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casa em revista ano IV número 6 São Paulo, julho de 2015 ISSN - 2175-2907 Juventude e Políticas Públicas + Entrevistas: Adilson Fernandes e Camila Caldeira Notas: Impacto social pelo esporte Casa aberta: produções de adolescentes desenvolvidas em oficinas de literatura

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casaem revista

ano IVnúmero 6

São Paulo,julho de 2015

ISSN - 2175-2907

Juventude e Políticas Públicas

+

Este espaço é dedicado às produções de adolescentes desenvolvidas em oficinas de literatura nos Centros de Atendimento

Socioeducativo da Fundação CASA-SP. Objetiva incentivar nos participantes o hábito de leitura e elaboração de textos a fim de que eles possam expressar sua realidade e imaginação.

GUSTAVO Cravo A palavra AMOR Na palavra GUSTAVO Escrevo a palavra escravo Bem longe Bem no meu passado

Encravo TERNURA Na palavra GUSTAVO Levo o ódio larva Bem longe Bem no meu passado

Elevo DIGNIDADE Na criança GUSTAVO Entravo Prisão no mal que me travaGUSTAVO é TREVOMe tira das trevas Me cura dos traumas GUSTAVO a poesia que me leva

Oliveira

JOIA VALIOSATenho uma joia valiosa Não deixo ninguém roubarPra mim é muito poderosa E nunca vou deixar

Essa joia me protege De tudo que é mal Ela sempre me fortaleceDas coisas anormal

Ela sempre está comigoDentro do coraçãoNão é um inimigoMais sim um grande irmão

Esse poema fiz pra ela Pois sei que ela mereceÉ mais linda que aquarelaE ninguém esquece

Desabafo pra falar Das coisas que sinto Não sei se vai acreditar Mas tudo que eu falo eu não minto

Mãe, joia valiosa Esse poema é pra você Acabo esse poema agoraMas sempre vou dizer

Vou amar a senhora sempreE nunca vou te deixarEspero que fique contenteQue sempre vou te amar

Faria

JARDIM DO MEDO E DA CORAGEM Reguei a última flor desse jardim sombrio o que era murcho deu fruto nessa sociedade hostil

Sonhos e mais sonhoseu sonho com a felicidadee o fim do sofrimentoé o início da liberdade

Sonho com uma vida novacom um jardim lindo e belocheiro de felicidade e liberdadequantidade abundante de diversas flores e diversas cores

Deitado na rede observando as rosaslembrando dos meus amores as sombras das arvores provocam medo e o vento bate a abate calafrios

Mais o segredo desse medo são seus psicológicos e quando os segredos são descobertos provocam coragem para realizar seus desejosde menino

Silva

PRESENTE PARA MAMÃEA lua me disseque se escondeu no armário para que a noite não existisse no dia do seu aniversário

Que o dia fosse sol que a noite fosse o diaque se transformassem num sóem mais um ano de vida

Comprei tudo aquilodo bom e do melhor pra você me olhou e de um sorriso dos presentes nem quis saber

Perguntei constrangidovocê não gostou do vestido vermelho?me disse que dos seus olhos eu era o brilhoentão me deu um espelho

Me perguntou o que eu via respondi que era eu me respondeu com um ar de alegriaque eu sou o presente que Deus lhe deu

Gonçalves

CASAABERTA uma reflexão livre

LER É PODER.ESCREVER LIBERTA.A MENTE, O LIVRO, A CANETATÔ BEM ARMADO PRA GUERRA...

Neto

+Entrevistas:Adilson Fernandes eCamila Caldeira

Notas:Impacto social pelo esporte

Casa aberta:produções de adolescentes desenvolvidas em oficinas de literatura

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SUMÁRIO

JUL. 15

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ARTIGOS

RESENHA

NOTAS

Maria do Carmo AlbuquerqueMaria do Rosario Corrêa de Salles GomesAdriano P. B. de Oliveira

Joana Teixeira d’Arc

Wanderley Todai JúniorWellington do Carmo Medeiros de Araújo

2Entrevista

Adilson Fernandes de Souza

8Entrevista

Camila Caldeira Nunes Dias

Paulo MalvasiIsa Guará

Rosângela Teixeira GonçalvesMário Tiago Ruggieri Neto

EXPEDIENTEPARTICIPE

casaem revistaCASA em Revista é uma publicação semestral da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA-SP), objetivando a inter-locução com o meio acadêmico e científico, propiciando discussões relacionadas à adolescência e às medidas so-cioeducativas. É uma publicação científica indexada no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnolo-gia pelo número internacional normalizado para publi-cações seriadas (international e standart serial number).

ISSN-2175-2907

u Geraldo AlckminGovernador do Estado de São Paulou Aloísio de Toledo CésarSecretário da Justiça e da Defesa da Cidadaniau Berenice Maria GiannellaPresidente da Fundação CASAu Monica Moreira de Oliveira Braga CukierkornAssessora da Presidência e Diretora da Escola para Formação e Capacitação Profissional da Fundação CASAu Denilson Araújo de OliveiraAssessor de Imprensa da Fundação CASA

u CONSELHO EDITORIALMonica Moreira de Oliveira Braga Cukierkorn (Presidente)Adilson Fernandes de SouzaAna Cristina do Canto Lopes BastosAna Lúcia Pastore SchritzmeyerLiana de PaulaMarcos Cézar de FreitasMoysés Kuhlmann Jr.Roseli GouvêaSalvador Antonio Mireles Sandoval

u EQUIPE EDITORIALAna Cristina do Canto Lopes BastosÉrico Raoni Santos da SilvaCamila Aparecida de Souza

u PROJETO GRÁFICOKleber Bonjoan

u DIAGRAMAÇÃO E REVISÃOImprensa Oficial do Estado de São Paulo

u REVISÃOSárvio Nogueira Holanda

u CAPA / ILUSTRAÇÕESOs desenhos e ilustrações desta revista foram produzidos por adolescentes da Fundação CASA durante oficinas de arte e cultura

u FOTOSEliel Nascimento

u DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

u TIRAGEM2.000 exemplares

u EDITORAÇÃO, IMPRESSÃO E ACABAMENTOImprensa Oficial do Estado de São Paulo

Escola para Formação e Capacitação Profissional da Fundação CASAAvenida Celso Garcia, 2.593 – Belenzinho – CEP 03063-000São Paulo – SP - Tel.: (11) 2927-2574E-mail: [email protected] – Site: www.fundacaocasa.sp.gov.br

A CASA em Revista está aberta a colaborações e sugestões de adolescentes, funcionários, acadêmicos e leitores em geral. Se você quiser participar dos próximos números, com sugestões de pauta, temas e resenhas, basta optar por uma das seções abaixo.

CASA ABERTAu Este é um espaço para textos não acadêmicos, poemas, crônicas, contos, composições e manifestações artísticas em geral. O espaço é aberto aos servidores da Fundação CASA e adolescente em cumprimento de medida socioeducativa e também aqueles que já passaram pela instituição.

RESENHAS EM REVISTAu O Conselho Editorial de CASA em Revista está aberto à publicação de resenhas sobre livros que tratem da temática da adolescência e das medidas socioeducativas.

CARTASu As páginas de CASA em Revista também estão abertas às cartas dos leitores. Opiniões, críticas e sugestões sobre o conteúdo publicado sempre serão bem-vindas.

COMO ENVIARu Para participar de uma das seções acima, basta um e-mail para [email protected]. As contribuições podem, ainda, ser entregues pessoalmente na Avenida Celso Garcia, 2593, Belenzinho, São Paulo, aos cuidados do Centro de Pesquisa e Documentação – CPDoc da Escola para Formação e Capacitação Profissional – EFCP da Fundação CASA.

Uma CASA de páginas abertas

CASA ABERTA

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CARTAAO LEITOR

Desde a sua promulgação, em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Crian-ça e do Adolescente (ECA) delineou o sistema de garantia dos direitos (SGD) para crianças e adolescentes, baseado nos direitos e deveres pre-vistos para a proteção integral dessas pessoas em desenvolvimento, sempre com a visão da atuação conjunta en-tre família, comunidade, sociedade e poder público.

Assim, a concretização de políticas públicas, ainda que dependa de pro-cedimentos legais e administrativos, só é possível a partir do trabalho con-junto e articulado de todos os atores envolvidos no SGD.

A chamada incompletude insti-tucional pressupõe que cada setor de atendimento é especialista na sua área, mas apenas uma engrenagem numa máquina muito maior, a pro-teção integral. Ela é responsável por assegurar, com absoluta prioridade, direitos à vida, à saúde, à alimenta-ção, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dig-nidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Direitos estes ainda mais imprescin-díveis quando se trata de adolescentes autores de ato infracional.

Como um espaço de reflexão, com olhares trazidos por pesquisadores das universidades e por profissionais que atuam no cotidiano das políticas

Um caminho para a cidadania{texto: Berenice Giannella*}

O indivíduo nasce em sociedade, como é sabido desde a Grécia Antiga, e é nela que toma contato com valores sociais e mantém relações interpessoais que o levam a se tornar sujeito inserido em um contexto do qual também participa ativamente, ajudando a construí-la. A 6ª edição da CASA em Revista traz o debate sobre as políticas públicas destinadas aos jovens e sua relação com a cidadania.

públicas, a CASA em Revista debate a necessidade de articulação entre as políticas públicas, preventivas ou não, e a situação excepcional do adolescente que cumpre medida so-cioeducativa, seja ela de meio aberto, restrito ou fechado.

Esse não é um desafio simples. Exemplo foi a aprovação do Plano Decenal de Atendimento Socioedu-cativo pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Condeca), documento que traz seis eixos e 72 metas de ações interseto-riais a serem atingidas no sistema so-cioeducativo do Estado de São Paulo até 2024. Depois de meses de discus-sões entre profissionais e autoridades, chegou-se a um consenso.

A relação entre políticas públicas e a questão social, inserida nesse con-texto a vulnerabilidade em que vivem crianças e jovens no Brasil, é objeto de um dos debates trazidos pelos es-pecialistas nesta edição.

O leitor também poderá compre-ender historicamente como se desen-volveram as políticas públicas para a juventude no país, assim como refletir sobre o processo de munici-palização das políticas públicas para as medidas socioeducativas em meio aberto – a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade. Aproveite a leitura!

Mestre em Direito Processual Penal pela USP e Presidente da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adoles-cente – CASA - SP

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Materialização do direito: ações organizadas e efetivadas pelas diferentes políticas setoriais

ENTREVISTA

ADILSON FERNANDES,Mestre em Serviço Social – PUC - SP

Adilson Fernandes é Professor

de Educação Física formado em 1987 pela Faculdade de Educação e Cultura do ABC – FECABC e Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2010 tendo a Dissertação publicada no Livro “Integração SUAS/SINASE: o sistema socioeducativo e a Lei 12.594/2012”.

CASA em Revista – Conte-nos um pouco sobre sua trajetória pro-fissional e qual seu interesse pelo tema das políticas públicas.

Adilson – A minha trajetória pro-fissional foi fortemente marcada pela intervenção em diferentes políticas públicas destinadas a grupos popu-lacionais, em geral, distanciados de seus direitos individuais e sociais. Em resumo atuei com carentes e aban-donados, denominação pelo Códi-go de Menores, na FUBEM de São Bernardo do Campo e na FEBEM de São Paulo; na Educação de Jo-vens e Adultos – EJA, na Educação Especial para crianças e adolescentes surdos com foco na inclusão social, no grupo Mulheres em Movimento com turmas de ginástica e diversas atividades objetivando a construção e reconhecimento de ações afirmati-vas, com crianças e adolescentes em escolas de esporte, equipes competi-tivas, programas e atividades de lazer e atuando diretamente na garantia da escolarização, formação pedagógica e geração de postos de trabalho remu-nerados para homens e mulheres pre-sos no sistema penal paulista. Apesar das diferentes intervenções, quer seja pelos públicos, quanto pelas políticas de ação, esteve presente como eixo

central a busca e garantia de direitos. A materialização do direito indivi-dual e social necessariamente se dá pelas ações organizadas e efetivadas pelas diferentes políticas setoriais, portanto meu grande interesse e en-volvimento nesta área durante minha trajetória profissional.

CASA em Revista – É muito co-mum ouvir falar sobre a falta de po-líticas públicas em todas as esferas, ou seja, educação, saúde, moradia... Enfim, você concorda que realmente faltam políticas públicas ou a aplica-ção efetiva daquilo que já existe?

Adilson – É fato que as políticas públicas devem organizar seus acessos de forma universalizada e qualificada a todo e qualquer cidadão brasileiro. Neste momento, para construir uma lógica de raciocínio, recorro à Declara-ção Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948, assinada na mesma data pelo Brasil. Apresento trechos de alguns artigos para fundamentar e sustentar minha resposta, desta forma dando início:

• Artigo 1 – Todos os seres huma-nos nascem livres e iguais em dignidade e direitos....

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• Artigo 3. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à se-gurança pessoal.

• Artigo 21. 2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

• Artigo 25. 1. Todo ser huma-no tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis...,

• Artigo 28. Todo ser humano tem direito a uma ordem social e in-ternacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na pre-sente Declaração possam ser ple-namente realizados.

A Declaração Universal dos Direi-tos Humanos e nossa Carta Magna tecem a defesa dos direitos e deve-res humanos para seu pleno exercí-cio em prol da qualidade de vida. Desta forma, as políticas públicas, enquanto ações estruturantes, de-vem possibilitar a construção de caminhos seguros para todos os ci-dadãos, entendendo, respeitando e materializando os direitos individu-ais e sociais durante todo o processo formativo destes enquanto membros da sociedade.

pela cultura, esporte, lazer, formação profissional, habitação, saneamento básico, transporte, entre outras. Tal distanciamento não acontece apenas para a juventude, mas em geral para todo o núcleo familiar de forma inter-geracional. Também podemos afirmar que este distanciamento das ações orga-nizadas pelas políticas públicas não se dá apenas por opção do público-alvo, mas principalmente, porque não existe uma amplitude e eficiência nas inter-venções. O direito ainda é garantido a grupos determinados e não de forma ampliada, ou seja, a oferta não dialo-ga com a realidade. Para exemplificar, utilizarei as ações organizadas pela área do esporte que podem em determinado bairro implantar turmas de escolas de esportes de voleibol para crianças de 7 a 10 anos, em horário compatível com o contraturno escolar, porém a grande necessidade do bairro é construir ações intersetoriais urgentes para o público adolescente e jovem que se encontra em situação de risco social e sem nenhum tipo de atendimento organizado. Não quero negar a importância na questão da prevenção estimulada pelo serviço da escola de esporte, mas não podemos ter organizado apenas esta ação, desconsi-derando a realidade social, caso contrá-rio, neste exemplo, passamos a escolher

Este preâmbulo torna-se necessário para continuarmos a pensar na questão do direito e verificarmos que as políti-cas públicas, dispostas nas suas possibi-lidades de diversificação, estão postas na sociedade e organizadas pelas admi-nistrações públicas em suas diferentes esferas de governo, porém, na perspec-tiva de sua amplitude e universalização apresentam problemas.

Temos um distanciamento do que podemos chamar de direito expresso e direito materializado. Existir políticas públicas de atenção não significa que estas estão organizadas na diretriz da universalização, a partir do conheci-mento da realidade do público a ser atendido com vistas a criar canais efe-tivos de participação.

Adentrando ao universo dos ado-lescentes com práticas infracionais no Brasil podemos citar, como exemplo, o distanciamento dos jovens das redes oficiais de educação. Sabemos, pelos dados apontados pelo sistema socio-educativo nacional, que em geral aos 14 anos os adolescentes distanciam-se da escola e aos 15 anos cometem o primeiro ato infracional devidamente flagrado pelo aparato policial. Pode-mos afirmar que o distanciamento não é apenas da Educação e sim da grande maioria das políticas de direito, ou seja,

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ENTREVISTA

que protegeremos apenas as crianças de 7 a 10 anos. Enfim, acredito que para além da amplitude das intervenções de forma a universalizar o acesso a todo o cidadão, conforme previsto na legisla-ção brasileira, é necessário que os ges-tores das diversas políticas públicas, nas esferas de governo, efetivem ações em-basados nos princípios da intersetoria-lidade e da territorialização para a im-plantação de programas/projetos/ações mais fortalecidos e de encontro com as necessidades, expectativas e possibilida-des expressas socialmente.

CASA em Revista – Desde a re-cente passagem do Brasil, de um sistema político de exceção para a democracia, verificam-se inúmeras reformas legais e institucionais, tendo como escopo a eliminação do que foi considerado autoritário, ba-seando-se, sobretudo, no reconhe-cimento da cidadania. No entanto, hoje ainda presenciamos a busca por reformas, sobretudo no que tange a justiça e cidadania. Você considera que isso esteja atrelado à falta de políticas públicas?

Adilson – De certa forma sim. Todo sistema de exceção mantém acirradas as disputas entre as classes sociais no que diz respeito a seus direitos de ci-dadania, haja vista embutir-se a ques-tão econômica como determinante da abrangência destes. Para tanto é pre-ciso apresentar a questão social como uma, senão a mais forte, causadora do aumento da problemática que traçou o caminhar de grande parte da popula-ção à margem da sociedade. Segundo afirma Wanderley: “A questão social foi nomeada explicitamente, nos anos de 1830, quando se tomou consciência da existência de populações que foram, ao mesmo tempo, agentes e vítimas da Revolução Industrial. (2008, p. 59)”

Enfrentamos uma insuficiência de políticas setoriais, diante das neces-

sidades apresentadas e ainda referen-ciadas em bolsões de pobreza. Como não temos políticas fundamentais a oferecer a toda a população, os direi-tos constitucionais são violados. Os mais desfavorecidos economicamen-te ainda são vistos como criadores de sua própria realidade. Não se leva em conta sua impossibilidade ou dificul-dade de acesso aos bens sociais.

Falta uma discussão mais acurada so-bre a questão social, sobre o modo de funcionamento da sociedade, voltado para a produção e distribuição de ri-queza em um modelo neoliberal. Nesta realidade e considerando os desajustes sociais historicamente produzidos no nosso país, temos ainda inúmeras lu-tas rumo à justiça social, em diferentes frentes, que precisam ser vencidas para a construção de um país mais humano, fraterno e com condições dignas de vida para todos. Finalizando, acredito que as políticas estruturantes deverão orga-nizar seus enfrentamentos com plane-jamentos que considerem as realidades expostas, com suas desigualdades a ser equacionadas, com metas claras e pos-síveis para sua superação para que pos-samos, cada vez mais, nos distanciar da utilização de políticas compensatórias como modelos de atenção.

CASA em Revista – Consideran-do que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA integra o pro-cesso de racionalização da punição de adolescentes a partir da cons-trução de um enquadramento legal detalhado. Você concorda com afir-mações que dizem que ainda estão indefinidos os critérios para a apli-cação da medida socioeducativa?

Adilson – O SINASE Lei 12.594/12, a meu ver, responde à questão de cri-térios de aplicação tendo organizado capítulos tratando especificamente da execução das medidas socioeducativas, dos procedimentos e dos direitos indivi-

duais. O que falta, na minha avaliação, é o respeito a esses princípios para pos-sibilitar a boa execução de uma medida socioeducativa aos jovens que, de fato, necessitem deste programa. O sistema socioeducativo, em grande proporção, vem sendo utilizado como serviço pro-tetivo em substituição a intervenções de outras políticas que não existem ou são insuficientes, provocando desta forma uma grande violação dos direitos dos adolescentes, além de má utilização de um dispositivo legal. Um fato preocu-pante nas afirmações que cobram maior rigor com a juventude envolvida com atos infracionais, pode ser a construção de uma lógica de ação com adolescentes aos moldes do praticado com adultos no sistema prisional. No que diz respeito à execução da medida socioeducativa, há tentativa de aproximá-la ao disposto na Lei de Execução Penal com adaptações para o sistema socioeducativo. Acredito ser um equívoco, pois, mais uma vez na história social do Brasil, buscamos for-mas de resolver as problemáticas sem ir ao centro da questão, penalizando desta forma mais uma vez, o lado mais en-fraquecido na disputa da escala social. Nenhuma pessoa nasce predeterminada a cometer crimes ou atos infracionais sem ter a mínima preocupação e cuida-do com a própria vida e com a vida do próximo, são formados para esse cami-nho frente as suas possibilidades de vida. Não quero aqui negar os casos que pas-saram por situações fragilizadas na vida e conseguiram manter-se distanciados de contravenções, pois sabemos desta realidade, mas seguir por este caminho de avaliação caminhamos para a “des-responsabilização” do Estado em detri-mento da responsabilização individual.

Não é o rigor ou regramento jurí-dico que devem ser alterados e sim as ações preventivas, protetivas e de justiça social para que, de fato, se dis-tanciem jovens do sistema de justiça. Para além do sistema socioeducati-

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vo, que deve ser motivo de constante preocupação e avaliação, é necessário e urgente deter a entrada a ele e essa ação não é do próprio sistema.

CASA em Revista – O Sistema Na-cional de Atendimento Socioeduca-tivo – SINASE teve como premissa básica construir parâmetros mais objetivos no atendimento ao ado-lescente infrator. Você acredita que esses objetivos tenham sido alcança-dos, ou ainda se faz necessário a for-mulação de outras políticas públicas para efetivar e fazer cumprir os pro-gramas de atendimento aos direitos da criança e adolescente?

