obstÁculos epistemolÓgicos relacionados ao …

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CONFORME O DISPOSTO NA FICHA DE INSCRIÇÃO, EXPLICITE: a) Área de inscrição b) Modalidade de pesquisa c) Trabalho a ser apresentado de acordo com: Área (escreva a área): Ensino de Ciências: Biológicas, Exatas, Sociais, Humanas Tema/modalidade de pesquisa (escreva qual): Outra (Qualitativa) OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS RELACIONADOS AO CONTEÚDO DE HERANÇA BIOLÓGICA EM LIVROS DIDÁTICOS DE BIOLOGIA DO PNLD 2018 Dalméri Aparecida Tomko, Kassiana da Silva Miguel, Lourdes Aparecida Della Justina Universidade Estadual do Oeste do Paraná, UNIOESTE, Cascavel [email protected]; [email protected]; [email protected] Resumo O trabalho tem por objetivo evidenciar quais os obstáculos epistemológicos (BACHELARD, 1996), presentes no conteúdo de herança biológica nos livros didáticos de biologia do Ensino Médio aprovados pelo PNLD 2018. A pesquisa de cunho qualitativo foi desenvolvida com base no método de análise de conteúdo, envolvendo a pré- análise, a descrição analítica e a interpretação inferencial dos livros didáticos selecionados. Observa-se que os obstáculos epistemológicos evidenciados estão relacionados ao obstáculo verbal, à experiência primeira e ao conhecimento geral, não sendo observados o conhecimento unitário e pragmático, o obstáculo substancialista e o animista. Os resultados apontam que além da evidência de obstáculos epistemológicos e a utilização do livro didático como único recurso-metodológico em sala de aula, como fatores que podem limitar a compreensão do conteúdo de herança biológica, é preciso pensar numa dinâmica de aula capaz de estimular o interesse dos alunos, com a inserção de temáticas atuais sobre o conteúdo, proporcionando o confronto do conhecimento comum e do conhecimento científico para a então formação do verdadeiro espírito científico. Palavras-chave: Ensino de genética. Bachelard. Epistemologia. Abstract The aim of this work is to show which epistemological obstacles (BACHELARD, 1996) present in biological heritage content in high school biology textbooks approved by PNLD 2018. The qualitative research was

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Page 1: OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS RELACIONADOS AO …

CONFORME O DISPOSTO NA FICHA DE INSCRIÇÃO, EXPLICITE:

a) Área de inscrição

b) Modalidade de pesquisa

c) Trabalho a ser apresentado de acordo com:

Área (escreva a área): Ensino de Ciências: Biológicas, Exatas, Sociais, Humanas

Tema/modalidade de pesquisa (escreva qual): Outra (Qualitativa)

OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS RELACIONADOS AO

CONTEÚDO DE HERANÇA BIOLÓGICA EM LIVROS DIDÁTICOS DE

BIOLOGIA DO PNLD 2018

Dalméri Aparecida Tomko, Kassiana da Silva Miguel, Lourdes Aparecida Della Justina Universidade Estadual do Oeste do Paraná, UNIOESTE, Cascavel

[email protected]; [email protected]; [email protected]

Resumo

O trabalho tem por objetivo evidenciar quais os obstáculos epistemológicos (BACHELARD, 1996), presentes no

conteúdo de herança biológica nos livros didáticos de biologia do Ensino Médio aprovados pelo PNLD 2018. A

pesquisa de cunho qualitativo foi desenvolvida com base no método de análise de conteúdo, envolvendo a pré-

análise, a descrição analítica e a interpretação inferencial dos livros didáticos selecionados. Observa-se que os

obstáculos epistemológicos evidenciados estão relacionados ao obstáculo verbal, à experiência primeira e ao

conhecimento geral, não sendo observados o conhecimento unitário e pragmático, o obstáculo substancialista e o

animista. Os resultados apontam que além da evidência de obstáculos epistemológicos e a utilização do livro

didático como único recurso-metodológico em sala de aula, como fatores que podem limitar a compreensão do

conteúdo de herança biológica, é preciso pensar numa dinâmica de aula capaz de estimular o interesse dos

alunos, com a inserção de temáticas atuais sobre o conteúdo, proporcionando o confronto do conhecimento

comum e do conhecimento científico para a então formação do verdadeiro espírito científico.

Palavras-chave: Ensino de genética. Bachelard. Epistemologia.

