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  • 7/27/2019 Celso Frederico

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    Recepo:

    divergncias metodolgicasentre Adorno e Lazarsfeld

    C E L S O F R E D E R I C O *

    * Proessor da -Pe bolsista do Pq. ntreoutras obras publicou: O

    jovem Marx(ortez: 1995);Lukcs, um clssico do

    sculo XX(oderna: 1997);Marx, Lukcs: a arte na

    perspect iva ontolgica, (d.F: 2005);Materialismoe dialtica. Marx entre

    Hegel e Feuerbach (emcolaborao com enedictorthur ampaio, d.F: 2006); Sociologia dacultura. Lucien Goldmann

    e os debates do sculo XX(ortez: 2006).celsof @usp.brcelsof @usp.br

    RESUMOazarseld convidou dorno para, juntos, realizarem uma pesquisa sobre a audio

    de msica no rdio. ada deu certo, tornando a colaborao impossvel. a raiz da

    discrdia est a divergncia entre a metodologia uncionalista de azarseld e a teoria

    crtica de dorno. ste criticava no primeiro o apego imediatez da escuta, sem levar

    em conta a categoria dialtica da mediao.

    Palavras-chave: empirismo, dialtica, mediao, rdio, msica

    ABSTRACTTis paper discusses the meeting that took place between Paul F. Lazarseld and Teodor

    W. Adorno, who were working together to come up with a research about music listening

    through the radio. Te attempt to reconcile merican empiricism with uropean

    theory, proved to be, however, impossible. uring the research, the diferences be-

    tween azarselds positivistic procedures and dornos dialectics became an obstacle

    to the projects completion. Tis episode came to be one o the twentieth century most

    ascinating chapters on the debates about methods in communication studies.

    Key words:empiricism, mediation, dialectics, radio, music.

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    158 MATRIZes N. 2 abri l 2008

    Recepo: divergncias metodolgicas entre Adorno e Lazarsfeld

    LAZARSFELD:DO AUSTRO-MARXISMO PESQUISA ADMINISTRATIVA

    Lazarseld nasceu em Viena e l militou no movimento estudantil socialista. Oaustro-marxismo, que ento era hegemnico entre os partidos de esquerda,acreditava que a classe operria chegaria ao poder atravs do voto e no darevoluo social. perspectiva de conquistar o governo pelo voto e gerir ostado capitalista, ps m ao ativismo revolucionrio. antigo militante

    voltado agitao e propaganda oi substitudo pelo quadro burocr-

    tico preocupado com as tcnicas de gesto. necessidade de inormaes

    tornava-se vital para orientar a ao dessa nova esquerda, principalmente aspesquisas eleitorais que, ento, eram uma novidade. onhecer a disposio

    dos eleitores e, a partir da, inuenci-los, passou a ser um objetivo perseguidopelos partidos e sindicatos.azarseld, militante de esquerda, proundo conhecedor das tcnicas de

    estatstica, versado em psicologia, logo se interessa pelas pesquisas de opinio.Premido pelos baixos salrios da universidade, Lazarseld criou um centro

    de investigao para azer pesquisas de mercado, o que na poca tambm eranovidade.

    m suas memrias ele lembra que a primeira pesquisa oi sobre as

    razes que levam as pessoas a escolher uma determinada marca de sabo. realizao dessa pesquisa deu-lhe a convico da equivalncia metodolgica

    entre o voto socialista e a compra de sabonetes (azarseld, 1969: 279). Poressa rase, pode-se perceber que a sociologia, para ele, deve concentrar-se

    nos processos de escolha e que a deciso ocorre independentemente doscondicionamentos sociais e dos contedos. anto az voto socialista ou comprade sabo: o mtodo tornou-se autnomo e, conseqentemente, a ormulaoda pesquisa torna-se independente dos contedos aos quais aplicada.

    mtodo, sendo cientfco e, portanto, neutro, paira sobre todos os objetos eos enquadra. omo um passaporte universal, ele permite ao conhecimentoentrar em qualquer territrio e capturar o objeto. uma chave que abre todasas portas.

    Por outro lado, a compra do sabo e o voto socialista so equivalentes:so escolhas livres do cidado-consumidor, cujos critrios passam a ser o objetopreerencial da sociologia. A sociologia, portanto, no estuda mais as estruturassociais e suas ormas de dominao, e sim as aes individuais.

    sucesso alcanado pelo autor despertou a ateno da Fundao

    ockeeller que lhe concede uma bolsa de estudos nos stados nidos em

    1933. ois anos depois, a situao poltica na ustria agrava-se, obrigando-oa permanecer nos .

