cartas em tempo de guerra

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Cartas em tempo de guerra Guerra Colonial Portuguesa 1961-74

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Como as cartas que chegavam aos nossos soldados durante a Guerra Colonial eram de ima importância extrema... As cartas de Lobo Antunes...

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Page 1: Cartas em tempo de guerra

Cartas em tempo de guerra

Guerra Colonial Portuguesa

1961-74

Page 2: Cartas em tempo de guerra

► Salazar mobilizava tropas, na flor da idade,

para combaterem no Ultramar. “Para Angola,

rapidamente e em força!”

► Iniciou-se uma guerra de guerrilha iria

durar 13 anos, com vitórias e reveses de parte

a parte.

► De Lisboa partiam sucessivos contingentes

de militares com destino às colónias.

► Esta Guerra sem tréguas levou a que

Portugal ficasse cada vez mais isolado a nível

internacional, levando Salazar a fazer a

célebre afirmação:

“Estamos orgulhosamente sós”.

Page 3: Cartas em tempo de guerra

Três Frentes de Batalha em África

Page 4: Cartas em tempo de guerra

Guerra Colonial

Nas três frentes o ambiente que se vivia era o mesmo: a morte e o desespero

estavam presentes no dia a dia dos nossos soldados.

Page 5: Cartas em tempo de guerra

Jovens soldados morriam em África, longe dos seus familiares,

numa guerra com a qual não concordavam, mas eram

obrigados a ir.

Page 6: Cartas em tempo de guerra

O cenário de guerra era demasiado stressante, o convívio com a morte dos

camaradas deixou sequelas nos sobreviventes, que permanecem até hoje.

Page 7: Cartas em tempo de guerra

“A morte saiu à rua…”

Page 8: Cartas em tempo de guerra

Mães, mulheres, noivas e restantes familiares faziam

peregrinações em Portugal.

Page 9: Cartas em tempo de guerra

Quantos regressavam vivos, mas

estropiados.

A romaria ao Santuário de

Fátima por familiares em

desespero, era um cenário

recorrente na Metrópole.

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Movimento Nacional Feminino

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♦ O Movimento Nacional Feminino (MNF) foi criado no dia 28 de Abril de 1961 pela Drª Cecília Supico Pinto. Tratava-se de um movimento patriótico de mulheres, que se dedicaram ao apoio moral e, tanto quanto possível, material dos militares que prestavam serviço no Ultramar.

♦ Para além de outras iniciativas, foi este Movimento que criou

os célebres e populares aerogramas. Baratos e por vezes grátis,

sem precisarem de selo nem de sobrescrito, tiveram uma larga aderência de militares e famílias como forma prática e rápida de trocarem correspondência postal.

Page 12: Cartas em tempo de guerra

Áreas de Intervenção do Movimento Nacional Feminino

• Presidente:

Cecília Supico Pinto (durante os anos de existência do Movimento)

• - Apoio Social:

• a) Secção de embarque b) Secção das madrinhas de guerra c) Serviço de acolhimento de feridos e doentes d) Secção de visitas aos hospitais e) Secção de empregos f) Secção de assistência à família g) Serviço de urgência

• - Administrativas:

• a) Secretaria b) Tesouraria

Page 13: Cartas em tempo de guerra

O Movimento Nacional Feminino (1961-1974) apresentava-se como

uma estrutura de mulheres criada e organizada para apoiar os militares,

as suas famílias e o esforço do Estado Português em África.

De facto, a secção do Movimento com o nome de Madrinhas de

Guerra, incluída nos seus registos, disponibilizava para apoio aos

soldados nas colónias.

As mulheres teriam que cumprir os seguintes requisitos: nacionalidade

portuguesa, maiores de 21 anos, moral idónea, espírito patriótico,

coragem, capacidade de sacrifício, confiança na vitória e capacidade de

transmissão dessa ideia.

Page 14: Cartas em tempo de guerra

Às Madrinhas de guerra era pedido/estipulado a

distracção do(s) seus(s) afilhados através da troca de

correspondência na qual se devia transmitir coragem,

confiança, orgulho pela prestação de um importante

serviço à Pátria.

Por outro lado, deviam também estabelecer contactos

com a(s) família(s) desse(s) soldado(s), amparando-a(s)

em tudo o que fosse possível, nomeadamente em

termos morais e materiais.

