cartas em tempos de guerra -...
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CARTAS EM TEMPOS DE GUERRA: uma missão cívico-patriótica da
Associação Brasileira de Educação (1942-1945)
GLAUCIA DINIZ MARQUES
Orientadora: Profª Drª Ana Chrystina Venancio Mignot
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.
Rio de Janeiro 2008
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Dedicatória
A Deus, a minha família e a todas as pessoas que, de alguma forma,
contribuíram para a sua realização e que confiaram em mais essa
suada conquista.
2
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar, por ter renovado minhas forças a cada capítulo.
À minha querida mãe, Suely Diniz Marques, por acreditar em mim sempre,
me dando força, carinho, amor, ouvindo meus desabafos, fazendo com que eu
olhe para frente com orgulho do meu passado. Obrigada por estar ao meu lado nos
momentos que mais preciso.
Ao meu pai, Roberto Marques, meu orgulho e exemplo de determinação, a
quem tanto amo, mesmo nos momentos em que discordamos e de quem herdei
essa persistência e sinceridade.
À minha querida irmã que tanto amo, por me divertir nos momentos em que
eu estava desanimada. E, muita das vezes, me apoiando mesmo sem dizer uma
palavra, mas estando ao meu lado enquanto eu escrevia.
À minha orientadora, Ana Chrystina Venancio Mignot, que acreditou no
meu trabalho e na minha capacidade. Agradeço por todos os momentos
acadêmicos que me foram proporcionados nesses 6 anos de convivência.
Obrigada pelas exposições, reuniões de grupo e congressos, pois meu crescimento
profissional é resultado de seu talento e amor ao seu trabalho.
A todos aqueles que participaram do grupo de pesquisa do qual participo
desde 2002, em suas diferentes composições: Aline Velasco, Ana Amélia Borges
de Magalhães, Andrea Caruso, Antonia Simone Coelho Gomes, Barbara
Trindade, Débora Priscila da Conceição Oliveira, Elaine Constant Pereira de
Souza, Fátima Bittencourt David, Heloisa Helena Meirelles, Inês Rocha, Jussara
Santos Pimenta, Larissa Frossard, Luana de Souza Siqueira, Patrícia Coelho da
Costa, Paulo Rogério, Roberta Lopes da Veiga, Rosa Maria Souza Braga, Silmara
Fátima Cardoso e Suzana Brunet Camacho. A vocês agradeço as leituras dos
textos, a troca de experiências e agradeço o carinho que tiveram por mim e pelo
meu estudo.
3
À minha amiga, Carla Maria Dias Ramos Vidal, companheira de faculdade,
trabalho e mestrado, mas também de passeios, risadas, lamentos. Enfim, só nós
duas sabemos o que essa conquista representa, afinal, como esquecer o dia da
prova de seleção quando quase desistimos de realizá-la? Deixo aqui registrado
todo o carinho e agradecimento por estar ao meu lado nos momentos em que nada
mais parecia fazer sentido.
À Luciene de Almeida Simonini, minha grande amiga, com quem aprendi a
pesquisar em arquivos, bibliotecas. Enfim, minha eterna companheira de pesquisa,
fica aqui o meu registro de agradecimento pela importância que teve em minha
vida acadêmica. Fico aqui torcendo para que em breve você possa voltar a cursar
seu tão merecido mestrado.
À minha amiga, Carla Caroline Simon, que esteve ao meu lado nessa reta
final de forma tão presente. Por me incentivar e oferecer palavras de carinho, a
quem deixo registrado meu agradecimento.
Aos meus companheiros do trabalho por toda ajuda nos dias em que precisei
faltar e paciência nos meus momentos de irritação por medo de não conseguir
terminar, em especial a Liliane Crespo, pelo apoio, incentivo, ajuda nos
momentos mais difíceis e todo carinho e talento dedicado na realização da bela
capa dessa dissertação.
Ao meu fisioterapeuta Davi Nunes, que foi fundamental em minha fase de
recuperação. Obrigada pela paciência e por acreditar em mim desde o inicio.
Obrigada de coração, pois além de grande profissional você se tornou amigo,
dividiu angústias, tensões e boas risadas. Deixo registrado a minha torcida e
incentivo pela sua entrada no mestrado.
Aos funcionários do ABE, especialmente, Dona Arlette Pinto de Oliveira e
Silva e Maria Amélia Rodrigues Moreira pela grande ajuda nas consultas e
carinho que sempre tiveram por mim.
Ao CNPq pela concessão de uma bolsa sem a qual a realização desse
trabalho seria mais difícil.
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RESUMO
Examinar as atividades empreendidas pela Associação Brasileira de Educação (ABE) durante o período da Segunda Guerra Mundial, em função dos combatentes aquartelados em Fernando de Noronha, a fim de compreender a relação dessas atividades com o movimento cívico-patriótico presente na entidade desde sua criação, é o objetivo dessa dissertação. Para tanto, foi examinado o dossiê Esforço de Guerra, preservado na ABE, e em especial, a correspondência enviada e recebida, entre 1942 e 1945. Trata-se de uma pesquisa que se inscreve nas preocupações desenvolvidas em estudos sobre a escrita epistolar, particularmente os que se articulam na perspectiva da história da cultura escrita. Estruturada em três capítulos, inicialmente, privilegia uma discussão de natureza metodológica, na qual se ressalta o movimento da investigação para apreender a importância da correspondência entre educadoras e combatentes, as notícias de uma declaração de guerra e as marcas da escolarização sobre o papel. A seguir, no segundo capítulo trato das atividades realizadas pelas abeanas, durante a Segunda Guerra Mundial, o que significou, também, mapear e analisar como as matérias sobre a guerra, publicadas em seu periódico, a Revista Educação, serviram, mais uma vez, para disseminar os discursos cívico-patrióticos da instituição. No terceiro e último capítulo, no qual pude observar os pedidos e os envios de materiais diversos para combater a solidão provocada pelo isolamento físico e as apreensões provocadas pelas notícias do conflito, procurei interpretar as razões que moveram os correspondentes. Ao eleger as cartas trocadas entre os combatentes e as educadoras que colaboraram no Esforço de Guerra, como fonte/objeto de pesquisa, o presente estudo pretende contribuir para ampliar a compreensão de um período pouco examinado pela historiografia da educação, e, em particular, o papel desempenhado pela Associação Brasileira de Educação.
5
ABSTRACT The aim of this dissertation is to check activities performed by Associação Brasileira de Educação (ABE) during the World War II due to combatants quartered in Fernando de Noronha, in order to understand the connection between these activities and the civic-patriotic movement existing in this entity since its creation. Therefore, a dossier named “Esforço de Guerra” filed at ABE, in particular sent and received letters from 1942 to 1945, was considered. This research focuses on concerns developed in studies on epistolary writing, especially the ones in between the perspective of the history of writing. It was elaborated in three chapters, in the beginning it privileges a methodological discussion in which is highlighted a research for learning the importance of the connection between educationalists and combatants, news on declaration of war and signs of schoolarization on the paper. Next, in the chapter two I address activities performed by employees of ABE, during the World War II, which also means to map and analyze how news on the war published in its magazine (Revista Educação) helped to divulge once again the entity’s civic-patriotic speeches. In the chapter three, in which I could notice requests and dispatches of various materials to fight loneliness arising from bodily seclusion and apprehensions resulting from news on the battle, I tried to construe reasons which motivated the correspondents. Choosing letters exchanged between combatants and educationalists that contributed to Esforço de Guerra, as source/object of search, this study aims at contributing to enlarge understanding of a period little studied by education historiography, and mainly, the role played by Associação Brasileira de Educação.
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SUMÁRIO
Inquietações sobre uma prática de escrita epistolar.........................................10
1. Cartas escritas, histórias esquecidas..............................................................15
1.1. Uma correspondência entre educadores e combatentes..................................16
1.2. Notícias de uma declaração de guerra.............................................................24
1.3. Marcas da escolarização sobre o papel...........................................................28
2. O apoio da ABE ao Esforço de Guerra.........................................................37
2.1. Missão dos educadores em tempos de guerra.................................................38
2.2. A guerra em revista.........................................................................................47
3. Razões para escrever, motivos para responder.............................................65
3.1. Pedidos para fugir do isolamento e da solidão................................................66
3.2. Palavras e presentes para confortar, suprir, animar.........................................80
3.3. Troca de cartas em busca da paz.....................................................................86
À guisa de conclusão: cartas como escrita cívico-patriótica............................93
Referências bibliográficas...................................................................................97
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Cartas de combatentes.........................................................................23
Figura 2 – Cartas do combatente Damásio J. Roberto..........................................33
Figura 3 – Manifesto dos educadores da ABE......................................................40
Figura 4 – Distribuição de presentes de natal.......................................................45
Figura 5 – Capas da Revista Em guarda...............................................................72
Figura 6 – Timbre do Posto 14.............................................................................82
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Cartas trocadas entre a ABE e os combatentes..................................17
Quadro 2 – Telegramas trocados entre a ABE e os combatentes.........................18
Quadro 3 – Revista Educação de 1942.................................................................53
Quadro 4 – Revista Educação de 1943.................................................................55
Quadro 5 – Cartas dos combatentes enviadas à ABE...........................................67
Quadro 6 – Revista Em Guarda de 1943..............................................................73
Quadro 7 – Cartas da ABE enviadas aos combatentes.........................................81
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Inquietações sobre uma prática de escrita epistolar
Fernando de Noronha, 2-9-943 Exma. Sra. Marina É com imensa satisfação e orgulho, que eu e meus colegas de jornada enviamos aos dirigentes dêste “Posto” os nossos agradecimentos pelo esfôrço que vêm fazendo em pról dêstes honrosos soldados que estão no ponto mais sencivel do nosso paiz, com o fim de reter qualquer inimigo que queira atacar e se apossar desta honrosa nação de liberdade, que o nosso saudoso “Caxias” soube honra-la. Snra. Marina, acha-se exposta em nosso cuidado, vossa missiva enviada pelos dirigentes deste “Posto” ao nosso Cte., qual oferece os seus préstimos aos soldados deste grupo, então, baseando-me num dos trechos desta, atrevo-me fazer-lhes um pedido, caso for possível, de uns maços de cigarros e um dois filmes (120), êstes últimos empregarei-os em tirar fotografias das bonitas e (ilegível) paisagens que esta formidável Ilha as possui.
Então, eu e meus companheiros que aqui estão, enviamos a dirigentes deste “Posto” as seguintes frases: estamos prontos a qualquer momento, medir e mostrar aos nossos inimigos, os nossos valores de homens resolutos e guerreiros em qualquer ponto deste Universo. Aceita a minha alta consideração em apreço, deste que coopera pela nossa vitória.
Subscrevo-me Antonio da Silva Porto (Carta enviada a Marina Gross, chefe do posto 14 da Associação Brasileira de Educação)
Por que um combatente escreve a um membro da Associação Brasileira
de Educação – ABE? Pretende contar o que acontece na guerra? Pretende se
comunicar com a família? Por que faz pedidos a essa pessoa? Em meio a tantas
outras, essa carta deixa entrever que a instituição não se preocupava apenas com a
educação no âmbito escolar, mas também em participar de um grande
acontecimento: a Segunda Guerra Mundial.
10
Datada de 1943, essa carta faz parte da Biblioteca e Arquivo Carmen
Jordão da Associação Brasileira de Educação (ABE), entidade fundada em 1924,
por um grupo de intelectuais e educadores na Escola Politécnica do Rio de
Janeiro, como um importante espaço de debate e de elaboração de sugestões
relativas à condução da política educacional no Brasil (MIGNOT e XAVIER,
2004, p.11), assim como outros documentos que têm permitido pesquisas que
examinam o debate educacional do país e a trajetória de educadores como Anísio
Teixeira, Lourenço Filho, Edgard Sussekind de Mendonça, Armanda Álvaro
Alberto, entre outros.
Como essa, muitas outras cartas circularam pela Associação durante a
Segunda Guerra Mundial. Entendendo que a análise de correspondência
possibilita observar crenças, visões de mundo e saberes, pretendo nesse estudo
examinar as atividades empreendidas pela Associação Brasileira de Educação
durante o período da Segunda Guerra em favor dos combatentes aquartelados em
Fernando de Noronha, a fim de compreender a relação dessas atividades com o
ideário cívico-patriótico presente na Associação desde sua criação. Neste sentido,
as cartas são ao mesmo tempo objeto e fonte de pesquisa.
Para atingir ao objetivo proposto, será examinado o complexo conjunto
documental de 150 cartas, além de 20 telegramas e 11 cartões e bilhetes, estes
últimos sem datas, tendo por fundamentação, estudos anteriores sobre cartas
trocadas durante a guerra, como os de Eduardo Ruiz Bautista (2001), Juan Luis
Calbarro (2001), Antonio Gibelli (2002), Martyn Lyons (2002) e Verónica Sierra
Blás (2003). Foram estes estudos que me permitiram mergulhar nas cartas
trocadas entre abeanas e combatentes aquartelados em Fernando de Noronha, em
busca do significado desta prática de escrita, tanto para os “valorosos
combatentes” como para as “mulheres patrióticas”.
À medida que fui me familiarizando com a documentação encontrada no
dossiê Esforço de Guerra, do arquivo da ABE, também comecei a prestar maior
atenção à materialidade das cartas. O tom do papel, os timbres e os tratamentos
empregados ganhavam significado quando observados no cruzamento com
11
análises de Ângela de Castro Gomes (2000), Antonio Castillo Gomez (2002), Ana
Chrystina Mignot (2002), Maria Teresa Santos Cunha (2002) e Maria Helena
Camara Bastos (2003), que chamam atenção para a necessidade de estar atenta a
estes pequeninos detalhes, aparentemente banais, mas que podem ajudar na
compreensão sobre o contexto da escrita, os temas que são tratados e as
motivações que movem remetentes e destinatários a se corresponderem.
Estudar cartas escritas durante a guerra me obrigou a tentar entender as
razões que levaram o governo brasileiro a apoiar a guerra e também as
justificativas da diretoria da ABE para se integrar neste Esforço de Guerra.
O movimento foi duplo e exigente. Voltei-me, inicialmente, para a
historiografia que aborda o período de guerra, o Estado Novo e Getúlio Vargas.
Precisei também compreender as políticas educacionais do período e as práticas
cívico-patrióticas da Associação Brasileira de Educação. Defrontei-me com
lacunas e silêncios na historiografia da educação.
Diferentes estudos nos últimos anos têm iluminado as questões
relacionadas à História da Educação quando se voltam para estudar a Associação
Brasileira de Educação, focalizando as décadas de 1920 e 1930. No entanto, o
presente estudo privilegia a década de 1940, período em que parece haver um
apagamento na história da instituição.
Para que as missivas falassem formulei algumas questões: o que levou a
ABE a colaborar com os combatentes de Fernando de Noronha? O que a ABE
realizou de tão importante nesse período para que essas cartas merecessem estar
arquivadas na instituição por tanto tempo? Quais foram às funções que a ABE
exerceu durante esse período?
Respondê-las envolveu a ida a outras instituições de guarda, como a
Biblioteca Nacional, onde encontrei revistas e jornais que foram enviados aos
combatentes; o CPDOC, onde localizei livros sobre a Segunda Guerra; a
Biblioteca Central do Exército que preserva livros sobre a Segunda Guerra,
documentos, mapas, livros de cartografia e fotografias; o Museu dos Combatentes
12
e o Museu do Forte do Pico, repletos de medalhas, troféus, mapas e roupas
utilizadas no período da guerra. Transitei, assim, entre discursos críticos e
laudatórios.
Na tentativa de examinar um conjunto documental esquecido pelos
historiadores da educação, estruturei a dissertação em três capítulos. No primeiro,
a análise privilegiou uma discussão sobre os estudos de cartas, o ingresso do
Brasil na guerra e a origem social dos combatentes e suas práticas de escritas
através das cartas. A seguir, no segundo capítulo, trato das atividades realizadas
pelas abeanas durante a Segunda Guerra Mundial. Além de tentar analisar como
os discursos cívico-patrióticos da instituição que estavam presentes em seu
impresso, a Revista Educação, investiguei as publicações do período de 1942 a
1945. No terceiro e último capítulo, procurei investigar as razões que moveram
combatentes e educadoras a se corresponderem.
Pautei-me em estudos de historiadores da educação que atualmente têm
partilhado da análise de novas fontes de estudo. Isto me permitiu compreender a
missão cívico-patriótica presente no discurso da instituição. Busquei com isso
entender valores, práticas, normas de condutas que circularam no cotidiano desta
dada instituição e que deixou seus rastros em documentos como cartas trocadas
entre educadoras e combatentes durante a Segunda Guerra Mundial.
Ao longo do texto, deixei-me guiar por algumas questões: Qual a origem
desses combatentes? A ABE apoiava a guerra? As representantes da ABE
apoiavam o governo Vargas? Por que os combatentes exaltavam Vargas em suas
cartas? Qual a importância da instituição nesse momento? Que atividades foram
realizadas na Associação durante a guerra? O que representou o Esforço de
Guerra para a instituição? Quais os discursos empreendidos pela ABE nesse
momento? Quais os motivos dessa troca epistolar? Que função social essas
educadoras exerciam nesse momento? O que representam as palavras de paz e
liberdade nessas cartas?
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Essa investigação, que se volta para estudos sobre escrita epistolar, a
Segunda Guerra Mundial e a Associação Brasileira de Educação, pretende
contribuir para ampliar a compreensão acerca das discussões em torno da História
da Educação na década de 1940.
14
1° Capítulo
Cartas escritas, histórias esquecidas
15
1.1. Uma correspondência entre educadores e
combatentes
Rio, 14 de novembro de 1942 Aos soldados brasileiros. O posto 14 da Cruz Vermelha Brasileira com sede à Avenida Rio Branco, 91. 10 andar, teve como objetivo maior, desde os primeiros dias de seus trabalhos, amenizar moral e materialmente a vida daqueles que, respondendo ao apelo da Pátria, na hora difícil por que atravessa o mundo, abandonaram o conforto de seus lares para a defesa de sua integridade. Eis por que, onde quer que se encontrem os Soldados Brasileiros, estarão o coração e o espírito da Mulher Brasileira. Unidas aqui pelos laços de uma viva cooperação, nós do Posto 14, antecipamos agradecimentos pelos sacrifícios que fizeram em prol da Liberdade e da Paz da Humanidade. Iniciamos de há alguns dias várias campanhas pelo que reputamos indispensável ao mínimo de seu conforto. Com esta mensagem de afeto, enviamo-lhes hoje, o primeiro pacote de cigarros, modesto resultado de uma das mencionadas campanhas. Não vejam nela, senão a expressão de carinho com que, alma atenta, acompanhamos a sua marcha para o posto de sacrifício, de renúncia e abnegação. O Posto 14 se propõe, outro tanto, fazer o intercâmbio de correspondência entre o soldado e sua família, a enviar-lhe o que se lhe fizer necessário, demonstrando, assim, a nossa integral colaboração com a Causa comum. Aqui estamos, pois, Soldados Brasileiros, em constante vigília pela sua paz de espírito e para diminuir as agruras de seus serviços, seguras de que nos irmanamos todos no devotamento à Pátria. Pelo Posto 14 Maria Esolina Pinheiro
Escondida de olhos pouco atentos, assim como outras cartas, fotografias,
atas e livros que foram guardados dentro de pastas verdes e transparentes ou em
envelopes de papel pardo, encontrei essa carta no arquivo da Associação. Ela
16
resistiu ao tempo, à seleção de quem as arquivou e às constantes mudanças de
sede da entidade.