Abstract

The aim of this work is to show which epistemological obstacles (BACHELARD, 1996) present in biological

heritage content in high school biology textbooks approved by PNLD 2018. The qualitative research was

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developed based on the content analysis method , involving the pre-analysis, the analytical description and the

inferential interpretation of the selected textbooks. It is observed that the epistemological obstacles evidenced are

related to the verbal obstacle, the first experience and the general knowledge, not being observed the unitary and

pragmatic knowledge, the substantialist obstacle and the animist. The results point out that, in addition to the

evidence of epistemological obstacles and the use of textbooks as the only methodological resource in the

classroom, as factors that may limit the understanding of biological inheritance content, it is necessary to think of

a classroom dynamic capable of stimulating interest of the students, with the insertion of current thematic ones

on the content, providing the confrontation of the common knowledge and the scientific knowledge for the then

formation of the true scientific spirit.

Keywords: Genetic education. Bachelard. Epistemology.

1. Introdução

Atualmente o livro didático constitui o principal instrumento de uso cotidiano em

muitas escolas da rede pública de ensino, servindo não só de apoio aos professores, como de

base teórica para os alunos no processo de ensino-aprendizagem (LOPES, 2007).

No entanto, os resultados das avaliações realizadas em livros didáticos no âmbito do

Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM), segundo El-Hani (2011),

mostram que há muitos problemas na abordagem dos conteúdos, sobretudo nas áreas de

genética e biologia celular e molecular, tratando o assunto de forma linear e dogmatizada

(BORGES, 2004), e apresentando uma visão contínua e sequencial das teorias, levando a uma

aprendizagem fragmentada, além de não contemplar experiências pedagógicas significativas e

alinhadas com a sociedade em que os alunos estão inseridos (BATISTA et. al., 2010).

Algumas pesquisas realizadas mostram que o conteúdo de genética é orientado

exclusivamente pelo livro didático e que este muitas vezes deixa a desejar quanto às

expectativas, experiências e questionamentos dos alunos (MALAGUTH, JANNES e

PEREIRA, 1998).

Além disso, Lopes (1996) destaca a presença de obstáculos epistemológicos nos livros

didáticos, os quais são apresentados por Bachelard (1996) em sua obra “A formação do

espírito científico”, e que esses obstáculos podem levar a dificuldades no processo de ensino

aprendizagem, assim como a concepções errôneas dos conceitos e fenômenos abordados.

Os obstáculos epistemológicos, para Bachelard (1996), não se tratam de obstáculos

externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem relativos à fragilidade dos

sentidos e do espírito humano, mas aparecem no próprio âmago do ato de conhecer por uma

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espécie de contingente funcional, lentidões e conflitos, podendo-se dizer que são

conhecimentos que explicam alguns aspectos e impedem a visualização de outros.

Assim sendo, o presente trabalho tem por objetivo evidenciar quais os obstáculos

epistemológicos presentes no conteúdo de herança biológica nos livros didáticos de biologia

do Ensino Médio aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2018, uma

vez que a noção de obstáculo epistemológico ligada a determinados conceitos em genética

escolar não parece ser um tema muito explorado na literatura da área (SILVÉRIO;

MAESTRELLI, 2005), por isso considera-se importante à identificação dessa noção como um

elemento significativo na transformação do ensino de ciências, evitando as causas de inércia,

segundo Bachelard (1996), e até mesmo de regressão da compreensão escolar sobre a ciência.

1.1 O ensino de genética e os obstáculos epistemológicos de Bachelard

A genética hoje é um ramo especializado da biologia, sendo tanto uma ciência

fundamental, a qual estuda as leis de armazenamento, transmissão e efetivação de

informações para o desenvolvimento, funcionamento e reprodução dos organismos vivos, a

ciência que estuda a hereditariedade, quanto uma ciência aplicada, sendo a base para a

construção de biotecnologias, fornecendo as ferramentas para a construção das técnicas de

biologia molecular (VOGEL; MOTULSKY, 2000).

Para Justina e Ferrari (2010) a genética é o ramo que mais tem apresentado mudança

nos últimos tempos, tanto nos seus aspectos tecnológicos quanto nos conceituais, fazendo-se

necessário um posicionamento crítico frente ao tema, o qual implica diferentes ações em

diferentes setores da sociedade, seja na compreensão de doenças hereditárias ou até mesmo

verificar as implicações no cultivo e no uso de produtos transgênicos; colocando, segundo

Paiva e Martins (2005), a genética em lugar de destaque no ensino de biologia das escolas

públicas brasileiras.

No entanto, há uma grande preocupação com o baixo nível do conhecimento em

genética adquirido pelos estudantes de diferentes graus de escolaridade, incluindo os

universitários, dado este observado nas diversas pesquisas sobre o ensino de genética, citadas

por Justina e Ferrari (2010), nas quais aparece a falta de compreensão dos conceitos básicos

de genética, como o que é um gene, sua função básica, onde se localiza fisicamente e como se

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relaciona com as outras estruturas, o que implica, por exemplo, na dificuldade em desenvolver

uma compreensão acerca do conteúdo de herança biológica.