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    EM PAUTA

    m 1937, azarseld convidado para estudar o eeito do rdio sobre oouvinte e suas pesquisas tornaram-no conhecido como o pai undador dos

    estudos de comunicao de massa (Cf. orrison, 1978).Nesse momento, havia uma grande preocupao sobre os eeitos dos meios

    de comunicao de massa. lembrana da guerra e da ascenso de itler

    somavam-se s questes da poltica interna americana. A eleio do democrataoosevelt deveu-se em grande parte ao rdio. omo os republicanos controla-vam a imprensa, oosevelt ez sua campanha baseada no rdio e surpreendeua todos com sua inesperada vitria.

    poltica americana, j a partir da dcada de 30, aponta uma insus-

    peitvel semelhana que a aproximava da estratgia dos austro-marxistas,

    porm levando-a s ltimas conseqncias, ato certamente percebido porLazarseld. substituio da mobilizao popular pelo procedimento ad-ministrativo e gerencial, deendida pela esquerda na ustria, encontrava suacompleta realizao no pragmatismo americano. egundo a observao deichael Pollack:

    ... a poltica (politics) como atividade de argumentao e de mobilizao de massas

    abandonada progressivamente e substituda pelapolicy making, a elaborao

    cientfca e a opo entre solues alternativas a problemas isolados, uma ati-

    vidade apresentada como tcnica e reservada a elite (Pollack, 1979: 48).

    merge,ento,um novo tipo de pesquisa que pretende abolir os limitesentre atividade poltica e atividade cientfca, aspolicy sciencies (idem, ibidem). reorma social, propagada pelo New Deal, lanou verbas milionrias para aspesquisas cuja prioridade seriam as atividades de coleta de dados e de traduodas pesquisas empricas em receitas administrativas (idem, ibidem).

    sse o contexto em que surge

    a importncia de publicar manuais de metodologia e sua conseqente proliera-

    o. sociologia no deveria somente emancipar-se da flosofa mas, tambm,

    deveria proporcionar especialistas da gesto racional para a administrao e

    para as empresas (Pic, 1998: 19).

    sse esprito pragmtico e aparentemente neutro contaminou a socio-

    logia e oi exportado para o resto do mundo. azarseld, nos anos 50 e 60, oifgura chave nesse Plano arshall intelectual que criou, segundo Pollack,uma multinacional cientfca as anlises sobre a estrutura da sociedade,acusadas de serem ideolgicas, oram substitudas pelas tcnicas neutras

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    Recepo: divergncias metodolgicas entre Adorno e Lazarsfeld

    e racionais do empirismo sociolgico. teoria da sociedade, uma vez mais,cedeu espao estatstica.

    ADORNO E A DEFESA DA DIALTICANo texto em que relembra seu exlio nos Estados Unidos, Adorno (1995) observaque h duas ormas dierentes de se entender o mtodo na sociologia. tradi-o europia aproxima mtodo de epistemologia. esse registro, urkheimala das regras do mtodo sociolgico e Weber concebe suas tipologias. tradio emprica americana, empenhada em cortar os laos com a flosofa,entende mtodo como tcnica de pesquisa, procedimentos ormais adotadosnas investigaes empricas. A divergncia de Adorno com Lazarseld insere-se

    nessa dierena de compreenso do mtodo nas cincias humanas. Em diversosmomentos de sua extensa obra, dorno voltou a reetir sobre a experinciaamericana para assinalar suas dierenas com os procedimentos empiristas.

    onvm, agora, explicit-las.Adorno tem conscincia que a derrota sorida pela concepo europia

    de metodologia uma tendncia inevitvel no capitalismo moderno, to

    bem exempliicada pelo empirismo reinante nos stados nidos. m suaspalavras, a vitriadas cincias de orientao positivistasobre a especulaooi tambm o resultado de tendncias do desenvolvimento, ou da prpriarealidade, contra a qual no tm valor as a irmaes voluntrias em sentido

    contrrio (Horkheimer & Adorno, 1973a: 122). Quando voltou Alemanha,depois do perodo de exlio, Adorno deparou-se com o pensamento vigenteque considerava a sociologia como uma cincia do esprito. esse mo-mento, az uma deesa parcial do empirismo americano, considerado ummtodo mais adequado para retratar uma sociedade em que os homens

    oram reduzidos a nmeros. , mais que isso, a conduta humana dotadade sentido, tal como aparecia em ax Weber, teria deixado de existir nasociedade manipulada em que a ao dos homens passou a ser apenas umareao aos estmulos. empirismo surge a como o espelho de edusade uma sociedade simultaneamente atomizada e organizada de acordo comalguns princpios classiicatrios abstratos: os da administrao (Adorno,1973b: 124).

    em por isso dorno deixa de denunciar a capitulao do pensamento realidade emprica, um pensamento que se limita a duplicar a realidade reifcadaem vez de dela separar-se para exercer a crtica do existente. ais caractersticasse frmaram no s contra a especulao (a razo dialtica) como tambmcontra a sociologia clssica. a o apego aos atos e a renncia investigaodo sentido social, da essnciados enmenos estudados.

