carta a lula

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  • 8/3/2019 Carta a Lula

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    Camaari, Bahia 17 de novembro de 2010

    Excelentssimo Senhor Presidente Luiz Incio Lula da Silva,

    Esta a primeira vez que escrevo ao senhor nesses oitos anos de seu

    governo. Antes de mais nada, quero enfatizar que pela primeira vez na

    minha vida tenho orgulho do Presidente do meu pas. O Brasil tem

    carncia de lderes e o senhor tornou-se um lder dos cidados desse

    pas, reconhecido internacionalmente. Sua histria, personalidade e

    carter asseguram-me que apesar de todas as barreiras, tudo possvelquando uma pessoa se dedica a uma grande causa.

    Presidente Lula, sou morador do estado da Bahia, estado composto de

    praias belssimas, o qual o senhor conhece bem. Contudo, os fatos que

    descreverei a seguir, no referem-se beleza das praias, mais sim a

    violaes de direitos constitucionais e direitos humanos que esto

    ocorrendo aqui.

    A Constituo Federal de 1988, que o senhor ajudou a escrever, garante

    a todos os cidados brasileiros independentemente de classe social, cor,

    sexo, idade ou orientao religiosa, o direito a dignidade, o direito ao

    trabalho, ao lazer e a transitar livremente em territrio nacional sem

    serem constrangidos. Infelizmente, esses direitos esto seriamente

    meaados e sendo negados em alguns casos pela ganncia, desrespeito s

    leis, desrepeito a Constitituo Federal e abuso de poder por parte de

    empresas de seguranas e associaes de moradores de loteamentos

    irregularmente fechados que se auto-denominam condomnios para

    auferir direitos que no possuem sobre propriedades de uso comum do

    POVO.

    Presidente Lula, no s os direitos de cidados esto sendo ameaados,

    mais tambm uma parte da cultura da Bahia, est em jogo a cultura da

    pesca artesanal, da vida na beira da praias e das lagoas. Cultura essa

    imortalizada nas imagens e canes da Lagoa do Abaet, nas canes de

    Dorival Caymmi e nos livros de Jorge Amado.

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    Senhor Presidente, os fatos que se seguem so depoimentos que colhi e

    eventos que presenciei dos quais possuo testemunhas e posso provar com

    documentos, vdeos ou fotos:

    Um grande parte do municpio de Camaari, na Bahia, banhado por

    belssimas praias. Contudo, o POVO deste e outros municpios, que

    usufruem destas praias, esto sendo impedidos a terem acesso as mesmas,

    devido construo de inmeras portarias em ruas pblicas por parte dos

    loteamentos irregularmente fechados, dificultando em alguns casos e

    negando completamente em outros, o acesso a estas praias.

    Os abusos so inmeros: Seguranas privadas param e anotam placas de

    carros em vias pblicas; pedestres so constrangidos a mostrarem

    documento de identidade para transitar em ruas pblicas e em casos

    extremos, existem denncias de probio de jogo de futebol e realizao

    de churrasco na areia da praia.

    Pessoas que precisam ter acesso s praias diariamente so as que mais

    sofrem com esses abusos. Pescadores, por exemplo, em algumas praias da

    Bahia esto tendo que discutir, brigar e enfrentar os maiores tipos de

    constrangimentos e humilhaes para poderem trabalhar e sustentarem suas

    famlias.

    Por exemplo, o Condomnio Resort Busca Vida - um condomnio de

    legalidade duvidosa, uma vez que a Secretaria de Desenvolvimento Urbano

    do Municpio de Camaari, no dispe do Termo de Acordo e

    Compromisso(TAC), nem das plantas originais da rea, mas apenas de um

    decreto do ano 2000, em que um ex-prefeito transformou uma rea em

    condomnio mantm segurana motorizada na praia. Nas patrulhs da

    segurana do tal condomnio, pescadores e cidados so abordados econstrangidos em sua liberdade de livre trnsito. Os pescadores so

    exigidos a mostrarem carteira de pescador. A no apresentao de

    carteira, faz com que seguranas exijam que o mesmo se retire da praia.

    Outros abusos incluem: Pescadores sendo probidos de armar barraca a

    noite na areia da praia, e em casos mais absurdos, pescadores so

    proibidos de andarem sem camisa, em uma ciclovia construda literalmente

    na areia da praia rea est to prxima ao mar, que somente a

    Secretaria do Patrimnio da Unio (SPU) pode decidir se foi construda

    legalmente.

