celular e fotojornalismo - monografia - cásper líbero

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NDICE

Agradecimentos Introduo - A escolha do tema - Delimitao do tema - Procedimentos metodolgicos e tcnicos Memorial 1 1.150 1.2 1.3 1.4 2 2.1 3 3.1 3.2 A fotografia e o fotojornalismo Da descoberta da fotografia ao surgimento do fotojornalismo A trajetria do fotojornalismo em coberturas de guerra A chegada da fotografia digital A fotografia jornalstica Evoluo do fotojornalismo: o impacto das novas tecnologias A fotografia digital no fotojornalismo Celular com cmera como ferramenta jornalstica Nascimento da telefonia mvel e do primeiro celular com cmera O celular e a sociedade 3.2.1 O Perfil do usurio brasileiro de celular 3.2.2 Atividades realizadas pelo telefone celular 3.2.3 Hbitos relacionados cmera do celular 3.2.4 Celular como ponto de convergncia tecnolgica 3.2.5 Cmera digital versus celular com cmera Os atentados de Londres: o celular com cmera e o jornalismo

3 4 3 6 6 8 12 12 17 24 24 29 29 32 32 35 35 36 37 39 40 41 45 45 46 48 51 53 57 57 58 58 59 60 67 70 72

3.3

colaborativo 3.4 Caractersticas do celular com cmera no contexto jornalstico 3.4.1 Convenincia 3.4.2 Agilidade 3.4.3 Discrio 3.4.4 Amadorismo 4 5 5.1 5.2 4 - Jornalista e cidado-reprter: o que distingue um do outro Estudo de caso: Foto Reprter O incio O funcionamento 5.2.1 Do celular at a redao. 5.2.2 Cadastro 5.2.3 Publicao e remunerao Os casos notveis Prmios e reconhecimento Concluso

5.3 5.4 6

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Bibliografia Anexos 1 Entrevista com Juca Varella 2 Entrevista com Fernando Soares, gerente de produto da Nokia. 3 Entrevista com Andr Varga, gerente de produto da rea de Telecom da Samsung. 4 Pesquisa on-line sobre hbitos relacionados cmera do celular

74 76 76 84 87 90

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AgradecimentosA Deus e a Jesus Cristo pela minha capacidade intelectual, que me permite refletir, questionar e pesquisar, e pela oportunidade de estudar e concluir o curso de Jornalismo com esta monografia. professora Daniela Osvald Ramos, por orientar meu estudo e me apresentar a entusiastas das novas mdias de comunicao, aprofundando meu interesse pela rea. Ao Cau Assuno, meu companheiro e parceiro, pelo amor que me inspira a buscar a excelncia, por me acompanhar de perto durante todo o processo e impedir que estancasse diante de dificuldades. A meus pais, Silas e Eliana, e irmos, Aline e Rafael, pelo apoio, carinho e incentivo ao longo do trabalho e por terem concordado em dividir as despesas de uma assinatura de internet de banda larga na nossa casa para agilizar a pesquisa que enriqueceu o presente estudo. Aos professores, colegas e amigos que ajudaram com indicaes de livros e notcias, com tradues de textos e reviso deste trabalho, pelo companheirismo e solidariedade. s empresas e a todos que colaboraram para o desenvolvimento desta monografia participando de pesquisas, entrevistas e de outras maneiras. Meus sinceros agradecimentos.

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IntroduoA escolha do tema O telefone celular com cmera um importante instrumento de captao de imagens (fotos e vdeos) de alto valor jornalstico por diversas razes. Discreto e popular, o aparelho chega a lugares onde cmeras fotogrficas ou filmadoras no chegam. Outras caractersticas como a agilidade para fazer e compartilhar fotos e vdeos fazem dele o melhor instrumento para o registro de cenas inusitadas. Nos pases mais ricos, em especial nos plos tecnolgicos como os pases asiticos e algumas regies da Europa, aparelhos capazes de fotografar e os servios de compartilhamento de fotos j esto disseminados entre a populao. No Brasil, apesar de os modelos com cmera embutida serem populares, os preos altos e as dificuldades dos servios de compartilhamento ainda inibem o uso da funo em sua plenitude. Esse quadro est para mudar: a Agncia Nacional de Telecomunicaes (Anatel) marcou para 18 de dezembro deste ano o leilo das faixas de 1,9 GHz e 2,1 GHz para a implementao da terceira gerao de celular (padro 3G) no Brasil. Isso significa a chegada em peso da banda larga ao celular no Pas, com downloads mais rpidos (em mdia 15 vezes maior que os atuais) e acesso mais amplo internet a partir do telefone mvel. A expectativa de que 3,6 mil municpios em todo o Pas tero cobertura do servio 3G em at oito anos, segundo cronograma da Anatel, e que, em 2010, as vendas mundiais de celulares 3G atinjam 500 milhes de unidades, superando pela primeira vez as vendas de aparelhos 2G, que devem ficar em 400 milhes, segundo a consultoria internacional Strategic Analytics. Este trabalho pretende analisar as contribuies ao jornalismo do celular com cmera at este ano no Brasil e no mundo, com foco na sua funo fotogrfica, e delimitar seu papel no contexto jornalstico.

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O interesse no tema surgiu em 2005, poca em que ocorreram os atentados terroristas no sistema de transporte pblico de Londres: instantes aps as exploses, imagens captadas por cmeras de telefones mveis de pessoas que estavam nos locais circulavam a internet e nos canais de TV. Duas caractersticas principais me chamaram a ateno, do ponto de vista jornalstico: o prprio contedo desse material, imagens totalmente inusitadas que at pouco tempo antes eram praticamente impossveis de captar, e a rapidez com que se espalharam, alcanando milhes de pessoas em todo o mundo em poucos instantes. Esses dois pontos evidenciam o importante papel desses aparelhos como uma ferramenta do chamado jornalismo participativo, que conta com contedo produzido por cidados fora do meio miditico. Em janeiro deste ano, o vazamento de vdeos mostrando o momento do enforcamento de Saddam Hussein e feridas em de seu cadver reforaram minha opinio quanto necessidade de estudo do fenmeno que so as cmeras de celular e serviram de incentivo para a escolha do tema para minha monografia de concluso de curso. O poder espio dos aparelhos preocupa at autoridades e desafia tentativas de censura e controle. Um oficial iraquiano foi preso dias depois da morte de Hussein por suspeita de ter feito o vdeo. Em junho deste ano, o governo francs proibiu que cidados que no fossem jornalistas de filmarem ou divulgarem cenas de atos de violncia, suscitado duras crticas quanto restrio de liberdade de expresso e acusaes de censura. A mdia, no envolvida no processo de produo dessas imagens, tm tentado se aproximar dos cidados-reprteres agregando suas contribuies. Alguns jornais e sites de notcias, como o Estado de S. Paulo, Reuters, Yahoo!, Globo.com, Terra e iG, criaram canais exclusivos para imagens feitas por leitores. Este trabalho inclui um estudo de caso do FotoReprter, programa do Grupo Estado de fotojornalismo colaborativo. A escolha foi feita por conta do pioneirismo do programa, primeiro brasileiro do gnero, mesmo sendo o grupo uma das empresas de mdias mais tradicionais do Pas. O FotoReprter definiu no Brasil as primeiras diretrizes da relao 5

da grande mdia com o contedo fotogrfico colaborativo que vieram, mais tarde, a balizar as iniciativas de outros jornais e sites de notcias que tm hoje programas semelhantes. Delimitao do tema Este Projeto Experimental se prope a analisar o papel do celular com cmera no mbito do fotojornalismo, como fonte de informao e material noticioso. So analisados dados referentes penetrao da tecnologia, aos hbitos de usurios relacionados ao aparelho e caractersticas inerentes s fotos de celular que as tornam to nicas. A proposta parte do pressuposto de que se trata de um assunto pouco explorado, porm de muita importncia para os jornalistas, profissionais e em formao, tanto no mbito acadmico quanto nas redaes. Procedimentos metodolgicos e tcnicos: Para compor a base terica deste trabalho, foram consultados livros, teses e artigos relacionados a temas como tecnologia, mobilidade, comunicaes, fotografia, fotojornalismo, jornalismo colaborativo, segunda gerao de internet (web 2.0). Alm de autores como Arlindo Machado, Peter Burke, Roland Barthes e Susan Sontag, houve espao para as idias de pesquisadores de uma gerao mais recente, como Ana Maria Brambilla e Pedro Jorge Sousa. Foram compilados dados governamentais relacionados a internet e telefonia mvel e pesquisas de consultorias focadas no segmento. Notcias relacionadas ao tema veiculadas em jornais, sites e outros meios de comunicao foram apuradas para trazer mais informao e contextualizao ao trabalho. Executivos de empresas de telefonia mvel foram ouvidos para confirmar dados de mercado. Tambm foram realizadas entrevistas com representantes de outras empresas de tecnologia, analistas e especialistas de comunicao envolvidos no tema com opinies favorveis ou contrrias. 6

Para compor o estudo de caso do projeto FotoReprter do Estado de S. Paulo, o coordenador do programa Juca Varella foi entrevistado e cedeu uma srie de dados importantes, alm de disponibilizar imagens relevantes. Um blog de apoio foi criado no incio deste projeto experimental para facilitar o acompanhamento do tema e a organizao de informaes, textos, fotos, vdeos e links mencionados no projeto. O endereo da pgina www.celulartestemunhaocular.blogspot.com.

Imagem 1 Blog de apoio monografia.

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MemorialA autora Natural de So Paulo, sempre fui curiosa e afeita a novidades. Da minha me, professora de msica, trago o gosto pelas artes. Do meu pai, vendedor, veio a disposio para o esforo. Apesar de no ter internet em casa at a metade do primeiro ano na faculdade, a tecnologia me causa fascnio desde a adolescncia. Era do tipo de menina que atualizava blog no cyber-caf e pedia licena para checar a caixa de e-mails no computador da casa dos outros. Comprei meu primeiro celular em 2004, e o primeiro modelo com cmera ganhei em novembro de 2007, depois de ter finalizado esta pesquisa. Ingressei no curso de Jornalismo da Faculdade Csper Libero em 2004, para a alegria e orgulho da minha famlia. Bolsista durante toda a escola, trabalhei desde o primeiro ms de aula para custear a mensalidade. Isso me deu a oportunidade de estagiar em diferentes veculos e editorias. O ponto em comum entre eles era a internet.

O processo Largada A idia de fazer um trabalho de concluso de curso relacionado a mobilidade surgiu durante as aulas de Novas Mdias de Comunicao com a professora Fabiana Zani. A deciso pelo estudo das imagens de telefones mveis aconteceu depois de a morte de Saddam Hussein ter sido filmada por um desses aparelhos e chegado a mim pela internet. Senti que este era um marco do jornalismo e merecia explorao. Foi uma caminhada longa daquele dia at aqui. Rascunhei um projeto de pesquisa e apresentei a diversos colegas buscando formar um grupo. O assunto, no entanto, no despertou muito interesse, e acabei optando por faz-lo sozinha mesmo.