Adilson – Acredito que o SINASE 2012 traz grandes contribuições para o processo de reordenamento do sistema socioeducativo brasileiro iniciado ain-da em 2006, pós-SINASE deliberação do CONANDA. Porém, por si só não provocará as mudanças desejadas pelos

“perseverantes sociais” que atuam nes-te sistema. Algumas questões impor-tantes ainda precisam ser conquistadas na sua real efetivação como a defesa técnica para todos os adolescentes, a aplicação de medidas em meio aberto em contraponto da internação, a efe-tiva participação das políticas setoriais nas ações a serem desenvolvidas com os adolescentes inseridos no sistema socio-educativo, na recepção deles quando do encerramento das medidas socioeduca-tivas para a construção de projetos de vida distanciados de atos infracionais e, fundamentalmente, na construção de redes protetoras e preventivas nos municípios. O balizador de todas estas intervenções poderão ser os planos esta-dual/municipais de atendimento socio-educativo que deverão ser construídos a partir do lançamento do plano na-cional com previsão para o lançamento no mês de novembro/14. É preciso re-gistrar que enquanto não houver ações

articuladas entre as esferas de governo, a juventude brasileira fica desguarne-cida de ações efetivas de proteção. Tal fato pode ser avaliado em algumas fa-lhas executivas no próprio SINASE, no qual os planos de atendimento, a serem construídos pelas esferas de governo, devem ser complementares para traçar-mos redes mais sólidas de intervenção. Porém, a previsão em lei foi o lança-mento do plano nacional e, após 360 dias, o lançamento dos planos estaduais e municipais, o que gera interpretações e ações isoladas entre as esferas estaduais e municipais, pois cada uma deve orga-nizar seus planos em obediência à lei, mas corremos o grande risco de planos em total descompasso. A organização de um sistema nacional deve ultrapas-sar qualquer interferência política para poder se concentrar na organização de ações efetivas e complementares entre as esferas de governo.

CASA em Revista – O histórico descaso e maus-tratos às crianças, adolescentes e jovens no Brasil é extenso. Sabe-se que eram subjuga-dos à posição de inferioridade pelos adultos. No decorrer dos séculos, pouca coisa muda. É somente no século XX que a situação dessa ca-mada da população é drasticamen-te modificada. A questão do menor brasileiro passa a ser um importan-te problema social. A sociedade se divide entre assegurar direitos ou “se defender” dos menores. Ainda hoje, percebemos que a sociedade brasileira mantém-se indiferente aos direitos da criança e do adoles-cente. Você acredita que essa indi-ferença pode ser um impedimento para o sucesso da efetivação das po-líticas públicas que são criadas?

Adilson – A problemática que envolve crianças e adolescentes em situação de abandono, carência ou prática infracional esteve presente em

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ENTREVISTA

Adilson – O Estado tem o papel fundamental da defesa e concretiza-ção dos direitos, porém acredito que ainda precisamos avançar muito em ações intergovernamentais, ultrapas-sando o cenário das disputas partidá-rias se quisermos de fato ter enfren-tamentos qualitativos e com maior assertividade.

CASA em Revista – Concorda com que não é possível conceber que ado lescentes sejam alvo das políticas públicas apenas quando infratores? Como vê a necessidade da execução de medidas preventivas, que impe-çam a entrada do adolescente na marginalidade e criminalidade?

Adilson – Para avaliarmos esta questão é preciso analisarmos alguns dados brasileiros, são eles:

• 14,1 milhões de famílias sendo apoiadas pelo Bolsa-Família;

• 13 milhões de analfabetos a partir dos 15 anos;

• 715 mil homens e mulheres pre-sos elevando o Brasil ao 3° lugar no cenário mundial;

• 19 mil adolescentes inseridos no sistema socioeducativo;

• 8 milhões o déficit de creche para crianças até 3 anos;

• 4,8 milhões de trabalhadores en-tre 5 e 17 anos, sendo 1,2 na fai-xa etária até 13 anos;

Um grande contrassenso que vivemos na atualidade é a busca e garantia da pro-teção integral nos momentos em que os direitos já foram violados. Não pretendo discutir a necessidade da efetividade de diferentes ações necessárias e fundamen-tais que visem a sustentar os momentos de fragilidade, pois a questão é óbvia. O ponto que precisamos avançar é no dis-tanciamento de crianças, adolescente e adultos dos pontos de risco e vulnerabi-lidade social, organizar ações de proteção quando se perde a liberdade é o maior, senão um dos maiores problemas que vislumbro socialmente.

Temos um distanciamento do que podemos chamar de direito expresso e direito materializado. Existir políticas públicas de atenção não significa que estas estão organizadas na diretriz da universalização, a partir do conhecimento da realidade do público a ser atendido com vistas a criar canais efetivos de participação.

vários decretos, comunicados e leis desde o Império. Ao longo da nossa história, aparecem claramente marca-dos sob os olhares da elite, que não buscou resolver o problema, mas sim encontrar formas de distanciá-los dos olhares sociais.

Na maioria dos casos buscou-se ga-rantir atendimentos em espaços distan-ciados e sem nenhuma preocupação em aprofundar as questões específicas para propor intervenções mais adequadas e qualificadas. Para exemplificar, em São Paulo, apenas no ano de 1992, a FEBEM deixou de atender carentes, abandonados e infratores, até então serviços com características totalmente diferenciadas estavam sendo executadas de forma muito aproximada, senão pe-las intervenções técnicas pelos espaços e condições dos atendimentos. Na nossa história estão presentes os grandes com-plexos na lógica da instituição total, sendo mais uma estratégia para manter os públicos atendidos em suas necessi-dades, mas distantes da sociedade.

Acredito que participação política ainda é muito pequena e a preocupa-ção com o todo é ainda mais distante. A mundialização possibilita acesso a to-dos os bens de mercado, o que estimula cada vez mais a competição exacerbada, visando ao lucro pessoal, que reflete o egoísmo no dia a dia.

A sociedade brasileira, como parti-cipante de uma democracia, presen-cia e vivencia a violência à qual estão submetidas diretamente parcelas da população e muito pouco faz para transformar essa realidade, como se isso não lhe dissesse respeito.

CASA em Revista – Sabemos que o direito não se realiza pelo simples fato de estar contemplado em con-venções, tratados e constituições. Como vê a presença do Estado em seu papel de assumir, promover e garantir a efetivação dos direitos hu-manos através de políticas públicas?

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CASA em Revista – Diante do consumo abusivo de drogas, muito presente na população atendida pela Fundação CASA, você acredita ser possível modificar hábitos com a cria-ção de políticas públicas? Que ações específicas indicaria para esse grupo?

Adilson – Para pensarmos sobre a questão das drogas mais uma vez é preciso considerar que, pela ausência ou ineficiência de políticas setoriais de formação e proteção, ainda há fa-mílias abandonadas à própria sorte pelas esferas públicas. Esta situação torna o trabalho informal o grande alavancador da garantia de sustento dessas famílias e de seus jovens.

Entre as alternativas de sobrevivên-cia que se lhes apresentam, não se pode negar a presença do crime, especifica-mente o tráfico de drogas, que alicia crianças, adolescentes e adultos, possi-bilitando uma forma mais rápida de ge-ração de renda. Muitas vezes, essa pode se configurar como a única alternativa de trabalho viável no espaço e nas con-dições em que essas pessoas vivem.

No Brasil, existem hoje núcleos po-pulacionais sustentados pelo tráfico, o qual substitui grande parte das políti-cas estatais neles ausentes. Isto faz os traficantes assumirem uma legitimi-dade política e de poder junto a essas comunidades.

Esse fato fica evidente com o au-mento do número de adolescentes que vêm ingressando na Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo de São Paulo (Casa-SP), envolvidos com o tráfico de drogas, superando em al-guns casos outros índices históricos que contemplam outros tipos de in-fração, como o roubo. O aumento do tráfico em relação ao roubo merece ser melhor analisado, para que se possa ter um entendimento mais amplo desse dado e melhor conhecimento da rea-lidade do público a ser atendido por políticas preventivas e protetivas.

CASA em Revista – O que acon-selha ao leitor de CASA em Revista sobre o papel de cada um na con-quista de políticas públicas que possam exercer impacto nas con-quistas de direitos e de cidadania?

Adilson – O entendimento do que é direito ainda deve ser constantemente reforçado socialmente, para aproximar os que ainda se encontram distancia-dos de suas reais possibilidades indivi-duais e sociais. Nesta direção, cada in-divíduo deve ter a noção de seu papel na dinâmica social a fim de lutarmos para a construção de um país cada vez mais próspero pela sua justiça social.

Podemos dizer que, no momento atual, o tráfico pode estar gerando “postos de trabalho” para os adoles-centes que se encontram em situação menos favorável na escala social.

Isto porque ele possibilita a manu-tenção da distribuição de drogas ilícitas, sem colocar os adultos em risco nessa tarefa, o que é importante para o trá-fico, já que as consequências desse ato são diferentes quando cometidos por adultos ou por adolescentes. Como resultado dessa situação, a exploração infantojuvenil vem crescendo de forma assustadora. Minha intenção, ao expor esses fatos, não é apontar a necessida-de de que seja revista a situação jurídica estabelecida para os adolescentes, na perspectiva de utilizar os fatos aponta-dos como justificativa para a redução da maioridade penal, mas sim, trazer mais um dado sobre a precariedade de aten-ção que vivencia o jovem brasileiro.

CASA em Revista – Quais polí-ticas públicas poderiam ser ade-quadas e eficazes na prevenção do uso de drogas e envolvimento com o tráfico?

Adilson – Na questão da prevenção, todas as políticas devem estar presentes na garantia de informações/contribui-ções para a formação individual e social de cada cidadão, fazendo prevalecer a proteção integral traduzida pela priori-dade absoluta presente na nossa legisla-ção. No envolvimento com o mercado do tráfico destaco a entrada no mundo do trabalho, a qual deve ser muito bem organizada com nossos adolescentes e jovens buscando contribuir com as possíveis defasagens que precisam ser enfrentadas para poder trilhar esse ca-minhar. Minha preocupação nesta po-lítica, pois, vivemos uma época de pre-carização das relações de trabalho, o que já vem distanciando mais pessoas desse caminho, principalmente os que se en-contram defasados ou distanciados das ações formativas de direito.

Nenhuma pessoa nasce predeterminada a cometer crimes ou atos infracionais sem ter a mínima preocupação e cuidado com a própria vida e com a vida do próximo, são formados para esse caminho ante as suas possibilidades de vida.

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ENTREVISTA

CAMILA CALDEIRA NUNES DIASDoutora em Sociologia – USP/SP

O jovem: ponto de intervenção ou portador de direitos?

Graduada em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo. Atualmente

é professora adjunta da Universidade Federal do ABC, onde exerce também a função de Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais. Também atua como pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo. É membro do Conselho da Comunidade da Comarca de São Paulo e associada ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Desenvolve pesquisas relacionadas ao campo da segurança pública, criminalidade organizada e violência.

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CASA em Revista – Conte-nos um pouco sobre sua trajetória profissio-nal, seu interesse a respeito de po-líticas públicas e a criação do curso que trata do assunto na Universida-de Federal do ABC – UFABC.

CAMILA – Fiz graduação em Ci-ências Sociais, mestrado e doutorado em Sociologia na Universidade de São Paulo. No mestrado me interessei pelos problemas relativos ao sistema prisional e esse foi o tema da disserta-ção e da tese de doutorado. Em 2012, tive a oportunidade de ingressar na UFABC para compor o quadro de docentes do recém-criado Bacharela-do em Políticas Públicas. Desde en-tão, a UFABC tem sido um espaço de reflexão crítica acerca dos impasses e possíveis avanços no que diz respeito às políticas vinculadas à segurança pública e à prevenção da violência, tanto no âmbito do curso de políticas públicas, como no âmbito do Progra-ma de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais, no qual fui cre-denciada ainda em 2012 e que passei a coordenar em 2014.

CASA em Revista – Sabemos que, para falar sobre políticas públicas, é preciso delimitar sua abrangência em termos da esfera pública e de seu conteúdo temático (saúde, edu-cação, moradia...). Como a senhora percebe a participação dos movi-mentos populares, seja para discu-tir as políticas já em vigor seja para apresentar alternativas que possam atender aos interesses da população?

CAMILA – A participação dos mo-vimentos populares é fundamental para a discussão sobre políticas pú-blicas numa sociedade democrática. Neste sentido, cabe ao poder públi-co criar espaços para o debate com os setores da sociedade civil que são diretamente afetados ou interessados em cada uma das áreas das políticas públicas. É fundamental que os ope-

radores do Estado ouçam as deman-das, as necessidades, as reivindicações dos mais diferentes segmentos da população e, a partir da conjugação dessas demandas, possam formular as políticas públicas que tenham como norte o atendimento dessas reivindi-cações, bem como a avaliação sobre os resultados efetivamente alcançados e os efeitos produzidos pela sua inter-venção sobre os grupos sociais mais diretamente afetados por elas.

CASA em Revista – As políticas públicas visam a responder à de-mandas, principalmente dos seto-res marginalizados da sociedade, considerados como vulneráveis. Essas demandas são interpretadas por aqueles que ocupam o poder, mas influenciadas por uma agenda criada pela sociedade civil. Num campo extremamente contraditório, em que se entrecruzam interesses e visões de mundo conflitantes, você acredita que a sociedade civil está preparada para dar conta desse de-bate e defender seus interesses?

A participação dos movimentos populares é fundamental para a discussão sobre políticas públicas numa sociedade democrática.

CAMILA – Em primeiro lugar, é muito abstrato falar em “socieda-de civil”. Há uma multiplicidade de atores, grupos, segmentos que são reunidos sobre essa rubrica e que se difere em termos de sua organização interna, em suas articulações exter-nas – uns com os outros e com os di-versos atores estatais com os quais se relacionam – em termos ideológicos, no que diz respeito aos seus objetivos, as formas de alcançá-los etc. Há, tam-bém, que se considerar que, quando se fala em “sociedade civil” em geral, nos referimos às parcelas mais organi-zadas da sociedade, aquela parte que já conseguiu superar os obstáculos que se colocam para a mobilização e a organização coletiva em torno de interesses comuns. Isso significa que há uma imensa parcela da população brasileira que não necessariamente está representada pelos agrupamentos e atores que mais ativamente se mo-bilizam para pautar políticas públicas em áreas específicas. Esse é um dos grandes desafios no Brasil: conseguir mobilizar uma parcela de pessoas que,

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ENTREVISTA

por uma série de motivos, não está mobilizada. Neste sentido, acho que a “sociedade civil” brasileira está, ain-da, amadurecendo. Nos anos 1980, as perspectivas eram mais otimistas. Nos anos 1990 e 2000 o vigor que as as-sociações pareciam mostrar na déca-da anterior acabou sendo subsumido por perspectivas de cunho individu-alizado, corporativista, clientelísticas. Muitos dos setores organizados da sociedade civil, paradoxalmente, se organizam em torno de propostas e reivindicações de cunho fortemente conservador e não progressistas, no sentido da extensão dos direitos. So-bretudo quando se discutem questões relacionadas com a segurança públi-ca, violência e direitos humanos esses paradoxos tornam-se bem claros e as demandas por punição figuram como elementos centrais do debate.

CASA em Revista – No Brasil, pelo menos até as primeiras décadas da República, a questão social foi trata-da como caso de polícia. O compor-tamento reivindicatório das classes menos favorecidas era considerado contravenção e passível de castigos. Hoje, uma parcela importante da po-pulação brasileira ainda vive em con-dições inadequadas. De que forma as políticas públicas têm contribuído para a alteração desse quadro?

CAMILA – A questão social no Brasil, em pleno século XXI, continua sendo tratada como caso de polícia. As populações marginalizadas, vistas como classes perigosas, continuam a ser vistas e tratadas, em grande par-te, da mesma forma. Infelizmente, não vemos “políticas públicas” – dig-nas desse nome – no que diz respei-to ao tratamento dessas questões. As ações do poder público são, em geral, imediatistas, reativas, de curtíssimo prazo, sem planejamento e com um caráter muito mais expressivo – no

social, conseguiu superar a tradição de benemerência e caridade, enten-didas como suporte ao clientelismo?

CAMILA – Acho que essa transfor-mação no que diz respeito à concep-ção da assistência social como política pública ainda está em processo. Penso que, em muitos sentidos, na ponta, as políticas muitas vezes se mesclam com práticas outras que acabam pro-duzindo um resultado ambíguo e que não raramente, acabam sendo “priva-tizadas” para alguns políticos ou ins-tituições específicas que capitalizam a promoção da assistência social, trans-formando-os em favores e, portanto, inscritos nas práticas clientelísticas. Tivemos avanços, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.

CASA em Revista – Qual é o pa-pel das políticas públicas no desen-volvimento e na transformação da realidade de jovens que, sem outras oportunidades, acabam envolvidos com a criminalidade?

CAMILA – Há dois papéis funda-mentais das políticas públicas neste sentido. Um deles é o da prevenção. A esse respeito, os municípios deve-riam ocupar uma posição central na oferta de serviços públicos nas áreas de educação, lazer, saneamento bási-co, infraestrutura urbana etc. Os Es-tados e a União igualmente são atores essenciais, mas é o município que tem a capilaridade necessária para identifi-car e suprir as necessidades desse pú-blico com mais competência. Contu-do, não é isso que vemos acontecer. O outro papel é o da integração e prote-ção social, quando o jovem se envolve com a criminalidade. Nesse sentido, o Estado ocupa uma posição central no que se refere a oferecer ao jovem uma rede protetora que envolva a família, envolva a promoção da cidadania do jovem (que vai desde o acesso a do-cumentos pessoais até o fornecimento

Em primeiro lugar, é muito abstrato falar em “sociedade civil”. Há uma multiplicidade de atores, grupos, segmentos que são reunidos sobre essa rubrica e que se diferem em termos de sua organização interna, em suas articulações externas.

sentido de demonstrar que algo está sendo feito – do que objetivo.

Neste sentido, ainda não fomos ca-pazes de propor políticas públicas na área da prevenção da violência, por exemplo, que se caracterizem pelo planejamento de médio e longo pra-zos; com caráter integrador, inclusi-vo. Que possa ser medido, avaliado e, se for o caso, transformado. O que as-sistimos é uma demanda permanente e permanentes promessas de amplia-ção das redes de instituições cuja fi-nalidade é eminentemente repressiva e punitiva (polícias, prisões, institui-ções socioeducativas de privação de liberdade etc.).

CASA em Revista – Você concor-da que conceber a assistência social como direito à cidadania, política pública, prevendo ações de combate à pobreza e promoção do bem-estar

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de informações básicas), educação, a profissionalização, a promoção da saúde, a proteção pessoal contra ame-aças físicas e psicológicas. Mais uma vez, aqui também o que temos visto é que a repressão e a punição ocupam um lugar central nos discursos e nas práticas políticas. Uma das expressões mais claras disso é a demanda pela re-dução da maioridade penal e a adesão de muitos políticos, de vários partidos políticos, a essa bandeira.

CASA em Revista – Na trajetória recente das políticas públicas desti-nadas aos jovens no Brasil, acredi-ta-se que essas ainda tendem a per-manecer muito mais como “estado de coisas”, do que como problemas de natureza política que demandam respostas. Comente.

CAMILA – Como já comentado antes, as políticas públicas em mui-tas áreas – e as políticas voltadas para os jovens estão entre elas – tem um caráter reativo. Ou seja, elas res-pondem – ou tentam responder – a demandas que surgem, geralmente, após acontecimentos com ampla re-percussão pública. Não se trata, por-tanto, de ações proativas que visam a transformar significativamente a natureza dos problemas e tratar as questões a partir de um debate am-plo buscando propostas e traçando caminhos para implementá-las. Tra-ta-se sempre do mais do mesmo. Há décadas ouvimos as mesmas respos-tas para os mesmos problemas.

CASA em Revista – No cenário atual é possível observar iniciativas públicas voltadas para a juventude e sua mobilização, algumas envolven-do parcerias com instituições da so-ciedade civil e as várias instâncias do Poder Executivo. O sucesso da imple-mentação de políticas públicas está vinculado a negociações e formação

de consensos, e, portanto, demanda a participação efetiva da sociedade. Em sua experiência, a senhora tem obser-vado a presença do jovem decidindo em prol de seus interesses?

CAMILA – As experiências do jo-vem como sujeito de direitos, ativo, é absolutamente pontual, localizada e restrita. O jovem e, ainda mais, o jovem em situação de vulnerabilidade social é visto como ponto de inter-venção – médica, punitiva, repressiva, pedagógica etc. – e não como sujeito portador de direitos e com capacidade de reflexão e de expressão de seus de-sejos, necessidades e demandas.

CASA em Revista – Como a se-nhora vê o papel do Estado nas orientações dirigidas à formação de mão de obra, ao controle social do tempo juvenil e a realização dos jo-vens como sujeitos de direitos?

CAMILA – O Estado deveria criar as condições para que o jovem pudesse exercer o protagonismo de sua própria vida, ao lado da família, amigos etc. Para isso, é essencial uma escola pública de qualidade que dê a ele condições de emancipar-se através da educação, que envolve a profissio-nalização, mas, vai muito além dela. Só isso já seria um salto gigantesco. E o Estado não consegue fazer isso. Se não consegue fazer isso, imagine então, ampliar o raio de sua atuação.

CASA em Revista – Voltando aos jovens que se encontram em franco processo de exclusão ou privados de direitos, o que a senhora considera-ria importante tanto à sociedade ci-vil, quanto ao poder público como modo de concebê-los e percebê-los como sujeitos de direitos?

CAMILA – A única forma de fazer isso ou, pelo menos, o primeiro passo para isso seria ouvi-los, dar voz a esses jovens. Pode até parecer utópico, mas, estabelecer canais de comunicação, de expressão de suas necessidades, de-mandas e desejos, ouvir o que eles têm a dizer. Por que quase nunca fazemos isso? Porque as instituições que lidam com jovens – desde a escola até as ins-tituições para cumprimento de me-didas de privação de liberdade – não fazem isso? As famílias, em geral, não fazem isso. Talvez, porque ainda não tenhamos percebido o jovem como sujeito de direitos, de fato. Ou o con-cebemos como alguém que deve ser permanentemente tutelado, vigiado e controlado. Dar voz a eles, criar canais onde possam se expressar sem temer represálias, punições ou ameaças seria o primeiro passo de um longo percur-so que seria ajudá-los a se tornarem sujeito de direitos, protagonistas de suas próprias vidas, emancipados da necessidade de tutela ao mesmo tem-po em que se lhes garantem proteção física, social e psicológica.