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    Em outra praia, em Guarajuba, pescadores tem que discutir com sndicos

    para poderem atracarem seus barcos em portos secos. Isto acontece,

    devido aos inmeros loteamentos fechados ilegalmente na regio de

    Guarajuba fazerem fundo com as praias. Em tempo de mar alto ou em poca

    de reparos nos barcos, pescadores tiram seus barcos dgua e os colocam

    na vegetao rasteira entre a areia da praia e o fundo dos loteamentos.Os sndicos desses loteamentos constrangem retirar os barcos, discutem

    com pescadores e chamam at a polcia para que os barcos sejam

    removidos. O desgaste, irritao e humilhao que essas pescadores

    passam para poderem trabalhar vergonhoso e inaceitvel. Tudo isso

    porque os loteamentos-falsos condomnios esto se apropriando das reas

    da praia.

    Os abusos continuam em outras reas do municipio e nem mulheresmarisqueiras esto livres do abuso. Em um incidente, as marisqueiras

    foram abordadas por seguranas enquanto mariscavam nas margens de um rio

    as mulheres encontravam-se com o nvel da gua no altura do joelho e

    o segurana de uma pousada alegou que aquela rea era privada. As

    mulheres reclamaram e se negaram a sair. No h dvidas contudo,

    baseados em seus relatos, de que suas auto-estimas foram abaladas por

    trem serem sido desrespeitadas. Outros abusos so as cercas e murosdestes loteamentos, que invadem margens de rios e manguezais e desta

    forma inviabilizam o trabalho delas. Sem nenhum respeito s leis

    ambientais, esses loteamentos falsos condomnios, esto acabando com a

    pesca artesanal de mulheres que aprenderam esta forma de trabalho com

    suas mes e avs, que aprenderam anteriormente tambm com suas mes e

    avs e que uma fonte de sustento. No estamos glamorizando este tipo

    trabalho. O que clamamos aqui que os direitos humanos, as leis

    ambientais e a lei de parcelamento do uso do solo, que elas sejam

    respeitadas, para que famlias que necessitam trabalhar em rios ou no

    mar possam utilizar essas reas de maneira digna sem serem constrangidas

    ou terem suas formas de subsistncia negadas.

    Os abusos e desrespeito s leis no param por a Presidente Lula. Em

    outros loteamentos, lagoas imensas foram usurpadas e mantidas a

    distncia do POVO para o benefcio de poucos. No lotemento fechado

    Parque do Jacupe, seguranas probem pessoas de entrarem na lagoa para

    pescar ou banhar-se, a menos que o documento de identidade seja

    apresentado na portaria do loteamento.

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    Novamente na regio de Guarajuba, no loteamento Paraso das Lagoas, uma

    das maiores e mais belas lagoas do Litoral Norte da Bahia est vigiada

    24 horas por dia e 7 dias por semana e em um trecho da lagoa, grades

    foram instaladas, tudo para garantir que o POVO no tenha acesso

    mesma. importante lembrar que geraes de famlias banhavam-se e

    pescavam nessa lagoa e agora somente algumas centenas de casas temacesso privativo mesma.

    Por fim, as ruas pblicas esto sob controle destes grupos que se

    consideram acima da lei. nibus de passeio so probidos de trafegarem

    nas ruas dos loteamentos; empresas de limpeza pblica e correios esto

    probidos tambm de entrarem.

    O loteamento Vilas do Jacupe chegou ao ponto de exigir que

    trabalhadores como piscineiros, jardineiros e encanadores mostrarem

    antecedentes criminais se quiserem transitar em reas pblicas. Tirar

    esses antecendentes no constitui tarefa fcil e trabalhadores precisam

    aguardar em longas filas no centro da cidade e muitas vezes perdem suas

    oportunidades de trabalho.

    de suma importncia enfatizar que, num estado como a Bahia, onde a

    desigualdade social mais gritante do que em outras partes do Brasil e

    a pobreza limita milhares de famlias a terem como nicas formas de

    lazer o acesso praias, a rios, a lagoas e reservas naturais, proibir o

    acessso a essas reas no s inaceitvel e aviltante como uma

    questo de violao de direitos humanos. Violaes to inaceitveis que

    requerem a ateno da comunidade internacional. Esses so bens

    inalienveis do POVO que no podem ser usurpados por administradoras de

    loteamentos e associaes de moradoradores de loteamentos e por empresas

    de segurana.