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Em meados de fevereiro deste ano, apresentei minha idia Daniela Ramos, professora de Novas Mdias de Comunicao da faculdade e propus que me orientasse. Foi o ponto de partida para uma compilao de dados sobre celulares, como estatsticas de vendas e penetrao, e apurao de uma srie de notcias relacionadas. Na mesma poca, a orientadora e eu comeamos a delinear uma bibliografia bsica e criei um blog para armazenar links, imagens e opinies relevantes. No fim de maro, comecei a fazer os contatos com possveis entrevistados, como executivos das principais fabricantes de celular. O objetivo era falar com o maior nmero possvel deles, mas consegui apenas conversar com a Nokia e a Samsung, que me atenderam com muita ateno. Em abril foi entregue faculdade um pr-projeto para avaliao de viabilidade e relevncia. O tema foi considerado interessante e inovador. Nessa poca, a proposta era fazer um panorama das fotos e vdeos feitos por celular em formato de monografia eletrnica. No entanto, para restringir o foco e garantir um estudo mais preciso, os filmes ficaram de lado, relegados ao segundo plano, deixando o foco central para as fotografias. O formato tambm foi alterado para monografia impressa, j que os vdeos eram a principal razo da escolha pelo formato virtual. As entrevistas com os executivos aconteceram no mesmo ms. Apesar de terem falado sobre estatsticas muito interessantes para meu trabalho, nenhum deles pde divulgar nmeros oficiais das empresas, como quantidade de celulares com cmera vendidos por ano e informaes relacionadas aos hbitos dos usurios. Durante o ms de maio, fiz documentos com anotaes e apontamentos dos livros da bibliografia e segui procurando estatsticas e nmeros que embasassem minhas teorias. Procurei Juca Varella, coordenador do FotoReprter, do Estado de S. Paulo, em junho, quando lhe propus a realizao de um estudo de caso. Combinar agendas foi um pouco difcil, mas possvel, e o encontrei em um debate realizado na ARFOC (Associao de Reprteres Fotogrficos e Cinematogrficos do Estado de So Paulo), em que ele exporia para os colegas o projeto do Estado na tentativa de desmistific-lo. Foi quando 9

me deparei, pela primeira vez, com opositores do fotojornalismo colaborativo. At ento, tinha conhecido apenas entusiastas. Ainda no mesmo ms, comecei a fazer os primeiros esboos da estrutura do que viria a ser cada captulo desta monografia, e entreguei faculdade um texto de qualificao correspondente a cerca de um tero do total. No fim de junho, a troca de emprego (sa da editora de tecnologia IDG para os sites femininos da editora Abril) me afastou um pouco do trabalho. No entanto, em meados de julho, um fato cativou novamente minha ateno: um acidente com o avio da TAM no aeroporto de Congonhas, em So Paulo. Estava na redao quando ouvi pela TV sobre a exploso da aeronave. Eram quase sete horas da noite. Fiquei at quase dez, analisando a cobertura feita pelos sites e buscando imagens amadoras. Foi uma experincia rica para este estudo, confirmando algumas das concluses relacionadas produo e compartilhamento de fotos de fatos noticiosos, e reao da mdia a esse material. Por sugesto do meu companheiro, Cau, passei a atualizar o blog todo dia. Redao Parece impossvel fugir do momento em que, diante de tanta informao, sentimo-nos sem rumo, apesar de ter o destino claramente definido. Na elaborao deste trabalho, isso se deu no incio do segundo semestre, quando entrei na fase da redao. Em agosto surgiu o primeiro captulo, sobre a histria do fotojornalismo. Para escrevlo, precisei da ajuda de amigos solidrios para traduzir um texto em francs, e inclui mais alguns ttulos minha bibliografia. Setembro foi um ms parado. Absorta em provas e trabalhos do terceiro bimestre e em questes pessoais, no consegui escrever quase nada e fiquei atrasada no cronograma. Chegou outubro e, com ele, a sensao de urgncia: eu precisava colocar tudo o que tinha pesquisado, pensado, conversado e concludo em palavras. No entanto, ainda havia mais um obstculo a superar antes de redigir: descobri estudos mais focados em 10

fotos de celular e estatsticas mais atualizadas sobre a penetrao da telefonia mvel no Pas que os compilados no incio do ano. Elaborei nessa poca uma pesquisa on-line para comprovar e embasar tudo o que tinha levantado sobre hbitos de usurios. Reta final Entre a segunda metade de outubro e a primeira de novembro, a reta final, que o texto da monografia foi majoritariamente escrito, na loucura que comum maioria dos formandos. Foram madrugadas afora escrevendo, cortando, refazendo o texto para que chegasse verso final. Amigos e colegas da faculdade e do mercado auxiliaram na reviso do trabalho apontando correes e sugerindo alteraes. Antes da finalizao, que se deu no fim de novembro, com a redao final e impresso, defini os convidados a compor minha banca avaliadora e escolhi a data da defesa. Apesar de prazeroso, foi um processo trabalhoso. Minhas maiores dificuldades foram encontrar bases tericas para minhas idias e adaptar a pesquisa ao formato de monografia, ao qual no estou acostumada, tendo que fugir da tentao de cair no texto jornalstico. Posso dizer, porm, que valeu a pena. Alm da sensao de misso cumprida, ficou tambm o sentimento de que inicio minha carreira com uma contribuio relevante para o jornalismo.

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1. A fotografia e o fotojornalismo1.1 Da descoberta da fotografia ao surgimento do fotojornalismo A histria da fotografia iniciou na primeira metade do sculo XIX, quando inventores e estudiosos descobriram meios de fixar imagens obtidas atravs de cmaras escuras (Imagem 1), que eram caixas pretas totalmente vedadas da luz com um pequeno orifcio ou uma objetiva em um dos seus lados" (SALLES, 2004). O princpio da cmara escura, tambm chamada de cmera obscura, foi descrito por Aristteles na antigidade grega e pelo cientista rabe Alhazen no sculo X, mas s teve utilizao prtica a partir de 1558, quando Giovanni Battista della Porta (ca.1542-1597) aconselhou seu uso aos artistas, conselho seguido entre outros, por Leonardo da Vinci (1452-1519) (POPOVIC, Pedro Paulo; NAVES, Rodrigo; CHIARELLI, Tadeu; RODRIGUES, Tnia Francisco, online) A luz que entrava pelo orifcio formava uma imagem invertida na parede oposta, facilitando a confeco de rascunhos fiis em propores ao objeto, pessoa ou paisagem retratados.

Imagem 2 Cmara obscura.

A primeira fotografia (Imagem 2) foi feita pelo inventor francs Joseph Nicphore Nipce (1765-1833) em 1826, da janela de sua casa (ANDRADE, 2004). Ele descobriu um processo de gravao de imagens fotogrficas que consiste em expor uma placa com

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betume da Judia1 luz, obtendo imagens formadas pelo endurecimento do material. O mtodo foi batizado de heliografia (do grego, gravar com sol).

Imagem 3 Point de vue de la fenetre 2, a fotografia de Nipce, de 1826: marco inicial.

Anos depois, em 1839, o pintor francs Louis Jacques Mand Daguerre (1787-1851), que chegou a fazer pesquisas em parceria com Nipce, apresentou Academia de Cincias de Paris a daguerreotipia, processo de captura e fixao de imagem pela exposio, em cmera obscura, de placas de cobre recobertas de prata polida e sensibilizao da placa a vapor de iodo, o que forma uma capa de iodeto de prata sensvel luz (OLIVEIRA, 2006). Os daguerretipos eram mais simples de serem feitos que os helitipos e tinham maior qualidade de imagem, porm ambos produziam fotos nicas, ou seja, que no poderiam ser reproduzidas de maneira mecnica. As cpias eram feitas mo pela litografia (do grego, gravar em pedra) que consiste na gravura

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Betume da Judia uma espcie de verniz utilizado na tcnica de gua forte, que possui a propriedade de secar rapidamente quando exposto luz. Esse betume possui um solvente, leo de lavanda, e que no consegue dissolv-lo depois deste ter estado em contato com a luz, o que permitia que as partes no expostas pudessem ser removidas, formando assim uma imagem rudimentar". (SALLES, 2004)2

NIPCE, Joseph Nicphore. Point de vue de la fenetre (Vista da janela). 1826. Preto e branco. Arquivada em Austin (Texas, EUA), no Harry Ransom Humanities Research Center.

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da imagem em pedra, que recoberta com tinta e colocada sobre um papel, imprimindo o desenho. A palavra fotografia foi usada por Antoine Hercule Romuald Florence (1804-1879), francs radicado no Brasil, na cidade de Campinas, interior de So Paulo (que na poca ainda se chamava Vila de So Carlos) desde 1832. foi nesse ano que o pesquisador que iniciou sua investigao de uma forma econmica de impresso, sensibilizada pela luz do sol e sais de prata, semelhante de Nipce e Daguerre. Mais tarde, a partir de 1840, o astrnomo John Herschel passou a utiliz-la na Europa para unificar as diversas descobertas envolvendo a cmera obscura no perodo entre 1827 e 1839 (ERIVAM, 2006). Pode-se dizer que o ponto de partida do fotojornalismo o momento em que, ainda no mesmo ano, o ingls William Fox Talbot (1800-1877), apresentou Royal Society (instituio londrina de suporte cincia) a talbotipia, tambm conhecido como calotipia, mtodo de reproduo atravs de negativos, utilizado at os dias de hoje na fotografia analgica3. A inveno de Talbot reduziu significativamente o tempo de produo das fotografias, ao encurtar a exposio luz, e permitiu sua reproduo. ANDRADE descreve o processo da seguinte forma:(...) do caltipo ou talbtipo, um negativo de papel, que aps o processamento (revelao) era encerado para tornar-se mais transparente, sendo em seguida prensado contra um outro papel sensibilizado, sob uma placa de vidro e exposto luz do sol, possibilitando assim a obteno de uma cpia fotogrfica (positiva) em papel salinizado. Visualizou-se a a reprodutibilidade na fotografia, tal como a conhecemos e praticamos at nossos dias: o original, ou matriz, o negativo, a partir do qual podemos gerar um nmero infinito de cpias positivas, todas de igual qualidade e valor. A fotografia tornouse, assim, um mltiplo. (In: ANDRADE, 2004, online)

Foi a partir desse momento que se tornou vivel a divulgao de fotografias em grande escala na imprensa, pela primeira vez, j que a reproduo em jornais poderia ser feita em grande tiragem e de maneira muito mais rpida que at ento. Seu uso em meios de comunicao impressos, no entanto, se intensificou mais expressivamente somente em3

BBC History Historic Figures William Fox Talbot (1800 - 1877), disponvel em http://www.bbc.co.uk/history/historic_figures/talbot_william_henry_fox.shtml, acessado em 15/11/2007.

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1880, quando foram introduzidos nos EUA e em diversos pases europeus processos de reproduo fotomecnicas a meio-tom.4

Ao longo do sculo XX, a trajetria da fotografia foi marcada mais pelo refinamento e aperfeioamento das tecnologias descobertas at ento que por inovaes ou invenes. Os momentos mais importantes no perodo entre as dcadas de 30 e 40 foram o surgimento dos primeiros flashes, que expandiram os horizontes da fotografia oferecendo iluminao artificial, e dos negativos e cromos em cores, trazidos pela Kodak. Entre 1939 e 1945, quando ocorreu a Segunda Guerra Mundial, as necessidades militares de documentao e espionagem impulsionaram mais avanos nas cmeras, lentes e filmes, como mquinas de tamanhos mnimos. Pouco aps a guerra, em 1947, aconteceu o ltimo grande marco antes da chegada da fotografia digital, em meados dos anos 1980: o anncio da Polaroid, primeira mquina de fotos instantneas. O processo de fotografia em um minuto, desenvolvido pelo fsico americano fundador da Polaroid Corporation, Edwin H. Land, foi apresentado naquele ano Optical Society of America, e consistia uma cmera que, equipada com um filme munido das substncias qumicas necessrias para a revelao, desencadeava esse processo assim que a foto era tirada. Em 60 segundos, a foto estava pronta. A primeira cmera instantnea, uma Polaroid modelo 95, foi vendida em Boston no dia 26 de novembro de 1948 por US$ 89,75. A recepo do pblico foi muito boa, e as vendas referentes aos primeiros 12 meses passaram dos US$ 5 milhes.5

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Meio tom um mtodo de impresso de imagens que usa pontos de tinta de diferentes tamanhos e densidades para cada cor, causando uma iluso de ptica provocada pelo contraste entre o tom da tinta e o tom do fundo do papel.5

Picture-in-a-minute process, traduo livre, na pgina institucional do site da Polaroid: About Polaroid: Brand History disponvel em http://www.polaroid.com/global/movie_2.jsp?PRODUCT%3C %3Eprd_id=845524441761320&FOLDER%3C %3Efolder_id=282574488338441&bmUID=1195152920038, acessado em 15/11/2007.