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ARTIGOTÉCNICO

Campo socioeducativo e ação: em favor da política

Notas de rodapé

1 - Coordenador do Mestrado Profissional

Adolescente em Conflito com a Lei (UNIBAN-

Anhanguera)

2 - Vice-Coordenadora do Mestrado Profissional Adolescente em Conflito

com a Lei (UNIBAN-Anhanguera)

Gostaríamos de pedir licença ao leitor para apresentar uma série de apontamentos

sobre o sistema socioeducativo e sua articulação (ou desarticulação) com as políticas sociais para a juventude, partindo do posicionamento éticopolítico de que a principal tarefa dos atores envolvidos nas tramas do sistema é agir na esfera pública de modo que tensione com uma visão estritamente punitiva. Antes de discutirmos a concepção e algumas das condições atuais da política para adolescentes em conflito com a lei, convém primeiro apresentar como compreendemos o sistema socioeducativo e a natureza política das relações entre instituições, grupos e indivíduos que atuam no seu interior. Consideramos oportuno, portanto, precisar os conceitos que aqui adotamos de campo socioeducativo, ação e política.

PAULO MALVASI1

ISA GUARÁ2

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socioeducativo são de natureza política; isto significa que a direção socioeducativa da execução das medidas socioeducativas implica a construção de algo que ainda não existe. Para reconhecer tais desafios precisamos olhar a configuração atual da política socioeducativa e a sua articulação com o universo mais amplo de políticas para a juventude.

Concepção e condições da política atual vigente no campo socioeducativo

A nova Lei 12.594/2012 do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE estabelece, entre os objetivos das medidas socioeducativas, a responsabilização do adolescente pelo ato infracional cometido, a aplicação de medida que restringe total ou parcialmente sua liberdade de vida social em comunidade, como forma de sanção por sua conduta, enquanto, por outro lado, assegura os direitos que visam à sua reintegração social. Esta conjugação de objetivos expressa uma expectativa de que a punição exerça a função inibitória para novos comportamentos

O sistema socioeducativo pode ser considerado como um campo político complexo que envolve diversos atores institucionais. Trata-se de uma implicação que produz interconexões entre os programas de atendimento, o Poder Judiciário, Ministério Público e conselhos de direitos, polícias e secretarias municipais e estaduais (principalmente das áreas de saúde e assistência social), parcerias entre órgãos governamentais e nãogovernamentais; busca por ações descentralizadas, construídas de modo participativo, articulação intersetorial das áreas de políticas públicas no âmbito municipal, estadual e federal, para garantir a universalidade das políticas e serviços.

Consideramos, por isso, a noção campo como uma referência importante para pensarmos sobre a constituição e a expansão do sistema socioeducativo no Brasil. Tal afirmação se baseia na constatação de que o socioeducativo constitui um universo em que agentes (indivíduos e organizações) tramam uma rede de influência recíproca. A noção de campo procura comportar a dinâmica das interações sociais e a estrutura das relações de poder (Bourdieu, 1983). Partir da ideia de

campo para pensar o socioeducativo, implica observar a existência de atores estruturados que estão competindo.

A ideia de construir uma ação socioeducativa no interior desse campo político complexo, marcado pela diversidade de interesses e pelo viés punitivo da sociedade brasileira contemporânea, implica a política, isto é, a construção de “um novo começo” em um espaço público plural. O conceito de política como o agir entre outros compreende os valores de humanidade não como normativas éticas universais, mas como processos situacionais e singulares de ruptura com o vigente, um agir da transgressão de antigos valores e de criação do novo. Segundo Hannah Arendt, “a grande importância que o conceito de começo e origem tem para todas as questões estritamente políticas advém do simples fato de que a ação política é sempre essencialmente o começo de algo novo; como tal ela é, em termos de ciência política, a própria essência da liberdade humana” (Arendt, 1993, p. 51). A ação política tem como essência, nessa perspectiva, fazer um novo começo.

Os principais desafios que se colocam hoje no sistema

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ARTIGOTÉCNICO

(PIA) – de conteúdo educativo com ênfase no investimento em seu desenvolvimento pessoal e social – e, ao mesmo tempo, a de levá-los a cumprir as exigências legais de natureza mandatória, com conteúdo sancionatório, refletindo e assumindo responsabilidades por sua conduta. Nesta direção estão presentes (e superpostas) as diversas possibilidades de justiça, as políticas sociais públicas e a possibilidade de escolha e decisão do adolescente sobre suas ações, a consequência delas e seu projeto de vida.

Espera-se das instituições e serviços responsáveis pela execução das medidas socioeducativas a tarefa complexa de discutir de forma clara e objetiva com os adolescentes sobre sua trajetória infracional, as razões do delito, sua capacidade de decisão sobre ele, os danos causados às vitimas e alternativas efetivas de inserção social. As múltiplas variáveis envolvidas nesta história e no contexto em que acontecem confrontam os profissionais e gestores com a necessidade de uma visão mais alargada das possibilidades e limites de uma esperada mudança de conduta.

O percurso de planejamento de uma ação socioeducativa com estes adolescentes começa com o registro de uma longa lista de desatenções que revelam a situação das famílias e dos adolescentes em relação aos serviços, benefícios e apoios esperados em uma sociedade democrática.

O sistema da responsabilidade solidária para a efetivação dos direitos do adolescente está nos artigos 227 da Constituição Federal e no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Neles se reconhecem as diferentes redes de proteção e as diversas áreas que precisam estar presentes na

garantia dos direitos do adolescente e a necessidade de interação e complementação das agências para a proteção integral. De acordo com o SINASE (2006), é preciso “fortalecer as redes sociais de apoio, especialmente para a promoção daqueles em desvantagem social” conjugando esforços e procurando o comprometimento da sociedade na questão (p. 26).

Os serviços que executam as medidas socioeducativas se tornam um veículo de acesso (muitas vezes, o primeiro) às políticas sociais. Isto significa acionar e tensionar as políticas públicas para que a justiça distributiva baseada em padrões de igualdade e equidade se realize para o adolescente e sua família. Como nestas histórias de vida os bens e serviços não chegaram a tempo, é preciso todo um esforço para promover a inserção social, profissional, educacional e cultural destes adolescentes que já fizeram escolhas e percorreram caminhos mais efetivos, mesmo que ilegais, para se colocar no mundo contando com os recursos de seu entorno.

A Secretaria Nacional da Juven-tude reconhece o divórcio entre os sujeitos e os sistemas públicos e con-sidera a juventude não apenas como uma etapa de transição, mas como um momento do ciclo de vida que promove a construção da autonomia dos indivíduos uma vez que “é na juventude que o indivíduo processa de maneira mais intensa a confor-mação de sua trajetória, valores, e a busca de sua plena inserção na vida social”3 (SNJ, 2013).

No que diz respeito às condições atuais das políticas sociais para a juventude em geral e para os adolescentes em conflito com a lei em especial, apresentamos uma síntese analítica das constatações mais comuns sobre a situação:

delituosos e que a oferta de novas oportunidades e apoios em programas e ações públicas disponíveis possam promover seu desenvolvimento pessoal e social e compensar eventuais fragilidades ou necessidades que persistem. Sabemos, entretanto, que a trajetória anterior e futura destes adolescentes dependeu e depende de inúmeros fatores, entre os quais, de modo muito preponderante, a existência ou não de programas e serviços que possam atendê-los em suas demandas, que vão muito além das necessidades básicas.

Para cumprir os propósitos previstos nos objetivos da medida, os profissionais que atuam nos programas com adolescentes, enfrentam a dupla tarefa de propor aos adolescentes a realização de um plano individual de atendimento

Nota de rodapé

3 - Na intenção de articular recursos para a aceleração de programas para a juventude, a referida Secretaria propôs o Programa Juventude, Autonomia e Emancipação, como parte do Plano Plurianual 2012/2015, no qual busca articular direitos e políticas públicas que permitam aos jovens trajetórias de emancipação ao longo dessa fase de vida– (p. 8).

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sinais constantes de rejeição de alguns adolescentes. O risco que se corre, como aponta Carvalho (2010), é o do “deslocamento da pobreza, como questão pública, no campo dos direitos para um problema emergencial, no campo das urgências, a ser administrado e gerido para assegurar mínimos sociais” (p. 250).

2. Os serviços das políticas sociais públicas ainda não estão espacialmente presentes onde a demanda é mais aguda: faltam serviços, programas e pessoal especializado ou qualifi-cado nas periferias urbanas onde vive grande parte dos jovens envolvidos em delitos. Como nos mostra Feltran (2010), analisando a situação da cidade a partir de Sapopemba, “a rede de proteção social não funciona, ou melhor, ela não existe como tal.” ( p. 217). A política de assistên-cia social que escolhe o território como eixo central do trabalho social, ainda não conseguiu produzir efeitos perceptíveis no cenário das periferias urbanas.

3. Os serviços, quando existem, não são divulgados e acessíveis à população que mais necessita: mesmo quando instalados nos bairros populares, as estruturas públicas ocupam espaços que

1. As políticas sociais públicas para a juventude ainda não são universais: o direito legal a um serviço ou programa destinado ao universo de sujeitos é apenas formal em grande parte das áreas. A universalidade não significa homogeneização; o que exigiria serviços e programas que atendes-sem às demandas reais dos adoles-centes. Assim sendo, o “para todos” não pode ser seletivo esco-lhendo-se quem consegue a senha de acesso para atendimento agen-dado para meses depois ou quem aceita estar numa escola que dá

O sistema socioeducativo pode ser considerado como um campo político complexo que envolve diversos atores institucionais.

exigem deslocamentos longos dos usuários ou criam critérios e estabelecem horários incompatí-veis com a possibilidade de acesso a maior parte dos interessados. Nas fronteiras urbanas, a infor-mação não chega aos grupos mais vulneráveis cujo letramento é pre-cário e que não acessam os canais virtuais de informação.

4. As políticas sociais públicas oferecem serviços homogê-neos para uma população juvenil com demandas dife-renciadas: os cursos profis-sionalizantes de melhor nível recusam os adolescentes com baixa escolaridade, os horários do atendimento são restritos, não há serviços e projetos de individualização e de acompa-nhamento regular dos encami-nhamentos. Com orçamentos baixos e poucos profissionais a tendência facilitadora é a dos serviços oferecerem poucas op-ções para atender à diversidade de interesses e de possibilidades dos demandantes.

5. Os programas existentes não oferecem um atendimento de qualidade: atenção digna, atenção devida e eficácia técnica: a precariedade tem sido a marca do que se oferece na ponta para os usuários das políticas públicas.

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Os recentes movimentos que ganharam as ruas do País, evi-denciam o descontentamento da população com a qualidade dos serviços públicos que, em que pese a influencia dos pressupostos da administração privada na gestão pública, esta ainda é burocrática, lenta e pouco voltada para acolher com sensibilidade aqueles que a ela recorrem. Os adolescentes me-recem um serviço de qualidade? Eles são prioridade legal, mas um estrato social pouco reconhecido e respeitado. Na ausência da presen-ça pública direta são as entidades sociais que primeiro se propõem a responder às demandas sociais nas periferias contemporâneas, como descreve Feltran (2010, p. 218): “As organizações tendem a repro-duzir internamente, por meio de convênios, o que falta na rede de proteção externa”.

6. As políticas sociais públicas estão desarticuladas e fragmen-tadas: Santos (1996) nos diz que, no espaço, o uno é diferen-ciado, mas nele se impõe uma unidade prática. A ideia-força da rede promove alguns ensaios de articulação local dos diversos sistemas, especialmente na saúde, assistência social, educação e

A ação política tem como essência, nessa perspectiva, fazer um novo começo.

ARTIGOTÉCNICO

cuidado e de desenvolvimento pessoal nas quais precisam ser regulares e disciplinados.

8. Os programas e serviços so-ciais públicos estigmatizam e rejeitam os adolescentes com história de indisciplina ou que cumprem medida socioeduca-tiva: o insucesso nas tentativas de inserção do adolescente leva-o a ter ainda mais consciência da desigualdade social e da ausência de recursos para fazer frente aos processos de exclusão. Discri-minado no acesso e usufruto de bens e serviços da cidade, na escola, nos serviços de saúde, nos clubes etc... O adolescente se recolhe e se alia aos pares no esforço de superação, mas per-manece confinado a uma vida de poucas relações, oportunidades e possibilidades.

Ação e compreensão: por uma política socioeducativa

No cerne de todo emaranhado institucional que envolve o campo socioeducativo, há (idealmente) o adolescente autor de ato infracional, o sujeito de direitos para o qual todo o sistema deve convergir. Para construirmos uma política

Para reconhecer tais desafios precisamos olhar a configuração atual da política socioeducativa e a sua articulação com o universo mais amplo de políticas para a juventude.

justiça cujas estruturas ainda são verticalizadas. Uma questão cen-tral que resulta desta fragmenta-ção é a indefinição de papéis em relação ao que deve e precisa ser feito pelo adolescente, o que é seu direito. Ainda há um estranha-mento entre a escola e as ONGs locais, entre a escola e as famílias, entre a Justiça e os serviços de atendimento, entre a Saúde e a Assistência Social.

7. As políticas sociais públicas ainda não conseguiram a adesão dos jovens aos serviços que oferecem: o atendimento aos jovens na pesquisa de Feltran (2010) se dá “a partir da articu-lação de uma tríade de conceitos: o vínculo, o encaminhamento e a rede de proteção” (p. 215). Sem o vínculo, que depende de relações construídas na confiança entre educadores e adolescentes, o encaminhamento pode não ser processado adequadamente ou pode não acontecer. Os adoles-centes estão mais exigentes e não querem se submeter a programas desinteressantes e a grupos com os quais não tem laços de con-fiança. Por outro lado, a inserção laboral (legal ou ilegal) afasta os jovens das atividades de auto-

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que efetivamente esteja à altura desse ideal, precisamos superar o modelo crítico que individualiza as responsabilidades. Na trajetória de mais de vinte anos de constituição do sistema socioeducativo temos observado uma individualização das questões, “assim, o fracasso na consecução de um fim maior “ a transformação de crianças e adolescentes em “sujeito de direitos” é vista como consequência de pais desatentos ou profissionais incompetentes” (Fonseca, 2009 p. 16). O quadro das condições atuais das políticas sociais para a juventude, acima exposto, mostra que o problema é muito mais abrangente e que a responsabilidade é coletiva, estatal e social.

A transformação das condições instituídas historicamente no modo como lidamos com adolescentes pobres, que são flagrados cometendo algum ato infracional, é uma tarefa que envolve a capacidade de compreender o contexto em que o acontecimento se dá. Ao lado da ação política, os atores engajados no socioeducativo devem realizar um exercício de compreensão. Como nos ensina Hannah Arendt (2002), “O resultado da compreensão é o significado que produzimos em nosso próprio processo de vida, à medida que tentamos nos reconciliar com o que fazemos e com o que sofremos” (Arendt, 2002, p. 40). Se a essência da ação política é “fazer um novo começo”, a compreensão, o “outro lado da ação política”, mais do que nos dar a resposta para os nossos dilemas, permite-nos, no final das contas, “aprender a lidar com o que irrevogavelmente passou e reconciliar-se com o que inevitavelmente existe” (Arendt, 2002, p. 52).

A situação atual revela um sistema de políticas sociais fragmentado e descontínuo. Isoladamente, as instituições responsáveis de execução de medidas socioeducativas não são capazes de gerar o conjunto de oportunidades necessárias para os adolescentes entrarem em um novo ciclo de vida, com escolhas diferentes. Se a prioridade da sociedade brasileira for a paz, os governos deverão, antes de tudo, observar a pacificação das suas próprias forças de segurança. E, se a sociedade brasileira quiser gerar alternativas aos mercados criminais, os governos e as organizações privadas deverão fortalecer alternativas econômicas, sociais e populares. O investimento no sistema socioeducativo deve ter como norte a constatação de que constitui a política pública mais próxima de um dos maiores paradoxos da democracia brasileira: o extermínio e o encarceramento massivo de adolescentes. Situado como um polo do debate político no Brasil contemporâneo, o campo socioeducativo pode ser transformado e superado por uma ágora4, onde as pessoas compreendam a natureza institucional e estrutural da violência da sociedade brasileira e ajam em prol da paz.

Referências Bibliográficas

1. ARENDT, H. Compreensão e Política. In: A Dignidade da Política. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. 1993, p. 39-54.

2. BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

3. CARVALHO, Alba M. Pinho. Sociedade, Estado e Políticas Públicas na Civilização do Capital: um olhar sobre o presente. Somanlu, ano 10, n. 1, jan./jun. 2010.

4. FELTRAN, Gabriel. Margens da política, fronteiras da violência: uma ação coletiva das periferias de São Paulo. São Paulo: Lua Nova, 79: 201-233, 2010.

5. FONSECA, C.; SCHUCH, P. (orgs.). Políticas de proteção à infância: um olhar antropológico. Rio Grande do Sul: Editora da UFRGS, 2009.

6. SANTOS, Milton. O lugar e o cotidiano. Extrato do livro: “A natureza do espaço” - Milton Santos, ed. Hucitec, São Paulo, 1996. Disponível em http://www.nossacasa.net/dire/texto.asp?texto=68m. Acesso em 12 de junho de 2013.

7. Secretaria-Geral da Presidência da República, Secretaria Nacional de Juventude. Cartilha de Políticas Públicas de Juventude, 2013

Nota de rodapé

4 - Praça principal da polis, a Cidade --Estado na Grécia da Antiguidade. É considerada o símbolo da democracia ateniense. Local de debate, pluralidade e igualdade de condições políticas entre os participantes.

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Juventude e políticas públicas no brasil

Nota de rodapé

1 - Mestranda em Pensamento Social e Políticas Públicas – UNESP – Campus de Marília – Pesquisadora do

Observatório de Segurança Pública – OSP e membro do Grupo de Estudos da

Condição Juvenil – GEJUVE.

2 - Mestrando em Pensamento Social e Políticas

Públicas – UNESP Campus de Marília. Pesquisador do Observatório de Segurança

Pública – OSP e membro do Grupo de Estudos da

Condição Juvenil – GEJUVE.

Juventude ou Adolescência?

Adolescência e juventude são dois termos que ora constituem campos distintos ora se complementam

ora traduzem uma disputa por distintas abordagens. Contudo, as diferenças e as conexões entre os dois termos não são claras, e, muitas vezes, as disputas existentes restam escondidas na imprecisão, sendo necessária a busca pela compreensão de ambos os conceitos.A adolescência é comumente compreendida como uma fase marcada por tormentos, conturbações, agressividade e rebeldia, compreendida por teóricos da psicologia, pelo senso comum e pelos meios de comunicação, como uma fase natural e inerente ao ser humano, que ocorre necessariamente em qualquer condição social, cultural e histórica, na qual o indivíduo sofre uma série de mudanças psicológicas e biológicas a fim de adentrar o mundo adulto.

ARTIGOTÉCNICO

ROSÂNGELA TEIXEIRA GONÇALVES1

MÁRIO TIAGO RUGGIERI NETO2

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A juventude é comumente compreendida como um segmento populacional, identificado pelo processo de transição para assumir o papel de adulto na sociedade, tanto no plano familiar quanto no plano profissional, cronologicamente compreendido entre 15 e 29 anos de idade. As concepções sociológicas acerca da juventude a compreendem como um fenômeno social e cultural, na sua diversidade, com base nas condições sociais, culturais, de gênero, geográficas, étnicas, consideradas no conjunto das experiências vividas pelos indivíduos no seu contexto social.

As idades da vida, embora ancoradas no desenvolvimento biológico e psíquico dos indivíduos, não são fenômenos naturais, mas constituídos historicamente. Portanto, cada época profere discursos relativos à sua concepção de adolescência e juventude e tais discursos propõem modelos e expectativas que irão

produzir formas de ser e agir a partir dos interesses específicos a cada momento (PERALVA, 1997). Os jovens são sujeitos concretos que se aproximam ou não em seus modos de vida, dos sentidos produzidos por cada discurso em cada época, sendo possível notar que, para cada período histórico, uma ideia de juventude é apresentada, passando a valer em âmbito geral, como um modelo de análise do jovem concreto em suas relações (GONZÁLES Y GUARESCHI, 2008).

A modernidade ocidental e as fases de vida

O sentimento de infância é algo eminentemente moderno, que ganha relevância no final do século XVII. Na era medieval, o mundo infantil e o mundo adulto não estavam separados, não havendo assim uma fase considerada intermediária. A família também

não se caracterizava como uma unidade destacada do todo social, havendo uma sociabilidade coletiva na qual crianças, jovens e adultos não se separavam. A criança entrava sem grandes rupturas no mundo adulto, não havendo nenhum processo destacado de socialização. A transmissão de valores, saberes e, de forma mais geral, a socialização das crianças não eram asseguradas pela família, nem controladas por ela. A criança se afastava rapidamente de seus pais e pode-se dizer que, durante séculos, a educação foi assegurada pelo aprendizado graças à coexistência da criança ou do jovem e dos adultos. Ela aprendia ajudando os adultos. A delimitação etária foi, durante a Idade Média, algo muito impreciso. Não se conhecia a criança como portadora de características psicológicas próprias, sendo a infância uma fase transitória e rapidamente esquecida da vida humana, consequência direta da alta taxa de mortalidade infantil registrada na época.

A partir do século XVII começa emergir um “sentimento de infância”, até então desconhecido em paralelo ao processo de constituição da escola e da família, instituições nas quais a infância tem lugar central. A família passa a se caracterizar como esfera privada, como núcleo de relações destacado da sociedade em geral. Essa família nuclear assume a responsabilidade de “formar os corpos e as almas de seus membros”. Dentro desta esfera privada, a criança ganha visibilidade, sendo agora papel da família sua socialização. Ergue-se assim um muro entre o universo infantil e o meio social. Neste mesmo momento, vê-se uma extensão da instituição escolar, sendo a aprendizagem informal gradativamente substituída pela

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formas de inserção no trabalho, antes pautadas no aprendizado, avançando a escolarização das crianças juntamente com o trabalho infantil.

