA DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

DE SÃO PAULO (FMPUCSP)

6.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Faculdade de Medicina de Sorocaba pertence à Faculdade de Ciências Médicas e da

Saúde (FCMS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo que é a unidade da PUC-SP

dedicada ao ensino e pesquisa na área da saúde. A FCMS conta com três cursos: Medicina,

Enfermagem e Ciências Biológicas. Está localizada na cidade de Sorocaba, a 90 km da capital e foi

fundada em 8 de dezembro de 1949, sendo a Faculdade de Medicina mais antiga do interior do

Brasil e primeira faculdade de medicina particular do país267.

______________ 266 Site: http://www.unifesp.br/, acesso em 11/09/2010. 267 Site: http://www.pucsp.br/medicina, acesso em 11/09/2010.

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137

O campus oferece laboratórios nas áreas de Anatomia, Biologia, Histologia, Bioquímica,

Microbiologia, Parasitologia, Farmacologia, Fisiologia, de Técnica Cirúrgica, de Informática, de

Imagem, de Procedimentos, além de um Laboratório Morfofuncional para as atividades de suporte

aos vários módulos.

O Ministério de Educação do Brasil seguindo a tendência mundial de adotar a metodologia

Problem-based learning (PBL) através de programas como o PROMED (Programa de Incentivo às

Mudanças Curriculares das Escolas Médicas) e o Pró-Saúde (Programa Nacional de Reorientação

da Formação Profissional em Saúde) custeou a transição para o novo currículo na PUC com

investimento do governo federal em novas salas, laboratórios, materiais, livros.

6.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

No módulo de Estudos Eletivos, na área de Saúde Coletiva, são ministrados tópicos de

Bioestatística.

7 FACULDADE DE MEDICINA DO ABC (FMABC)

7.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Faculdade de Medicina do ABC com sede e foro na Cidade de Santo André, Estado de

São Paulo, foi autorizada a funcionar em 05 de fevereiro de 1969, tendo sido reconhecida em 17 de

dezembro de 1975. É mantida pela Fundação do ABC (Prefeituras de Santo André, São Bernardo

do Campo e São Caetano do Sul), à qual compete a administração funcional, econômica e

financeira. Em 1999, foi ampliada a oferta de cursos superiores na área de saúde, sendo

incorporado o curso de Enfermagem. No ano 2000, iniciou-se o curso de Ciências Farmacêuticas. A

FMABC oferece também os Cursos de Graduação em Fisioterapia, Nutrição, Terapia Ocupacional e

Saúde Ambiental268.

7.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO ______________ 268 Site: http://www.fmabc.br/, acesso em 12/09/2010.

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O Curso de Medicina da FMABC tem duração de seis anos. Na estrutura curricular, os dois

primeiros anos são dedicados ao ensino de disciplinas básicas ao saber médico.

As disciplinas do primeiro ano são: Bases Morfológicas da Medicina (Anatomia + Histologia

+ Embriologia); Bases Para o Exercício Profissional I – (Antigo Fundamentos da Prática Médica +

Humanização e Bioética + Saúde Coletiva); Bases Fisiológicas da Medicina I (Fisiologia +

Bioquímica + Genética).

No segundo ano são oferecidas as disciplinas: Farmacologia; Fisiologia II; Microbiologia e

Imunologia; Módulo de Ciências do Comportamento; NIP – Núcleo Integrador de Práticas; Patologia

Geral; Parasitologia; Propedêutica Clínica; e Saúde Coletiva.

Observe-se que alguns conteúdos de Bioestatística são ministrados na Disciplina

Epidemiologia, pertencente ao Departamento de Saúde Coletiva.

Vê-se que nenhuma das disciplinas básicas do curso de Medicina do ABC tem qualquer

apoio curricular em ciências “exatas”, o que não ocorre com o curso de Ciências Farmacêuticas da

mesma Faculdade.

8 CONCLUSÕES

Na tabela 2, seguinte, são apresentadas, de forma sinóptica, as conclusões sobre a

situação de cada uma das seis Faculdades de Medicina do Brasil selecionadas, em relação às

disciplinas matemáticas incluídas nos currículos (Matemática, Modelos Matemáticos,

Biomatemática, Bioinformática, Simulação e Otimização) e, além disso, com informações sobre o

Departamento ao qual está vinculada a disciplina Bioestatística, inserida nos currículos de todas

elas.

Tabela 2. Conclusões básicas da pesquisa bibliográfica realizada nas Faculdades de Medicina brasileiras.

UNIVERSIDADE DA

FACULDADE DE MEDICINA

(SIGLA)

DISCIPLINAS

MATEMÁTICAS

OFERECIDAS

DEPARTAMENTO AO QUAL SE VINCULA

BIOESTATÍSTICA

UFRJ ム Medicina Preventiva

UFBA ム Medicina Preventiva e Social

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USP ム Métodos Quantitativos em Medicina

UNIFESP ム Saúde Coletiva

PUCSP ム Saúde Coletiva

FMABC ム Saúde Coletiva

A tabela 2 é conclusiva. Verifica-se que, exceto Bioestatística, não são oferecidas disciplinas

matemáticas em nenhuma das Faculdades de Medicina analisadas e que, além disso, a disciplina

Bioestatística, oferecida por todas elas, não é independente, mudando apenas os nomes dos

departamentos em que está vinculada. Na Universidade de São Paulo (USP), o Departamento de

Métodos Quantitativos em Medicina está, obviamente, vinculado à própria Faculdade de Medicina,

não havendo, portanto, como no caso das demais, independência da disciplina Bioestatística.

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CAPÍTULO VI

A MATEMÁTICA NOS CURRÍCULOS DE ALGUMAS FACULDADES DE

MEDICINA DE ALGUNS PAÍSES DESENVOLVIDOS

1 INTRODUÇÃO

Neste capítulo foram pesquisadas algumas Faculdades de Medicina de países

desenvolvidos com a finalidade de ampliar a visão sobre a inclusão de disciplinas matemáticas nos

currículos dessas escolas médicas. Neste estudo sucinto buscam-se somente tais informações, não

se cogitando, em nenhuma hipótese de transpor para as Faculdades de Medicina do Brasil, as

idéias ou valores aceitos por aquelas Faculdades de Medicina do Exterior.

Com base em critérios mistos de antiguidade da instituição de ensino, sua tradição,

avaliações positivas da mídia, opinião de professores-médicos e, principalmente, em informações

das obras consagradas sobre História da Medicina269, foram escolhidas e analisadas as seguintes

Instituições médicas do Exterior: FRANÇA: Poitiers, Montpellier, Lyon, Nice; ESTADOS UNIDOS DA

AMÉRICA: Harvard, Johns Hopkins, Colúmbia, Yale; PORTUGAL: Coimbra e Lisboa;

INGLATERRA: University College London, Oxford University, Cambridge University, Imperial

College; ITÁLIA: Bolonha e Pádua.

Procurou-se observar, fundamentalmente, além de um breve histórico da fundação da

instituição, os seguintes itens: a) se é oferecida uma disciplina específica de Matemática, de

______________ 269 CASTIGLIONI, Arturo. História da Medicina. Trad, de R. Laclette. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1947; ROTHSTEIN, William G. American Medical Schools, A History. Nova York: Oxford University Press, 1987; BYNUM, William. The History of Medicine – A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2008; MAGNER, Lois N. A History of Medicine. Nova York: Informa Healthcare, 2005; PORTER, Roy (Editer). Cambridge Illustred History of Medicine. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

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Modelos Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática, Simulação ou Otimização; b) se a disciplina

Bioestatística está inserida no currículo, se é independente, ou está vinculada à outra disciplina do

Curso.

2 FRANÇA: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE POITIERS

2.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Universidade de Poitiers (Université de Poitiers) é localizada na cidade de Poitiers, na

França. Fundada em 1431, pelo Papa Eugênio IV e o imperador Carlos VII, a Universidade de

Poitiers era originalmente composta de cinco faculdades: Teologia, Cânone de Direito, Direito Civil,

Medicina e Artes270.

No século XVI, a universidade, exerceu grande influência sobre a vida cultural da cidade,

perdendo apenas para Paris. E teve vários alunos famosos, como: François Rabelais, René

Descartes e Francis Bacon, para citar apenas alguns exemplos271.

Após o seu fechamento durante a Revolução Francesa, quando as universidades

provinciais foram abolidas, a Universidade de Poitiers reabriu em 1896. A universidade foi

reintegrada a partir de várias escolas e faculdades e recebeu novas faculdades como a Faculdade

de Ciências e da Faculdade de letras272.

2.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Poitiers273 são oferecidas as seguintes

disciplinas de interesse deste trabalho. No primeiro ano: Física e Biofísica; Fundamentos de

Matemática. No segundo ano: Bioestatística e Introdução à Saúde Pública.

______________ 270 MAGNER, Lois N. A History of Medicine. Nova York: Informa Healthcare, 2005. 271 Site: http://www.univ-poitiers.fr/, acesso em 25/10/2010. 272 PEDERSEN, Olaf; NORTH, Richard. The First Universities: Studium Generale and the Origins of University Education in Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. 273 RÜEGG, Walter. A History of the University in Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

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3 FRANÇA: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE

MONTPELLIER

3.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Faculdade de Medicina de Montpellier é a mais antiga do mundo, tendo iniciado suas

atividades em 1220. Atravessou, portanto, os períodos da Idade Média, do Renascimento, da

Revolução Francesa, e assim sucessivamente, até os dias atuais e, no início de suas atividades,

não pertencia à Universidade de Montpellier274.

Em 26 de otubro de 1289, o papa Nicolau IV instituiu, em Roma, a constituição apostólica

“Quia Sapientia”, para todos os doutores e estudantes da cidade de Montpellier, criando assim oficialmente a Universidade de Montpellier275.

Em 1969, a Faculdade de Medicina foi integrada à Universidade de Montpellier, destinada

ao ensino e a pesquisa em Medicina.

A Universidade de Montpellier está situada em uma região internacionalmente conhecida

pela prática de uma autêntica política de integração dos povos. Dos habitantes que moram na

cidade de Montpellier, somente 20% são nascidos lá. A Universidade de Montpellier (Université de

Montpellier), está situada nesta região da França e foi fundada em 1220, sendo uma das mais

antigas do mundo276.

3.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Montpellier são oferecidas diferentes

disciplinas na área de Matemática, como Medidas e Métodos de Epidemiologia, Análise e

Interpretação de Estudos Epidemiológicos, Métodos Paramétricos em Bioestatística, Análise de

Dados Censurados, e Lógica e Estatística. Tais disciplinas são vinculadas ao Departamento de

Epidemiologia.

______________ 274 CASTIGLIONI, Arturo. História da Medicina. Trad, de R. Laclette. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1947. 275 Site: http://www.univ-montp1.fr/, acesso em 14/08/2010. 276 KENNEDY, Michael T. A Brief History of Desease, Science & Medicine. Mission Viejo-Califórnia:

Askiepiad Press, 2003.

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4 FRANÇA: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE LYON

4.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Universidade de Lyon é um dos mais tradicionais instituições de ensino da França. Foi

criada em 10 de julho de 1896 quando foram reunidas antigas faculdades francesas até então

independentes (Ciências, Medicina, Direito e Letras).

A Universidade Claude Bernard Lyon foi criada por decreto em dezembro de 1970,

englobando a Faculdade de Medicina, criada em 1930. É a quarta universidade francesa em

número de alunos, atualmente na ordem de 28 000 estudantes, distribuídos em cursos nas áreas de

Saúde, Ciências, Engenharia, Administração, Economia, Formação de Professores, Direito,

Letras277.

4.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

A Faculdade de Medicina da Universidade de Lyon oferece a disciplina Bioestatística,

vinculada ao Departamento de Epidemiologia.

5 FRANÇA: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE NICE

5.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Universidade de Nice Sophia - Antipolis (Université de Nice Sophia-Antipolis) é uma

universidade situada em Nice, França. Foi fundada oficialmente em 23 de outubro de 1965 e é

organizada em 8 faculdades, 2 institutos autônomos e em uma escola de coordenadores278.

______________ 277 PEDERSEN, Olaf; NORTH, Richard. The First Universities: Studium Generale and the Origins of

University Education in Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. 278 Site: http://www.unice.fr/, acesso em 25/09/2010.

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145

Entretanto, a instituição predecessora existia desde o século XVII, denominada Collegium

Jurisconsultorum Niciensium, fundado em 1635 pelo príncipe de Savoy, que se transformou em uma

escola importante de Direito. A fundação oficial da universidade de Nice, ocorrida em 1965, passou

a ser uma universidade multidisciplinar, consistindo nas faculdades, entre outras, de letras, Direito e

Medicina. Em 1989, a Universidade de Nice adicionou Sophia – Antipolis ao nome para mostrar sua

relação com um campus de tecnologia279.

