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IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.
Cataguases para além de suas modernidades: gestão pública municipal do patrimônio
cultural a partir da criação da Lei Robbin Hood1
Michele Pereira Rodrigues (UFJF) 2
Resumo: No ano de 2015, a Lei Robbin Hood, cujo objetivo principal é promover a
descentralização da gestão de algumas áreas para os municípios, completa 20 anos,
contando com alta adesão dos municípios em sua aplicação. O escopo da análise será a
cidade de Cataguases, MG e o objetivo deste trabalho será investigar quais ações do poder
público local compõem a gestão do seu patrimônio cultural. Conclui-se que o processo de
descentralização desencadeia, no caso de Minas Gerais, um importante programa de
proteção do patrimônio cultural, a despeito dos desafios apresentados no caso de
Cataguases, diante da legislação vigente.
Palavras-chave: Gestão do patrimônio cultural. Lei Robbin Hood. ICMS Cultural.
Cataguases, MG.
Introdução
No ano de 2015, a política de redistribuição do ICMS (Imposto sobre Operações
relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços) no estado de Minas
Gerais completa 20 anos. A criação desta lei é consequência do artigo 158 da Constituição
Federal de 1988, que prevê que 25% do imposto supracitado pertence aos municípios.
Desse total, ¼ da distribuição seria feita de acordo com legislação estadual.
Nesse contexto, o estado tem se destacado em todo país por conta da alta adesão
dos municípios na aplicação da lei, conhecida como lei Robbin Hood, cujo objetivo
principal é promover a descentralização da gestão de algumas áreas para os municípios,
através do repasse financeiro para aqueles que tem ações, por exemplo, de preservação do
patrimônio cultural3.
1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Ciência Política da 4ª Jornada de Ciências Sociais da UFJF.
2 E-mail: [email protected]
3 Assim como Abrucio (2006), entende-se por descentralização a transferência (ou conquista) de poder
decisório e autonomia aos governos subnacionais.
IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.
Considerando que os municípios passam por grandes desafios quanto às suas
finanças, como lembra Freire (2002), as transferências de ICMS têm papel relevante
quanto à composição das receitas municipais e, segundo Magalhães (2008), são as
principais razões pelas quais os municípios aderem à política, mais do que pela consciência
da necessidade de preservação do patrimônio cultural.
Segundo Botelho (2006), a partir da criação dessa lei, o número de ações ligadas à
preservação dos bens culturais, como, por exemplo, a criação de conselhos municipais de
patrimônio, tombamentos e registros têm aumentado significativamente. Todavia, como
advertem Lira, Azevedo e Borsani (2014), esse saldo positivo não pressupõe
necessariamente a eficácia da lei, situação que pretendemos investigar, por meio do
município de Cataguases.
Localizado na região da Zona da Mata de Minas Gerais, o município possui
notoriedade nacional, por conta do tombamento realizado pelo IPHAN – Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de um extenso poligonal composto por
edificações com características arquitetônicas heterogêneas, com destaque para o grande
número de obras modernistas, projetadas por arquitetos reconhecidos como Oscar
Niemeyer e Aldary Toledo, além da intensa produção cultural cinematográfica e literária.
Justifica este trabalho, a percepção de que, ao longo dos anos, o número de
municípios que recebem repasse de ICMS Cultural e o valor recebido por esses municípios
tem aumentado consideravelmente. Entretanto, de acordo com dados da Fundação João
Pinheiro4, a cidade de Cataguases, que até 2011 detinha uma das maiores pontuações do
estado, não acompanhou esse crescimento, perdendo a posição entre os municípios que
mais recebem repasses de ICMS. Por que isso aconteceu?