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Imagem 4 Polaroid modelo 95: a primeira cmera instantnea.

No fotojornalismo, alguns dos momentos mais interessantes so os anos de 1904, quando o London Daily Mirror se tornou o primeiro jornal a ser ilustrado exclusivamente com fotos, e de 1920, quando o ingls Paul Martin escondeu uma cmera em uma maleta, e, pela primeira vez, tirou fotos de pessoas sem que elas percebessem. Esta ltima experincia resultou em fotos com uma naturalidade desconhecida at ento, um momento em que as pessoas posavam ao serem fotografadas e as fotografias tinham um ar formal. No final dos anos 20 e incio dos 30, Stefan Lorant, do jornal alemo Mnchner Illustrierte Presse, iniciou uma nova maneira de fazer fotojornalismo ao decretar o fim das poses formais, a busca por imagens informativas e a abertura para fotorreportagens de interesse geral.De alguma maneira, eles [Kurt Korff, na Berliner Illustrirte Keitung, e de Stefan Lorant, na Mnchner Illustrierte Presse] quebraram a antiga viso da fotografia como mera ilustrao para lhe atribuir um papel determinante na informao, na interpretao, na contextualizao e na explicao dos assuntos. Embora Kurt Korff permitisse a publicao de fotografias encenadas, para corresponder ao conceito de fotografia nica e ultra-secreta6 que ele prprio tinha inventado e que os leitores esperavam,6

Gisle Freund (ed.: 1989) Fotografia e Sociedade, 119. In: SOUSA, Jorge Pedro. Uma histria crtica do fotojornalismo ocidental. 1998. Porto (Portugal). Disponvel no site Biblioteca Online de Cincias da Comunicao, em http://www.bocc.ubi.pt/pag/_texto.php?html2=sousa-jorge-pedrohistoria_fotojorn1.html, acessado em 16/11/2007.

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Stefan Lorant recusava a encenao fotogrfica. Ele vai, ao invs, fomentar a fotoreportagem em profundidade sobre um nico assunto. Nessas reportagens eram geralmente apresentadas, ao longo de vrias pginas, fotografias detalhadas agrupadas em torno de uma foto central. Esta tinha por misso sintetizar os elementos da estria que Lorant pedia aos fotojornalistas que contassem em imagens. Para Lorant, A foto-reportagem devia ter [ainda] um comeo e um fim definidos pelo lugar, o tempo e a aco (). Ser tambm Lorant a incrementar a variedade temtica das foto-reportagens. Estas deixam de privilegiar unicamente as figuras pblicas e os acontecimentos que giravam na sua rbita, para estenderem esse privilgio aos vrios assuntos que pudessem afectar o pblico ou com os quais este se identificava, como os que diziam respeito sua vida quotidiana, algo que pode ser ilustrado pelas fotoreportagens de Felix Man sobre as piscinas populares, os combates de boxe, os restaurantes e parques de diverses ou at a primeira foto-reportagem nocturna. Esta ideia ser, mais tarde, a base do sucesso da Life. (In: SOUSA, 1998).

Outro marco para o fotojornalismo foi a fundao da revista Life em 1936 por Henry Luce, o incio [da] difuso massiva de revistas fotojornalsticas nos Estados Unidos. A publicao tinha forte apelo visual, com belas e grandes imagens na capa e fotorreportagens no interior. A primeira edio saiu em 23 de novembro de 1936, com tiragem de 466 mil exemplares. Um ano depois, esse nmero saltou para 1 milho e, em 1972, chegou a mais de 8 milhes (SOUSA, 1998). 1.2 A trajetria do fotojornalismo em coberturas de guerra As mudanas de importncia, enfoque e manejo que as fotos jornalsticas sofreram ao longo dos anos, alm das alteraes em questes ticas, desde a foto de Nipce at os dias de hoje, podem ser identificadas na histria da cobertura fotojornalstica de guerra. A linha do tempo dessa histria comea com a Guerra da Crimia (1853-1856), a primeira a ser coberta pela imprensa com fotografias. O conflito entre a Rssia e uma coalizo entre a Aliana Anglo-Franco-Sarda (Reino Unido, Frana e PiemonteSardenha, na atual Itlia) e o Imprio Turco-Otomano (atual Turquia), ameaado pelo expansionismo russo, ocorreu na pennsula da Crimia, no sul da Ucrnia (parte do territrio russo na poca), foi o primeiro a ser coberto pela imprensa com fotografias.

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As imagens mais famosas foram feitas pelo britnico James Robertson (1813-1888), o talo-britnico Felice Beato (meados da dcada de 1830-1904) e o britnico Roger Fenton (1819 1869). Segundo Sontag, Fenton foi o primeiro fotgrafo a ser enviado oficialmente como reprter fotogrfico e recebeu instrues para retratar a guerra de maneira positiva, evitando fotos de combatentes mortos (SONTAG, 2003).

Imagem 5 Tenente-coronel Munro e soldados do 39 Regimento.7

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Prints and Photographs Division, Library of Congress, Washington, D.C., disponvel em http://www.loc.gov/rr/print/coll/251_fen_ima.html, acessado em 15/11/2007.

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Iniciada cinco anos depois, a Guerra Civil Americana (ou Guerra de Secesso, de 1861 a 1865) ficou marcada como uma das mais fotografadas da histria (TORAL, 1999). Um dos fotgrafos mais conhecidos do grupo de correspondentes que acompanhou o conflito foi Mathew Brady (TORAL, 1999), que levou consigo uma equipe prpria. Suas fotos e a de seus colegas (muitas das imagens atribudas a ele foram feitas pelos membros de sua equipe), ao contrrio das de Fenton, no eram sutis e procuravam refletir o clima de horror da guerra. Em 1862, Brady chocou os norte-americanos ao expor fotos do campo de batalha de Antietam, onde, em 17 de setembro daquele ano 23 mil homens foram mortos aps 12 horas de combate.8 Na entrada de seu estdio em Nova York, havia um espao com os dizeres Os Mortos de Antietam. A imagem romntica da guerra, com seu herosmo e valentia, sucumbiu diante de imagens frias e ntidas de corpos de soldados jogados pelo campo. A fotografia cumpriu a um importante papel do fotojornalismo, que o de trazer para a populao testemunhos visuais de uma situao de interesse nacional qual as pessoas no tinham acesso, e desafiar mitos baseados na falta de informao.

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Site do National Park Service, US Department of Interior. Disponvel em http://www.nps.gov/anti/historyculture/index.htm, acessado em 15/11/2007.

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Imagem 6 Mortos do Regimento de Louisiana no campo de batalha de Antietam, Maryland (EUA): face nefasta da guerra levada aos civis.9

O tradicional jornal nova-iorquino New York Times publicou em 20 de outubro daquele ano uma resenha (sem assinatura) sobre a exposio, descrevendo o horror das fotos:Os mortos dos campos de batalha nos vm lembrana muito raramente, mesmo em sonhos. Vemos a lista no jornal no caf-da-manh, mas nos esquecemos logo em seguida. Mas o sr. Brady fez algo que traz at ns a terrvel realidade e seriedade da guerra. Se ele no trouxe os corpos e os colocou nas nossas portas e nas ruas, fez9

BRADY, Mathew. Antietam, Maryland. Bodies of dead, Louisiana Regiment. 1826. Preto e branco. Arquivada em Library of Congress Prints and Photographs Division, em Washington D.C. (EUA), Disponvel em http://lcweb2.loc.gov/cgi-bin/query/i? pp/ils:@filreq(@field(NUMBER+@band(cwpb+01104)) +@field(COLLID+cwp)):displayType=1:m856sd=cwpb:m856sf=, acessado em 15/11/2007.

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algo muito parecido... Essas fotografias tm uma terrvel clareza. Com a ajuda de uma lente de aumento, possvel distinguir at as feies do morto. No quereramos estar na galeria no momento em que uma das mulheres debruadas sobre elas reconhecer um marido, um filho ou um irmo na fila inerte e sem-vida de cadveres que, cados, esperam pela vala comum.10

Alguns anos depois, estourou na Amrica do Sul a Guerra do Paraguai (1864-1870, entre o pas e a Trplice Aliana, formada pelo Brasil, a Argentina e o Uruguai), que a que conta com o maior acervo fotogrfico da regio. O uruguaio Esteban Garcia, enviado pelo estdio Bate & Cia., de Montevidu (Uruguai) entre abril e setembro de 1866, foi o responsvel por algumas das fotos mais impressionantes do conflito (TORAL, 1999). O estdio negociou com o governo uruguaio para enviar uma equipe aos locais de batalha (apesar de a expedio no ter carter oficial, eles receberam auxlio no transporte e obtiveram a exclusividade da comercializao das fotos at seis meses depois do fim da guerra), o que evidencia o carter mercadolgico da cobertura. As fotos de Garcia mostram a crueza da vida de trincheira, indo desde os soldados (vivos ou mortos) at as paisagens dos campos de batalha.Mas a foto mais impressionante do conjunto, e de toda a guerra talvez, a que se intitula montn de cadveres paraguayos e que retratou precisamente corpos ressecados de soldados mal cobertos por panos, provavelmente vtimas insepultas dos combates de 24 de maio de 1866. Esta foto e a que mostra as crianas paraguaias sobreviventes dos combates de Lomas Valentinas e Acosta-u, de autoria desconhecida, so, sem dvida, os registros fotogrficos mais dramticos da violncia da guerra. (In: TORAL, 1999, online).

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The New York Times, 20 de outubro de 1862, traduo livre. Disponvel em http://query.nytimes.com/mem/archive-free/pdf? res=940DE1DA173FE63ABC4851DFB6678389679FDE, acessado em 15/11/2007.

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Imagem 7 Montn de cadveres paraguayos, de Esteban Garcia. Uma das mais impressionantes fotos da Guerra do Paraguai. 11

Enquanto os argentinos e uruguaios j tinham visto fotos (daguerretipos) de episdios militares da conturbada vida poltica desses dois pases entre as dcadas de 1840 a 1860 (TORAL, 1999), para o Brasil, as coberturas fotogrficas traziam novidades. At ento, nunca se tinha visto imagens de tropas do Pas em combate, muito menos no exterior. Para o Paraguai, a novidade estava em ver no apenas seus soldados e aliados, mas tambm o inimigo. Essa extensa documentao visual do conflito marcou fundo a opinio pblica em relao guerra. Toral define o papel da fotografia na guerra da seguinte forma:Muitos registros, de retratos a paisagens, feitos por evidente interesse comercial, tornaram-se, involuntariamente, documentos de crtica da guerra. (...) As imagens da guerra no permitiam ufanismo, mesmo as de sua fase inicial. Vendo o inimigo prisioneiro, ou em pilhas de cadveres, s se conseguia sentir pena. Longe de emularem os espritos guerreiros, as fotos faziam desejar a paz.11

GARCIA, Esteban. Montn de cadveres paraguayos. 1866. Preto e branco. Arquivada na Biblioteca Nacional da Argentina. Disponvel em http://fotomundo.com/nota_galeria2.php?id=448&num=1, acessado em 15/11/2007.