5.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Nice o primeiro ano é comum aos cursos da

área de saúde. São oferecidas as disciplinas Biomatemática e Bioestatística, vinculadas ao

Departamento de Epidemiologia.

6 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: FACULDADE DE MEDICINA DA

UNIVERSIDADE DE HARVARD

6.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Universidade de Harvard (Harvard University) é uma das instituições educacionais mais

conceituadas do mundo, bem como a instituição de ensino superior mais antiga dos Estados Unidos

da América. Fundada em 8 de Setembro de 1636, em Cambridge, Massachusetts, era chamada

simplesmente de New College (Universidade Nova). Foi batizada, então, em 13 de Março de 1639

como Harvard College, em homenagem a John Harvard, um dos seus principais financiadores. A

primeira vez na qual se mencionou a instituição como universidade foi em 1780280.

A Faculdade de Medicina de Harvard é também uma das mais conceituadas do mundo,

mantendo atividades de ensino, pesquisa e cuidados clínicos. É a terceira escola médica mais

______________ 279 BYNUM, William. The History of Medicine – A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University

Press, 2008. 280 Site: http://www.harvard.edu/, acesso em 17/05/2010.

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antiga dos Estados Unidos, e foi fundada pelo Dr. John Warren, em setembro em 1782. Localiza-se

na área médica de Longwood, em Boston, Massachusetts281.

Várias recomendações são feitas como: maior participação do aluno no processo de

aprendizagem; ampliação das relações do aluno com a faculdade de forma contínua e a longo

prazo; compromisso maior de Faculdade Sênior, particularmente em ensino clínico;

desenvolvimento explícito de objetivos educacionais para todos os cursos; aperfeiçoamento dos

currículos dando-se maior ênfase em tópicos de Ciências do Comportamento, Medicina Preventiva,

Análise de Decisão, e Biostatística [...]282.

6.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard há um Departamento de Métodos

Quantitativos, onde é oferecida a disciplina Bioestatística. Há também um Departamento de

Epidemiologia.

7 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: FACULDADE DE MEDICINA DA

UNIVERSIDADE JOHNS HOPKINS

7.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A abertura do Hospital John Hopkins, dos Estados Unidos, ocorreu em 1889 e, quatro anos

após, a Faculdade de Medicina (Johns Hopkins School of Medicine)) iniciou seu funcionamento,

criando o conceito de pesquisa combinada com ensino e cuidados com os pacientes. Esse modelo

foi o primeiro do gênero, o que gerou uma reputação de excelência e de descobertas, em âmbito

nacional e internacional283.

______________ 281 BETHELL, John T. Harvard Observed. Longwood-Boston: Harvard University Press, 1998. 282 TOSTESON, Daniel C.; ADELSTEIN, S. James; CARVER, Susan T. New Patways to Medical Education

– Learning to Learn At Harvard Medical School. Cambridge-Massachusetts: Harvard University Press, 1994. P. 11.

283 Site: http://www.jhu.edu/, acesso em 12/11/2010.

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147

A Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins é localizada em Baltimore,

Maryland, nos Estados Unidos, sendo considerada o braço médico acadêmico do ensino e da

pesquisa de Universidade Johns Hopkins. A Escola da Medicina é considerada em todo mundo

como uma das melhores escolas médicas existentes. Localizada a leste de Baltimore, é agregada

ao Hospital Johns Hopkins, seu major hospital. Serviu como o modelo para a maioria de escolas

médicas americanas desde sua fundação, em 1893. Atualmente, é uma grande empresa a

“Medicina Johns Hopkins” (Johns Hopkins Medicine). Integrando o Sistema de Saúde Johns

Hopkins (Johns Hopkins Health System)284.

7.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Na Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins há dois departamentos de

interesse deste trabalho de pesquisa, o Departamento de Engenharia Biomédica e o Departamento

de Ciências Básicas. Este último inclui Matemática e Bioestatística285.

8 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: FACULDADE DE MEDICINA DA

UNIVERSIDADE DE COLÚMBIA

8.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Universidade de Colúmbia foi fundada em 1754, pelo Rei George II da Inglaterra, com o

nome de “King's College”, sendo assim a instituição mais antiga da cidade de Nova York.

Desde sua origem, a universidade ocupou o topo da lista das melhores instituições

acadêmicas e de pesquisa do mundo, destacando-se em áreas como Medicina, Ciências, Artes e

Ciências Humanas. Além disso, a Universidade de Colúmbia desempenhou um papel muito

importante no desenvolvimento da cidade de Nova York, participando de numerosas instituições

culturais, artísticas e governamentais286.

______________ 284 ANGELIS, Catherine de. The Johns Hopkins School of Medicine – Curriculum for the Twenty – first

Century. Baltimore: The Johns Hopkins Umiversity Press, 2000. 285 FLEXNER, ABRAHAM. Universities, American, English, German. Londres: Transaction, 1994. 286 Site: http://www.columbia.edu/, acesso em 23/06/2010.

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148

A Faculdade de Medicina da Universidade de Columbia foi fundada em 1767 e foi a primeira

instituição médica dos Estados Unidos a conferir o grau de Doutor em Medicina. Em 1814, foi criada

a Faculdade de Médicos e Cirurgiões (College of Physicians and Surgeons), anos após incorporada

à Universidade287.

8.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Colúmbia, no Departamento de Saúde

Pública, é oferecida a disciplina Informática Biomédica. É oferecida a disciplina Bioestatística,

vinculada ao Departamento de Saúde Pública.

9 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: FACULDADE DE MEDICINA DA

UNIVERSIDADE DE YALE

9.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Faculdade de Medicina da Universidade de Yale foi fundada em 1810, e iniciou suas

atividades em 1813. Situa-se na cidade de New Haven, Estado de Connecticut, nos Estados

Unidos. É uma faculdade de costumes liberais, particularmente por adotar uma auto-avaliação dos

alunos288.

A faculdade inclui muitas Academias de Ciências onde os pesquisadores exercem suas

atividades, um grande hospital e uma das maiores bibliotecas médicas atuais, caracterizada por um

grande acervo de obras e por suas coleções históricas289.

9.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

______________ 287 ROTHSTEIN, William G. American Medical Schools, A History. Nova York: Oxford University Press,

1987. 288 Site: http://www.yale.edu/, acesso em 13/04/2010. 289 ROTHSTEIN, William G. American Medical Schools, A History. Nova York: Oxford University Press,

1987.

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149

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Yale há dois departamentos de interesse

deste trabalho de pesquisa, o Departamento de Engenharia Biomédica e o Departamento de

Biologia Computacional. A disciplina Bioestatística é oferecida e vinculada ao Departamento de

Saúde Pública.

10 PORTUGAL: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE

COIMBRA

10.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

Criada em 1290 por El-Rei D. Dinis, a Universidade de Coimbra é a mais antiga de Portugal

e uma das mais antigas da Europa, contando, desde a sua fundação, com uma Faculdade de

Medicina. No entanto, já existia desde o séc. XII – presume-se que remonte a 1131 – um ensino

regular da Medicina em Portugal, no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, escola que viria a

participar na fundação da própria Universidade. A Universidade foi por diversas vezes transferida

entre Coimbra e Lisboa até 1537, data em que D. João III a fixou definitivamente em Coimbra290.

A Faculdade de Medicina de Coimbra manteve-se como única escola médica de Portugal

até 1825, altura em que foram criadas as Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e do Porto,

transformadas em Faculdades de Medicina em 1911, quando da criação das respectivas

universidades.

O chamado Polo III, junto aos Hospitais da Universidade de Coimbra, acolhe, desde o ano

letivo de 2006-2007, os institutos de Biofísica/Biomatemática, Biologia Médica, Bioquímica,

Fisiologia e Farmacologia e Terapêutica Experimental291.

10.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

______________ 290 Site: http//www.fmed.uc.pt/, acesso em 22/11/2010. 291 UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Mestrados e Cursos de Pós-Graduação. Coimbra: Gabinete de

Educação Médica, 2000.

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150

As Unidades Estruturais da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra abrangem

o Instituto de Biofisica/Biomatemática, de interesse deste trabalho. A disciplina Bioestatística é

oferecida, vinculada ao Departamento de Métodos Quantitativos.

11. PORTUGAL: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE

LISBOA

11.1. BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Faculdade de Medicina de Lisboa tem as suas origens na Real Escola de Cirurgia, criada

no Hospital de São José, em 1825, tomando a designação de Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa

em1836 e, finalmente, em 1911, a de Faculdade de Medicina de Lisboa. O seu primeiro

regulamento data de 1930. Entre 1953 e 1956, a Faculdade foi transferida para o edifício do

Hospital de Santa Maria, ficando a parte assistencial sob a tutela do Ministério da Saúde292.

As atividades atuais da Faculdade de Medicina, como parte integrante da Universidade de

Lisboa, são o ensino das ciências médicas em nível de graduação e pós-graduação, e as atividades

realizadas pelos laboratórios dos institutos básicos e pré-clínicos e pelas clínicas universitárias293.

11.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, no Departamento de Epidemiologia

e Saúde Pública, são oferecidas as disciplinas Matemática, Física, Bioinformática, e Bioestatística,

todas de interesse deste trabalho.

______________ 292 Site: http://www.ul.pt/, acesso em 21/10/2010. 293 PEDERSEN, Olaf; NORTH, Richard. The First Universities: Studium Generale and the Origins of

University Education in Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

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151

12 REINO UNIDO: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DA

UNIVERSITY COLLEGE LONDON

12.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A University College London (UCL) vem oferecendo educação em medicina desde 1834,

mas a escola atual resultou de fusões entre UCL e as escolas médicas do Hospital de Middlesex

(fundado em 1746) e o Hospital Livre Real (fundado como a Escola de Medicina de Londres para

Mulheres, criada em 1874)294.

A medicina clínica é principalmente ensinada no Hospital da Academia da Universidade, o

Hospital Livre Real, o Hospital de Whittington, e outros.

A Real Escola Livre da Universidade Médica foi formada em 1998 seguindo uma série de

fusões entre várias escolas médicas existentes em Londres , Em 2008, a instituição passou a se

denominar Faculdade de Medicina da University College London 295.

12.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Na Faculdade de Medicina da University College London, nos dois primeiros anos, são

oferecidas as disciplinas Ciência e Medicina; Informática; e Bioestatística, do Departamento de

Medicina Preventiva.

13 REINO UNIDO: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE

OXFORD

13.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

______________ 294 Site: http://www.ucl.ac.uk/, acesso em 07/06/2010. 295 HARTE, Negley; NORTH, John. The World of University College London 1828-1978. Londres: Eyre &

Spottis, 1978.

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152

A medicina foi ensinada em Oxford desde o século XIII, sempre na vanguarda da Educação

Médica. Sua influência alcançou um cume no século XVII, quando a atmosfera política turbulenta de

Londres dirigiu muitos cientistas principais para buscar um abrigo em Oxford. No século XVIII, foi

criada, em 1770, a Enfermaria de Radcliffe, um dos primeiros hospitais públicos estabelecidos fora

de Londres296.

Em 1857, Houve um movimento de renascimento do ensino e da pesquisa em Medicina

cujo impulso continuou até os dias atuais. O pesquisador Charles Sherrington, da Instituição,

ganhou o Prêmio Nobel em 1904. Além do desenvolvimento de penicilina pelo Professor Howard

Florey, as pesquisas se multiplicaram de forma significativo até os dias atuais297.

13.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Oxford, no Departamento de Saúde Pública,

são oferecidas as seguintes disciplinas: Bioestatística, Epidemiologia Ocupacional e Introdução à

Saúde Pública.

14 REINO UNIDO: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE

CAMBRIDGE

14.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

O ensino de Medicina na Universidade de Cambridge data de 1540, por atuação do Rei

Henrique VIII. Porém, por mais de 300 anos, o número médio de estudantes concluindo o curso

médico nunca totalizando mais de quatro298.

Em 1829, a direção da Universidade introduziu um currículo médico mais completo, e

exames. Em 1842, George Paget, um médico famoso, em seu terceiro ano no Hospital do

______________ 296 Site: http://www.ox.ac.uk/, acesso em 23/09/2010. 297 BYNUM, William. The History of Medicine – A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University

Press, 2008. 298 Site: http://www.cam.ac.uk/, acesso em 27/08/2010.

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153

Addenbrooke, instituiu o uso de camas para exames. Em 1860, o número de alunos cresceu

significativamente.

Em 1842, George Murray Humphry transformou a Educação Médica em Cambridge, dando-

lhe um fundamento adequado e a Faculdade ganhou reputação como um dos centros de excelência

de ensino e pesquisa.