A emergência do sentimento de infância dá início à separação moderna dos ciclos de vida, que correspondem a mudanças sociais mais amplas que constituíram a modernidade. A idade bebê é descoberta posteriormente à infância em parte devido ao desenvolvimento de novas práticas de saúde, de mudanças ideológicas e culturais, entre outras. Nesse sentido, a modernidade desenvolveu saberes e instituições especializadas em controlar as condutas dos indivíduos, a infância torna-se, dentro da família e no ambiente escolar, objeto de exame, observação e manipulação. A partir do final do século XIX, as crianças são separadas em classes de idade, desempenho e gênero, racionalizando-se cada vez mais a administração escolar, ou o governo das crianças (ARIÈS, 1978).

A ideia de juventude desenvolve --se, neste contexto, como decorrência da observação e da percepção social, propiciadas pela família e pela escola, de que entre o mundo da criança e o mundo do adulto, existe uma fase intermediária na qual o indivíduo não é mais criança, mas não pode ser considerado adulto. A fase da juventude foi, assim, caracterizada como período de transição entre a infância e a idade adulta, que se iniciaria a partir da puberdade e se estenderia até o momento no qual o indivíduo tivesse a capacidade de trabalhar e formar um novo núcleo familiar. O período entre as duas grandes guerras culminou para que a juventude ganhasse visibilidade através de seus atributos físicos.

A partir desse momento passa --se a reivindicar uma juventude sã, a fim de assegurar uma força de trabalho produtiva, livre de prazeres “fáceis” e “degradantes”, emergindo assim debates em torno de uma moralização das classes trabalhadoras. Com a modernidade ocidental, a vida individual é submetida à cronologia, a fim de obtenção de um critério naturalista para a determinação da idade. A partir daí, a ciência (jurídica, psicológica e criminalística) se debruçará sobre os estágios da vida (MACHADO PAIS, 2009).

Crise e TransiçãoA partir da constituição

da sociedade moderna, com instituições como a escola, o direito, o Estado, o trabalho, passou-se a institucionalizar o curso da vida pautando-se nas faixas etárias e etapas da vida definidas. Desse modo, as práticas psicológicas caracterizam-se nesse período como ferramentas conceituais e de intervenção no investimento e na disciplina dos corpos jovens na perspectiva de que estes se tornassem adultos adaptados, sadios e integrados à ordem social.

O conceito adolescência foi inicialmente abordado e tematizado dentro do campo da psicologia, em estudos acerca do desenvolvimento humano, que concebem a adolescência como uma etapa do ciclo humano da vida. A compreensão da adolescência aparece no final do século XIX, ganhando força no início do século XX. A psicologia vai essencializar o adolescente, propondo teorias como a “síndrome normal da adolescência”. A adolescência torna-se uma fase inerente ao desenvolvimento humano, com a

A juventude é comumente compreendida como um segmento populacional, identificado pelo processo de transição para assumir o papel de adulto na sociedade.

ARTIGOTÉCNICO

educação formal dentro das escolas. A criança, que antes aprendia junto dos adultos, passa a ser duplamente segregada da sociedade, tendo de desenvolver-se socialmente e moralmente no interior da família e da escola. Inicialmente esse fenômeno ocorre em pequenas parcelas da sociedade, entre as classes burguesas e aristocráticas, mas até o século XX, espalham-se por toda a sociedade.

Outra esfera de mudanças importante que sustenta o novo sentimento de infância é o estabelecimento da racionalidade administrativa do Estado moderno, que vai inserindo gradativamente a criança no âmbito das políticas públicas, como é o caso da vacinação contra a varíola, o que reduz notadamente a mortalidade infantil. Além disso, o desenvolvimento do trabalho assalariado nas indústrias e manufaturas acaba com as antigas

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de transição para a maturidade, as ciências humanas e sociais, desde o século XIX, produziram a ideia de uma juventude que deve ser controlada e protegida. Os jovens são considerados imaturos e precisavam receber investimento social para a potencialização de suas capacidades. É sob essa ótica que a juventude passa a ser considerada como um estágio da vida, cercado pelo perigo e pela fragilidade (GONZÁLES Y GUARESCHI, 2008).

A juventude emerge como campo de estudos para a sociologia quando suas características de grupo ameaçam de alguma forma a ordem social estabelecida. A primeira vez que se demonstra um interesse maior pelos fenômenos da juventude foi na passagem

definição de uma norma universal, seus desvios e patologias. A adolescência aparece como um “mal natural” ou uma “síndrome normal”, em que tendências antissociais ou crises psíquicas são consideradas características dessa “fase” (DIAS, 2011; DEBESSE, 1946; ERIKSON, 1976; CÉSAR, 2008).

Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, o conceito de adolescência torna-se predominante nos debates, na mídia e na proposição de políticas públicas. Como marco legal, crianças e adolescentes são caracterizados como sujeitos de direitos, que necessitam de proteção por parte do Estado e da família. O ECA consagra que deve ser considerada criança a pessoa até 12 anos incompletos; e considera o

adolescente a pessoa entre 12 e 18 anos de idade.

No entanto, a conceitualização da adolescência como algo intrínseco e inerente ao ser humano, como uma fase natural vivenciada por todos os adolescentes sem distinções, negligencia a inserção histórica do jovem e suas condições objetivas de vida. As desigualdades sociais, culturais, étnicas, sexuais são legitimadas e os jovens são responsabilizados por suas ações. Além disso, as concepções psicológicas dominantes são marcadas pelo parâmetro do mundo adulto.

Juventude contemporâneaA partir da concepção da

adolescência como um período

Os jovens são sujeitos concretos que se aproximam ou não, em seus modos de vida, dos sentidos produzidos por cada discurso em cada época.

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do século XIX para o XX, com o surgimento de um comportamento “anormal” por parte dos grupos de jovens delinquentes, excêntricos e contestadores. A juventude é concebida como um problema social. Nos anos 1960, a juventude era protagonista de uma crise de valores e de um conflito de gerações. Nos anos 1970, o problema do desemprego e os limites à entrada na vida economicamente ativa tornaram-se comuns nos estudos sobre a juventude. No Brasil, os estudos referentes à juventude, por um longo período, centraram-se nos jovens estudantes universitários e sua atuação diante dos movimentos estudantis. O debate atual coloca a juventude como problema ou como grupo social vulnerável, que necessita de políticas públicas específicas. Hoje, é importante ir além dos limites das faixas etárias. A juventude pode ser vista como resultado de construções sociais e culturais complexas. A definição de juventude varia: a duração, os conteúdos, os significados sociais modificam-se constantemente (ABRAMO, 1994; MACHADO PAIS, 2003).

A diversidade e o conjunto das experiências vividas pelos indivíduos no seu contexto social criam o conceito de condição juvenil. Temos que observar como uma sociedade constitui e atribui significado a este momento do ciclo da vida, no contexto de uma dimensão histórico-geracional. Mas também temos que observar o modo como, concretamente, essa condição é vivida pelos próprios jovens. Não há uma juventude, mas uma pluralidade de experiências e vivências. Portanto, a juventude refere-se a processos de desenvolvimento, inserção social e definição de identidades. A juventude

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exige experimentação intensa e não deve ser encarada apenas como preparação para a vida adulta. No mundo contemporâneo, a juventude ganha maior complexidade e significação social, bem como coloca questões para as quais ainda não temos respostas. Um dos aspectos desta situação é o prolongamento da experiência da juventude: extensão do tempo de formação, da escolaridade, da capacitação profissional, da constituição da família, da autonomização pessoal, dificuldades de inserção no “mundo adulto” (ABRAMO, 2005; DAYRELL, 2007; CASTRO E ABRAMOVAY, 1994).

As políticas públicas para a juventude no Brasil

O Brasil, em grande parte, está atrasado em relação a políticas públicas para a juventude. A partir de 2005, há a criação da Secretaria Nacional da Juventude, do Conselho Nacional da Juventude e a propositura do Estatuto da Juventude. Nesse mesmo período, a juventude foi inserida na Constituição Federal, por meio da Emenda 65/2010, avançando --se assim na institucionalização da Política Nacional de Juventude, com a criação de órgãos e secretarias específicos em estados e municípios.

Os avanços em relação às políticas públicas se devem ao fato de que essas passaram a ver os jovens não apenas pelo prisma dos problemas sociais. No entanto, as políticas públicas nesse segmento ainda são frágeis, pois é grande o abismo entre demandas manifestas por jovens e as respostas efetivas. Além da falta de priorização, as políticas públicas são fragmentárias, falta ainda um claro aporte orçamentário, recursos humanos, pesquisas e indicadores. A fragmentação pode ser vista pela

Referências Bibliográficas

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3. ARIÉS, P. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1978.

4. CARRANO. Paulo. In: Juventude em Pauta: Políticas Públicas no Brasil. Org. PAPA. Fernanda de Castro; FREITAS. Maria Virgínia. São Paulo: Peirópolis, 2011.

5. CASTRO, Mary G; ABRAMOVAY, Miriam. Por um novo paradigma de fazer políticas públicas de/para /com juventudes. Brasília: UNESCO, 2003.

6. CÉSAR. Maria Rita de Assis. A invenção da adolescência no discurso psicopedagógico. São Paulo: UNESP, 2008.

7. DIAS, Aline Favaro. O jovem autor de ato infracional e a educação escolar: significados, desafios e caminhos para a permanência na escola. Dissertação de Mestrado. São Carlos: UFSCAR, 2011.

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A juventude emerge como campo de estudos para a sociologia quando suas características de grupo ameaçam de alguma forma a ordem social estabelecida.

constante caracterização do jovem como “jovem temático”: “público --alvo”, “jovem aluno”, “jovem filho”, “jovem infrator”, “jovem mãe”, “jovem que não queremos que seja mãe”, “jovem rural”, etc. O Ministério da Educação trabalha com a concepção de estudantes e alunos, e não com sujeitos culturais para os quais a escolarização é apenas uma e não menos importante faceta da vida. O Ministério do Desenvolvimento Social trabalha com concepções para a integração familiar do adolescente, ao contrário de estimular políticas que favoreçam a autodeterminação do jovem homem e da jovem mulher. O Ministério da Saúde centra suas ações no adolescente, concebido como sujeito de trânsito, instável e em crise de passagem (CARRANO, 2011).

As políticas públicas pretendem dar conta das “necessidades” e não provocar processos ou espaços para diálogos e para participação dos jovens. Os projetos são preconce-bidos pela lógica e pelo poder do mundo adulto. As políticas pú-blicas devem, portanto, promover esferas públicas em que os jovens possam enunciar suas demandas por direitos, denunciar as injustiças

que os atingem e articular formas coletivas de melhorias sociais. A questão dos direitos deve ser colocada na ótica dos sujeitos das políticas públicas. Formular po-líticas públicas para a juventude, portanto, exige ir além dos limites etários, das conceitualizações psi-cobiológicas, e coloca a questão da condição, das vontades e da parti-cipação efetiva dos jovens em nossa sociedade. As políticas públicas de juventude precisam explicitar as desigualdades que perduram e se multiplicam no Brasil.

Mesmo diante dos avanços e conquistas referentes a políticas públicas de juventude no País, os cerca de 50 milhões de jovens, com idade entre 15 e 29 anos, buscam por respostas a problemas como o desemprego juvenil, o trabalho decente, educação de qualidade, saúde, acesso à cultura, esporte e lazer, tempo livre, participação política, enfrentamento da violência contra a juventude. No início do ano, jovens de todas as camadas sociais foram às ruas expressar seus descontentamentos, nas mais variadas formas de protestos e manifestações, a fim de se fazerem ouvir: ouvir a voz da juventude às ruas.

Referências Bibliográficas

8. DEBESSE, M. A adolescência. São Paulo: Europa-América, 1946.

9. ERIKSON, E. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

10. OZELLA. Sergio. In: Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas /Coordenação Maria de Lourdes Jeffery Contini; organização Sílvia Helena Koller. – Rio de Janeiro: Conselho Federal de Psicologia, 2002.

11. PAIS, José Machado. A construção sociológica da juventude: alguns contributos. Análise social, vol. XXV (105-106), (1°, 2°.), 139, 165. 1990.

12. _______. Jovens e Cidadania. Sociologia, problemas e práticas, n.º 49, pp. 53-70, 2005.

13. PERALVA, Angelina. O jovem como modelo cultural. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, ANPED, n° 5/6. 1997

14. GONZALES, Zuleika. K; GUARESCHI, Neuza, M. F. Discursos sobre juventude e práticas psicológicas: a produção de modos de ser jovem no Brasil. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v.6, n.2, p.463-489, 2008.

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MARIA DO CARMO ALBUQUERQUEMARIA DO ROSÁRIO CORRÊA DE SALLES GOMESADRIANO P. B. DE OLIVEIRA1

Reflexões sobre o processo de municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto

Nota de rodapé

1 - O artigo é de autoria das professoras doutoras do Mestrado Profissional Adolescente em Conflito

com a Lei, da Universidade Bandeirante Anhanguera – Uniban, Maria do Rosario

C. S. Gomes e Maria do Carmo A. Albuquerque, e o aluno egresso e mestre,

Adriano P. B. Oliveira. Contou ainda com a

colaboração de Dayana Botelho, mestre pelo

mesmo programa, em vista das pesquisas elaboradas

pelas professoras e alunos.

Introdução

A municipalização da política socioeducativa, com relação às medidas socioeducativas em meio aberto,

adquire importância especial em face das dificuldades em melhorar o atendimento e garantir os direitos afiançados no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) nos espaços de internação centralizados e superlotados. No Estado de São Paulo há iniciativas de descentralização do atendimento aos adolescentes em conflito com a lei e de atendimento em meio aberto desenvolvidas pela antiga Febem, anteriores aos anos 1980, mas a efetivação do processo de descentralização e municipalização do meio aberto ainda é recente.

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Buscamos aqui retomar brevemente o histórico das medidas em meio aberto, em vista de sua importância para a superação da antiga concepção tutelar, que colocava generalizadamente o adolescente no processo de privação de liberdade, institucionalizando-o em ambientes fechados, favorecendo o seu etiquetamento como “delinquente” e rompendo os seus vínculos familiares e comunitários.

Em contraposição a esta concepção, o ECA define a aplicação de medidas socioeducativas que devem levar em conta diferentes dimensões da vida do adolescente, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (arts. 112 e 113) e afirmando assim a prioridade para as medidas em meio aberto (MSE-MA): a Liberdade Assistida (LA) e a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC).

No entanto, as novas diretrizes definidas pelo ECA tardam a modificar o antigo e suposto modelo penal juvenil e, só quando grandes crises o afetam – tais quais as rebeliões no final dos anos 1990 –, se iniciam investimentos mais concretos para a descentralização das unidades, a municipalização das medidas socioeducativas e a respectiva criação de espaços para as medidas em meio aberto.

1. A municipalização das medidas em meio aberto (MSE–MA) no país

Medidas em meio aberto estão presentes na legislação penal do adulto como penas alternativas e no antigo sistema penal juvenil brasileiro, como Liberdade Vigiada, no Código de Menores de 1927 e como Liberdade Assistida, no Código de 1979.

Elas adquirem novo escopo com a adoção da Doutrina da Proteção Integral, pela Constituição Federal de 1988, na qual se aborda a questão numa nova perspectiva de direitos.

Ao definir que o município é um ente federativo, a Constituição amplia a responsabilidade dos governos municipais na gestão de seus equipamentos públicos,

como escolas, unidades de saúde entre outros, dando um papel fundamental ao município na implementação de políticas sociais.

Para o adolescente, autor de ato infracional, municipalizar o atendimento socioeducativo aparece como possibilidade de garantir e preservar seus vínculos familiares e societais, indispensável para

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problemas apontados geram o Acórdão 304/2004, que impõe metas de descentralização. O monitoramento prossegue gerando novos relatórios em 2005 e 2009. Essas avaliações mobilizam a sociedade e o governo, e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente (Conanda) ratifica a concepção e proposta de um Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – o SINASE (Resolução 113).

Neste período, ocorrem algumas experiências inovadoras como as desenvolvidas pela Pastoral do Menor que, entre 2002 e 2007, desenvolveu projetos de Liberdade Assistida Comunitária em 20 estados do Brasil (SC, PR, RS, PE, CE, BA, MA, PI, RN, SE, PB, SP, ES, MG, RJ, MT, AM, RO, PA, além do DF) (Pastoral do Menor, 2010).

A Resolução 119 do Conanda consolida a proposição de um sistema socioeducativo e os objetivos e diretrizes para a execução das medidas socioeducativas. Contudo, um ano após a publicação desta Resolução, a municipalização das medidas em meio aberto ainda era incipiente. Em 2007 o Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente) publica o relatório de um mapeamento nacional no qual se aponta que os processos de municipalização na maioria dos estados brasileiros tiveram início a partir de 2003 (Ilanud, 2007:15). O relatório considera que, após quase duas décadas de promulgação do ECA, o estágio da municipalização era ainda “embrionário”: em 2007, dos 5.564 municípios do Brasil, só 454 haviam concluído a municipalização (8,2%) e em 182 (3,3%) o processo estava em andamento, totalizando 636 municípios (11,4%) com o processo iniciado.

Gomes (2012: 204) aponta que o cofinanciamento federal configura-se como um dos pilares do processo de municipalização, com a “inserção de ação específica no Plano Plurianual do período 2008/2011, denominado como serviço de proteção social aos adolescentes em cumprimento de medidas de LA e PSC”. A partir de , então, a municipalização das medidas socioeducativas ganha novo impulso. Em 2012, é promulgada a Lei 12.594 que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e regulamenta a execução das medidas socioeducativas, colocando novos desafios.

2. A relação entre os sistemas de gestão pública SUAS/SINASE

A relação intersistêmica entre SUAS e SINASE (Sistema Único de Assistência Social e Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) é plena de interfaces históricas que são visíveis no processo de municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto. Esses dois sistemas públicos tiveram, entre 2011 e 2012, seu reconhecimento legal e, ambos deixam claro, que é na gestão das medidas socioeducativas em meio aberto que incide, com maior presença, a responsabilização atribuída ao órgão gestor municipal da política de assistência social e também ao órgão gestor estadual, caso o alcance desta gestão seja regionalizado2.

O binômio SUAS/SINASE privilegia a preservação da convivência familiar e comunitária e considera a dimensão federativa necessária para sua gestão (o que corresponde à gestão compartilhada entre os entes federados da União, estados e municípios).

Outro aspecto deste binômio é destacar a necessidade do preparo

ARTIGOTÉCNICO

garantir o caráter socioeducativo da medida imposta, afastando-a de um caráter predominantemente punitivo, característica da antiga legislação menorista.

No entanto, a efetivação das novas concepções afirmadas pelo ECA encontra dificuldades. A tradição de institucionalização do adolescente em conflito com a lei, de caráter punitivo e típico da política da antiga justiça juvenil são fatores que, por vezes, ainda retardam a ênfase para as medidas socioeducativas em meio aberto nos municípios brasileiros.

As grandes rebeliões e crises na Febem de São Paulo, de 1997 até 2005, chamaram a atenção do Brasil e de organizações internacionais como a Anistia Internacional e a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). A partir de 2002, a situação do sistema socioeducativo começa a ser alvo de importantes avaliações que apontam sérias fragilidades. Neste ano o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e a Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos publicaram a pesquisa “Mapeamento da Situação das Unidades de Execução de Medida Socioeducativa de Privação de Liberdade ao Adolescente em Conflito com a Lei”. Este relatório aponta a “fragilidade do sistema de aplicação de medidas socioeducativas não privativas de liberdade, a baixa municipalização do sistema e a falta de unidades descentralizadas nos estados”.

Em 2003, o Tribunal de Contas da União (TCU) inicia o monitoramento do Programa “Reinserção Social do Adolescente em Conflito com a Lei”. Os

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Para o adolescente autor de ato infracional, municipalizar o atendimento socioeducativo aparece como possibilidade de garantir e preservar seus vínculos familiares e societais, indispensável para garantir o caráter socioeducativo da medida imposta, afastando-a de um caráter predominantemente punitivo, característica da antiga legislação menorista.

do adolescente e sua família na fase de desinternação (de medida privativa de liberdade) e o acompanhamento deste jovem egresso pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS). É importante considerar as conexões necessárias para o envolvimento efetivo das instituições do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) que participam da implementação de ambas as modalidades de medidas socioeducativas, tais como o Sistema de Justiça (Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Tutelar), Sistema de Segurança Pública, Educação e outros setores de políticas públicas.

É recente o estatuto de política de proteção social ao qual foi alçada a assistência social, dado seu reconhecimento constitucional como integrante da seguridade social brasileira (art. 194 e 195, CF 88). Soma-se o fato desta Constituição determinar o dever da família, sociedade e Estado de assegurar, com absoluta prioridade, múltiplos direitos à criança, adolescente e jovem, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227). No caso, a lei reguladora e infraconstitucional da assistência social (LOAS, Lei 8.742/1993) ratifica a proteção social com vistas à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos, especialmente à infância e adolescência, dentre outros segmentos sociais (art. 2º, I, a).

O SUAS resulta do processo de descentralização da política de assistência social, consolidado na Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004. Esta Política define que a proteção social específica da assistência social deve garantir as seguranças sociais de sobrevivência (rendimentos), de acolhida e de convívio familiar e comunitário, destinadas a cidadãos e famílias que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos e hierarquiza o alcance desta proteção entre básica e especial. Respectivamente, adota como unidades públicas estatais principais o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), indicado como locus de acolhimento

Nota de rodapé

2 - À esfera estadual é atribuída a gestão dos programas de medidas

socioeducativas em meio fechado (semiliberdade

e internação, além da internação provisória

que, embora não se caracterize como um medida socioeducativa, também é de

responsabilidade estadual), e os indicativos empíricos

apontam a tendência de que tenham como locus setoriais

as áreas de gestão pública da justiça, direitos humanos,

educação e, menos, a área da assistência social.