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho será investigar quais ações do poder
público local compõem a gestão do seu patrimônio cultural. Como objetivos específicos,
pretende-se realizar um levantamento que teça um panorama das ações em âmbito federal
que favorecem a administração do patrimônio cultural, com foco para a questão da
descentralização em direção aos estados e municípios. Em seguida, almeja-se discutir as
políticas públicas estaduais sobre o patrimônio cultural até chegarmos à escala municipal,
onde serão tratadas as ações do poder público local do município em questão,
4 Disponível em: http://www.fjp.mg.gov.br/robin-hood/index.php/transferencias/pesquisamunicipio. Acesso
em: 18/08/2015
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representados por diversos setores, incluindo o DEMPHAC – Departamento Municipal do
Patrimônio Histórico e Artístico de Cataguases e a Secretaria Municipal de Cultura e
Turismo.
A metodologia adotada compreende um levantamento sobre os principais eixos
temáticos da pesquisa, a saber: a) políticas públicas de gestão do patrimônio cultural; b)
Lei Robbin Hood e; c) ICMS Cultural. Em um primeiro momento, foi realizada uma
pesquisa quantitativa, cujos dados obtidos fornecem um panorama do número de
municípios que aderiram à política de ICMS Cultural. Da mesma forma, identificou-se o
valor dos repasses à cidade de Cataguases nos últimos anos. Além disso, pretende-se
realizar uma entrevista semi-estruturada com um representante do governo municipal, com
o propósito de verificar informações relevantes a esse trabalho.
O trabalho está organizado da seguinte forma: a primeira seção, intitulada “Políticas
federais e a descentralização da gestão do patrimônio cultural”, busca apresentar o
desenvolvimento das políticas sobre o patrimônio cultural na esfera federal e o processo de
descentralização em direção aos estados e municípios. Em seguida, a seção “Políticas
estaduais de proteção ao patrimônio cultural: questões sobre a Lei Robbin Hood” destina-
se a apresentar a maneira como essas questões se desenvolveram no âmbito de Minas
Gerais. A seção “Cataguases para além de suas modernidades: tensões em torno do
patrimônio cultural” pretende revelar, de forma sucinta, as legislações em vigor na cidade e
sua dinâmica atual. Posteriormente, serão expostos e discutidos os resultados das pesquisas
realizadas e, por fim, as considerações finais.
1 Políticas federais e a descentralização da gestão do patrimônio cultural
Em uma perspectiva histórica, é por volta dos anos 1920 que se tem notícia sobre os
primeiros movimentos no Brasil que buscam a preservação do patrimônio cultural. Nesse
período, as preocupações acerca da criação de uma identidade brasileira fomentam uma
busca por elementos representativos dessa cultura. Esse processo culmina na criação, no
ano de 1937, do marco legal da preservação cultural no país e do SPHAN, órgão federal
que concentrou as ações para a proteção do patrimônio cultural no país até a década de
1970, quando foram criados órgãos estaduais de preservação.
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Como revela Alonso (2010), no primeiro decreto a nível federal sobre o tema, a
concepção de patrimônio estava relacionada aos fatos memoráveis da história e ao seu
valor excepcional quer seja arqueológico, etnográfico, bibliográfico e artístico. Esse
conceito é ampliado com a promulgação da Carta Magna de 1988 quando o patrimônio
cultural passa a ser identificado por suas características de referência à identidade, à
memória e à ação dos mais diversos grupos formadores da sociedade brasileira, em
consonância com o que vinha sendo discutido nos principais fóruns mundiais sobre o
assunto.
De acordo com a Constituição Federal de 1988,
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
No Brasil, as discussões acerca do patrimônio cultural, em sua gênese, estiveram
centradas no SPHAN. Entretanto, segundo Abrucio (2006) diversos fatores contribuíram
para um processo de descentralização política dos mais diversos setores da sociedade, entre
os quais é possível citar o advento da democracia e o surgimento de novas realidades, tais
como a urbanização acelerada, que tornou os problemas locais mais intensos para um
maior número de pessoas. Esses fatores colocaram em cheque a efetividade desse modelo
centralizador de intervenção estatal, culminando em um processo de mudanças.