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Registe-se que o pedido dos soldados de "Madrinhas de Guerra" devia fazer-se directamente para a Comissão Central do Serviço Nacional de Madrinhas, onde era devidamente analisado e correspondido de acordo com as possibilidades.

Salienta-se que as madrinhas deviam ser da mesma região, cidade ou povoação vizinha do(s) afilhado(s), por questões de afinidade, conhecimento da família e mais fácil prestação de apoio. Importa dizer que o aumento entretanto verificado do número de pedidos tornou notória a insuficiência de inscrições por parte de voluntárias.

Page 16: Cartas em tempo de guerra

As "Madrinhas de Guerra", pelo tipo de trabalho

desenvolvido, foram muito importantes em termos de apoio

psicológico àqueles que estava longe de sua casa e dos

seus familiares

Uma carta recebida e uma carta escrita eram fundamentais

num contexto como aquele em que milhares de homens

(jovens) se encontravam.

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Madrinhas de Guerra

Page 18: Cartas em tempo de guerra

MADRINHAS DE GUERRA:

"Que cada uma de nós se lembre que lá longe, nas províncias

ultramarinas, há rapazes que deixaram tudo: mulheres, filhos, mães,

noivas e o seu trabalho, o seu interesse, tudo enfim, para cumprirem o

seu dever de soldados. É preciso que as mulheres portuguesas se

compenetrem da sua missão, e assim como eles estão cumprindo o seu

dever, lutando pela nossa querida Pátria, também vós tendes para

cumprir o vosso, lutando pelo bem-estar dos nossos soldados - luta essa

bem pequenina, pois uma só palavra, um pouco de conforto moral basta

para levar alguma felicidade aos que estão contribuindo para a defesa da

integridade do nosso Portugal.

OFEREÇAM-SE PARA MADRINHAS DE GUERRA. MANDEM O VOSSO

NOME E A VOSSA MORADA PARA A SEDE DO MOVIMENTO

NACIONAL FEMININO".

("Madrinhas de guerra". In: Revista Presença. Nº 1, 1963, p. 36-37).

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A Crónica Feminina Nessa altura circulava em Portugal uma

revista, a “Crónica Feminina”, que,

apesar de ser considerada leitura inferior,

era lida religiosamente todas as semanas,

quer pelas novidades da moda, quer pelo

fotonovela - folhetim, encaixado nas

páginas centrais.

Na última página era havia uma lista de

pedidos de correspondência: Beltrano

Sicrano, 1º cabo do RA5, em comissão

de serviço na Guiné, deseja

corresponder-se com menina dos 17

aos 25 anos, alegre, comunicativa e que

goste de música pop. Resposta para o

SPM 123456789. Era mais ou menos este

o teor do pedido. Entrou na moda, estava

na moda.

Page 20: Cartas em tempo de guerra

Eu fui Madrinha de Guerra

“Os anos 60 (finais) e 70 preencheram a minha

adolescência e juventude. O rock, o flower power, a mini-

saia, ocupavam os nossos dias descontraídos enquanto

que as baladas, os livros emprestados à socapa e a

guerra no ultramar deixavam no ar perguntas sem

resposta e desenhavam uma realidade mal

compreendida.

Todos os rapazes meus conhecidos passavam por um

interregno nas suas vidas. Largavam os empregos, as

famílias, os amigos e abalavam do cais de Alcântara, aos

magotes, para África. O porquê era sempre uma pergunta

difícil de responder.”

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"Querido militar:

(...) Lutas pela paz da tua família. Lutas para que, em tua

casa, todos possam viver sem terror. Lutas para que os

rapazinhos de agora tenham aquela Pátria grande e livre

que herdaste!

Tu enfrentas de armas na mão, orgulhosamente, o

inimigo que pretende roubar a segurança do teu lar!

Obrigada, soldado! SAÚDA-TE A TUA MADRINHA".

("Querido Militar". In: Revista Mensagem.

Nº 2, 1962, p. 2).

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Madrinhas de Guerra na primeira pessoa

“Então eu respondia a esses gritos de solidão, de liberdade adiada. Durante três ou quatro anos fui madrinha de guerra de uns quantos soldados. Os aerogramas não tinham franquia, pelo que a correspondência circulava com muita assiduidade. Eram palavras simples, descrições do dia a dia, relatos de filmes, letras de canções, poemas, fotografias, postais ilustrados. Enfim, baús cheios de tesouros para quem estava confinado ao mato, à imensidão africana, longe de tudo e de todos.”