Em 1976, em resposta à recomendação da Comissão Real em Educação Médica no final

dos anos 1960, um curso médico completo era restabelecido em Cambridge com a abertura da

Escola de Medicina Clínica no local do Hospital de Addenbrooke.

Em novembro de 1980, o Duque de Edinburgo e Chanceler da Universidade de Cambridge

oficialmente abriram a Escola Clínica, construindo bibliotecas médicas e teatros de conferência,

entre outros melhoramentos. O aluno médico do século 21 pode adquirir um conhecimento clínico

rico de informações com amplas possibilidades de um contínuo aperfeiçoamento299.

14.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Cambridge, no Departamento de Saúde

Pública, são oferecidas as seguintes disciplinas: Epidemiologia Ocupacional e Introdução à Saúde

Pública300. A disciplina Bioestatística. e oferecida e vinculada ao Departamento de Saúde Pública.

15 REINO UNIDO: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO

IMPERIAL COLLEGE LONDON

15.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Faculdade de Medicina do Imperial College de Londres é uma das maiores da Europa,

com oito campus, de norte a oeste de Londres. Tem vínculos excelentes, e sociedades com uma

grande variedade de órgãos do Serviço Nacional de Saúde (NHS). Credibilidade, hospitais e clínicas

______________ 299 PORTER, Roy (Editer). Cambridge Illustred History of Medicine. Cambridge: Cambridge University

Press, 2009. 300 ROTHBLATT, Sheldon; WITTROCK, Björn. The European and American University Since 1800.

Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

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154

dentro e fora de Londres, habilitando os alunos para desenvolver experiência clínica desde o início

de seus estudos301.

O ensino é fundamentado por perícias e pesquisas clínicas internacionalmente competitivas

e utiliza a grande variedade de excelências acadêmicas de colegas dentro da Faculdade de

Medicina e em outros departamentos da instituição. Isso assegura que os diplomados têm a

oportunidade maior para adquirir o conhecimento científico, habilidades clínicas e atitudes

profissionais exigidas para os ao cuidado de pacientes e para a pesquisa302.

15.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

No primeiro ano é dada uma introdução e uma orientação para os estudantes. O curso inclui

aulas de Princípios Gerais de Medicina e Informações Tecnológicas, além de aulas de

Fundamentos de Ciência e Prática Médica. Os Fundamentos de Prática Clínica incluem Métodos de

Comunicação, Sociologia, Ética, Epidemiologia e Informações Tecnológicas.

No segundo ano são lecionadas as disciplinas Bioestatística e Computação (vinculadas ao

Departamento de Epidemiologia).

16 ITÁLIA: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE BOLONHA

16.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Universidade de Bolonha é a mais antiga universidade da Europa e a terceira do mundo,

tendo sido fundada em Bolonha, na Itália, em 1088. Chamada oficialmente Alma mater studiorum, a

universidade é uma instituição para alunos de ambos os sexos, mantida pelo Estado303. Oferece

cursos de Artes, Direito, Medicina, Farmácia, Matemática, Engenharia, Agronomia, Medicina

Veterinária e Pedagogia. O curso de Medicina foi fundado em 1288304.

______________ 301 Site: http//www.medicine%20imperial%20college%203.htm, acesso em 10/10/2010. 302 CASTIGLIONI, Arturo. História da Medicina. Trad, de R. Laclette. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1947. 303 PEDERSEN, Olaf; NORTH, Richard. The First Universities: Studium Generale and the Origins of

University Education in Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. 304 CASTIGLIONI, Arturo. História da Medicina. Trad, de R. Laclette. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1947.

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155

16.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Bolonha é oferecido um amplo elenco de

disciplinas matemáticas: Informática; Matemática, Informática e Estatística; Estatística Médica;

Análise Matemática; Física, Estatística e Informática, sendo Física vinculada ao Departamento de

Física e as demais ao Departamento de Medicina e Saúde Pública305.

17 ITÁLIA: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE PÁDUA

17.1 BREVE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A Universidade de Pádua (Università degli Studi di Padova – UNIPD) está localizada em

Pádua, é uma das mais importantes da Itália. Foi fundada em 1222, sendo uma das mais antigas do

mundo306.

Segundo a tradição, a Universidade foi fundada em 1222, quando um grupo de estudantes

e professores migrou da Universidade de Bolonha, à procura de maior liberdade acadêmica. É

certo, no entanto, que a Faculdade de Medicina já existia em Padova, antes de 1222. Por volta de

1250 se iniciou o ensino de Medicina. O curso durava 6 anos e os estudantes afluíam de toda a

Europa307.

Quando Pádua passa a ser governada pela República de Veneza, em 1405, a Universidade

de Pádua inicia seu período de máximo esplendor. Entre os séculos XV e XVII, tornou-se um centro

de estudo e pesquisa internacional, graças à relativa liberdade e independência garantidas pela

República de Veneza, bem como à própria potência econômica e política, da qual Pádua era o

centro cultural308.

17.2 DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NO CURRÍCULO

______________ 305 http://www.unibo.it/ 306 MAGNER, Lois N. A History of Medicine. Nova York: Informa Healthcare, 2005. 307 Site: http://www.unipd.it/, acesso em 15/11/2010. 308 PEDERSEN, Olaf; NORTH, Richard. The First Universities: Studium Generale and the Origins of

University Education in Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

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156

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Pádua são oferecidas as seguintes

disciplinas matemáticas: Estatística Médica, Informática, Física Médica, e Elementos de

Demografia309.

18 CONCLUSÕES

Na tabela 3, seguinte, são apresentadas, de forma sinóptica, as conclusões sobre a

situação de cada uma das dezesseis Faculdades de Medicina do Exterior selecionadas, em relação

às disciplinas matemáticas incluídas nos currículos (Matemática, Modelos Matemáticos,

Biomatemática, Bioinformática, Simulação e Otimização) e, além disso, com informações sobre o

Departamento ao qual está vinculada a disciplina Bioestatística, inserida nos currículos de todas

elas.

Tabela 3. Conclusões básicas da pesquisa bibliográfica realizada nas Faculdades de Medicina do Exterior.

UNIVERSIDADE DA

FACULDADE DE MEDICINA

ANALISADA

DISCIPLINAS

MATEMÁTICAS

OFERECIDAS

DEPARTAMENTO AO QUAL SE

VINCULA BIOESTATÍSTICA

POITIERS Matemática Saúde Pública MONTPELLIER Lógica, Med.e Mét em Epid. Epidemiologia

LYON ム Epidemiologia NICE Biomatemática Epidemiologia

HARVARD ム Métodos Quantitativos JOHNS HOPKINS Matemática Ciências Básicas

COLÚMBIA Bioinformática Saúde Pública YALE Biomatemática, Bioinform. Saúde Pública

COIMBRA Biomatemática Métodos Quantitativos LISBOA Matemática, Bioinformática Saúde Pública

UNIVERSITY COLLEGE Ciência, Informática Medicina Preventiva OXFORD ム Saúde Pública

CAMBRIDGE ム Saúde Pública ______________ 309 CORBETT, Anne. Universities and the Europe of Knowledge. Londres: Palgrave, 2006.

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157

IMPERIAL COLLEGE Computação Epidemiologia BOLONHA Matemática, Informática Medicina e Saúde Pública

PÁDUA Informática Saúde Pública

Embora as informações aqui apresentadas se constituam em uma pesquisa exploratória –

com suas naturais limitações – tudo indica que a importância dada às disciplinas matemáticas pelas

Faculdades de Medicina dos países desenvolvidos selecionados é relevante em comparação com as

instituições de ensino médico do Brasil aqui mostradas. Possivelmente, este panorama está em

evolução, acredita-se, para uma maior aproximação entre a Medicina e a Matemática, considerando-

se o crescente desenvolvimento tecnológico global.

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158

CAPÍTULO VII

CONJECTURAS E REFLEXÕES

A resistência à integração entre a Medicina e a Matemática, ou, mais especificamente, entre

a Educação Médica e a Educação Matemática é defendida no presente trabalho. Procurou-se

mostrar que essa dificuldade tem se caracterizado, ao longo dos tempos, pela existência de

múltiplos obstáculos epistemológicos de difícil transposição e pelo consequente impedimento à

inclusão de disciplinas matemáticas, como Modelos Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática,

Simulação e Otimização, nos currículos dos cursos de Medicina. Neste capítulo busca-se

complementar a análise e a discussão sobre o tema deste trabalho por meio de conjecturas e

reflexões críticas.

Mostra a história que algumas tentativas foram concretizadas por médicos pesquisadores

do passado visando a introdução de métodos quantitativos na Medicina.

Um exemplo marcante dessa tentativa surgiu no início do século XVII, na Itália, quando um

grande defensor da utilização de métodos quantitativos em Medicina, o médico Santorio Santorio

(1561-1636), designado, em 1611, para a Cadeira de Medicina Teórica na Universidade de Pádua.

Conforme a obra de Magner (1992),

além de prática médica, Santorio se tornou intimamente envolvido em pesquisa relativa a "transpiração insensível", na qual realizou medidas de peso utilizando uma cadeira suspensa em uma balança romana. Seu livro Estática Médica, lançado em 1614, foi publicado em pelo menos 30 edições, tendo sido traduzido para diversos Idiomas. A primeira tradução inglesa apareceu em 1676310.

______________ 310 MAGNER, Lois M. History of Medicine. Nova York: Marcel Dekker, 1992. p. 211-213

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159

Visando os objetivos desta Tese, as respostas aos questionamentos que surgiram ao longo

deste trabalho de pesquisa, e analisadas a seguir, são alicerçadas em ampla tarefa de pesquisa

bibliográfica nas áreas de Educação Matemática e Educação Médica, acrescentadas das buscas

realizadas em 6 Faculdades de Medicina do Brasil (Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Universidade Federal da Bahia, Universidade de São Paulo, Universidade Federal de São Paulo,

Faculdade de Medicina da Sorocaba – PUCSP, e Faculdade de Medicina do ABC); em 4

Faculdades de Medicina da França (Paris, Montpellier, Poitiers e Nice); 4 dos Estados Unidos

(Harvard, Johns Hopkins, Yale e Colúmbia); 4 do Reino Unido (University College, Imperial College,

Oxford e Cambridge); 2 da Itália (Bolonha e Pádua); e 2 de Portugal (Coimbra e Lisboa). A escolha

de todas essas Faculdades de Medicina foi fundamentada com base em critérios mistos de

antiguidade da instituição de ensino, sua tradição, avaliações positivas da mídia, opinião de

professores médicos e, além disso, por meio de informações de obras consagradas sobre História

da Medicina e, secundariamente, com a utilização de dados considerados confiáveis obtidos na

Internet.

Um questionamento inicial pode ser feito, perguntando-se: As disciplinas matemáticas a

serem incluídas nos currículos dos cursos de Medicina são realmente úteis e necessárias aos

futuros médicos? Que disciplinas são essas?

No prefácio da sua obra Introducción Matemática a la Física para la Biologia y la Medicina,

Manuzio (1975) mostra a necessidade da Matemática nos cursos de Medicina e de Biologia, embora

de forma restrita, afirmando que

é necessário precisar que, para a maioria dos médicos e biólogos, Ia Matemática não é mais que um instrumento que determina a orientação e a amplitude que deve ser dada a seu estudo. Seria absurdo exigir que um médico conhecesse todos os detalhes da construção de um esfigmomanômetro. É necessário que saiba o que seja uma pressão, o significado que tem suas variações e o manuseio do instrumento. Do mesmo modo, não se pode exigir que um estudante de Biologia ou Medicina conheça em todos seus detalhes o significado de um número irracional ou a técnica do cálculo prático de um logaritmo. Em sua profissão nunca necessitará usar números irracionais e, quanto aos logaritmos, atualmente há calculadoras de bolso que os calculam automaticamente. O que lhe interessa é ter um conhecimento sólido de poucas bases que permitam compreender as técnicas relativamente escassas de matemática aplicada. Esta missão deveria caber ao ensino médio. No entanto, a diversidade de programas, seu caráter abstrato e a insistência sobre regras formais mais que sobre a utilidade prática das mesmas, nos obrigam a repassar brevemente os conceitos fundamentais. Este livro foi escrito para os estudantes de Medicina e de Biologia

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160

que devem se defrontar com um curso de Física, de Biofísica o de Fisiologia nos quais se utiliza o cálculo diferencial311.