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A guerra do Paraguai estabeleceu a importncia da utilizao jornalstica da fotografia de guerra, mesmo por intermdio de cpias, em litografias, dos originais, no Brasil, na Argentina e, num grau menor, no Uruguai. A imprensa ilustrada, a gravura e a pintura devem muito fotografia do perodo, utilizada por quase todos os autores do perodo como referncia. (In: TORAL, 1999, online).

As fotos de guerra, no entanto, nem sempre evocavam nas sociedades sentimentos negativos. Quase 80 anos depois da Guerra do Paraguai, os estadunidenses tiveram o patriotismo inflamado por causa de uma fotografia de Joe Rosenthal, fotgrafo da agncia de notcias conterrnea Associated Press.

Imagem 8 Fuzileiros navais erguem a bandeira dos EUA em Iwo Jima.12

A imagem de Rosenthal, tirada em 23 de fevereiro de 1945, mostrava fuzileiros navais erguendo com determinao a bandeira dos EUA no Monte Suribachi (Japo) durante a batalha de Iwo Jima (fevereiro e maro daquele ano), pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial, da qual os EUA saram vitoriosos. A foto foi tirada no quinto dia da batalha na ilha durante uma luta que duraria um total de 36 dias, deixando mais de 6 mil americanos mortos e aproximadamente 20 mil12

ROSENTHAL, Joe. Marines raising the American flag on Iwo Jima. 1945. Preto e branco. Disponvel no site da National Press Photographers Association em http://www.nppa.org/news_and_events/news/2006/08/rosenthal.html, acessado em 15/11/2007.

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feridos.13 Apesar de aquela no ter sido a primeira bandeira estadunidense fincada em territrio japons durante o conflito, a foto era uma das mais belas e foi vastamente usada pelos meios de comunicao (revistas e jornais). Chegou a servir de pster para uma campanha do governo norte-americano para angariar fundos para a guerra (Seventh War Loan drive) e rendeu a Rosenthal o prmio Pulitzer (prmio mximo do jornalismo) de fotojornalismo daquele ano. At hoje, sua foto uma das imagens mais reproduzidas na histria mundial. A foto e suas conseqncias foram inspirao para o filme A Conquista da Honra, do diretor Clint Eastwood (em ingls, Flags of our Fathers, ou Bandeiras de Nossos Pais. 2006, Warner Brothers), baseado no livro de James Bradley, filho de John Bradley, um dos oficiais fotografados, que romantiza a renovao dos nimos e esperanas da populao diante da mensagem de conquista, companheirismo e herosmo dos jovens oficiais fotografados. 1.3 A chegada da fotografia digital Mais de 150 anos depois da primeira fotografia, no fim da dcada de 1980, surgiu a fotografia digital, a primeira evoluo tcnica que realmente destoou dos mtodos de captura e revelao de imagens conhecidos at ento. A novidade influenciou profundamente os hbitos relacionados fotografia nos mbitos profissional e pessoal, e mais especificamente, no editorial. Diferentemente da fotografia analgica, que resulta das reaes qumicas entre a luz e um papel sensibilizado e deste com substncias reveladoras e fixadoras, a fotografia digital formada por cdigos virtuais correspondentes a cor, nitidez e tamanho.O princpio de funcionamento de uma cmera digital e de uma que utiliza filme o mesmo. Ambas capturam a imagem fazendo a leitura de quantidade de luz que emanada ou refletida pela cena. (...) A cmera digital (...) usa um carto de memria para armazenar a foto e, no lugar do produto qumico [usado pela analgica], utiliza um sensor eletrnico para fazer o registro da luz. Esse sensor converte a luz em sinais eltricos cuja carga varia de acordo com a intensidade da luz. O sensor formado por pixels, formando13

Tirado de uma matria do site da National Press Photographers Association sobre a morte de Rosenthal em agosto de 2006. Disponvel em http://www.ap.org/pages/about/history/history_first.html, acessado em 15/11/2007.

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uma matriz de linhas e colunas. Numa comparao mais simples, cada pixel pode ser comparado a um gro de sais de prata do filme tradicional (RAMALHO, 2004, p. 2 e 3).

Mesmo os cartes mais simples de memria tm capacidade para armazenar centenas de fotos, diferentemente dos filmes, que oferecem algumas dezenas de negativos. Alm disso, a imagem fotografada pode ser visualizada em segundos no visor eletrnico de cristal lquido da cmera, tal qual foi formada e arquivada na mquina, sem que tenha de ser impressa em um papel. A possibilidade de visualizar imagens segundos aps o clique j era oferecida pela Polaroid. No entanto, naquele caso, cada foto era nica e irreprodutvel, pela ausncia do negativo, o que fazia com que tirar uma nova fotografia gerasse o uso de mais um pedao de filme. Com as cmeras digitais, cada imagem ocupa uma parte pequena dos cartes de memria (capazes de armazenar centenas de fotos) e pode ser apagada a qualquer momento se no for considerada boa o suficiente, liberando espao no carto. Assim, fazer novas fotos no implica o mesmo gasto de material e custo que no caso da Polaroid. Isso influenciou os hbitos de pr-edio de fotografias. Quando uma foto batida, ela imediatamente avaliada e, se no ficar do jeito que o fotgrafo planejou, refeita. Outra diferena diz respeito reprodutibilidade. Por ser um arquivo virtual, a fotografia digital pode ser infinitamente replicada. No contexto da internet, isso significa que uma imagem poder ser copiada e utilizada em inmeros sites, sem nenhum custo (excluemse aqui quaisquer taxas referentes a possveis direitos autorais, considerando apenas o custo do processo de reproduo propriamente dito). A grande novidade da fotografia digital, porm, a possibilidade de edio avanada de fotografias. Programas de computador especializados permitem corrigir defeitos comuns, como olhos vermelhos, ou melhorar a qualidade da imagem aplicando filtros e efeitos especiais. Sem dvida, isso trouxe para o fotojornalismo muitas vantagens, como a possibilidade de deixar as fotos mais belas antes de imprimi-las nas capas dos jornais. Mas no pra por a. Esses softwares permitem tambm manipulaes e montagens praticamente imperceptveis a olho nu, principalmente para aqueles que no esto acostumados com a tecnologia. Alm de adentrar um complicado e espinhoso campo de discusso tica, essa inovao ameaou a credibilidade inerente fotografia e ao fotojornalismo at ento.

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1.4 A fotografia jornalstica Antes de analisar o impacto da fotografia digital e, mais tarde, do celular com cmera, no fotojornalismo, faz-se necessria a delimitao do que vem a ser a fotografia jornalstica. Fotografar e compartilhar fotos uma democratizao das experincias traduzidas em imagens (SONTAG, 2004), em uma sociedade de cuja cultura, a fotografia parte integrante.A humanidade demora-se irremediavelmente na caverna de Plato, ainda deleitando-se, velho hbito seu, em meras imagens da verdade. Mas ser educado por fotografias no o mesmo que ser educado por imagens artesanais mais antigas. (..) h muito mais imagens por a, disputando nossa ateno. O inventrio comeou em 1839 [data da primeira fotografia] e, desde ento, tudo foi fotografado, ou o que parece () Ao nos ensinar um cdigo visual, fotografias alteram e aumentam nossas noes do que digno de ser visto e a que temos o direito de observar (SONTAG, 2004, online).

A foto uma tentativa do fotgrafo de congelar um momento no tempo e comprovar que ele realmente existiu (BARTHES, 1984). Nesse sentido, Barthes atribui foto um ar fantasmagrico, por se tratar de uma espcie de retorno do momento morto. Para um grupo de ndios maranhenses, as mquinas fotogrficas so aparelhos de captar e aprisionar o carom, que o nome dado a imagens e vozes das pessoas e das coisas, dos vivos ou dos mortos que retornam sob a forma de fantasmas (MACHADO, 1993). Para o espectador, a foto um documento carregado de informaes, um testemunho da cena clicada, que contm mensagens que, muitas vezes, vo alm do que pretendeu o autor da imagem quando a fez (BARTHES, 1984; BURKE, 2003). A foto passa ao seu espectador uma veracidade que lhe d a impresso de ser algo muito prximo a uma testemunha ocular.Fotografias se transformam em provas. Algo de que ouvimos falar, mas duvidamos, parece comprovado quando nos mostrada uma fotografia disso. (...) O registro da

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cmera incrimina (...). A fotografia se passa por prova incontrovertvel de que determinada coisa aconteceu. A foto pode distorcer; mas existe sempre uma pressuposio de que algo existe ou existiu, que parecido com o que est na foto. (SONTAG, 2004, online)

Esse poder de comprovar relatos e at de contar histrias a principal caracterstica valorizada pelo fotojornalismo, cuja finalidade primeira informar (SOUSA, 2002).O fotojornalismo uma actividade singular que usa a fotografia como um veculo de observao, de informao, de anlise e de opinio sobre a vida humana e as consequncias que ela traz ao Planeta. A fotografia jornalstica mostra, revela, expe, denuncia, opina. D informao e ajuda a credibilizar a informao textual (...) Profisso que h mais de um sculo tem fornecido humanidade a capacidade de se rever a si mesma e de contemplar representaes do mundo atravs de imagens chocantes, irnicas, denunciantes, empticas ou simplesmente informativas" (SOUSA, 2002).

Sousa divide as fotografias utilizadas na mdia em dois grandes grupos: as spot news e as fotos de notcias em geral."As spot news so as fotografias nicas de acontecimentos duros (hard news), frequentemente imprevistos. Nestas situaes os fotojornalistas, geralmente, tm pouco tempo para planear as imagens que querem obter. Aconselha-se sempre a prvisualizao. Mas, no calor de um acontecimento, a capacidade de reaco que muitas vezes determina a qualidade jornalstica da foto. (...) As notcias em geral tipicamente relacionam-se com a cobertura de ocorrncias como entrevistas colectivas, reunies polticas nacionais e internacionais, actividades diplomticas, congressos, cerimnias protocolares, manifestaes pacficas, bolsa de valores, comcios, campanhas eleitorais, cincia e tecnologia, artes e espectculos, desfiles de moda, festas de sociedade, desporto (quando no se considera a fotografia de desporto um gnero especfico), etc." (SOUSA, 2002, p.112).

A foto jornalstica no auto-suficiente: seja qual for seu contedo, a imagem precisa de um texto, uma legenda, por menor que seja, para que seja considerada jornalstica. O papel do texto o de chamar a ateno para detalhes especficos, complementar informativamente a foto, ancorar o seu significado e orientar o leitor para as significaes que se deseja atribuir foto (SOUSA, 2002).

