cartografia de uma implantaÇÃo de apoio matricial · drogas (caps – ad) no município de santa...
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FACULDADE INTEGRADA DE SANTA MARIA – FISMA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
THATIANE VEIGA SIQUEIRA
CARTOGRAFIA DE UMA IMPLANTAÇÃO DE APOIO
MATRICIAL
Santa Maria
2012
THATIANE VEIGA SIQUEIRA
CARTOGRAFIA DE UMA IMPLANTAÇÃO DE APOIO
MATRICIAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisito de avaliação para obtenção do
título de Psicólogo ao Curso de Graduação em
Psicologia, da Faculdade Integrada de Santa
Maria - FISMA.
Orientador: Prof. Ms.Douglas Casarotto de
Oliveira.
Santa Maria
2012
THATIANE VEIGA SIQUEIRA
CARTOGRAFIA DE UMA IMPLANTAÇÃO DE APOIO
MATRICIAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia da
Faculdade Integrada de Santa Maria – FISMA, como requisito para obtenção do título
de Psicólogo.
Banca Examinadora
_____________________________________________________
Douglas Casarotto de Oliveira, Me. (UFSM)
(Orientador)
___________________________________________
Diogo Faria Correa da Costa, Me. (UFRGS)
(Membro)
___________________________________________
Marisangela Spolaôr Lena, Me. (UFSM)
(Membro)
Santa Maria, 20 de dezembro de 2012.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à todos que me acompanharam durante o meu caminhar:
Agradeço principalmente à minha família, meus pais Joel e Luzane e minha irmã Thaiene,
pela compreensão, amor e suporte em todos os momentos;
Agradeço ao meu avô Catega pelo brilho no olho, pelo orgulho, pelo exemplo;
Agradeço ao Juliano, por todo o amor, companheirismo e paciência;
Agradeço aos amigos-simbióticos Katia e Diego pelas risadas e desesperos compartilhados;
Agradeço à equipe do CAPS Cia do Recomeço, pela acolhida sempre afetuosa, pela confiança
e pelo aprendizado compartilhado;
Agradeço aos amigos do VER-SUS, especialmente Tici, Ale e Débora por partilhar esta
experiência importante para a construção desta pesquisa;
Agradeço aos Mestres que encontrei pelas lições impressas;
Por fim agradeço ao meu orientador Douglas pela confiança, por partilhar deste caminho e por
todo o aprendizado.
RESUMO
Este artigo apresenta a pesquisa realizada em um Centro de Atenção Psicossocial álcool e
drogas (CAPS – ad) no município de Santa Maria/RS, nos meses de março a novembro de
2012. Essa pesquisa buscou cartografar o processo de implantação do apoio matricial a rede
de atenção aos usuários de saúde mental a partir deste CAPS ad e os serviços de atenção
básica referente ao seu território no município de Santa Maria/RS. Para isto utilizou-se o
método cartográfico e para produção de dados foi utilizado o diário de campo, a análise de
documentos oficiais como atas de reuniões da equipe, atas de reuniões, memorandos e ofícios,
do CAPS no período de março a novembro de 2012. Inicia-se por uma exposição da
implicação da pesquisadora com o local e o tema de pesquisa, seguido da história do CAPS
em questão, a seguir foram eleitos analisadores para dar visibilidade e problematizar o que foi
encontrado ao longo da pesquisa. Deste modo, esta pesquisa ao acompanhar o processo de
implantação do apoio matricial às equipes de referência do CAPS ad Cia do Recomeço, no
município de Santa Maria/RS, auxiliou a compreender as dificuldades da implantação do
apoio matricial, a importância deste para a rede de saúde mental e a forma de participação do
CAPS neste processo.
Palavra-chaves: Apoio matricial, Atenção básica, Saúde mental.
ABSTRACT
This paper presents the research conducted in CAPS in Santa Maria / RS, in the months from
March to November 2012. This research sought to map the process of implementing the
matrix support the network of care to users of mental health from this ad CAPS and primary
care services for the territory in Santa Maria / RS. For this we used the method to cartographic
data production and was used daily field, analysis of official documents such as minutes of
team meetings, minutes of meetings, memos and letters, CAPS in the period from March to
November, 2012. Begins with an exposition of the researcher's involvement with the local and
the research topic, followed by the history of CAPS in question, the following were elected
analyzers to provide visibility and discuss what was found during the research. Thus, this
research to monitor the implementation process of the matrix support teams to reference the
CAPS Cia do Recomeço, in Santa Maria/RS, helped to understand the difficulties of
implementing the matrix support, the importance of this to the network mental health and how
to participate in this process of CAPS.
Keyword: Matrix support, Primary care, Mental health.
LISTA DE ABREVIATURAS
AB – Atenção básica
AM – Apoio matricial
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
CAPS ad - Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas
CM – Comissão de matriciamento
PSF – Programa de Saúde da Família
SMS – Secretaria Municipal de Saúde
SM – Saúde Mental
1 - INTRODUÇÃO
O processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil foi inspirado no Movimento da
Psiquiatria Democrática Italiana, que muda o paradigma em relação ao cuidado das pessoas
em sofrimento psíquico, conhecido como paradigma da desinstitucionalização (AMARANTE,
2003). Este processo vem se desencadeando desde a década de 70 com o Movimento dos
Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) e com a reinvindicação de familiares e usuários na
busca por melhores de atendimentos. Em 2001, fugindo um pouco do seu propósito inicial, a
Lei nº 10.216, também conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica, foi aprovada,
redirecionando o modelo assistencial em Saúde Mental (SM), assegurando os direitos e a
proteção das pessoas em sofrimento psíquico (AMARANTE, 2007).