Deixei-me invadir pela curiosidade sobre a importância que poderiam ter
desempenhado na história da associação criada em 1924 para defender a grande
causa da educação nacional. Por que havia sido ignorada por tantos historiadores
da educação que passaram pelo arquivo da ABE em busca da compreensão do
papel por ela desempenhado, pelos educadores ali reunidos, pelas divergências
que atravessaram os debates educacionais?1 Alguns balanços da historiografia da
educação me permitiram compreender esta lacuna, como a análise efetuada por
Mirian Warde (1984) que mostrou que até meados da década de 1980 os
pesquisadores privilegiaram os anos 20 e 30, na medida em que elegeram as
reformas educacionais lideradas por Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e
Lourenço Filho como principal objeto de estudo.
Fui surpreendida pelo volume de cartas que foram preservadas em um
dos armários, durante mais de 50 anos, datadas do período de 1942 a 1945, com
inúmeros remetentes. Amontoadas umas sobre as outras, constituem o dossiê
intitulado Esforço de Guerra que contém também telegramas, fotografias,
relatórios e cartões.
Quadro 1 – Cartas trocadas entre a Associação Brasileira de Educação e
os combatentes aquartelados em Fernando de Noronha.
Ano Número de cartas
s/d 04
1942 12
1943 72
1944 57
1945 05
Total 150 Dossiê Esforço de Guerra. Arquivo da Associação Brasileira de Educação – ABE.
1 Ver estudos de Carvalho(1998); Nunes(2000); Mignot(2002); Xavier e Cunha(2001); Magaldi e Gondra (2003); Silva (2004).
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Quadro 2 – Telegramas trocados entre a Associação Brasileira de
Educação e os combatentes aquartelados em Fernando de Noronha.
Ano Número de telegramas
s/d 03
1942 02
1943 05
1944 10
1945 _
Total 20 Dossiê Esforço de Guerra. Arquivo da Associação Brasileira de Educação – ABE.
Os assuntos que vigoram nesses telegramas tratam da saúde de
determinados combatentes, felicitações sobre o Natal de 1942 e 1944,
agradecimentos pelo trabalho realizado para com os combatentes, além de
informar o motivo pelo qual dois combatentes estavam sem dar notícias, sendo
este o não recebimento de respostas de suas últimas cartas. Como se sabe, o
telegrama é um meio de comunicação mais veloz que a carta, ao que tudo indica,
sendo esta a razão por que seu uso é realizado para saber notícias sobre a saúde de
alguns combatentes.
Mergulhada na documentação, não consegui saber ao certo o número de
documentos do dossiê, pois outros poderão ser encontrados nas inúmeras caixas e
pastas lacradas na instituição, aguardando o momento de sua organização e
classificação. Os existentes tratam de alguns temas: cursos de enfermagem,
voluntárias socorristas, educação durante a guerra, educação cívica, relatórios
sobre atividades desenvolvidas durante o conflito, que permitem compreender
como a temática da guerra povoou as preocupações dos educadores reunidos na
entidade, durante a primeira metade da década de 1940.
18
O culto a Getúlio Vargas presente nas cartas dos combatentes e das
representantes da ABE despertaram a curiosidade: Essa visão era só das
representantes da ABE que estavam à frente do apoio aos combatentes ou de toda
a instituição? Por que os combatentes faziam o mesmo? Compreendi que a
exaltação patriótica presente em algumas cartas vai ao encontro do modelo de
educação pregado pelo governo Vargas, naquele período, onde a moral e o
civismo eram elementos fundamentais.
Em 1937, Gustavo Capanema encaminhou o texto final do Plano
Nacional de Educação que permaneceria em vigor até meados dos anos 40. Tal
plano definia os princípios gerais da educação nacional, regulamentava a
liberdade de cátedra, o ensino da religião, da educação moral e cívica, a
educação física.2 As políticas públicas governamentais nesse período
estimulavam um patriotismo exacerbado no cenário político, econômico e social.
Segundo Horta (1994):
De acordo com Vargas, o Brasil transformar-se-ia em uma grande pátria com seu trabalho, Getúlio Vargas evoca a necessidade de preparação de uma raça forte, capaz de amar e merecer esta Pátria engrandecida (p. 147).
Ele considera, ainda, que a intenção era garantir a centralização política e
a formação de uma identidade nacional. Para tanto, algumas estratégias foram
adotadas pelo governo do Estado Novo (1937-1945), que vai fazer uso do ideário
da unidade nacional e implantar medidas de caráter repressivo. Foram criados
órgãos como o Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que em 1939 foi
alterado para Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), com objetivo de
divulgar as ações do governo Vargas e reprimir as divulgações contrárias à
imagem do novo regime. Foi implantada a disciplina História do Brasil com o
objetivo de criar um passado comum e despertar o orgulho nacional no bojo da
preocupação com a nacionalização da educação. Os principais conteúdos que
2 Schuwarzman; Bomeny e Costa, 2000, p. 198.
19
vigoravam nessa disciplina era a constituição e a formação da nacionalidade,
através dos heróis e marcos históricos, sendo a pátria o personagem principal.
Essas medidas tinham essência nacionalista, mas estavam muito mais voltadas
para questões de segurança nacional.
Na troca epistolar aqui estudada, encontrei uma exaltação explícita à
pátria, em 22 cartas, que visavam despertar e cultivar um sentimento de
patriotismo através de expressões como: Defendendo nossa querida Pátria que é
o Brasil; Pela defesa de nosso Brasil; Pela nossa vitória! Ao aparecerem, tais
expressões nessas missivas demonstram uma crença no governo e nas políticas
públicas vigentes.
Entendendo que as cartas do dossiê Esforço de Guerra, assim como toda
correspondência, que em seu tratamento e despedida revela muito sobre quem
escreve e quem lê, deixando algumas pistas sobre os remetentes e destinatários e,
até mesmo, o local no qual foram produzidas, procurei nas linhas e entrelinhas
conhecer os interlocutores e as circunstâncias em que foram enviadas e recebidas.
Observei que as cartas escritas pelas educadoras destinavam-se “aos
soldados brasileiros”. No tratamento3 utilizado por esses interlocutores, constatei
distância e impessoalidade: “Exmo. Snr.”, “Snr”, “Exma. Snra”, “Snra”,
denotando certa formalidade. Para Camargo (2000), as diferentes maneiras com
que se inicia ou se termina uma carta acabam se constituindo em cerimonial
epistolar e são elementos que ficam marcados no próprio texto da carta ou nos
procedimentos a que recorre quem escreve (p. 211).
3 Sobre tratamento epistolar ver estudo de Mignot (2002).
20
Ilha de Fernando de Noronha em 19 de janeiro de 1944 Ilma Senhora Maria Gross Venho por meo desta pedir a V.S se é possível me manda algumas encomendas. Um decionario português, uma geografia, uma arithemetica, cigarros, revistas, e mais algumas cousa que a senhora ache de utilidade para mim. E aqui termino desejando felicidades para senhora e os seus, e antecipadamente agradeço. Soldado 80 Nestor Vieira Filho do I/2. R.A.A.Aérea seção extra Ilha de Fernando de Noronha
A carta acima é de um dos combatentes recrutados em 1942, que ficou
aquartelado em Fernando de Noronha. Diante das constantes ameaças de ataque
ao nosso País, devido ao clima tenso dos auspícios da Segunda Guerra Mundial, o
governo tomou as primeiras providências para que a ilha fosse ocupada por
combatentes, com o intuito de proporcionar a defesa do território nacional.
Duarte (1971) informa que o então General Castelo Branco, em fevereiro
de 1942, foi pela primeira vez à ilha com a finalidade de fazer o reconhecimento
do terreno e estudar com seus assessores alguns dos possíveis problemas que
poderiam surgir com a chegada, desembarque e instalação dos combatentes. De
volta ao Rio de Janeiro, o general, em documento datado de 31 de março de 1942,
registrava o resultado de seu reconhecimento de terreno em Fernando de Noronha,
deixando claro em seus argumentos que a ilha era um ponto fraco e indefeso, e
que se caísse nas mãos inimigas seria uma ameaça ao país. Mostrava, assim, a
necessidade de um destacamento para esse local. Sobre a ida desses combatentes
para a ilha o General Castelo Branco dizia que:
A chegada à ilha dos diversos elementos do Destacamento far-se-á em princípio de abril, época, felizmente, já propícia aos desembarques, até então muito dificultados por um mar revolto, produzindo fenômeno denominado “ressaca de sotavento. (apud. DUARTE, op.cit, p. 156)
21
O autor lembra ainda que o general também cita a ordem de desembarque
desses destacamentos na ilha para tomar sua posse, a fim de não serem
surpreendidos por ataque inimigo. As manchetes da época anunciavam a invasão
da Alemanha a diversos países, entre eles Noruega, Dinamarca, Bélgica, França; o
avanço se estendia. Com isso, os países da América alarmaram-se, mas tinham
medo de se pronunciarem a favor de um dos lados. O Brasil por sua vez preparava
sua defesa, chamava seus reservistas, mas sem se comprometer4. Segundo Duarte
(1971, p. 157), de uma maneira geral, a ordem do desembarque dos combatentes
na ilha foi realizada da seguinte maneira:
- Cia de Engenheiros (pontaneiros e sapadores) - 30° BC (ou Btl que o substitua) - 1ª Bateria de Obuzes - Cia de transportes - I°/ 2° R.A.A.Aé - 31° BC (ou Btl pronto que o substitua) - Gr. de Art. Móvel de Costa 152, 4 - Gr. de Art. -75. (op.cit, p. 157)
Em meio às cartas enviadas e cópias das recebidas por esses combatentes
aquartelados em Fernando de Noronha, uma folha indica os destacamentos
presentes na ilha:
Unidades destacadas em Fernando de Noronha 2° Regimento de Artilharia Anti-Aérea 30° Batalhão de Caçadores 31° Batalhão de Caçadores 1° Grupo móvel de Artilharia de Costa 1ª Bateria independente de Obuzes Destacamento de Engenharia Destacamento de Veterinária Quartel General.5
4 In: Nosso século (1985). 5 Dossiê Esforço de Guerra, Arquivo ABE.
22
Percebi nesta lista perdida no meio da correspondência que a Associação
Brasileira de Educação tinha total conhecimento sobre os destacamentos presentes
na ilha, sabendo a quem se dirigia e de que unidade recebia cada carta. Essas
unidades constituíam o Destacamento Misto, que em 1943, segundo Duarte (op.
cit), contava com 2.600 combatentes aquartelados na ilha. O número de cartas
encontradas na Associação, ao ser comparado com o número de combatentes
presentes em Fernando de Noronha, nesse momento, me fez questionar sobre a
existência de mais missivas. Será que estariam arquivadas em outro lugar? Ou se
perderam com o tempo? Detive-me nas que estão arquivadas na dada instituição.
Ao voltar à análise sobre as cartas que se encontram na ABE, percebo
que diversas são as missivas onde se encontra ao lado da assinatura ou no
cabeçalho da carta o destacamento do I°/2° Regimento de Artilharia Anti-Aérea
ou apenas a sigla I°/2° R.A.A.Ae, como podemos observar nessas imagens.
Arquivo Associação Brasileira de Educação
Distraída com a cor do papel, a caligrafia e os timbres, aos poucos fui me
dando conta de que estava me voltando para uma história esquecida na
historiografia da educação.
23
1. 2. Notícias de uma declaração de guerra
Ilha de Fernando de Noronha, 26-9-943 Exma. Snra. Neréa Carvalho Cordiaes Saudações É com orgulho que roubo um pouco de meu tempo para comunicar-lhe que se acha exposta em nossa “Bateria” uma carta enviada deste Posto, a qual oferece aos soldados defensores dessa idolatrada Patria, alguma cooperação “material”, visto eu gostar um pouco da diversão, envio-lhe um pedido por obséquio de um simples dominó e alguns maços de cigarros, este a sua compra é muito dificultosa, por isso me atrevi a lançar este pedido. Quero levar aos conhecimentos dos Diretores desse valioso Posto, que a Artilharia Anti-Aérea de F. Noronha, está pronta a abater qualquer inimigo que caso queira penetrar por essa nossa rota, para se introduzir dentro do nosso Brasil, eu e meus companheiros que desempenhamos a função de vigilante do Ar, estamos atentos as noites de serviço, com os nossos binóculos apontados para o Ar, para anunciar a qualquer momento preciso, aos nossos impecáveis artilheiros, o barulho de qualquer aeronave inimiga. Enviamos eu e meus colegas de missão, as diretoras desse Posto os nossos votos de felicidades, e uma pré Vitória dos Aliados (grifo meu). Viva o nosso Brasil do Caxias Viva o nosso Brasil do Almirante Barroso E viva o nosso Brasil do Presidente Vargas Viva o Brasil Damásio João Roberto
Essa carta inicialmente se mostra como mais uma escrita com o intuito de
pedir algum tipo de material à Associação Brasileira de Educação, mas seu
término chama atenção para a convicção do autor na vitória dos aliados.
Elas haviam sido enviadas para as educadoras abeanas por combatentes
que, não estiveram diante dos horrores da guerra, descritos por Eric Hobsbawm
(1995). Não viram seus companheiros tombarem em verdadeiros massacres cujas
perdas são incalculáveis, uma vez que dizimou também civis em momentos nos
quais não existiam pessoas a postos para defender. Nenhum deles fez parte das
24
estatísticas de mortos da Segunda Guerra Mundial, que segundo o autor,
ultrapassaram três ou quatro vezes as estatísticas da Primeira Guerra Mundial, o
que significou entre 10% e 20% a população da União Soviética, Polônia e
Iugoslávia; entre 4% e 6% a população da Alemanha, Itália, Áustria, Hungria,
Japão e China, por exemplo, além da matança de aproximadamente 5 milhões de
judeus numa tentativa dos nazistas de dizimar com essa população (HILBERG
apud. HOBSBAWM, p. 57).
O grande conflito, que inicialmente atingiu o continente europeu, sem
contenção alastrou-se gradualmente por todo o mundo. A invasão da Polônia pela
Alemanha deu início à Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939,
encontrando a América Latina no campo de batalha da indecisão. Ao mesmo
tempo, os Estados Unidos via a América do Sul como parte importante dos planos
de dominação mundial do nazi-fascismo.
Segundo Moura (1995), a participação do Brasil na Segunda Guerra
Mundial foi marcada por alguns eventos que antecederam a entrada do país no
conflito, a percepção que a sociedade tinha da guerra que se desenrolava na
Europa, bem como do processo de convocação, seleção e treinamento de uma
força armada destinada a lutar em território europeu contra o nazi-facismo.
Getúlio Vargas, em 1937, com o consentimento das elites políticas,
suspendeu as eleições presidenciais e decretou a ditadura do Estado Novo (1937-
45). Instalava-se no Brasil uma ditadura marcada por forte conotação pessoal, por
manifestas demonstrações de simpatia pelos movimentos totalitários de direita e
por procedimentos políticos astuciosos nos quais os fins justificaram os meios.
Ao contrário dos líderes fascistas, a força e prestígio de chefe
carismático não foram construídos em fileiras de partidos populares. Sua
popularidade foi conquistada através de mecanismos, por ele mesmo criados, para
controle da opinião pública. A censura aos meios de comunicação, o ufanismo e o
controle do Estado foram estratégias para legitimação do poder de Getúlio.
25
Em meados da década de 30, a política externa norte-americana passou
por reformulações. O estilo bélico e agressivo até então empregado foi substituído
pela chamada política da boa vizinhança. Os EUA assumem o compromisso de
respeitar o direito de soberania das nações latino-americana, porém a intenção era
reverter a imagem negativa e renovar os métodos de domínio6 garantindo a sua
liderança no hemisfério e estimulando a estabilidade política nos países latino-
americanos.
Para o governo de Getúlio Vargas, a guerra européia criou diversos
problemas. As estreitas relações comerciais com a Alemanha, somadas às
simpatias do governo e fora dele pelo regime fascista e a presença de imigrantes
alemães no sul do país, que aproximavam as duas nações, dificultava o
alinhamento do Brasil pretendido pelos EUA.7
Na política, a posição brasileira em relação à Segunda Guerra era de
neutralidade. Isso, contudo, não atenuou as paixões políticas internas do Brasil em
relação à Alemanha, fomentadas pelo progresso avassalador de seus exércitos. A
fim de pressionar o Brasil a erradicar a influência do Eixo no país e aderir a
estratégias de defesa do território, os EUA utilizaram concessões políticas,
militares e econômicas. Isso se deu através de amplos recursos financeiros,
programas assistenciais, além de informações e propagandas visando à
aproximação com os militares brasileiros. Todos esses esforços levaram Vargas,
então resistente a uma aliança com Washington, a colaborar com os Estados
Unidos, através da política externa brasileira8.
Em dezembro de 1941, Vargas prestou sua solidariedade a Frank
Roosevelt, presidente dos EUA, após os japoneses terem bombardeado Pearl
Harbor. Getúlio ainda resistiu em romper relações com as potências do Eixo num
primeiro momento9. Todavia, em 1942, na Conferência do Rio de Janeiro, os
EUA, que já haviam declarado guerra ao Eixo, levando a efeito uma articulação 6 MacCann, op.cit., p.91-146. 7MAcCANN JR. F. D. Aliança ..., op.cit., p. 110/125. MOURA, G. Sucessos e ilusões..., op.cit., p 8-9. 8 Ibid., p. 147-176; Ibid., p.26-30. 9 Ibid, p. 138-176; Ibid, pag.30
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mais precisa em torno dos seus objetivos, recomendando a ruptura das relações
diplomáticas e comerciais com o Eixo, garantiu formalmente a preferência
comercial interamericana aos seus produtos, assegurando seus investimentos10.
Segundo as autoridades civis e militares, a declaração de guerra aos
países do Eixo, em 1942, foi à resposta ao torpedeamento e afundamento de
navios mercantes brasileiros por submarinos alemães no nosso litoral. O centro da
cidade do Rio de Janeiro foi tomado por milhares de pessoas nas ruas em estado
de comício permanente, com cartazes e placas; a manifestação era sob uma só
palavra de ordem: GUERRA! O povo brasileiro saiu às ruas exigindo a presença
do país na guerra.
Para Moura (1995) o encontro na Base Aérea de Natal, em janeiro de
1943, entre o presidente Roosevelt e Vargas levou a efeito a participação do país
no Grande Conflito. O presidente Roosevelt aparentemente não se sentia
incomodado com as contradições de princípios envolvidas nesse encontro. Os
Aliados legitimavam sua luta contra o nazi-fascismo com o estandarte da
democracia, mas negociavam, sem nenhuma aparente apreensão, com um ditador
que havia suprimido as liberdades democráticas em seu próprio país.
A participação brasileira multilateral teve como característica a adesão
negociada em termos econômicos, políticos e militares. Além disso, segundo Mc
Cann (1986), os EUA, em nome do esforço de guerra, subordinaram os projetos
econômicos do continente aos seus interesses bélicos, dando pouca atenção ao
desenvolvimento industrial efetivo da América Latina, e criou as bases para a
coordenação policial e militar sob a égide da sua liderança.
10 Id.
27
1.3. Marcas da escolarização sobre o papel
Folheando a documentação do dossiê Esforço de Guerra, da ABE, não
resisti à materialidade das cartas. Segui as pistas de Ângela de Castro Gomes,
quando afirma que devemos ter cuidado e atenção com a materialidade das cartas,
que se souber ser bem analisada pode revelar muito do momento em que foram
escritas, não apenas em seu conteúdo, mas também em seu suporte e linguagem:
Esse objeto exige de seus estudiosos uma atenção muito especial ao suporte material da mensagem (cartões, telegramas, tipo do papel da carta etc.), aos códigos sociais utilizados (tratamento, formas de argumentação etc.) e à correção lingüística (fluidez do texto, tipo de letra, ordenamento na página etc.), dentre outros. Aspectos que em grande parte precisam ser considerados de forma correlacionada para que o conjunto documental examinado ou mesmo uma única carta ganhe maior significado (2000, p.20).