Esta opinião defende o caráter instrumental da Matemática na Medicina. Vale ressaltar que

existem diversas publicações sobre cálculos matemáticos em laboratórios de Medicina ou de

Biologia. A obra de Campbell (1997) é um exemplo. Segundo esses autores,

a Matemática é uma ciência, um conjunto de conceitos, um modo de pensar, uma ferramenta, e um mistério. Ela pode ser tudo isso para qualquer pessoa. Porém, cada um destes aspectos tem sua própria importância para os diferentes indivíduos. Para a maioria das pessoas que trabalham em laboratórios, a ferramenta e o mistério são usualmente os itens mais importantes. A Matemática usada nos laboratórios de Medicina e de Biologia possibilita a simplificação das explicações dos cálculos usados em laboratórios clínicos e biológicos. O objetivo principal é ajudar o aluno que, quase sempre, tem uma base insuficiente em Matemática, a desenvolver o raciocínio necessário para encontrar os padrões em que um laboratório competente trabalha. Fornece também uma fonte de revisão para o operador experimentado em áreas específicas de Matemática de laboratório. As explicações são apresentadas de um modo a permitir ao leitor o entendimento de cada passo dos cálculos. As relações entre os princípios químicos e físicos e os cálculos correspondentes são explicados. O livro é um início e não um fim para os estudos da aplicação dos cálculos matemáticos em laboratório. Os computadores e as calculadoras são usados para a execução dos cálculos necessários312.

Analisando as tendências de mudança na formação médica no Brasil, Lampert (2002) faz as

seguintes referências a respeito:

Estudos e pesquisas sobre o perfil do médico concluíram ser necessário ao profissional possuir raciocínio abstrato-verbal, aptidões psicomotoras, memória visual e auditiva, equilíbrio emocional, rapidez nas decisões, interesses científico-assistenciais e humanísticos, valores éticos. Apesar da personalidade do indivíduo, de suas aptidões e interesses serem de fundamental importância para o exercício profissional, não são determinantes suficientes. Todo potencial do ser humano ficará perdido, se o curso de Medicina não oferecer oportunidades para o seu desenvolvimento. O curso de Medicina, partindo do conhecimento sobre os requisitos pessoais, técnicocientíficos e atividades profissionais que o médico deve desenvolver, de acordo com as necessidades da comunidade, pretende implantar um Modelo Curricular que forneça uma visão

______________ 311 MANUZIO, Giulio. Introducción Matemática a la Física para la Biologia y la Medicina. Zaragoza:

Acribia, 1975. 312 CAMPBELL, Joe Bill; CAMPBELL, June Mundy. Laboratory Mathematics – Medical and Biological

Applications. St. Louis, Missouri: Mosby, 1997. p. v.

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não fragmentada de Saber e de Fazer, proporcionando uma formação integral de futuro profissional da Medicina313.

Preliminarmente, vale a pena observar que não há qualquer restrição à disciplina

Bioestatística que já faz parte de todos os currículos pesquisados no Brasil e no Exterior. No

entanto, na maioria das Faculdades de Medicina pesquisadas, no Brasil e do Exterior, Bioestatística

não está vinculada a um departamento autônomo (como Métodos Quantitativos, por exemplo),

sendo um apêndice de uma disciplina médica, em geral de Epidemiologia (departamento de Saúde

Coletiva ou equivalente). Nos currículos constam tópicos de Bioestatística Descritiva e de

Bioestatística Analítica (Inferencial ou Indutiva), englobando itens de métodos estatísticos

paramétricos e não-paramétricos. Em resumo, a disciplina Bioestatística, da área de Matemática, é

útil, necessária e aceita, com normais variações de conteúdo, nos currículos das Faculdades de

Medicina do Brasil e do Exterior.

Estudando o desenvolvimento dos currículos para a Educação Médica nos Estados Unidos,

Kern, Thomas e Hughes (1998) sugeriram, para a disciplina Bioestatística, o seguinte conteúdo:

1. Estatística e Bioestatística; 2. Bases bioestatísticas para a pesquisa na área de saúde; 3. Amostra e amostragem; 4. Medidas de posição; 5. Medidas de dispersão ou variabilidade; 6. Noções de probabilidade; 7. Regressão e correlação; 8. Inferência estatística; 9. Distribuição normal; 10. Distribuição t de Student; 11. Teste do qui-quadrado; 11. Teste de Mann-whitney; 12. Teste de Wilcoxon; 13. Distribuição F de Fisher-Snedecor; 12. Teste de Bartlett; 13. Teste de McNemar; 14. Teste de Cochran; 13. Método de associação de Yule; 14. Teste da mediana; 16. Teste dos sinais; 17. Teste de Kolmogorov-Smirnov para uma amostra; 16. Cálculo do tamanho da amostra; 17. Teste de Kruskal-Wallis; 18. Teste de Friedman; 19. Método de Kaplan-Meier314.

Em 1979, um grupo de trabalho criado parta buscar novos caminhos para os currículos da

Faculdade de Medicina de Harvard, Tosteson (1994) mostrou que muitas recomendações foram

feitas, como "uma maior participação dos estudantes no processo de conhecimento [...] mais ênfase

em tópicos de ciências comportamentais, medicina preventiva, análise de decisão, e Bioestatística

[...]"315.

______________ 313 LAMPERT, J. B. Tendências de Mudanças na Formação Médica no Brasil: Tipologia das Escolas.

São Paulo: Hucitec/Associação Brasileira de Educação Médica, 2002. p. 241. 314 KERN, David E.; THOMAS, Patricia A.; HUGHES, Mark T. Curriculum Development for Medical

Education – A Six-Step Approach. Baltimore: The Jonhs Hopkins University Press, 1998. p. 133-136. 315 TOSTESON, Daniel C.; ADELSTEIN, S. James; CARVER, Susan T. New Patways to Medical Education

– Learning to Learn At Harvard Medical School. Cambridge-Massachusetts: Harvard University Press, 1994. p. 17-18.

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162

A inclusão de Bioestatística nos currículos de Medicina não encontra resistência nas

Faculdades de Medicina pesquisadas no Brasil e no Exterior. O problema se limita à inclusão de

outras disciplinas matemáticas como Biomatemática, Modelos Matemáticos, Bioinformática,

Simulação e Otimização. Essas disciplinas são realmente úteis e necessárias aos futuros médicos?

Com base nas citações mostradas ao longo deste trabalho, parece não haver dúvidas que

essas quatro disciplinas (Biomatemática, Modelos Matemáticos, Bioinformática e Simulação) são

úteis e necessárias aos futuros profissionais da Medicina, bastando para isso mencionar três

autores (a, b, c) entre muitos outros aqui referidos.

a) Hoppensteadt & Peskin (1996), abordaram os seguintes assuntos: 1. Demografia; 2.

Genética; 3. Epidemiologia; 4. Biogeografia; 5. Circulação sanguínea; 6. Troca de ar nos

pulmões; 7. Controle do volume das células e propriedades elétricas de membranas

celulares; 8. Mecanismo da contracorrente renal; 9. Mecânica dos músculos; 10. Relógio

biológico e mecanismos do controle neurológico316.

b) Na obra de Horn, Simonett e Webb (1998) encontram-se exemplos de modelos

matemáticos aplicáveis à Medicina e a outras ciências da saúde: 1. Estratégias do

tratamento do câncer e modelagem matemática; 2. Controle de epidemias estruturais; 3.

Técnicas de análise para retinopatia diabética; 4. Tuberculose: a resistência a

antibióticos; 5. Movimento browniano: um modelo para difusão com interface?; 6.

Dinâmica espaço-temporal para a resposta do o sistema imunológico ao câncer; 7. Um

modelo estruturado em idade e maturidade da dinâmica da população de células; 8. Um

novo modelo para a esquisostomose; 9. Análise de modelo de reação difusicional com

dois componentes; 10. Modelo ramo de árvore para receptores sensoriais musculares;

11. Dinâmica de um modelo simples de infecção com HIV; 12. Análise matemática de

um modelo epidêmico evolucionário; 13. Contribuição para um problema de controle

ambiental; 14. Modelagem da probabilidade da cura de um tumor cancerígeno317.

c) Além disso, encontram-se na obra sobre Biomatemática de Robeva et al (2008) muitos

outros exemplos análogos: 1. Processos que variam com o tempo: sistemas dinâmicos;

2. Dos sistemas dinâmicos que interagem com sistemas complexos; 3. Matemática na

genética; 4. Genética quantitativa e estatística; 5. Análise de riscos da glicose no

______________ 316 HOPPENSTEADT, Frank C.; PESKIN, C.S. Mathematics in Medicine and the Life Sciences. New York:

Springer, 1996. 317 HORN, Mary Ann; SIMONETT, Gieri; WEBB, Glenn F. Mathematical Models in Medical and Health

Science. Londres: Vanderblit University Press, 1998.

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sangue; 6. Como o sangue transporta oxigênio; 7. Endocrinologia e pulsatividade

hormonal; 8. O uso de microarranjos para o estudo de padrões da expressão de genes;

9. Detectando ritmos em dados confusos; 10. Modelagem de uma rede endócrina:

Variações na alimentação oscilações hormonais318.

Essa significativa lista de assuntos ligados diretamente a Modelos Matemáticos e,

indiretamente, a Biomatemática, Bioinformática, Simulação e Otimização pode ser judiciosamente

transformada para aplicação em aulas de Medicina. A necessidade de se ensinar o conhecimento

leva à necessidade de modificá-lo, e essa modificação é chamada de transposição didática.

Segundo Chevallard,

ao entrarem para a escola, os objetos de conhecimento - o saber científico ou as práticas sociais – convertem-se em "objetos de ensino", isto é, em conteúdo curricular. É preciso modificar o saber, para que este se transforme em objeto de ensino "ensinável", isto é, em condições de ser aprendido pelo aluno. A proposta pedagógica entra em ação pela transposição didática. É por meio desta que as intenções educativas, as competências a serem desenvolvidas nortearão a escolha, tratamento, recorte, partição dos conteúdos que darão conta de tornar viável o que foi anteriormente escolhido319.

As resistências às mudanças curriculares nas instituições de ensino da Medicina já foram

mostradas no presente trabalho, em razão, entre outros fatores, do acendrado conservadorismo dos

profissionais dessa área. A admissão da hipótese de que existe um arraigado conservadorismo

entre os profissionais da Medicina, portanto, é uma posição praticamente unânime entre os

analistas que lidam com esse assunto. Trata-se da ideologia da prudência, com raízes históricas,

quanto à tentativa de uma sociedade no sentido de mudar as suas tradições e instituições. Um

pensamento relevante sobre o conservadorismo dos profissionais de Medicina deve-se a Hayard

(1956), quando afirmou que

a profissão médica – que é, provavelmente, a mais conservadora de todas – está compreendendo a necessidade de levar a cabo uma reforma de seus pontos de vista,e de interpretar de forma mais ampla seu programa de estudos, de ocupar o lugar que lhe corresponde na reconstrução nacional 320.

A análise deste quadro de marcante conservadorismo na Medicina parece preocupante. Tudo

indica haver uma formação excessivamente cartesiana e conservadora, cética em relação a novas ______________ 318 ROBEVA, Raina S. et al. An Invitation to Biomathematics. Nova York: Elsevier, 2008. 319 CHEVALLARD, Yves. La Transposition Didactique, du Savoir Savant au Savoir Enseigné. Grenoble:

La Pensée Sauvage, 1991. p. 39-40. 320 HAYARD, John A. Historia de La Medicina. México: Fondo de Cultura Económica, 1956. p. 282-283.

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idéias. Os alunos de Medicina são formados com idéias limitadas e ultrapassadas, sabem que

exercem uma atividade de alta responsabilidade, por isso são muito conservadores, e só costumam

se convencer de novos conceitos após muitos estudos científicos.

Analisando o que chamou de filosofia natural dos médicos e dos biólogos, Andler (2005) cita

uma obra famosa sobre o assunto e complementa com a seguinte posição:

Em um pequeno livro intitulado Philosophie Biologique (1955), François Dagognet se diverte ao retratar, sem aprová-la, a "filosofia natural imanente à arte médica". Esse livro poderia ter sido chamado de Filosofia Médica. Sua cultura polivalente, sua relação concreta com os doentes e com seu sofrimento no exercício profissional levariam o médico a um "materialismo cético, a um ecletismo desafiador, imbuído por vezes do mais desencorajador dos empirismos". Esse empirismo derivaria do conflito entre o dogmatismo das ciências aprendidas, que afirmam verdades gerais e se apóiam nas "técnicas racionalizantes do laboratório", e a experiência clínica, portadora de um "saber da existência, da qualidade e da verdadeira diferença" 321.

Tudo leva a crer que algumas das razões históricas ou filosóficas que podem justificar o

aparente ou real desprestígio da Matemática nas instituições de ensino da área de saúde,

particularmente da Medicina em todo o mundo é, portanto, o alto conservadorismo nas Faculdades

de Medicina. Parece haver uma atitude de alienação em relação a filosofia do aperfeiçoamento

contínuo dos currículos322 pois muitos médicos não aceitam uma atitude de abertura consciente

para mudanças. Assim, o tripé característico da Medicina educação-pesquisa-assistência é

desestabilizado pelo encurtamento de uma das hastes de sustentação, a educação. Os médicos,

em geral, não priorizam a educação, e enfatizam seu trabalho profissional nas atividades de

assistência e de pesquisa.