Essa transformação no modelo assistencial em SM buscou extinguir progressivamente
os manicômios no Brasil e criar serviços substitutivos, como os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), norteados pelo modelo da atenção psicossocial (BRASIL, 2004). Este
modelo propõe a ressocialização, trabalho em rede e cuidado no território. Lancetti e
Amarante (2006, p. 615) apontam que:
O habitat privilegiado para tratamento de pessoas com sofrimento mental,
drogadictos, violentados e pessoas que sofrem de angústias profundas e intensas
ansiedades é o bairro, as famílias e as comunidades e, logicamente, as unidades de
saúde encravadas nos território onde as pessoas existem.
Assim os CAPS como serviços substitutivos, tem na sua proposta de trabalho a
atenção diária no território à população de sua área de abrangência, visando à reinserção
social e ressocialização dos sujeitos (BRASIL, 2004). Dentre os desafios inerentes a essa
proposição, Lancetti (2006) aponta que a Reforma Psiquiátrica traz para a clínica situações
complexas, sendo necessários novos settings e intervenções sintonizadas com a realidade dos
usuários, assim os CAPS devem ser turbinados, paradoxais, tendo suas práticas tanto dentro
quanto fora da instituição, com um pé no território e outro no serviço de SM.
Deste modo, os CAPS devem trabalhar de forma articulada aos demais serviços de
saúde, de acordo com a lógica do território. E para garantir o atendimento dos usuários neste
espaço é necessário à existência de equipes de SM na AB (BRASIL, 2010).
Entre as estratégias de articulação desta rede de cuidado está o Apoio Matricial (AM),
considerado um arranjo organizacional que oferece suporte técnico às equipes de AB,
propondo discussões e intervenções conjuntas às famílias e comunidades (BRASIL, 2003).
Sua efetivação contribui para o aumento da capacidade resolutiva dos casos, amplia a
composição interdisciplinar e propõem a co-responsabilização entre as equipes (CAMPOS,
G., 1999; BEZERRA, DIMENSTEIN, 2007; FIGUEIREDO, CAMPOS, R., 2009).
Compreendendo a importância desta estratégia, este artigo apresenta a pesquisa
realizada de março a novembro de 2012, no CAPS ad Cia do Recomeço, localizado no
município de Santa Maria/RS. Os objetivos da pesquisa foram compreender as dificuldades
da implantação do AM, a importância deste para a rede de SM e a forma de participação do
CAPS neste processo. Este CAPS no período estava implantando esta estratégia às nove
equipes que fazem parte de seu território de abrangência.
Cunha e Campos (2011) apontam que além de um arranjo organizacional o AM é uma
metodologia para gestão do trabalho em saúde, com objetivo de realizar Clínica Ampliada e
integração entre diversas especialidades e profissões. Assim podendo auxiliar na construção
da rede de atenção em SM.
Paes (2008) ao pesquisar a rede de SM no município de Santa Maria/RS caracterizou
esta como uma rede ainda em construção e evidenciou a importância das equipes de
matriciamento na articulação entre os serviços, na troca de informações e na qualificação dos
profissionais. A autora aponta que no município os serviços substitutivos encontram-se
lotados e considera a articulação com a AB uma alternativa a essa situação e como estratégia
de continuidade da assistência aos usuários.
Em outros anos no município existiram outras estratégias para esta articulação.
Segundo Ramos (2009) as primeiras discussões junto à gestão, na busca pela contratação de
profissionais para realizar o apoio matricial aconteceram em agosto de 2007. Foram
autorizadas em dezembro do mesmo ano, por um período de 12 meses, mesmo período que
um profissional que realizava este trabalho passou a acompanhar as reuniões da Comissão de
Saúde Mental (CSM).
Esta comissão se constitui em maio de 2005, composta por representantes da gestão
regional e municipal, e por trabalhadores dos serviços de SM, da rede básica e das instituições
formadoras O objetivo desta comissão foi aproximar a SM da AB, envolvendo os serviços de
saúde municipais e as instituições formadoras. Nasce com a tarefa de construir um projeto de
capacitação em SM para a AB. (RAMOS, L., 2009; ZAMBENEDETTI, 2005; CADORE,
RAMOS, M., 2009).
Este projeto, nomeado Saúde Mental na Roda, iniciou suas atividades em 2005. Teve
como objetivo de ser um articulador dos serviços de SM, da rede básica e demais políticas
públicas e buscou construir junto aos profissionais da AB, conhecimentos que os ajudasse a
lidar com questões que envolvessem saúde mental (CADORE, RAMOS, 2009). Estas
iniciativas que ocorreram no município serviram de alicerce para o processo de apoio
matricial atual, principalmente pela participação de três profissionais do CAPS Cia do
Recomeço em pelo menos em uma dessas iniciativas.