Impossível não ser atraída pelo tom amarelado, que denota as marcas do
tempo. Em sua maioria, as cartas foram escritas nas antigas máquinas
datilográficas. Muitas foram escritas em folhas finas, quase transparentes, com ou
sem pauta. Quando manuscritas, traziam de forma mais evidente as marcas da
escolarização em meio aos erros de grafia das palavras e mesmo em inúmeros
borrões de tinta que denunciavam a frágil familiaridade com a caneta e o papel.
Recrutados para defender o território nacional dos possíveis ataques
inimigos, estavam, certamente, entre aqueles brasileiros que viram suas vidas
sofrerem maiores mudanças. Apesar de não estarem entre os rapazes delicados,
que certamente não teriam desejado enfiar uma baioneta na barriga de uma
jovem aldeã grávida ou que podiam jogar altos explosivos sobre Londres ou
Berlim, ou bombas nucleares em Nagasaki, foram afastados das famílias, tiveram
seus destinos modificados, sofreram com as apreensões de serem vítimas daquilo
que o autor, Eric Hobsbawm, classifica como uma das maiores crueldades de
nosso século: as crueldades impessoais decididas à distância, de sistema e rotina,
28
sobretudo quando podiam ser justificadas como lamentáveis necessidades
operacionais (HOBSBAWM, 1995, p. 57).
Muitas seriam as possibilidades de falar sobre eles, mas acredito que um
olhar atento às páginas que contêm suas palavras, pode também fornecer
informações sobre o lugar social que ocupavam. Ao mergulhar na escrita dos
combatentes de modo mais detalhado, observei que elas carregam, em suas folhas,
uma história implícita de processos de escolarização que se revela na medida em
que como leitora-pesquisadora lancei meu olhar sobre o suporte utilizado e
levantei hipóteses sobre indícios deixados nestas escritas. Nas cartas da ABE o
maior diferencial fica por conta dos timbres que aparecem em algumas missivas.
A escrita dos combatentes, por sua vez, traz diversos tipos de tamanhos em suas
folhas, que se apresentam de forma manuscritas e algumas datilografadas e, em
alguns momentos, com ou sem pauta.
Datada de 9 de outubro de 1943, enviada a Marina Gross, responsável
pelas atividades exercidas pela ABE durante o período da Segunda Guerra, assim
é a primeira correspondência que chega a Associação, em cujo pedido consta um
livro:
Venho respeitosamente por meio desta, pedir a V.S a finesa de mandar uma bola, estojo de barbear, um chinelo n° 38, cigarros, sabonetes, pasta de dente, um livro de chofer sem mestre, e finalmente revista para me distrair um pouco da minha família que ahi deichei nesta cidade maravilhoza pesso desculpa de V.S de pedir tanta cousa. (9/10/1943 – Nestor Vieira Filho)
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Duas cartas chamam atenção por mostrarem a preocupação dos
combatentes em continuarem com os seus estudos, pois aproveitam a presteza da
Associação para solicitar livro de inglês. Como se pode observar nos trechos a
seguir:
Venho por meio desta, pedir-lhe como que intensamente, para enviar-me caso não seja de grande incomodo uma bola de footbal n° 5, um par de tênis para basckette n° 39 e um livro com o título: The Gramatick Inglis (gramática inglesa) para continuar com meus pequenos estudos. (28/09/1944, Antenor Marcelino dos Prazeres)
Aproveito a oportunidade para solicitar-vos, se possível, a remessa para mim de uma caneta-tinteiro e um livro de inglês sem mestre. O primeiro por haver dificuldade em se conduzir vidro de tinta e o segundo por sêr de necessidade no momento que se tenha uma noção do mesmo. (16/11/1943, Walter Viriato de Medeiros)
Esses pedidos por livros, em sua maioria didáticos, revelam um pouco do
desejo pela instrução desses combatentes que mesmo afastados do seu convívio
social e familiar não deixam de lado a sua formação. O desejo pelos livros
também deixa transparecer as marcas da escolarização dos combatentes.
Outra carta, datada de 19 de novembro de 1943, mostra a importância da
instrução na ilha de Fernando de Noronha e a dificuldade na aquisição de livros,
ao que tudo indica, era um dos motivos que levava os combatentes a recorrerem à
Associação, na esperança de terem seus pedidos atendidos:
30
Modesto soldado que sou da guarnição de Fernando de Noronha, atualmente usando o C.C.G ou seja, Curso de candidatos a graduados, encontro-me em situação embaraçosa devido as dificuldades encontradas na aquisição de livros para o estudo, pois além dos conhecimentos militares exigidos, é necessário que um graduado esteja em condições de poder, sem dificuldades de lidar com a Aritmética e o Português, a fim de obter maior rendimento das lições que recebe. Esse é o motivo pelo qual venho pedir o V. auxilio para que eu possa ter o que necessito. Os livros são os seguintes: Matemática 1 série ginasial F.T.D; Geometria; Geografia também da mesma série; História do Brasil – A admissão; 1 compasso; 1 régua; 1 borracha e cadernos; 1 Física química 1 série ginasial. (19/11/1943, Agostinho Vieira de Magalhães)
Esse interesse por uma melhor instrução demonstra uma realidade
encontrada pelo governo da época em recrutar soldados para as funções exigidas
durante a guerra11. As taxas de analfabetismo no Brasil eram grandes.
Para entender o processo de escolarização desses combatentes devemos
lembrar que grandes foram às dificuldades encontradas em suas convocações, pois
a maioria advinha de regiões agrícolas e menos favorecidas economicamente, para
lutar numa guerra em que as operações exigiam um elevado grau de
mecanização12.
No que se refere à organização sobre o papel, as cartas da ABE e dos
combatentes se tornam similares, o que nos leva a pensar sobre uma possível
prática tida como correta naquela época. Observei, também, que essas cartas
parecem seguir uma norma epistolar, pois iniciam em grande maioria com data,
logo abaixo o tratamento a quem se dirige a mesma, o corpo do texto e encerrando
com a despedida. Mostram, nesse caso, marcas da escolarização dessas pessoas,
como bem mostra Gomes (2000):
11 In: SILVA (1972) 12 In: Nosso século. A era Vargas 1930-1945. Nova Cultural.
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Cartas são, assim, um tipo de escrita que tem fórmulas muito conhecidas, porque aprendidas, inclusive nas escolas, como a datação, o tratamento, as despedidas e a assinatura, além de um papel mais apropriado, um timbre/ uma marca, um envelope, uma subscrição correta (p.20).
Uma carta de 9 de março de 1944, escrita por Eustáquio Rodrigues chama a
atenção pela grafia do autor e por sua construção de texto mal formulada, o que
indica possuir pouca instrução. Ao término da carta o combatente pede até
desculpas pelas suas mal traçadas linhas, como podemos notar na transcrição
dessa missiva, assinada por Eustaquio Rodrigues de Mello:
Ilha Fernando Noronha 9 do 3 de 1944. E pello entremedo nesta cartinha Qui eu venho pidi asenhorita Du soldado qui si aja como um Sentinella an avancado do nosso Querido Brasil do arquibello de Fernando de Noronha nicisitava Duma caxa de emjeçao multi Beta I se a senhorita poder mimande Um cigarro e uma revista Quem li pede e um simples De Fernando de Noronha Eustaquio Rodrigues de Mello Da 1 Bia do ½ R.A.A.Ae Ilha Fernando de Noronha Sem mais termino esta I mal tracadas linha Qui livaia (ilegível) gosando Perfeita saude felisidade
Quando observadas com maior cuidado, as cartas dos combatentes de
Fernando de Noronha revelam que algumas delas tinham a mesma caligrafia. A
carta do combatente Damásio J. Roberto apresenta uma determinada letra, sendo
que em outra carta aparece escrita por outras mãos, como podemos ver abaixo.
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Arquivo Associação Brasileira de Educação
Intrigada com isto recorri ao estudo de Verónica Sierra Blas sobre a
escrita de soldados que combateram na Guerra Civil Espanhola. A autora chama a
atenção para o fato de que inúmeras cartas de um mesmo batalhão apresentavam a
mesma grafia e estilo gráfico, mostrando que nem todos os combatentes eram
alfabetizados e que uns escreviam pelos outros:
al analizar cartas distintas de um conjunto epistolar conformado por la correspondência de los miembros de um mismo batallón, se puede observar uma evidente
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similitud al haber sido escritas por la misma persona; similitud que no solo se aprecia em lo que se refiere al nivel puramente gráfico, sino también em lo que toca al contenido mismo o las características estilísticas que la carta presenta (2007, p. 100).
Ao que tudo indica os costumes dos combatentes espanhóis também se
repetiam por aqui. Trata-se de uma escrita delegada, que para Judith Kalman
(2002), ocorre quando um indivíduo escreve por outro, denotando que aquele que
assina a carta não sabe escrever e que se submete a ter seus sentimentos e relatos
ditados para alguém que domina os códigos da leitura e da escrita.
Outra carta que evidencia a prática de escrita delegada é datada de 5 de
março de 1944, onde uma mesma folha de papel é usada com a mesma grafia para
escrever duas cartas, pois metade da folha é utilizada para agradecer aos pedidos
recebidos por Rivaldo Ângelo e a outra metade, com a assinatura de Heitor
Monteiro, serve para pedir desculpas por não ter acusado o recebimento de seus
pedidos:
Território de Fernando de Noronha 5 do 3 de 944 Saudações Snra Marina Gross venho respeitosamente dar os meus agradecimentos, pelos objetos que me enviaste; com o prazer de um bom coração, de uma Brasileira que trabalha em prol da liberdade. Madame os objetos recebidos são os seguintes um par de tenis, um aparelho de barbas, e um jogo de dominó, um vidro de sal Eno, e revistas e cigarros. Fico muito agradecidos pela sua digníssima bondade. Rivaldo Angelo. Snra. Marina Gross em primeiro lugar eu Heitor Monteiro Fiorilo peço mil desculpas por não ter acusado o recebimento das encomendas a mais tempo por motivo de eu andar um pouco doente. Madame os objetos que eu recebi foi os seguintes um par de tenis, um jogo de dominó revistas eu tinha pedido a mdme uma bola de foltbal para a nossa bateria e não foi recebido no mais os meus cinçeros agradecimentos. Heitor Monteiro Fiorilo
34
Com o cabeçalho do I°/2° Regimento de Artilharia Anti-Aérea, chega à
ABE em papel datilografado, com data de 29 de agosto de 1943, para realizar um
pedido de três combatentes de Fernando de Noronha, o que confirma o uso da
prática de escrita de dividir a autoria entre os aquartelados.
Sendo restritas as distrações, nesta ilha, e difíceis os meios de obte-las, lembramo-nos dos corações bondosos de nossas patrícias, contando com o seu valioso auxilio e grande prestigio, desejávamos que a Cruz Vermelha nos enviasse, uma bola e rede de volley, e uma bola de basket. Pelos soldados da 1ª Bateria Cabo Darly Brum Sold. Antonio Mato Grosso Sold. Laertes Rocha
A prática de escrita utilizada por esses combatentes para se
corresponderem com a Associação Brasileira de Educação tem sido observada em
diversas épocas e culturas. Delegar a escrita a uma pessoa, ao mesmo tempo
cúmplice de escrita e até provável criador, na medida em que interfere com suas
idéias e conhecimentos acerca da língua escrita, tornando-se tão dono do texto
quanto quem o assina, é uma prática muito comum e usual por quem não domina
o código da escrita.
Kalman (2002) ao observar a construção da cultura escrita através dos
escreventes de cartas que trabalham na cidade do México, constatou uma
interação entre eles e seus clientes, no que se referem às idéias, valores, razões e
ações dos autores que se unem para definir as formas de medição da língua
escrita. Muita das vezes, esta interação acontece devido ao desejo do cliente em
35
produzir textos juntos com aqueles que colocam as palavras no papel.13 Sobre a
prática de ler e escrever para os outros, a autora ainda afirma que:
El trabajo de leer y escribir para otros ha sido realizado de distintas maneras según el entorno social y el momento histórico. A veces los escribanos eran copistas, es decir, reproductores humanos de diferentes tipos de textos y documentos. En otras ocasiones se convertían en la mano y la mente de los poderosos. También había quienes fungían como intermediarios para que otros pudieron hacer uso de la lengua escrita (p. 288).
Não podemos avaliar com exatidão a influência que o combatente que
escrevia, possuía sobre a carta de quem a assinava, nem saber se esse mediador
tinha acesso direto à leitura de suas respostas, mas, ao que tudo indica, a
construção de algumas cartas era compartilhada.
Em meio a muitas perguntas despertadas pela leitura das cartas, já estava
irremediavelmente convencida de que elas poderiam revelar histórias esquecidas,
falar de personagens menores na historiografia da educação e tratar de períodos
pouco estudados por pesquisadores interessados na atuação da ABE.
13 O filme brasileiro Central do Brasil do diretor Walter Salles, lançado em 1998, é um exemplo contundente de escrita delegada.
36
Capítulo 2
O apoio da ABE ao Esforço de Guerra
37
2.1. Missão dos educadores em tempo de guerra
Todo aquele que já tenha ouvido um estudante americano inteligente perguntar-lhe se o fato de falar em “Segunda Guerra Mundial” significa que houve uma “Primeira Guerra Mundial” saiba muito bem que nem sequer o conhecimento de fatos básicos do século pode ser dado por certo. (...) Somos parte deste século. Ele é parte de nós. Que não o esqueçam os leitores que pertencem a outra era, por exemplo os estudantes que estão ingressando na universidade no momento em que escrevo e para quem até a Guerra do Vietña é pré-história. (HOBSBAWM, 1995, p. 13)
Antes de chegar ao Arquivo da Associação Brasileira de Educação e de
por ele me interessar, poderia ser eu uma desses estudantes mencionadas por Eric
Hobsbowm que pouco conhecia sobre os acontecimentos importantes e marcantes
do século XX como foi a Segunda Guerra Mundial. A entrada no arquivo da ABE
possibilitou descobrir e entender um pouco mais sobre esse século.
Ao realizar uma busca dentro do arquivo da Associação por um possível
tema para tentar o ingresso no mestrado, me deparei com essa troca epistolar entre
ABE e os combatentes, o conteúdo das cartas de pedidos logo despertou meu
interesse. Tratei de questionar a responsável pelo arquivo na época, Arlette Pinto
38
de Oliveira e Silva, se alguém já havia analisado as missivas e para a minha
surpresa a resposta foi negativa. Tinha então, encontrado o meu tema de pesquisa
e a partir desse momento passaria a levantar minhas inquietações, como qual a
importância da atuação da ABE nesse período? Por que a Associação decide
cooperar com o esforço coletivo da sociedade? Quais as atividades realizadas pela
instituição nesse momento? Quem estava à frente dessas atividades?
Em agosto de 1942, o então presidente Getúlio Vargas declara estado de
guerra contra as nações do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Essa entrada do Brasil
na Segunda Guerra Mundial14 ocorreu após incidentes com navios mercantes
brasileiros, que foram torpedeados por submarinos alemães, em janeiro de 1942,
logo após o Brasil ter rompido relações diplomáticas com os países do Eixo, o que
ocasionou uma forte mobilização na entrada do país na guerra.
Conhecida e reconhecida por sua grande causa em prol da educação
nacional, principalmente nas décadas de 20 e 30, a Associação Brasileira de
Educação se mobilizou e não ficou a par desse momento. Apoiou de forma
significativa a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
Um mês depois da entrada do Brasil na guerra, a ABE se posicionou. Em
setembro, reuniu-se no palácio do Itamaraty, sob a presidência de Anna Amélia
Carneiro de Mendonça, em sessão solene, para ouvir o manifesto dos educadores:
A opinião publica no momento atual, de Odilon Braga, pela voz de Roquette
Pinto, onde os professores eram conclamados a agirem de acordo com os ideais
que as nações livres buscavam preservar. A instituição deixa claro ao público sua
atitude em face dos problemas da guerra:
Bem conhecida no país pelos rumos, retos e altos, que sempre se traçou na orientação daquela atividade de que dependem todas as demais atividades humanas – a da livre disciplina e da cultura dos revestimentos vitais do espírito – e fiel aos postulados que estruturam os seus estatutos e definem a linha de desenvolvimento dos seus memoráveis congressos e de todas as suas iniciativas, supõe-se com a
14 In: Moura, 2005.
39
autoridade e o prestígio suficientes para dirigir-se aos educadores de todo o Brasil e lhes propor as novas posições e os novos encargos que nos tocam na grave hora que passa. Assegurando ao Governo da República o seu concurso resoluto e cordial, a ABE declara-se desejosa de colaborar na imediata mobilização das energias que dão impulso e pertinácia a ação dos músculos e da vontade, e que realmente decidam, nos derradeiros quartos de hora, de todas as batalhas, quer das que se travam com as armas, quer das que se pelejam pelos nervos. (Odilon Braga, 10/09/1942).15
A manifestação da ABE no palácio do Itamaraty, ao que tudo indica,
mostra a instituição disposta a colaborar de alguma forma com a entrada do Brasil
na Segunda Guerra. Evidencia, também, que seus ideais cívicos que a
consagraram nacionalmente estavam presentes mais uma vez nesse momento.
Esforço de guerra na ABE, sessão solene, com a apresentação do Manifesto dos Educadores e à Opinião Pública no momento atual. Palácio do Itamaraty, RJ, setembro de 1942. Arquivo
Associação Brasileira de Educação. 15 Arquivo Associação Brasileira de Educação.
40
Em 24 de agosto de 1942, na 583ª sessão de seu Conselho Diretor, a
ABE mostra seu apoio à entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, pois sob a
presidência de Anna Amélia Carneiro de Mendonça é lida e aprovada a seguinte
moção:
O Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação, em sessão hoje realizada, manifesta em nome dos educadores brasileiros, o seu aplauso e solidariedade ao Governo da República pela energia e patriótica resolução que acaba de tomar, reconhecendo o Estado de Guerra entre o Brasil, Alemanha e Itália, em virtude dos inomináveis atentados praticados pelas forças armadas dessas duas nações contra a honra e a soberania do nosso país16.
Essa presidente da Associação teve grande atuação no cenário
educacional, pois, além de dirigir à ABE, fundou a Casa do Estudante do Brasil,
em 1929 (CEB), que objetivava apoiar estudantes carentes que se mudavam para
o Rio de Janeiro. A CEB foi pioneira em fornecer serviços de assistência médica e
odontológica. Essa luta em prol da assistência aos estudantes carentes traduz-se,
nos ideais defendidos por Anna Amélia pela democratização do ensino, onde a
educação seria a base para a construção de uma sociedade progressista e
emancipada (CANEN, 2002, p. 86). Além de sua importante contribuição na
educação com a Casa do Estudante do Brasil, ela também teceu poemas, traduziu
obras do inglês, do francês e do alemão, publicou conferências e livros, além de
ter sido grande colecionadora de obras de arte brasileiras (op. cit.).
Anna Amélia lutou também pelos direitos femininos. Em 1935,
representou Bertha Lutz, no Congresso Internacional de Mulheres, em Istambul.
16 Ata do Conselho Diretor de 1942, arquivo ABE.
41
Seu legado educacional traduziu-se em sua luta em prol dos excluídos, fossem
eles mulheres ou pobres, com base nos ideais de uma educação democrática.
Desde o início da ABE, ela participou ativamente da Seção de
Cooperação da Família, juntamente com outras mulheres como Armanda Álvaro
Alberto, Laura Jacobina, Corina Barreiros, Miss Myrth King, Miss Eva Hyde,
Carlotita e Silva, entre outras que tiveram uma atuação marcante na luta pelo
mesmo ideal que norteava a entidade como um todo: chamar a atenção da
sociedade para a causa da educação nacional. Inseridas no projeto maior da
instituição, promoveram e formularam propostas para a educação, quando:
Modelos de condutas, padrões para os costumes, foram forjados numa perspectiva moralizadora. Em nome dos direitos das crianças, as educadoras ali reunidas, ampliaram a questão educacional para além da escola. Formularam propostas para as famílias, a cidade, tentando moldar o futuro do país. Assim se legitimaram como interlocutoras no âmbito da própria entidade (MIGNOT, 2002, p. 205).