Segundo Rosa (2000) muitos estudantes consideram o conteúdo de herança biológica

de difícil compreensão, destacando que os conhecimentos formais e as experiências de vida,

no meio social, se contrapõem diante das explicações científicas, e nestes casos, Silvério e

Maestrelli (2005) ressaltam que a transposição didática do conhecimento científico precisa ser

cognitivamente estruturada pelo aluno e que a motivação para isso depende deles darem

sentido ao que estão estudando.

Bachelard (1996) também demonstra preocupação com as condições de produção do

conhecimento científico e os possíveis problemas de ensino/aprendizagem desse

conhecimento, destacando em seu livro “A formação do espírito científico” os obstáculos

epistemológicos de experiência primeira, de conhecimento geral, o obstáculo verbal, o

conhecimento unitário e pragmático, o obstáculo substancialista e animista, como sendo

obstáculos que paralisam a formação do verdadeiro espírito científico (VASCONCELOS,

2013).

A experiência primeira está relacionada com o conhecimento já adquirido pelo aluno

ante o conhecimento científico apresentado, constitui-se no que existe em nós mesmos, por

exemplo, em nossas próprias paixões e desejos inconscientes (RODRIGUES, GRUBA, 2012),

ou seja, são ideias e explicações colocadas antes e acima de toda crítica (BACHELARD,

1996).

O obstáculo de conhecimento geral é o obstáculo que engessa o progresso do

conhecimento científico ao embargar a experiência, propondo grandes verdades primeiras que

pretendem esclarecer completamente uma doutrina (VASCONCELOS, 2013).

O obstáculo verbal ocorre quando se associa uma teoria abstrata a uma palavra

concreta, bastando apenas esta para explicar a teoria; este pretende desenvolver o pensamento

ao analisar um conceito, em vez de inserir um conceito particular numa síntese racional para

isso; também associado ao uso de analogias frente a uma explicação teórica e racional sobre a

teoria ou o conceito (JUSTINA; FERRARI, 2010).

O obstáculo unitário e pragmático refere-se ao pensamento filosófico, traduzindo-se

na procura do caráter utilitário de um fenômeno, por simples referência a um principio geral

da natureza e este como princípio de uma explicação única e direta (SANTOS 1998).

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O obstáculo substancialista pode ser observado quando, na explicação dos

fenômenos, substitui-se a explicação correta do fenômeno pela análise das características

substanciais, ou seja, quando se atribui à substância qualidades diversas: superficial, profunda,

manifesta ou oculta, aproximando etimologias de origem diferentes e dando a impressão de

que se adquire um conhecimento (VASCONCELOS, 2013).

O obstáculo animista surge quando são atribuídas características próprias de seres

vivos a objeto de estudos, ou seja, caracteriza-se por relacionar questões vitais em questões

inanimadas (MELZER et. al., 2008).

Nesse sentido, segundo Bachelard (1996), a formação do espírito científico só ocorre

quando contraposto a esses obstáculos, onde além de introduzir o conceito de obstáculo

epistemológico, traz também a ideia de descontinuidade com o conceito de “ruptura” entre o

conhecimento comum para a formação do verdadeiro espírito científico; ambos os conceitos

sendo as bases de sua epistemologia.

2. Metodologia

A presente pesquisa de cunho qualitativo (FLICK, 2009), utiliza-se de uma grande

variedade de métodos específicos, cada um dos quais partindo de diferentes premissas e

perseguindo diferentes objetivos. Cada método, segundo o autor, está baseado em um

entendimento específico de seu objeto.

Neste caso, a pesquisa foi desenvolvida com base no método de análise de conteúdo, o

qual segundo Bardin (2000) envolve um conjunto de técnicas de análises das comunicações

entre os seres humanos, sobretudo a linguagem escrita, por ser mais estável e constituir um

material objetivo, podendo ser consultado quantas vezes forem necessárias.

Este recurso metodológico envolveu as seguintes etapas: a pré-análise, a qual

compreendeu a organização do material e as análises preliminares (flutuantes) dos livros

didáticos do ensino médio aprovados pelo PNLD 2018 (Tab.1), restringidos ao terceiro

volume de cada coleção, com ênfase nos capítulos e/ou partes que abordavam o conteúdo de

herança biológica; a descrição analítica, onde os materiais escritos foram submetidos ao

estudo aprofundado sobre a abordagem do tema herança biológica, extraindo-se dos mesmos

fragmentos textuais; e a interpretação inferencial, a qual envolveu o aprofundamento da

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análise buscando desvelar a presença de obstáculos epistemológicos nos fragmentos textuais

selecionados.