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2 Evoluo do fotojornalismo: o impacto das novas tecnologiasOs avanos tecnolgicos que o mundo viveu desde a foto de Nipce at os dias de hoje influenciaram no apenas o fotojornalismo, como o jornalismo em geral e, numa esfera ainda mais abrangente, a forma como as pessoas se comunicam. Imediatismo, comunicao em rede, produo de material fotogrfico em larga escala e descentralizao da informao nas mos das empresas de mdia so algumas das conseqncias dos adventos da internet e dos aparelhos eletrnicos. Este captulo abordar os impactos da fotografia digital no fotojornalismo e o conceito de jornalismo colaborativo para abrir caminho para uma anlise do papel dos celulares com cmera no fotojornalismo contemporneo, tema central deste trabalho. 2.1 A fotografia digital no fotojornalismo Se por um lado as facilidades oferecidas pela fotografia digital significavam agilidade e barateamento de custos no contexto fotojornalstico, elas geraram desconfiana a comear pelas prprias redaes. A possibilidade de manipulao e tratamento das imagens digitais no computador colocou em situao delicada a sua credibilidade atribuda fotografia jornalstica e at dos fotojoranalistas. Outras preocupaes vo desde o talento do fotgrafo (com tantas facilidades das mquinas digitais, a pr-edio enquadramento, luz etc. fica em segundo plano) at a fragilidade de armazenamento (acidentalmente, mais fcil um arquivo digital ser apagado que um material como a foto em papel ou o negativo ser perdido).A fotografia digital provocou uma ruptura entres os profissionais da imagem, principalmente fotojornalistas, dando origem a trs categorias de profissionais no mercado de fotografia: a primeira formada por veteranos fotgrafos, a segunda, por fotgrafos que vm acompanhando a morte gradativa da fotografia analgica, e a terceira, por fotgrafos mais jovens, que assistem ao nascimento da fotografia digital (OLIVEIRA, 2006, online).

Oliveira descreve o primeiro grupo, que tambm chama de gerao analgica, como inicialmente cticos (acreditavam que a fotografia digital poria um fim no fotojornalismo), altamente receoso e conservador, com dificuldades em relao s novas

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nomenclaturas e tcnicas. O grupo mais jovem, que a gerao digital, por outro lado, aparece com consumistas, adeptos dos descartveis e sem interesse (e, acusam as outras geraes, sem domnio) de mtodos e tcnicas como luz, filtros, velocidade do obturador (OLIVEIRA, 2006). A despeito da resistncia, como comum diante de todo tipo de insero de tecnologia, o uso das cmeras digitais nas redaes se tornou comum, e, apesar de no ter suplantado o das analgicas, lhe deixou muito pouco espao. 2.1.1 A questo da manipulao Um dos momentos notrios na histria da imprensa envolvendo alterao digital de fotos aconteceu em 2003. Segundo nota publicada no Observatrio da Imprensa [http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/fd090420032.htm, acessado em 12/10/07] na poca, a capa do Los Angeles Times do dia 31 de maro daquele ano2003 trazia uma foto de Brian Walski, que era fotgrafo do jornal desde 1998, mostrando um soldado britnico em meio a uma multido de iraquianos durante a tomada de Zubayr (Iraque). Dois dias depois, foi divulgada uma nota do editor direcionada ao pblico explicando que o fotgrafo fora demitido por violar a poltica do jornal de no alterar o contedo de fotos jornalsticas. A nota diz que:Algum notou que alguns civis iraquianos aparecem mais de uma vez (...) e o jornal resolveu investigar. Walski, ainda no Iraque, declarou por telefone que tinha usado o computador para combinar elementos de duas fotos, tiradas em momentos diferentes e, assim, melhorar a composio. (...) os EUA, a Associao Nacional dos Reprteres Fotogrficos (NPPA) estabeleceu que "alterar o contedo editorial de uma foto quebra dos padres ticos reconhecidos pela NPPA"

No entanto, a questo no se baseia nas possibilidades oferecidas pela tecnologia, mas na capacidade e/ou disposio dos profissionais de manipular as fotos segundo interesses seus ou de suas empresas, que podem ter motivos considerados nobres (como esconder trechos mais chocantes numa foto de um acidente, por exemplo) ou no. Por essa deciso no estar ligada tcnica mas aos profissionais, o fato que a credibilidade das fotos analgicas tambm pode ser colocada em dvida quando

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consideradas as possibilidades de pr-edio e o fato de que fotos no podem mentir, mas mentirosos podem fotografar (BURKE, 2003). Sontag diz que quaisquer fotos trazem em si marcas pessoais de seu autor: ao decidir qual deve ser o aspecto de uma foto, ao preferir uma exposio em detrimento da outra, fotgrafos esto sempre impondo padres a seus objetos (...). No entanto, sejam quais forem as limitaes (atravs do amadorismo) ou pretenses (atravs do talento artstico) do fotgrafo individual, uma fotografia qualquer fotografia parece ter uma relao mais inocente, e, portanto, mais precisa, com a realidade visvel que qualquer outros objetos mimticos (SONTAG, 2004).

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3 Celular com cmera como ferramenta jornalstica3.1 Nascimento da telefonia mvel e do primeiro celular com cmera Assim como aconteceu com a chegada do telefone, da TV e da internet, o advento do telefone celular tambm causou um profundo impacto na maneira como as pessoas se comunicam. Benefcios como a praticidade de ter um telefone a mo a qualquer hora e a possibilidade de ligar para algum que est na rua rapidamente superaram a popularidade dos bips, aparelhos passivos que apenas recebiam recados. Para enviar uma mensagem, era preciso ligar de um telefone para uma central e dit-la a uma telefonista. A primeira chamada de um telefone celular foi realizada em 3 de abril de 1973, em Nova York (EUA), por Martin Cooper, ento gerente geral da Diviso de Sistemas da Motorola, mas o primeiro aparelho s chegou ao mercado 10 anos depois, em 1983. Pesando 794,16 gramas, o DynaTAC 8000x, da Motorola, custava US$ 3.995 dlares.

Imagem 9 DynaTAC 8000x, da Motorola, o primeiro celular do mundo.14

No Brasil, a histria do celular comeou h 17 anos, quando estreou no Pas o servio de telefonia mvel, no Rio de Janeiro (RJ), em 30 de dezembro de 1990. Como 14

Imagem disponvel no site IDG Now!, no lbum de fotos intitulado Evoluo do celular, em http://idgnow.uol.com.br/galerias/idgphotoalbum.2006-02-03.9367726313/paginador/pagina_1, acessado em 17/11/2007.

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comum com novas tecnologias, o custo inicial das ligaes e dos aparelhos era alto e a penetrao, conseqentemente, baixa. Alguns momentos que marcaram saltos de adeso tecnologia foram o perodo de privatizao entre 1997 e 1998, que derrubou o preo dos aparelhos e do servio, e a chegada das contas pr-pagas, em 1998 (lanado pela CTBC - Companhia de Telecomunicaes do Brasil Central) que ofereciam maior controle de gastos ao usurio15. Em menos de duas dcadas, a penetrao da telefonia mvel chegou a praticamente trs quintos da populao. Em agosto de 2007, o nmero de celulares no Brasil era de 110,9 milhes, segundo dados da Anatel (Agncia Nacional de Telecomunicaes), o que equivale a 59,62% dos 186 milhes de brasileiros apontados pelo o Ibope/ Pnad de 2006 (o mais recente). Ou seja: a cada dez brasileiros, praticamente seis tm um telefone celular. Na vspera da virada do sculo XX, em 2000, uma aposta da empresa japonesa de eletrnicos Sharp marcou mais um momento decisivo na histria do jornalismo fotogrfico: o surgimento dos celulares com cmera. O Japo vivia um perodo de recuperao econmica depois de mais de 10 anos de recesso econmica e era considerado um dos ninhos tecnolgicos do mundo. Culturalmente, relevante mencionar que as mquinas de fotografias instantneas eram muito populares. Nesse contexto, a Sharp, na tentativa de impulsionar suas vendas e atrair a ateno dos consumidores, inova ao incorporar a um de seus telefones mveis uma pequena cmera fotogrfica. O J-SH04, foi o primeiro do gnero. A resoluo era de 110,00 pixels.

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Informaes disponveis no site da CTBC, http://www.ctbctelecom.com.br/ctbc/lintempo.nsf/frameDir/BAAB4TVK4Q, acessado em 30/11/2077.

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Imagem 10 J-SH04, da Sharp: o primeiro celular com cmera

Em 18 de setembro de 2001, a BBC de Londres noticiou em seu site o lanamento do aparelho e lanou aos internautas a pergunta O que voc faria com um aparelho como este, especialmente se ele custa quase US$ 500?.16 As respostas revelam leitores curiosos, interessados em registrar cenas do cotidiano (como cachorros simpticos na rua ou expresses de alegria) e a se comunicar visualmente com outras pessoas a distncia (como o marido que quer ajuda da esposa, que est longe, para escolher um presente). Os respondentes apontaram tambm algumas das possibilidades que a inveno trazia consigo e que fariam dela um importante instrumento para o jornalismo. Uma a capacidade de capturar imagens discreta ou at secretamente. Um comentrio assinado por Johanna, da Finlndia, dizia: Pode ser til para investigaes delicadas ou infiltrao. (...) Quem pensaria em procurar uma cmera no telefone?. J Levi Buckley, do Reino Unido, disse que usaria seu aparelho para fotografar sorrateiramente em congressos de negcios as anotaes de seus concorrentes para posterior anlise. Outro, deixado por Gabriel Henao, EUA, fala da praticidade da convergncia: Eu adoro tirar

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Disponvel no site da BBC, em http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/1550622.stm, acessado em 17/11/2007.

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fotos, mais odeio ter de carregar outro aparelho. Se [a cmera] for integrada ao telefone (...), isso seria muito legal. Apesar de oferecer qualidade de imagem inferior em relao s cmeras digitais, os celulares com cmera fizeram sucesso. Um dos principais motivos foi o preo. A notcia da BBC anunciava o primeiro celular com cmera embutida por US$ 500, valor que desagradou os leitores, pela anlise dos comentrios. No entanto, pela tendncia natural de eroso de preo de tecnologia, esse valor caiu gradualmente e atualmente (2007), telefones com essa caracterstica so encontrados no chamado nvel de entrada do mercado, que so os aparelhos mais baratos (cerca de US$ 100 dlares). 3.2 O celular e a sociedade 3.2.1 O Perfil do usurio brasileiro de celular O Comit Gestor da Internet no Brasil17 realizou uma pesquisa entre agosto e setembro de 2005 em 8.540 domiclios para medir o uso de Tecnologias da Informao e Comunicaes (TIC Domiclios e Usurios 200518) referente aos trs meses anteriores entrevista (de maio a agosto). O perfil traado mostra um usurio jovem, morador de regies metropolitanas e com alta escolaridade. De acordo com o estudo, 54,55% dos brasileiros usam celular, nmero pouco abaixo do apontado pela Anatel, citado h pouco. A regio com maior proporo de usurios em relao ao total da populao o Distrito Federal (77,91%), seguido das regies metropolitanas de Porto Alegre (73,88%), Salvador (67,17%) e Curitiba (61,89%). No Rio de Janeiro, a proporo de 61,64% e, em So Paulo, 55,93%, pouco mais que a mdia nacional. A penetrao da tecnologia proporcional situao financeira e nvel de escolaridade.17

rgo criado pela Portaria Interministerial n 147, de 31 de maio de 1995 e alterada pelo Decreto Presidencial n 4.829, de 3 de setembro de 2003, para coordenar e integrar todas as iniciativas de servios Internet no pas, promovendo a qualidade tcnica, a inovao e a disseminao dos servios ofertados.18

Disponvel no site do Comit Gestor da Internet no Brasil, em http://www.cetic.br/usuarios/tic/2005/index.htm, acessado em 17/11/2007.