Os ideais defendidos parecem continuar presentes na instituição na
década de 40, pois em 5 de outubro de 1942 sob sua presidência, é inaugurado em
sua sede o Posto de número 14 da Cruz Vermelha Brasileira, com o intuito de dar
assistência material e moral aos combatentes brasileiros. No relatório apresentado
por Marina Gross, chefe do Posto, à instituição, no dia 26 de dezembro de 1945,
por ocasião do encerramento do posto, a missão patriótica da instituição havia
sido cumprida:
Como vinte e tantos postos que se fundaram no Rio de Janeiro, após a entrada do Brasil na Guerra, o Posto 14 foi instalado pela Cruz Vermelha, na Associação Brasileira de Educação em outubro de 1942, por iniciativa desta patriótica sociedade de educadores, sendo entregue sua chefia a D. Maria Esolina Pinheiro.17
17 Arquivo Associação Brasileira de Educação, dossiê Esforço de Guerra.
42
Inicialmente sob a chefia de Maria Esolina Pinheiro – professora e
atuante nas questões relativas à assistência social18 – o Posto organizou cursos de
voluntárias socorristas, enfermagem e primeiros socorros. Esolina foi umas das
pioneiras do Serviço Social no Brasil. Foi a fundadora da primeira escola Técnica
de Assistência Social, através do Decreto Lei no 6.527, de 24 de maio de 194419,
possibilitando a afirmação da profissão.
Um significativo número de documentos, dentre eles cartas, relatórios,
ofícios e fotos, arquivados na Associação trazem informações sobre esses cursos.
Eles foram realizados na sede da ABE para um público feminino, onde eram
exigidos de suas alunas a freqüência como também a realização de estágios em
clínicas como: Santa Casa de Misericórdia, Hospital Central do Exército,
Hospital Moncorvo Filho, Hospital da Gamboa, Policlínica de Copacabana,
Policlínica de Botafogo e Hospital Gaffrê Guinle.
No dossiê Esforço de Guerra podem ser encontradas informações sobre
o desempenho das alunas, seus documentos, os estágios realizados por elas, o
funcionamento desses cursos, o oferecimento de ajuda das instituições
hospitalares à causa da ABE. Esses assuntos permitem entender o trabalho
realizado em conjunto pelas duas instituições – ABE e Cruz Vermelha – em prol
da formação dessas alunas, oferecendo às mesmas aulas teóricas e práticas, em um
curso de qualidade. As cartas a seguir mostram os contatos que eram
estabelecidos pelas duas instituições.
Solicito vossa providencia no sentido de ser enviada a Secretaria da Escola e a Inspetoria do Ensino da Cruz Vermelha Brasileira lista das alunas matriculadas as aulas teóricas; lista com os nomes dos professores, nome das monitoras, hospitais ou outros estabelecimentos onde são realizados os estágios regulamentares; retratos das alunas do tamanho 3x4, de data recente e tendo na parte posterior o nome da data aluna, local onde se realizaram as aulas
18 Conversa informal, com Arlette Pinto de Oliveira e Silva, ex-responsável pelo arquivo da ABE, em 01 de agosto de 2008. 19 In: http://lframadon.sites.uol.com.br/CCS.HTM acessado em 01 de agosto de 2008.
43
práticas. (Gen. Dr. A. de Paula Guimarães, Inspetor de ensino da Cruz Vermelha, 07/12/1942)
A Associação Brasileira de Educação, representada pela diretora do
curso e chefe do posto 14 neste momento, Maria Esolina Pinheiro, envia sua
resposta, datada de 11 de dezembro de 1942:
Deixamos de informar sobre as monitoras, porque não as tivemos (não era obrigatório de acordo com o programa anterior) isto é, aproveitamos as ex-alunas para este fim, solução esta comunicada ao Dr. Arthur Alcântara e pelo menos aprovada antes da nomeação de V.S para Inspetor de Ensino. A fiscalização dos estágios foi feita pois por essas ex-alunas e por mim pessoalmente, sempre que possível, no entanto, a professora de técnica de enfermagem acompanhou nos próprios hospitais as aulas práticas, e que nos custou sacrifício, pois pagamos essas aulas em dobro. As aulas práticas de socorros de urgência foram ministradas na A.B.E outras foram dadas em cada hospital pelos médicos sobre essa atuação. (11/12/1942, Maria Esolina Pinheiro)
Ao realizar esses cursos a Associação Brasileira de Educação parece se
legitimar ainda mais perante a sociedade. A campanha patriótica amplia seu
prestígio. Muitas instituições ao se corresponderem com a entidade demonstram
grande satisfação em poder colaborar de alguma forma com a mesma. Certamente
reconheciam o trabalho exercido em favor da educação como fundamental. Aliás,
a educação, naquele momento era vista, segundo Campos (1941), como
(...) um instrumento em ação para garantir a continuidade da Pátria e dos conceitos cívicos e morais que nela incorporam. Ao mesmo tempo, prepara as novas gerações, pelo treinamento físico, para uma vida sã, e cuida ainda de dar-lhes as possibilidades de prover essa vida com as aptidões de trabalho, desenvolvidas pelo ensino profissional, a que corresponde igualmente o propósito de expansão da economia (p.65-66).
44
Com o objetivo de capacitar voluntárias para que fossem utilizadas
quando houvesse necessidade em favor do esforço de guerra que a Associação
estava prestando à Pátria nesse período, esses cursos também revelam a
importância da mulher em estar preparada para a qualquer momento prestar
solidariedade aos combatentes que necessitassem de sua colaboração. As únicas
ocupações remuneradas as quais eram viabilizadas às mulheres de classe média,
até então, eram a de enfermeira e a de professora, que segundo Mignot (2002),
não representavam ameaça ao papel de donas de casa, esposa, mãe e religiosas. Os
cursos oferecidos pela ABE ao dar às mulheres a oportunidade de se tornarem
enfermeiras ou socorristas, lhes permitia prestar apoio cívico e moral à Pátria.
A ABE também criou nesse período uma seção de costura onde eram
confeccionadas roupas, lenços, fronhas, camisas para operados, máscaras e gorros
de médicos e demais materiais hospitalares que eram destinados ao Órgão Central
da Cruz Vermelha.
Em 1943, após o afastamento de Maria Esolina Pinheiro, assume Marina
Gross a direção do Posto, que se encarregou de trabalhar também em função da
guarnição militar de Fernando de Noronha. Marina que era professora, membro
do Conselho Diretor da Instituição, casada com Carlos Gross, que também
pertencia ao Conselho, teve importante atuação nesse período à frente das
atividades em prol dos combatentes.20
20 Conversa informal, com Arlette Pinto de Oliveira e Silva, ex-responsável pelo arquivo da ABE, em 01 de agosto de 2008.
45
Distribuição de presentes de Natal à família dos combatentes, dezembro de 1943. Arquivo da Associação Brasileira de Educação.
Algumas atividades em favor desses combatentes foram realizadas pela
Associação como a Campanha do Cigarro, que arrecadou milhares de maços e os
enviou sem custos aos combatentes; o Natal desses combatentes e de suas
famílias; e o envio e recebimento de cartas de pedidos que fizeram o circuito
Associação – Fernando de Noronha e vice-versa .
Em relatório apresentado ao Conselho Diretor da Associação em 26 de
dezembro de 1945 após o término das atividades do posto, Marina Gross descreve
a atividade do envio e recebimento de correspondências. Segundo ela todos os
esforços eram feitos para que os pedidos fossem atendidos. Além disso, as
famílias dos soldados pediam o porte livre para o envio de encomenda e cartas aos
seus filhos:
Ao que nos parece foi esta a mais confortadora de nossas inúmeras tarefas. O quanto nos sentimos compensadas do tempo nela empregado, ao recebermos as cartas,
46
comovidas e gratas, de nossos patrícios a quem prestávamos tão insignificantes favores!... E estas cartas foram muitas! (Marina Gross, 26/12/1945)21
Apesar de todo o momento conflituoso vivido durante o envio dessas
cartas, nelas não encontramos nenhum vestígio desses fatos relatados, talvez por
serem cartas que deviam sofrer algum tipo de censura antes de seu envio, ou por
serem curtas e objetivas recorrendo apenas aos melhores argumentos para
conseguir seus objetivos. Sierra Blas aponta também outra causa para a limitação
dessa escrita, a autocensura, pois segundo ela:
Junto a la censura, no debemos olvidar tampoco que existió una segunda limitación muy fuerte: la autocensura que el proprio escribiente se imponía a sí mismo. El soldado optaba siempre por ocultar aquello que pudiera alarmar a sus familiares, esconder las dificuldades por las que pasaba, trataba de dar impresión de fortaleza y serenidad. (2007, p. 105)
Percebi, então, que a atuação dos educadores presentes na Associação
nesse momento, foi uma ação cívica nos moldes que a instituição costumava
realizar desde sua criação quando se envolveu ativamente com as grandes
questões da educação e da sociedade.
2.2. A guerra em revista
Se por um lado as integrantes da Associação responsáveis por dar
assistência aos combatentes de Fernando de Noronha apoiavam-se num discurso
patriótico e cívico, a instituição também divulgava esses ideais através de seu
impresso a Revista Educação.
21 Arquivo Associação Brasileira de Educação.
47
Aliás, antes de analisar esta revista, é importante lembrar que em outubro
de 1924,22 na Escola Politécnica do Rio de Janeiro,23 a Associação Brasileira de
Educação (ABE), surge como um importante espaço de debate e de elaboração
de sugestões relativas à condução da política educacional no Brasil (MIGNOT e
XAVIER, 2004, p.11). Fundada por Heitor Lyra da Silva, Alice Carvalho de
Mendonça, Armanda Álvaro Alberto, Francisco Venancio Filho, Edgard
Sussekind de Mendonça, Isabel Jacobina Lacombe, Fernando Laboriau, Amoroso
Costa, Dulcídio Pereira, Bertha Lutz, José Augusto e Amaury de Medeiros; a
Associação criada por esse grupo de intelectuais e educadores tinha por finalidade
discutir a grande causa da educação nacional.
A importância de sua criação, como um espaço novo para se discutir os
assuntos relacionados à educação e às políticas educacionais, também é
mencionado por Xavier e Cunha:
A criação da Associação Brasileira de Educação em 16 de outubro de 1924, foi um acontecimento que veio a ter importância fundamental para o direcionamento das mudanças que se fizeram no sistema educacional escolar na segunda metade de 1920 e, principalmente, na primeira metade da década seguinte. Até aquela data, o debate sobre as questões educacionais se restringia quase que exclusivamente ao interior do Estado. Depois dela, passou a existir um espaço na sociedade civil onde se discutiam as políticas educacionais mais elaboradas pelo Estado e se elaboravam discussões (2001, p.390).
A atuação da ABE teve grande importância não só na cidade do Rio de
Janeiro, capital federal naquele momento, mas também em outros Estados.
Ocupava posição de destaque perante as outras associações, naquele período,
devido a sua atuação ao promover a discussão de temas relacionados à educação,
através de cursos, das Semanas de Educação e, principalmente, das Conferências
Nacionais de Educação, que por serem realizadas em diversos Estados da
22 Sobre a criação da ABE e sua imagem apolítica ver Carvalho (1998). 23 Arquivo Associação Brasileira de Educação e Carvalho (1998).
48
Federação, reuniam representantes do governo federal e estadual, além de
importantes figuras da sociedade. Essas atividades também contribuíam para
maior visibilidade à instituição, que se tornava, cada vez maior, com a presença de
intelectuais que colaboraram para propagar o movimento renovador de educação
no país.
A Associação Brasileira de Educação promoveu os seguintes Congressos
e Conferências Nacionais de Educação24: I Conferência Nacional de Educação
(Curitiba, 1927); II Conferência Nacional de Educação (Belo Horizonte, 1928); III
Conferência Nacional de Educação (São Paulo, 1929); IV Conferência Nacional
de Educação (Rio de Janeiro, 1931); V Conferência Nacional de Educação
(Niterói, 1932-1933); VI Conferência Nacional de Educação (Fortaleza, 1934);
VII Congresso Nacional de Educação (Rio de Janeiro, 1935); VIII Congresso
Nacional de Educação (Goiânia, 1942); IX Congresso Brasileiro de Educação
(Rio de Janeiro, 1945); X Conferência Nacional de Educação (Rio de Janeiro,
1950); XI Conferência Nacional de Educação (Curitiba, 1954); XII Conferência
Nacional de Educação (Salvador, 1956) e XIII Congresso Nacional de Educação
(Rio de Janeiro, 1967).
Desde sua criação, atribuía-se objetivos pedagógicos em seus estatutos
pretendendo promover no Brasil a difusão e o aperfeiçoamento da educação em
todos os ramos e cooperar em todas as iniciativas que tendam, direta e
indiretamente, a esse objetivo, como bem observou Carvalho (1998, p. 54) em
estudo sobre a instituição. Outro ponto relevante observado pela autora é o fato de
que a ABE projetou-se nacionalmente pelos seus movimentos cívicos em prol da
grande causa da educação nacional. Segundo a autora:
Foi principalmente por intermédio de rituais cívicos que a Associação Brasileira de Educação se organizou e projetou-se nacionalmente. As principais realizações que notabilizaram a A.B.E, como as Conferências Nacionais e as Semanas de Educação, foram na década de 20,
24 Arquivo da ABE; e Xavier e Cunha (2001).
49
acontecimentos modulados pela retórica do “civismo”: a propaganda que delas se fez, os rituais que as constituíram efetuaram sempre a representação do movimento educacional como movimento cívico. (1998, 137)
Espaço privilegiado por sediar os debates referentes à Escola Nova, a
Associação Brasileira de Educação, era freqüentada por grupos de educadores
bastante heterogêneos. Entre 1924 e 1935, a ABE era o centro dos debates e das
formulações de sugestões para a política educacional do país. Nesse período
foram realizadas diversas reformas no ensino, tendo a liderança de educadores
como: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho.
Tornar-se uma instituição capaz de abrigar diferentes tipos de opiniões
em prol da educação na causa cívica de combate à diferença das elites, segundo
Mignot (2002), era o objetivo inicial da instituição. Ainda, segundo a autora, esses
renovadores da educação lutavam por instituições escolares com propostas mais
amplas de educação, preparando o individuo para uma vida em comunidade,
valores democráticos e aspectos relativos à paz. Sendo assim, a associação
buscava não apenas auxiliar nos programas básicos de educação, mas também
inserir no ambiente escolar a idéia de preparação para a vida, esse então, sendo a
chave de interseção do grupo de educadores tão heterogêneo que se reunia na
ABE.
Em 1932, com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, que tinha por objetivo defender uma escola pública, laica e gratuita, os
ânimos exaltados dentro da instituição, abriram espaço para um conflito entre
educadores católicos e liberais. Nesse cenário de disputa, o grupo de educadores
católicos saiu da ABE. Para Mignot (2002) o principal motivo dessa disputa
recaiu sobre o ensino religioso, pois enquanto os católicos defendiam essa idéia
sob o discurso de que a pedagogia cristã era formadora de uma nacionalidade, os
pioneiros discordavam e lutavam contra, defendendo uma educação mais ampla,
onde a escola prepararia para a vida.
50
Depois da conferência de 1935, os congressos e conferências tornaram-se
mais espaçados e não lembravam os tempos de auge da instituição e, em seu
lugar, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS) passou a exercer o papel
que historicamente a ABE havia desempenhado no âmbito do debate educacional
junto à sociedade (XAVIER e CUNHA, 2001, p. 391). As atividades nesse
momento diminuíram muito devido a forte pressão impulsionada pelo governo da
época contra os educadores liberais que ocasionou a demissão de Anísio Teixeira
da Direção da Instrução Pública do Distrito Federal, e em seguida a queda do
então prefeito do Rio de Janeiro Pedro Ernesto.
A conferência seguinte só veio a ocorrer em 1942 e a IX Conferência só
três anos depois, em 1945, que não mais foi chamado de conferência, mas sim de
Congresso Brasileiro de Educação. Resultado desse congresso, a Carta Brasileira
de Educação Democrática foi um documento apresentado contra as medidas
autoritárias do Estado Novo, adotadas por alguns setores do Governo de Getúlio
Vargas.
Os educadores presentes nesse congresso ressaltaram a importância de
uma formação democrática dos professores, recomendando a não exaltação do
governo ou de ditadores nos programas de formação de professores. A Carta
Brasileira de Educação Democrática manifesta um modelo de organização do
ensino baseado na diversidade cultural das diferentes regiões do país e na
adaptação das práticas pedagógicas às características sociais, culturais e até
pessoais dos alunos e da comunidade que os circunda25.
Neste contexto é publicada a Revista Educação na qual a ABE
compartilha e divulga junto aos seus leitores, em geral sócios da instituição, os
ideais, valores que estão presentes na entidade. Quais seriam as discussões
presentes na instituição nesse momento? Quais os temas que circulam nesse
impresso? Ele aborda a questão da guerra? De que forma era divulgado aos
leitores o trabalho da instituição com os combatentes? Para tanto, serão analisadas
as publicações do período em questão: 1942 a 1945.
25 Sobre o assunto ver Mignot e Xavier, 2004.
51
O artigo que abre a edição do ano de 1942, da Revista Educação,
intitula-se “O Brasil e a Guerra”, deixando claro ao leitor de imediato a situação
em que o país se encontrava naquele momento. O artigo de autor desconhecido
indicava que era preciso refletir sobre os acontecimentos.
O periódico que até o ano de 1942 possuía publicação trimestral, depois
passando a ser semestral, apresentava temas variados, entretanto não deixava de
abordar o objetivo principal da instituição desde sua criação, ou seja, a grande
causa da educação nacional em todos os aspectos.
Ao analisar as publicações referentes ao período que estamos estudando,
observei que o leitor encontrava artigos sem fotos ou ilustrações e, em suas
últimas páginas, informações como: comunicados, datas de congressos,
assembléias, visitas e homenagens. Dessa forma, mantinha todos os interessados
informados sobre a rotina da instituição e divulgava os métodos inovadores
preconizados pela instituição que era tida como modelo do que havia de mais
moderno em educação, desde sua criação. Além disso, a revista possibilitava ao
leitor saber como a instituição agia, pensava e atuava. Decidi, assim, examinar a
revista, compreendendo como propõe Nóvoa, que:
A análise da imprensa permite apreender discursos que articulam práticas e teorias, que se situam no nível do macro do sistema, mas também no plano micro da experiência concreta, que exprimem desejos de futuro ao mesmo tempo em que denunciam situações do presente. Trata-se, por isso, de um corpus essencial para a história da educação, mas também para a criação de uma outra cultura pedagógica. (2002, p. 11)
Em sua capa apenas o nome da revista, o símbolo da instituição, edição e
período correspondente a sua publicação. A contracapa ao ser observada indica ao
seu leitor informações importantes sobre os membros da Diretoria, Conselho
Diretor e Presidentes de Secção que dirigiam a instituição naquele momento.