Em 2012, a discussão sobre a articulação entre SM e AB surge novamente a partir do
grande número de usuário do primeiro CAPS ad do município. com a superlotação deste
serviço, optou-se por dividir a demanda dos dois CAPS ad por região e não mais por faixa
etária, como ocorria, iniciando o processo de territorialização. No mesmo ano o Programa de
Residência Multiprofissional da Universidade Federal de Santa Maria se insere aos serviços
de SM, com objetivo de promover esta articulação. Deste modo, a chegada destes residentes
nos serviço, aumentando o número de profissionais e a territorialização foram importantes
para iniciar a implantação do AM no município.
2. CAMINHO METODOLÓGICO
Para atingir o objetivo desta pesquisa utilizaram-se referenciais do institucionalismo1 e
da abordagem qualitativa do tipo cartográfica. A pesquisa cartográfica se caracteriza como um
método não prescritivo que ao invés de estabelecer direções definidas por regras ou objetivos
previamente estabelecidos se propõem a acompanhar o processo, e ao longo deste caminho ir
traçando suas metas, considerando os efeitos, as intervenções do pesquisador sobre o objeto
de pesquisa e os resultados sem deixar de lado o rigor de uma pesquisa.
Assim o método cartográfico ressignifica o sentido da palavra metodologia, méta-
hódos de caminhos (hódos) ordenado por metas, revertendo a hódos-méta, ou seja, metas que
são definidas pelo caminho. (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2009).
Essa ressiginificação vem ao encontro da proposta de Rolnik (2007) que aponta a
cartografia como um desenho no qual a formação acontece através dos movimentos de
transformação do ambiente, sendo função do cartógrafo dar língua aos afetos, estando
mergulhado e atento à realidade a ser acompanhada.
Para produção de dados2 foi utilizado o diário de campo, a análise de documentos
oficiais como atas de reuniões da equipe, atas da reunião da Comissão de Matriciamento
(CM), memorandos e ofícios, do CAPS ad Cia do Recomeço no período de março a
1 Segundo Baremblitt (2002, p. 13-4), a denominação institucionalismo reúne-se um leque variado de tendências, de escolas,
cujo denominador comum poderia ser grosso modo localizado no fato de todas pretenderem “propiciar, apoiar, deflagrar nas
comunidades, nos coletivos, nos conjuntos de pessoas, processos de autoanalise e processos de autogestão”. 2 Será utilizado o termo produção de dados ao invés de coleta de dados, justificado pela diferenciação da pesquisa
cartográfica onde as etapas são um processo interdependente e os dados são produzidos em todos os momentos da pesquisa e
não apenas coletados como nas práticas de pesquisa da ciência moderna cognitivista, onde as diversas etapas constituem
momentos distintos e sucessivos (KASTRUP, BARROS, 2009).
novembro de 2012. Para a análise dos dados produzidos, me servi dos seguintes conceitos-
ferramentas: noção de implicação3 e analisador. De acordo com Lourau (1993), analisador
pode ser qualquer palavra, gesto, acontecimento ou momento, quaisquer objetos capazes de
disparar um processo analítico.
Estar atenta aos analisadores direcionou o olhar aos fenômenos conflitivos que
se apresentaram no cotidiano da equipe do CAPS ad Cia do Recomeço, no contexto da
criação da sua proposta de matriciamento no período da pesquisa. Analisar minhas
implicações exigiu um exercício de reflexão permanente sobre os fluxos de sentimentos,
pensamentos, que se produziram na relação que estabeleci com esse Serviço de Saúde. Isto
determinou meu olhar singular sobre ele e sobre os fenômenos que acompanhei. Foi a partir
dessa composição que se produziu essa cartografia.
3. DE ONDE PARTIU O OLHAR?
A metodologia e o tema escolhido para esta pesquisa falam do meu relacionamento
com o CAPS Cia do Recomeço, onde experimentei três tipos de estágio diferentes, construí
vínculos com os profissionais e usuários e alicercei ali grande parte de minha formação. A
primeira vivência de estágio neste CAPS foi no ano de 2009, no mesmo ano em que ele foi
criado. Realizei ali, junto aos meus colegas de graduação um estágio de observação em
psicologia da saúde nos meses de setembro a dezembro. Entre os fatos marcantes deste
estágio lembro-me do choque que tive ao ver pela primeira vez um paciente chorar na minha
frente - a uma mãe de um usuário de drogas. A partir da intensidade dessa experiência,
ilustrada pelo fato relatado, vi desenvolver em mim uma curiosidade pelo tema de álcool e
outras drogas, o que me fez ter interesse em continuar aprendendo nesta área. Após o término
deste estágio fiz o concurso da prefeitura para ser estagiária de algum serviço de saúde,
desejando atuar no CAPS onde já havia me inserido. Depois de muita insistência retornei ao
Serviço em abril de 2010, como estagiária extracurricular.