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    EM PAUTA

    sse desejo de objetividade a ser garantido pelos atos, entretanto, no

    se realiza.

    pesquisa emprica, argumenta dorno, acaba se xando apenas nasopinies expressas nas respostas a questionrios. esse modo, as condiesem que os homens vivem, as unes objetivas que desempenham no processosocial, so substitudas por seu reexo subjetivo (Horkheimer & Adorno, 1973a:124). coleta de dados e o tratamento estatstico no conseguem apreender astendncias sociais, mas apenas congel-las nas insufcientes mdias. pres-suposto segundo o qual science is measurement(cincia medida) reproduz oprprio limite da matemtica: abstrato, nada diz sobre a verdade do social. estatstica, diz dorno, no pode estabelecer o que um grupo de presso

    e s a reexo sobre a distribuio eetiva das relaes de ora dentro da so-ciedade poder oerecer inormaes a tal respeito (orkheimer & dorno,1973a: 125).

    aspirao empirista ao conhecimento objetivo, por outro lado, acabarestringindo-se objetividade do mtodo e no dos enmenos estudados.

    ma categoria como conservadorismo, diz dorno, denida mediante

    determinados valores numricos das respostas s perguntas determinadas nocurso da prpria pesquisa e propostas por ela mesma. ssim, sanciona o pri-mado do mtodo sobre o objeto.Estamos, portanto, perante um instrumentode investigao que decide em virtude de sua prpria ormulao, o que o

    prprio objeto em suma, um crculo vicioso (dorno, 1973b: 125). om isso,patenteia-se a predominncia das questes de mtodo sobre as de contedo.

    procedimento emprico caracteriza-se pela sua extrema generalidade enos apresenta a imagem de uma sociedade homognea, sem fssuras internas econtradies, em que o geral se sobrepe aos particulares e as opinies tornam-se equivalentes. Desse modo, apenas duplica a unidade de uma sociedade indi-vidualista que leva os dispersos interesses dspares dos indivduos rmulaunitria de sua opinio (idem: 86).

    empirismo, com esse procedimento atomista, pode no mximo che-gar a conceitos gerais classifcatrios sem atingir a dinmica que rege a vidasocial. Para tanto, a dialtica, desejosa de romper com o also isolamento dosindivduos-tomos e da correspondente viso de uma generalidade abstra-

    ta, reivindica a totalidade conceito estruturador da prpria realidade e dopensamento.

    Falar em totalidade, para o pensamento pragmtico do empirismo

    reerir-se a uma abstrao, um jargo de flsoos metasicos. Mas no dicilcompreender como, de ato, existe uma totalidade e como ela se impe nossavida cotidiana. prprio dorno nos oerece um exemplo. le diz: para saber

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    Recepo: divergncias metodolgicas entre Adorno e Lazarsfeld

    o que um operrio preciso antes saber o que a sociedade capitalista.

    m olhar imediato apenas constata que aquele indivduo um trabalhador.

    as, como tal, ele no se distingue de outros trabalhadores, como o escravo eo servo da gleba, personagens do mundo escravista e eudal. Mas, tambm, nose distingue de um trabalhador autnomo da sociedade capitalista. omenteum conhecimento prvio da totalidade (a sociedade capitalista), aquela em

    que vigora o trabalho assalariado, permite defnir com exatido o que vem aser um operrio.

    dierena em relao ao empirismo positivista torna-se aqui eviden-te. ele, a pesquisa avana dos elementos mnimos, os atores sociais, as

    partes, para, atravs da ordenao e classifcao do material, se chegar ao

    conhecimento. egundo dorno, esse o resultado de um conhecimentoque renega a estrutura de seu objeto em homenagem prpria metodologia(idem: 123).

    dialtica, ao contrrio, busca explicitar as conexes entre as partes e otodo e o az num sentido inverso do positivismo. prioridade do todo sobreas partes, por sua vez, no signifca que aquele seja um dado prvio, imvel,uma fgura fxa. rata-se, isto sim, da compreenso de que a sociedade umprocesso e, por isso, no pode ser captada imediatamente. vinculaode dorno com egel evidente quando o nosso autor critica a imediatez.Hegel, numa passagem clebre da Filosofa da religio, afrmou que no h saber

    imediato e que a mediao no um articio do pensamento, mas elementoconstitutivo e integrador da realidade. ukcs de Histria e conscincia declasse, outra importante onte de dorno, observa, a respeito, que

    ... a categoria da mediao como alavanca metodolgica para ultrapassar a sim-

    ples imediatidade da experincia no , portanto, algo importado do exterior

    (subjetivamente) para os objetos (...) amaniestao de sua prpria estrutura

    objetiva (ukcs, 1974: 182).

    dentro desse esprito que dorno ormula suas idias para uma socio-logia da arte. e esta estuda o conjunto das relaes entre arte e sociedade, nodeve isolar nenhum aspecto como, por exemplo, o eeito da obra de arte sobreo receptor, j que o eeito apenas um momento na totalidade. Portanto,

    observa dorno:

    ... os eeitos das obras de arte, das ormaes espirituais de um modo geral, no

    so algo absoluto e ltimo, seriam sufcientemente determinados pela reerncia

    ao receptor. Pelo contrrio, os eeitos dependem de inmeros mecanismos de

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    EM PAUTA

    diuso, de controle social e de autoridade, e, por fm, da estrutura da sociedade,

    dentro da qual podem ser examinados seus contextos de atuao. ependem

    tambm dos estados de conscincia e inconscincia que so socialmente deter-minados daqueles sob os quais o eeito se exerce (dorno, 1986: 108).

    s relaes entre mediao e imediatezesto no centro das die-

    renas que tornaram impossvel a colaborao de dorno com Lazarseld,

    pois, ao reivindicar o estudo simultneo dos elos que compem a totalidade (aestrutura da sociedade), dorno adere ao conceito de mediao entendidorigorosamente no sentido hegeliano. ssim sendo, arremata, a mediao

    est na prpria coisa, no sendo algo acrescido entre a coisa e aquelas s quais

    ela aproximada (idem: 114). audio da msica, segundo esse raciocnio,no um ato que possa ser isolado pela anlise: uma experincia mediadapor toda a vivncia social.

