cartilha - democracia e participação

16
Democracia e Participação Módulo 3

Upload: capacitapoa-sistemapglp

Post on 05-Jul-2015

981 views

Category:

Education


6 download

TRANSCRIPT

Democracia e Participação

Módulo 3

3

Quantas vezes você ouviu alguém reclamar da situação da rua, do bairro ou da cidade? A diferença entre a reclamação, que pura e simplesmente não leva a nada, e a ação, que possibilita buscar conjuntamente a solução de problemas, a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável da comunidade, está na participação democrática. Mas para ajudar a decidir os rumos do lugar onde se vive, é preciso conhecer o funcionamento das instituições públicas estratégicas nesse processo, como é o caso da Câmara Municipal de Vereadores, suas relações entre si e, também, com a sociedade. O objetivo do CapacitaPOA - sistema permanente de ensino é contribuir para o entendimento dessas estruturas, a fim de preparar os participantes para atuarem de forma cada vez mais integrada, cooperativa e solidária, propícia à consolidação de um sistema de participação e governança. Bom aprendizado!

Democracia e participação

4

Democracia e Participação

Sabe aquela sexta-feira em que tá todo mundo cansado e não vê a hora de chegar o sábado?

Pois era assim que estava a turma do Samuel na escola pública que ele frequentava, ali no Partenon. Escola de ensino médio, em que o Samuca, como chamavam ele, era um estudante aplicado e queria ser alguém na vida.

Quando o professor de História chegou, no último período, foi uma farra. A semana estava quase terminando.

– Hoje, a gente vai saber o que é a democracia. Alguém arrisca um palpite?

Silêncio geral.

O professor deu uma breve explicação:

– A palavra vem do grego: demos quer dizer povo. Kratos: poder. É o governo do povo, onde as pessoas que vivem em uma determinada sociedade decidem, pela maioria, o que é melhor para todos. Isso é um conceito bem simples: democracia é o governo da maioria. O problema é como chegar nessa maioria numa cidade como São Paulo ou Porto Alegre. Quando os gregos inventaram esse sistema, mais ou menos 500 anos antes de Cristo, era mais fácil porque as cidades-estado, as polis, tinham uns 100 mil habitantes e, desses, só um em cada cinco participava mesmo da chamada democracia, do governo do povo. As mulheres, por exemplo, não tomavam parte das decisões. Nem os estrangeiros, que eram muitos naquela época entre as cidades gregas. E muito menos os escravos, que sustentavam a economia. Só os homens livres, os cidadãos, exerciam a democracia.

– Só um em cada cinco, professor? Mas que democracia é essa? – arriscou Beatriz. Todo mundo riu baixinho.

5

– É, mais ou menos isso. Mas foi um avanço extraordinário, pois o contrário desse modelo era o governo aristocrático, o governo dos “melhores”. E quem eram esses melhores que se julgavam donos do poder? Quem tinha muitas terras, quem tinha soldados para lutar, quem tinha o poder religioso. Vamos combinar que, mesmo tendo escravos e impedindo a mulher de decidir, a inclusão de homens livres no processo de governo foi um avanço. Mas isso foi há 2,5 mil anos. Hoje, a democracia é muito mais complexa do que os gregos podiam imaginar.

– Hoje tem eleições, né, profe? – lembrou Ânderson.

– Essa é a grande diferença. Quando os gregos de Atenas, entre eles os filósofos Platão e Aristóteles, observaram esse modelo, as decisões eram tomadas em assembleias nas Ágoras, as praças das cidades-estado. Todo mundo falava, discutia, debatia e decidia o que era melhor. Só muito tempo depois, mais de dois mil anos depois, é que surgiram as chamadas democracias representativas, em que o povo escolhe um grupo de representantes que vai decidir o que é melhor para todos.

– Na Revolução Francesa, né, sor? – arriscou Samuca.

Ouviu-se aquele “Ohhhhh”.

– Isso aí, Samuel, na Revolução Francesa. Mas um pouco antes, nos Estados Unidos, houve um movimento importante também para a democracia representativa: as 13 colônias inglesas travaram uma guerra com o Império e se declararam independentes. Isso foi em 1776, mais de dez anos antes da Revolução Francesa. Mais que isso: as 13 colônias declararam o direito à livre escolha de cada povo e de cada pessoa, tirando do poder imperial a decisão sobre como e para quem governar. Foi uma verdadeira revolução, que acabou inspirando os europeus. Como os governos aristocráticos se mantiveram por muitos séculos