Dessa forma, a Carta Magna traz em seu artigo 23 que é competência da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos municípios “proteger os documentos, as obras e outros
bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis
e os sítios arqueológicos”.
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Mais recentemente, o governo federal reiterou a responsabilidade municipal na
proteção do patrimônio cultural, com a promulgação da lei n.º 10.257, no ano de 2001,
conhecida como Estatuto das Cidades.
Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
[...] XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente
natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico,
paisagístico e arqueológico (Estatuto das Cidades, 2001).
Desse modo, Arimatéia (2010) atesta que o processo de descentralização aliado à
autonomia fiscal e política dos governos subnacionais, que se tornaram possíveis após a
Constituição de 1988, permitem o desenvolvimento de uma agenda independente do
governo federal, contexto no qual foi criada a lei Robbin Hood.
2 Políticas estaduais de proteção ao patrimônio cultural: questões sobre a Lei Robbin
Hood
Em âmbito estadual, o ICMS Cultural foi implementado após a promulgação, no
ano de 1995, da Lei Estadual nº 12.040, conhecida como Lei Robin Hood. Mais tarde, as
leis nº. 12.428/1996 e nº 13.803/2000 alteraram a distribuição do ICMS e, em 2009, a Lei
Robin Hood foi substituída pela Lei nº 18.030, chamada também de ICMS Solidário.
A política do ICMS Cultural objetiva a descentralização da proteção dos bens
culturais no estado de Minas Gerais, uma vez que transfere para os municípios a
responsabilidade pela salvaguarda do patrimônio cultural. As regras para o recebimento do
repasse, que se dá por meio de envio de documentação comprobatória das ações realizadas
em âmbito municipal, são definidas pelo IEPHA, através de Deliberações Normativas5.
A partir do envio dos documentos, é atribuída uma pontuação ao município de
acordo com as ações de tombamento e registro a nível federal, estadual e municipal,
existência e funcionamento de Conselho Municipal de Patrimônio, existência de Inventário
de Proteção do Patrimônio Cultural, ações de educação patrimonial, existência de
5 Ao todo já foram divulgadas 10 Deliberações Normativas. No momento, está em vigor a n.º 02/2012, que
está disponível em: http://www.santaluzia.mg.gov.br/wp-
content/uploads/2012/01/Delibera%C3%A7%C3%A3o-Normativa-02-2011-IEPHA.pdf. Acesso em:
30/09/2015.
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planejamento e política municipal de proteção do patrimônio cultural e Fundo de
Preservação do Patrimônio Cultural. A partir da pontuação do município dividida pela
soma da pontuação dos demais, é atribuído o IPC – Índice do Patrimônio Cultural6.
Uma análise quantitativa permite evidenciar a alta adesão à política. No ano de
2015, por exemplo, do total de 853 municípios do estado, 653 recebem repasse referente ao
Patrimônio Cultural, o que representa um total de 76% dos municípios mineiros7.
Fonte: Site do IEPHA8
Um dos motivos para a alta adesão é que as regras para o repasse, apesar de serem
rígidas, não geram custos altos de implementação e manutenção e permitem um repasse
importante para o município. Em muitos casos, inclusive, Magalhães (2008) afirma que os
municípios optam por contratar empresas para realizar os levantamentos necessários, por
em prática algumas ações com o objetivo de pontuar e preparar a documentação para envio
ao IEPHA.
6 Isso explica a razão de os valores não serem sempre os mesmos, já que o repasse depende da nota do
município em questão e da quantidade de municípios pleiteando a pontuação e suas respectivas notas. 7 Disponível em:
http://www.iepha.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=96&Itemid=151. Acesso em:
29/09/2015. 8 Elaboração da autora do trabalho.
IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.
É importante destacar que o crescimento do número de municípios que aderem à
política não é constante, por alguns motivos, entre eles a necessidade de envio anual da
documentação, regra muito questionada pelos gestores municípios, segundo Magalhães
(2008).