Além do nome de Ana Amélia Carneiro de Mendonça na presidência aparecem os
nomes que constituíam o Conselho Diretor da instituição como, Candido Mello
52
Leitão, Carlos Sá, A. Carneiro Leão, A. Menezes de Oliveira, Afrânio Peixoto,
Branca Fialho, Maria Esolina Pinheiro, Odilon Braga, Frota Pessoa, Celina
Padilha, Lourenço Filho, entre outros membros que dividiam a responsabilidade
de debater as questões da educação.26
A composição da diretoria da ABE nesse período é diferente do período
anterior ao Estado Novo, pois dois de seus fundadores – Armanda Álvaro Alberto
e Edgard Sussekiund de Mendonça – que não aparecem, nesse momento, haviam
sido presos, entre 1935 e 1937, sob a acusação de envolvimento com o Partido
Comunista. Será que com esta composição na qual inclusive constam signatários
do Manifesto dos Pioneiros da Educação existiam divergências e polêmicas em
relação ao Estado Novo, revivendo as disputas dos períodos anteriores?
Ao mergulhar no conteúdo da revista do ano de 1942, encontrei 16
artigos. Dentre eles, apenas dois remetem à Segunda Guerra. No quadro a seguir é
possível observar melhor a composição da revista. Os artigos que tratam sobre a
guerra se encontram em destaque.
Quadro 3 – Revista Educação de janeiro a dezembro de 1942 – N°. 13 à 16
Matéria Autor O Brasil e a Guerra -
Processos e fundamentos da nacionalização do ensino no Rio Grande do Sul
Coelho de Souza
Relatório Maria Esolina Pinheiro A educação cívica no esforço de guerra Celina Padilha, Raul
Bittencourt e Moreira de Souza
Homenagem à memória de Heitor Lyra Mello Leitão Homenagem a Afrânio Peixoto Maria dos Reis Campos
Primitivo Moacyr Afrânio Peixoto Lysimaco da Costa F. Venancio Filho
Os internatos do Rio e seu regime alimentar Carlos Sá
26 Sobre Afrânio Peixoto, Branca Fialho, Carlos Sá, Carneiro Leão,Frota Pessoa e Lourenço Filho ver FÁVERO e BRITTO (orgs). Dicionário dos Educadores no Brasil, 2002.
53
O “College of Literature, Science and Arts” da Universidade de Michigan, celebra seu centenário
de fundação
Paschoal Lemme
X Aniversário do Convênio Inter-administrativo de Estatísticas Educacionais
-
Curso de Férias de 1942 - Basílio Magalhães, sócio honorário da ABE -
O Instituto Técnico do Colégio Bennett Maria Alice Flexa de MouraUm quadro de análise avaliativa Luis Dodworth Martins
O artigo intitulado “O Brasil e a Guerra” traz ao leitor os vários
pronunciamentos realizados pela instituição desde o início da Segunda Guerra,
desde uma moção no Conselho Diretor sobre o momento:
A Associação Brasileira de Educação está presente, como sempre esteve no momento nacional em que o Brasil é chamado, por imposição de atos agressivos, à participação direta na guerra monstruosa que incendeia o mundo. Deseja recordar os seus vários pronunciamentos documentados aqui mesmo, nestas páginas. Assim, em sessão do Conselho Diretor de 4 de setembro de 1939, foi aprovada a seguinte moção: O Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação (Departamento do Rio de Janeiro), manifesta o seu profundo pesar pela grande catástrofe que, para os destinos da Humanidade, representa a guerra que acaba de ser declarada na Europa, e faz votos para que, após esse cataclisma continuem a subsistir os ideais e princípios de Liberdade e Justiça que dignificam e enobrecem a Vida Humama.(p.01)
O artigo ainda relata a realização de uma conferência sobre
“Fundamentos e processos de nacionalização do ensino do Rio Grande do Sul”, na
qual a ABE recebeu o convite do secretário de educação do estado em 1941 para
realizar tal evento. Relata ainda que prevendo o esforço de guerra, no inicio de
1942, a instituição iniciara cursos de voluntárias socorristas. O texto finaliza
lembrando ao leitor a sessão realizada no Palácio do Itamaraty, já mencionado
54
anteriormente, quando foi lançado um manifesto dos educadores sobre o momento
que o país estava vivendo.
A instituição, através desse texto, quer deixar claro sua colaboração e seu
envolvimento nos assuntos que afetavam a sociedade naquele momento. Mostra
que seus trabalhos iam além do universo escolar, sua preocupação era com a
sociedade como um todo.
O outro texto que aborda a questão da guerra, “A Educação Cívica no
Esforço de Guerra”, informa sobre o relatório apresentado pela comissão
constituída dos professores Cecília Padilha, Raul Bittencourt e Moreira de Souza
ao Conselho Diretor da instituição, no qual analisam a importância da educação
cívica e os meios de torná-la mais eficiente e articulada ao esforço de guerra do
Brasil (p.24). O texto traça diretrizes para se aplicar a educação cívica dentro das
escolas através de cada disciplina oferecida pelo aparelho escolar. Além de
procurar deixar clara a importância da educação cívica ser realizada fora do
universo escolar como em fábricas, igrejas, mercados, repartições públicas, lares e
hospitais, entre outros.
No ano de 1943 dos 19 artigos publicados na Revista Educação, sete
tratam de assuntos referentes à Segunda Guerra, mostrando que a instituição nesse
momento está bem mais envolvida e interessada nessa questão. No quadro a
seguir podemos observar melhor a estrutura da revista e em destaque estão os
artigos que remetem de algum modo à guerra.
Quadro 4 – Revista Educação – Janeiro a Dezembro de 1943 – N°. 17 e 18
Matéria Autor
Curso de férias de 1943 - Encerramento Celso Kelly
O professor e a proteção à criança Fernando de Azevedo Higiene Mental no estado de guerra Plínio Olinto
A Educação Cívica na paz e na guerra - A opinião pública no momento atual Odilon Braga
55
O professor e a defesa passiva Celso Kelly O professor e as desordens emocionais dos escolares
em tempo de guerra Ruy Guimarães de
Almeida O professor e a mobilização econômica Lourenço Filho A educação física e a defesa nacional João Carlos Gross
O professor como líder A. Carneiro Leão O esforço de guerra e saúde Carlos Santiago da
Silva Alimentação do pré-escolar Carlos Sá
Problemas de repouso e sono Massilon Saboia Problemas de recreação pessoal Celso Kelly
Desajustamentos Infantis José Leme Lopes Problemas Morais da criança Jonatas Serrano
O ensino de puericultura nas escolas primárias Adauto de Rezende Museu Stefan Zweig -
O primeiro artigo dessa revista que trata do tema da guerra intitulado
“Higiene mental no Estado de Guerra”, escrito por Plínio Olinto, objetiva chamar
a atenção para o cuidado que a população civil deve ter com a higiene mental
durante a guerra, pois é ela que garante o bem estar nos momentos de aflição. O
autor fala que o pânico e a guerra de nervos podem afetar a capacidade de
resistência do indivíduo e, por conseqüência, sua higiene mental. Aborda ainda a
preocupação com os que se encontram nas ruas, principalmente, fracos, doentes,
crianças e mulheres que devem ser protegidos e levados a abrigos e trincheiras.
Assim evitariam prejuízos causados por batalhas. Acrescenta ainda que:
No momento atual, é preciso não se deixar abater pelo terror, não se entregar a resistência dos primeiros obstáculos, considerarem sempre a dificuldade como uma tentação, como um desafio a nossa capacidade de avançar, de enfrentar o perigo, de vencer, procurando até quando possível, tirar mesmo vantagem do infortuno. Acreditamos que com enfermeiras samaritanas e higiene mental, muito livrará a defesa passiva de uma cidade em caso de bombardeio aéreo. (Olinto, 1943, p. 10)
56
A esperança depositada nas enfermeiras samaritanas deixa claro o papel
da mulher na guerra, que mais uma vez aparece ligada à solução para os
problemas da Pátria ao lado da educação. Segundo Pinsky e Pedro (2001), a
sociedade do início do século XX objetivava construir identidades nacionais e
coube à mulher nesse período, devido às suas características naturais de cuidado e
proteção, a função de cuidar dos cidadãos, assim como cuidavam dos seus lares.
Nesse momento, a mulher também passa a ser cada vez mais aceita no âmbito
educacional.
O texto de autor desconhecido de título “A educação cívica na paz e na
guerra”, tem como objetivo esclarecer as diretrizes da educação cívica que deve
ser realizada desde os primeiros anos da escola até a fase adulta, ou seja, sendo
realizada também fora do ambiente escolar, com o objetivo educacional de:
...preparar-se o brasileiro para as atividades da paz e para as atividades da guerra de tal forma que toda dedicação e toda a eficiência prática possam ser aplicada no convívio harmonioso do Brasil com as demais nações, mas que se uma delas pretender violar a nossa independência o Brasil esteja em condições permanentes de reagir e vencer. (s/a, 1943, p. 14)
O discurso muito presente no texto de que a educação cívica é
importante, pois prepara para a paz, parece estar alicerçado sob a égide do
pacifismo. A ABE desde a década de 20 ficou conhecida como já mencionado,
uma educação de sentido mais amplo, além do ambiente escolar. A educação
deveria ser um importante instrumento de divulgação de uma vida em sociedade,
valores democráticos e relativos à paz. O discurso do pacifismo ao que tudo
indica, parece que sempre esteve atrelado à história da instituição.
O texto de Odilon Braga, “A opinião pública no momento atual”, apesar
de seu título não remeter diretamente à guerra, trata do assunto em questão. O
artigo é um resumo da conferência já mencionada no capítulo anterior, proferida
57
pela instituição no Palácio do Itamaraty. Para o autor a população e o governo
estariam juntos nessa empreitada, pois entende que a guerra:
Não é ela um bárbaro expediente de política malsã tão do gosto dos governos que sentem rodeados pela surda repulsa de uma população oprimida. É realmente do ponto de vista nacional um grandioso ato de legítima defesa no qual um povo e o seu governo se mostram fundamente unidos pela mesma versão a violência como processo de transformação social e política. (p. 16)
Celso Kelly, por sua vez, em “O professor e a defesa passiva”, define a
educação pacífica como sendo um conjunto de providências e atitudes no sentido
de evitar os efeitos de um ataque ou fazer cessar as conseqüências de uma
calamidade. O autor enfatiza os deveres que a sociedade civil tem durante a
guerra. O texto é marcado também pela questão da moral e da ordem, que
aparecem em diferentes momentos pautados na égide da obediência.
A posição da população tem de ser de obediência, disciplina e conhecimentos adequados. A obediência e a disciplina resultam da compreensão do perigo e da utilidade das medidas de defesa. Quanto mais o civil estiver integrado nos problemas de ordem geral, mais procurará servir. De qualquer maneira, disciplina e obediência são atitudes, e, como tal, devem ser construídas com o máximo de inteligência e rigor. No momento de ação não há lugar para a dúvida, a indecisão, ou a descrença: - Só a lugar para uma coisa – o cumprimento fiel das instruções.(p.18)
Como se pode ver, nos valores presentes nesse texto, onde nesse
momento a educação está diretamente ligada às questões morais do cidadão, tão
presentes no Governo Vargas.
O próximo texto que vamos tratar chama-se “O professor e as desordens
emocionais dos escolares em tempo de guerra” de Ruy Guimarães de Almeida que
aborda as influências da guerra dentro da escola. Nesse momento em que o país se
58
encontra em conflito, segundo o autor, a escola deve oferecer suporte aos seus
educando.
A escola não escapa de influências da guerra que impõe novos problemas. Então, crescem as responsabilidades que variam segundo as circunstâncias, isto porque em tempo de guerra se lhe pede mais que a ação educativa comum. A importância da escola de que tanto se prepara nos tempos de paz e nos tempos de guerra, decorre da situação de relevo que ocupa na organização social. Antes de qualquer outra observação, nota-se que a escola compreende grande parte da população. Calcula-se que há aproximadamente 15% de toda a população do país está em idade escolar. (p. 20)
João Carlos Gross sob o título de “A educação física e a defesa nacional”
objetiva esclarecer a importância da educação física no esforço de guerra do país,
além do papel do professor na educação física:
Comecemos por estabelecer as relações entre a educação física e a educação de um modo geral. Nem sempre infelizmente os professores compreendem a importância da educação física no quadro educacional e alguns muitas vezes chegam mesmo a dificultar o trabalho físico de seus alunos. Aliás, somente os professores que não são educadores, assim procedem. (p.26).
O autor ao discutir a importância da educação física na vida do educando
preocupando-se com o seu bem estar, acaba mencionando uma das preocupações
do Governo Vargas nesse momento, pois segundo Horta (1994), o governo
concebia a educação física como sendo fundamental, sob o discurso de preparação
de uma raça forte.
O último artigo do ano de 1943 que menciona a guerra denomina-se
“Esforço de guerra e saúde”, cuja autoria é de Carlos Santiago da Silva que
objetiva mostrar a importância da saúde em tempos de guerra, pois, sem ela, o
individuo se torna improdutivo. Acrescenta ainda que:
59
A guerra total obriga a uma defesa total, mobiliza todas as atividades das quais se exige o máximo em quantidade, em qualidade, torna-se necessário que cada indivíduo de tudo quanto a sua capacidade técnica lhe permita tudo quanto seu esforço decidido e sincero possa alcançar. Para tanto é condição indispensável à saúde, os doentes, os deprimidos, os fatigados, produziram trabalhos defeituosos e insuficientes. E todas essas falhas somadas irão desfalecer a produção total. Mais do que nunca a saúde deixa de ser apenas um bem individual para tornar-se, além disso, fator de trabalho, produção e riqueza de um povo. Ser sadio e forte na época que corre é mais do que uma simples aspiração pessoal é um dever imperativo, patriótico. (p.33)
Nestes artigos fica evidente o compartilhamento desse ideário de
educação, moral e civismo com o governo que, desde o início o governo de
Getúlio Vargas, marcado por um patriotismo exacerbado, defendia a educação
como solução para os problemas da nação:
Para marcar a candidatura de Getúlio Vargas à Presidência da República, a educação aparece como um dos instrumentos apropriados para assegurar a “Valorização do homem” e melhorar a condição de vida dos brasileiros sob o ponto de vista moral, intelectual e econômico. (HORTA, 1994, p.146)
A preocupação com o bem estar, saúde e prática de exercícios físicos,
através da educação física, que aparecem nos artigos da Revista Educação,
remetem ao pensamento educacional do período do Estado Novo. Valorizava-se a
educação das massas voltada para o trabalho manual. Logo, a importância de se
preservar os indivíduos saudáveis de corpo, em educação física, e saudáveis
mentalmente, através da higiene mental.
Esse período é marcado por uma grande valorização do patriotismo na
educação, com o intuito de se acentuar e elevar a consciência cívica da população
de uma forma geral, dentro e fora da escola. As discussões que circularam dentro
da Associação, refletiam esses pensamentos. O Ministro Capanema define em
60
1942, finalidades específicas a serem adotadas nas escolas, e estabelece a
distinção entre sentimento patriótico e consciência patriótica, sendo que a primeira
deveria ser utilizada no ensino primário, pois:
O ensino primário deve dar os elementos essenciais da educação patriótica. Nele o patriotismo, esclarecido pelo conhecimento elementar do passado e do presente do país, deverá ser formado como um sentimento vigoroso, como um alto fervor, como amor e devoção, como sentimento de indissolúvel apego e indefectível fidelidade para com a Pátria. (CAPANEMA apud HORTA, 1994, p.178)
O patriotismo como se pode perceber teve grande importância nesse
período, além de ter sido amplamente divulgado. Com relação à consciência
patriótica o Ministro atribuía a sua formação como essencial a ser desenvolvida no
ensino secundário:
À preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso difundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo. (CAPANEMA apud HORTA. op cit, p. 178)
Em 1944, não há artigos sobre a guerra. A revista se apresenta ao leitor
dividida em duas séries: na primeira há 21 artigos que tratam exclusivamente de
educadores brasileiros como, Heitor Lira, Vicente Licínio Cardoso, José de
Anchieta, Lysimacho da Costa, entre outros. Os outros 17 artigos que aparecem
na revista compõem a série paisagens brasileiras, onde nomes como Delgado de
Carvalho, Francisco Venâncio Filho, Manuel Bandeira, entre outros, descrevem e
contam particularidades de regiões brasileiras em artigos que se intitulam, “São
Paulo, a cidade das indústrias”; “O Rio São Francisco”; “Viajando pelo Rio
Amazonas”; entre outros.
A revista, ao que tudo indica, ao valorizar a cultura nacional através de
seus educadores e da geografia brasileira estava compartilhando da crescente
61
preocupação com o ensino da História e da Geografia do Brasil que passaram a
fazer parte do programa das duas últimas séries do curso ginasial e da ultima série
do curso colegial, em 1942.
Um dos nomes que aparece nessa edição da revista, Delgado de
Carvalho, autor de um manual de Geografia amplamente utilizado na época, foi
um dos defensores da importância da Geografia do Brasil para a educação cívica
dos alunos27. Quem sabe não foi ele um dos que incentivou a publicação dessa
série sobre as paisagens brasileiras na Revista Educação? Segundo Coelho (2006),
o conceituado educador Delgado de Carvalho inovou o ensino da geografia no
Brasil, através de conceitos trazidos da França. Através de seus livros, ele
divulgou novas práticas sobre o ensino da geografia, que ainda segundo a autora,
se baseavam em atividades como a cartografia e a dissertação, orientando os
professores a dar exemplos com base na realidade brasileira, além de usar
palavras simples que possam ser facilmente entendidas pelos alunos28.
Naquela época o Ministro Capanema também deixa claro a importância
das duas disciplinas para a formação do cidadão, principalmente para formar a
consciência patriótica no indivíduo.
Há ensino de matérias que formam o espírito do cidadão, do patriota. Essas matérias serão ensinadas na Geografia e na História do Brasil. (...) Nas finalidades [do ensino de cada disciplina] deve-se apontar sempre o que a disciplina visa dar ao aluno, de um modo geral, e de modo especial o que ela pode fazer para educá-lo para a pátria. Frisar a nota patriótica de cada programa. (...) A educação moral (...) será principalmente prática, prática de atos de correção, de pureza, de generosidade, de dignidade. (...) Resultará do clima da escola, da orientação dos programas, do modo de ensinar e da disciplina escolar (CAPANEMA apud. HORTA, 1994, p. 179)
27 In: Horta, 1994, p. 181 28 Coelho, 2006, p. 68
62
Mesmo não mencionando a guerra em seus artigos, a Revista Educação,
do ano de 1944, em suas últimas páginas na seção de informações não deixa de
situar o leitor sobre o funcionamento do Posto 14 na instituição e seu objetivo de
prestar assistência aos combatentes de Fernando de Noronha, como podemos
observar:
Posto 14 da Cruz Vermelha Brasileira Sob a chefia da Professora Marina Gross, funciona na sede da Associação Brasileira de Educação, o posto 14 da Cruz Vermelha Brasileira o qual tem a si o encargo de prestar assistência aos soldados aquartelados em Fernando de Noronha. Para estes soldados são enviados vários pacotes que vão por intermédio dos Serviços Aéreos cruzeiro do Sul gratuitamente. Os referidos pacotes, pedidos dos soldados, cotem cigarros, doces, fósforos, bolas de futebol, sapatos de tênis, livros didáticos, romances, revistas, jornais e outros objetos de uso pessoal. Todas as semanas são remetidas para a Cia. Cruzeiro do Sul grandes quantidades de cigarros endereçados aos vários batalhões aquartelados em Fernando de Noronha. O posto 14 reúne-se às quintas e segundas-feiras sob a chefia da consocia Marina Gross auxiliada pelas senhoritas: Carmen Guimarães Pinto de Almeida, Anita da Gama Almeida, Neréa Viana de Carvalho, Helena Silva Oliveira e Ligia Maria Schinele. No mês de dezembro o Posto enviou para os soldados em Fernando de Noronha, grande quantidade de queijos, conservas, pasta para dentes, agasalhos, papel para correspondência, jogos, etc..., e para as famílias dos soldados que residem no Rio, foram distribuídos roupas, brinquedos, e mantimentos. Esta distribuição foi feita na sede da ABE, durante alguns dias do mês de Dezembro de 1943. (p.102)
Além de mencionar como decorria o funcionamento do posto, o texto
também nos traz a informação de como eram remetidas as correspondências e
encomendas que partiam da Associação, através da Companhia Cruzeiro do Sul.