Não se pode deixar de mencionar que a grave crise por que passa o ensino médico no

Brasil na atualidade mostra um quadro extremamente desalentador conforme os resultados sofríveis

indicados pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) exigido pelo Ministério da

Educação (MEC). O editorial do jornal Folha de São Paulo, de 18 de dezembro de 2010 assim

define esse quadro:

______________ 321 ANDLER, Daniel; FARGOT-LARGEAULT, Anne; SAINT-SERNIN, Bertrand. Filosofia da Ciência. Volume

1. Trad. de Paula Glenadel et al. Rio de Janeiro: Atlântica, 2005. p. 425. 322 AYRES, Carolyn. Continuous Improvement in the Mathematics Classroom. Milwaukee, Wisconsin:

Quality Press, 2000.

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Não é segredo para ninguém que a formação de médicos no Brasil vive simultaneamente uma expansão e uma crise. Em menos de duas décadas, o número de faculdades mais que dobrou, passando de 80 para 180. Dezessete delas não obtiveram em 2008 a nota mínima no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) exigida pelo Ministério da Educação (MEC). O Estado de São Paulo concentra o maior número de escolas médicas (30) do país. Elas não são imunes às graves falhas que acometem os cursos. São paulistas 3 das 17 instituições reprovadas. Há algum tempo, já, se discute a necessidade – óbvia, para esta Folha – de um exame de habilitação para a profissão de médico. Se a estrutura credenciadora de cursos do MEC não consegue garantir uma qualidade mínima, a sociedade precisa ser protegida de outra maneira da atuação de profissionais mal qualificados. O Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) aplica desde 2005 uma prova não obrigatória para formandos em medicina, em duas fases. A primeira, teórica, exige nota 6 para que o formando passe à seguinte, de cunho prático. Cerca de um quarto dos alunos paulistas fizera a prova em 2010. Os resultados são desalentadores. A reprovação na primeira etapa oscilou entre 32% (2005) e 61% (2008) nas seis edições da prova. Neste ano, a reprovação na primeira fase ficou em 43%. Na segunda, colheu-se resultado ainda mais acabrunhador: 68% de fracasso. Nas cinco provas anteriores a reprovação na segunda fase nunca ultrapassara 10%. Decerto não ocorreu piora tão acentuada dos formandos em um só ano. Parece evidente que, exame carece de padronização de critérios ou capacidade discriminadora. Outra hipótese, aventada pelo Cremesp, é uma mudança no perfil da amostra, com menor participação de alunos de escolas tradicionais. Qualquer que seja a explicação, duas conclusões se impõem: primeiro, há que calibrar melhor a prova; depois, insistir em que se torne obrigatória323.

Essa situação certamente dificulta o processo de mudança curricular pesquisado neste

trabalho considerando-se que os destinatários dessas mudanças necessitariam de uma melhor

condição dos alunos para eficácia do processo. Tudo indica que as causas do despreparo dos

estudantes remonta a fatores múltiplos incluindo o baixo nível do ensino médio no Brasil, incluindo a

irresponsabilidade dos próprios discentes que, certamente, dedicam um tempo insuficiente para

seus estudos. Assim, em razão dos resultados dessas provas, fica claro que os atuais estudantes

de Medicina, em sua significativa maioria, não estão preparados para desempenhar a atividade

médica. Desta forma, são claros os riscos para a população. É por isso que o Conselho Regional de

Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) propõe, conforme o Editorial mencionado, a realização

de uma prova nacional e obrigatória. Quem não fosse aprovado, não obteria a licença para

trabalhar. Isso seria uma defesa da sociedade, não uma solução ideal.

______________ 323 FOLHA DE SÃO PAULO. Melhores médicos. Editorial de 18/12/2010. p. A-2.

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As dificuldades encontradas para que se concretizem as mudanças nos currículos dos cursos de

Medicina, com a consequente minimização ou eliminação desses problemas, correspondem a obstáculos

epistemológicos, conforme já se fez menção, que serão estudados no capítulo seguinte deste trabalho.

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CAPÍTULO VIII

OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS NA INTEGRAÇÃO MEDICINA –

MATEMÁTICA

No presente trabalho, que trata das resistências que se apresentam à inclusão de

disciplinas matemáticas nos cursos de Medicina, somente os obstáculos epistemológicos, segundo

a concepção de Brousseau (1983)324 – fundado em Bachelard (2008)325 – serão considerados.

Assim, não serão aqui analisados os obstáculos ontogênicos, ou seja, os que são ligados ao

desenvolvimento da inteligência, dos sentidos e dos sistemas perceptivos. Este tipo de obstáculo é

ligado à maturação psíquica individual, podendo ser removido pela superação dessa fase, inclusive

apenas por motivos cronológicos. Alem disso, também não serão aqui analisados os obstáculos

didáticos, conhecimentos que se encontram relativamente estabilizados no plano intelectual e que

podem dificultar a evolução da aprendizagem do saber escolar. Parecem decorrer de um projeto de

sistema educativo, resultantes de uma transposição didática e que decorrem também de estratégias

de ensino inadequadas.

Os obstáculos epistemológicos, na visão de Brousseau (1983) são resistências de caráter

insistente e generalizado ao conhecimento científico que não ficaram restritas ao passado, mas se

tornam presentes sempre como um impasse ao progresso do pensamento humano. Brousseau

(1983) observou que a evolução de um conhecimento científico passa, quase sempre, pela rejeição

de conhecimentos anteriores e se defronta com um certo número de obstáculos. Assim, esses

obstáculos não se constituem na falta de conhecimento, mas, pelo contrário, são conhecimentos

______________ 324 Brosseau, Guy. Les Obstacles Epistemologiques et les Problemes en Mathematiques. Recherches

en Didactique des Mathématiques, v. 4, n. 2, p. 165-198, 1983. 325 BACHELARD, G. A Formação do Espírito Científico. Trad. de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro:

Contraponto, 2008.

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antigos, cristalizados pelo tempo, que resistem à instalação de novas concepções que ameaçam a

estabilidade intelectual, o que impede a evolução do conhecimento.

Os conhecimentos para Brousseau (2008),

[...] dão resultados corretos ou vantagens observáveis em um determinado contexto, mas revelam-se falsos ou totalmente inadequados em um contexto novo ou mais amplo [...] não são construções pessoais variáveis, mas sim, respostas "universais" em contextos precisos. Portanto, surgem quase necessariamente na origem de um saber, seja ela histórica ou didática326.

Defendeu Brousseau (1983) que o progresso das ciências tem como condição básica a

colocação dos problemas científicos sob a forma de obstáculos que incidem sob o próprio ato de

conhecer. Para ele, movidas por uma imperiosidade funcional surgem as lentidões e as dificuldades

que devem obrigar o espírito científico ao questionamento sobre as causas que levam à

estagnação, à regressão e até mesmo à inércia. Em outras palavras, obstáculo epistemológico foi o

nome que Brousseau (1983), baseado em Bachelard (2008), utilizou para nomear tudo que se

incrusta no conhecimento não questionado, todos os pontos onde o progresso científico estanca,

regride ou permanece inerte. A importância de detectá-los sustenta sua tese de que o ato de

conhecer se dá sempre contra um conhecimento anterior, destruindo o que foi mal estabelecido,

trazendo como consequência a possibilidade de que novas formulações e soluções para o problema

possam ser alcançadas. Com isso, torna-se viável impulsionar a ciência em direção a novas

conquistas, pois o modo como o problema é destacado já organiza o caminho da pesquisa seguinte.

Brousseau (1983) percebeu que os erros surgidos ao longo da construção da Ciência, que

foram omitidos ou desconhecidos pela História tradicional, podiam auxiliar a detectar os vários

obstáculos epistemológicos surgidos ao longo da História da Ciência, possibilitando assim, um

melhor conhecimento do caminho percorrido pela ciência. Somente é possível a aquisição de um

novo conhecimento pelo sujeito quando, no ato de conhecer, houver a superação dos

conhecimentos adquiridos anteriormente, carregados de crenças, mitos, de concepções baseadas

no senso comum, conhecimentos esses que foram mal estabelecidos, e que já estão sedimentados.

Vê-se, por outro lado, que o aparecimento de obstáculos é inevitável, indicando ser de fundamental

importância, a sua superação para que o pensamento científico possa se desenvolver.

______________ 326 BROUSSEAU, Guy. Introdução ao Estudo das Situações Didáticas. São Paulo: Prol Editora Gráfica,

2008. p. 49.

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Desta forma, no presente trabalho, os obstáculos epistemológicos estudados, que se

constituem em resistências para a inclusão de disciplinas matemáticas nos currículos dos cursos de

Medicina, serão analisados conforme a visão de Brosseau (1983), obedecendo, portanto, aos

seguintes princípios, segundo Almouloud (2007, p. 133):

a) um obstáculo é um conhecimento, uma concepção, e não uma dificuldade, ou uma falta

de conhecimento;

b) esse conhecimento produz respostas adequadas em certo contexto frequentemente

encontrado;

c) mas ele produz respostas falsas, fora desse contexto. Uma resposta correta e universal

exige um ponto de vista notavelmente diferente;

d) além disso, esse conhecimento resiste às contradições com as quais ele é confrontado e

ao estabelecimento de um conhecimento novo. Não basta ter um conhecimento novo

para que o precedente desapareça; é, então, indispensável identificá-lo e incorporar a

sua rejeição no novo saber;

e) depois da tomada de consciência de sua inexatidão, ele continua a manifestar-se de

modo intempestivo e obstinado.

Na análise das resistências à inclusão de disciplinas matemáticas, como Modelos

Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática, Simulação e Otimização, nos currículos dos cursos de

Medicina, foram identificados 11 (onze) obstáculos epistemológicos, de origem histórica ou oriundos

de erros anteriores, vinculados à presença e não à ausência de conhecimentos e, além disso,

pertencentes a situações que associam estruturas curriculares, professores, perfil do formando,

tradicionalismo, conservadorismo, corporativismo, critérios, desequilíbrios, ideologia e relações de

poder. Listam-se e discutem-se a seguir os obstáculos epistemológicos encontrados, assim

considerados, conforme a visão de Brousseau (1983).

1 OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO RESULTANTE DA EXISTÊNCIA DE

TENDÊNCIAS TRADICIONALISTAS DOS CURSOS DE MEDICINA

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Veja-se que “tradição” é a transmissão, de geração em geração, de costumes, instituições, lembranças, etc., próprias de um grupo ou sociedade, assegurando a memória desse grupo327. A

manutenção da tradição pode apresentar diferentes aspectos positivos. No entanto, quando referida

a currículos dos cursos de Medicina, constitui-se em um obstáculo epistemológico, de origem

histórica, advindo de erros anteriores, sendo conveniente a sua transposição, para permitir o

processo evolutivo desses currículos.

Reitere-se que, neste trabalho, foi constatado que, nas escolas médicas analisadas, ocorre

uma forte predominância de uma concepção tradicionalista de ensino, segundo a qual a educação

está baseada na transmissão do conhecimento, na experiência do professor, e na supervalorização

do conteúdo das disciplinas. Assim, essa prática escolar que pode ser observada num momento

histórico relaciona-se com os usos, as tradições, as técnicas e as perspectivas dominantes em tomo

da realidade dos currículos dos cursos de Medicina.

O tradicionalismo se incrusta no conhecimento, tornando-o não questionado, ou seja,

concorre para criar pontos onde o progresso científico estanca, regride ou permanece inerte, sendo,

portanto, um obstáculo epistemológico, devendo ser transposto.

Para transpor esse obstáculo epistemológico, busca-se minimizar ou eliminar alguns

aspectos negativos como, por exemplo, a falta de preparo dos professores para atividades de

docência e de investigação, baixa produção de conhecimentos, currículos arcaicos, carga horária

excessiva, dissociação entre a teoria e a prática, dissociação entre ciclo básico e clínico, incluindo o

afastamento de barreiras para inclusão de disciplinas matemáticas nos curso de Medicina.

2 OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO ORIUNDO DA OCORRÊNCIA DE

TENDÊNCIAS CONSERVADORAS DOS CURSOS DE MEDICINA

As resistências às mudanças curriculares nas instituições de ensino de Medicina já foram

mostradas no presente trabalho, em razão, entre outros fatores, do forte conservadorismo dos

profissionais dessa área. O conservadorismo é aqui admitido como uma ideologia da prudência

quanto à tentativa de separação das raízes históricas de uma sociedade, ou de mudança das

tradições e instituições herdadas328. Apesar dos aspectos positivos da prudência, contra o

______________ 327 RUSS, Jacqueline. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Editora Scipione, 1994. 328 BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

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conservadorismo acumulam-se os argumentos favoráveis à necessidade de mudar a educação

médica.