Além disso, outro ponto que chama atenção é a vinculação de tombamentos
federais e estaduais a uma política que preconiza, entre seus objetivos, a municipalização.
Isso se torna ainda mais paradoxal se percebermos que o IEPHA revogou a exigência de
apresentação de laudos técnicos sobre esses bens alegando que a responsabilidade por eles
é de competência do Estado e da União. Sendo assim, o município pontua independente de
sua atuação, já que é responsabilidade de cada esfera a preservação dos bens tombados por
ela9.
Há ainda, de acordo com Botelho (2006), contradições entre o discurso adotado no
IPHAN e o que acontece nos órgãos patrimoniais dos estados, considerando que o atributo
que possui a pontuação mais alta nas diretrizes do IEPHA, por exemplo, é o tombamento.
Logo, é possível concluir que a política de ICMS Cultural em Minas Gerais fomenta os
tombamentos em detrimento a outras ações de preservação do patrimônio cultural, como a
educação patrimonial, revelando uma dificuldade de colocar em prática as concepções
mais recentes sobre o tema.
Entretanto, como lembra Botelho (2006), o uso dos instrumentos em defesa do
patrimônio só fazem sentido a partir da atuação do poder público local, através da
legislação municipal. Passemos então, às ações realizadas por essa esfera.
3 Cataguases para além de suas modernidades: tensões em torno do patrimônio
cultural
Antevendo a Lei Robbin Hood, as iniciativas de tombamento a nível local em
Cataguases foram possíveis a partir da Lei Municipal nº. 1.210 de 1985, conhecida como
Lei do Patrimônio. No mesmo ano é criado o Conselho Municipal de Patrimônio, através
da Lei nº. 1.118.
9 Na Deliberação Normativa em vigor, a pontuação para imóveis tombados a nível estadual e federal é
superior àquela dada aos bens tombados pelo município.
IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.
Já o DEMPHAC - Departamento Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural,
órgão responsável pela gestão municipal do patrimônio é criado em 2002. Atualmente, é
composto por três funcionários: um historiador, uma pedagoga e uma professora de
história.
Ainda no que tange a legislação municipal, no ano de 2003 foi aprovada a Lei
3.187, que dispõe sobre a criação da disciplina “Educação Patrimonial e Ambiental” nas
escolas municipais. A lei estabelece que “Caberá a todos os professores de educação
infantil a inclusão do tema „Educação Patrimonial e Ambiental‟ em suas aulas semanais,
durante pelo menos 1 hora/semana com o objetivo de desenvolver o espírito crítico e uma
nova interpretação do patrimônio e meio ambiente”.
Devido ao tombamento federal, a cidade pontua no ICMS Cultural e recebe
recursos dessa fonte desde o primeiro ano da política. Importa ressaltar, contudo, que no
ano de 1996, por não haver um documento que dispusesse sobre os critérios da pontuação,
todos os municípios com bens tombados a nível federal foram pontuados, segundo Cruz e
Sousa e Moraes (2013). A Fundação João Pinheiro, não obstante, disponibiliza os dados
dos repasses somente a partir do ano de 2002, conforme pode ser observado no gráfico
abaixo.
Fonte: Fundação João Pinheiro10
.
10
Elaboração da autora do trabalho.
IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.
Percebe-se que os valores do período exposto mantiveram-se com pouca variação
até o ano de 2011, quando tiveram uma queda. Isso pode ser explicado por conta do alto
número de municípios adeptos à política, exposto no gráfico 2, que foi recorde nesse ano e
no ano seguinte, vindo a diminuir do ano de 2015.
A Fundação João Pinheiro (entidade pertencente ao Governo do estado de Minas
Gerais que realiza apoio técnico à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão) alerta,
no entanto, que não há obrigatoriedade legal de aplicação dos valores recebidos pelos
critérios em sua respectiva área, por conta do princípio da não-vinculação de receitas,
embora, no caso do patrimônio cultural, exista a obrigatoriedade de manter bem
conservados os bens tombados11
. Ou seja, o município que recebe recurso pelo critério
Patrimônio, assim como os demais, não necessariamente precisa aplicá-lo nesta área.