Tabela 1. Livros didáticos de biologia utilizados para análise.

Código Título Autor Editora

L1 Biologia Hoje Linhares;

Gewandsznajder;

Pacca

Ática

L2 Biologia – Novas

Bases

Nélio Bizzo IBEP

L3 Ser protagonista –

Biologia

Bandouk e

colaboradores

SM

L4 Biologia César; Sezar; Caldini Saraiva

L5 Contato Biologia Ogo e Godoy Quinteto

L6 Biologia – Unidade e

Diversidade

Favaretto FTD

L7 Biologia Moderna Amabis e Martho Moderna

L8 Biologia Mendonça AJS

3. Resultados e discussão

Diante das análises nos livros didáticos selecionados, foi possível evidenciar alguns

obstáculos relacionados ao conteúdo de herança biológica, com base na noção de obstáculos

epistemológicos de Bachelard (1996), os quais segundo o autor podem ser causas de

estagnação e até de regressão do conhecimento científico.

3.1 A experiência primeira

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Em L2, o autor traz uma pequena contextualização para iniciar o tema de herança

biológica, evidenciando que a transmissão das características biológicas sempre despertou o

interesse da humanidade e que até pouco tempo não se sabia sobre leis de herança, destacando

ainda que foram os trabalhos de Mendel que lançaram as bases para a genética moderna e que

seus resultados e experimentos hoje são usados em termos diferentes, caracterizando a

interpretação moderna, conforme destaca: “Os fatores de Mendel passaram a ser chamados

genes, e hoje sabe-se que se localizam no material genético dos organismos e têm a forma de

segmentos de DNA.” (BIZZO, 2016, p. 84. grifo nosso).

A expressão em destaque pode caracterizar-se como um obstáculo de experiência

primeira, quando colocada antes e acima de toda crítica, segundo Bachelard (1996) e

conforme discutido por Justina e Ferrari (2010), pois uma vez que o gene passa a ser visto

como um segmento de DNA que contém uma sequência para a síntese de um polipeptídeo

por meio de RNAsmensageiros, isso pode dificultar a caracterização precisa do conceito

molecular de gene bem como a sua identificação com um conceito clássico, uma vez que,

segundo as autoras, há situações em que o mesmo segmento de DNA determina diferentes

polipeptídeos ou ainda segmentos de DNA que não fazem parte de um gene mas, que mesmo

assim, estão envolvidos no controle da transcrição de um gene.

Bachelard (1996) destaca que a experiência primeira colocada antes e acima da crítica,

não constitui uma base segura para o conhecimento, uma vez que a crítica deve ser o principal

elemento integrante do espírito científico, intervindo de modo explícito na ruptura do

conhecimento comum para o conhecimento científico.

3.2 Obstáculo verbal

Em L1, logo no texto introdutório ao capítulo de genética, a palavra gene aparece com

bastante frequência para explicar como as características hereditárias são transmitidas de pais

para filhos através das gerações, no entanto, o autor ressalta que atualmente o conhecimento

sobre os mecanismos de hereditariedade mostram que a forma como os organismos se

apresentam e se comportam dependem de vários fatores que vão muito além dos genes, sendo

o desenvolvimento controlado pelos genes em interação com moléculas do ambiente.

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Nesse caso, a palavra gene, de acordo com Justina e Ferrari (2010), ao mesmo tempo

em que é imprescindível para o entendimento da genética, muitas vezes pode caracterizar-se

como um obstáculo verbal pelos alunos, ocorrendo quando eles associam uma teoria abstrata

a uma palavra concreta, e essa bastando então para explicar tudo, ou seja, as autoras destacam

que muitos alunos associam os genes a uma aura de inevitabilidade que pode os limitar, uma

vez que passam a convencer-se que as capacidades são codificadas pelos genes e isso pode

impedir os mesmos de darem passos para mudanças em suas vidas, fazendo-se necessário

destacar que os genes são capazes de influenciar certos comportamentos, mas não de

determiná-los, e que o comportamento humano depende de uma série de fatores culturais e

sociais, como indicam estudos em psicologia e sociologia.

Em L2, também evidenciamos um obstáculo verbal com uso de analogia, onde o autor

busca relacionar a permuta cromossômica a uma atividade de “queda de braço” realizada

pelas enzimas de reparo na molécula, conforme o trecho em destaque: “No entanto, existem

enzimas que realizam reparos na molécula, em permanente queda de braço entre quebras e

consertos de uma longa molécula filamentosa.” (BIZZO, 2016, p.111. grifo nosso).