Num contexto de implantação deste CAPS, onde havia falta de profissionais e
materiais para realizar as atividades, me inseri numa função contraditória. Ao mesmo tempo
em que era estagiária, a condição de equipe em formação acabou possibilitando a realização
de funções diferentes das tradicionais do estágio. Tive autonomia que me trouxe a sensação de
estar atuando profissionalmente neste CAPS. Essa inserção possibilitou aprendizado através 3 A noção de implicação remete a impossibilidade de objetividade, de neutralidade na pesquisa, ou seja, impossibilidade de
apagamento das instituições de diferentes ordens que atravessam o pesquisador e que são constitutivas de seu fazer:
implicações afetivas, profissionais, institucionais, etc. (ROCHA, DEUSDARÁ, 2010).
da imersão nos processos de trabalho deste serviço, o que fez com que grande parte da minha
formação seja relacionada a este CAPS. Depois de um ano e três meses resolvi sair desse
estágio. Era um momento em que a equipe estava passando por algumas situações de
violência em relação aos usuários, o que estava me deixando desmotivada. Além disso, a
situação do estágio extracurricular, de não exigir supervisão aos estagiários, passou a adquirir
uma maior relevância, pois percebia minha necessidade de um apoio para pensar as práticas e
situações vivenciadas.
Ao sair do CAPS entrei em contato com a psicologia organizacional, fazendo um
estágio na área e também realizei um estágio de vivência o VER-SUS4, versão verão/2012,
onde entrei em contato com outros serviços de saúde inclusive da AB. Foi nessa experiência
de estágio que percebi meu interesse novamente se voltando a atuar no CAPS ad CIA do
recomeço, mais especificamente, em intervir nessa relação entre CAPS e AB.
A situação relatada a seguir, ilustra um dos momentos que percebi essa questão se
produzindo. Durante o VER-SUS, em uma vivência que propunha acompanhar a reunião de
uma Unidade Básica de Saúde, entrei em contato com alguns serviços da AB da 4ª
Coordenadoria de Saúde do Estado e percebi a falta de articulação entre eles e os serviços
especializados em SM. A partir dessa experiência, fui mobilizada a pensar sobre o
desconhecimento dos serviços da rede e as dificuldades de comunicação e seus efeitos sobre
as estratégias e o tratamento dos usuários. Também o estabelecimento de um projeto
terapêutico singular que envolvesse diferentes pontos da rede.
Foi buscando conhecimentos que ajudassem a dar conta das problematizações
produzidas nessa experiência, que pude entrar em contato com literaturas sobre o AM
(CAMPOS, G., 1999; BEZERRA, DIMENSTEIN, 2007; FIGUEIREDO, CAMPOS, R.,
2009; CHIAVERINI, et al., 2011). De acordo com a literatura encontrada, compreendi que
esta estratégia tem potencial de fortalecer a articulação entre os serviços especializados e a
AB.
Em março de 2012 retornei ao CAPS em questão, como estagiária curricular do
estágio especifico I e II, com ênfase em psicologia da saúde. Neste período estava iniciando o
processo de implantação do AM. Com isso me aproximei do tema, participando do inicio
desta construção. Isto ocorreu através da inserção na Comissão de Matriciamento (CM) e
4 O VER-SUS é uma proposta do Ministério da Saúde que visa propiciar aos estudantes a experimentação de um novo espaço
de aprendizagem, que é o cotidiano de trabalho das organizações de redes e sistemas de saúde. O projeto pretende qualificar
os futuros profissionais do SUS, possibilitando aos estudantes um espaço privilegiado de interação e imersão no cotidiano do
SUS em diversos territórios do país. (PORTAL DA SAÚDE, 2012).
participação em outros espaços, como reuniões de equipe, reunião da linha de cuidado, em
outros CAPS, e outros espaços onde o tema era discutido.
Assim, meu olhar para o AM foi-se constituindo em paralelo ao processo de
implantação desta estratégia no CAPS ad Cia do Recomeço. Inicialmente, com a inserção
como estagiária e depois escolhendo este tema como problema de pesquisa.
Deste modo, realizar esta pesquisa fala da minha implicação com este serviço, com a
temática da SM e com minha formação acadêmica, processo este que esteve relacionado à
implantação deste CAPS também. Assim realizar este estudo é como concluir um ciclo, com
início, meio e fim, dando um retorno ao aprendizado que obtive neste CAPS, com esta equipe.
4. ANALISADORES
À análise dos dados desta pesquisa partiu inicialmente da eleição de três analisadores
construídos. Estes foram escolhidos entre os resultados da pesquisa das autoras Dimenstein e
Bezerra (2008) com trabalhadores de dois CAPS de Natal/RN, sobre o matriciamento às
equipes de um Programa de Saúde da Família (PSF). Foram eles:
- forma de participação dos CAPS no processo de implementação do apoio matricial;
- importância do apoio matricial para a rede de saúde;
- dificuldades em relação à implementação da proposta de apoio matricial.
Segundo Baremblitt (2002) os analisadores podem ser naturais ou construídos. Os
naturais são os que surgem por conta própria ao seguir o curso natural dos acontecimentos e
os construídos servem como dispositivo agitador ou agenciamento ativador para explicitar
conflitos e as suas resoluções.
Ao acompanhar este processo outros analisadores naturais ganharam visibilidade,
evidenciando a rede de forças5 que os produziram. Assim, os analisadores propostos
inicialmente foram ampliados, juntando-se aos que surgiram ao longo da pesquisa, dando
passagem à singularidade do processo de implantação do matriciamento no CAPS ad Cia do
Recomeço.
5 O método da cartografia não visa isolar o objeto de suas articulações históricas nem de suas conexões com o mundo. Ao
contrário, o objetivo da cartografia é justamente desenhar a rede de forças à qual o objeto ou fenômeno em questão se
encontra conectado, dando conta de suas modulações e de seu movimento permanente. (KASTRUP, p. 57, 2009).