6

Democracia e Participação

depois da invenção grega, mesmo que houvesse uma espécie de representação dominada pelos religiosos e pela nobreza, só quando o povo da França se rebelou e derrubou o governo do rei Luís XVI é que a democracia começou a chegar pra valer. A Revolução Francesa foi em 1789, ou seja, há pouco mais de 200 anos. A diferença entre as duas é que a francesa, um processo que durou dez anos, criou muitos dos mecanismos que ainda hoje são observados nas democracias modernas: a assembleia constituinte, a declaração dos direitos do homem e do cidadão, a separação entre igreja e Estado, a divisão entre esquerda e direita e por aí vai. Os revolucionários até foram derrotados mais tarde pelo Napoleão Bonaparte, que nós vamos estudar mais lá na frente, mas as lições ficaram para a História e a democracia voltou a ser um modelo ideal a partir da primeira revolução industrial, há pouco mais de 150 anos.

7

– Este ano eu vou votar pela primeira vez, sor! – disse a Beatriz.

– Pois é, eu ia justamente falar disso agora. Nem a Revolução Americana, nem a Revolução Francesa universalizaram o voto, ou seja, o direito de todos escolherem os representantes na

democracia. O voto é um instrumento muito antigo, mas também recente.– Como é que é, professor? – gritaram em coro.

– Peraí, vou explicar: o voto é uma invenção bem antiga, já existia até antes da Grécia e Atenas desenvolverem a democracia. Mas era uma coisa muito restrita, usada de forma muito primária. Entre os gregos e os romanos, era comum votar em propostas assim, ao ar livre, no meio das assembleias. Claro, isso criava um problema, as discussões eram enormes, tinha muito conchavo entre grupos rivais, não era um modelo perfeito.

– O que é essa palavra aí, profe? – perguntou a Dani.

– Sabe quando vocês se dividem em grupos e combinam uma coisa contra outro grupo? Pois é isso que é conchavo: eu me organizo pra vencer uma disputa contra outro grupo. Mas, como eu ia dizendo: o voto ficou uma coisa imperfeita até uns 150 anos atrás. No Brasil Colônia, no século 19, já tinha voto. Mas só uma meia dúzia de pessoas tinha esse direito, para escolher representantes em Portugal. E quem era eleito não mandava nada, quem mandava mesmo era o rei e, depois da Independência do Brasil, o Imperador. Voto mesmo, aqui, só depois da República. Alguém lembra a data da proclamação da República?

Silêncio geral. Até que uma voz tímida falou lá de trás:

– 1889?

– Isso aí, 1889! Viram bem? Pouco mais de 100 anos. E, mesmo assim, restrito a homens. Como não havia voto secreto, também tinha muita fraude. Os eleitores só

8

Democracia e Participação

tiveram direito ao sigilo sobre sua escolha depois da revolução de 1930. As mulheres só puderam votar e ser votadas em 1932. Mesmo assim, de lá para cá foram vários períodos de governos que restringiram esse direito, como no Estado Novo, entre 1937 e 1945, e na ditadura militar de 1964 a 1985. Criada após o fim do regime militar como resposta às reivindicações da sociedade por mudanças, a Constituição Federal de 1988 foi uma das maiores conquistas políticas dos brasileiros. Entre outras garantias, ela estabeleceu a soberania popular por meio do voto direto e secreto, com valor igual a todos.

Como vocês veem, votar com liberdade e com responsabilidade é coisa recente.A campainha bateu com força, causando alvoroço na gurizada.

– Oba! Oba! Acabou a aula! Fim de semana chegando!

– Esperem aí, esperem aí. Para a semana que vem, quero que vocês façam um trabalho sobre a democracia representativa em Porto Alegre, tá bem? Vocês precisam me contar direitinho como é que isso chegou até nós e como é que funciona aqui. Ouviram???

A turma toda gritou que sim já na porta de saída.

Samuca passou o fim de semana pensando no trabalho que iria fazer para a classe de História. Gostava da matéria, era um bom aluno. Sonhava em ser advogado, como o pai queria ter sido, mas sabia que faculdade era difícil pra alguém da sua condição social. Na terça-feira, depois da aula, avisou a mãe que ia na Câmara de Vereadores fazer um trabalho de aula.

– Leva um casaquinho, meu filho. Tá prometendo chuva!

– Tá bom, mãe!!!

No ônibus, Samuca já foi pensando: Porto Alegre é uma cidade. Mas será que é uma cidade-estado como as que existiam na Grécia? Anotou para perguntar.

Quando chegou, viu que o trabalho seria difícil; o prédio era grande, cheio de salinhas para os vereadores e um plenário

Poder supremo que pertence à população como um todo.

9

grandão para as sessões. Já de cara perguntou pra moça da recepção para que servia a Câmara de Vereadores.