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A taxa de 82,98% na populao com renda familiar de R$ 1.8001 e 27,45% na faixa de at R$ 300. Nas classes A (93,59%), B (83,27%) e C (62,32%), a penetrao maior que a mdia nacional, ficando apenas a DE abaixo (38,20%). Do prisma da escolaridade, o maior grupo de usurios est entre os brasileiros com nvel universitrio incompleto (84,04%), enquanto, na outra ponta, a taxa de apenas 25,88% entre os analfabetos ou que no completaram o ensino fundamental. A maior penetrao se d entre os jovens: 73,86% dos cidados com idade entre 16 e 24 anos e 63,60% dos que tem entre 25 e 34 anos, as duas maiores taxas. O menor grupo o dos idosos: apenas 20,28% so usurios de celular. 3.2.2 Atividades realizadas pelo telefone celular Em uma segunda fase do estudo, foram analisados os hbitos dos usurios, considerando as respostas mltiplas de 4.659 domiclios cujos indivduos usam telefone celular. Receber e enviar chamadas telefnicas a atividade mais realizada pelo aparelho, apontada por 98,19% dos usurios, seguida do envio e recebimento de mensagens de texto (42,34%). O estudo no contempla a produo de fotos e vdeos, mas o envio e recebimento desse tipo de contedo, atividade realizada por apenas 4,08% dos usurios. O que define os hbitos dos brasileiros em relao a seus celulares o custo19. Funes cobradas, como acesso a internet, e com critrios de cobrana abstratos, que no oferecem possibilidade de controle de gastos, inibem o consumidor e no fizeram sucesso entre a populao. Por outro lado, opes sem custo, como agenda e despertador, ou com tarifas baixas e mensurveis, como os SMSs, viraram febre. Isso explica por que a troca de arquivos, como fotos, vdeos e msicas, por celular, que custa mais, no emplacou; as pessoas preferem baixar as imagens via cabo USB dos

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Segundo executivos da Nokia e da Samsung, duas das maiores do setor segundo estudo da Qualibest de maio de 2007 (2 e 3 lugar no ranking de marcas mais usadas em celulares com cmera) entrevistados para este trabalho.

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aparelhos para o computador. Fazer fotos e filmes, no entanto, no gera nenhum custo, o que, por sua vez, explica, em parte, o sucesso das cmeras digitais embutidas. Outro fator de impulso para o uso da funo o perfil do usurio brasileiro, que demonstra com foco no entretenimento, na famlia e no compartilhamento de emoes. A demanda por aparelhos com cmera existe pelo interesse do usurio de fotografar seus familiares (filhos, namorada, sobrinho) e bichos de estimao20 e mostrar as imagens para os outros, tomando o papel que um dia foi primordialmente das fotos 3X4 que ficam na carteira. 3.2.3 Hbitos relacionados cmera do celular Um grupo de pesquisadores norte-americanos realizou em 2005 um estudo interessante para avaliar os hbitos dos usurios em relao aos celulares com cmera chamado The Social Life of Cameraphone Images (A vida social de imagens de celulares com cmera).21 Eles entregaram a 60 estudantes da School of Information Management and Systems (SIMS), da Universidade de Berkley (Califrnia, EUA), telefones celulares com cmeras embutidas e acompanharam-nos durante 10 meses para observar seus hbitos em relao tomada de fotografias e ao compartilhamento de imagens. Os participantes receberam aparelhos Nokia 7610, com resoluo de 1 megapixel, considerada razovel na poca. Foram capturadas e baixadas 24 mil imagens por conta do estudo. O estudo identificou quatro principais usos sociais dos celulares com cmera: criao e manuteno de relacionamentos, construo de memria individual ou coletiva, autorepresentao e auto-expresso. A pesquisa tambm apontou trs interpretaes sobre a

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Segundo executivos da Nokia e da Samsung e pesquisa online realizada pela autora, que consta entre os anexos.21

The Social Life of Cameraphone Images - Nancy A. Van House e Marc Davis. Califrnia (EUA). In: workshop intitulado Proceedings of the Pervasive Image Capture and Sharing: New Social Practices and Implications for Technology (PICS 2005), realizado na Seventh International Conference on Ubiquitous Computing (UbiComp 2005) em Tquio, no Japo, em 2005. Disponvel em http://people.ischool.berkeley.edu/~vanhouse/Van%20House,%20Davis%20-%20The%20Social%20Life %20of%20Cameraphone%20Images.pdf, acessado em 18/11/2007.

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funo do aparelho: ferramenta de captura de memria (lembranas), de comunicao e de expresso Foi observado que os participantes usavam o celular para tirar fotos de coisas simples do dia-a-dia, o que difere da maior parte das prticas pessoais de fotografia, que tende a focar mais no excepcional e no no mundano. Alm disso, eles muitas vezes tiraram fotos com o celular com a inteno clara de compartilh-las, pensando em algum que poderia achar o objeto fotografado interessante. O resultado mostrou uma quantidade surpreendente de fotos de auto-representao, os auto-retratos comuns nos fotologs (sites pessoais de foto). Juntamente com a enorme quantidade de fotografias de ces, gatos e outros bichos de estimao levaram concluso de que o celular com cmera no encarado com muita seriedade, mas como uma ferramenta de descontrao. Outra categoria curiosa de fotos citadas foram as chamadas funcionais: alguns participantes usaram o celular com cmera como scanners ou mquinas de cpia para fotografar documentos ou informaes escritas que pudessem ser teis. Essa funo faz dos celulares com cmera um "anotador de imagens", segundo o fotgrafo Bob Wolfenson22. No estudo, no apareceram fotos de denncias, flagras ou outro contedo de valor jornalstico claro. No entanto, os pesquisadores citaram os atentados de Londres (que sero descritos a seguir) para exemplificar a categoria que chamaram de documentao social. Os principais obstculos para o uso de cmeras de celular encontrados foram a dificuldade de tirar as fotos do aparelho e o custo. preciso levar em conta que no houve custo por parte dos participantes. Dessa forma, este estudo foi apontado por seus realizadores como um possvel indicativo de como seria o uso dessa ferramenta quando os celulares fossem onipresentes e o compartilhamento de imagens, fcil e de baixo custo.22

Entrevista de Bop Wolfenson ao Estado de S. Paulo publicada no site do FotoReprter, disponvel em http://estadao.com.br/fotoreporter/saiba_mais.htm, acessado no dia 30/11/2007.

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3.2.4 Celular como ponto de convergncia tecnolgica As empresas de telefones celulares dividem seus aparelhos trs categorias: em low, mid e high end, que uma progresso dos mais simples (e mais baratos) at os mais sofisticados. O low end a porta de entrada do consumidor aparelhos simples e mais baratos. J existem telefones nessa categoria que possuem cmera sendo vendidos por menos de R$ 300. Executivos da indstria dizem que hoje, a exigncia do brasileiro para o primeiro celular que ele compra que seja colorido e a segunda que tenha cmera. Ou seja, a cmera a primeira evoluo desejada.23 O celular, que j tinha conseguido espao cativo no bolso dos brasileiros, se tornou, e o principal ponto de convergncia dessas tecnologias tendncia observada em todo o mundo. As primeiras evolues foram a incluso de funes como agenda, calculadora, relgio, despertador e calendrio. Ento, vieram os SMSs (short message system, as mensagens de texto) tocadores de msica digital (que se popularizaram a partir do fim de 2001, com o lanamento do iPod, da Apple), as cmeras digitais, a conexo mvel internet. Os mais sofisticados tm GPS (Sistema de Posicionamento Global, em ingls) e servio de mapas e rotas, recebem sinal de TV (servio indisponvel no Brasil por enquanto, pela falta de sinal digital de TV), fazem transferncia sem fio de arquivos para outros aparelhos em alta velocidade e fazem as vezes de cartes de acesso em empresas, faculdades etc. Alguns so at usados para efetuar pagamentos e enviar remessas financeiras internacionais. No Japo, por exemplo, o M-cash (de mobile cash, dinheiro mvel em ingls) aceito para o pagamento de tquetes de metr e em varejistas. No Brasil, o ABN Amro Bank Real, em parceria com a empresa de tecnologia IBM e com a operadora TIM, promovem um projeto piloto no qual alunos da PUC (Pontifcia Universidade Catlica) podem usar o celular para pagar lanches e cpias de materiais acadmicos em estabelecimentos dentro do campus. Outros bancos, como Ita e Bradesco, oferecem a opo de pagamento de contas pelo portal do banco a partir do celular.23

Segundo executivos da Nokia e da Samsung, duas das maiores empresas de celular, entrevistados para este trabalho.

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3.2.5 Cmera digital versus celular com cmera As cmeras usadas nos celulares tm, em geral, resoluo menor que as cmeras digitais tradicionais. Existem aparelhos com foco na produo de imagens, que so mais cmeras com funo telefnica que o contrrio, como o N95 da Nokia (que tem cmera de 5 megapixels, lentes profissionais Carl Zeiss e zoom digital 20 vezes,) e o SCHB600, da Samsung (resoluo 10 megapixel, autofoco e flash). No entanto, a mdia de qualidade de imagem dos celulares atualmente disponveis no mercado de 3 megapixels, enquanto as cmeras digitais mais vendidas j oferecem pelo menos 5 megapixels. Segundo uma pesquisa da consultoria GfK divulgado em 4 de julho de 2007, o usurio brasileiro procura mquinas digitais com mais de 5 megapixels, segmento que registrou maior alta nas vendas do mercado de DSC: no primeiro trimestre de 2007, representou 75% das vendas no Pas, contra 15% registrados no mesmo perodo do ano anterior. O estudo diz ainda que a tendncia de crescimento mundial do mercado est diminuindo e aponta os celulares com cmera como um dos grandes viles responsveis por isso24. A juno do telefone com a cmera vista pela indstria brasileira como convergncia complementar, o que significa que os consumidores no pretendem deixar a cmera digital de lado pra ficar s com o celular25. Uma pesquisa com consumidores norteamericanos realizada pela consultoria Infotrends mostra que, apesar de os usurios de todas as idades indicarem que utilizam a cmera do celular freqentemente e valorizarem a possibilidade de fazer fotos de ltima hora, apenas 15% deles a consideram sua ferramenta fotogrfica principal, contra 65% que deram o posto cmera digital.26 Por outro lado, h um estudo alemo, da consultoria Schneider Kreuznach, que mostra uma tendncia em direo ao lado oposto: se forem colocados no mercado celulares com cmeras que ofeream a mesma qualidade que as cmeras digitais, 68% dos24

Dados da GfK citados pelo site de notcias de tecnologia IDG Now! em 4 de julho de 2007, disponvel em http://idgnow.uol.com.br/computacao_pessoal/2007/07/04/idgnoticia.2007-07-04.2162086305/, acessado em 18/11/2007.25

Segundo executivos da Nokia e da Samsung.26

U.S. Camera Phone End-User Survey Research: 2007, disponvel parcialmente em http://www.infotrends-rgi.com/public/Content/Press/2007/10.23.07.html, acessado em 18/11/2007.