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e execução privilegiada das medidas socioeducativas em meio aberto para adolescentes em conflito com a lei.

Para a municipalização do atendimento no sistema socioeducativo, o SINASE preconiza que tanto o atendimento inicial ao adolescente em conflito com a lei quanto a execução das medidas socioeducativas devem ser realizados no limite geográfico do município, propiciando assim o fortalecimento do contato e protagonismo da comunidade e da família dos adolescentes. No caso, a municipalidade tem papel intransferível de formulação, instituição, coordenação e manutenção do sistema municipal de atendimento socioeducativo. Porém, este exercício de criar e manter os programas de atendimento em meio aberto pode se dar de dois modos: de forma centralizada (quando a execução do atendimento é realizada por meio de órgãos integrantes da administração direta, no caso o locus de referência é o CREAS) ou de forma descentralizada, quando o Poder Executivo municipal executa suas atribuições por meio da cooperação com organizações não-governamentais.

3. A municipalização em São Paulo

Conforme o Relatório do Ilanud, no Estado e Município de São Paulo também se nota a lentidão do processo de descentralização e municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto.

É importante notar, porém, que diversas iniciativas de descentralização já ocorriam anteriormente. Publicação da Fundação CASA identifica desde a década de 1970 o funcionamento

ARTIGOTÉCNICO

A Resolução 119 do Conanda consolida a proposição de um sistema socioeducativo e os objetivos e diretrizes para a execução das medidas socioeducativas. Contudo, um ano após a publicação desta resolução, a municipalização das medidas em meio aberto.

do Programa de Liberdade Assistida desenvolvido pela Febem em conjunto com a Pastoral do Menor, da Igreja Católica, tendo como característica “a ação com os grupos familiar e vicinal”. A mesma publicação aponta que na década de 1980 iniciou-se um processo de “regionalização” com a criação de diversos “polos de Liberdade Assistida (LA)” da Febem nas diversas regiões do estado, na região metropolitana de São Paulo e na capital (polos sul, leste etc.) Já em 1997, se identifica uma experiência de municipalização das medidas em meio aberto, em Presidente Prudente (CASA, 2010: 13-125).

No entanto o Ilanud relata que apenas 63 municípios haviam iniciado ou finalizado o processo de municipalização em São Paulo. O relatório sublinha que o processo se iniciou a partir de 2004, quando, em 2007, dos 645 municípios, 35 estavam em processo de transição e 28 municípios estavam com seus processos finalizados, embora em estágio de aperfeiçoamento (Ilanud, 2007:12).

Assumida pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, em 2009 houve uma primeira fase de municipalizações com repasses de cofinanciamento do Estado para 118 municípios paulistas. Em 2010, houve uma segunda fase de co-financiamento para aproximadamente 337 municípios, sendo prevista para 2013 a municipalização nos municípios restantes3.

Município de São PauloNo município de São Paulo o

processo de descentralização se iniciou com os polos de LA da antiga Febem: o polo Sul, implantado em 1982, os polos leste e oeste, em 1984 e o polo norte, em 1985.

Nota de rodapé

3 - Informações obtidas em 2012 através de entrevista com do Diretor da Proteção Social Especial da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (SEDS).

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Destaca-se também no município a experiência da Liberdade Assistida Comunitária (LAC), desenvolvida desde os anos 1970, inicialmente na região do Belém e Sapopemba, articulada com os polos de LA da Febem.

A partir destas experiências surge neste período (1999-2000), durante o governo de Celso Pitta, uma articulação entre as organizações (ONGs) conveniadas com a Febem, entre as quais alguns CEDECAS (Centros de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente), que se torna decisiva para deflagrar o processo de municipalização. Para tal, forma-se em 2002, já no governo Marta Suplicy, uma comissão interinstitucional, incluindo Secretarias do Governo Estadual e Municipal, a Febem, o Unicef, os Conselhos Municipais de Assistência Social (COMAS) e de Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA), Conselhos Tutelares, representantes do Ministério Público e uma comissão de ONGs.

Firma-se então um Termo de Compromisso e Cooperação Técnica entre a Secretaria Municipal de Assistência (SAS) e a Febem onde o município se propõe a implantar um novo modelo de Política de Proteção Social à Criança e Adolescente. Este modelo inclui a medida de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e outras ações, como a implantação do SIPIA II, sistema de informações para o acompanhamento das medidas em meio aberto.

A SAS firma um convênio com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SEDH) para a elaboração de diagnósticos, elaboração do novo modelo de atendimento e capacitação de técnicos (São Paulo, 2004: 104) e implanta um projeto piloto nos

...a municipalidade tem papel intransferível de formulação, instituição, coordenação e manutenção do sistema municipal de atendimento socioeducativo.

Distritos de Brasilândia, Cidade Ademar e Sapopemba, apontados em estudos como territórios com maior concentração de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.

Este processo sofre alterações no ano de 2005. A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) aos poucos passa a implantar os CRAS e os CREAS, aos quais se vinculam os serviços de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto (MSE-MA), serviços estes conveniados em sua totalidade com organizações da sociedade civil.

Em 2012, a lei do SINASE impõe novos desafios. Neste ano, segundo informações do Observatório Social da SMADS, São Paulo contava com 55 serviços conveniados em 31 organizações sociais, atendendo aproximadamente 5.904 adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Em 2013, o site da SMADS informa a existência de 56 Serviços MSE-MA.

A “Articulação dos Serviços de MSE-MA”, nascida em 1999, continua a reunir-se para avaliar e melhorar os serviços prestados. Ela aponta importantes limites na política socioeducativa: a frágil relação com a SMADS e os CREAS, as limitações de verbas

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para a execução do Serviço, a dificuldade de articulação com a política de educação, saúde e outras políticas de garantia dos direitos sociais destacam-se entre elas. Destacam-se ainda a presença do crime organizado que envolve os adolescentes e a dificuldade de relação com os órgãos policiais.

Estes desafios estão colocados para a elaboração do Plano Municipal Socioeducativo que se iniciou em 2013, com a coordenação do CMDCA.

4. Reflexões sobre a municipalização das medidas em meio aberto

Em 2010, havia 40.657 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em meio aberto, dado significativo em face dos 17.703 que cumpriam medidas privativas de liberdade (semiliberdade e internação)4. É importante destacar que 1099 Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) sediavam, em 2010, a execução das medidas em meio aberto no País, o que equivale a um incremento médio de 20% com relação a 2009. Mais ainda, o Censo SUAS 2010 computou a presença de 1.590 CREAS no território nacional, sendo 1.540 municipais e 50 regionais, ou seja, há a possibilidade de existirem tais unidades públicas estatais de alcance regional, o que requer a presença ativa e direta do órgão gestor estadual na sua coordenação cooperativa com os municípios do entorno territorial e cofinanciamento. A Pesquisa de Informações Básicas Estaduais - ESTADIC (IBGE, 2012) traz um dado curioso. Seis estados brasileiros executam o serviço de proteção a adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade

ARTIGOTÉCNICO

Referências Bibliográficas

1. BRASIL. Presidência da República. Lei nº. 8.069, de 13 de Julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990.

2. __________. Presidência da República. Lei nº. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Brasília, 2012.

3. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS). Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004). Norma Operacional Básica (NOB/SUAS). Brasília, 2005.

4. __________, Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SDH) / Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE. Brasília: Presidência da República. 1ª edição. 2006.

assistida e de prestação de serviços à comunidade, desenvolvidos no CREAS, que podem ser de alcance regional e gestados de forma compartilhada com os municípios-sede.

Por sua vez, o mapeamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgado em 2012 e voltado à análise da condição de funcionamento dos estabelecimentos de internação, chama a atenção para a deficiência quanto ao acompanhamento do egresso do sistema socioeducativo: o baixo percentual no Brasil, da ordem de 18,5%. O art. 94, XVIII do ECA, afirma que a manutenção de programas de apoio e acompanhamento de egressos é obrigação das entidades que desenvolvem programas de medidas socioeducativas de internação. A compreensão imediata sugere que esta lacuna pertence ao gestor estadual responsável pelo sistema socioeducativo; contudo, trata-se de uma modalidade de atenção que deveria, em tese, ser compartilhada com os gestores municipais, desde o planejamento, cofinanciamento e avaliação dos resultados. Há previsão desta atenção nos normativos da área da assistência social, na execução do serviço de fortalecimento do convívio e vínculo familiar, desenvolvido nos CRAS, bem como outros serviços nos CREAS. A despeito disso, sua visibilidade ainda é de baixo reconhecimento, consequentemente, de baixa adesão. Este subtema reveste --se de extrema importância, e não tem recebido a devida atenção e ênfase, para integrar estratégias dos sistemas socioeducativas municipais e estaduais.

Pode-se afirmar que outro grande desafio, e pertencente ao SUAS, está justamente na dimensão estadual, de forma que alcança o efetivo e esperado apoio aos municípios, traduzidos nos

Nota de rodapé

4 - Fontes respectivas: Censo SUAS 2010;

Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo,

SEDH/PR: 2009.

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seis incisos do art. 13º da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). Este esforço deve se traduzir na assessoria às gestões municipais para seu desenvolvimento; no cofinanciamento da gestão, de benefícios eventuais e serviços; no monitoramento e avaliação do sistema estadual de assistência social e, com destaque, a referência explícita de que é competência da instância estadual: a gestão regionalizada.

A Constituição Federal de 1988 traz, em seu art. 25, §3º que é responsabilidade dos estados instituírem regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, nas quais e em conjunto com os municípios limítrofes, deve implementar o planejamento e execução de funções públicas de interesse comum. Da mesma forma, a regionalização na assistência social passa pela gestão compartilhada de demandas que não encontram lastro administrativo e financeiro nos municípios, principalmente naqueles de pequeno porte (que chegam a 73% da totalidade brasileira). Trata-se de demandas próprias da proteção social especial, de alta e média complexidade e, neste caso, os CREAS regionais desempenham

papel importante, ainda que existam em quantidade pouco expressiva para todo território nacional.

Considerando que poucos municípios contam com CREAS local, os CREAS regionais deveriam funcionar dentro de um raio de ação aglutinador de municípios desprovidos desta unidade pública estatal, de tal forma que sua(s) equipe(s) operaria(m), preferencialmente, de forma móvel para apoio, supervisão e acompanhamento do atendimento ofertado pelas equipes técnicas municipais (devidamente preparadas e especializadas), às situações de violação de direitos, entre elas o apoio técnico para a execução das medidas socioeducativas em meio aberto.

A ideia da regionalização na assistência social implica a adoção efetiva do planejamento por escalas territoriais, por parte do órgão gestor estadual, de forma colegiada com os municípios circunscritos em cada microrregião, por assim dizer. A resolutividade e racionalidade estariam melhor conjugadas, no caso desta estratégia de gestão, para as medidas socioeducativas em meio aberto.

Referências Bibliográficas

5. Brasil, Presidência da República. Lei nº. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. Brasília, 2012.

6. CASA, Fundação. Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. São Paulo, 2010.

7. GOMES. Maria do Rosário Corrêa de Salles. A relação SUAS/SINASE na execução das medidas socioeducativas em meio aberto: notas para debate. In Liberati, W. (coord.) Gestão da política de direitos ao adolescente em conflito com a lei. São Paulo: Letras Jurídicas, 2012.

8. ILANUD. Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente. Mapeamento Nacional de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto – Relatório Resumido. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Brasília, 2007.

9. PASTORAL DO MENOR. Liberdade Assistida: Um projeto em Construção. Belo Horizonte: Pastoral do Menor, 2010.

10. SÃO PAULO. SAS. As medidas Socioeducativas em Meio Aberto como garantia de proteção aos adolescentes e jovens da cidade de São Paulo. São Paulo: SAS e SEDH (Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República). 2004.

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A voz do outro: desafios éticos e metodológicos nas políticas públicas para juventude

Introdução

A possibilidade de contribuir em um dossiê específico sobre “Juventude e Políticas Públicas” vem ao

encontro desse desejo não apenas de falar sobre, mas, de certa forma, contribuir com problematizações que envolvam juventude, direito e democracia. O debate em torno dessa temática não significa um esforço de oferecer estratégias ou procedimentos metodológicos. A questão central é refletir em termos teórico-metodológicos quem está autorizado a falar sobre as juventudes, senão elas próprias? Afinal, quais são as representações de juventudes que surgem na cena pública e no campo da política? Os jovens têm possibilidade de falar de suas condições? Como criar espaços em que estes possam falar sobre si, sem que essa fala se torne discursos proferidos pela voz do outro em espaços como universidades, escolas e entre outras instituições educativas?

ARTIGOTÉCNICO

JOANA TEIXEIRA d’ARC

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Neste artigo, a defesa central é a de que a ausência de uma escuta das juventudes nas diferentes propostas educativas e formativas, bem como nas políticas públicas, atrelam-se a problemas maiores: (1) a própria construção democrática, que, em primeira instância, não reconheceu a cidadania sob a via dos direitos políticos; (2) as representações em torno das condições juvenis que operam sob duas lógicas distintas: juventude em perigo ou juventude perigosa, instituindo a figura do mediador, daqueles que devem se responsabilizar pela condução de suas vidas, as gerações adultas; e, por último, (3) a ideia de incompletude, que se apoia em teorias desenvolvimentistas que, por sua vez, reduziu as políticas públicas para esse segmento aos propósitos de direitos sociais e compensatórios.

Por falar em juventude(s): as representações...

O diálogo com as concepções e representações sociais em torno da condição e realidades juvenis, possibilita problematizar as representações que aparecem no debate público, as quais revelam ambiguidades no modo de ver e conceber as juventudes ao separá --las em: juventude em perigo e juventude perigosa. A primeira concepção opera sobre a lógica da dependência, vulnerabilidade, endossando uma maior vigilância e controle sobre as rotinas, lazer, escolarização e trabalho, criando estratégias, práticas e ações hierárquicas, sendo central nessa relação a mediação e o fortalecimento das intervenções, sobretudo, o controle.

No segundo grupo, emerge a concepção de jovens perigosos, como ameaça não apenas para

os outros, mas também para si mesmos, concretizando as perspectivas de que os jovens são a personificação dos supostos males da sociedade contemporânea, tais como, a criminalidade, o consumismo, o que, em certa medida, potencializa e eleva ainda mais as tentativas de aumento do controle sobre eles. Desse modo, o que se identifica é que, muitas das ações e propostas, acabam apresentando características emergenciais, no sentido de direcionar as ações para uma possível política de administração dos riscos e das condições de vulnerabilidade.

Com efeito, esses jovens são destituídos de toda e qualquer política dirigida aos outros jovens pertencentes ao primeiro grupo, constituindo-se numa situação paradoxal: ao mesmo tempo em que eles são apontados como cidadãos de direitos, que devem estar incluídos no âmbito das políticas públicas, recebem tratamentos diferenciados, desqualificando, estigmatizando

e afastando-os da sociedade, com propostas de respostas à contenção da criminalidade e da violência, por exemplo; e não políticas públicas, que, em tese, deveriam representar a forma estrutural e preventiva de intervenção nas condições sociais e na garantia de acesso aos direitos individuais e políticos. Há, portanto, desconexão entre as políticas dirigidas aos jovens, configurando-se como o limiar entre uma juventude e outra. A tutela versus controle, sem dúvida, revela os paradoxos na construção da cidadania dessa população.

Dito de outra forma, essas representações públicas em torno das juventudes constituem-se em demarcadores sociais, que os colocam na condição de sujeitos – devir a ser –, em perigo “social”, defendendo-se, por outro lado, medidas sociais e educativas. Essas perspectivas relegam aqueles que assim são identificados um lugar e espaço de subordinação nas diferentes interações sociais. Um lugar que, muitas vezes, desfavorece

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perspectiva cautelar que, por sua vez, despontencializa as juventudes e fortalece o descrédito em torno de suas possibilidades de ação autônoma. Sem contar o olhar biologizante, universal e de transitoriedade que se lança sobre elas, que remete a ideia de sujeitos em formação, os quais, portanto, devem ter suas condutas reguladas. Não mais sem razão, essa lógica impede a compreensão da juventude como uma categoria em permanente construção social, histórica, de um momento de complexidade da vida, que não são apenas de cunho biológico, ou etário, mas, sobretudo, de transformações sociais, psíquicas, culturais, políticas e econômicas, de sociabilidades sociais e educativas, de identidade, entre outras dimensões que orientam e organizam as múltiplas formas e realidades de se viver da condição juvenil.

É de consenso de autores e pesquisadores nas ciências sociais que, uma escuta ético-política das vozes das juventudes implica, em primeiro lugar, considerar a condição social e de igual modo, o recorte étnicorracial, as relações de gênero, religião, grupos sociais, entre outros aspectos definidores da identidade juvenil (GROPPO; TIRELLI, 2011). E ainda, a concepção de juventude adotada deve convergir para as que defendem ser esta uma categoria forjada como uma construção histórica, social e cultural. É no cotidiano, no interior de diferentes práticas sociais, educativas e interações que os jovens e as jovens constroem suas sociabilidades, cultura e diferentes linguagens, de forma flexível e diferenciada da geração adulta.

Essa concepção lança olhar sobre a diversidade. Pensando tal processo da vida para além dos cortes etários

e legais, que limitam o início e fim dessa fase da vida. Os processos constitutivos da condição juvenil se fazem de modo diferenciado, tensionado e negociado, segundo as suas condições sociais, necessidades, anseios, renda familiar, região do País, condição de moradia rural ou urbana, no centro ou na periferia e identidades.

Nesse sentido, reconhece-se a especificidade das juventudes sob duas vias de análise: o reconhecimento da singularidade desse momento da vida em relação a outras gerações; e a própria questão da diversidade, que dimensiona a condição objetiva juvenil sobre diferentes experimentações, formas de atuação e participação política, relações intersubjetivas de pertencimento e de engajamento social. É relevante a análise do modo de vida dos jovens com referência nas suas trajetórias de vida, de suas experiências, estratégias e vivências de fortalecimento de suas identidades e condições juvenis, que são plurais, multifacetadas, diversas e desiguais (PAIS, 2005).

Escutas das juventudesNo Brasil, dado o período

histórico e de invisibilidade dessas vozes foi importante o “dar voz”, que significou um avanço nas problematizações dos processos sociais, políticos de vitimização, menorização e institucionalização e das diferentes estratégias de silenciamento de milhares de vozes da infância e da juventude. Quais são os jovens que tiveram direito à palavra? Em quais contextos? Quais ficaram excluídos da possibilidade de falar e de serem ouvidos? Essas são questões que refletem a urgência em problematizar as posições hierarquizantes que as gerações

ARTIGOTÉCNICO

Afinal, quais são as representações de juventudes que surgem na cena pública e no campo da política? Os jovens têm possibilidade de falar de suas condições?

o reconhecimento do potencial das juventudes.

Por outro lado, não há de se negar que, em ambas as representações se faz presente a ideia de incompletude, que fortalece as relações hierárquicas em diferentes espaços de sociabilidade e formação. Embora muitos jovens sejam chefes de famílias e trabalhem ou estejam à frente de uma série de decisões referentes aos seus modos de vida, estes são vistos pelo prisma da desconfiança. Desconfiança constituída em torno da imagem do que é ser jovem. Quantos jovens já não relataram situações e vivências nas quais eles se veem desprivilegiados, desacreditados em diferentes espaços e práticas sociais, em espaços como escola, família, comunidade, movimentos sociais e entre outras instituições formativas justamente por serem jovens?

Os efeitos dessas práticas consistem na permanência da

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adultas – educadores, pesquisadores, agentes educativos, juízes – muitas vezes, ocuparam e ainda ocupam, nas diferentes práticas sociais e educativas, destinadas a essa população e como elas ainda afetam o campo das políticas públicas, na medida em que são mantidas perspectivas adultocêntricas, que partem, em sua maioria, da mediação e intervenção adulta.

Essas intervenções são facilmente identificadas em objetivos delineadores de uma determinada prática social e/ou educativa, tais como, ensiná-los a identificar suas habilidades e com elas alcançarem resultados, ajudá-los a compreender que os erros são oportunidades para aprendizagem, ajudá-los a desenvolver responsabilidades, consciência social, resolver problemas, a pensar no futuro e a construir caminhos para a vida adulta. Nestes objetivos identificam --se a incapacidade intergeracional na mediação do diálogo ou a falta de reconhecimento na capacidade ativa das novas gerações.

Nas políticas para juventude, por exemplo, as vozes que lhe dão

“validade” originam-se daqueles que institucionalmente foram convocados a falar sobre e para as juventudes e, consequentemente, convidados a falar de suas condições e possíveis necessidades. As expressões “em desenvolvimento”, “transitoriedade para a vida adulta”, “sujeitos incompletos” revelam um discurso constituído verticalmente em torno da aposta institucional de valorização de uma juventude incluída no trabalho, na escola, em contextos de sociabilidade reconhecidos como formadores de uma vida ajustada e condizente com determinados valores e normas sociais.

Nesse sentido, as práticas institucionais, pedagógicas, psicológicas, políticas e a própria legislação instituíram pensamentos e modos de se falar e interagir com as juventudes. A visibilidade que tais práticas querem, de certa forma, dar a elas, encontra-se ainda atrelada ao como descrever ou pensar os fenômenos relacionados às juventudes: que população é essa, quantos são – calculá-los em números, transformá-los em estatísticas –, onde estão, quais suas condições de vida,

O diálogo com as concepções e representações sociais em torno da condição e realidades juvenis, possibilita problematizar as representações que aparecem no debate público, as quais revelam ambiguidades no modo de ver e conceber as juventudes ao separá-las em: juventude em perigo e juventude perigosa.

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como categorizá-los, que políticas públicas a serem pensadas e a eles destinadas. Tais descrições revelam a arte de isolar, identificar determinadas características, categorizar, homogeneizar e torná-las dizíveis, mediante os diferentes esquemas explicativos do que é ser jovem, deixando, em alguns momentos, escapar a pluralidade de sentidos e a infinita complexidade e diversidade que tal condição revela.