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Madrinhas de Guerra na primeira pessoa

“Havia um dia em que o aerograma

trazia a notícia do fim da comissão, o

agradecimento profundo pelos bons

momentos de leitura e o conforto que as

palavras da madrinha desconhecida

tinham dado. A vida continuava.”

“Por duas ou três vezes houve um último aerograma sem resposta do

lado de lá. O passar dos dias encarregou-se de apagar a dúvida, um

pensamento doloroso.

De todos os afilhados de guerra, só conheci um. Acabada a sua

tarefa, voltou para a terra e veio conhecer-me. Trouxe o irmão com

quem tinha sido criado e ficou amigo lá de casa. As coisas que ele

contava eram um mundo à parte. Ajudou-me a compreender a tal

realidade que nos passava um pouco ao lado e trouxe-me algumas

respostas às tais perguntas difíceis. Ajudou-me a crescer em

consciência. Hoje recordo-lhe o riso franco e aberto. O Tempo, esse

insano amigo, levou o resto.”

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♦ A correspondência entre os

militares e as suas famílias, amigos,

namoradas e madrinhas de guerra

era realizada através deste suporte em papel designado “aerograma”. Os

de cor amarela eram destinados ao

correio entre as províncias

ultramarinas e a metrópole,

enquanto os de cor azul faziam o

percurso inverso.

♦ Dobrados sobre si mesmos,

guardaram sonhos e promessas de

amor, outras vezes medos e

fantasmas. Foram o elo de ligação

entre a distante e quente África e o

cantinho mais escondido de Portugal

continental e insular.

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♦ Em qualquer ponto de África onde houvesse militares lá chegavam os aerogramas, também designados por “bate-estradas” ou “corta-capim” embora chegassem via aérea através dos pequenos aviões militares Dornier (DO).

♦ Apesar de a morada do militar ser definida por código, o chamado SPM (Serviço Postal Militar) a entrega do correio nunca falhou, mesmo tendo em conta uma média de 10 toneladas por dia de correio que o SPM tratava e enviava. O indicativo postal do SPM era composto por 4 dígitos e nos primeiros tempos de guerra os três primeiros definiam a unidade militar e o último a província ultramarina. Moçambique tinha o 4, Angola o 6 e a Guiné o 8. Só com esta definição do último dígito era fácil ao SPM em Lisboa encaminhar o correio para a respectiva província.

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♦ Quanto aos três primeiros dígitos e dado que a mobilização de unidades em África cresceu muito, houve a necessidade de rapidamente se alterar o critério inicial, mas mantendo sempre o último dígito definidor do território de destino.

Mas o correio não nos trazia só aerogramas, por vezes também vinham algumas encomendas mais pesadas. Essas eram sempre as mais desejadas.

Base táctica da Cecília (2/11/1971), no planalto do Luaia, província do Uíge,

Angola,

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• NR: Quem quiser conhecer em detalhe a história do SPM não deixe de ler o

livro “História do Serviço Postal Militar” de Eduardo Barreiros e Luís Barreiros.

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NATAL DE 1971

“O primeiro que o nosso Batalhão passa em Moçambique. Não nos

detivemos a chorar o facto de nos encontrar-mos longe dos nossos

familiares, a quem muito queremos. Não que os esqueçamos, tentamos

sim, viver esta quadra o melhor que nos for possível. No dia 13 de

Dezembro, tivemos a presença amiga e generosa de D. Lisete Lopes,

locutora do Rádio Clube de Moçambique e orientadora do programa

dedicado às Forças Armadas, que saía para o ar todos os Sábados à

tarde. Nesse dia esteve também presente uma equipa de reportagem do

Rádio Clube de Moçambique que em colaboração com a Emissora

Nacional, vieram gravar mensagens dos soldados para serem ouvidas na

Metrópole.” In Blogue de antigos soldados

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Cecília Supico Pinto em visita às tropas

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Cecília Supico Pinto em visita às

tropas

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Do amor em tempo de guerra

Ivo M. Ferreira vai adaptar ao cinema o livro “D’este viver aqui neste papel descripto”, de António Lobo Antunes. Ferreira leu as cartas e apaixonou-se por elas. Os aerogramas de Angola são mais do que a história de um jovem médico: existiu um drama coletivo que convém não esquecer. Trata-se de um filme sobre a interrupção abrupta da vida de um jovem durante a guerra colonial, reivindica de alguma forma um episódio da nossa história recente que foi de certa maneira apagado com a Revolução.