No decorrer do ano de 2015, estão sendo realizadas reformas em alguns bens
tombados do município, entre eles as praças Santa Rita e Rui Barbosa. A prefeitura alega
que, no caso da Praça Rui Barbosa, as obras foram possíveis a partir de um acordo do
IPHAN com uma empresa para a prestação do serviço como parte do pagamento de uma
multa aplicada pelo descumprimento da Lei que regulamenta a construção em área
tombada por aquele órgão12
. Em relação à Praça Santa Rita, o IPHAN contratou uma
empresa para realizar o serviço13
.
Houve também a reforma da Ponte Metálica, em comemoração ao seu centenário,
obra essa que, segundo o Jornal Cataguases14
, foi realizada com recursos do ICMS
Cultural.
Importa lembrar também da Lei 3.746/2009, conhecida como Lei Ascânio Lopes,
que é uma ação de incentivo à cultura local que financia projetos locais e do Decreto 4.360,
publicado em 24 de junho de 2015, que regulamenta a colocação de toldos e engenhos de
publicidade na poligonal de tombamento de cidade. Essa última, alvo de contestação por
parte as empresas de comunicação visual locais pela obrigatoriedade de apresentação do
projeto e avaliação do setor de fiscalização de obras da prefeitura.
11
Na deliberação publicada no ano de 2000, houve uma tentativa de vinculação que foi logo revogada. 12
Disponível em: http://www.marcelolopes.jor.br/noticia/detalhe/17053/praca-rui-barbosa-recebe-sua-
primeira-reforma-desde-sua-inauguracao-ha-58-anos. Acesso em 01/10/2015. 13
Disponível em: https://app.box.com/s/0s1mmbovqjkyuw1b6js0wgwcny9jo9co. Acesso em: 12/10/2015. 14
Disponível em: https://app.box.com/s/f5pmgnoh6gyirmvq37bqaguvmvjf969y. Acesso em: 01/10/2015.
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Recentemente, em 8 de setembro de 2015, foi aprovada a lei que institui o Plano
Municipal de Cultura de Cataguases para o período 2015-2025. Por diversas vezes, o
secretário de cultura deu declarações à mídia local enaltecendo a aprovação do Plano, após,
segundo ele, um longo período de discussões com a comunidade. Um dos maiores
benefícios do documento, segundo o secretário, é a inclusão da cidade no Sistema Nacional
de Cultura, o que a capacita para receber repasses diretamente do governo federal.
4 Apresentação e discussão dos resultados
Entre os anos de 1998 e 2007, a prefeitura municipal realizou o tombamento de 19
edifícios, entre os quais, alguns já tombados pelo IPHAN. Os dossiês apontam que o
tombamento se faz necessário em razão da importância histórica-cultural e econômica
desses bens para o município15
. Contudo, nota-se que, desde então, não houve iniciativa de
tombamento na cidade. Esse fato parece explicar a estagnação do município em relação ao
repasse de ICMS Cultural, em um momento em que o número de cidades que aderiram à
política aumentou, segundo Botelho (2006).
Abaixo, é possível verificar a colocação do município em relação à pontuação dos
demais. Verifica-se que entre os anos de 2002 e 2007 Cataguases esteve entre os 10
municípios que mais receberam repasse. Para o ano de 2016, todavia, a cidade apresenta a
pior pontuação de todos os anos, despontando entre os municípios com piores notas.
15
Os dossiês de tombamento municipais bem como as leis municipais citadas no trabalho podem ser
consultados na sede do DEMPHAC, na cidade de Cataguases. Já a documentação do tombamento federal
encontra-se na sede do IEPHA-MG, localizada na cidade de Belo Horizonte.
IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.