4.1 ANALISADOR 1: QUE CAPS É ESTE?
O local escolhido para esta pesquisa foi o CAPS Cia do Recomeço. Este serviço surge
no ano de 2009, com o objetivo de trabalhar com uma demanda que estava sendo vista, mas
não recebia cuidados. Os jovens usuários de crack, como aponta Romanini (2011) era uma
demanda crescente no município sendo necessária a criação de outro CAPS ad. Com isso,
criou-se este serviço que objetivava atender usuários de 12 a 29 anos.
Constitui-se inicialmente por cinco profissionais, uma sede própria, e pouquíssimos
materiais permanentes e nenhum para oficina. Aos poucos entraram outros profissionais: uma
técnica em SM, um psiquiatra, uma assistente social, e eu como estagiária de psicologia
extracurricular. O serviço permaneceu de 2009 até dezembro de 2011 trabalhando sem a
equipe mínima necessária e sem estar regulamentado. Como aponta Romanini (2011, p. 23)
“por volta do mês de abril de 2011, que a equipe conseguiu avançar no processo de
regularização através de uma portaria do Ministério da Saúde. Nesta ocasião, foi
oficialmente anunciado o nome do serviço: CAPS ad Cia do Recomeço”.
Este cenário fez com que os poucos profissionais que ali trabalhavam, fossem
inventando maneiras de construir um CAPS em condições de trabalho adversas. Nessas
condições criaram-se grupos de escuta, de passeio, parcerias com lugares e pessoas que
tivessem recursos que o Serviço não tinha.
Ao relembrar esta história lembro-me do texto do Merhy (2006) – Entre aparelhos,
rodas e praças. Penso que este CAPS definiu-se a partir dos sujeitos
envolvidos em seu processo de construção inicialmente como praça.
Pelas faltas com que se constituiu não pode ser logo aparelho, com uma
funcionalidade bem definida. Fez-se como praça, local público ocupado por muitos que iam
instituindo os usos deste serviço, sem que houvesse um compromisso funcional único e
específico. Fez-se local de encontro, de cuidado, de conversa, de descanso, como Mehry
(2206) define as praças:
Há até aqueles que vão para ver os outros. Há outros que vão só para ir. E, há outros
que vão para fazerem alguma atividade própria, como a de jogar alguma coisa. Em
uma praça o acontecimento é a regra e os encontros são a sua constitutividade (...).
Não há regra a ser imposta, não há funcionalidade a priori a ser obedecida.
E assim, foi constituindo-se este CAPS como praça aberta aquilo que surgisse, e de
praça também virou roda onde o transformavam naquilo que tivesse sentido para aqueles que
o habitavam. E de roda virou aparelho tendo também uma função, instituindo um porque,
definido por algumas regras. Mas que logo era praça, uma roda e um aparelho ao mesmo
tempo, sem compromisso de ter que realizar uma função única e específica, mas estar aberto
reinventar sempre a sua prática.
Em 2012, com a equipe completa, uma nova e mais ampla casa e os materiais
necessários - mas ainda com as dificuldades inerentes aos Serviços Públicos de Saúde -
reinventa a roda e possui uma disponibilidade constitutiva para inventar outros modos de
funcionar entre eles a proposta do AM.
4. 2 ANALISADOR - O CARRO EXPIATÓRIO
Este analisador diz respeito do tema do carro, por este ser um assunto recorrente
durante este processo e dar visibilidade a algumas fragilidades da relação entre CAPS,
Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e Residência Multiprofissional. O assunto já no
primeiro mês da pesquisa era pauta da reunião de equipe, onde era falado que o
“Matriciamento só [iniciaria] no 2º semestre, o CAPS está esperando o carro que será
disponibilizado pela residência” (ata reunião de equipe 18/04/12 – pauta sobre
matriciamento). O carro era um empecilho para o deslocamento dos profissionais do CAPS ad
Cia do Recomeço até os serviços da AB de sua referência. E assim foi em outros momentos
desta pesquisa onde se dizia que o “Matriciamento não vai rolar, não tem carro”. (ata
reunião de equipe 09/07/12). O carro que no primeiro relato deveria ser fornecido pela
residência passou a ser responsabilidade da SMS.
Esta situação dá visibilidade a outros empecilhos, como o momento, por exemplo, na
reunião da CM do dia 04/09 onde se falou que o carro seria fornecido pela SMS, mas deveria
ser dirigido por um profissional da equipe que se responsabilizariam por qualquer dano.
Outro empecilho foi o fechamento temporário do CAPS como forma de mobilização
da equipe em agosto de 2012, essa decisão foi tomada após a mudança do serviço para uma
casa sem as condições mínimas para utilização (faltava corrimão, assentos sanitários, telefone,
etc). Assim a situação do carro dá visibilidade a uma relação entre o CAPS e gestão maior do
que a falta apenas do meio de transporte:
“O problema não é a falta de carro, mas sim a gestão não fornecer as condições
mínimas para o trabalho, é mais uma vez ter que se submeter a fazer algo sem ter as
condições pra isso”. (Diário de Campo - Reunião da CM - 13/11/12).