– Olha, fala com aquele moço ali, ele é jornalista e sabe de tudo aqui da casa. Meu trabalho é encaminhar quem chega pros vereadores. Sabe, vem muita gente aqui pedir coisas, resolver problemas. Tá sempre cheio de gente.

Estava mesmo. Samuca não perdeu o tal jornalista de vista e, quando pôde, puxou ele pelo casaco.

– Oi, moço.

– O que é, cara? Estou ocupado. Quer falar com quem? A moça da recepção ali pode te ajudar.

– É que eu estou fazendo um trabalho de aula e preciso saber como funciona e pra que serve a Câmara.

– Só isso? – riu o homem. Notou o interesse do estudante e pediu que ele o acompanhasse pela casa.

– Olha, vem comigo. Vou tentar te ajudar. Como é teu nome?

10

Democracia e Participação

– Samuel Gomes da Silva. Mas todo mundo me chama de Samuca.

– Muito prazer: Ernesto.

O jornalista parou na frente de uns painéis com fotos e textos.

– Olha aqui, Samuel: tá tudo explicadinho. A Câmara de Vereadores é o poder legislativo de uma cidade. Funciona como uma assembleia de representantes do povo, eleitos a cada quatro anos só pela população de Porto Alegre. São 36. Em outras cidades, maiores, são mais. Nas menores, são menos.

– Então é proporcional ao número de habitantes.

– Isso aí.

– E eles fazem todas as leis que valem na cidade.

– Não é bem assim. Como o Brasil é uma República Federativa, o poder primeiro é exercido em nível federal: o presidente e o Congresso debatem e aplicam as leis, respeitando a Constituição,

11

que é o conjunto maior de leis do país, que não pode ser contrariado. Depois têm os estados, que também são autônomos, mas só podem criar leis dentro dos limites da Constituição. E só depois vêm os municípios, que podem criar leis dentro dos limites da Constituição do país e da Constituição do Estado.

– Bah, não é fácil.

– Não, não é. A Constituição da cidade, vamos chamar assim, é a Lei Orgânica. Essa são os vereadores que fazem. E ajudam a fiscalizar também, porque a lei não fica mudando a toda hora, né?

– Bah! – dizia Samuca a toda hora, admirado.

– Pra facilitar as coisas, os vereadores se organizam em comissões temáticas. Uma discute saúde, outra educação, outra cultura, meio ambiente e por aí vai. São seis. Quando tem um assunto específico, eles criam uma comissão especial só pra aquele tema. Por exemplo: Copa do Mundo de 2014.

– Bah, mas eles passam o dia inteiro em reunião? Deve ser chato, né?

– Mais ou menos. Tem as reuniões, mas também tem as sessões plenárias. É ali que se discutem e se votam as leis. Como tem vários partidos representados, às vezes a briga é grande. Mas fica tudo numa boa, porque o interesse deles é o benefício da população. Eles são eleitos pra isso, né?

– É.

– Aqui eles debatem e votam – mostrou o jornalista. Abriu a porta para uma sala grande, uma espécie de teatro, com poltronas para que as pessoas pudessem assistir e mesinhas com microfones para cada vereador. Era o plenário. Mas estava vazio, pois não havia sessão.

– Não tem ninguém!

– Então, eles não discutem a toda hora nem todo o dia. As sessões de debate e votação são sempre às segundas, quartas

As comissões são permanentes, ou seja, trabalham o ano todo. São elas: Constituição e Justiça, Economia, Finanças, Orçamento e Mercosul; Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana; Urbanização, Esportes e Habitação; e Saúde e Meio Ambiente.

12

Democracia e Participação

e quintas, a partir das duas da tarde. Eles trabalham muito lá nos gabinetes, também. Lá, os vereadores recebem os eleitores, ouvem o que as pessoas precisam, fazem projetos e até resolvem um ou outro problema, se puderem. E também vão para a rua, se reúnem com os secretários da prefeitura, vão atrás de um cano de esgoto, de asfalto para uma rua, de professor pra uma escola, de médico pro posto de saúde.

– Nossa!

– E se reúnem com o prefeito, às vezes.

– O prefeito fica aqui?

– Não, não fica.

O jornalista riu e explicou a Samuca:

– O prefeito fica na prefeitura, bem lá no centro. Lá, ele governa com os secretários das várias áreas que a prefeitura precisa cuidar. Tem um pra saúde, outro pra educação, outro pra habitação, outro que cuida das obras, como quando fura um cano ou precisa abrir uma rua.

Veja mais sobre o funcionamento da prefeitura na cartilha Conhecendo a PMPA.

13

– Mas os vereadores mandam no prefeito?