Ao revirar as correspondências que faziam o circuito ABE – Fernando de
Noronha, uma carta datada de 1942 traz pistas de como esse transporte era
63
realizado, justificando a escolha dessa companhia para a realização do transporte
de encomendas e correspondências:
Os elementos do Posto 14 têm todo o interesse em levar aos soldados do nosso exército, todo o conforto e todo o carinho de sua assistência. Para isso obteve a gentileza da Diretoria da Companhia Aérea Cruzeiro do Sul, carga livre. (19/11/1942, Maria Esolina)29
O período da Segunda Guerra trouxe grandes mudanças para o país
principalmente na questão dos transportes. As outras duas companhias de aviação
nacional que atuavam nesse momento eram a Vasp e a Varig, a aviação comercial
era ainda pioneira e sofria de problemas de infra-estrutura. Talvez por isso a
Associação tenha aceitado a ajuda da companhia em realizar esse transporte,
principalmente sendo realizado sem custo para a instituição. Os vôos
internacionais eram realizados pelas seguintes empresas: Sindicato Condor,
Aeropostale e Panair do Brasil30. O Ministério da Aeronáutica foi criado em 1941,
junto também o Correio Aéreo Nacional, o grande impulso do Correio Aéreo
Nacional, foi realizado após o término da guerra, pois problemas como
racionamento de combustível tornou a comunicação com as regiões mais remotas
do Brasil, muito difíceis31.
É importante ressaltar que os outros tipos de transportes também eram
precários. A rede ferroviária não interligava todo o país, as estradas eram quase
intransitáveis. Além disso, a guerra trouxe grandes transtornos como o atraso no
processo de eletrificação da rede ferroviária, o racionamento de gasolina e
comprometeu a substituição de peças importadas. Com isso, houve uma
diminuição no número de ônibus e carros em circulação32. A revista deixa de ser
publicada, no ano de 1945, voltando apenas em julho de 1948.
Após analisar os discursos que circularam dentro da instituição sobre o
período da Segunda Guerra, através da Revista Educação, é necessário retomar às 29 Arquivo Associação Brasileira de Educação. 30 In: CARVALHO (2005) 31 In: WANDERLEY (1975) 32 In: BRITO (2007)
64
cartas para tentar compreender as razões que levavam os interlocutores a
escreverem e responderem essas missivas.
65
Capítulo 3
Razões para escrever, motivos para responder
3.1. Pedidos para fugir do isolamento e da solidão
Inúmeros são os motivos que levam uma pessoa a enviar cartas, sejam
elas profissionais ou pessoais, sendo o principal motivo encurtar a distância entre
remetente e destinatário. Aliás, em “Laços de papel”, as autoras ressaltam que
Distância e ausência são, ainda hoje, motores para efetivação do ato de escrever cartas, de corresponder-se. Cartas movem-se entre presença e ausência, ao mesmo tempo em que, à distância, mantém vínculos. (...) Escrever cartas exige tempo, reflexão e disciplina, pois é uma forma de compartilhar vivências mais pessoais, íntimas e até
66
mundanas. Escrevem-se e mandam-se cartas pelos mais variados motivos: conversar, seduzir, desabafar, agradecer, pedir, segredar, informar, registrar, vender, comprar, desculpar e desculpar-se, falar da vida, enfim! As cartas seguem um protocolo, obedecem a um outro ritmo de tempo: levam um tempo para chegar, muitas vezes demoram para serem respondidas e, não raro, demoram para retornar. (BASTOS, CUNHA e MIGNOT, 2002, p. 5)
Missivas carregam histórias, que em muitos casos são entendidas apenas
por seus interlocutores e, segundo Antonio Castillo Gómez, cada intercambio
epistolar tiene sus propias razones, pero todos en conjunto participan de una
característica que define esta modalidad de escritura: la complementariedad
entre la ausencia y la presencia (2002, p.103).
Estudos sobre cartas no período de guerra ou conflitos mostram que a
prática de escrever cartas é uma atividade muito comum que visa amenizar a dor e
a saudade provocadas pela forçada separação dos membros da família, a
possibilidade de estarem frente a frente com a morte, os momentos de dificuldade
pelos quais passam, entre outros. Gibeldi (2002) ao trabalhar a escrita como
prática das massas nos séculos XIX e XX e o aumento das práticas de escrita
epistolar durante o período da Guerra procurou compreender os motivos das
mesmas:
la escritura aparece bien como auxilio práctico de la memoria, bien como instrumento para defender o conquistar una identidad, bien como medio para vencer la separación, la distancia y la segregación, incluso para pedir favores y obtener atención por parte de los poderosos y de los famosos (p.193)
Ao analisar as correspondências desses combatentes, encontrei em seus
conteúdos diferentes temas: pedidos de materiais para uso próprio ou coletivo,
informações sobre recebimento e agradecimento de encomendas, reclamações
sobre encomendas incompletas, pedido de informações sobre a saúde deles
67
mesmos ou de suas famílias. Das 150 cartas encontradas, 92 tinham sido escritas
em Fernando de Noronha.
Quadro 5 – Cartas enviadas a Associação Brasileira de Educação pelos
combatentes aquartelados em Fernando de Noronha.
Ano Número de cartas
s/d 02
1942 06
1943 43
1944 40
1945 01
Total 92 Dossiê Esforço de Guerra. Arquivo da Associação Brasileira de Educação – ABE.
Sierra Blás (2007), em seu estudo sobre cartas de soldados que
combateram durante a Guerra Civil Espanhola, chama a atenção para o fato de
que esta escrita significava para eles, uma maneira de manter o bom ânimo, sentir
o apoio dos familiares e se entreter nos tempos livres. A autora acrescenta ainda
que escribir cartas fue una de las principales ocupaciones de los combatientes, la
actividad por excelencia para ocupar el tiempo libre, los ratos de descanso
(p.99).
As cartas aqui analisadas foram recebidas e enviadas em função de um
grande conflito bélico. O 30° Batalhão de Caçadores e a 1ª Bateria de Obuzes
foram os primeiros a desembarcarem na ilha em 16 de abril de 1942. Em seguida
chegou às outras unidades, o acréscimo dessa população deu à ilha uma inusitada
animação (DUARTE, 1971, p.164), acréscimo este que também fez agravar
alguns problemas já existentes na região como bem descreve esse autor:
68
Os problemas de abastecimento, notadamente de água, carne verde e outros gêneros alimentícios perecíveis, e o do revezamento dos homens, conjugados com o dos transportes e o de saneamento, que compreendia, por seu turno, o combate aos mosquitos, moscas e ratos, alinhavam-se entre os principais, dificultando e desafiando a inteligência e o esforço da administração regional (op.cit, p.165).
No Relatório de 1943, referindo-se à situação das condições de vida dos
combatentes na ilha e entregue a Castelo Branco, o autor comentou ainda:
As condições de vida da ilha, alimentação incompleta e escassa, deficiência de água para beber e higiene individual não permitiriam, como não permitem, que se exijam grandes esforços dos homens. Isso se acentuou com o incremento dos casos de carência (avitaminose) e beribéri havidos (op. cit, p.165).
Antes de partir para Fernando de Noronha, esses combatentes foram
recrutados pelo governo que se deparou com uma situação até então desconhecida
pelas autoridades daquele período. Nos exames médicos de seleção aos candidatos
à Força Expedicionária Brasileira, descobriu-se que 70% dos homens que haviam
se alistado não foram convocados por se encontrarem com problemas de saúde.
Algumas doenças eram os principais empecilhos para o desligamento
desses homens. Logo, os critérios de seleção tiveram de ser revistos pelas
autoridades. Em relatório enviado pelo então ministro da guerra Eurico Gaspar
Dutra a Getúlio Vargas, o ministro faz um apelo ao chefe da nação, dizendo:
Há necessidade de uma ação governamental incisiva para combater os males sociais que afligem nossa população: o analfabetismo, o baixo escalão de vida, a alimentação parca e pouco nutritiva, a higiene precária, a sífilis, a lepra e as doenças venéreas. 33
33 In: II Guerra Mundial: 60 anos: Brasil em tempo de guerra, volume 4. São Paulo: Abril de 2005.
69
Seria a ausência do convívio social e familiar o principal motivo dessa
troca epistolar? Quais seriam os motivos que levavam esses combatentes a
remeterem cartas à Associação? Por que as educadoras da Associação Brasileira
de Educação decidiram manter este intercâmbio com os combatentes aquartelados
em Fernando de Noronha?
A correspondência dos combatentes aquartelados em Fernando de
Noronha trazia pedidos de materiais que permitissem ocupar o tempo e os
distraíssem: cigarros, bolas de ping-pong, bolas de futebol, revistas, livros, jogo
de xadrez, damas, ou seja, objetos que pudessem ocupar o dia a dia, como se pode
observar nessas cartas:
Assim forçado pelas dificuldades desta Ilha, solicito e vosso magnânimo coração e obséquio de favorecer-me com umas carteiras de cigarros, se me permite escolher, fumo Liberty Ovais e mais uma rede e bolas de ping-pong que nos proporcionará inesquecíveis horas de diversão. (24-11-1943 José Marques)
Por este motivo venho mui humildemente pedir ser agrassiado pela V.V.z com uma máquina fotográfica e os respectivos filmes, afim de que possa eu levar para sempre e materialmente algumas recordações das horas felizes que aqui passei. (17-11-1943, Mario Groth) Ao fazer esta ficamos plenamente satisfeito, por saber que, mesmo longe dos nossos, dentro da própria pátria distenados ainda não fomos esquecidos pelo povo brasileiro. Aguardamos ansiosos pela chegada da bola, pois esta nos proporciona o único divertimento, nesta terra que os prazeres da vida, são direitos em poucos seguidas. Peço encarecidamente, que, ao remete-la, faça-o junto com um aparelho de barba.(19-07-1944, Antenor Marcelino Prazeres)
Nessas cartas, fica clara a necessidade desses combatentes ocuparem o
tempo livre e até mesmo se divertir. Além disso, o próprio ato de escrever as
missivas também era uma maneira de ocupar o tempo. Pedidos de revistas, jornais
70
e até mesmo de um rádio também chamam atenção, pois deixam transparecer a
vontade dos aquartelados se manterem atualizados sobre o que estava acontecendo
fora da longínqua ilha:
O meu pedido consiste num RADIO. Como bem sabeis, atualmente o RADIO, é uma das maiores distrações, e seria a maior para nós que estamos longe de tudo que é nosso. Estamos aqui, mas alegres, pois temos um grande ideal, “salvaguardar a integridade de nossa Pátria”, por isto, é que apelo para o bom coração tão bem formado como é de V. Exa. (22-11-1943, Benjamin Siciliano)
Nessa carta acima ao pedir o rádio, o combatente menciona a importância
do aparelho naquele momento e permite observar a importância que adquirira na
sociedade brasileira até então. A década de 30 até meados da década de 40 o rádio
viveu o seu auge. Em 1931, o governo passa a se preocupar de forma concreta
com o rádio, com o Decreto-Lei 21.111, de 1932, que autoriza a veiculação de
propagandas.
A popularização do rádio através dos progressos da industrialização do
país, fez com que o aparelho ditasse moda, vendesse produtos, divulgasse crenças,
valores e se tornasse instrumento de afirmação do regime Vargas, como foi o caso
da Rádio Nacional, em 194034. Também teve grande importância na divulgação
das notícias sobre a guerra acrescentando técnicas americanas de transmissão para
agilizar seus noticiários, em 1941. Nesse clima de expansão das rádios e de seus
programas no Brasil, surge na Rádio Nacional (RJ) e na Rádio Record (SP), o
Repórter Esso, comunicando entre outros assuntos, os últimos acontecimentos
sobre a guerra.
Estes combatentes que escreviam para pedir coisas que ajudassem a
passar o tempo não tinham sido transformados em monstros da guerra, como os
soldados alemães, nem em funcionários disciplinados, empenhados na
produtividade, que significava aniquilar o máximo de pessoas num mínimo de
34 Ver: Nosso século, 1985, p. 72
71
tempo, de maneira mais discreta possível, o que supunha uma organização
meticulosa (VINCENT, 1992, p. 268), sabiam das atrocidades dos campos de
concentração? Calculavam que mais de cinco milhões de judeus estavam sendo
exterminados? Imaginavam o que ocorria com aqueles que estavam nas frentes de
combate?
Ao que parece, os motivos que levam os combatentes a tomarem a
iniciativa de pedir um rádio, além da distração como é citado na correspondência,
é o fato de querer se sentir presente na ausência, sair do isolamento das terras
longínquas de Noronha e poder viajar nas transmissões do rádio pelo mundo das
notícias, esportes, cultura, moda e principalmente saber o que estavam
comentando sobre os acontecimentos da guerra.
Ao atender ao pedido do combatente Gouvêa de Castro, as representantes
da ABE tratam de enviar a estes combatentes diversos tipos de revistas e jornais
para que os mesmos pudessem se manter atualizados sobre os acontecimentos da
época. A carta de recebimento e agradecimento pela encomenda informa:
Achava-me no posto de sentinela cumprindo o meu dever de soldado quando tive o prazer de receber a referida encomenda, cujo conteúdo era o seguinte: 1 exemplar da revista “Em Guarda” 1 exemplar da “Revista da Semana” 1 exemplar da revista “O Malho” 1 exemplar do “Jornal dos esportes” 30 folhas de papel para cartas 50 envelopes (29-10-1943, Gouvêa de Castro Magalhães)
A análise dessa lista permite observar que a revista Em guarda35 foi uma
edição mensal nos anos 40 editada pelo Bureau de Coordenação dos Assuntos
Internacionais dos Estados Unidos. Ela chama atenção por seu tamanho ser maior
que o das revistas que circulam até mesmo nos dias atuais. O colorido de suas
capas também precisa ser ressaltado. Em seu interior suas matérias sempre com
imagens marcantes de símbolos bélicos: navios, tanques, fragatas, submarinos;
35 A coleção da revista se encontra arquivado na Biblioteca Nacional.
72
figuras de homens que exerciam o poder naquele momento como comandantes,
generais e, é claro, um dos personagens principais de qualquer guerra: o
combatente.
Capas da Revista Em Guarda.36
As capas da revista Em Guarda transmitem ao leitor a situação mundial
naquele período, através de suas coloridas fotos. O nome da revista vem sempre
na parte superior, escrito em letras brancas, com um fundo vermelho. O quadro a
seguir mostra o que vigorava nas capas da revista, em 1943, ano em que o
combatente de Fernando de Noronha remete a carta enviada a ABE.
Quadro 6 - Revista Em Guarda, ano 1943
ANO III FOTO LEGENDA N° 1 – Janeiro General Eisennhower Comandante das forças aliadas
no Mediterrâneo N° 2 – Fevereiro Menino cercado de vacas Richard Scheneckenberg, de 15
anos, filho de um criador, cria suas próprias vacas
N° 3 – Março Paraquedista falando em um radiocomunicador
-
N° 4 – Abril Almirante King Almirante King 36 In: www.sebomesias.com.br
73
N° 5 – Maio Mulher manipulando um objeto plástico
Materiais plásticos para aviação
N° 6 – Junho Pai com filho no colo ao fundo uma cidade da Alemanha destruída
O que os nazistas deixaram
N° 7 – Julho General Arnold General Arnold N° 8 – Agosto Uma fragata no mar Um bombardeio que precedeu
uma invasão N° 9 – Setembro Tanque saindo de um navio Um tanque avançando durante
uma invasão N° 10 – Outubro Sargento Kelly Sargento Kelly: o herói singelo
N° 11 – Novembro
Combatentes passando por uma praia que está sendo
atacada
As forças de libertação atacam
N° 12 – Dezembro
Tanque de Guerra -
É importante chamar a atenção para a capa do mês de fevereiro que não
remete o leitor à guerra. Ela mostra um jovem rapaz como anuncia a legenda da
foto filho, de um criador de vacas, criando seus próprios animais. A reportagem
mostra ao leitor como o menino cuida de suas vacas Holstein, assim como seu pai.
Talvez a revista nesse momento quisesse passar ao seu público leitor a
importância de se ensinar aos jovens uma profissão, no momento em que a guerra
levava tantos chefes de família para os centros de batalha. Apesar da guerra não
estar presente na capa, dentro da revista, é ela que ocupa lugar de destaque em
quase todas as matérias, com temas sobre: “Frentes de Batalha”, “O Exército
Brasileiro”, entre outros.
Ao examinar esta revista, Gonçalves (2002) observou que ela se tornou
um dos instrumentos utilizados pelo governo de Franklin Roosevelt em sua
política de boa vizinhança para cumprir o papel de convencer e mobilizar a
população a favor das ações norte-americanas daquela época. Essa política de boa
vizinhança pretendia minimizar as influências européias na América Latina,
mantendo a liderança Norte-Americana. Os Estados Unidos tentavam estabelecer,
nesse período, através dessa política, uma hegemonia econômica, cultural e
tecnológica.
74
As páginas da revista Em guarda em novembro de 1943, um mês após a
carta ser escrita naquele ano, trazia como título de suas reportagens os seguintes
tópicos: “As forças brasileiras na Europa”; “O General De Gaulle”; “Ajudando os
enfermos”; “O renascimento de Roma”; “A Quina outra arma para combater o
Eixo”; “Eleições em tempo de guerra”; “O Baseball”; “A Guerra se acerca do
Japão”; “O cerco de ferro em redor da Alemanha”; “Tantalita – um mineral
mágico do Brasil”; “A capital dos Estados Unidos”; “A nova e invencível
França”; “Exterminado o Tifo”;”Uma modelar comunidade de Guerra”.
Com a finalidade de entender um pouco mais sobre os discursos
disseminados por essa revista naquele momento, me detive na análise de algumas
dessas reportagens que foram publicadas nessa edição da revista. A matéria
intitulada “As forças brasileiras na Europa”, trata da chegada dos combatentes
brasileiros ao campo de guerra da Europa. O texto procura deixar bem claro que a
tropa foi recebida com entusiasmo e que estão prontos para entrar em ação. Relata
também que antes de partirem para a zona de combate, os comandantes das
operações já haviam realizado treinamentos especializados nos Estados Unidos.
A chegada das forças brasileiras à Itália foi recebida com extraordinário entusiasmo em todo o Hemisfério Ocidental. O secretário de Estado Cordell Hull declarou: “É, naturalmente, o motivo de grande satisfação para o povo e para o governo dos Estados Unidos, saberem da chegada desse valioso conjunto de esplendidas tropas brasileiras. (...) Desde princípios do ano passado que numerosos oficiais selecionados, tanto de Estado-Major como de todas as armas, começaram a chegar aos Estados Unidos, a fim de fazerem cursos especializados nas várias escolas táticas e práticas onde estavam recebendo instrução dos oficiais norte-americanos. (p. 1,2)
Em “Ajudando os enfermos”, a matéria trata da ajuda feminina nos
Estados Unidos durante a guerra para suprir a carência de enfermeiras devido ao
crescente número de combates durante a guerra. Ela se inicia contando o papel
das enfermeiras em confortar a dor e colaborar com os soldados através da história
75
de um combatente que perdeu o braço em um conflito. A enfermeira ajuda o
combatente e sua família, confortando a dor do momento. Em seguida, conta ao
leitor que a Cruz Vermelha americana orientou cursos para a formação de
enfermeiras auxiliares, sendo essas voluntárias procedentes das diferentes
profissões.