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participantes responderam que considerariam a hiptese de substituir suas mquinas fotogrficas por celulares27. O consenso que o grande atrativo da cmera do celular em detrimento do desempenho da cmera a convenincia de ter uma cmera mo para fotografar situaes inesperadas dignas de registro. Para situaes planejadas, a preferncia pela DSC. 3.3 Os atentados de Londres: o celular com cmera e o jornalismo colaborativo Quatro anos depois do lanamento do primeiro celular com cmera, um atentado ao sistema de transporte de Londres mostrou ao mundo que esses aparelhos tinham seu lugar garantido no fotojornalismo. Em 7 de julho de 2005, na hora do rush do trnsito de Londres, ocorreram diversas exploses no sistema de transporte subterrneo da cidade. Tratava-se de ataques terroristas. Como acontece em todas as situaes semelhantes, as informaes nos primeiros minutos so limitadas e inexatas. Quando as redaes souberam das exploses, j estavam atrasadas. Ainda que tenham enviado seus profissionais ao local o mais rpido possvel, os tneis do metr londrino j estavam bloqueados pela polcia britnica e tudo que puderam registrar com suas lentes eram as vtimas do lado de fora sendo assistidas pelas equipes de resgate. Durante algum tempo, foram essas as imagens que circularam pela mdia tradicional. No se sabia como estava a situao nos tneis subterrneos da cidade. Foi na internet que apareceu uma das primeiras e, posteriormente, mais reproduzidas fotos do atentado. Adam Stacey, que estava entre as estaes King's Cross e Russell Square do metr no momento das exploses, usou um celular com cmera para fotografar a situao e a enviou a amigos do trabalho, segundo contou revista Forbes28.27

Trends Mobile Phones - International research study on usage habits of camera phones, realizado pelo prof. Dr. Oliver Roll para a consultoria Schneider Kreuznach. O estudo ouviu 950 pessoas de 4 pases (Estados Unidos, Alemanha, ndia e China) e foi divulgado em 1 de fevereiro de 2007.28

Disponvel no site da Forbes, em http://www.forbes.com/technology/2005/07/08/london-camera-phonescx_zs_0708cameraphone.html, acessado em 17/11/2007.

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Imagem 11 Foto tirada por Adam Stacey de dentro do tnel do metr atacado, onde estava preso.29

A foto, com pouca claridade e fora de foco, mostra em primeiro plano o rosto de Stacey, que cobria o nariz e a boca com a gola de sua blusa, e, ao fundo, outros passageiros no interior do trem, visveis pela porta parcialmente aberta. Fosse uma situao comum, ela seria considerada de baixa qualidade. O teor de informao que continha e o timming com que chegou aos olhos do mundo, colocaram a qualidade grfica em segundo plano e a imagem se espalhou viralmente pela internet chegando s mos dos editores dos principais sites de notcias do pas. Outras centenas de fotos feitas pelas cmeras dos celulares das vtimas surgiram e espalharam-se da mesma maneira pela internet, transformando moblogs (rede de blogs atualizados atravs de celulares) e sites de compartilhamento de imagens (como o popular Flickr) em verdadeiras fontes de informao em tempo real.

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Disponvel no moblog do amigo de Adam Stacey, identificado como Alfie, onde foi originalmente publicada, em http://moblog.co.uk/view.php?id=77571, acessado em 17/11/2007. Mais fotos de testemunhas oculares esto disponveis em uma galeria no site da revista Time, em http://www.time.com/time/2005/london/eyewitness/, acessado em 17/11/2007.

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O site da BBC (British Broadcast Company), maior pgina de notcias do Reino Unido, imediatamente pediu que leitores enviassem suas imagens, filmes e relatos 30. Segundo reportagem no prprio site31, a redao da BBC recebeu cerca de 1 mil fotos e 20 vdeos amadores, muitos dos quais includos no site. Pete Cliffon, editor do setor de Interatividade da BBC News, disse que uma imagem do nibus com o teto rasgado nos foi enviada por um leitor dentro de uma hora, e foi nossa principal foto na pgina principal durante grande parte do dia. No dia seguinte, a foto estava impressa nos jornais de todo o mundo. Mais tarde, a imagem seria eleita uma das melhores do ano pela revista Time 32, juntamente com as de outros cidados, como uma de Alexander Chadwick, tambm muito reproduzida (na internet, saiu nos sites da BBC, Estado, MSNBC, Time e New York Times), que mostrava cidados evacuando o vago e andando pelo trilho em direo a uma das estaes.

30

Disponvel no site da BBC, em http://news.bbc.co.uk/2/hi/talking_point/4659237.stm, acessado em 17/11/2007.31

Disponvel no site da BBC, em http://news.bbc.co.uk/2/hi/technology/4663561.stm, acessado em 17/11/2007.32

Disponvel no site da revista Time, em http://www.time.com/time/yip/2005/, acessado em 17/11/2007. a 20 fotografia da galeria.

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Imagem 12 Cidados deixam vago atingido pelos trilhos. Foto feita por Alexander Chadwick, uma das vtimas33.

Vicky Taylor, editor do setor de Interatividade dos sites da BBC News definiu a posio do jornal dizendo que o que estamos fazendo juntar material que jamais poderamos conseguir a no ser que nosso reprter, por acaso, se encontrasse no meio da situao34. De fato, Stacey, Chadwick e os outros que fizeram o mesmo no eram fotojornalistas, mas desempenharam o papel de cidados reprteres. Eles tinham mo uma importante ferramenta: o celular com cmera. Traduziram todo o horror da situao do ponto de vista das vtimas, a que no teramos acesso se contssemos apenas com o trabalho de fotojornalistas. Em entrevista Forbes, Alfie Dennen, o fundador do MoblogUK, disse que sacar os telefones e registrar a situao era basicamente uma responsabilidade natural daquelas pessoas35. Em entrevista Forbes, Alfie Dennen, o fundador do MoblogUK, disse que sacar os telefones e registrar a situao era basicamente uma responsabilidade natural daquelas pessoas.

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Foto de Alexander Chadwick, disponvel no site da edio europia da revista Time, em http://www.time.com/time/europe/photoessays/londonblast/7.html, acessada em 17/11/2007.34

Disponvel no site do MSNBC, em http://www.msnbc.msn.com/id/8502558/, acessado em 17/11/2007.35

Disponvel no site da Forbes, em http://www.forbes.com/technology/2005/07/08/london-camera-phonescx_zs_0708cameraphone.html, acessado em 17/11/2007.

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Esse senso de responsabilidade, que no advm da cobrana de um chefe de redao ou editor, parece ser uma conseqncia natural de um contexto em que os meios de produo (cmeras fotogrficas, neste caso) esto cada vez mais difusos entre cidados, estes acostumados a compartilhar informaes, e em que h canais de comunicao entre cidados e jornais e agncias de notcias muito mais acessveis, como e-mails ou nmeros de telefone que recebem mensagens de vdeo, udio e texto direto de celulares (BRAMBILLA, 2006). 3.4 Caractersticas do celular com cmera no contexto jornalstico Os celulares com cmera tm particulares que lhes garantem status de ferramenta jornalstica e conferem s suas fotos caractersticas particulares dentro do jornalismo. Sua inveno e posterior popularidade impactaram o jornalismo de tal modo que este entrou em uma fase em que a grande maioria de fatos e eventos que despertem interesse pblico dispe de imagens, sejam acidentes, tragdias, denncias ou flagras. luz do que ocorreu na cobertura dos atentados de Londres e de outros casos notveis, este trecho do trabalho aborda estas particularidades, relativas ao aparelho e s imagens que produz, na tentativa de delimitar o papel do celular com cmera dentro do desse ramo do jornalismo. importante ressaltar que, apesar de o foco deste trabalho serem as fotografias, muitos celulares com cmera so capazes de filmar. Portanto, em determinados momentos, so citados vdeos que exemplificam os argumentos apresentados. Em todos os casos, as caractersticas ressaltadas so vlidas tambm para fotografias. 3.4.1 Convenincia Entre as concluses do estudo The Social Life of Cameraphone Images36 est a de que a onipresena de celulares com cmera facilita o registro no planejado de imagens36

The Social Life of Cameraphone Images - Nancy A. Van House e Marc Davis. Califrnia (EUA). In: workshop intitulado Proceedings of the Pervasive Image Capture and Sharing: New Social Practices and Implications for Technology (PICS 2005), realizado na Seventh International Conference on Ubiquitous Computing (UbiComp 2005) em Tquio, no Japo, em 2005. Disponvel em http://people.ischool.berkeley.edu/~vanhouse/Van%20House,%20Davis%20-%20The%20Social%20Life %20of%20Cameraphone%20Images.pdf, acessado em 18/11/2007.

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oportunas. Esta uma das principais vantagens do celular com cmera em relao a cmeras digitais ou analgicas. Os dados apresentados at aqui mostram que a penetrao do telefone celular, tanto no contexto mundial como no brasileiro, alta. Os nmeros mostram tambm que o celular o ponto de convergncia dos aparelhos tecnolgicos e que os usurios tendem a t-lo consigo muito mais freqentemente que qualquer outro eletrnico. Na poca dos atentados ao sistema de transporte de Londres, em 2005, a penetrao dos celulares de segunda e terceira gerao, os capazes de fazer fotos e vdeos, era mais de 80% na Inglaterra37. Nenhum outro tipo de cmera jamais esteve to mo de cidados em situaes que estes julgarem merecer registro. Isso permite que as cmeras cheguem aonde os fotgrafos profissionais no conseguem. Em 12 de janeiro de 2007, um acidente provocou o alargamento de uma cratera utilizada nas obras do metr de So Paulo no bairro de Pinheiros, deixando sete pessoas mortas e causando o esvaziamento de edifcios e casas nos arredores. Quando foi delimitada a rea de isolamento de segurana, fotgrafos no puderam se aproximar para clicar mais de perto o buraco. Bombeiros e policiais que trabalhavam no caso e tinham acesso a reas mais prximas, no entanto, puderam tirar fotos. O ponto de vista que at ento era restrito aos profissionais de segurana e resgate foi estendido populao. 3.4.2 Agilidade Fazer e compartilhar fotografias pelo celular so processos simples e rpidos. Bater uma foto no demora mais que alguns segundos. Cada aparelho e so muitos tem seus mecanismos prprios, mas muitos acionam a funo cmera com apenas alguns comandos, como pressionar uma tecla lateral por alguns segundos ou escolher no menu a funo. Assim, diante de uma cena que queira fotografar, o usurio tem tempo hbil de sacar o aparelho e fazer a imagem antes que alguma autoridade responsvel venha a37

Dados do instituto Gartner citados pela Forbes, disponveis em http://www.forbes.com/technology/2005/07/08/london-camera-phones-cx_zs_0708cameraphone.html, acessado em 17/11/2007.

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perceber e queira lhe impedir. Alm disso, possvel transferir ou enviar a imagem de maneira rpida para e-mails ou outros telefones, o que significa que, se algum lhe tentar tirar o aparelho, a imagem j ter sido replicada. Quando um funcionrio da Editora Abril percebeu o comeo de um deslizamento de terra nas obras do metr ao lado do prdio da empresa, sacou seu celular e conseguiu filmar alguns momentos de desabamento. O gerente de marketing do portal Viaje Aqui, Fred Carbonare, de 23 anos, teve tempo de conectar seu aparelho ao computador, baixar o vdeo e o enviar para um site de notcias antes que o prdio em que trabalhava fosse evacuado. Seu vdeo, de 1 minuto e 2 segundos, foi um dos mais reproduzidos na internet e na televiso, e foi o nico a registrar o momento exato do deslizamento.38

Imagem 13 Momento do desabamento das obras do metr em So Paulo

c) Discrio

38

Vdeo disponvel no site de compartilhamento de vdeos YouTube, em http://youtube.com/results? search_query=metr%C3%B4+desabamento&search=Search, acessado em 19/11/2007.

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O primeiro celular da histria pesava 794,16 gramas e foi apelidado de tijolo.39 Os aparelhos de hoje em dia no so mais assim. O celular mais fino do mundo, atualmente, o modelo Ultra Edition 5.9 da Samsung, tambm chamado de U100, que possui apenas 5,9 mm de espessura e pesa 57 gramas40.