Essas mediações concorrem para a negação da autonomia e, consequentemente, cidadania dos e das jovens e mais, elas articulam-se com problemas maiores ao próprio processo de reconstrução democrática. Os problemas de vínculos entre a juventude e a política podem ser explicados com base no processo de construção democrática.

Nos contextos de reivindicações dos direitos sociais, civis e políticos estiveram à frente grupos e movimentos sociais liderados por adultos. Com a instauração da democracia, após 21 anos de regime autoritário (1964-1985), um dos problemas mais agudos dessa transição e que, diretamente afetava crianças e jovens, consistia em como superar a concepção destes como objetos de intervenção do Estado. E mesmo que se possa ressaltar a relevância social e política dos movimentos sociais na construção dos direitos da infância e da juventude, tais ações revelam algumas lacunas, a ausência de uma escuta das vozes daqueles que juridicamente passavam de uma condição de objetos abertos a intervenções à condição de sujeitos de direitos.

Prout (2010) aponta que a participação política de crianças e jovens esbarra nos conceitos limitados de cidadania, que, não mais sem razão, os excluem das discussões, decisões e ações. Para

ele, o abandono das concepções limitadas de cidadania constitui uma tarefa complexa. Os processos históricos de construção da cidadania nos indicam essa complexidade se pensarmos que as primeiras prerrogativas eram direcionadas aos direitos dos adultos, sobretudo, do sexo masculino, brancos e proprietários de bens. Lembrando que as mulheres só alcançariam tais direitos por volta do século XX, um modelo que ainda assim não foi capaz de incorporar crianças e jovens.

Para o autor, é com a “Convenção sobre o direito da criança”, em seu artigo 121, que se têm indicações para o reconhecimento da cidadania de crianças e jovens, que, não mais sem razão, pela abertura de diferentes leituras, não abandonou a ideia da importância da mediação das gerações adultas no cuidado e na representatividade política e de defesa por seus interesses e necessidades, convergindo para a preocupação de muitos profissionais de diferentes campos de atuação e saberes, de como oferecer condições e possibilidades de desenvolvimento, crescimento, formação e preparação desses sujeitos, num processo de subjetivação voltado para o futuro e preparação para a vida adulta.

É o que Castro e Rabelo (2008) denominaram de razão desenvolvimentista, presente em grande parte das ações de profissionais da saúde, educação e psicologia. Essa concepção desenvolvimentista acaba por sinalizar crianças e jovens como categorias sociais coadjuvantes a outras instituições consideradas ou tidas como relevantes. Às gerações adultas foram delegadas a possibilidade de definição de projetos e a tomada de decisões em relação à vida e ao desenvolvimento

Desse modo, o que se identifica é que, muitas das ações e propostas, acabam apresentando características emergenciais, no sentido de direcionar as ações para uma possível política de administração dos riscos e das condições de vulnerabilidade.

Nota de rodapé

1 - O artigo 12 estipula aos Estados que assegurem

e garantam às crianças o direito de expressar

livremente sua opinião sobre as questões que

lhe dizem respeito, sendo devidamente tomada a sua opinião conforme a sua idade e maturidade.

Assegura também o direito de ser ouvida nos processos

judiciais e administrativo, seja diretamente

seja mediante a um representante legal.

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infantojuvenil. A expressão “em desenvolvimento” favoreceu, de certa forma, a continuidade das perspectivas de menoridade desses sujeitos, que coloca em questão suas capacidades ou, por vezes, reduz os seus direitos civis e políticos. Nessa perspectiva, conforme destacam os autores (2008), houve uma maior discussão em torno dos direitos sociais, com forte aposta na educação como princípio formativo para a construção e efetivação da cidadania, na medida em que estes alcançassem a maturação de suas capacidades intelectuais e superiores.

O conceito desenvolvimento presente no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA abre possibilidades para diferentes entendimentos e interpretações, em termos teóricos e práticos. Dotado de uma perspectiva psicológica, etária e biologizante, tal conceito pode ser entendido, primeiro, como uma visão de incompletude das gerações mais novas. Entende-se que, para alcançar o desenvolvimento integral, as capacidades físicas, intelectuais, sociais e afetivas devem ser consideradas o equilíbrio entre essas capacidades, o ápice do desenvolvimento.

Nessa perspectiva, assegurar o desenvolvimento infantojuvenil implica uma política educativa integral, que envolve diferentes instituições sociais, modalidades de ensino – formal e não formal – e mecanismos de sociabilidade, que envolvem desde a escola até a sociedade civil; a construção e a potencialização de uma rede que promova e garanta aos jovens o direito ao desenvolvimento. Essa é uma das leituras e que, de certa forma, estão presentes nas normativas e legislações que reforçam a intervenção e a defesa desses sujeitos como alvos das políticas públicas.

A outra leitura abre possibilidade para a construção de uma concepção de cidadania atrelada aos direitos sociais e compensatórios, sendo ignorados os demais direitos. Se de um lado, identifica-se a preocupação pelo acesso aos direitos sociais e a forte tendência pela proteção, de outro, se esquece de pensar e discutir a efetivação dos demais direitos, como o direito político: possibilidades representativas e de participação. É sempre em torno das juventudes que as propostas são pensadas e não com elas.

[...] Será que essa também não é a barganha feita com crianças e jovens? Ou seja, dá-se a tutela e a proteção, mas se retira o direito de participa-ção política, por exemplo. Coloca-se a questão de que talvez para poder usufruir a tutela, deve-se abrir mão da cidadania... (CASTRO; MON-TEIRO, 2008, p. 281)

Em outros termos, abre-se mão da cidadania para a construção de relações que reforçam uma tutela e reduzam suas posições na esfera da agenda pública, tornando-os simples beneficiários, gerando constantes

tensões, como as de serem agenciados pelas gerações adultas e a impossibilidade do diálogo e da escuta de suas vozes.

A questão é refletir então, que protagonismo atribui-se às juventudes? Elas têm possibilidade de gerir a própria vida? Por que as juventudes parecem fugir dos propósitos e intenções para elas pensadas?

Ao que tudo indica, de um lado, tem-se o problema do modo como as políticas e ações são pensadas para as juventudes, as quais tendem a estandardizar as transições dos jovens para a vida adulta, a partir da definição de escolaridades mínimas, formação profissional e de política de emprego, que, em sua maioria, reserva para eles e elas um lugar nas esferas mais baixas do emprego formal. De outro lado, as juventudes tendem a autonomizar, a reinventar as suas vidas por meio de trajetórias que nem sempre se encaixam nas políticas prescritivas, que tendem à estandardização das transições, com ênfase na ideia de transformação social e preparação para o futuro (PAIS, 2005).

O reconhecimento da cidadania de jovens na legislação brasileira

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é recente2; e mais recente ainda, a visibilidade das preocupações relacionadas à representatividade dos jovens no processo de construção, reivindicação pública de seus direitos e de políticas públicas. Se comparado às legislações anteriormente mencionadas, o Estatuto da Juventude, ao que tudo indica, parece apostar no protagonismo juvenil. Termo esse forjado para defender a ideia de que jovens devem ser sujeitos centrais nas tomadas de decisões, reflexões e ações, que relacionam com as diferentes formas de sociabilidade, principalmente em contextos sociais formativos, em ações coletivas e deliberativas, na defesa pela autonomia, cooperação, decisão e responsabilidade de planejar, executar e avaliar as políticas de juventudes.

Por outro lado, revela-se como instrumento de garantia e ênfase na importância de considerar os jovens como cidadãos em termos de direitos sociais, civis e políticos. Enquanto tais, estes devem falar por si, numa fala de si, como fator constitutivo de compreensão de sua própria condição; de uma fala que registra, documenta

...as práticas institucionais, pedagógicas, psicológicas, políticas e a própria legislação instituíram pensamentos e modos de se falar e interagir com as juventudes. A visibilidade que tais práticas querem, de certa forma, dar a elas, encontra-se ainda atrelada ao como descrever ou pensar os fenômenos relacionados às juventudes.

marcas culturais, socioeconômicas, relações de gênero, etnia, sexualidade, suas sociabilidades e experiências formativas em diferentes espaços, institucionalmente apontadas como formativos ou não. De uma fala, que, no mais, revela filiação a certa maneira de pensar, agir e relacionar com o mundo. No sentido de que, o direito à cidadania é também o direito à diferença e à diversidade, ao reconhecimento de suas identidades. Uma forma de pensar, agir, relacionar-se, que ao mesmo tempo em que produz linguagem, reforça e dá destaque ao seu lugar nas relações e interações com as pessoas. O protagonismo juvenil sugere uma agência da juventude sobre as suas próprias trajetórias de vida.

Concluindo...Decerto, temos muito que

aprender com as juventudes. Para tanto, talvez, um dos caminhos consistam em abrir mão da nossa busca por uma mediação – dar voz aos jovens – e aprender sobre as

ARTIGOTÉCNICO

maneiras de forjar uma política de escuta dessas vozes, que se fazem complexas e tão particulares. Não é possível continuarmos numa atitude de ajustamento dessas vozes aos modos e formas de participação intencionadas e objetivadas pelas gerações adultas. A particularidade das vozes da juventude, no plural, implica reconhecer a diversidade das experiências juvenis. É centrar no reconhecimento da alteridade dessas vozes, em sua dimensão política, democrática e cidadã, como caminhos para enriquecer e fortalecer os vínculos entre juventude e democracia.

Importante pensar, então, numa prática da escuta dessas vozes, que difere do que convencionalmente defendemos como “dar voz aos jovens”. Contudo, uma escuta afastada do direcionamento e da intencionalidade de atender a determinadas perspectivas centradas nas lógicas das gerações adultas, das quais se incluem pesquisadores, educadores e demais sujeitos que se destinam a trabalhar com jovens. As

Nota de rodapé

2 - No Estatuto da Criança e do Adolescente, a concepção de cidadania está presente no artigo 16, incisos I ao VII, que tratam dos direitos de: ir e vir nos espaços públicos e espaço comunitário, de ter opinião e expressão; de escolher sua crença e vivenciá-la; brincar, praticar esportes e divertir-se; participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; participar da vida política, na forma da lei.

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Referências Bibliográficas

1. CASTRO, Lucia Rabelo de.; MONTEIRO, Renata A. de Paula. A concepção de cidadania como conjunto de direitos e sua implicação para a cidadania de crianças e jovens. Psicologia Política. vol. 8. nº 16. p. 271- 284. Jul. Dez, 2008.

2. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

3. GROPPO, Aquino, TIRELLI, Janice (Org.). Dilemas e contestações das juventudes no Brasil e no mundo. Florianópolis: UFSC, 2011.

4. PAIS, José Machado. Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro. Machado. Porto: Âmbar, 2005.

5. PROUT, Alan. Participação, políticas e as condições da infância em mudança. In: MÜLLER, Fernanda (org.). Infância em Perspectiva. Políticas, pesquisas e instituições. São Paulo: Cortez Editora, 2010. p. 21-41.

6. SÃO PAULO. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069 de 13 de julho de 1990.

tentativas de questionar a construção de procedimentos “para dar voz” relacionam-se diretamente com a importância de problematizar por que ainda procuramos demarcar quem deve falar pelos e pelas jovens, em contextos nos quais envolvem, sobretudo, suas trajetórias de vida. Necessidade de repensar as ideias predominantes sobre a suposta incapacidade de participarem e serem seus próprios representantes no debate público, principalmente, quando referir-se a políticas públicas.

Não há como pensar em juventude e democracia sem o reconhecimento desse segmento como sujeitos que têm vivências próprias. Até podemos ser responsáveis pelo outro, na medida em que eu reconheço esse outro não como distante, mas próximo; não como incapaz, mas sim como capaz de conduzir e pensar suas formas de existência, relações, interações com a sociedade, com o conhecimento, com a cultura e diferentes formas de viver e relacionar-se com o mundo. É válido lembrar a importância de uma ética do discurso, num movimento dialógico de encontro e proximidade (FREIRE, 2001).

As possibilidades podem ser construídas em colaboração com as juventudes. Um trabalho subvencionado de/para/com as juventudes, que possa revelar uma ética de responsabilidade e reconhecimento do outro e de suas possibilidades de enunciações e que, de certo modo, deve basear-se em ações de escuta das juventudes, em diferentes espaços e contextos: lá onde ocorre a marginalização das juventudes; lá onde as juventudes gritam por justiça, por políticas públicas, ou por alguém que simplesmente as escutem e se solidarizem com as complexidades de suas condições e realidades sociais.

Modos de se ouvir as juventudes que se mostrem, portanto, distintas das propostas de mediações assimétricas e hierárquicas; modos que se fundamentem na escuta de diferentes condições juvenis e, principalmente, nos temas que tocam profundamente as juventudes na contemporaneidade3, sobretudo, as condições de uma parcela de jovens pertencentes às periferias, em condições de privação de liberdade, em espaços formativos escolares e não escolares.

A proposta de ações e projetos políticos para as juventudes deve partir de responsabilidades intersubjetivas de reconhecimento e questionamento de diferentes práticas e contextos sociais em que muitos são ou possam ser silenciados. Esse reconhecimento pode subvencionar um conjunto de ações e práticas com as juventudes, longe das perspectivas de um trabalho para ou sobre as juventudes, numa perspectiva de projetos possíveis, de interações negociadas e de valorização das vozes e suas pluralidades, numa relação de respeito e valorização das diferenças. Nessa prática ética, política e, sobretudo, democrática, as possibilidades de diálogos, de construção dos lugares e modos de refletir, pensar e se viver as juventudes parecem ser central para o debate. A cidadania fundamentalmente é uma questão de participação, equidade e justiça social, na medida em que as juventudes se percebam como sujeitos, dado a relação de reciprocidade, diálogo e compartilhar de experiências adquiridas em seu cotidiano, contextos e relações sociais. Jovens como produtores de significados, de múltiplas linguagens, estratégias relacionais e de solidariedade e de iguais condições para a participação e apropriação da própria palavra.

Nota de rodapé

3 - Criminalização da juventude pobre e negra, redução da

maioridade penal, condições e realidades juvenis, relações de

gênero, sexualidade etc.

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O pêndulo das políticas públicas entre o penal e o social:Condições históricas e possibilidades atuais para as políticas públicasWANDERLEY TODAI JÚNIOR1

WELLINGTON DO CARMO MEDEIROS DE ARAÚJO2

Algumas palavras não podiam ausentar-se no presente ensaio, por esta razão que a tão falada categoria da

questão social atravessa-o inteiramente. Nosso objetivo não foi de abordá-la a partir de sua mera aparência mais imediata e também não de discorrer acerca de políticas públicas sem vinculá-las ao contexto macro em que está contida, pois, políticas públicas e questão social são inseparáveis. Como trataremos de uma forma muito específica de política pública estaríamos bem abaixo da crítica se apresentássemos o programa apartado de sua contextualidade.Outra preocupação, de natureza expositiva, foi apresentar um ensaio didático e voltado a um público mais abrangente, que ultrapassasse os ardentes debates circunscritos à academia tão distantes de um público mais avolumado, mas que também procurasse distância do nível de produção de verbetes.

Nota de rodapé

1 - Professor Universitário, Formado em Direito e Mestre em Ciências Sociais PUC/SP

2 - Formado em Direito e Gestor de Arte e Cultura na Fundação CASA.

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Para se falar de política pública é inevitável uma passagem, mesmo que brevíssima, pela categoria da “questão social”. O que se observa ao longo da história moderna é o surgimento da questão social concomitante à gênese do modo de produção capitalista. Questão social é expressão de pobreza, não de qualquer uma, mas de forma específica, aquela constituída sob a quadra histórica que, quanto mais à capacidade produtiva crescia, paralelamente, produzia-se pobreza. Se no período anterior ao modo de produção capitalista a pobreza estava subordinada, principalmente, à escassez oriunda da baixa capacidade de produção, passou a ser, sob o novo modo de produção, gestada por uma constante tecnicamente denominada lei geral da acumulação3 e a questão social é uma de suas formas de emergência.

Já a política pública é a forma com que o Estado intervém na sociedade procurando tratar as mais distintas expressões da questão social, mesmo que superficialmente, como já anunciado. Num texto de duas importantes pesquisadoras do Serviço Social está contido que as políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento – em geral

setorializadas e fragmentadas – às expressões multifacetadas da questão social no capitalismo (BEHRING; BOSCHETTI, 2012: 51).

A história e a condição das políticas públicas são ao mesmo tempo a história das condições de reprodução da sociabilidade capitalista. A apreensão de suas aparições autoriza-nos reconhecer que as políticas públicas assumem a forma de um pêndulo que varia entre a garantia parcial das possibilidades sociais-individuais de desenvolvimento pessoal – políticas sociais – ou mesmo a supressão quase completa destas possibilidades – políticas penais –, no jogo político de forças que se estabelecem no processo da produção e reprodução social. São estes processos e conflitos que permitem verificar porque nalguns momentos o pêndulo tende a pender para um lado e noutros momentos para outro.

A dinâmica cotidiana demonstra as possibilidades nas quais ocorre a reprodução social; os seres humanos se apropriam das ferramentas, das experiências técnicas, da linguagem, da vestimenta, da pintura, da música etc. e é esta possibilidade de apreensão a condição da sua liberdade; a partir dela os “indivíduos” aprimoram seu corpo físico, suas emoções,

sua capacidade intelectiva e artística, desenvolvem-se em sua totalidade singular. A liberdade é, por fundamento, uma condição histórico-social, a possibilidade de apropriação e usufruto “individual --singular” das possibilidades geradas pela sociedade. (LUKÁCS, 2004). O pêndulo das políticas públicas, conforme se constituam as transformações e os conflitos sociais, atua entre sua garantia parcial ou a negação desta liberdade.

Política pública e suas formas verificáveis no decurso histórico

A sociabilidade do modo de produção capitalista impõe contornos fundamentais e específicos às possibilidades desta apropriação e as políticas públicas derivam dele como uma forma política particular de mediá --las. O mecanismo original de aplicação destas políticas refere --se à forma, presente na história moderna, do encarceramento cujo fim não foi a prisão em si, mas a disciplinarização de massas populacionais ao novo modo de produção nascente. Na medida em que as grandes propriedades rurais feudais, os campos de utilização comum e a manufatura artesanal

Nota de rodapé

3. Seria desnecessário explicar a lei geral da acumulação capitalista por haver tratamento já clássico ao tema, in MARX, K. O Capital. Qualquer edição, cap. XXIII. Para uma segura aproximação ao tema, que não fugirá aos clássicos, está contida em NETTO e BRAZ, 2006, cap.5, com suas indicações complementares ao tema.

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e de subsistência foram sendo substituídos pelo cercamentos de terras, a criação de ovelhas para comércio de lã ou o monopólio da manufatura por artesãos ricos, milhares de camponeses viram --se despojados do antigo trabalho e obrigados a migrarem para as cidades em busca de empregos ou a perambularem pelas estradas como mendigos, o número de mendigos nos séculos XVI e XVII é surpreendente. Um quarto da população de Paris na década de 1630 era constituído de mendigos, e nos distritos rurais seu número era igualmente grande. Na Inglaterra, as condições não eram melhores. A Holanda estava cheia deles... (HUBERMAN, 1979, p.105; 169). Esta gigantesca massa populacional disponível, mas pouco administrável – já que muitos preferiam ficar na mendicância a se submeter ao trabalho nas manufaturais urbanas – exigiu do Estado nascente a adoção de medidas que a tornassem utilizável, “educando-a” para a produção sistêmica e assalariada em larga escala social.

A política pública orientada para o controle e racionalização do trabalho tomara a forma da “workhouse”, ou casa de trabalho, destinada a “forjar” o cotidiano capitalista também nascente. Mendigos, prostitutas, ladrões, andarilhos, desempregados eram lá internados e forçados a receber hábitos de trabalho e treinamento profissional. (RUSCHE, 2004, p. 56). A história da política pública para o adolescente também aparece aqui; órfãos e filhos menos diligentes eram internados nestas casas para o aprendizado profissional ou disciplinar. O problema de se manter o preço dos salários em níveis lucrativos também motivou este tipo de controle da população excedente, na medida de formar um exército de reserva a manufatura urbana: “essência da casa de correção era a combinação de casa de assistência aos pobres, oficinas de trabalho e instituições penais. Seu objetivo principal era transformar a força de trabalho dos indesejáveis, tornando-a socialmente útil. Os prisioneiros adquiriam hábitos industriosos e treinamento profissional” (Idem, 2004, p. 69)4.

Do século XVI até as vésperas da Revolução Industrial, o Estado nascente implementou toda uma legislação que forneceu legitimidade e instrumentos de coerção ao impulso do processo produtivo capitalista, com a finalidade de impor o novo imperativo a todos os quais a sobrevivência dependesse ou pudesse vir a depender da venda do próprio trabalho – incluindo crianças e adolescentes. A “lei dos pobres” que se avolumavam pelas cidades e estradas visava a impedir a circulação e migração desta força de trabalho e obrigava os pobres e mendigos aptos ao trabalho

a se submeterem as Workhouses (BEHRING; BOSCHETTI, 2012, p.48). Paralelamente, avançavam os crimes contra a propriedade, antes secundários, o homicídio, e os falsários. Enquanto as penas para pessoas ricas eram convertidas em multa, leis mais pesadas eram criadas para combater os crimes contra a propriedade, realizados em sua maioria pelos pobres.

O sistema de direito penal passou a ser uma espécie de fetiche da burguesia nascente que consubstanciava as ideias de justiça e política pública e desencorajaria os malfeitores, generalizando-se a severidade com que passaram a ser punidos, na forma de castigos corporais, mutilações e execuções (RUSCHE, 2004, p.37). O pêndulo da política pública tende, sob estas condições, a enfatizar e se concentrar sob a forma punitiva, principalmente porque os conflitos políticos significativos não se dão ainda na relação entre massas de trabalho e proprietários, mas entre a burguesia nascente e a velha aristocracia. O direito penal – dentro deste modo de produção e reprodução da vida social, onde o trabalho se torna cada vez mais intensivo, disciplinado e escasso, e os corpos, as emoções e o intelecto se forjam no frio movimento da máquina – assume a forma básica da política pública, dirigida francamente contra as “classes subalternas” (Idem, p. 36).