Essa enfermeira, que assim ajudava um soldado e a sua família, era semanas antes apenas uma dona de casa, familiarizada unicamente com os afazeres domésticos, e que raramente tinha estado num hospital. Mas, como tantas outras mulheres americanas, estava ansiosa de contribuir com o seu trabalho nos hospitais onde se faz sentir a carência de enfermeiras. O crescente desenvolvimento das operações militares exigia numerosas enfermeiras nos hospitais de sangue, nas frentes de além-mar, sobrecarregando assim a tarefa das que permaneciam nos hospitais do país. O objetivo da criação do núcleo de enfermeiras auxiliares era, pois, diminuir o mais possível os encargos extraordinários que pesavam sobre as enfermeiras profissionais. (s/a, op. cit, p. 7)
“Uma modelar comunidade de guerra” é o texto que finaliza esse número
da revista. Nele é apresentado ao leitor a mobilização da população da cidade de
Meriden no Estado de Conecticut, para trabalhar na cooperação com a guerra. Os
moradores da cidade realizavam coletas de todo o tipo de material que fosse útil
na indústria bélica se revezando num serviço ininterrupto.
Há quatro anos Meriden, no Estado de Conecticut, não era mais que uma pacata comunidade industrial de quarenta mil habitantes, preocupada essencialmente na fabricação de prataria, de acessórios de iluminação elétrica de material para telefones e de rolamentos esféricos. Hoje Meriden é um centro inteiramente consagrado à produção de guerra, de atividade tão notável que já mereceu a designação oficial de “comunidade ideal”. Suas fábricas de prataria estão fabricando delicados instrumentos cirúrgicos e munição para as forças armadas; as fábricas de acessórios de iluminação elétrica produzem agora material elétrico para fins militares; e as fábricas de telefones e de rolamentos esféricos trabalham unicamente para as forças armadas. A maioria das indústrias se expandiu consideravelmente, para poder atender aos
76
numerosos pedidos e quase todas as fábricas estão trabalhando dia e noite. (p.40)
Ao denominar Meriden como cidade modelo a revista parece querer
transmitir e incentivar o seu leitor a se envolver e apoiar mais as questões da
guerra. Envolver a cidade seria o ideal a ser seguido. Como se pode observar,
praticamente todos os temas remetiam ao momento da guerra, permitindo ao
combatente de Fernando de Noronha saber os acontecimentos da guerra. Os textos
também deixam transparecer que a revista divulgava os ideais do governo para
seus leitores, de valorizar a cooperação dos países da América do Sul, no caso o
Brasil; incentivar a participação das mulheres nos hospitais como enfermeiras
estendendo o seu papel de cuidado com o lar para cuidado com os cidadãos da
nação; e, incentivar a participação da sociedade no apoio à guerra.
Na Revista da Semana, em uma de suas primeiras páginas já se podia
encontrar que esta era uma publicação de arte, literatura e moda. Ao folhear a
revista do mês de outubro de 1943, observei logo em sua capa a seguinte chamada
“As torres de Praga estão de pé”. Em seu interior o combatente era contemplado
com assuntos como economia, cultura, moda, propagandas, entre outros. Nas 52
páginas desse exemplar encontram-se outras matérias como: “A casa e o seu
destino”; “Relaxe seus músculos”; “A pintura inglesa exposta no Brasil”;
“Flagrantes da Guerra”; “Livros novos”; “Figuras e fatos”; “Centenário na bolsa
de valores”; “Cinema a comédia humana”; “Grandes cenas da guerra”; “No teatro
da moda”; “O lar”; “Notícia de sensação”; “Vista-se bem para dormir”.
O Malho foi outra revista recebida pelo combatente que, em novembro
de 1943, em suas 51 páginas, apresentava temas relativos ao então presidente
Vargas e à Segunda Guerra. Já em sua capa traz o rosto de Getúlio. O uso da
propaganda, que orquestrava uma verdade oficial baseada na ideologia para
instrumentalizar o Estado de acordo com Capellato (1994), foi um meio de
difundir o conjunto dos pensamentos, as concepções e os ideais que norteavam as
ações e a atuação política do Estado Novo. Dentre as representações criadas para a
manutenção do governo Vargas, está a sua imagem como “pai dos pobres”,
atribuindo ao ditador à evocação de protetor da nação e dos desamparados, bem
77
como confere qualidades de herói popular, a representação do homem bom, que
conduz o país sem, no entanto, esquecer-se de seus filhos necessitados, ao mesmo
tempo em que garante segurança e estabilidade pública, que são apresentados em
todos os discursos do governante.
Da mesma forma, afirmava como certo que a nação estaria protegida dos
riscos da desordem social, da ameaça do comunismo e dos perigos da guerra que
assolavam a Europa. A propaganda política do regime foi estratégia para o
exercício do poder, pelo rigor da censura no conjunto das informações, o qual
visou o reforço da dominação e a interiorização de normas e valores que se
concretizaram através de códigos de afetividade, costumes e elementos históricos
e culturais.37
As notícias que circulam dentro do impresso deste mês são as seguintes:
“Seis anos de Estado Nacional”; “O Presidente Vargas e o Estado Nacional”; “As
classes armadas no Estado Nacional”; “Independência econômica no Brasil”;
“Samaritanas”; “A imprensa e a guerra”; “Aspecto da obra do DIP”; “A
cooperação brasileiro-americana no Esforço de Guerra”; “Problemas trabalhistas
no Estado nacional”; “Os novos territórios federais”; “Relíquias da história da
república”; “Projeção internacional do presidente Vargas”; “Os grandiosos
aspectos econômicos e políticos da E F Brasil-Bolivia”; “O problema da borracha
no Brasil”; “Senhora suplemento feminino”; “Como veste as estrelas do cinema”;
além de uma parte no final onde o leitor encontrava jogos e passatempos.
Em meio às páginas, da Revista O Malho, o combatente provavelmente
se familiarizava com a importância da participação do país na guerra, quando lia,
por exemplo, a matéria “A cooperação brasileiro-americana no Esforço de
Guerra”, onde a colaboração do Brasil para com os Estados Unidos é ressaltada,
nos esforços que as duas nações realizavam pela paz:
Ao longe, nas perspectivas da vitória que todos almejamos, dois pavilhões, cada qual com o desenho
37CAPELLATO, M. H. R. Multidões Em Cena: Propaganda Política no Varguismo e no Peronismo. São Paulo, Brasiliense, 1994. p.47-62.
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diverso de suas estrelas, flutuam e ascenam para o mundo de amanhã, sim bolos que são das duas maiores Repúblicas dêste hemisfério. Brasil e Estados Unidos, irmanados nesse caminho acidentado de escombros da brutalidade nazi-facista, prosseguem nos seus esforços titânicos pela precipitação da paz, só atingível depois de demonstrada e destruída a máquina de guerra das potências do mal. (...) Essa colaboração está culminando nos preparativos do nosso Exército expedicionário, e cujos frutos tocamos a viajem de observação, de entendimentos e consultas do general Gaspar Dutra, não traduz no entanto, apenas, o gênio das improvisações de que o Brasil é capaz pelo heroísmo e inteligências de seus filhos, quando ferido nos melindres de sua soberania e independência. (p.39)
O combatente de Fernando de Noronha através de outra matéria da
mesma revista, denominada “Samaritanas” podia notar a importância da
participação feminina no esforço de guerra em que o país estava empenhado a
realizar naquele momento. O texto tinha como objetivo mostrar que a cidade do
Rio de Janeiro naquele momento tinha sido tomada por mulheres vestidas em seus
uniformes brancos, prontas para ajudar a Pátria.
O fantasma trágico da guerra, na sua ronda macabra pelas fronteiras do mundo, trouxe ao Rio de Janeiro um aspecto diverso. Abriu um parêntesis claro na paisagem de todos os dias, o uniforme branco das Samaritanas, que invadiu a cidade pelos quatro pontos cardiais, alegrando-lhe a fisionomia pensativa, emprestando a todas as cousas a garça envolvente da mulher brasileira que ocorre num movimento espontâneo, como a dizer que sabe ser fútil nos momentos em que a vida apenas lhe pede que seja amável e bela – sabe encarar frente a frente, sem receio e sem nervosismos inúteis a realidade cortante das horas que o mundo atravessa. Nos bondes, nos ônibus, nas praias, nas avenidas, nos hospitais – em toda a parte onde haja um pouco de sofrimento e adoçar – bandos de samaritanas lembram nuvens esvoaçantes de garças que, além da beleza, têm a serena consciência dos deveres para com a Pátria; para com o mundo. (p. 11)
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No mesmo dia 29 de outubro de 1943 em que o combatente Gouvêa de
Castro Magalhães escreveu uma carta avisando o recebimento de suas
encomendas, o Jornal dos Esportes, uma das leituras recebidas por ele, trazia para
seus leitores como principais manchetes: “Fixada a data para o inicio da
concentração dos Scratchmen”; “Um representante do fluminense a São Paulo: em
busca de Florindo”; “O campeonato de remo visto pelos entendidos”; “As
homenagens do Turf carioca”; “O momento parece oportuno para ser reaberta a
questão das arbitragens nas finais do Campeonato Brasileiro”; “Data gloriosa para
o esporte brasileiro: o 75° aniversário do Clube Ginástico português”; “O Rio X
São Paulo de Basket na noite de hoje no Tijuca T.C.”. O jornal como já anuncia
seu nome trata exclusivamente das questões relacionadas aos esportes, tendo
como público alvo principalmente os homens. Através do jornal o combatente
ficava sabendo se o time para o qual torcia, por exemplo, estava indo bem nos
campeonatos que participava.
As revistas ilustradas enviadas aos combatentes e que lhes permitiam
ficar a par dos hábitos e valores que estavam circulando na capital do país,
apareceram, segundo De Luca (2000), na década de 30 em grande escala, com
recursos como fotografias, imagens e ilustrações, tratando de temas variados. Para
o autor esses impressos tinham como finalidade veicular produtos culturais, os
hábitos e valores necessários para o leitor de extratos médios da sociedade
pudessem se familiarizar, por um lado, com os padrões de elegância das classes
abastadas e, por outro, com os códigos da modernidade urbana (p.56).
Ruiz (2001) ao trabalhar com a correspondência do militar Gerardo
Ayuso com sua família, durante a Guerra Civil na Espanha, ajuda na constituição
do presente estudo no que tange ao tipo de documentação estudada, pois o autor
discute a importância de lançar olhares para outros tipos de fontes não
convencionais, como é o caso das missivas. O autor contribui para se pensar a
escrita de guerra que acaba por se constituir num momento de solidão para os
combatentes, que de certa forma estão aprisionados em seu local de trabalho, sem
comunicação com a família e entes queridos. Para ele, o isolamento provocado
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pela guerra se assemelha ao daqueles que estão na prisão. A escrita de cartas é um
exercício intelectual que permite suportar un obstáculo físico que interrumpe los
lazos entre los que están fuera y los que están dentro. (op. cit, p. 163). As
palavras escritas para formular pedidos, ocupar o tempo e escapar da solidão,
encontraram as mulheres da Associação Brasileira de Educação dispostas a
atender e consolar.
3.2. Palavras e presentes para confortar, suprir, animar
Eis por que, onde quer que se encontrem os Soldados Brasileiros, estarão o coração e o espírito da Mulher Brasileira. Unidas aqui pelos laços de uma viva cooperação, nós do Posto 14, antecipamos agradecimentos pelos sacrifícios que fizeram em prol da Liberdade e da Paz da Humanidade.(14-11-1942 Maria Esolina)
O trecho desta carta remete ao papel exercido pelas mulheres na
Associação Brasileira de Educação nesse período. Enviada aos combatentes
aquartelados em Fernando de Noronha, esse trecho da missiva remete ao espírito
de solidariedade e cooperação presente em seu conteúdo e deixa evidentes os
laços de solidariedade que uniam as integrantes da ABE e os combatentes de
Fernando de Noronha.
O trabalho em prol desses combatentes, sob a presidência de Ana Amélia
Carneiro de Mendonça, significou trocar correspondências com os mesmos em
uma das atividades realizadas em sua sede durante o período da guerra,
juntamente com a Cruz Vermelha Brasileira. Assim, exerciam um papel
patriótico, uma função assistencialista que coube à mulher na trama da história,
pois, afinal, como lembra Sierra Blas, la guerra propone com fuerza el mito de la
mujer como fuente de consuelo para el hombre (2003; p. 168). Das 150 cartas do
dossiê Esforço de Guerra, localizei 58 enviadas pelas abeanas.
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Quadro 7 - Cartas enviadas pela Associação Brasileira de Educação aos
combatentes aquartelados em Fernando de Noronha.
Ano Número de cartas
s/d 02
1942 06
1943 29
1944 17
1945 04
Total 58 Dossiê Esforço de Guerra. Arquivo da Associação Brasileira de Educação – ABE.
O discurso de cooperação presente no trecho da carta citada
anteriormente revela que a ação da entidade foi movida pela solidariedade. A
escrita das cartas possibilitou às mulheres ampliarem sua vida social e pública e,
também, fez perpetuar o ideal de doação e não-obrigação. Aliás, estudiosos que se
voltam para o estudo da participação das mulheres durante os períodos de guerra,
observam que, para elas, estes momentos se tornaram
[...] uma experiência de liberdade e responsabilidade sem precedentes. Em primeiro lugar a valorização do trabalho feminino ao serviço da pátria e pela abertura de novas oportunidades profissionais, em que as mulheres descobrem, geralmente com prazer, o manuseamento de utensílios e técnicas que desconheciam (THÉBAUD;1995; p. 49).
A criação de um timbre específico para esse momento mostra que a
instituição considerava importante colaborar na imediata mobilização das
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energias38 da sociedade à declaração de guerra do país, que se integrava, assim, à
Segunda Guerra Mundial. Essa carta era também a resposta a que foi enviada no
dia 26 de janeiro de 1944, com timbre da American Red Cross, ou seja, um mês
antes, mostrando que, além de serem lidas eram respondidas num período de
tempo curto. O timbre revela ainda o recebimento de papéis para correspondência
por esses combatentes que estão afastados do convívio social, além de também
apontar a união de duas instituições – ABE e Cruz Vermelha em prol de uma
causa comum: dar assistência a aqueles que lutavam pelo Brasil durante a
Segunda Guerra Mundial.
Timbre do Posto 14. Arquivo Associação Brasileira de Educação.
A carta com o timbre39 da Cruz Vermelha Brasileira – Posto 14 –
Associação Brasileira de Educação, em uma das missivas, além de seu conteúdo,
revela a união dessas duas instituições em prol dos combatentes brasileiros. Uma
delas que leva esse timbre a Fernando de Noronha pede notícias de um
comandado para tranqüilizar sua família: Em nome posto quatorze cruz vermelha
solicito obséquio notícias vosso comandado Afonso Fidalgo, afim tranqüilizar-
mos família aflita (s/d Neréa – Secretária). O mesmo timbre é utilizado para levar
à ilha a notícia de que as encomendas enviadas pelo Posto 14 não estavam
chegando a seus destinatários por completo:
Tendo o Posto 14 da C.V.B, recebido queixas de algumas famílias de que as encomendas enviadas por intermédio
38 Odilon Braga, 10/09/1942, arquivo da Associação Brasileira de Eduação. 39 Sobre o assunto ver Marques (2006).
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deste Posto, estão chegando as mãos dos destinatários pela metade, para boa marcha de nossa campanha em prol dos soldados de Fernando de Noronha, venho por meio desta solicitar os bons ofícios de V.S afim de verificar se tais queixas tem fundamentos. (27-02-1944)
Durante três anos, 1942-1945, as representantes da ABE trabalharam em
prol dos combatentes fornecendo ajuda material, apoio moral e, em alguns casos,
sendo o elo de comunicação entre eles e suas famílias. Outros assuntos que
vigoram nas cartas é a necessidade de ter notícias dos combatentes ausentes. Além
de enviar e receber correspondência, essa carta permite observar que a Associação
servia de meio de comunicação dos combatentes com seus familiares, para
recebimento de notícias e envio de encomendas. Será que essas mulheres não
estariam exercendo a função de madrinhas de guerra tão conhecidas nos conflitos
europeus?
A existência das madrinhas de guerra vem da Primeira Guerra Mundial
(1914-1919), sendo desde então o exercício dessa função muito comum nos
diferentes conflitos bélicos pela Europa no século XX, tendo como função
principal dar ajuda material e afetiva aos combatentes, como bem define Sierra
Blas:
Su función principal era la de servir de sósten moral y material al combatiente, proporcionándo-le consuelo a través de sus palabras escritas y ayuda material mediante el envío de ropa, comida o tabaco, así como qualquier otra cosa de la que éste tuviera necesidad. Desde su orígenes, su figura estuvo dotada de un fuerte componente moral y patriótico: escribirse con los soldados, ayudarles a combatir la soledad de las trincheiras, atender sus súplicas y calmar sus miedos, era también una manera de colaborar en la consecución de la victoria.(2007, p. 106)
No que tange ao apoio moral das madrinhas de guerra em alguns
momentos pareciam exercer a função de mãe, não deixando de lado o papel
feminino que esteve sempre atrelado ao cuidar. Exercer essa função parece que
não ameaçava a figura feminina de esposa, dona de casa e mãe, pois, afinal:
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Este era el propósito de las marraimes de guerre, cuja misión era asumir el papel de maternal corresponsal para un individuo que se encontrarse solo, escribirle, elevar su moral y espíritu combativo y darle consuelo periódicamente en formas de paquetes de comida (LYONS, 2002, p. 230).
As missivas encontradas nos arquivos da ABE contam em suas folhas
amareladas pelo tempo os diferentes tipos de ajuda, muito semelhante àquelas das
madrinhas de guerra da Europa. O envio de ajuda material foi realizado pelas
representantes da ABE, que enviavam livros, revistas, jornais, cigarros, bolas de
futebol, basquete, dominó e o que mais era pedido pelos combatentes, como
podemos observar, nessas cartas onde o pedido é feito pelo combatente e
recebido, como visto na carta de agradecimento:
Queria que V.Sª nos enviasse si fosse possível, um jogo de ping-pong com a respectiva mesa, para nosso deleite. (13/10/1943 João Angel Roris Guizando) Declaro que na data de 08/11/1943, recebi o jogo de ping-pong, com a respectiva rede, duas revistas e 12 maços de cigarro Zephir. Desde já, em nome de toda a bateria agradeço de todo o coração. (13/11/1943 João Angel Roris Guizando)
As educadoras abeanas buscavam, deste modo, consolidar a imagem de
mulher protetora, a serviço da projeção do homem. Exercendo função semelhante
às das madrinhas de guerra, contribuíram para definir o trabalho que deveria ser
pelas mulheres executado, atrelando a este, uma justificativa patriótica. Inclinadas
a substituir as futilidades da vida material pela dedicação e amor ao próximo, as
mulheres da “boa sociedade” ali reunidas, em tempos de guerra, prestavam
solidariedade, inspiradas num modelo feminino de amor e devoção que reiterava
uma suposta missão.
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Não se pode esquecer que no final do século XIX e início do XX, as
mulheres das classes sociais privilegiadas, rompendo as barreiras e desafiando a
estrutura vigente, foram aos poucos conquistando espaços públicos, reescrevendo,
assim, novas formas de sociabilidade e conquistando seus direitos. Diferentes
foram às mudanças que ocorreram no país nesse período: urbanização crescente,
processo de industrialização, novos meios de comunicação e, principalmente,
reivindicações femininas contra a desigualdade social que as mulheres viviam até
aquele momento. A sociedade deixava de negar à mulher o direito à educação sob
o discurso de que a elas era desnecessário e prejudicial, devido à sua fragilidade,
ter conhecimento e saber. A partir desse momento, novos paradigmas sociais
modificam a atuação feminina e o papel da mulher, segundo Almeida, passou a
ser vista como sendo a mantenedora da família e da pátria (1998, p. 33).