Fonte: Fundação João Pinheiro16
Esse cenário revela um descompasso entre o que vem acontecendo no município e
no estado. É possível observar, por exemplo, que, enquanto cresceu o número de registros
de bens imóveis no estado de Minas Gerais, Cataguases não registrou nenhum processo de
tombamento com esse perfil aspecto que contraria as discussões mais recentes sobre o
tema.
Com o intuito de averiguar essas situações, foi realizada no dia 28/10/2014, uma
entrevista semi-estruturada com Virgínia Ribeiro, pedagoga, funcionária do DEMPHAC e
responsável pelas ações relativas à educação patrimonial no município.
Sobre suas funções, Virgínia afirmou que realiza diversas ações em busca da
conscientização para preservação do patrimônio em escolas municipais da cidade. Queixa-
se, no entanto, da não pontuação do projeto PEPE – Projeto de educação patrimonial em
escolas - enquanto ação de educação patrimonial (a educação patrimonial é um dos
critérios para pontuação no ICMS Cultural) por não corresponder à metodologia que o
IEPHA adota. O projeto foi realizado entre os anos de 2008 e 2010 com alcance, segundo
ela, de 6.920 alunos, além de cerca de 470 profissionais entre professores e funcionários de
escolas públicas municipais.
Outro fator que limita a ação do DEMPHAC na cidade é o número reduzido de
funcionários17
. Para Virgínia, se esse número fosse maior, seria possível realizar um
16
Elaboração da autora do trabalho.
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trabalho melhor qualitativamente, dando o suporte necessário aos bens tombados, além de
conseguir aumentar a quantidade desses bens, incluindo o registro de bens imóveis. Além
disso, permitiria a continuidade dos projetos de educação patrimonial e atendimento ao
público em meses do ano que os funcionários, segundo ela, praticamente abandonam para
se dedicar à documentação que deve ser enviada ao IEPHA para obtenção de pontuação no
ICMS Cultural.
Virgínia vê como obstáculo a padronização dos projetos que pontuam, tendo em
vista que cada município tem uma realidade diferente. Para ela, isso limita a atuação dos
funcionários do setor, tendo em vista que, por conta do quadro enxuto de funcionários, é
necessário dedicar-se quase que metade do ano àquelas ações que pontuam no ICMS
cultural. Em sua opinião, essas situações tiram a autonomia dos municípios sobre as ações
que devem ser adotadas, o que é prejudicial porque, em sua opinião, os funcionários
municipais conhecem mais sobre a realidade local que o IEPHA.
Desde os tombamentos, uma série de conflitos de interesses vem marcando a
cidade. Segundo Alonso (2010), isso se dá, por exemplo, porque o IPHAN não estabeleceu
critérios e normas claras para as intervenções na poligonal tombada. No ano de 2009, por
exemplo, um manifesto assinado por sete entidades representativas de parte da sociedade
local (entre elas o CREA e a Câmara dos Diretores Lojistas de Cataguases – CDL) foi
entregue ao então prefeito questionando os critérios adotados pelo IPHAN em relação ao
tombamento dos bens de Cataguases. O documento exigia da prefeitura a remoção da
legislação municipal de qualquer referência à submissão ao IPHAN de projetos em imóveis
não tombados individualmente. Outrossim, classificava o tombamento dos bens de
Cataguases como um “evidente vício de tramitação”. Por fim, o documento dizia aguardar
parceria com o IPHAN para a preservação dos bens, além de um maior envolvimento do
governo municipal e dos vereadores visando sensatez e equilíbrio para não transformar
essa preservação em estagnação.
No que tange ao poder público municipal, os documentos que deveriam guiar o
desenvolvimento e proteger os bens tombados, como as leis de zoneamento (Leis nº. 2.427
e nº. 2.428/1995) e o Plano Diretor (Lei nº 3.546/2006) tem alguns problemas apontados
por Alonso (2009). Segundo o autor, uma breve análise sobre esses documentos revela que,
17
Vale ressaltar que a Deliberação Normativa em vigor obriga a prefeitura a alocar dois funcionários para a
condução da política.