Até o início da Revolução Industrial, pode-se afirmar que a situação geral das massas trabalhadoras piorou. Com o aumento do excedente de trabalhadores e do exército de reserva industrial, as casas de trabalho abandonaram a perspectiva de formação profissional, transformando-se em depósitos

Nota de rodapé

4. As ordens clericais da Igreja Católica continuaram com a velha prática de fornecer assistência aos pobres, mas seus métodos tendiam a seguir a orientação das casas de trabalho.

... políticas públicas e questão social são inseparáveis

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de delinquentes e larápios sobre os quais não havia nem esperança, nem o interesse de “educar”. Sob a tutela da política pública penal e de uma “ética do trabalho” abstrato, como valor social a ser cultivado por qualquer custo e meio, o aumento das massas de trabalhadores se viu acompanhar do avanço degradante das condições humanas nas prisões: “negligência, intimidação e tormento dos internos, postos a trabalhar apenas como punição e para obtenção de lucro de quem os mantinha, tornara-se a ordem do dia”. A política pública penal atinge crianças e adolescentes da mesma forma que os adultos; o Estado fornecia às indústrias crianças de orfanatos, logo que tivessem tamanho suficiente para manejar uma máquina, pagando-lhes o empregador apenas a refeição, enquanto pessoas empobrecidas alugavam ou entregavam os filhos em troca de alguma renda (idem, p.124 e 56).

Até o final do século XVIII, alguma legislação restritiva ao nível de exploração das massas pauperizadas ainda encontrava lugar, como a lei de Speenhamland, de 1795. A lei garantia assistência social a frações de trabalhadores que recebessem abaixo de níveis mínimos e, de certa forma, restringia possibilidade de sua utilização sem limites pela indústria. No entanto, o estabelecimento definitivo do mercado capitalista e dos princípios do “livre mercado” – baseado na ideia de liberdade mercantil, competitividade e negativa de interferência do Estado no processo produtivo – revogou a lei e, em 1834, instituiu uma nova “lei dos pobres”, reintroduzindo o trabalho forçado, suprimindo assistências e subordinando pobres e miseráveis a “exploração sem lei do

etc – avançou irresistivelmente a partir da metade do século até o final da Primeira Grande Guerra Mundial. O antigo princípio liberal do laissez-faire, no qual as regras do mercado livre e a ausência de controles sociais levariam à melhor sociabilidade possível viria a se tornar incompatível sob a nova realidade do conflito político – principalmente depois das crises econômicas e das revoluções políticas que sacudiram o fim do século XIX e início do XX (idem, p. 368).

Com a reorganização das forças sociais e a pressão intensa e sistêmica das massas populares, médias e trabalhadoras – conflitos muitas vezes resolvidos com sangue – foram forjadas as primeiras formas contemporâneas de uma política pública de conteúdo social, não mais meramente filantrópica. Na medida em que o Estado se viu forçado a intervir na relação entre trabalho e capital, a fim de garantir a sustentação do modo de produção, a política pública sofreu alterações fundamentais em seus princípios e práticas, formando um tipo básico de regulação social e previdenciária. Diversos tipos de políticas sociais na base do seguro foram implementadas para grupos de trabalhadores e, por vezes, estendidos a outros grupos; formas de “compensação de renda”, seguros de saúde, proteção contra o desemprego; também, legislações sobre trabalho infantil e redução da jornada de trabalho, ainda que de forma bastante desigual, se espalharam pelos países onde predominavam os princípios liberais, inaugurando o que foi chamado, de modo pejorativo, Estado providência: “entre 1883 e 1914, todos os países europeus implantaram um sistema estatal de compensação de renda na forma

capitalismo nascente” (BEHRING; BOSCHETTI, 2012, p. 50).

Durante o percurso do século XIX, a transformação nos personagens sociais e nos conflitos políticos vai mudar a lógica do pêndulo de políticas públicas, fazendo com que este se inclinasse ligeiramente das políticas penais para alguma política de natureza social. O estabelecimento quase que definitivo do modo de produção capitalista, a universalização do trabalho assalariado industrial, a larga escala de trabalho socialmente necessário, manteve grande parte da população submetida às políticas públicas penais e à miséria. Além do exército de reserva, outras frações da classe trabalhadora eram submetidas a degradantes jornadas e condições, provando os resultados sociais perversos da “lei geral da acumulação capitalista”, na qual a composição positiva de maquinário e a negativa de trabalhadores formam uma equação básica de aumento do lucro e desemprego. Enquanto isso, uma parcela do proletariado atingiu um relativo aumento de qualidade material no padrão de vida, com certa regularidade nos ganhos, condições de trabalho melhores, possibilidade de morar fora dos cortiços e alguma perspectiva de futuro gerando uma “aristocracia do trabalho” (HOBSBAWM, 2012, p. 320).

Esta mudança de situação forçou o rígido pêndulo para seu afastamento da política penalista. O desenvolvimento de uma classe trabalhadora ampliada e com capacidade de organização ascendente colocou um novo e ativo agente no contraditório e conflituoso processo social capitalista. A expansão da capacidade de pressão política dos movimentos trabalhistas, impulsionados sob as mais diversas teses – socialistas, anarquistas, comunistas, social-democracia

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liberais e desenvolvia teses para a própria superação dum sistema visto como sustentado na exploração das massas.

Paralelamente, acontecia na Rússia a experiência de uma revolução popular que cuidou de pôr sob a terra o modo de produção capitalista, instaurando um modelo de produção distinto (idem, p. 192). O resultado destas radicais transformações na realidade política com a qual o capitalismo se defrontava foi a superação das teses liberais para uma nova agenda estatal fundada numa política pública comprometida diretamente com a sustentação da taxa de lucro dos monopólios e uma espécie de compromisso social com amplos setores operários e das classes médias.5

A nova tese da economia capitalista encontrou como expoente máximo John M. Keynes, que defendeu a intervenção estatal, de modo que forneça impulso ao depressivo processo de acumulação e reduza o expoente nível de conflitualidade com o trabalho: “O Estado, com o keynesianismo, tornou-se produtor e regulador”. O Estado “keynesiano” passava a ter como regra da administração pública o controle de disponibilidade de moeda, estabelecer uma política fiscal e tributária de taxação progressiva, realizar investimentos em áreas estratégicas da produção por meio de déficits públicos – inclusive, criando empresas estatais – com o fim de garantir o “pleno emprego” da força produtiva e níveis de desemprego bastante baixos. As políticas públicas sociais passaram a intensificar o sistema de previdência, como os seguros públicos, a assistência médica e educacional pública e a garantia de uma renda mínima aos pobres, que pouco mais tarde se tornaram políticas públicas “universais”, na maioria dos países europeus6 (BEHRING; BOSCHETTI, 2012, p. 85-6).

A ideia de que havia um mercado liberal de investimentos continuou existindo, mas assumiu-se que este não poderia se sustentar – inclusive em termos de “civilização” – sem a participação ativa do Estado no processo social. O salto definitivo para que estes “direitos de bem --estar” fossem estendidos na forma de direitos universais, ou seja, garantidos a todos, aconteceu com o fim da Segunda Guerra Mundial e a vitória do Estado operário russo e dos Estados Unidos. O Welfare State permitiu gerar uma “aliança” com diversos partidos e sindicatos operários e partes da classe média, no sentido do abandono do projeto socialista, insuflado pela experiência vermelha e a vitória sobre o nazismo: “as alianças entre partidos de esquerda e direita asseguraram os acordos e compromissos que permitiram a aprovação de legislações sociais e a expansão do Welfare State” (idem, p. 92). Lançavam-se, assim, os mecanismos sociais do que viria a se concretizar, após a Segunda Guerra

O pêndulo das políticas públicas, conforme se constituam as transformações e os conflitos sociais, atua entre sua garantia parcial ou a negação desta liberdade.

de seguros (...). Em 1920, 9 países tinham alguma forma de proteção aos desempregados” (BEHRING; BOSCHETTI, 2012, p. 67).

Estas mudanças significativas nos conflitos sociais, além de revoluções políticas e crises econômicas vão marcar o movimento do pêndulo do extremo penal – obviamente, nunca abandonado – para uma aproximação ao outro extremo, o social. Poderíamos citar mais duas grandes transformações, além do crescimento do movimento operário: primeira, o processo de centralização e concentração que assumiu a acumulação capitalista e a reunião entre capital industrial e financeiro durante a primeira e segunda década do século – além da formação imperialista europeia e a grande Guerra Mundial – demoliram os dogmas liberais de um mercado capitalista mundial de livre concorrência. Pelo contrário, os grandes monopólios demonstraram que a regra tendencial capitalista é o controle da dinâmica do mercado por parte destes grupos, como o controle do preço da matéria-prima, a transferência do lucro de empresas não monopolistas, extração de superlucros na base da “lei geral da acumulação” e a tentativa de contenção das crises decorrentes da “queda tendencial da taxa de lucro” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 188).

A segunda foi a grande quebra da bolsa de 1929 que colocou uma pedra sobre a crença na “mão livre” do mercado e exigiu a transformação definitiva na forma de participação do Estado na garantia dos lucros monopolistas. A crise jogou o otimismo liberal no chão junto com a taxa de lucro e a queda das ações, enquanto a combatividade do diversificado movimento operário atingia participação nos parlamentos

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monopolistas, forte proteção do mercado interno e tributação progressiva o sistema de proteção social atua como uma garantia de proteção ao “subconsumo”.7 As mercadorias fabricadas em quantidades cada vez maiores teriam de encontrar consumidores e estes necessitavam de renda e tempo disponível, o que levou à regulação dos salários, integração da renda, à assistência social, educação e saúde, habitação, redução dos níveis de violência, transportes etc., políticas públicas sociais que deveriam ser e foram universalizadas (MONTANO; DURIGUETTO, 2010, p. 174).

Claro é que o modo de produção capitalista continuou gerando a oferta de trabalho excedente, aumentando o exército de reserva, o subemprego, os bairros pobres, a violência, os trabalhadores menos

Mundial, no estado de bem-estar social, com a virada do pêndulo das políticas públicas penais para uma hegemonia pautada pela política pública social – pelo menos nos países europeus centrais.

A perecibilidade da política pública social e seu regresso ao penalismo

Durante o período do Welfare, o desenvolvimento técnico-científico impulsionou a forte expansão do setor produtivo, o que implicou, também, o aumento significativo dos bens de consumo, levando, necessariamente, à criação de um mercado de consumo local. O papel do Estado foi garantir esta demanda, por meio de um amplo sistema alfandegário e tributário que protegesse o mercado interno de consumo e os empregos. Num contexto de superlucros

Nota de rodapé

5. Nos países em que as ideias democráticas

eram mais avançadas e o movimento sindical não havia

sofrido grandes derrotas, se estabeleceram formas de

estado interventivo que não violentaram a democracia política. Nos países onde

estas tradições eram mais frágeis (Itália) ou o movimento

trabalhista havia sofrido derrotas (Alemanha) a

intervenção do Estado se deu de forma que golpeasse a

democracia política (...) – o fascismo. Netto, José Paulo;

Braz, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica.

Cortez, São Paulo, 2008, p. 193.

6. As teorias de Keynes vinham na corrente da experiência do New Deal e do fordismo, que

havia instituído um dia de trabalho de 8 horas a cinco

dólares; isso não significa que os EUA tenham adotado o

sistema de seguridade social universal, senão muito parcial, como depois viria a acontecer

na maior parte da Europa capitalista desenvolvida.

7. Outro fator de fundamental importância a manutenção do

“pleno emprego” da capacidade produtiva é o investimento

realizado pelo Estado na indústria bélica; o que incluiu

a produção de uma guerra fria e uma corrida armamentista

imposta sobre o regime russo.

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saná-la por medidas de políticas públicas sociais, advindas de um poder público racionalizante e “civilizador”, deixando de lado os inerentes limites colocados pelo processo produtivo. No limite, a perspectiva intervencionista e a “questão social” substituem os problemas de ordem político --econômica por questões de ordem moral, fragmentando as classes, os grupos e os interesses em conflito, individualizando as crises sociais (BARROCO, 2008, p. 86). Por tudo isto, o tratamento da “questão social” atravessou a fase monopolista do Welfare de modo que reforça a antiga ideia liberal da “imparcialidade” do Estado ante as contradições sociais, e a melhoria do padrão de vida no pós-guerra, a prosperidade amarrada aos “enormes” orçamentos militares – principalmente nos Estado Unidos8 – e a distância que separava das lições da crise de 1929 levaram a ideia bastante generalizada de que a pobreza e o desemprego seriam em breve apenas “recordações desagradáveis” (BARAN; SWEEZY, 1978, p. 286).

Parece-nos, hoje, cada vez mais claro que a perspectiva de um Estado imparcial e capaz de afastar as crises econômicas e sociais não se concretizou, pois não apenas a pobreza e o subemprego não diminuíram como aumentaram, gradativamente, no percurso do Welfare State, enquanto nos Estados Unidos, carro-chefe da economia mundial, os dados sobre a falta de recursos e a renda básica de milhões de famílias se tornavam cada vez mais alarmantes. A possibilidade de forçar o pêndulo penal na direção do social encontrava uma barreira exterior ao mecanismo das políticas públicas intervencionistas, demonstrando que a tendência de se

manterem políticas públicas sociais aparece como acessório relativo às condições deste período.

Uma lição que possa ser extraída dos fatos é que a política pública social não foi capaz de se sobrepor à “lei geral da acumulação”, pelo motivo básico de que o fundamento do lucro e, também, da sua crise não se realiza na administração e controle relativo da circulação das mercadorias, mas no ato da própria produção. Assim, os valores investidos em políticas sociais fundamentais, não puderam se sobrepor e ficaram muito abaixo dos investimentos na indústria bélica, por exemplo, o que demonstra que o pêndulo social, ainda que aplicado, tem um papel secundário no processo de produção capitalista, não sendo certo, num segundo momento, que os recursos disponibilizados tenham a finalidade de promover o “bem-estar público” (Idem, p. 293).

Na medida em que a grande onda longa expansiva começou a demonstrar que as taxas de lucro e crescimento dos “anos dourados” não se sustentariam, a política intervencionista social seria a primeira a ser descartada, e o pêndulo penal voltaria para a ordem do dia. Entre os fatores gerais que desencadearam as condições contemporâneas, poderíamos dizer que com a ascensão de países que emergiram no período do pós -guerra – principalmente Japão e Alemanha – e a concorrência que invadiu os mercados mundiais com produtos de baixo custo, o que se viu foi o reaparecimento do esquecido fantasma de 1929. Enquanto prosseguiu sob o desenvolvimento desigual, “a tentativa de alcançar os que estavam na frente, o círculo virtuoso de lucro elevado, altos investimentos e aumento da

São estes processos e conflitos que permitem verificar porque nalguns momentos o pêndulo tende a pender para um lado e noutros momentos para outro.

especializados e a tendência ao subconsumo. Porém, enquanto se sustentou a “onda longa expansiva de acumulação” – entre início da década de 1950 e finais de 1960, com índices de crescimento muito altos –, os serviços públicos de compensação de renda e a atividade estatal maquiaram os resultados perversos do funcionamento da “lei geral da acumulação”, o que gerou uma tendência a reduzir a causa destas crises sociais a respostas meramente intervencionistas. Isto não atentou para o fato de que o pêndulo das políticas sociais se ancorava não apenas nos conflitos políticos travados pelos mecanismos do Estado, mas principalmente, no processo econômico que pôde suportar o intervencionismo durante a onda longa expansiva (NETTO; BRAZ, 2008, p. 206).

A perspectiva das políticas públicas e seus agentes tomaram como problema do dia a “questão social”, pretendendo entendê-la e

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produtividade se manteve”, no entanto, assim que a concorrência emergente alcançou ou superou os líderes americanos, o resultado foram a queda dos preços, seguida pelo excesso de capacidade produtiva e pela superacumulação de capital, forçando a taxa de lucro para baixo em direção à crise (ARRIGHI, 2008, p. 115).

O início da década de 1970 deu adeus à onda longa expansiva, deixando em seu lugar uma onda longa recessiva e, com ela, um conjunto de reformas estruturais no âmbito econômico e político que determinam a política pública contemporânea. Entre elas, podemos citar a imensa reforma neoliberal promovida no papel

representado até então pelo estado keynesiano. Os industriários e financistas atacaram o estado de bem-estar, atribuindo aos custos previdenciários, pensões e garantias trabalhistas os resultados da crise econômica. Um imenso discurso foi promovido pelos grupos “neoliberais” contra o Estado social, como sendo “pesado”, ineficiente, deficitário e inflacionário, pregando a gestão “eficiente” de um Estado dito “mínimo” e, consequentemente, de uma política pública social mínima.

Entretanto, o ataque ao “intervencionismo” estatal tem margens bastante definidas. Não se trata de um Estado mínimo em relação ao aparato financeiro

Com a reorganização das forças sociais e a pressão intensa e sistêmica das massas populares, médias e trabalhadoras – conflitos muitas vezes resolvidos com sangue – foram forjadas as primeiras formas contemporâneas de uma política pública de conteúdo social.

e produtivo e às necessidades da realização das taxas de lucro, mas de uma interferência mínima do Estado no sentido da garantia das proteções previdenciárias e direitos sociais, que o “mercado” capitalista não pode oferecer. Trata-se, neste caso, de enxugar os custos públicos das garantias de segurança social, dos investimentos sociais e dos controles legais que possam representar qualquer barreira à máxima extração dos lucros: “o ataque contra as dimensões democráticas da intervenção do Estado começou tendo por alvo a regulamentação do trabalho e avançou no sentido de reduzir e privatizar os sistemas de seguridade social” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 227).

A finalidade do “raciocínio neoliberal” é gerir a máquina pública do Estado de modo que todo recurso disponível seja ao máximo aplicado na sustentação dos investimentos capitalistas em crise. Neste sentido, não existe “Estado mínimo” para os grupos monopolistas econômicos, mas “Estado máximo”. O intervencionismo não foi afastado, mas configurado para estruturar politicamente as “reformas” neoliberais necessárias às novas condições impostas pela crise e pela onda recessiva. As intervenções arbitrárias sobre os sindicatos, o impulso e subsídio para privatizações, o acúmulo de dívidas públicas com credores nacionais e internacionais, os créditos públicos para salvar as “bolhas” especulativas, o investimento na indústria militar – base da indústria elétrica, metalúrgica e de computação (idem) – são alguns exemplos de que o Estado mínimo é direcionado apenas para as políticas públicas sociais (HARVEY, 2011, p. 60).

Nota de rodapé

8. Vide, país que não implantou a universalização do Welfare State, senão na tentativa de manter o pleno emprego produtivo e níveis baixos de desemprego.

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ARTIGOTÉCNICO

A mudança na forma de intervenção do Estado acompanhou outros processos que alteraram as relações de poder que haviam possibilitado o Welfare State. Um conjunto ampliado de novas tecnologias como a automação e de práticas como a transferência das fábricas e a terceirização dos empregos, impulsionou a reestruturação produtiva do trabalho, ampliando de modo inédito as formas de trabalho precário, intensificado, “flexível” e o desemprego estrutural. A lei geral da acumulação, onde a taxa de lucro depende do aumento do maquinário e da redução/intensificação do trabalho “vivo”, se fez cada vez mais presente na tentativa de salvar os lucros da onda recessiva, e o seu resultado foi o enfraquecimento estrutural do poder político e legislativo dos diversos movimentos ligados ao mundo do trabalho (Idem, 2006, p. 178).

Sob estas condições, a política pública social entra em franco declínio e a hegemonia do discurso neoliberal “antiestatal” será aplicada por governos de direita e mesmo de esquerda, inclusive na Europa do Welfare. O corte nos orçamentos sociais, educacionais, de saúde, na habitação, correspondeu às medidas de “disciplina do orçamento”, como

“necessárias” à contenção da inflação. As “reformas” nas legislações trabalhistas, previdenciárias e tributárias – agora no sentido regressivo – continuaram o processo de enxugamento dos custos sociais e sua transferência ao âmbito privado: “a partir da década de 1980, o que se observa é a redução dos gastos sociais, apesar do aumento dos gastos públicos” (BEHRING; BOSCHETTI, 2012, p. 131).

A configuração do novo cenário é formada pela reestruturação produtiva, a ideologia neoliberal e a financeirização do capital somado ao endividamento do Estado operando num patamar nunca antes observado.

Como resultado, a política pública social encontra na onda recessiva contemporânea um grande impedimento para sua implementação e a proposta de entender o conjunto de crises sociais atuais a partir da “questão social” suprime as suas causas concretas, levando a saídas de caráter moral, voluntário ou solidarista. Enquanto isso, o pêndulo voltou a apontar largamente para a direção penal. Com o avanço do desemprego em massa a partir dos anos 1980 e a ausência de políticas públicas sociais e investimentos que fizessem contrapeso à lei geral da acumulação, a desestrutura urbana avançou desimpedida para as periferias das cidades e favelas, sem falar no número de “sem-teto” – antes, a maioria dos pobres habitava cortiços ou antigos casarões nas regiões centrais. Na América Latina a pobreza cresceu cerca de 50% e 21% no Brasil, contando o país com mais de 50 milhões de miseráveis nos fins da década de 1990 (DAVIS, 2008, p. 44 e 162)9.

A escalada da violência urbana, particularmente de grupos de adolescentes da periferia e pobres, acompanhou o período da virada

neoliberal cuja única resposta possível, dentro do renascimento da dogmática do “livre mercado”, foi a aplicação do Estado policial ou penal, inspirado no modelo atual norte-americano, levado aos países europeus e insuflado nos países “em desenvolvimento” – como o caso do Brasil – devido às suas características particulares. Com a ausência das condições básicas de sociabilidade e estruturas de proteção social, massas de jovens habitantes de bairros pobres, “esmagados pelo peso do desemprego e do subemprego continuarão a buscar no ‘capitalismo de pilhagem de rua’ os meios de sobreviver e realizar os valores do código de honra masculino” (WACQUANT, 2011, p. 10).