Sentindo a necessidade de transpor esse obstáculo epistemológico, de origem histórica

advindo de erros anteriores, os profissionais da Medicina estão afastando o conservadorismo no

que se refere a currículos, compreendendo a necessidade de levar a cabo uma reforma de seus

pontos de vista, e de interpretar de forma mais ampla seu programa de estudos, a fim de ocupar o

lugar que lhe corresponde no panorama nacional.

A existência de uma tendência conservadora nos cursos de Medicina é um obstáculo

epistemológico, se admitido como um conhecimento anterior que limita ou restringe o progresso na

aquisição de novos conhecimentos médicos. O conservadorismo pode, portanto, ser considerado

como um conhecimento mal estabelecido na visão progressista de mudar os currículos dos cursos

de Medicina.

3 OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO RESULTANTE DO PARADOXO NÃO-

RESOLVIDO DA ACEITAÇÃO DE CONHECIMENTOS MATEMÁTICOS PELOS

MÉDICOS VERSUS INCLUSÃO DE DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS

CURRÍCULOS DOS CURSOS DE MEDICINA

Um paradoxo ocorre quando um conjunto de premissas aparentemente inquestionáveis

origina conclusões inaceitáveis ou contraditórias. Os paradoxos desempenham um papel importante

na Filosofia, visto que a existência de um paradoxo não-resolvido mostra que há algo nos nossos

raciocínios ou nos nossos conceitos que não compreendemos329.

O grande paradoxo aqui apresentado consiste, de um lado, na plena aceitação atual, no

âmbito da Medicina, do conhecimento e uso de Modelos Matemáticos – fato comprovado, entre

outras situações, pelo aumento continuado da criação de associações médicas de Modelos

Matemáticos – e, de outro, a não-inclusão de disciplinas matemáticas nos cursos de Medicina.

Parece haver uma marcante necessidade de vencer este obstáculo epistemológico, de

origem histórica, oriundo de erros anteriores, com reflexos sentidos pelos próprios profissionais da

saúde, aceitando-se uma Educação Matemática melhor estruturada no ensino e na pesquisa, com

______________ 329 BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

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os conhecimentos necessários, entre outros, de fundamentos, de habilidades e de bases para

melhor entendimento e efetivo uso de Modelos Matemáticos.

Isso mostra a necessidade de se buscar a geração de instrumentos com vistas a um

desempenho profissional mais eficiente e a criação de condições favoráveis para a ampliação da

capacidade do médico e para expandir o campo de suas pesquisas. Ocorre, portanto, uma

necessidade de redirecionamento de currículos, adaptando-os às exigências atuais de

reestruturação da educação interdisciplinar, a fim de moldar um novo perfil do profissional de

Medicina. O questionamento deste obstáculo epistemológico que impede o progresso do

pensamento é o que possibilita que o saber científico seja reconstruído a cada momento.

4 OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO ORIUNDO DA BAIXA FLEXIBILIDADE DA

ESTRUTURA CURRICULAR NOS CURSOS DE MEDICINA

Verificou-se, neste trabalho, a existência de currículos com pouca flexibilidade para

mudanças nos cursos de Medicina. Este fato conduz a um obstáculo epistemológico, de origem

histórica, advindo de erros anteriores, cuja transposição conduziria ao desenvolvimento de uma

estrutura curricular estabilizada, com uma tendência a centrar no currículo as possibilidades de

reformas qualitativas no ensino médico. Tudo indica ser difícil – mas possível – mudar a estrutura

curricular, e é inútil fazê-lo sem alterar profundamente seus conteúdos e sua aplicação.

Observe-se que a modernização dos métodos de ensino não garante por si mesma que a

instituição médica se integre ao seu meio, se identifique com seus problemas e influa para mudar a

realidade social. É preciso tratar especificamente da questão da mudança do conteúdo e das

práticas porque elas não são decorrência automática de qualquer mudança metodológica. A baixa

flexibilidade dos currículos dos cursos de Medicina é, portanto, um conhecimento e uma causa de

estagnação, de regressão, e de inércia, ou seja, é um obstáculo epistemológico, sendo necessária a

sua remoção.

5 OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO PROVENIENTE DAS RELAÇÕES DE PODER

QUE IMPOSSIBILITAM A FLEXIBILIZAÇÃO E A ATUALIZAÇÃO DOS

CURRÍCULOS DOS CURSOS DE MEDICINA

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173

Foi discutido neste trabalho que os processos de mudanças curriculares nas escolas

médicas sempre envolveram fortes contendas e negociações complicadas porque a definição das

cargas horárias das disciplinas reflete o jogo de poder entre departamentos e professores, ou seja,

a carga horária tinha menos que ver com a relevância do conteúdo e mais com o poder dos

mestres.

Tudo leva a crer que os currículos são a expressão do equilíbrio de interesses e forças que

operam no sistema educativo em dado momento, se for sabido que os currículos e os

conhecimentos neles contidos estão relacionados com a questão do poder e transmitem visões

específicas sobre a sociedade e seus valores. Trata-se, portanto, de um obstáculo epistemológico,

de origem histórica, resultante de erros anteriores, e sua transposição torna-se necessária. O

aparecimento deste obstáculo epistemológico tem se mostrado inevitável, o que mostra ser de

fundamental importância, a sua superação para que o pensamento científico possa evoluir, tornando

possível a mudança dos currículos e viabilizando que nele sejam inseridas disciplinas matemáticas.

6 OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO RELATIVO À INSUFICIÊNCIA DE

CONHECIMENTOS OU DESINTERESSE DOS PROFESSORES DE

MATEMÁTICA SOBRE O PERFIL DOS PROFISSIONAIS A FORMAR NOS

CURSOS DE MEDICINA

Já se fez menção que há desinteresse por parte dos professores de Matemática dos cursos

de Medicina para com o perfil do profissional formado pelas instituições de ensino médico, e tudo

indica ser necessária a participação de todos para mudança do status quo.

Um dos problemas que se apresentam no ensino médico é o de saber quais as habilidades,

as atitudes e os conhecimentos que serão necessários oferecer ao estudante de Medicina para

capacitá-lo a exercer eficientemente sua profissão. Mas, muito mais do que apenas isso, é saber

quais serão os valores que ele precisará internalizar para que possa ser realmente um médico. A

resposta a essas questões coloca o desafio que a escola médica brasileira vem sendo

insistentemente convidada a responder.

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Parte-se da premissa pela qual todos os professores que lecionam em cursos de Medicina –

inclusive professores de disciplinas matemáticas – devem conhecer o perfil do profissional a formar.

Trata-se de identificar esse obstáculo epistemológico para transpô-lo.

Ressalve-se, como base de orientação que, no Brasil, como já foi mencionado, a legislação

prescreve, para um profissional médico, uma “formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo saúde-doença em seus diferentes

níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na

perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso

com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano”. Viu-se neste trabalho que os professores de Matemática, com atividades em cursos de

Medicina, se desinteressam em conhecer os fundamentos de Medicina e o perfil do profissional a

formar. Trata-se de um obstáculo epistemológico, de origem histórica, advindo de erros anteriores,

que deve ser transposto. Em defesa da relevância dessa transposição, observe-se que esse

obstáculo epistemológico, em visão mais ampla, constitui-se em um impasse ao progresso do

pensamento humano. Veja-se, além disso, que a ciência evolui, segundo Brousseau (1983), de

forma não linear, através de sucessivas retificações. Desta forma, um maior interesse do professor

de Matemática pelo perfil do médico a formar seria uma retificação deste procedimento, ou seja,

uma contribuição para a transposição do obstáculo epistemológico em questão.

7 OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO RELATIVO À INSUFICIÊNCIA DE

CONHECIMENTOS OU DESINTERESSE DOS PROFESSORES DE

MATEMÁTICA SOBRE O CONTEÚDO CURRICULAR DOS CURSOS DE

MEDICINA

Busca-se, para que o ensino médico seja operacionalizado, a necessária a inserção de um

conjunto de saberes indispensáveis à elaboração dos currículos. Esta sistematização dos saberes

necessários orienta o trabalho dos educadores e coordenadores no sentido de que todos os alunos,

cujo perfil deve estar claramente definido, possam alcançá-los, mas no decurso de um tempo

razoável, o que permite a flexibilização das estratégias de ensino, a diferenciação curricular, de

maneira a contemplar suas trajetórias singulares. Busca-se uma abordagem interdisciplinar que

supere a fragmentação do saber.

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Nesse panorama, o professor de disciplinas matemáticas deve conhecer os currículos dos

cursos de Medicina em que irão lecionar. Desta forma, antes de planejar o ensino, selecionar

procedimentos, material ou conteúdo, é importante que o professor de disciplinas matemáticas

tenha conhecimento dos currículos do curso de Medicina onde leciona para ser capaz de adaptar

seu programa de ensino às necessidades para a formação de um médico. Essa atitude é necessária

para identificar e transpor esse obstáculo epistemológico, de origem histórica, oriundo de erros

anteriores. Veja-se que os erros surgidos ao longo da construção de um conhecimento, que foram

omitidos ou desconhecidos pela sua história, podem auxiliar a detectar esses obstáculos surgidos

ao longo do período observado.

8 OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO ORIUNDO DO DESEQUILÍBRIO DICOTÔMICO

FORMAÇÃO MÉDICA VERSUS FORMAÇÃO MATEMÁTICA DOS

PROFESSORES QUE IRÃO LECIONAR DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS

CURSOS DE MEDICINA

Para o magistério de disciplinas matemáticas nos cursos de Medicina, a situação ideal seria

que o professor em exercício tivesse uma formação médica e matemática, ou seja, com graduação

em Medicina e em Matemática. No entanto, esta situação dificilmente ocorre.

Restam duas outras possibilidades: a) de um médico que se dedicasse ao estudo de

Matemática, ou b) um matemático, disposto a estudar fundamentos de Medicina, conhecer o perfil

do médico a formar e o currículo do curso de Medicina. Em ambos os casos é relevante a motivação

e o empenho do professor que irá estudar conteúdos de uma área que não é a sua.

Vislumbra-se, assim, a existência de um obstáculo epistemológico, de origem histórica,

oriunda de um erro anterior, e que ainda persiste. Verifica-se que é em termos de obstáculos

epistemológicos que um problema do conhecimento científico deve ser colocado, sendo no âmago

do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e

conflitos que devem ser afastados.

9 OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO ORIUNDO DA ESCOLHA DOS CRITÉRIOS NA

ELABORAÇÃO DOS CURRÍCULOS DE MEDICINA

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Viu-se, neste trabalho, que muitos dos currículos das Faculdades de Medicina são formados

por disciplinas agrupadas por vários critérios, em que a disposição, a hierarquização e os pré-

requisitos não são rigorosamente obedecidos. Onde isso ocorre, as justificativas utilizadas, entre

outras, são as mais diversas como insuficiência de professores, disponibilidade e comodidade dos

professores e dos alunos, disponibilidade de salas de aula, excesso de alunos.

A definição dos critérios a seguir na elaboração do currículo de um curso de Medicina, na

forma como ocorre no Brasil, segundo a opinião de alguns professores médicos, gera uma

resistência a ser vencida para obtenção de êxito nesta tarefa. Trata-se de um trabalho com alto grau

de dificuldade, principalmente porque o ensino da Medicina defronta-se hoje, em todo o mundo com

um desafio que tende a se agravar a cada momento. Trata-se do crescimento explosivo do volume

dos conhecimentos médicos.

Esse volume de conhecimentos novos e de recentes descobertas vai fazendo com que,

para que se consiga atingir um conhecimento de profundidade aceitável, seja necessário restringir o

âmbito do que se pretende conhecer. Em consequência, o docente de uma Faculdade de Medicina

vai se convencendo de que "é impossível ensinar tudo a todos", o que o obriga a priorizar os

conhecimentos a serem transmitidos. Como contribuição ao processo de construção desse novo

modelo no âmbito da prática, pode-se questionar ser fundamental que a incorporação dos

conhecimentos vindos das outras áreas sirva para agregar ferramentas relevantes aos atos médicos

e ao processo de produção de saber sobre a saúde e a doença.

A escolha de critérios para elaboração de um currículo de Medicina é um obstáculo

epistemológico, de origem histórica, advindo de erros anteriores, sendo conveniente a sua

transposição. É necessário que ocorra a superação dos conhecimentos adquiridos anteriormente,

carregados de crenças, e que já estão sedimentados, para superar o obstáculo epistemológico

oriundo da escolha dos critérios na elaboração dos currículos de Medicina.