– Não, ninguém manda em ninguém. Tem coisa que tem de ser feita: recolher lixo todos os dias, por exemplo. É automático,

ninguém precisa mandar fazer. Mas tem coisa que precisa ser debatida, como a criação de um novo bairro ou a construção de uma escola. Aí vereadores e prefeitura negociam. O que eles fazem é mediar a relação entre as pessoas que moram aqui, e pagam seus impostos, e quem administra o funcionamento de uma cidade desse tamanhão.

– Tá, entendi. Mas eu só voto nos vereadores...

– E no prefeito também.

– Tá, no prefeito também, e eles fazem tudo por mim?

– Muita gente que não gosta de participar só vota e vai embora pra casa. E quatro anos depois, vota de novo. Mas quem quiser pode ter um papel muito importante na administração da cidade, além do voto. Aqui em Porto Alegre tem o Orçamento Participativo, que é uma forma de discutir o destino que se dará aos investimentos. Que obras são mais urgentes, por exemplo. Mas na Câmara dá pra participar também. Um exemplo: um grupo de pessoas pode se juntar, elaborar um projeto de lei que lhe interessa e encaminhar para ser avaliada. É o que se chama de Iniciativa Popular. Claro, não quer dizer que vai ser aprovado, mas vai a debate. Se for bom, vira lei.

– Puxa, podia juntar meus colegas pra pedir um campinho de futebol lá pra vila!

– Haha! Calma, Samuel, não é bem assim. Um projeto desses deve interessar a toda a cidade. Por isso precisa da assinatura de 5% dos eleitores, o que daria hoje umas 50 mil pessoas.

– Bah, mas é um Beira-Rio lotado!

– É. Ou um Olímpico, que eu sou gremista!

Orçamento Participativo (OP) é um processo pelo qual a população participa das decisões sobre a aplicação dos recursos em obras e serviços que serão executados pela administração municipal. Veja cartilha Orçamento Participativo.

14

Democracia e Participação

Samuca riu.

– Tá, conta mais.

– Aqui também tem a Tribuna Popular. É assim: pode falar numa parte das sessões de segundas e quintas. Dar seu recado, entende? Dizer do que está gostando, reclamar de alguma coisa. Dizer o que quiser.

– Quem quiser?

– Não, quem quiser não. Senão pode virar bagunça, né, Samuca? Pode se inscrever quem estiver ligado a alguma associação de bairro, a algum sindicato. Essas pessoas também podem participar das sessões das comissões temáticas, lembra? Ali, eles podem até se manifestar, por um período de 10 minutos. Viu como é possível fazer muito mais do que só votar de quatro em quatro anos?

Dica!Que tal acompanhar o trabalho da Câmara? No site www.camarapoa.rs.gov.br, entre outras informações, estão disponíveis as relações dos projetos aprovados e dos que estão em fase de tramitação. Você também pode tirar dúvidas, fazer denúncias ou críticas sobre a atuação da casa, além de conhecer outras formas de exercer a participação popular no poder legislativo municipal. Ainda fica sabendo mais sobre o funcionamento da Escola do Legislativo Julieta Battistioli.

Câmara Municipal de Vereadores Avenida Loureiro da Silva, 255 (51) 3220.4100

Escola do Legislativo Julieta Battistioli Av. Loureiro da Silva, 255 - Sala 367 (51) 3220.4374

E-mail: [email protected].

15

Expediente

Prefeitura Municipal de Porto Alegre

Secretaria de Coordenação Política e Governança Local

Produção: Signi - Estratégias para Sustentabilidade

Coordenação: Cristiane Ostermann (MTb 8256)

e Karen Mendes Santos (MTb 7816)

Edição: Carol Lopes

Textos: Flávio Ilha

Conselho Editorial: Adriana Burger, Adriana Furtado, Ana Paula Dixon, Beatriz Rosane Lang, Cézar Busatto, Débora Balzan Fleck, Eloisa Strehlau, Francesco Conti, Ilmo Wilges, Jandira Feijó, Jorge Barcellos, Júlio Pujol, Lisandro Wottrich, Luciano Fedozzi, Plinio Alexandre Zalewski Vargas, Ricardo Erig, Rodrigo Puggina, Simone Dani, Themis Regina Barreto Krumenauer e Valéria Bassani.

Projeto gráfico: Carolina Fillmann | Design de Maria

Diagramação: Daniela Olmos

Ilustrações: Marcelo Germano

Revisão: Press Revisão

Impressão: Hotprint

Tiragem: 1.500 exemplares

Apoio à produção das cartilhas: Departamento Municipal de Água e Esgotos - DMAE

Novembro | 2010

Democracia e ParticipaçãoMódulo 3