    Presidente Lula, a existncia e proliferao destes loteamentos

    fechados, em nada est contribuindo para o fortalecimento de uma

    sociedade brasileira justa e igualitria, onde brasileiros orgulham-se

    de seu pas. Muito pelo contrrio. Este fenmeno de apropriao e

    usurpao ilegal do bem pblico, est trazendo srias consequncias para

    a sociedade brasileira, deixando milhares de brasileiros envergonhados

    de seu pas.

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    Por exemplo, as famlias que moram atrs dos muros e portarias armadas

    desses loteamentos so vtimas tambm. Elas so obrigadas a pagarem

    taxas caras de condomnio morando em loteamento. Muitas dessas

    famlias no se associaram e recusam-se a pagar bitributao para

    morarem em rea pblica. Contudo o no pagamento dessas taxas resulta em

    aes judicias por parte dos fasos condomnios, o que gera desgastefinanceiro e emocional a essas famlias. Outra consequncia que essas

    famlias, tornam-se prisioneiras do medo e do isolamento. Todos tornam-

    se suspeitos para elas, devido a propaganda de medo criada pelas

    empresas de seguranas. Como consequncia, essas famlias ficam longe de

    oportunidades de envolvimento na comunidade o que enriqueceria e

    beneficiaria a todos.

    As administradoras de loteamentos e empresas de segurana que vendemmedo e terror, lucram ilegalmente e fecham reas pblicas, no so a

    soluo para os problemas de segurana. Muito pelo contrrio. Elas

    apenas aumentam o clima de tenso, aguam preconceitos, criam

    oportunidades de prticas discriminatrias e incitam a hostilidade e

    animosidade entre as classes sociais, gerando desta forma mais

    conflitos. Alm do mais, a tolerncia dessas organizaes por parte do

    poder pblico, manda a mensagem para todos de que criar esquemas ilegaise lucrativos ser tolerado neste pas.

    Por seguinte, a segregao social criada pela visvel presena dos que

    TEM e dos que NO TEM NADA ficam ainda mais explcitos, uma vez que

    incontveis reas pblicas esto tornando-se da noite para o dia em

    condomnios fechados. Como resultado, os ressentimentos e possveis

    conflitos entre a comunidade excluda e discriminada e esses loteamentos

    vai aumentar e no diminuir.

    Por fim, as violaes claras Constituco Federal e as decises do

    Supremo Tribunal Federal e do Supremo Tribunal de Justia e mostram a

    todos os cidados brasileiros e a comunidade internacional, que o

    Brasil no um pas SRIO. Que as nicas coisas que so tratadas com

    seriedade neste pas so o carnaval e o futebol.

    Em meio a esse caos que estamos vivendo aqui na Bahia, acredito que

    somente com sua interveno, Senhor Presidente, pode-se impedir o que

    est acontecendo aqui. No podemos retroceder ao passado recente de

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    nossa histria em que terras pblicas eram doadas a fazendeiros e

    latifundios eram criados e o POVO era forado a marginalidade.

    Presidente Lula, invoco seu passado de menino pobre, de filho de

    nordestinos, de algum que j pegou caranguejo no mangue e vendeu

    laranja, para imaginar o que est acontecendo aqui na Bahia. Invoco

    tambm sua posio de presidente de todos os brasileiros,

    independentemente de classe social, respeitado mundialmente, para

    intervir urgentemente nesta situao no mnimo vexatria praticada por

    grupos que se acham acima da lei. Com essas, encerro meu apelo.

    Muito obrigado, ax forte.

    Respeitosamente,

    Roberval de Oliveira

    Rua Coqueiro de Arembepe, s/nArembepe, Camaari, Bahia42.835-00071 3379-4119/[email protected]

    Em nome das seguintes organizaes:

    1. Associao de Pescadores de Burraquinho2. Associao de Moradores do Multiro (Catu de Abrantes)3. Sociedde Progresso P de Areia (Jau)4. Associao SOS Rio Capivara (Arembepe)5. Associao de Moradores Coqueiro de Arembepe6. Associao Unidos de Arembepe7. Associao de Desenvolvimento Social Fontes das guas (Arembepe)8. Associao Coqueiro Solidrio (Arembepe)9. Associao de Moradores de Barra do Jacupe

    10. Associao de Proteo e Defesa do Rio Jacupe ECO-PE11. Sociedade So Francisco de Guarajuba12. Associaao de Pescadores de Guarajuba13. Associao dos Barraqueiros de Guarajuba14. Associao das Marisqueiras Barra do Pojuca

    mailto:3379-4119/[email protected]:3379-4119/[email protected]