10 OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO ADVINDO DE COMPORTAMENTOS

CORPORATIVISTAS DE PARTE DA CLASSE MÉDICA

O corporativismo – ou o “espírito de corpo” –, aqui considerado, tem o significado de uma

estratégia concretizada por parte da classe médica para defesa de seus próprios interesses

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profissionais ou econômicos. Tem a conotação indicada por Schwartzman (1987), de co-

responsabilidade, solidariedade e disciplina, constituindo-se em um entendimento social que permite

a busca de soluções consensuais com benefícios para todos330. Desta forma, ocorre a tendência do

grupo fechar-se em si mesmo, impedindo a entrada de outros grupos em atividades que usualmente

exercem. Essas atividades incluem, basicamente, o ensino, assistência a pacientes e as pesquisas

específicas.

Assim, o corporativismo pode ser considerado um obstáculo epistemológico em razão de

ser oriundo de conhecimentos equivocados e se constituir em um comportamento histórico ou

oriundo de um erro anterior (o próprio corporativismo). O corporativismo em parte da classe médica

pode levar à rejeição, por exemplo, da aceitação de um professor de outra área no seu universo de

atuação, ou ainda, à resistência para a inclusão de disciplinas de outras áreas nos currículos dos

cursos de Medicina. Trata-se, portanto – reitere-se – de um obstáculo epistemológico, de origem

histórica, oriundo de erros anteriores. Sua transposição, portanto, é necessária para a evolução dos

currículos nos cursos de Medicina.

11 OBSTÁCULO EPISTEMOLÓGICO PROVENIENTE DAS RESISTÊNCIAS

IDEOLÓGICAS PARA A CONSECUÇÃO DE MUDANÇAS CURRICULARES

VOLTADAS PARA A SOCIEDADE

Verificou-se, neste trabalho, que a educação é uma atividade humana, histórica e, portanto,

não neutra, considerada, além disso, como uma atividade política e ideológica. Na linha de

pensamento seguida neste trabalho, o que se busca, em termos ideológicos, é a "educação para a

cidadania", que implica na participação efetiva da população na vida política com reflexos na elaboração

dos currículos escolares.

Observou-se que, na Medicina, as práticas escolares atuais indicam ser muito difícil

defender o discurso da indissociabilidade da lógica curricular tradicional com a ideologia, ou seja, há

uma forte resistência quando se busca não dissociar a educação de seus aspectos sociais.

Além disso, tudo indica que a prática médica no Brasil se organiza ao redor da concepção

de que a relação médico-paciente não é a relação humanitária pessoal. Parece ser simplesmente

______________ 330 SCHWARTZMAN, Simon, Site: http://www.schwartzman.org.br/simon/corporat.htm, acesso em 29 de

agosto de 2011.

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uma relação de transações comerciais entre um cliente e seu fornecedor, independentemente de

ser o serviço prestado correspondente às necessidades da pessoa que o recebe. O ensino da

Medicina, a partir deste acúmulo de relações, nada mais faz do que consolidar, com base em um

círculo verdadeiramente vicioso, a fetichização do corpo doente isto é, a doença passa a ser mais

importante que o doente. Em síntese, as transformações se exprimem no que ocorre com o corpo

doente, que deixa de ser um objeto de trabalho para se tornar uma mercadoria. Vale lembrar que

fetichização é o termo criado por Karl Marx que expressa a maneira pela qual um produto da mente

humana fica independente dela, passando a dominar seu produtor original.

Constata-se, além disso, haver grande resistência para introduzir, nos currículos,

perspectivas interdisciplinares, promover o pensamento crítico, a criatividade, a capacidade de

resolver novos problemas, de unir ensino e pesquisa como indicadores de melhoria da qualidade do

ensino universitário, sempre voltados para a sociedade.

Por outro lado, a educação em geral e o ensino médico em particular, que poderiam ser

uma alavanca essencial para a emancipação humana, na luta contra a sociedade mercantil, a

alienação e a intolerância, tornaram-se um instrumento dos estigmas da sociedade capitalista:

fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema

capitalista, mas também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses

dominantes. Tudo indica, portanto, que há uma forte resistência à mudança deste panorama social.

Uma análise dessas resistências ideológicas que ocorrem para a consecução de mudanças

curriculares voltadas para a sociedade, pelo que foi aqui mostrado, indica tratar-se de um obstáculo

fundado em um conhecimento equivocado, ou seja, em um erro anterior. Em suma, as resistências

ideológicas aqui tratadas constituem-se em um obstáculo epistemológico, devendo ser transposto

para permitir as mudanças curriculares necessárias para a inclusão de disciplinas matemáticas nos

cursos de Medicina.

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CAPÍTULO IX

PROPOSTA DE INCLUSÃO DE DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NOS

CURRÍCULOS DOS CURSOS DE MEDICINA

Como proposta de currículo, sugere-se, neste trabalho, a inclusão da disciplina

Biomatemática no primeiro ano do curso de Medicina e da disciplina Modelos Matemáticos em

Medicina, a ser ministrada no segundo ano do aludido curso. Essas duas disciplinas e Bioestatística

(lecionada no segundo ano) deveriam estar vinculadas a um Departamento de Métodos Quantitativos

que algumas faculdades (Brasil e Exterior) já implantaram em suas estruturas organizacionais. Essa

providência possibilitaria que essas três disciplinas, integradas com as demais disciplinas do curso de

Medicina, gozassem de um grau de liberdade maior que atualmente, uma vez que normalmente se

vinculam a outros Departamentos (Epidemiologia, Saúde Coletiva ou Saúde Pública). Sugerem-se os

seguintes conteúdos:

BIOMATEMÁTICA

I. Revisão de fundamentos de matemática aplicada à Medicina: 1. Arredondamento de

dados numéricos; 2. Noções sobre erros; 3. Erros em pesquisas de saúde; 4. Habilidades

matemáticas fundamentais (produtos notáveis, potenciação e radiciação); 5. Expressões

matemáticas; 6. Uso de calculadora científica; 7. Relações trigonométricas no triângulo retângulo; 7.

Interpolação e extrapolação; 8. Cálculos farmacêuticos simples; 9. Transformações de unidades do

sistema decimal. II. Fundamentos de cálculo diferencial e integral e suas aplicações à

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Medicina331: 1. Derivação: Conceito algébrico de derivada, derivação de funções algébricas. Conceito

geométrico de derivada, concavidade de curvas, regra de l’hopital, funções crescentes e

decrescentes, máximos e mínimo, ponto de inflexão, concavidade de curvas, derivação sucessiva. 2.

Aplicações de derivadas na área da saúde: circulação sanguínea, concentração de medicamentos,

administração de medicamentos, velocidades média e instantânea de reações químicas. 3.

Integração: antiderivada, definição conceitual, integração de áreas sob curvas, teorema fundamental

do cálculo, regra do trapézio, integral como processo de soma. 4. Aplicações em Medicina: taxa de

variação e crescimento de bactérias, decomposição de proteínas; diluição e concentração de

soluções.

O programa de Biomatemática visa preparar o aluno nas aplicações matemáticas à Medicina

e seus conteúdos não devem se afastar dos interesses da área médica, de um lado por uma

exigência do perfil do profissional a formar e, de outro, pela necessidade de que os alunos adquiram

habilidades matemáticas específicas para um entendimento satisfatório da teoria de Modelos

Matemáticos. Observe-se a inclusão de tópicos de Fenômenos de Transporte, indispensáveis a uma

análise eficiente dos processos de circulação sanguínea e respiratória, entre outros fenômenos de

natureza vital.

MODELOS MATEMÁTICOS EM MEDICINA

1. Conceitos, teoria e aplicações de Modelos Matemáticos. 2. Fundamentos de fenômenos de

transporte: quantidade de movimento, calor e massa; 3. Escoamento de fluidos, regimes Laminar,

transiente e turbulento, experiência de Reynolds. 4. Aplicações de Modelos Matemáticos a problemas

de Medicina.

A disciplina Modelos Matemáticos é considerada responsável para satisfazer a grande

necessidade de que o profissional de Medicina enriqueça seus conhecimentos, certamente de grande

importância para sua profissão como mostram, de um lado, a grande participação de médicos em

congressos sobre Modelos Matemáticos e, de outro, o relevante número de associações médicas em

todo o mundo que tratam desses modelos. Trata-se de um método não invasivo e necessário ao

entendimento e à pesquisa sobre problemas da saúde humana, um relevante instrumento para o

______________ 331 Sobre o assunto, ver NEUHAUSER, Claudia. Calculus for Biology and Medicine. Boston: Prentice Hall,

2011.

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desenvolvimento da capacidade do profissional de saúde, com reflexos positivos para o entendimento

dos processos vitais e a melhoria da saúde da sociedade.

BIOESTATÍSTICA

1. Estatística e Bioestatística; 2. Bases bioestatísticas para a pesquisa na área de saúde; 3.

Amostra e amostragem; 4. Medidas de posição; 5. Medidas de dispersão ou variabilidade; 6. Noções

de probabilidade; 7. Regressão e correlação; 8. Inferência estatística; 9. Distribuição normal; 10.

Distribuição t de Student; 11. Teste do qui-quadrado; 11. Teste de Mann-whitney; 12. Teste de

Wilcoxon; 13. Distribuição F de Fisher-Snedecor; 12. Teste de Bartlett; 13. Teste de McNemar; 14.

Teste de Cochran; 15. Método de associação de Yule; 16. Teste da mediana; 17. Teste dos sinais;

18. Teste de Kolmogorov-Smirnov para uma amostra; 19. Cálculo do tamanho da amostra; 20. Teste

de Kruskal-Wallis; 21. Teste de Friedman; 19. Método de Kaplan-Meier.

Como já foi anteriormente discutido, a Bioestatística é uma disciplina aceita amplamente pelas

Faculdades de Medicina de todo o mundo. Sua importância pode ser mostrada nos trabalhos de

pesquisa médica, os quais, antes de serem publicados, são frequentemente revistos por especialistas

que, através de avaliação criteriosa, procuram garantir a qualidade dos trabalhos analisados e,

especificamente, sua validade bioestatística.

Aceitando-se as discussões sobre as preferências por um ou outro teste em sua aplicação, a

Bioestatística impõe-se como um instrumento e uma ciência. Isso permite transpor o

desconhecimento dos fatos, sejam humanos ou naturais. Sabidamente, a análise científica não pode

prescindir dos métodos estatísticos e já vai longe o tempo em que os problemas quantitativos eram

considerados apenas do âmbito das chamadas ciências físicas. Hoje, e cada vez mais, não é

possível, concretamente, no campo da Medicina, situar a análise dos problemas quer qualitativos,

quer quantitativos, sem priorizar o enfoque de sua validade bioestatística.

O programa de Bioestatística aqui apresentado é consagrado nas grandes Faculdades de

Medicina do Brasil e do Exterior, tendo sido defendido nas diversas publicações oriundas da

Universidade de Harvard, dos Estados Unidos da América, aqui referidas.

Reitere-se que a epistemologia científica evidencia cada vez mais a integração entre o domínio

quantitativo e qualitativo dos fenômenos. A Bioestatística, enfim, não é apenas um recurso para quem

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estuda algum fenômeno vital, mas ela integra um universo de informações que vai desde a

concepção da investigação a ser realizada até a generalização das conclusões.

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CAPÍTULO X

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações finais seguintes englobam os resultados, as discussões e as conclusões

parciais apresentadas nos capítulos deste trabalho. Elas são apresentadas de modo a serem

completas em si mesmas, não com o objetivo de serem repetitivas, mas de forma a permitirem que

seja feita uma avaliação global dos resultados desta Tese.

1. Ao longo do tempo, parece evidente a existência de uma forte resistência à integração

entre a Medicina e a Matemática, ou, mais especificamente, entre a Educação Médica e a Educação

Matemática. Este fato tem sido caracterizada pela existência de múltiplos obstáculos

epistemológicos que devem ser transpostos para a inclusão, nos currículos dos cursos de Medicina,

de disciplinas matemáticas como Modelos Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática, Simulação

e Otimização.

2. Os obstáculos epistemológicos pesquisados seguem a concepção de Brousseau (1983),

são de origem histórica ou oriundos de erros anteriores, vinculados à presença e não à ausência de

conhecimentos e, além disso, pertencentes a situações que associam estruturas curriculares,

professores, perfil do formando, tradicionalismo, conservadorismo, critérios, desequilíbrios,

corporativismo, ideologia e relações de poder.