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A História é assim: Há um homem e uma mulher que esperam um filho, no meio de um amor do tamanho do mundo. Mas há uma guerra e há um dia em que a guerra bate à porta, obriga a fazer as malas, impõe a separação. Esse homem é médico, jovem, sonha em ser escritor, a guerra não é com ele, como não era para muitos como ele. Mas passa a ser. À distância de uma desgraça que deixa a vida em suspenso, escreve centenas de cartas para casa. A escrita é o refúgio, é vir à tona, é pensar na vida que existe lá fora, no sossego. Um dia a guerra acaba e, mais tarde, aquele amor do tamanho do mundo também termina. Dobra-se o século, o milénio, e as cartas passam a livro. O jovem que as escreveu já é escritor e parte daquela juventude perdeu-se em Angola.

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D'este viver aqui neste papel descripto É um livro que reúne cartas de António Lobo

Antunes escritas durante a guerra colonial, entre

1971 e 1973, em Angola.

O livro de António Lobo Antunes, "D'este viver aqui

neste papel descripto", foi apresentado na gare

Marítima de Alcântara, local escolhido para que

autor e editora pudessem evocar os militares que

ali embarcavam para o Ultramar.

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No livro o autor reúne a recordação, ainda bastante viva, da Guerra Colonial, contendo as cartas que este escreveu a Maria José, a sua primeira mulher, enquanto esteve na guerra em Angola.

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O livro foi apresentado por Joana e por Maria José, as duas filhas do escritor, que organizaram a obra depois de a mãe, entretanto falecida, ter autorizado a publicação das missivas que António Lobo Antunes lhe dirigira de Angola.

Para Joana Lobo Antunes, publicar as cartas permite "preservar a memória" do largo período (1971-1973) que o pai, então médico recém-formado, passou a dez mil quilómetros de casa.

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O medo de dormir e não voltar a acordar ou de se levantar e nunca mais regressar à cama e os gritos de um soldado quando pisava uma mina e ficava mutilado foram algumas das recordações de um cenário de pesadelo que ainda está vivo nas lembranças dos antigos recrutas.

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No dia 27 de Janeiro de 1971, Lobo Antunes escrevia assim:

“Minha namorada querida

Aqui cheguei, finalmente, a Gago Coutinho, depois de uma viagem apocalíptica, como nunca pensei ter de fazer em qualquer época da minha vida: partimos às 3 horas da manhã dia 22, em autocarros tipo Claras, de Luanda para Nova Lisboa, através de um cenário maravilhoso, mas que à 23ª hora começou a cansar-me. Chegámos de madrugada a Nova Lisboa, dormimos nas camionetas, e às 3 da tarde do dia 29 (ou 23?), depois dos 600 km de autocarro, meteram-nos no comboio para o Luso: 2 dias de viagem em vagões de 4ª classe – essa famosa invenção dos ingleses para os habitantes do 3º mundo, e que a companhia dos caminhos-de-ferro de Benguela inglesmente adoptou - em grandes molhos de pernas e de braços, de armas e de cabeças. Essas carruagens possuem apenas 3 únicos bancos longitudinais: dois ao correr das janelas e o último, duplo, ao centro, como uma risca ao meio. Como faltavam vagões , assistiu-se então a um espectáculo indescritível: de todo o lado surgiram membros que pareciam não pertencer a nenhum corpo. (…) Mas tudo passou, continuo a resistir, e amo-te.

Isto é o fim do mundo: pântanos e areia. A pior zona de guerra de Angola: 126 baixas no batalhão que rendemos, embora apenas com dois mortos, mas com amputações vaias. Minas por todo o lado.” António Lobo Antunes

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O Regresso dos Militares

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A alegria do reencontro/ Regresso do Soldado são e salvo…

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As Nossas Jornadas IV

Grupo de História

Biblioteca Escolar

23 de Maio de 2012