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no Plano Diretor, muitas das ações previstas não foram regulamentadas, como é necessário
a documentos compostos de diretrizes. Medidas de restrição ou favorecimento da
compatibilidade do potencial construtivo, de modo a não estimular a destruição ou
substituição dos bens tombados são comuns em cidades que prezam por seu patrimônio,
segundo Botelho (2006).
Especificamente sobre as Leis de Zoneamento, que datam do mesmo período em
que era realizado o estudo sobre o tombamento municipal (anos 94 e 95) há controvérsias
significativas em relação aos objetivos de preservação, incluindo a recomendação para
adensamento demográfico da região central, justamente aquela que deveria ser protegida.
De acordo com Alonso (2009) essas distorções se dão por conta de o executivo municipal
ceder às pressões de setores da sociedade ligados à construção civil.
Com efeito, foram aprovadas inúmeras emendas que acabaram por descaracterizar
o que previa o documento inicial18
. Essa situação, segundo Villaça (2012) é preocupante
pois, geralmente, é resultado de arranjos políticos ao invés de se basear em pesquisas e
privilegiar os interesses da maioria ou daqueles que são afetados, mas tem menos
representatividade por diversas razões.
Outra situação polêmica foi a venda de terrenos da prefeitura no ano de 2012 com a
justificativa de angariar recursos para a compra do Cine-Theatro Edgard, que é de
propriedade privada. O edifício é tombado a nível federal e municipal e é um dos bens
mais reconhecidos pelos moradores da cidade, contando com significativo prestígio. Após
a venda dos terrenos, no entanto, os valores arrecadados tiveram outra destinação e o Cine-
Theatro continua fechado aguardando a prefeitura mobilizar os recursos necessários à sua
compra e reforma, além de alguns trâmites judiciais.
5 Considerações finais
Os dados observados apontam para uma alta adesão dos municípios mineiros à
política de redistribuição dos recursos advindos do ICMS a partir da criação da Lei nº.
18
Uma das mudanças com maior apelo popular nos últimos anos ocorreu em torno da modificação da
classificação da Avenida Astolfo Dutra no Código de Zoneamento, Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo
Urbano. A área que até então era considerada residencial, abriga há cerca de 25 um dos mais tradicionais
trailers de lanche da cidade, que foi ameaçado de fechar devido à denúncia de descumprimento da lei. Após
longas discussões na câmara municipal, foi aprovada a modificação da região para Zona Mista, o que
permitiu o funcionamento do trailer e a chegada de novos comércios à região.
IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.
12.040/1995. Isso, sem dúvida, mostra o sucesso do alcance da política que trouxe aos
municípios as discussões sobre a defesa do patrimônio cultural, além da autonomia sobre
sua gestão, ainda que isso seja feito mais por motivos econômicos do que pela consciência
sobre o assunto, como lembra Magalhães (2008).
No entanto, é preciso considerar que a cidade de Cataguases vem enfrentando
diversos desafios no que tange ao seu patrimônio cultural. Isso se dá por conta da
legislação local que muitas vezes encontra-se em desacordo com as recomendações do
IPHAN para as intervenções na poligonal tombada e às dificuldades no que tange ao
critérios do IEPHA para pontuação no ICMS Cultural.
Entende-se que os repasses procedentes do ICMS poderiam auxiliar na promoção
de ações educativas e de sensibilização da comunidade, mas como não há obrigatoriedade
de vinculação dos gastos na área, isso nem sempre é feito. Essas ações favoreciam também
a pressão popular por continuidade e aperfeiçoamento da adesão à política do governo
estadual.
Em suma, a despeito dos desafios apresentados, o processo de descentralização
apresentado no primeiro capítulo desta pesquisa desencadeia, no caso de Minas Gerais, um
importante programa de proteção do patrimônio cultural, independentemente da agenda do
governo federal.
Referências
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