A fala deste profissional é coerente aos dados encontrados em uma pesquisa realizada
em 2009 sobre avanço da Reforma Psiquiátrica no município. Esta pesquisa diz que um dos
fatores que comprometem este avanço é o fato dos trabalhadores não encontrarem na gestão o
apoio que necessitam para atender suas demandas. “[...] há um descaso por parte da gestão
em relação à SM, que vem de muito tempo” (RAMOS, 2009, p.85).
Dados parecidos foram encontrados em uma pesquisa com trabalhadores de CAPS II
Ad sobre a proposta de matriciamento às equipes de PSF em Natal/RN. Estes revelaram que
alguns impasses estavam relacionados a dificuldades estruturais dos serviços e ao não
reconhecimento das ações de SM, gerando a falta de condições básicas de funcionamento e
condição de trabalho. Por exemplo, a compra de materiais para a realização das oficinas e a
locomoção dos profissionais para a realização do trabalho do AM (BEZERRA,
DIMENSTEIN, 2008).
O carro se mostrou no processo do CAPS Cia do Recomeço como um bode
expiatório6. Um personagem que representou essas dificuldades, que deu visibilidade para as
dificuldades com a gestão. O carro fez emergir uma situação já antiga. Já os dados
encontrados na pesquisa de Bezerra e Dimenstein (2008) revelam que este descaso não é
exclusivo da SM de Santa Maria, mas existente em outros estados brasileiros.
4.3 ANALISADOR - O PROFISSIONAL E O PESSOAL
Dimenstein e Bezerra (2008) apontam que “falar em saúde é falar em sentido no
trabalho, em mobilização subjetiva”. Este analisador atenta a esta mobilização que o trabalho
em saúde gera nos profissionais.
Este analisador aparece nesta pesquisa inicialmente, durante a reunião do grupo
condutor em SM, realizada no dia 11 de maio de 2012. Nesta reunião estavam representantes
dos CAPS da cidade e de serviços da AB. O objetivo foi discutir o fluxo de SM no município.
Durante esta reunião, um profissional da AB disse: “A AB depende do pessoal, do
profissional enquanto pessoa, mas esbarra no institucional”. (Diário de campo – Reunião da
linha de cuidado em SM - 11/05/12). Esta fala demonstra o quanto, na impressão deste
profissional, o seu trabalho deve envolver além do interesse profissional, contar com o apoio
de outras instâncias, como a gestão. Demonstra também a relação dos interesses pessoais às
expectativas profissionais.
6 O bode expiatório é aquele que é sacrificado, é marcado como um signo negativo representativo de tudo que é
ruim. (DELEUZE, GUATTARI, 2000).
Durante a primeira reunião do CAPS ad Cia do Recomeço com algumas de suas
equipes adscritas, a implicação pessoal dos profissionais ficou evidente também em outras
falas. Uma que chamou atenção foi de um Agente Comunitário de Saúde (ACS) que
questionou sobre a saúde do trabalhador, dizendo que todos se preocupam com a saúde do
usuário, mas ninguém se preocupa com a saúde do trabalhador (Diário de campo – Reunião
com as equipes da AB - 19/09/12).
Lopes (2010) em sua pesquisa com ACS do município de Santa Maria/RS evidenciou
que estes trabalhadores demonstravam sentimento de impotência e sofrimento frente às falhas
nos serviços de saúde, perda de privacidade ao morar e trabalhar no mesmo local, ao conviver
com as questões sociais da comunidade, frustração por não ter conseguido evitar algum
agravo para a saúde do usuário, além da falta de reconhecimento do trabalho por parte da
equipe de saúde e chefia imediata. Outro ponto relatado nesta primeira reunião foi o
sentimento de impotência frente à resolução das demandas dos usuários, e dificuldade de
encaminhamentos.
Os resultados da pesquisa da autora, assim como a fala deste profissional apontam a
importância de pensar e desenvolver o AM também como estratégia de cuidado das equipes,
compreendendo os benefícios dele para o cuidado do usuário, mas também para os
profissionais matriciados. É importante pensar na saúde destes trabalhadores compreendendo
que muitas vezes o cuidador acaba não investindo no autocuidado em função da sobrecarga
do cuidado do outro, medida em que “só se pode doar aquilo que se tem”. CHIAVERINI et.
al. (2011, p.193).
Isto ocorre ao desenvolver práticas que muitas vezes não tiveram contato durante a
formação, e por atuarem no território, com uma equipe composta por profissionais de
diferentes áreas e entrando em contato com diversos problemas psicossociais do usuário. E
também porque a “Estratégia de Saúde da Família trabalha com a família, mas não existe
nenhuma capacitação do Ministério da Saúde que ensina a fazer isso” (Diário de Campo -
Reunião da CM - 04/09/12).
Assim uma das funções dos matriciadores é propiciar espaços de suporte para o grupo,
auxiliando o desenvolvimento e o fortalecimento das equipes e seus membros, principalmente
nas Estratégias de Saúde da Família (CHIAVERINI, et. al., 2011). Deste modo, podemos
pensar que o espaço desta primeira reunião já se constituiu como ação de AM, ao servir como
espaço de escuta destes profissionais.