Imagem 14 Ultra Edition 5.9, da Samsung: o celular mais fino do mundo

J o menor do mundo o chins Xun Chi 138, que tem 6,7 cm de altura, um pouco maior que uma pilha AA, e pesa 55 gramas. Ambos tm cmera: o primeiro, de 3.2 megapixels, e o segundo, de 1,3 megapixels.

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Matria do site IDG Now!, no lbum de fotos intitulado Evoluo do celular, em http://idgnow.uol.com.br/galerias/idgphotoalbum.2006-02-03.9367726313/paginador/pagina_1, acessado em 18/11/2007.40

Dimenses do aparelho disponveis no site da Samsung, em http://pt.samsungmobile.com/wcms/products/phones/phonedata/specification/PT-SGH-U100.jsp, acessado em 19/11/2007.

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Imagem 15 Xun Chi 138, o menor celular do mundo.

Nem todos os aparelhos so to finos ou to pequenos, mas as dimenses mdias dos celulares com cmera disponveis no mercado permitem que sejam carregados no bolso de uma cala sem chamar a ateno. Isso garante ao aparelho uma vantagem grande em situaes em que far o papel de cmera escondida. Por ser um instrumento primariamente dedicado comunicao telefnica, e no funo de mquina fotogrfica, o celular com cmera goza maior acessibilidade que cmeras fotogrficas em locais pblicos e privados. Proibir o porte de um aparelho de comunicao pessoal parece uma medida muito autoritria de segurana de informao. Ainda que haja uma proibio do gnero, as dimenses discretas dos aparelhos tornariam difcil a identificao de quem carrega um aparelho sem revista corporal o que acarretaria outra srie de questes legais. At pouco tempo, o poder espio do celular no era totalmente reconhecido. Em 30 de dezembro de 2006, um indivduo furou o isolamento imposto aos fotgrafos e registrou em vdeo (e com udio) a morte ex-lder iraquiano Saddam Hussein com seu celular. Ao contrrio de um vdeo oficial, que no tinha som e mostrava o ex-lder iraquiano sendo levado forca de forma respeitosa, as imagens chocantes (estas com som) mostraram Saddam sendo provocado e trocando insultos com pessoas presentes execuo. E apesar de a priso de um suspeito ter sido anunciada em pouco tempo (quatro dias depois, em 3 de janeiro de 2007), logo depois (no dia 9 de janeiro do

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mesmo ano) surgiu um novo filme, este mostrando o cadver do executado a que certamente nenhum jornalista teve acesso ou permisso de registrar com uma sangrenta ferida no pescoo. A mesma brecha permitiu que um funcionrio do CDP (Centro de Deteno Provisria) de Hortolndia (SP) fotografasse e divulgasse armas brancas, drogas, celulares e outros objetos encontrados durante uma inspeo e que um empregado do IML (Instituto Mdico Legal) de So Paulo, fotos dos corpos carbonizados das vtimas do acidente com o avio da TAM em julho de 2007.

Imagem 16 Objetos encontrados na revista realizada em 2006 no CDP de Hortolndia (SP). O autor, funcionrio do centro, pediu ao FotoReprter que sua identidade fosse mantida em sigilo.

As reaes mais ou menos radicais aos celulares com cmera noticiadas pela mdia indicam que esse quadro tende a mudar no futuro. Em 27 de outubro de 2007, data de uma audincia do processo de disputa da guarda dos filhos da cantora norte-americana Britney Spears, em Los Angeles, fotgrafos foram expulsos do local e os celulares dos presentes foram confiscados era expressamente proibido fotografar ou filmar a sesso. Em junho deste ano, diante de uma onda de violncia no pas, o Conselho Constitucional da Frana aprovou uma lei que transforma em crime o ato de uma pessoa que no seja jornalista profissional filmar ou divulgar atos de violncia, provocando revolta entre grupos de direitos civis. A pena para os infratores pode chegar a mais de cinco anos de cadeia e uma fiana de 75 mil euros, sentena que chega a ser maior que a aplicada a quem comete atos de violncia. A lei foi proposta pelo ento Ministro do

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Interior, Nicolas Sarkozy, atual presidente francs.41 Na poca em que a lei foi aprovada, o pas sofria com uma onda de violncia resultante dos conflitos entre policiais e jovens que protestavam contra uma lei que diminua a estabilidade dos trabalhadores jovens. preciso encarar o fato de que, mesmo assim, diante das possibilidades de troca de arquivos pela internet, completamente ineficiente qualquer tentativa de controle sobre a circulao de contedo sejam informaes, textos, imagens ou sons. As batalhas judiciais das apresentadoras Xuxa e Daniela Cicarelli contra a divulgao de imagens indesejadas pela internet so exemplos claros da falta de controle das leis e autoridades sobre a rede dentro de regimes democrticos. A primeira tenta impedir a divulgao de material ertico do incio de carreira, como fotos para revistas masculinas e um filme em que contracenou com um garoto menor de idade, e parecia ter obtido sucesso com a proibio de venda de revistas durante a dcada de 90. Nos anos seguintes, porm, com a popularizao de sites de leilo, onde revistas velhas podem ser vendidas por quem as comprou e guardou, e de compartilhamento de imagens e vdeos (principalmente o YouTube, em 2004) reacendeu o assunto e desencadeou novos processos. J Cicarelli, flagrada por um paparazzi em uma praia da Espanha enquanto aparentemente fazia sexo com seu namorado, chegou a obter na justia uma ordem que tirou o YouTube do ar no Brasil durante algumas horas (pouco mais de um dia). Alm de se tornar alvo de fortes crticas da comunidade de usurios de internet brasileiros e enfrentar acusaes de censura, a apresentadora no conseguiu coibir a circulao do vdeo, que foi livremente reproduzido em blogs e outras pginas de compartilhamento de vdeo menos populares que o YouTube. 3.4.3 Amadorismo A qualidade de imagem oferecida pelos celulares com cmera , em mdia, menor que a das cmeras digitais. Quando a comparao entre a mdia de resoluo das cmeras de celular pertencentes a cidados com cmeras digitais profissionais de fotojornalistas, a disparidade ainda maior.

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Texto do projeto de lei, em francs, est disponvel em http://ameli.senat.fr/publication_pl/20062007/252.html.

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Uma das conseqncias que raramente um celular com cmera usado por um jornalista para registrar algum fato que esteja cobrindo, a no ser que este seja pego de surpresa e o celular seja a nica cmera disponvel. Sempre que for preciso fazer uma cobertura fotogrfica e isso for premeditado, o fotojornalista ir preparado com sua cmera profissional. Sendo assim, a maior parte das fotos jornalsticas feitas por celular de autoria de cidados no treinados em tcnicas jornalsticas ou fotogrficas. Alm disso, ao contrrio das cmeras digitais, cujo formato pensado para facilitar a o processo de fotografar, difcil manter o celular estvel ou enquadro a cena registrada, o que resulta em imagens tremidas, fora de foco e mal enquadradas, em maior ou menor intensidade, de acordo com o nervosismo, a afobao ou o posicionamento do fotgrafo. Isso serve inclusive como um filtro que ajuda a delinear a diferena de papis do fotojornalista e do cidado foto-reprter. Esse amadorismo confere s fotos de celular a veracidade tradicionalmente atribuda a todo tipo de contribuio amadora. A falta de qualidade e adequao sugere que a foto no passou por tratamento nem manipulaes. A impresso de que se trata de um material bruto, cru, sem edio. A sensao semelhante de presenciar uma cena a olho nu. Isso aproxima o observador de uma experincia de testemunha ocular.

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4 - Jornalista e cidado-reprter: o que distingue um do outroO jornalismo colaborativo suscita entre a comunidade jornalstica reaes de empolgao e tambm de repdio. Os entusiastas do modelo argumentam que esta uma ramificao natural do mercado diante de um contexto mundial em que a troca de informaes entre cidados comuns atinge nveis nunca antes vistos, e onde no h o menor controle sobre a produo ou a difuso de contedo, inclusive de informao. Por outro lado, os desfavorveis falam sobre a desprofissionalizao do jornalismo, e lembram que o incentivo a um modelo que conta com a colaborao voluntria e no remunerada ou muito barata pode significar um enxugamento das redaes com a diminuio dos j escassos postos de trabalho e reduo dos salrios. Durante um evento promovido pela Associao de Reprteres Fotogrficos e Cinematogrficos do Estado de So Paulo (ARFOC-SP) em 29 de maio de 2007, Juca Varella, editor do canal de fotojornalismo colaborativo Foto Reprter, do Estado de S. Paulo, e Rubens Chiri, presidente da ARFOC-SP, expuseram os dois lados de maneira clara. Varella apresentou o Foto-Reprter, programa pioneiro de fotojornalismo colaborativo no Brasil, o qual ser exposto e analisado de acordo com os conceitos apresentados at aqui no ltimo captulo deste trabalho. Varella apresentou casos notveis e falou sobre o fato de a tendncia da onda colaborativa no poder ser impedida e da necessidade de o mercado se posicionar a respeito. J Chiri apresentou a viso receosa dos fotojornalistas profissionais em relao onda colaborativa. Ele v como perigoso o que considera fazer com que a sociedade supra e incapacidade das empresas jornalsticas de manterem uma equipe de fotgrafos suficientemente numerosa em relao demanda por cobertura. Chiri falou sobre a necessidade de reserva de mercado diante do perigo do que chamou de profissionalizao do amador, que consiste na formao de um mercado de fotgrafos amadores dispostos a explorar essa brecha do mercado fotojornalstico por remuneraes inferiores s dos fotgrafos profissionais.

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De fato h semelhanas entre o trabalho do profissional do fotojornalismo e o clique do cidado-reprter. No entanto, os resultados de ambos tm valor diferente, o que fica evidente nas escolhas editoriais, como numa disputa pelo espao nobre da capa do jornal, por exemplo. Segundo Sousa, o fotojornalista profissional, quando chega diariamente ao seu local de trabalho, raramente sabe o que vai fotografar e em que condies o vai fazer." Ainda assim, o fazer fotojornalstico exige sempre algum estudo da situao e dos sujeitos nela intervenientes, por mais superficial que esse estudo seja. O foto-reprter cidado, por outro lado, muito raramente sai de casa pronto para registrar alguma situao. Sua figura a da pessoa certa no lugar certo: a pessoa que presencia algo de interesse pblico e dispe de uma cmera no bolso. Essa cmera pode tanto ser uma digital (as atuais so pequenas e leves, e h pessoas que tm o hbito de carregar as suas consigo freqentemente) quanto uma de celular. No entanto, o segundo tipo de cmera muito mais propcio a flagrar situaes inesperadas. Sobre o trabalho do fotojornalista, Sousa diz:"Os fotojornalistas necessitam de reunir intuio e sentido de oportunidade quer para determinarem se uma situao (ou um instante numa situao) de potencial interesse fotojornalstico, quer para a avaliarem eticamente, quer ainda para a representarem fotograficamente. (...). [o fotojornalista] Tem de discernir a ocasio em que os elementos representativos que observa adquirem um posicionamento tal que permitiro ao observador atribuir claramente mensagem fotogrfica o sentido desejado pelo fotojornalista. Em princpio, o foto-reprter [chamado neste estudo de fotojornalista] dever ainda procurar evitar os elementos que possam distrair a ateno, bem como aqueles que so desnecessrios ao bom entendimento da situao representada."

Ainda sobre a tica, ele continua:o fotojornalista consciente, enquanto ser humano inquieto, deve sempre interrogar-se quando explora temas violentos: Ser o acontecimento fotografado de