Sob as condições atuais, o encarceramento representa um método de controle de grupos e populações tornados supérfluos pelas mudanças na organização produtivo-política “neoliberal”, ou que se demonstram “incongruentes” em face da moral predominante. A expansão do encarceramento nos países onde predominava o antigo estado de bem-estar teve crescimento entre 20% e até 200%; nos Estados Unidos a população carcerária atinge quase 3 milhões de presos e no Brasil média de 700 mil, tendo crescido três vezes desde a década de 1990 – o avanço da violência policial, principalmente se compararmos os casos registrados em São Paulo, acompanha o período da mesma forma (Idem, p. 111 e 104). A hegemonia atual da política pública penal demonstra que não se trata de suprimir a situação, mas de administrá-la e mantê-la dentro de índices “suportáveis” e “razoáveis”; a antiga ideia de disciplinarização destas massas é substituída pela gestão do caos urbano, assumindo a política do encarceramento do “marginal” – adulto ou adolescente – como a forma básica da política

Nota de rodapé

9. A intensidade e a violência com que os diretores do Banco Mundial e do FMI impõem os ajustes e pagamentos das dívidas de países não desenvolvidos, condicionando os termos das dívidas à supressão de serviços básicos de infraestrutura agrava intensamente o problema.

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pública contemporânea neste moroso movimento de algumas décadas que o pêndulo não se move.

Política social e Medida Socioeducativa

Após a introdução, inequivocamente insuficiente, ao nosso objeto de apreciação, chegamos na forma de política social pensada na medida socioeducativa.

No Brasil, a efervescência política do final dos anos 1970 e início dos 1980 do séc. XX teve inúmeras formas de manifestação. Especificamente para adolescentes em conflito com a lei a Constituição da República de 1988 reconheceu a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e apresentou o princípio da proteção integral e a obrigatoriedade de criação de lei própria, construída a partir daquelas bases, e se manifestou na Lei 8069/90, o ECA. O compromisso político expresso na Constituição de 1988 é ineludivelmente pela política pública social, aquela orientada ao desenvolvimento humano mais pleno.

O conteúdo da medida socioeducativa formalmente passou a ser guiado pela nova lei, operando com um hibridismo, apesar de suspensão temporária do direito de locomoção, não seria um mero cárcere à espera do tempo perdido, mas um período de enriquecimento cultural, daí a pretendida natureza educativa das medidas socioeducativas.

A tardia sociedade civil brasileira em suas diversas formas de atuação política, após anos de acompanhamento e avaliação da execução das medidas socioeducativas elaborou valioso documento publicado pelo CONANDA em 2006 sob título SINASE que trouxe inegáveis

orientações positivas para tempos desfavoráveis à política social, como a continuidade e aprofundamento do contido no ECA ao afirmar que as medidas socioeducativas possuem uma dimensão jurídico-sancionatória e uma dimensão substancial ético-pedagógica. Não deixa de representar um paradoxo, diante de uma ascensão penalista em todo o mundo uma normativa brasileira que se ocupa do adolescente em conflito com a lei possui sua orientação pela política social. Mas, infelizmente, a riqueza do referido documento não se expressou no texto da Lei 12.594/12 com a mesma intensidade.

Paralelamente, já há mais de uma década um coro de vozes defende com muita dedicação à redução do limite etário à inimputabilidade penal, em termos menos técnicos, a famosa redução da maioridade penal.

Abordar a área de Arte e Cultura sem sua correta localização institucional seria um tremendo equívoco. A Fundação CASA possui duas grandes Diretorias divididas por competências, uma Administrativa e outra, a Técnica. Esta última é constituída por três Superintendências: Saúde, Segurança e Pedagógica.

A Superintendência Pedagógica possui seu Caderno de Diretrizes que reconhece a educação como conteúdo substancial da medida

Referências Bibliográficas

1. ARRIGHI, Giovanni. Adam Smith em Pequim. Boitempo; São Paulo, 2008.

2. BARAN, Paul A; SWEEZY, Paul M. Capitalismo monopolista. Zahar; Rio de Janeiro. 1978.

3. BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética e Serviço Social. Fundamentos ontológicos. São Paulo. Cortez, 2008.

4. BEHRING, Elaine R; BOSCHETTI, Ivanete. Política social. Cortez; São Paulo, 2011.

5. CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul. 2006.

6. DAVIS, Mike. Planeta Favela. Boitempo; São Paulo, 2008.

7. GRAMSCI, Antonio. Literatura e vida nacional. Rio de Janeiro: Civilização brasileira. 1978.

8. HARVEY, David. A Condição pós-moderna. Loyola; São Paulo, 2006.

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socioeducativa e para tanto organizou sua intervenção em quatro áreas orientadas por especialidades: Escolar, Educação Profissional, Educação Física e Esporte e Arte e Cultura. A dimensão pedagógica da medida manifesta-se por esta orientação à formação integral, tendo a educação como um valor dotado de coesão e coerência. Somente neste contexto a Arte e Cultura tem o sentido que buscamos defender.

Nos últimos anos foi possibilitado que entes externos, que representam a sociedade civil, dividissem conosco nossos espaços privativos tornando --os menos abstrusos. E esta entrada compartilhada, não somente em seu sentido jurídico-administrativo, mas também na acepção literal de que os muros se tornassem mais permeáveis àqueles defensores dos direitos humanos, resultou que alguns dos antigos críticos perdessem muito do conteúdo de seu objeto de denúncia e que outros pudessem, além disto, a quatro mãos, dividir o atendimento conosco materializando o princípio da incompletude institucional.

Nos Centros de internação a Arte e Cultura é oferecida em forma majoritária de oficinas com 90 minutos de duração duas vezes por semana; e, em menor escala, também de apresentações e pequenas mostras. As principais ideias para as oficinas são: que os adolescentes possam se enriquecer de conteúdo artístico produzido, ou seja, em termos filosóficos, aproximar sua sensibilidade ao mesmo nível que o atingido pela humanidade; que aprendam técnicas específicas da modalidade que praticam; e que possam expressar sua subjetividade, seu conteúdo mais autêntico e individual10, através dos objetos produzidos nas oficinas, sejam estes materiais ou não.

Referências Bibliográficas

9. HARVEY, David. O Enigma do Capital e as Crises do Capitalismo. Boitempo; São Paulo, 2011.

10. HOBSBAWM, Eric J. Os trabalhadores: estudo sobre a história do operariado. Paz e Terra; São Paulo, 2012.

11. HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Zahar; Rio de Janeiro, 1979.

12. LUKÁCS, Gyorgy. Ontologia del Ser Social: El Trabajo. Buenos Aires. Herramienta, 2004.

13. MONTAÑO, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, Classe e Movimento Social. Cortez; São Paulo, 2010.

14. NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. Cortez; São Paulo, 2008.

15. RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e Estrutura social. Ed. Revan, 2004.

16. WACQUANT, Loïc. As Prisões da Miséria. Zahar; Rio de Janeiro, 2011.

17. ________. Forjando o estado neoliberal: trabalho social, regime prisional e insegurança social. In: Löic Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Revan, Rio de Janeiro, 2012.

A orientação político-pedagógica das oficinas está pautada pelos eixos direcionadores da ideia de que somente com democracia de produção e de crítica que uma expressão artístico-cultural genuína poderá emergir o conceito de nacional-popular11 deve ser defendido à busca da tão desejada categoria de identidade, que as preocupações ético-universais estejam presentes na poética das oficinas, que o localismo da produção e do produtor não se distanciem da universalidade do gênero, seguindo aquilo que Cândido denominou dialética do localismo e cosmopolitismo12.

Por mais tímida que possa se apresentar, nossa forma institucional de política pública mesmo atendendo a todos os quesitos de legalidade não pertence ao tempo presente, é um despautério e um ponto de resistência à moda de viés penalista, mas procura ser ao menos um sintoma de luz na escuridão hodierna, é tão teimosa quanto aquela flor do poeta itabirano que rompeu o asfalto!

Nota de rodapé

10. LUKÁCS, Georg. Estética I La peculiaridad de lo estético, v2. Problemas de la mímesis. Barcelona: Grijalbo, 1966, p.294.

11. GRAMSCI, Antonio. Literatura e vida nacional. Rio de Janeiro: Civilização brasileira. 1978, p.105-6.

12. CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul. 2006, p.117

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O livro resenhado trata-se de uma obra coletiva, composto por oito

artigos de diferentes autores e que tem como organizador Wilson Donizeti Liberati. Apresenta contribuições importantes tanto para profissionais voltados à formulação e gestão das po-líticas públicas quanto para qualquer profissional que esteja envolvido na tarefa de transformação social.

Discute a importância de observar que em um estado constitucional, o estado social de direitos foi encarre-gado pela norma constitucional de oferecer o serviço público ao cidadão, como fonte primeira de garantia e gozo dos direitos fundamentais, assim como a importância de reconhecer que a omissão em materializar as ações traz sérios prejuízos ao exercício dos direitos humanos fundamentais.

A obra apresenta indicações sobre os diferentes aspectos da gestão pública e se constitui em instrumento indispen-sável para fomentar o debate, apon-tando possibilidades de mudanças no fazer cotidiano, tanto de profissionais quanto daqueles que se preocupam com as questões que envolvem crianças e adolescentes, sobretudo, aquelas em situação de vulnerabilidade.

Os autores buscam enfatizar o esforço empreendido por segmentos

RESENHA

Gestão da política de direitos ao adolescente em conflito com a lei{Autoras: Wilson Donizeti Liberati (Organizador)}{por: Ana Cristina do Canto Lopes – EFCP}

alinhados com o paradigma de direi-tos e da proteção integral, reconhe-cendo que é possível celebrar diale-ticamente rupturas e continuidades, avanços e desafios na implementação das leis e construção das políticas para o adolescente em conflito com a lei. Contudo, desafios históricos permane-cem, comentam os autores, sobretudo, no que tange à celeridade do trâmite dos processos nas fases investigativa e judicial; à universalização dos centros integrados de atendimento inicial ao adolescente em conflito com a lei; e, ao alcance da municipalização das me-didas socioeducativas em meio aberto.

A proposta é de problematização dos diferentes quadros de referência que envolvem a importância da refle-xão sobre o tema de políticas públicas destinadas ao adolescente em cum-primento de medida socioeducativa, reflexão esta que, pretende indicar caminhos para a prática democrá-tica do conjunto da sociedade na perspectiva da qualidade da política de direitos voltadas à criança e ao adolescente. Dizem os autores que, para além de todas as polêmicas, “o exercício do controle sobre as polí-ticas públicas, de modo algum pode tomar como referência a herança de práticas de controle político exercidas

pelo Estado em outros tempos da vida brasileira (p.12)”.

Na sequência reafirma-se o desprezo às práticas tradicionais rotuladas de estereotipação de adolescentes “como criminosos por sinais diacríticos ( tais como: cor de pele, estilo de roupas ou acessórios, por exemplo), a negação de seus direitos e a naturalização da puni-ção e da dor sobre seus corpos (p.13)”.

Os autores discutem ao longo do livro, a partir de textos individuais, os vários aspectos do atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei, tais como a gestão das políticas públicas para o adolescente..., o controle social da política de direitos..., a gestão de programas de atendimento socioeducativo..., ação socioeducativa..., a relação público-privado..., a relação SUAS/SINASE..., a participação da sociedade civil..., finalizando com algumas considerações sobre legislações especiais para crianças e adolescentes e suas efetividades.

livros

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NOTAS

AVA Fundação CASAO Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) tem

sido uma ferramenta importante para fazer com que o Programa de Formação a Distância (PFD), da Escola para Formação e Capacitação Profissional (EFCP) da instituição ganhe escala na Fundação CASA. Entre 2014 e 2015, foram atendidos, no Estado de São Paulo, 1.285 profissionais das áreas de Saúde e Pedagógica, possibilitando uma reflexão sobre a prática e o compartilhar de ideias e conhecimentos. No segundo semestre deste ano, em continuidade às ações do PFD, serão contemplados os profissionais da área de Segurança e Disciplina e da área Administrativa.

Colaboração técnica entre Fundação CASA e Arquivo Público do Estado de SP - APESP

Com a finalidade de organizar e cadastrar prontuários de ex-internos, documentos produzidos no período de 1938-1989, de caráter intermediário da Fundação CASA que se encontram nas dependências do Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), os funcionários do Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOc) da FCASA trabalham desde 2014 nas dependências do APESP e já organizaram 127.575 e cadastraram em banco de dados 16.198 prontuários, o que já possibilita vislumbrar uma eficiente política de acesso com a rápida localização de documentos.

Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo

O Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo do Estado de São Paulo é uma realidade. Após aprovação do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Condeca), o documento traz seis eixos e 72 metas desenvolvidos em conjunto entre Poder Executivo, Judiciário, sociedade civil organizada, Ministério Público e Defensoria Pública. As ações intersetoriais devem ser atingidas até 2024. A Fundação CASA incorporará as diretrizes nos seus planos plurianuais.

Ação formativa na perspectiva restaurativa

A Diretoria Técnica da Fundação e a EFCP promoveram a “Ação Formativa: Cultura da não violência na perspectiva restaurativa”, capacitando, em duas etapas e em um workshop, 626 funcionários que atuam nas 11 divisões regionais, na gestão dos 148 centros socioeducativos, nas superintendências e gerências da CASA, para discutir, enfrentar e prevenir a violência nos centros socioeducativos. O foco é utilizar as estratégias da cultura da não violência e das práticas restaurativas para a resolução de conflitos. A próxima etapa é disseminar o conhecimento e a prática entre todos os funcionários que atuam nos CASA. O desafio surgiu a partir da avaliação dos próprios servidores durante a elaboração dos planos políticos-pedagógicos.

Impacto social pelo esporteNuma aliança entre a Gerência de Educação Física

e Esporte (Gefesp) da CASA, a Escola para Formação e a organização não governamental Acer Brasil, 84 profissionais de educação física que atuam em centros de quatro das 11 divisões regionais da CASA passaram pela capacitação “Esporte para o Impacto Social”. Com uma técnica de treinamento moderna, os

profissionais aprendem a aplicar uma metodologia que instiga os adolescentes a desenvolverem habilidades em qualquer esporte, como torná-los mais autônomos, conscientes de suas decisões e a se reconhecer ao outro na comunidade. Por meio de termo de parceria, a formação alcançará profissionais de mais sete divisões regionais ao longo de 2015.

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SUMÁRIO

JUL. 15

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ARTIGOS

RESENHA

NOTAS

Maria do Carmo AlbuquerqueMaria do Rosario Corrêa de Salles GomesAdriano P. B. de Oliveira

Joana Teixeira d’Arc

Wanderley Todai JúniorWellington do Carmo Medeiros de Araújo

2Entrevista

Adilson Fernandes de Souza

8Entrevista

Camila Caldeira Nunes Dias

Paulo MalvasiIsa Guará

Rosângela Teixeira GonçalvesMário Tiago Ruggieri Neto

EXPEDIENTEPARTICIPE

casaem revistaCASA em Revista é uma publicação semestral da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA-SP), objetivando a inter-locução com o meio acadêmico e científico, propiciando discussões relacionadas à adolescência e às medidas so-cioeducativas. É uma publicação científica indexada no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnolo-gia pelo número internacional normalizado para publi-cações seriadas (international e standart serial number).

ISSN-2175-2907

u Geraldo AlckminGovernador do Estado de São Paulou Aloísio de Toledo CésarSecretário da Justiça e da Defesa da Cidadaniau Berenice Maria GiannellaPresidente da Fundação CASAu Monica Moreira de Oliveira Braga CukierkornAssessora da Presidência e Diretora da Escola para Formação e Capacitação Profissional da Fundação CASAu Denilson Araújo de OliveiraAssessor de Imprensa da Fundação CASA

u CONSELHO EDITORIALMonica Moreira de Oliveira Braga Cukierkorn (Presidente)Adilson Fernandes de SouzaAna Cristina do Canto Lopes BastosAna Lúcia Pastore SchritzmeyerLiana de PaulaMarcos Cézar de FreitasMoysés Kuhlmann Jr.Roseli GouvêaSalvador Antonio Mireles Sandoval

u EQUIPE EDITORIALAna Cristina do Canto Lopes BastosÉrico Raoni Santos da SilvaCamila Aparecida de Souza

u PROJETO GRÁFICOKleber Bonjoan

u DIAGRAMAÇÃO E REVISÃOImprensa Oficial do Estado de São Paulo

u REVISÃOSárvio Nogueira Holanda

u CAPA / ILUSTRAÇÕESOs desenhos e ilustrações desta revista foram produzidos por adolescentes da Fundação CASA durante oficinas de arte e cultura

u FOTOSEliel Nascimento

u DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

u TIRAGEM2.000 exemplares

u EDITORAÇÃO, IMPRESSÃO E ACABAMENTOImprensa Oficial do Estado de São Paulo

Escola para Formação e Capacitação Profissional da Fundação CASAAvenida Celso Garcia, 2.593 – Belenzinho – CEP 03063-000São Paulo – SP - Tel.: (11) 2927-2574E-mail: [email protected] – Site: www.fundacaocasa.sp.gov.br

A CASA em Revista está aberta a colaborações e sugestões de adolescentes, funcionários, acadêmicos e leitores em geral. Se você quiser participar dos próximos números, com sugestões de pauta, temas e resenhas, basta optar por uma das seções abaixo.

CASA ABERTAu Este é um espaço para textos não acadêmicos, poemas, crônicas, contos, composições e manifestações artísticas em geral. O espaço é aberto aos servidores da Fundação CASA e adolescente em cumprimento de medida socioeducativa e também aqueles que já passaram pela instituição.

RESENHAS EM REVISTAu O Conselho Editorial de CASA em Revista está aberto à publicação de resenhas sobre livros que tratem da temática da adolescência e das medidas socioeducativas.

CARTASu As páginas de CASA em Revista também estão abertas às cartas dos leitores. Opiniões, críticas e sugestões sobre o conteúdo publicado sempre serão bem-vindas.

COMO ENVIARu Para participar de uma das seções acima, basta um e-mail para [email protected]. As contribuições podem, ainda, ser entregues pessoalmente na Avenida Celso Garcia, 2593, Belenzinho, São Paulo, aos cuidados do Centro de Pesquisa e Documentação – CPDoc da Escola para Formação e Capacitação Profissional – EFCP da Fundação CASA.

Uma CASA de páginas abertas

CASA ABERTA

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casaem revista

ano IVnúmero 6

São Paulo,julho de 2015

ISSN - 2175-2907

Juventude e Políticas Públicas

+

Este espaço é dedicado às produções de adolescentes desenvolvidas em oficinas de literatura nos Centros de Atendimento

Socioeducativo da Fundação CASA-SP. Objetiva incentivar nos participantes o hábito de leitura e elaboração de textos a fim de que eles possam expressar sua realidade e imaginação.

GUSTAVO Cravo A palavra AMOR Na palavra GUSTAVO Escrevo a palavra escravo Bem longe Bem no meu passado

Encravo TERNURA Na palavra GUSTAVO Levo o ódio larva Bem longe Bem no meu passado

Elevo DIGNIDADE Na criança GUSTAVO Entravo Prisão no mal que me travaGUSTAVO é TREVOMe tira das trevas Me cura dos traumas GUSTAVO a poesia que me leva

Oliveira

JOIA VALIOSATenho uma joia valiosa Não deixo ninguém roubarPra mim é muito poderosa E nunca vou deixar

Essa joia me protege De tudo que é mal Ela sempre me fortaleceDas coisas anormal

Ela sempre está comigoDentro do coraçãoNão é um inimigoMais sim um grande irmão

Esse poema fiz pra ela Pois sei que ela mereceÉ mais linda que aquarelaE ninguém esquece

Desabafo pra falar Das coisas que sinto Não sei se vai acreditar Mas tudo que eu falo eu não minto

Mãe, joia valiosa Esse poema é pra você Acabo esse poema agoraMas sempre vou dizer

Vou amar a senhora sempreE nunca vou te deixarEspero que fique contenteQue sempre vou te amar

Faria

JARDIM DO MEDO E DA CORAGEM Reguei a última flor desse jardim sombrio o que era murcho deu fruto nessa sociedade hostil

Sonhos e mais sonhoseu sonho com a felicidadee o fim do sofrimentoé o início da liberdade

Sonho com uma vida novacom um jardim lindo e belocheiro de felicidade e liberdadequantidade abundante de diversas flores e diversas cores

Deitado na rede observando as rosaslembrando dos meus amores as sombras das arvores provocam medo e o vento bate a abate calafrios

Mais o segredo desse medo são seus psicológicos e quando os segredos são descobertos provocam coragem para realizar seus desejosde menino

Silva

PRESENTE PARA MAMÃEA lua me disseque se escondeu no armário para que a noite não existisse no dia do seu aniversário

Que o dia fosse sol que a noite fosse o diaque se transformassem num sóem mais um ano de vida

Comprei tudo aquilodo bom e do melhor pra você me olhou e de um sorriso dos presentes nem quis saber

Perguntei constrangidovocê não gostou do vestido vermelho?me disse que dos seus olhos eu era o brilhoentão me deu um espelho

Me perguntou o que eu via respondi que era eu me respondeu com um ar de alegriaque eu sou o presente que Deus lhe deu

Gonçalves

CASAABERTA uma reflexão livre

LER É PODER.ESCREVER LIBERTA.A MENTE, O LIVRO, A CANETATÔ BEM ARMADO PRA GUERRA...

Neto

Entrevistas:Adilson Fernandes eCamila Caldeira

Notas:Impacto social pelo esporte

Casa aberta:produções de adolescentes desenvolvidas em oficinas de literatura

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