    THE PRINCETON RADIO RESEARCH PROJECT

    Entender a reao dos ouvintes diante da msica clssica tocada nas estaes derdio a preocupao central do projeto que aproximou dorno de azarseldno perodo 1938-1941.

    O tema tinha ento uma importncia capital: de um lado, o rdio ainda erauma novidade e, portanto, um desafo para os socilogos; de outro lado, 60%

    da programao do rdio, na poca, era ocupada pela msica. a o interesseda Fundao Ford em fnanciar o projeto e, com ele, tentar captar recursos comas emissoras. ssa conjuno de atores, exemplifca o casamento de interessesentre as corporaes econmicas e o saber acadmico.

    Como pesquisar a reao dos ouvintes da msica clssica transmitida

    pelo rdio? eguiu-se o procedimento habitual da sociologia emprica: um

    grupo de pessoas selecionado e submetido a testes. azarseld inventou umaparelho, o Program Analyser, para detectar e medir a reao dos ouvintes. souvintes, postos numa situao experimental enquanto ouviam msica pelordio, maniestavam, de orma imediata, sua reao. O aparelho continha doisbotes: likes e dislikes, que eram acionados durante a audio para maniestaragrado ou desagrado. Em seguida, os ouvintes eram entrevistados e convidadosa verbalizar suas opinies.

    ste o cenrio em que dorno chamado para colaborar. Para enten-der o racasso da empreitada, preciso lembrar, antes de mais nada, que as

    divergncias epistemolgicas levaram os autores a encarar de maneiras opostasum dos elementos centrais do processo de comunicao: azarseld prioriza arecepo; dorno, o momento da produo.

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    164 MATRIZes N. 2 abri l 2008

    Recepo: divergncias metodolgicas entre Adorno e Lazarsfeld

    RECEPO E IMEDIATEZAdorno no pode aceitar o dado emprico imediato (a reao do ouvinte) como

    ponto de partida dos estudos de comunicao e, muito menos, que se dispensea presena de uma teoria da sociedade para interpretar os dados.

    Por pensar assim, dorno acredita que o dado imediato (no caso que

    nos interessa: a reao do ouvinte) no um ponto de partida e nem pode sero ponto de chegada da pesquisa. reao do ouvinte algo condicionado:pressupe a totalidade e todas as suas mediaes, isto , a sociedade historica-mente determinada.

    Entende-se, assim, a recusa de Adorno diante das propostas de Lazarseld. relao do indivduo com o rdio ou com a televiso, segundo dorno, no

    pode ser vista como uma relao imediata. pesquisa, portanto, no deve serestringir a esse primeiro momento, porque esse primeiro momento (o imedia-to), um also comeo ele o resultado de um processo, de um conjunto demediaes. muitas mediaes atrs desse objeto alante que o rdio. Poroutro lado, o homem, como ser social, no est sozinho perante o aparelho. totalidade (sociedade) est presente para mediar essa relao: relao do

    indivduo com o aparelho, da sociedade com o aparelho e com o indivduo. sociedade se az presente no prprio indivduo, na sua insuspeitvel intimidade.la condiciona sua atitude perante a msica transmitida pelo rdio.

    o se deve, segundo dorno, partir do indivduo e de sua reao ime-

    diata, pois esta no imediata e nem espontnea, mas determinada por di-versos atores, e sim rastrear os condicionamentos e as mediaes que, afnal,permitem explicar as reaes dos ouvintes. O dado emprico captado de ormaimediata (a reao do ouvinte), no se explica sozinho ele mediado e me-diador. Para estud-lo, no basta registrar sua imediatez, tomando-a como umdado congelado. comportamento do ouvinte de rdio no pode ser isolado:ele reete amplos esquemas de comportamento social que, por sua vez, socondicionados pela estrutura da sociedade. Para captar esse comportamentodo ouvinte preciso, antes de mais nada, uma teoria geral que incorpore todasas mediaes. dorno, ento, props uma teoria social do rdio, um estudosobre a sionomia do rdio e no apenas sondagens sobre a opinio dos

    ouvintes como pretendia azarseld.Quando se ala em fsionomia vem lembrana imediatamente as idias

    de ombroso. Por fsionomia, esse autor entendia o estudo das propriedadesmentais a partir da fsionomia do indivduo. O criminoso apresenta evidnciassicas que explicariam o seu comportamento. Nessa viso determinista, e hojedesacreditada, na prpria estrutura do crebro do assassino j se pode constataras inclinaes que predispem ao homicdio. ratava-se de estudar, na

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    EM PAUTA

    renologia, a compleio do crebro para descobrir o segredo do comportamentohumano. frma-se, assim, a coincidncia entre o exterior e o interior, o corpo

    e a alma, o elemento sico objetivo, observado pelo criminalista, e o aspectosubjetivo, as disposies psquicas.