É importante observar que, ainda na década de 1920, intelectuais que
tiveram importante e destacado papel na ABE manifestaram preocupação com a
educação para a paz. O mundo saído da Primeira Grande Guerra instigava a
humanidade e, em particular, os educadores, a projetar um futuro melhor, mais
fraterno, futuro este, no qual a escola teria que desempenhar um papel
fundamental, como espaço de construção da paz e da solidariedade entre os povos.
De certo modo, repercutiam do lado de cá do Atlântico, sentimentos que invadiam
homens e mulheres que haviam perdido vidas, esperanças, trabalho, moradias.
Pinsky e Pedro (2003) observam que o papel das mulheres nesse
momento sofreu mudanças. Passam a ser aceitas cada vez mais no âmbito
educacional como uma espécie de construtoras da nação, onde deveriam tomar
conta da sociedade, assim como faziam com seus lares (p. 274). As mulheres dos
grupos privilegiados da sociedade, segundo estes autores, conquistaram e
ampliaram seus espaços de atuação através da valorização das virtudes femininas
como, afetividade, docilidade, abnegação, responsabilidade de zelar pela moral,
entre outras.
As representantes da ABE visando prestar assistência aos combatentes de
Fernando de Noronha por meio de cartas e encomendas enviadas e recebidas
estabeleciam laços de solidariedade e assumiam o papel que sempre coube à
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mulher na trama da história: doação, cuidado e zelo. A guerra reafirma o papel da
mulher dentro da sociedade: o de estar sempre pronta a prestar apoio e cuidar do
homem40. Nessa rede de papéis, amalgamada pelo desejo de confortar, suprir e
animar os bravos combatentes, as representantes da ABE ampliam a atuação
feminina, sob à égide de cooperação, solidariedade e patriotismo.
3.3. Troca de cartas em busca da paz
(...) Tú que ficas à espera Dessa guerra sem nome
Que a vida e o riso e o coração consome; Alegria, ilusão, juventude que sonha
Em plena primavera... Tú que vives, aí,
Dentro da própria Pátria desterrado, Esquecido de ti,
Sendo apenas, tratado Pelo heróico nome de Soldado
De Fernando de Noronha Na solidão que o amor não floresceu,
Na ilha do abandono, Que o mar apiedado enverdeceu;
- Como podes pensar, ó grande patriota, Que a gente Brasileira te esqueceu?!...
(Poema do Soldado de Fernando de Noronha, Palmyra Wanderley)
Esse trecho do poema do Soldado de Fernando de Noronha, tão
patriótico, foi escrito pela autora a pedido de um combatente da ilha e, mostra o
apoio da população para com a situação de isolamento dos combatentes. Ao
revirar as missivas enviadas pelos combatentes à Associação Brasileira de
Educação, encontramos o trecho desse poema citado na carta de Carlos Teixeira
da Silva, onde ele assinala que, ao escrever o tão inspirado poema, Palmyra
Wanderley deixa claro que:
40 Sobre o assunto ver Thébaud , 1995.
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É a prova que dais é bem eloqüente de que não fomos esquecidos apezar de nos acharmos longe do mundo, da civilização, do convívio dos que nos são caros, perdidos no Atlântico Sul, em busca de um só ideal: A luta pela Liberdade (grifo meu), que é a única inspiração dos povos cultos e acreditados nos destinos da humanidade.(22/12/1943, Carlos Teixeira da Silva)
O discurso do combatente na carta relata sua aflição, o seu desejo de não
ser esquecido pela sociedade na tão longínqua ilha. A Associação ao se
corresponder com os mesmos parece reduzir o sentimento de isolamento da
sociedade civil. A questão da luta pela liberdade aparece duplamente, pois ao
mesmo tempo em que o combatente tem esperança de que a paz entre as nações
reine e a guerra termine, essa liberdade também parece estar ligada à esperança de
volta para o lar e ao convívio com os seus.
A carta de Silvio Pinto Ferreira também fala dessa luta pela liberdade,
deixando transparecer ao leitor o sofrimento de estar longe do seio familiar. Esse é
um forte indicador na necessidade de escrita para esse combatente.
Tenho a grata satisfação de acusar o recebimento de mais duas encomendas que, minha família em muito boa hora, confiou a boa vontade que, a Snra e auxiliares teem em minorar os sofrimentos daqueles que abandonaram mãe, pai, irmãos, tudo enfim, para lutar em prol da liberdade. (23/04/1944)
A liberdade também aparece ligada à população de uma maneira geral,
até porque ela esteve presente apoiando os combatentes. Chega à Associação em
fevereiro de 1944 a missiva de Norival Guerra onde podemos observar a presença
da figura do combatente ligada ao guerreiro que luta pela liberdade:
Em nome dos soldados desta guarnição que servem como sentinela no posto mais avançado do nosso Brasil. Desejo-lhes “Victoria”, nesta árdua campanha, de bem suavizar os sofrimentos físicos, morais de todos os
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brasileiros que lutam pela causa da liberdade. (05/02/1944)
As palavras usadas pelo combatente refletem as ideologias vigentes
naquele momento, onde todos clamavam pela paz e pela liberdade. Essas
ideologias serviam como indicadores de um forte componente propagandístico
instaurado no governo Vargas.
O lema em favor da paz e da liberdade também esteve presente nas cartas
da Associação. Aliás, a questão da educação para a paz sempre esteve presente
nos ideais da instituição. Desde sua criação, em 1924, o sonho de seus fundadores
era constituir uma instituição em favor da educação pautada na causa cívica. Em
1927 houve uma grande campanha educacional pautada no civismo, a instituição
fica conhecida e realiza sua primeira conferência nacional, com o intuito de
realizar a propaganda da causa educacional e concomitantemente promover a
unidade nacional, a Conferência era apresentada como evento cívico que urgia
prestigiar (CARVALHO, 1998, p.59). Nesse período surgem as primeiras
divergências de idéias entre dois grupos liderados por Ferdinando Labouriau e
Fernando Magalhães.
Para Magalhães, o civismo representava tradição e difundia a ordem e o
trabalho, além de propagar a fé, esperança, devoção; além disso, o papel
moralizador da escola era exaltado. Já para Labouriau, o civismo era representado
pela valorização do homem brasileiro e do dinamismo. Ambos os grupos
defendiam o civismo como base, mas sobre visões distintas. Desde 1932, os
debates na instituição ficaram mais acirrados e ocorreu a ruptura dos católicos da
instituição. A partir de então, dois grupos dentro da instituição; um a favor de se
construir um programa de instrução e o outro defendendo a educação que
preparasse para a vida, sendo assim:
Enquanto os nacionalistas acreditavam que pela alfabetização poderiam ser superados os problemas sociais, os renovadores defendiam uma proposta de educação mais ampla, onde a escola seria um importante instrumento para preparar as mudanças tecnológicas, a
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vida em comunidade, divulgando valores como a democracia e a paz. (MIGNOT, 2002, p.225)
Com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, segundo
Saviani (1999), foi lançada a idéia de um plano de educação como um
instrumento de introdução da racionalidade na educação, onde o objetivo era
oferecer a organização na forma de sistema. Portanto, enquanto no período após a
década de 1930 procurava-se modernizar o país pela via da educação, os pioneiros
criaram essa idéia de plano, acrescentando-o como um instrumento de introdução
da racionalidade científica na educação, onde a ciência apresentava-se, no ideário
da Escola Nova como um elemento modernizador. Com o golpe do Estado Novo
(1937-1945), ao se instaurar um regime autoritário, o Ministério, com Gustavo
Capanema, adere à idéia de plano, como instrumento de modernização oriunda
dos pioneiros, revestida do caráter de instrumento de controle político-ideológico,
o que deixa marcado a política educacional desse momento.41
As análises de Eric Hobsbawm, um dos mais importantes
historiadores da atualidade, Era dos Extremos, sobre o século XX, ajudam a
compreender o envolvimento dos educadores brasileiros neste momento. Em sua
análise, ele afirma que o breve século XX começou com a eclosão da Primeira
Guerra Mundial e terminou em 1989 com a queda do muro de Berlim. Marcado
por uma tecnologia em avanço constante e muitos triunfos da ciência, que
permitiram aos homens cruzar com rapidez oceanos, falar com pessoas distantes e
saber notícias com grande velocidade, este século também pode ser lembrado
como um século de guerras, quando a humanidade Viveu e pensou em termos de
guerra mundial, mesmo quando os canhões se calavam e as bombas não
explodiam (1995, p. 30). Para ele, Paz significava antes de 1914 (idem).
O autor observa que, antes do século XX, as guerras podiam ser medidas
em semanas e meses. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) envolveu todas as
grandes potências e, a Segunda Guerra Mundial, foi global: Praticamente todos os
Estados independentes do mundo se envolveram, quisessem ou não, embora as
41 In: Saviani (1999)
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repúblicas da América Latina só participassem de forma mais nominal (op.cit., p.
31). Em que pese a sua observação sobre os países da América Latina, e por
conseqüência, o Brasil, é possível compreender que, na medida em que ela foi
também uma guerra dos noticiários radiofônicos (op.cit., p. 32), tornando os
nomes de ilhas e desertos convertidos em campos de batalha, conhecidos de todos,
numa verdadeira aula de geografia do mundo (idem), que os brasileiros e as
educadoras abeanas que enviavam cartas aos combatentes de Fernando de
Noronha não passassem ao largo do que era noticiado e partilhassem da apreensão
que se abatia sobre a humanidade, desejosos de Paz.
O desejo pela paz é concretizado em maio de 1945, quando chega ao fim
a Segunda Guerra Mundial. Em julho de 1945, as manchetes do jornal Folha da
Noite anunciavam o desembarque no Rio de Janeiro, dos combatentes que se
encontravam no front de batalha, na Itália. A população por sua vez tomava as
ruas da cidade para recebê-los, nas janelas, sacadas, calçadas, nas árvores,
inúmeras pessoas se espremiam para saudá-los.42
Na sessão do Conselho Diretor realizada logo após o término da guerra
em agosto de 1945, podemos notar a importância dessa missão cívico-patriótica
realizada pela instituição nesse momento, ao homenagear dois combatentes de
guerra.
(...) homenageiam-se dois militares porque eles não fizeram a guerra eles venceram a guerra. Parecerá contraditório que a casa de Educação preste homenagem a dois guerreiros parecerá que por haver guerra terá falado a educação. Mas essa é a verdade – os educadores não puderam evitar a guerra. Os guerreiros têm que defender pela força , uma série de valores morais que pregados pacificamente pelos educadores foram postergados por povos desajustados que não reconheceram a fraternidade humana, liberdade dos povos e outros valores morais irrecusáveis. Os educadores homenageiam dois militares que defenderam como guerreiros os valores que como
42 In: Revista almanaque abril. Coleção II Guerra Mundial: 60 anos: Brasil em tempo de guerra, 2005.
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educadores defendiam. Os dois ilustres oficiais homenageados Mendonça Molina e J. Carlos Gross, participou o primeiro e participando o segundo dos trabalhos pacíficos da ABE. A Associação Brasileira de Educação vibrou quando o Brasil foi atacado e vibrou quando o Brasil entrou na Guerra.43
Com o fim da guerra chegava ao fim o trabalho da Associação para com
os combatentes de Fernando de Noronha. A tão desejada paz se concretizava. Os
combatentes agora estariam livres para voltarem a seus lares e para a convivência
com os seus entes queridos. Em relatório entregue a ABE em dezembro de 1945,
Marina Gross, relata o fim das atividades.
O Posto se encarregou de trabalhar pelo conforto e bem estar pessoais daqueles que se preparavam ativamente para lutar pelo nosso conforto e bem estar próprios, tão seriamente ameaçados. (...) Ao finalizar, em nome da diretoria do Posto 14 e da Cruz Vermelha, agradecemos à ABE todo o auxílio prestado, declarando que, hoje como sempre, continuaremos voluntárias das boas causas, quer se tratem das alevantadas missões do tempo de paz da altruística instituição de Genebra, quer sejam as da educação do nosso povo, tão brilhantemente defendidas pelos paladinos da ABE, pois que todas se fundem por fim, num mesmo e sublime ideal, que é o progresso e bem estar da Humanidade. (26/12/1945 Marina Gross)
A troca epistolar aqui estudada entre combatentes e a Associação
revelam que mais uma vez a instituição realizava uma missão cívico-patriótica,
que se traduzia em palavras de conforto e ânimo para os valorosos combatentes,
que se encontravam isolados na longínqua ilha de Fernando de Noronha.
43 Ata do Conselho Diretor de 07 de agosto de 1945. Arquivo ABE.
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À guisa de conclusão: cartas como escrita cívico-
patriótica
Fernando de Noronha, 7 de março de 1944 Saudades E com imenso praser que pego na pena pra lhe escrever. Desejo muitas felicidades, a senhora e a todos que trabalham pela defesa do nosso Brasil. E neste momento que devemos cooperar para que todos lutem pela vitoria, pela democracia do nosso pais.
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Não devemos consistir que os nossos mal feitores destruam o que nos pertence, devemos lutar pela defesa dos nossos lares e não devemos consistir que eles manchem as cores da nossa bandeira. E eu que me acho nessa cintinela avansada pela defesa da pátria e venho por meio desta pedir se for possível esta pequena encomenda umas revistas, um par de tênis de basquete n° 42, 1 aparelho de barba completo, e por cigarro e um sabão pra caspa que eu devido a quentura panhei uma caspa enorme. E fico muito grato pela cooperação que vem colaborando pelos soldados da guarnição de Fernando de Noronha. Aurelio Barbosa da Costa (Carta enviada a Associação Brasileira de Educação)
Essa carta, que chegou de Fernando de Noronha com destino à sede da
Associação Brasileira de Educação, chama atenção pela veemência com que o seu
autor pretende defender sua nação, disposto a evitar que os malfeitores não
manchem as cores da bandeira de sua nação. Além de convocar a todos para que
cooperem com a vitória do país na guerra.
Como outras, fizera o circuito Rio de Janeiro-Fernando de Noronha e
vice-versa, deixando à mostra o trabalho realizado dentro da Associação, visando
atender aos combatentes em quase tudo o que esses precisassem. Mas por que
essas cartas não foram lidas anteriormente por pesquisadores? Uma das possíveis
respostas seria a de que esse dossiê ainda não se encontra completamente
organizado e classificado pela instituição de guarda. Outra seria o desinteresse dos
historiadores da educação em estudar esse período da instituição, já que os
estudos sobre a mesma enfocam a década de 1920 e 1930 e os educadores que
consagraram a instituição em questão.
Para que essas cartas pudessem “falar”, cruzei com outros documentos do
dossiê que permitiram entender uma ação mais ampla da entidade nesse momento:
relatórios, ofícios, fotografias, telegramas, cartões, entre outros. Ao tentar
entender por que a instituição resolveu colaborar com a guerra, percebi que essas
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cartas faziam parte de mais uma missão cívico-patriótica coordenada pela ABE
que, desde 1924, procurou intervir nas questões mais amplas da sociedade, na
formulação de uma política de educação para o país.
Com o objetivo de compreender o trabalho realizado pela Associação
durante o período da Segunda Guerra Mundial em função dos combatentes
aquartelados de Fernando de Noronha, baseado em valores cívicos, patrióticos e
pacifistas, o estudo voltou-se inicialmente para uma análise da materialidade
dessa correspondência.
Do ponto de vista metodológico, compreendi que as cartas trocadas entre
os combatentes de Fernando de Noronha e a Associação Brasileira de Educação
poderiam ser importante fonte/ objeto de pesquisa baseada em estudos recentes
sobre a escrita epistolar e, em particular as cartas escritas durante a guerra. Assim,
seguindo timbres, tratamentos e temas abordados, concluí que a troca epistolar
serviu ao projeto mais amplo da instituição, de criar uma consciência cívico-
patriótica. Isto se revelou no envio de mantimentos, livros, revistas, cigarros,
bolas de futebol, dominó, aparelhos de barbear, entre outros, mas também nas
palavras de ânimo e conforto que foram enviadas aos combatentes aquartelados
em Fernando de Noronha.
As dirigentes da Associação que estavam à frente deste projeto
desenvolviam a função de madrinhas de guerra característico na guerra civil
espanhola, como bem descreve os estudos de Sierra Blas (2007). Além de
enviarem ajuda material, forneciam ajuda moral a esses combatentes
compartilhando idéias, valores e lutando por um mesmo ideal, a paz.
As cartas amareladas que se encontram no arquivo da ABE permitiram
compreender o tipo de ajuda realizado pela instituição aos combatentes e também
forneceram pistas para a compreensão do papel exercido pelas mulheres nesse
momento.
Através de um discurso patriótico, as educadoras consolidavam a
imagem de mulher protetora, a serviço da projeção do homem. Ao prestarem
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assistência aos combatentes, estabeleceram laços de solidariedade e não deixaram
de reafirmar o papel da mulher dentro da sociedade. Estavam sempre prontas a
ajudar e cuidar do homem. Valorizaram ainda mais as virtudes femininas de
afetividade, zelo, docilidade, responsabilidade de zelar pela moral e bons
costumes, entre outros.
Este projeto cívico-patriótico da Associação também se concretizou
através da Revista Educação, de publicação da instituição, na qual eram
disseminados valores ufanistas, particularmente em torno da presença brasileira na
guerra, educação cívica, educação passiva, higiene mental, educação física,
desordens emocionais, esforço de guerra, entre outros.
A preocupação com o bem-estar, a moral, o civismo e um ideário de
educação atendem ao projeto político da época que foi marcado por um
patriotismo exacerbado, com o intuito de acentuar e elevar a consciência patriótica
da população de uma forma geral, dentro e fora da escola.
Outra iniciativa que fazia parte desse projeto maior da entidade foi,
certamente, a criação dos cursos de socorristas, enfermagem, socorros de urgência
que buscaram fornecer às mulheres instrumentos que lhes permitissem amenizar
as dores dos combatentes, que necessitassem de conforto físico e espiritual.
Na análise dessa correspondência também pude observar o desejo dos
combatentes e da Associação de que a paz entre as nações reinasse e a guerra
terminasse. Os combatentes também deixavam transparecer a esperança pela volta
ao seu lar e ao convívio com os seus entes queridos. As educadoras por sua vez ao
se corresponderem com os mesmos tentavam reduzir esse sentimento de
isolamento que a guerra causava aos combatentes.
Entendendo que as cartas não são meras folhas de papel,44 esse trabalho
revela, ainda a importância da preservação desse tipo de documentação, que para
muitos é objeto de pouco valor e de descarte, mas se forem analisados podem
revelar muito do contexto histórico vivido e de seus interlocutores. As questões
44 In: BASTOS, CUNHA e MIGNOT, 2002, p. 6.
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aqui apresentadas permanecem vivas por suas cartas poderem ser redescobertas a
qualquer momento no arquivo da Associação Brasileira de Educação, que possui
muitas histórias ainda por serem reveladas.
No decorrer deste trabalho, algumas questões foram emergindo: Como
transcorreu a volta desses combatentes para seus lares? Será que algum
combatente chegou a conhecer sua madrinha de guerra? Ou a Associação?
Quantas cartas se perderam com o tempo? Houve censura nessa escrita? Quais os
problemas que eles enfrentavam em Fernando de Noronha? Enfim, essas e outras
questões surgiram enquanto folheava essa troca epistolar entre a Associação e os
combatentes. Sobre as questões aqui levantadas, não tive a intenção de responder
todas. Algumas foram deixadas pelo caminho, à espera de novos olhares.
O exame das cartas trocadas entre combatentes e a ABE permite,
portanto, entender a missão cívico-patriótica exercida pela ABE no período da
Segunda Guerra Mundial, onde essa atendia aos objetivos que a instituição
pregava desde sua fundação de uma educação voltada para a paz, pautada numa
causa cívica.
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