3. Foram constatados e analisados um total de 11 (onze) obstáculos epistemológicos à

inclusão de disciplinas matemáticos nos currículos da Faculdades de Medicina do Brasil, assim

listados:

a) Obstáculo epistemológico resultante da existência de tendências tradicionalistas dos

cursos de medicina;

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b) Obstáculo epistemológico oriundo da ocorrência de tendências conservadoras dos

cursos de medicina;

c) Obstáculo epistemológico resultante do paradoxo não-resolvido da aceitação de

conhecimentos matemáticos pelos médicos versus inclusão de disciplinas matemáticas

nos currículos dos cursos de medicina;

d) Obstáculo epistemológico oriundo da baixa flexibilidade da estrutura curricular nos

cursos de medicina;

e) Obstáculo epistemológico proveniente das relações de poder que impossibilitam a

flexibilização e a atualização dos currículos dos cursos de medicina;

f) Obstáculo epistemológico relativo à insuficiência de conhecimentos ou desinteresse dos

professores de matemática sobre o perfil dos profissionais a formar nos cursos de

medicina;

g) Obstáculo epistemológico relativo à insuficiência de conhecimentos ou desinteresse dos

professores de matemática sobre o conteúdo curricular dos cursos de medicina;

h) Obstáculo epistemológico oriundo do desequilíbrio dicotômico formação médica versus

formação matemática dos professores que irão lecionar disciplinas matemáticas nos

cursos de medicina;

i) Obstáculo epistemológico oriundo da escolha dos critérios na elaboração dos currículos

de medicina;

j) Obstáculo epistemológico advindo de comportamentos corporativistas de parte da classe

médica;

k) Obstáculo epistemológico proveniente das resistências ideológicas para a consecução

de mudanças curriculares voltadas para a sociedade.

4. A fim de ampliar a visão sobre os currículos de outras Faculdades de Medicina, do Brasil

e de alguns países desenvolvidos, afastando-se a idéia de transpor currículos entre Faculdades de

Medicina, foram escolhidas 22 (vinte e duas) instituições de ensino médico. Com base em critérios

mistos de antiguidade, tradição, avaliações positivas de órgãos oficiais, conceito junto à mídia,

opiniões e professores de Medicina e informações extraídas de consagradas obras de História de

Medicina. No caso do Brasil foram estudadas as 6 (seis) instituições seguintes: Faculdade de

Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FMUFRJ), Faculdade de Medicina da

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Universidade Federal da Bahia (FMUF-BA), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

(FMUSP), Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (FMUNIFESP), Faculdade

de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (FMPUCSP), Faculdade de Medicina

do ABC (FMABC). A resistência à inclusão foi também observada, com menor intensidade e com

maior tendência à integração entre a Educação Matemática e a Educação Médica nas 16

(dezesseis) seguintes Faculdades de Medicina de universidades de alguns países desenvolvidos,

como a França: Poitiers, Montpellier, Paris, Nice; Estados Unidos da América: Harvard, Johns

Hopkins, Colúmbia, Yale; Portugal: Coimbra, Lisboa; Inglaterra: University College London, Oxford

University, Cambridge University, Imperial College; e Itália: Bolonha e Pádua.

5. Constata-se que as resistências à inclusão de disciplinas matemáticas nos currículos dos

cursos de Medicina são apoiadas nas opiniões de muitos alunos que alegam ter escolhido esta

profissão por não terem que estudar Matemática. Não se pode afirmar que essa posição seja

considerada uma opinião coletiva, como antes discutido.

6. Observe-se que, no ambiente médico, os Modelos Matemáticos são reconhecidos como

necessários à Medicina, como é comprovado pela existência de associações médicas sobre esses

modelos, estudados em congressos médicos, além do grande número de publicações sobre o

assunto. O paradoxo é que, apesar disso, as disciplinas como Modelos Matemáticos não são

incluídos nos currículos dos cursos de Medicina.

7. No cenário contemporâneo, em razão do marcante desenvolvimento científico e

tecnológico, e com o advento da Informática, problemas altamente complexos puderam ser

simulados computacionalmente utilizando Modelos Matemáticos que permitiram incluir um número

muito maior de variáveis para a solução dos problemas. O casamento de computadores com a

Medicina – a Bioinformática – pode formar médicos com a capacidade de visualizar a estrutura e o

funcionamento do corpo humano em três dimensões e, com o passar do tempo, dando a

geneticistas a capacidade de detalhar as semelhanças e diferenças entre indivíduos e entre

espécies, e a químicos, a capacidade de projetar novas drogas antes de testá-las em animais ou em

seres humanos.

8. Os Modelos Matemáticos são capazes de antecipar, com razoável grau de precisão, os

resultados de importantes procedimentos médicos, como por exemplo, a implantação de ponte de

safena e o transplante renal. Um dos desafios da pesquisa nesta área consiste no desenvolvimento

de Modelos Matemáticos que, tendo em conta os recursos computacionais disponíveis, incluam as

complexidades mais relevantes da circulação sanguínea.

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Em termos práticos, portanto, a Matemática é um instrumento ou uma linguagem

fundamental para compreensão ou modelagem de fenômenos biológicos e de doenças. No entanto,

existe uma resistência natural de médicos e estudantes de Medicina em incorporar esse instrumento

nos currículos de seus cursos em razão da estrutura universitária brasileira, que dificulta os

processos de integração.

9. O projeto genoma humano, ao que tudo indica, é um passo pioneiro que mostra a

integração entre diferentes áreas do saber, principalmente a Computação, a Matemática, o Direito e

a Medicina. Sem essa integração, o projeto genoma humano não poderia ter o sucesso que,

indubitavelmente, alcançou. Em defesa dessa integração, procurou-se mostrar que o conhecimento

das bases filosóficas da Matemática e da Educação Matemática contribui para tornar realidade a

desejada e necessária integração curricular da Matemática com a Medicina, tomando-se como

paradigma o sucesso do projeto genoma. Concretizando-se essa integração proporcionada pela

Educação Matemática certamente serão acrescentados marcantes benefícios à Educação Médica,

conduzirá à melhoria do perfil do médico a ser formado, resultando em benefícios concretos para a

saúde da sociedade brasileira.

10. Viu-se, no início deste trabalho, na palavra de Hipócrates, considerado e Pai da

Medicina, que a Matemática é por ele considerada como um poderoso instrumento para educar o

raciocínio. Nessa linha de pensamento, admitia-se que a Matemática se constituía em um valioso

meio para o desenvolvimento da inteligência e da ciência, contribuindo para melhorar as condições

de vida na sociedade. Esta afirmação de Hipócrates indica, ao que parece, a necessidade de

integração entre a Medicina e a Matemática. A resistência a essa integração – discutida no presente

trabalho – no entanto, tem se caracterizado, ao longo dos tempos, pela existência de múltiplos

obstáculos de difícil transposição e pelo consequente impedimento à inclusão de disciplinas

matemáticas nos currículos dos cursos de Medicina.

11. Atualmente, a disciplina Bioestatística é plenamente aceita nas Faculdades de Medicina

do Brasil e do Exterior. Na grande maioria das situações analisadas neste trabalho, a Bioestatística

é vinculada à disciplina Epidemiologia ou ao Departamento de Saúde Coletiva ou de Saúde Pública,

não sendo, portanto, autônoma. Em pequeno número de casos, a Faculdade de Medicina estudada

considera a disciplina Bioestatística como autônoma, sendo vinculada a um Departamento de

Métodos Quantitativos.

No caso de ser a disciplina Bioestatística não autônoma, uma situação positiva na linha de

pensamento seguida neste trabalho, seria um aumento de carga horária no sentido de incluir nesta

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disciplina uma outra como Matemática, Modelos Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática,

Simulação e Otimização. Esta, porém, não seria uma solução ideal.

12. Mostra a História ter surgido um divisor de águas que revolucionou o ensino na área da

saúde que foi a publicação, em 1910, do Relatório Flexner, contendo uma crítica à situação dos

currículos da Medicina, propondo soluções para a questão. Descrevendo a situação de muitas das

155 faculdades de medicina dos Estados Unidos daquela época, o educador Abraham Flexner

(1866-1959), redator do famoso relatório, revolucionou a Educação Médica americana e também a

européia, desde então. O Relatório Flexner foi responsável, conforme antes mencionado, pelo

fechamento de 123 escolas médicas nos anos seguintes, que não tinham condições consideradas

adequadas de ensino. Foram mantidas somente 32 delas.

As modificações nos cenários médico e científico sugeridas pelo relatório de Flexner

levaram, portanto, a uma radical mudança curricular ao exigir uma sólida formação científica pré-

médica, constando de conhecimentos de Física, Química e Biologia. Embora Flexner não tenha

citado explicitamente a necessidade da disciplina Matemática, entende-se esta não inclusão

possivelmente pela inexistência, na época, de necessidades específicas como, por exemplo, de um

ferramental matemático necessário ao entendimento de assuntos complexos como a teoria dos

Modelos Matemáticos. Flexner considerava improvável que os conhecimentos necessários

pudessem ser adquiridos na escola secundária e alegava que os estudantes não teriam maturidade

para a compreensão dos conteúdos daquelas disciplinas.

13. A fim de fomentar uma abertura da Educação Matemática para a sociedade, com a

consequente integração à Educação Médica, necessário se faz a aceitação e aplicação das

premissas, defendidas neste trabalho, associadas à Educação Matemática, a seguir elencadas: 1. O

mito da neutralidade da ciência; 2. O mito da ideologia da certeza; 3. A relevância da Matemática

Crítica; 4. A importância dos conceitos da Matemática Humanística. Essas premissas definem a

linha ideológica desta pesquisa e são consideradas inseparáveis dos demais conteúdos de natureza

matemática ou educacional.

Essa abertura para a sociedade certamente auxiliaria a integração da Educação Matemática

com a Educação Médica. Observe-se que essa integração poderia ser ampliada com a inserção de

estudos sobre diferentes teorias da Educação Matemática relativas a áreas como Autopoiese,

Semiótica, Antropologia e Humanismo, entre outras.

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14. Um reexame certamente inconcluso que objetiva ser circunstanciado e isento sobre as

tendências futuras da redução ou eliminação dos obstáculos epistemológicos que existem para

impedir a inclusão de disciplinas matemáticas nos currículos dos cursos de Medicina é uma tarefa

que se reveste de um elevado grau de complexidade. Esse reexame transita obrigatoriamente pela

natural dificuldade de se saber em que consiste a verdade que deve nortear a busca deste objetivo.

Pode-se partir da premissa que admite a verdade como uma entidade buscada e idolatrada por

todos os homens de bom senso e a ela os filósofos e outros intelectuais dedicaram suas vidas. A

laboriosa busca da verdade – um limite pragmaticamente inatingível – está associada a muitos

questionamentos que diferentes pesquisadores formularam ao longo dos tempos, procurando

ampliar o entendimento dos problemas envolvidos e buscando, quando possível, respostas

coerentes às perguntas que afloram na discussão do tema em estudo.

Julga-se, no entanto, que, apesar dos fatos aqui estudados que buscam entender o

paradoxo que parece injustificável para a inclusão de disciplinas como Matemática, Modelos

Matemáticos, Biomatemática, Bioinformática, Simulação ou Otimização nos currículos dos cursos de

Medicina, o tempo não mostra uma tendência clara para uma mudança deste quadro, a curto prazo.

Acredita-se, porém que, em prazo de difícil previsão, o panorama será outro, com a consequente

possibilidade de integração entre a Educação Médica e a Educação Matemática.

15. Como proposta de currículo, sugere-se, neste trabalho, a inclusão da disciplina

Biomatemática no primeiro ano do curso de Medicina e da disciplina Modelos Matemáticos em

Medicina, a ser ministrada no segundo ano do aludido curso. Essas duas disciplinas e Bioestatística

(lecionada no segundo ano) deveriam estar vinculadas a um Departamento de Métodos

Quantitativos que algumas faculdades (Brasil e Exterior) já implantaram em suas estruturas

organizacionais. Essa providência possibilitaria que essas três disciplinas, integradas com as

demais disciplinas do curso de Medicina, gozassem de um grau de liberdade maior que atualmente,

uma que normalmente se vinculam a outros Departamentos (Epidemiologia, Saúde Coletiva ou

Saúde Pública).

16. Como sugestão para um trabalho de pesquisa futuro sobre a integração entre as áreas

de Educação Médica e Educação Matemática no Brasil, sugere-se um estudo sobre a formação de

professores, com formação matemática, dessas disciplinas constantes dos currículos dos cursos de

Medicina. Esse estudo poderia ser iniciado com a disciplina Bioestatística, atualmente aceita em sua

plenitude pelas Faculdades de Medicina do país. Sugere-se, além disso, que seja dada ênfase

sobre o conhecimento que o professor de Matemática, seja ele médico ou matemático, ou ainda,

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com os dois cursos de graduação, deve ter do perfil do profissional a formar e a adaptação dos

conteúdos curriculares a esse perfil. Isso, evidentemente, obrigaria o professor da disciplina

matemática a ser lecionada, a estudar os fundamentos de Medicina relacionados com os conteúdos

matemáticos que iria lecionar. Trata-se de criar um processo de integração efetivo e um

conhecimento concreto do perfil do profissional a formar.

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