    As relaes entre aparncia e essncia esto ortemente presentes na tradi-o dialtica e elas se reproduzem nas tentativas de se compor uma fsionomia seja a do rdio, como queria dorno, seja a das cidades, como aparece nosestudos de Walter enjamin sobre Paris.

    idia de elaborar uma fsionomia era um tema que esteve no ar nas d-cadas de 20 e 30. Adorno se reere aos estudos dos psicanalistas Sndor Ferenczie iegried erneld, mas esqueceu-se de citar recht que, em sua teorizao

    sobre o teatro pico, coneria um papel central aogestus. o teatro brechtiano,o gesto era um momento em que o social se maniesta. ada poca, diziaele, tem uma linguagem gestual prpria que est presente no comportamen-to humano. Brecht separa o gesto automtico, a mera gesticulao (coar a

    cabea, espantar uma mosca), do gesto social, aquele que relevante para asociedade, que deixa inerir concluses sobre a situao da sociedade. ose trata, pois, de uma determinao natural, como na renologia, mas de umarticio artstico para concentrar na expresso acial e corporal os interessessociais subitamente estampados no semblante do personagem a revelao

    involuntria de uma verdade.

    A expresso fsionomia, tal como empregada por Adorno, contrape-se renologia naturalista e psicologia, pois no quer se limitar ao indivduo,mas, como haviam eito seus predecessores, unir elementos objetivos e subje-tivos. Uma das ontes de Adorno so os estudos de Benjamin sobre Paris. Mas,ao contrrio deste, quando ala em fsionomia no pensa na imagem, mas nosom emitido pelo rdio, na expresso da voz radionica. Esse objeto parti-cular, a voz do rdio, visto como um espelho que reete, involuntariamente,as contradies da sociedade. A fsionomia do rdio deve dar conta do rostocomo expresso da alma os atores subjetivos, aparentemente imediatos e

    visveis, e os bastidores recnditos, os atores objetivos da engrenagem industrialda sociedade capitalista. objetivo de dorno mostrar que a voz do rdio,esse objeto particular de pesquisa, esconde/revela a verdade de uma totalidadealsa. endo assim, o autor no quer se limitar a estudar o material oerecidopelo rdio, mas captar as caractersticas do enmeno-rdio como tal, privadode qualquer contedo particular ou material (Adorno, 2006: 77). Um exemplosimples: um indivduo entra em seu quarto e o rdio est ligado. le, primeira-mente, ouve o som antes de ser capaz de perceber o contedo da transmisso(idem: 78). O procedimento de Adorno semelhante ao daquele indivduo, pois

    . idia de que o rosto o espelho da alma, ou queaparncia e essncia coin-cidem, no pode ser aceitapela dialtica. mbertoco, com seu conhecidosenso de humor, lembraque, na Fenomenologia,egel insurgiu-secontra esse determinismo

    vulgar, observando, numadivertida passagem, quea renologia natural no

    pensa somente que umhomem perspicaz devater atrs das orelhas umaprotuberncia grandecomo um punho, mastambm que a esposa inieldeva ter, no propriamenteem si mesma, mas noseu legtimo cnjuge,protuberncias rontais. ilsoo, segundoco, procurou em seutempo denunciar como odiscurso sobre o crnio ea isionomia poderia levar

    a marcar um indivduo ouuma raa para sempre, semlevar em considerao asaes e as variaes da his-tria (, : -).

    . obre a gestualidadeno teatro de recht, verornheimer, : -e ameson, : -.

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    166 MATRIZes N. 2 abri l 2008

    Recepo: divergncias metodolgicas entre Adorno e Lazarsfeld

    depara com o enmeno do rdio, o ato dele estar alando para indivduo,antes que ele possa entender o signifcado do material transmitido.

    voz do rdio sua prpria voz, diz dorno. Cabe ao pesquisadorentender como esse fltro aeta o ouvinte. Ao contrrio de Lazarseld, portanto,que queria iniciar a pesquisa entrevistando os ouvintes e recolhendo suas opi-nies. Focar o estudo na voz do rdio o caminho para se entenderem nos as especifcidades desse meio de comunicao, mas tambm se iluminaremas oras e processos sociais que esto atrs do enmeno observado, atrsdo rdio e que governam sua ala.

    ada poderia ser to oposto ao projeto de Lazarseld. clareza per-

    seguida pelo empirismo substituda pelas sombras da razo especulativa.

    s categorias que orientam a anlise fsionmica permanecem numa zona depenumbra e indeterminao, ato que chocou os interlocutores de dorno.ais categorias no so denidas a priori, de orma cristalina e sistemtica,

    pois, segundo dorno

    ... ns no sistematizamos o que deve ser desordenado. s no queremos or-

    denar o que deve ser desordenado. s no queremos harmonizar o que deve

    ser discordante. osso conjunto de categorias pode conter contradies, mas

    ns sustentamos que essas contradies no so alhas de um enoque (...) ns

    sustentamos que essas contradies nas categorias expressam as contradies

    do material tratado e, em ltima instncia, contradies de nossa sociedade(dorno, 2006: 147).