O uso de analogias ou metáforas, segundo Bachelard (1996), merece uma atenção

maior do espírito científico, o autor não proíbe o uso de analogias, porém ressalta os cuidados

a se tomar, pois esse tipo de ferramenta pode levar a formação de ideias errôneas ou confusas

acerca de um conhecimento ao invés de facilitar a compreensão de uma estrutura ou de um

mecanismo. Ainda segundo o autor, as analogias e metáforas representam falsos centros de

interesse, sendo indispensável ao professor extrair o mais depressa possível o abstrato do

concreto, conforme destaca: “[...] o espírito científico deve lutar sempre contra as imagens,

contra as analogias, contra as metáforas” (BACHELARD, 1996, p.48), ou seja, o uso de

imagens a fim de facilitar o entendimento do fenômeno pelo aluno pode impossibilitar a

abstração para a compreensão do fenômeno completo, levando a compreensões errôneas e

distorcidas acerca do conhecimento científico.

Em L3 também evidenciamos uma analogia destacada pelo autor, que era utilizada nas

primeiras ideias para entender o conceito de gene, a qual comparava o cromossomo a um

colar de contas, no qual cada conta seria correspondente a um gene. Essa ideia, no entanto,

pode levar a um possível obstáculo verbal, não contribuindo para a formação do espírito

científico (BACHELARD, 1996), conforme discutido anteriormente.

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3.3 Obstáculo de conhecimento geral

Já em L8, podemos evidenciar um obstáculo de conhecimento geral encontrado no

texto “Tal pai, tal filho”, onde o autor ressalta que tal expressão faz parte da cultura popular

e é muito usada para realçar qualidades ou defeitos de uma pessoa, seja elogiosa ou

pejorativamente, no entanto, o autor propõe relacionar a expressão com o conhecimento

adquirido acerca da hereditariedade, esclarecendo assim que há caracteres herdados

geneticamente, enquanto outras características são aprendidas desde a infância.

A expressão “Tal pai, tal filho”, caracterizada como um obstáculo de conhecimento

geral, conforme discutido por Vasconcelos (2013) - como o obstáculo que engessa o

progresso do conhecimento científico ao embargar a experiência, propondo grandes verdades

primeiras que pretendem esclarecer completamente uma doutrina - remete, segundo Justina e

Ferrari (2010), para a questão do determinismo genético, representando o poder absoluto dos

genes sobre o fenótipo, ou seja, para uma concepção errada de que os organismos são

exatamente o que determina o material genético, sem levar em conta, conforme supracitado,

que a forma como os organismos se apresentam e se comportam dependem de vários fatores

que vão muito além dos genes, sendo o desenvolvimento controlado pelos genes em interação

com moléculas do ambiente.

Para Bachelard (1996), o obstáculo de conhecimento geral pode entravar o

pensamento, uma vez que, a lei é tão clara, tão completa, tão fechada, que não se sente

necessidade de estudar mais de perto o fenômeno, levando à inércia do pensamento, o que não

contribui em nada para a formação do espírito científico.

Em L4, L5, L6 e L7 a linguagem dos livros é predominantemente científica, não sendo

observados os obstáculos epistemológicos em questão.

4. Considerações finais

Observa-se que os obstáculos epistemológicos evidenciados estão relacionados à

experiência primeira, ao obstáculo verbal e ao conhecimento geral, não sendo observados o

conhecimento unitário e pragmático, o obstáculo substancialista e o animista, isso podendo

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estar relacionado à preocupação dos autores em utilizar a linguagem científica adequada na

explicação dos fenômenos (STADLER et.al., 2012).

Conforme discutido por Silvério e Maestrelli (2005), a evidência de obstáculos

epistemológicos nos livros didáticos ligados ao ensino de genética, expressa uma atitude de

vigilância crítica quanto à natureza do conhecimento científico produzido e que deve ser

veiculado na escola, levando à solução de problemas recorrentes no ensino e aprendizagem na

área.

No entanto, é preciso ultrapassar outros fatores que podem limitar a compreensão do

conteúdo de genética apresentado na escola, não só a evidência de obstáculos epistemológicos

e a utilização do livro didático como único recurso-metodológico em sala de aula, mas sim

uma dinâmica de aula, também discutida por Justina e Ferrari (2010), capaz de estimular o

interesse dos alunos, com a inserção de temáticas atuais, proporcionando o confronto do

conhecimento comum e do conhecimento científico para a então formação do verdadeiro

espírito científico.

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