4. 4 ANALISADOR – BURACO NEGRO
Este analisador aponta para a fragmentação do cuidado em saúde, foi um dos
primeiros que tomou corpo nesta pesquisa, a partir da fala do profissional de um CAPS:
“Caiu aqui [no CAPS] nunca mais vai pra rede” (Diário de campo - Reunião do grupo
condutor em SM – 11/05/12). Lembro-me da reação que tive ao escutá-la, arregalei os olhos e
escrevi no diário de campo, colocando entre parênteses: buraco negro.
Ainda não conhecia, neste momento, o conceito de buraco negro proposto por
Deleuze e Guattari (2000) definido como algo que captura e não deixa mais sair, um espaço
escuro de onde não se pode emanar nenhum tipo de luz, mas pensei que esta fala dizia de algo
assim, que aprisiona.
Ao longo desta mesma reunião, um profissional da AB mostrou a dupla via desta
relação, demonstrando que a AB não sabe onde está este usuário: “Muitos pacientes não
falam que vão ao CAPS, as pessoas tem autonomia pra não nos falar que vão ao CAPS”
(Diário de campo - Reunião do grupo condutor em SM – 11/05/12).
Fiquei intrigada pensando que relação era esta que os serviços estabeleciam com seus
usuários. De um lado o usuário vai para o CAPS e nunca mais sai de lá, por outro lado a AB
não busca se apropriar do cuidado dele. São duas vias que convergem para a existência do
buraco negro.
Questiono então como sair deste buraco negro? Como este usuário poderá se
relacionar com estes serviços sem que seja prisioneiro do mesmo, ou que ao ser usuário de um
serviço isso não exclua que seja também de outro. Pensar nesta questão é pensar na efetivação
da integralidade do cuidado ao usuário, possibilitando fazer saúde de forma ampliada.
OLIVEIRA (2010) salienta que o investimento no AM é importante para estas construções e
efetivação da rede de atenção em saúde mental.
Devemos lembrar também que este usuário não é responsabilidade apenas do CAPS,
ou da AB, mas que diferente da lógica dos encaminhamentos ou da referência e contra-
referência, deve existir a responsabilidade compartilhada dos casos (BRASIL, 2005).
5. A COMISSÃO DE MATRICIAMENTO: UM DISPOSITIVO7.
A CM foi eleita como dispositivo por ter se mostrado como espaço importante
potencializador para a construção do AM no CAPS ad Cia do Recomeço. Esta comissão foi
criada pela equipe do CAPS no mês de maio, com a finalidade de discutir e implantar o AM,
foi aberta a todos os integrantes da equipe que tivessem interesse em compô-la. Ao longo
desta pesquisa, o número de participantes foi em média de 10 pessoas durante reuniões
semanais de duas horas, a primeira reunião ocorreu no dia 13 de junho de 2012.
Durante esta pesquisa participei de dezessete encontros da CM e até o final desta
pesquisa, no dia vinte do mês de novembro, ainda estavam ocorrendo as reuniões. O primeiro
encontro teve como pauta as estratégias para organização do matriciamento. Pensou-se tanto
na organização para ir pra fora do serviço quanto na organização de dentro, ficou claro assim
o seu propósito e a preocupação dos participantes com a organização também da rotina
interna do CAPS.
Apesar desta comissão se constituir como espaço de discussão e composição do AM.
Em muitos momentos ela parecia perder o foco, isso era demonstrado nos atrasos,
esquecimentos da reunião, e no envolvimento em outras atividades no horário da mesma, com
discussões de casos de usuários do serviço, prática essa que foi tornando-se comum.
Foi assim por três reuniões seguidas até que percebemos e começamos a falar do modo
como a reunião estava se perdendo e como o resto da equipe não estava respeitando este
espaço. Uma profissional apontou “talvez a equipe não esteja se apropriando do tema do
matriciamento” (Diário de campo – Reunião da CM - 11/09/12). Sugeriu-se então trocar de
sala para reunião e buscar incluir os profissionais que estavam fora da comissão, percebendo
que existe uma “equipe incluída e excluída do matriciamento” (Diário de campo – Reunião
da CM - 11/09/12).
Geralmente essas situações aconteciam após ou durante algum momento difícil do
CAPS. Como no mês de agosto, quando o serviço estava fechado devido à falta de condições
de funcionamento, fato já mencionado neste artigo. Ilustro esse processo com duas passagens
do diário de campo deste período:
Hoje havia certa desmotivação, a reunião aconteceu com uma hora de atraso apesar
de estarem quase todos os presentes, os profissionais e residentes demoraram a chegar e
7 Dispositivo é um arranjo de elementos, que podem ser concretos (ex.: uma reforma arquitetônica, uma
decoração, um manual de instruções) e/ou imateriais (ex: conceitos, valores, atitudes) mediante o qual se faz
funcionar, se catalisa ou se potencializa um processo. (BRASIL, 2008).
haviam esquecido da reunião, pareciam todos desmotivados, lembrei da ultima reunião onde
o que ficou foi uma discussão a respeito da abertura ou não da demanda, pois já havia sido
encaminhado previamente um documento para a gestão informando que o matriciamento só
irá ocorrer com a obtenção dos recursos necessários. (Diário de campo - 07/08/12).