    Esse pensamento sistematicamente assistemtico, em sua recusa da iden-tidade, estende-se assim para o prprio campo das categorias. Essas no devemduplicar o real, mas, ao contrrio, penetrar em sua aparncia e revelar a verdadesocial escondida. oa parte das categorias mobilizadas pelo autor retomam aobra de enjamin fsionomia, aura, reprodutibilidade tcnica etc. o poracaso, no incio de sua pesquisa sobre o rdio, dorno lhe enviou uma cartaperguntando sobre os modelos de audio que ele havia desenvolvido na

    lemanha no incio dos anos 30.m relao ao legado terico de enjamin, alguns pontos devem ser as-

    sinalados. teoria benjaminiana sobre a reprodutibilidade tcnica reere-se

    basicamente s artes plsticas e, especialmente, ao cinema. ssa teoria vitalpara a argumentao de dorno, mas no poderia ser diretamente aplicada msica, pois esta no se baseia na reprodutibilidade tcnica. ela, o originalno mais autntico que sua reproduo, j que a msica s existe ao ser

    reproduzida. Mas, o rdio deorma o sentido original da msica. Portanto,

    . . uller-oohm,: . autor escla-

    rece que esses modelos deaudio oram desenvol-

    vidos em analog ia com oteatro pico de recht: seuobjetivo era didtico e que-ria combater a mentalidadede consumo rente ao novo

    meio de comunicao.

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    EM PAUTA

    dorno observa que a autenticidade que enjamin atribui s artes visuais emrelao ao original

    deve ser atribuda reproduo viva na msica. sta livre reproduo tem

    seu aqui tanto na sala de concerto como na pera o momento verdadeiro

    em que executada. o que enjamin chama a aura do original certamente

    constitui uma parte da reproduo viva (...) ns acreditamos que sua autenti-

    cidade, ou aura, desaparece na msica devido a reproduo mecnica. disco

    onogrfco destri o agora da perormance viva e, conseqentemente, tambm

    o seu aqui (dorno, 2006: 141-2).

    deesa da apresentao musical ao vivo contrape-se, assim, suareproduo no rdio; a reproduo tcnica no neutra, pois ela interere naprpria audio da msica. Por isso, tambm, a subjetividade do ouvinte no livre, no deve ser, portanto, o ponto de partida de uma pesquisa, pois

    moldada previamente por atores objetivos. exemplo recorrente de dorno a sinonia de eethoven. o invs de

    dirigir-se ao ouvinte para saber suas opinies sobre a sinonia executada pelordio, dorno pergunta-se, antes de qualquer outra coisa, sobre o que

    uma sinonia, sobre o que a caracteriza. egundo sua viso, o que caracterizaa sinonia, a contrao do tempo a impresso que a msica dura somente

    um momento, quando na realidade dura vinte minutos. sso se explica pelaestrutura interna da composio. la aparece no como uma totalidade na

    qual cada parte deriva seu prprio signifcado somente na relao com outraspartes, mas, antes, torna-se uma rpida seqncia de sees de, digamos, to-mos (atom-like sections), cada qual percebido mais ou menos em isolamento. sinonia de Beethoven, em seu movimento, uma totalidade, a unidade

    de uma pluralidade, a pluralidade de uma unidade. que importa, aqui, acompreenso desse uxo integrado. Beethoven, poderamos acrescentar, no um bom melodista, pois, como afrma dorno, o conjunto tudo; a parte,a melodia, relativamente desimportante (idem: 92).

    Essa caracterstica ez com que muitos autores comparassem a sinonia aodrama, tal como este oi teorizado emA teoria do romance de ukcs. omo odrama, a essncia da sinonia visa uma totalidade intensiva, no oco instan-tneo de uma idia, mais do que a totalidade extensiva da vida desdobradano tempo emprico (dorno, 1979: 127).

    odas essas caractersticas estruturais da sinonia desaparecem na trans-misso radionica, pois a voz do rdio dissolve a msica, decompondo-a empartes soltas. ouvinte, isolado, adapta o volume do rdio s condies de seu

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    pequeno quarto. Ele, assim, no se entrega msica, mas, ao contrrio, procuradirigir o som. Os sons ortes, que na sinonia anunciam algo e produzem um

    choque no ouvinte, so abaados. Altera-se, assim, a quantidade e a intensidadedos sons, aetando a articulao interna que estrutura a sinonia. ausnciade intensidade uma das caractersticas da msica sinnica desaparecee, com ela, desaparece tambm a contrao do tempo. ouvinte perde a

    relao existente entre a parte e o todo e se entrega aos detalhes. totalidadeintensiva, que caracterizaria o drama e a sinonia, cede lugar totalidade

    extensiva a msica, diz dorno ainda em reerncia ao livro de ukcs torna-se uma epopia.

    contraposio entre a msica ao vivo e sua reproduo atravs do rdio

    acompanha todo o raciocnio do autor. Um dos pontos assinalados diz respeito pretenso do rdio de ser uma reproduo fel da msica ao vivo, isto , deconservar intacta a sua aura. rata-se aqui de uma pseudo-imediatez or-necida pela impresso de um tempo simultneo entre a execuo da msica esua audio pelo ouvinte do rdio. msica, observa dorno, ao ser gravadasujeita-se imperativos tcnicos: o som do disco sore a mediao dos engenhei-ros de som, de acordo com critrios meramente tcnicos e no-musicais. mseguida, a voz do rdio nos apresenta uma msica que , ao mesmo tempo,uma sinonia e algo dierente. Finalmente, a ao do ouvinte ao manusear ordio produz uma nova intererncia, uma nova mediao. uma grande

    dierena entre ouvir msica ao vivo numa sala de concerto e ouvi-la na sala deestar ou no quarto de dormir. audio na sala de concerto coloca o ouvintejunto orquestra e dentro da msica. rata-se de uma relao viva, de umaexperincia nica e irrepetvel, de uma vivncia. O rdio rompe essa comunhodo ouvinte com a msica viva, a msica ao vivo, e produz um distanciamentocheio de conseqncias.

    Uma coisa, portanto, a aura da msica, sua apresentao nica numa salade concerto, outra a sua reproduo massifcada, sua transmisso pelo rdio. Amsica de concerto, transormada em artigo de consumo em larga escala, soreum processo de banalizao. Os programadores da rdio escolhem somente aspeas mais ceis, mais acessveis, aquelas que podem ser consumidas sem gran-de esoro auditivo. sse um dos temas tratados em vrios textos de dorno:a regresso da audio, a incapacidade de se ouvirem coisas realmente novas. ouvido bitolado sente-se bem ao reconhecer os sons: os estribilhos j co-nhecidos, a repetio de clichs etc. uve-se um trecho e, automaticamente,se deduz o resto: o ouvido preguioso, assim, protege-se contra as novida-des e as ameaas banalizao a que est acostumado. s programadoresmusicais, por sua vez, apenas reoram a banalizao: das sinonias, escolhem

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    apenas os trechos mais acilmente digerveis e a nova msica erudita (atonal edodecanica), to apreciada por Adorno, nunca apresentada, pois vai alm do

    gosto mdio do pblico. democratizao da msica clssica e a pretensode atravs dela elevar o nvel cultural do pblico so uma arsa.

    ouvinte distanciado um ouvinte distrado. audio, em casa, re-qentemente interrompida: o teleone toca, os lhos azem uma pergunta,

    o ouvinte levanta-se para pegar uma cerveja na geladeira etc. ssa distraoapenas reora a regresso do ouvinte sua incapacidade para se concentrarexclusivamente na msica e, assim, vivenciar plenamente a experincia musical,aquele momento aurtico e nico.

    A participao de Adorno no projeto sobre a msica no rdio rendeu uma

    srie de ensaios que se somaram a outros materiais que permaneceram guarda-dos nos arquivos da niversidade de olmbia. iversos autores estrangeirostiveram acesso a esses materiais4 e, no Brasil, a pesquisadora Iray Carone a qual,gentilmente, orneceu-me cpia de sua pesquisa ainda em andamento.

    As idias centrais de Adorno, contudo, encontram-se resumidas no densoensaio,A social critique of radio music e retomadas nos diversos textos que eleescreveu enquanto durou o projeto.

    pesquisa sobre o rdio, segundo dorno, deveria tomar a esera limi-tada do rdio como uma espcie de modelo ou microcosmo contendo todos osproblemas, antagonismos, tenses e tendncias que podem ser encontradas no

    todo da sociedade (dorno, 1938: 2, apudarone, 2003: 85).ssa esera limitada nesse objeto circunscrito que o rdio no algo

    imediato que possa ser estudado isoladamente. le um microcosmo, umasub-totalidade no qual esto presentes todas as mediaes (problemas, anta-gonismos, tenses e tendncias) da sociedade global.

    ontra a orientao empirista de azarseld, dorno prope um outrocaminho para a pesquisa, como nos lembra ray arone:

    anlise da produo radionica em geral, ou seja, da indstria do rdio;1.anlise dos traos mais especfcos de programas de rdio, sobretudo2.da reproduo da msica no rdio, para se avaliar como a tecnologiada indstria do rdio aeta a qualidade da msica transmitida;anlise da recepo ou das reaes tpicas dos ouvintes a partir do3.conhecimento anterior e undamentado dos atores condicionantes

    da audio;perspectivas da uno geral da msica no rdio, ou seja, as tendncias4.regressivas e progressivas do uso do rdio na sociedade presente e nautura (arone, 2003: 85).

    . Por exemplo, uck-orss, : -;uller-oohm, :-; Wiggerhauss,: -; ay,; orrison, ;ohendahl, ;evin e inn, .

    . s textos de dornohaviam sido publicados emdiversas revistas durante asegunda guerra mundial,o que, certamente, con-tribuiu para que icassemdurante vrias dcadasde dicil acesso aos

    pesquisadores. Finalmente,a editora uhrkamp, osreuniu no livro Current ofmusic. Elements of a radio

    theory. o eles: adioPhysionomics, socialcritique o radio music,nalytical study o the music appreciationhour, usical analyseso hit songs, he radio

    voice, emorandum onlyrics in popular musica,xperiment on: preerenceor material or treatment

    o two popular songs, heproblem o experimenta-tion in music psycology,ote on classiication,n the use o elaboratepersonal interviews orthe Princeton adio adioProject, ome remarkes ona propaganda publicationo , heses about theidea and orm o collabo-ration o the Princetonadio esearch Project.