O CAPS está fechado há uma semana me questiono que motivação existe em uma
equipe que não conta com as condições mínimas para funcionar, que motivação há para
pensar ações de matriciamento? Não parece haver nenhuma. Durante uma hora e meia ficou-
se na mesma pauta [da reunião de equipe] a respeito do atendimento ou não apesar de não
ter as condições mínimas. (Diário de campo - 20/08/12).
O mesmo aconteceu após as primeiras reuniões com as equipes da AB, realizadas nos
dias 19 e 26 de setembro. As reuniões da comissão após esses dias duraram menos tempo, e
também se esvaziaram. O motivo desta reação parece ter aparecido antes mesmo de reunirmos
as equipes da AB quando um profissional demonstrava a preocupação de chamar as equipes
sem ter as condições para realizar o AM “A gente vai os chamar para dizer que tem uma
proposta, mas que não vai funcionar só se vir o carro, se, se e ficamos sempre no se”. (Diário
de campo - Reunião CM - 04/09/12).
Estas reuniões serviram também como espaço de discussão de assuntos que estavam
incomodando a equipe como indica a seguinte fala: “momento de matriciamento, momento de
aliviar tensões” (Diário de campo - Reunião da CM - 06/11/12).
Para lidar com as dificuldades inerentes a esse processo de implantação, e as
dificuldades do CAPS uma alternativa que a equipe utilizou, foi transformar a reunião num
espaço mais agradável. Na reunião do dia 09 de outubro a equipe passou um longo tempo
antes de falar e matriciamento, falando de desenhos animados que eram assistidos na infância.
Outro ponto que se repetia eram os lanches, em praticamente em todas as reuniões havia algo
para comer e chimarrão, chá, café, etc. Essas coisas pareciam servir como estratégia para
tornar aquele espaço mais fluído. Como linhas de fuga, um movimento de ruptura, que frente
à tensão do processo cria uma nova composição daquele espaço, como apontam Deleuze e
Guattari (1999, p. 74) “é nas linhas de fuga que se inventam armas novas”.
A CM delineou-se como espaço de discussão de questões relativas a organização do
AM, mas também como espaço para problematizavam os processos internos do CAPS, de
educação permanente através das leituras e discussões referentes ao tema, etc. Neste período a
equipe apresentou trabalhos científicos no III congresso Internacional de Reabilitação
Psicossocial sobre a temática da construção do apoio matricial.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegar ao fim desta pesquisa não é chegar ao fim do processo de implantação do AM.
Este segue seu fluxo independente deste olhar. Assim esta cartografia buscou apresentar o que
foi possível apreender deste processo.
Acompanhar a implantação do AM mostrou-se como uma jornada longa. O sentimento
de estar perdida, imersa em um turbilhão de informações era constante. Fui desprendendo-me
aos poucos daqueles analisadores iniciais, para poder ter um olhar nômade, acompanhando o
processo e atento às novas construções.
Kastrup (2009) acalentou minhas inseguranças ao falar que algumas vezes o
cartógrafo, tem a sensação de perder o rumo, de que se distanciou do foco e dos analisadores
inicialmente construídos, porém aponta que este é o modo de fazer cartografia. É reconhecer
que ela se propõe a acompanhar processos em curso e suas mudanças. Assim fui sentindo os
afetos na pele, mais especificamente na pele dos dedos que em contato com a caneta dava
letra a estes afetos, fazia-se assim esta cartografia.
Esta pesquisa atentou ao processo de implantação do AM às equipes de referência do
CAPS ad Cia do Recomeço, no município de Santa Maria/RS. Apesar da implantação
propriamente dita, não ter se efetivado ainda, os objetivos da pesquisa de compreender as
dificuldades da implantação do AM, da importância deste para a rede de SM e a forma de
participação do CAPS neste processo foram contemplados neste artigo.
Assim as dificuldades da implantação foram evidenciadas no analisador nomeado
“carro expiatório”, que apontou a fragilidade da relação entre CAPS, SMS e Residência
Multiprofissional. Ficou claro também no capitulo “Que CAPS é este?” que fala sobre a
construção e a história deste serviço.
A importância do AM para a rede de SM foi apontada no capítulo “De onde partiu o
olhar?” que aponta a falta de articulação entre a AB e os serviços especializados em SM,
assim como no analisador “O profissional e o pessoal” onde se atentou a mobilização
subjetiva do trabalho em saúde nos profissionais. O analisador “Buraco negro” também
contribuiu para compreender esta importância, apresentando a fragmentação do cuidado do
usuário de SM no município e evidenciando a importância da preocupação com a saúde dos
trabalhadores desta rede.
Por fim, a forma de participação do CAPS neste processo foi apresentada no
dispositivo “Comissão de Matriciamento”, evidenciando a importância deste espaço como
dispositivo potencializador na construção e discussão desta estratégia.
De modo geral esta cartografia deu visibilidade, durante o período da pesquisa, ao
processo de implantação do AM do CAPS Cia do Recomeço como uma construção coletiva,
sob ação de diversas redes de força que atravessaram este processo. Além disto, esta pesquisa
apontou a importância de mais estudos sobre a temática do AM, principalmente em relação a
construção da rede de SM e cuidado dos usuários e profissionais envolvidos e a necessidade
de melhorar a articulação com a gestão do município.
Quando eu me for, os caminhos continuarão andando...
E os meus sapatos também!
(Mário Quintana, Velório sem defunto, 1992).
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