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    Por esse esboo de pesquisa, percebe-se a dimenso do olhar de dorno.e o rdio o microcosmo da sociedade, estudar o rdio signifca estabelecer

    todas as suas conexes (mediaes) com a sociedade. que importa no oque o rdio mostra, mas sim o que ele revela. E o que revela, evidentemente, toda a sociedade a totalidade que se az presente nesse objeto particular. rdio no uma evidncia, um ponto fxo que se explica por si mesmo. le uma empresa capitalista, ligada aos patrocinadores, anunciantes, ao poderpblico etc. Portanto, a prpria msica apresentada precisa ser pensada no

    interior desse contexto geral. o estamos diante de uma relao imediata

    entre o ouvinte e o rdio, mas dentro de um sistema que tudo engloba e quetudo contamina.

    m uno dessas consideraes, conclui dorno, entregar ao ouvintedistrado um aparelho para que ele, durante, a audio, aperte os botes likesor dislikes um procedimento absurdo. dorno props outro encaminha-

    mento: entrevistas eitas aps a audio, de modo a captar no mais a reaoimediata mas sim obrigar o indivduo a verbalizar, a raciocinar sobre suasimpresses.

    ste um tema delicado. omo o ouvinte ouve? e como expressar empalavras a real experincia musical?, pergunta dorno. is um desafo parao pesquisador. Como usar a expresso verbal para explicar as experincias

    sensoriais?

    omo traduzir verbalmente os sons musicais? os cursos de iniciaomusical ensina-se aos alunos a dierena entre escuta analtica e escuta

    sinttica. escuta analtica, aquela do indivduo com educao musical,

    decompe os elementos ormadores da msica responsveis pelos seus eeitos.Assim, ele pode dizer que a msica est estruturada a partir de um determinadocampo tonal, desenvolve-se a partir de escalas decrescentes, que o compasso ternrio etc. as o que o leigo pode dizer? o contrrio do msico, ele realizauma escuta sinttica ouve a msica como um bloco indistinto que produzdeterminados eeitos. dierena entre o ouvinte com ormao musical e oleigo que o primeiro se fxa na estrutura interna, nos elementos imanentes queproduzem a expresso emocional visada pelo compositor; j o leigo se restrin-ge aos eeitos emocionais provocados pela msica, pelos seus estmulos.

    Em seus trabalhos sobre a msica erudita, Adorno estudou detidamente aexpresso emocional. Quanto aos eeitos emocionais, os textos que escreveusobre o jazz apresentavam algumas hipteses, que, depois, ele retomou em suaproposta de estudo sobre o rdio.

    Para captar os eeitos emocionais provocados pela audio da msicaclssica no rdio, dorno pretendia realizar entrevistas detalhadas. o se

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    tratava de captar a impresso imediata, como queria Lazarseld e seu aparelho,mas de entender as racionalizaes do ouvinte aps a ruio da msica.

    que revelaria essa ala? evelaria que a recepo mediada pela viso domundo do entrevistado: todos os seus valores, preconceitos, rustraes etc.emergem no discurso. e a anlise do rdio como empresa engloba o aspec-to objetivo, a ala do entrevistado revela sua subjetividade, sua psicologia,exigindo tambm uma explicao. dorno pretendia recorrer ao arsenal dapsicologia, para entender o discurso dos entrevistados e, assim, descrever oprocesso psicolgico. Papel importante, segundo ele, a utilizao de histriasde vida para traar

    ... as inuncias de atores culturais e individuais sobre sua personalidade. Dessemodo, ns levamos em considerao os hbitos individuais de um ouvinte de

    rdio, no somente aspectos de sua personalidade, mas tambm aqueles atores

    que modelaram sua personalidade, os quais so especialmente importantes para

    o estudo do rdio (dorno, 2006: 633-4).Para Adorno, os eeitos emocionais no guardam relao com a estrutura

    imanente da msica. Eles, ao contrrio, expressam as pulses inconscientes dosindivduos. No ensaio Sobre o jazz, Adorno interpretou o jazz como uma msicaconormista e esquemtica que provocava eeitos emocionais que pretendem

    ser sinais de rebeldia, mas que expressam, na verdade, um comportamentosadomasoquista, uma aceitao da ordem.

    o vamos entrar aqui nessa discutvel interpretao que generaliza a

    rica experincia da histria do jazz, mas apenas lembrar o tipo de preocupaoque norteou a proposta de dorno. a pesquisa sobre o rdio, ele leu as cartasdos s enviadas aos jornais procurando descobrir os sintomas neurticospresentes na argumentao. embramos que e antico tem a mesma raiz.s cartas, segundo dorno, oerecem um arto material para a anlise psico-lgica, demonstrando os sintomas neurticos, mais do que uma apreciaopropriamente musical. observao do cientista social sobre a msica, por-tanto, no deveria fcar restrita relao imediata entre o ouvinte e a emissoradionica. ssa relao no imediata e, por isso mesmo, ela ornece um

    ponto de partida para se entender a fsionomia do rdio: a esera subjetiva (areao aparentemente espontnea do ouvinte) e a esera objetiva (a estruturasocial que precisa se reproduzir e o az atravs da programao de estmulossobre a esera subjetiva dos indivduos).

    omo era de se esperar, essas idias de dorno eram incompatveis coma pesquisa administrativa para a qual ele havia sido convidado...

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    Recepo: divergncias metodolgicas entre Adorno e Lazarsfeld

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