documento historico sobre a era lula

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7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula http://slidepdf.com/reader/full/documento-historico-sobre-a-era-lula 1/28 O GLOBO PÁGINA 1 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 01 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO O GLOBO Presidente deixa o poder após oito anos como fenômeno político, apesar de seu governo pouco ter avançado em áreas fundamentais da administração, como educação, saúde, saneamento, infraestrutura, reforma agrária e sem ter feito as reformas política, previdenciária, trabalhista e sindical A CONSTRUÇÃO DO MITO LULA ERA LULA “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010  A 13 dias de deixar o Planalto, o presidente Lula exibe uma inédita popu- laridade na História da República. Seu governo foi marcado por um avan- çosemprecedentes naeducaçãodo país; nasaúde, eleconsolidou oSUS, deixa serviços de qualidade para a população e uma gestão mais eficien- te dos recursos; como se esperava de um governo de esquerda, Lula uni- versalizou o saneamento básico; da mesma forma, cumpriu a promessa histórica do PT e fez a reforma agrária; na área da infraestrutura, deixa aeroportos novos, estradas duplicadas e portos desburocratizados; além disso, usou a sua ampla maioria no Congresso para avançar na reforma política e na atualização da legis- lação previdenciária, das relações trabalhistas e sindicais. Infelizmente,nenhumadas afirmações anterioresé verdadeira —comexceção da estratosférica popularidade de Lula. Mas como podem conviver um presi- dente bom e um governo ruim? Só a estabilidade econômica (herdada do go- verno anterior) explica isso? Seria o Bolsa Família? Ou é tudo fruto do carisma pessoal do ex-operário, com quem o povo brasileiro se identifica? Para debater essas e outras questões e contradições da riquíssima Era Lula, O GLOBO publica este caderno especial. Míriam Leitão, Merval Pereira, Marco An- tonioVillae Carlos Alberto Sardenberg analisam essesúltimosanos, em que “nunca antes na História deste país...” houve paradoxos tão grandes. Articulistas que es- creveram no primeiro caderno especial sobre o governo Lula, ainda sobre as ex- pectativas que o rondavam naquele 2002, reexaminam seus textos e analisam o que foi feito e o que ficou para depois. O presidente do Banco Central, Henrique Mei- relles, e o ex-ministro de Desenvolvimento Social Patrus Ananias, responsáveis pe- losresultadosquemais ajudarama alavancara popularidadedo presidente, naeco- nomia e no social, falam de suas experiências. Da mesma forma, o chanceler Celso Amorim, um dos poucos ministros a atravessar os oito anos ao lado de Lula, fala sobre a políticaexterna doperíodo.O jornalista JoséCasadorevisitouas promessas eleitorais deLulae tambémfazumbalançodoque foicumprido ounão.Umresumo deoitoanosde umgovernoé trabalhoparaaHistória.OpresidenteLulajácomeçou a fazer o seu: na quarta-feira, fez um balanço cor-de-rosa de sua gestão numa so- lenidade oficial. O GLOBO deixa a sua contribuição, ainda no calor do governo, nes- te momento em que Lula deixa o Planalto e entra para a História. Jarbas Oliveira/Agência O Globo/13-12-2010

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Page 1: Documento Historico Sobre a Era Lula

7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

http://slidepdf.com/reader/full/documento-historico-sobre-a-era-lula 1/28

O GLOBO ● ● PÁGINA 1 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 01 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

O GLOBO

Presidente deixa o poder após oito anos como fenômeno político, apesar de

seu governo pouco ter avançado em áreas fundamentais da administração,como educação, saúde, saneamento, infraestrutura, reforma agrária e sem

ter feito as reformas política, previdenciária, trabalhista e sindical

A CONSTRUÇÃODO MITO LULA

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

 A 13 dias de deixar o Planalto, o presidente Lula exibe uma inédita popu-laridade na História da República. Seu governo foi marcado por um avan-ço semprecedentes na educaçãodo país; na saúde, eleconsolidou o SUS,deixa serviços de qualidade para a população e uma gestão mais eficien-te dos recursos; como se esperava de um governo de esquerda, Lula uni-

versalizou o saneamento básico; da mesma forma, cumpriu a promessa históricado PT e fez a reforma agrária; na área da infraestrutura, deixa aeroportos novos,estradas duplicadas e portos desburocratizados; além disso, usou a sua amplamaioria no Congresso para avançar na reforma política e na atualização da legis-lação previdenciária, das relações trabalhistas e sindicais.

Infelizmente,nenhumadas afirmações anterioresé verdadeira — com exceçãoda estratosférica popularidade de Lula. Mas como podem conviver um presi-dente bom e um governo ruim? Só a estabilidade econômica (herdada do go-verno anterior) explica isso? Seria o Bolsa Família? Ou é tudo fruto do carismapessoal do ex-operário, com quem o povo brasileiro se identifica?

Para debater essas e outras questões e contradições da riquíssima Era Lula, O

GLOBO publica este caderno especial. Míriam Leitão, Merval Pereira, Marco An-tonioVilla e Carlos Alberto Sardenberg analisam essesúltimosanos, em que “nuncaantes na História deste país...” houve paradoxos tão grandes. Articulistas que es-creveram no primeiro caderno especial sobre o governo Lula, ainda sobre as ex-pectativas que o rondavam naquele 2002, reexaminam seus textos e analisam o quefoi feito e o que ficou para depois. O presidente do Banco Central, Henrique Mei-relles, e o ex-ministro de Desenvolvimento Social Patrus Ananias, responsáveis pe-losresultadosque mais ajudarama alavancara popularidadedo presidente, na eco-nomia e no social, falam de suas experiências. Da mesma forma, o chanceler CelsoAmorim, um dos poucos ministros a atravessar os oito anos ao lado de Lula, falasobre a políticaexterna do período.O jornalista JoséCasado revisitouas promessaseleitorais deLula e tambémfaz umbalanço doque foicumprido ounão. Umresumodeoitoanosde umgovernoé trabalhopara a História. O presidente Lula jácomeçoua fazer o seu: na quarta-feira, fez um balanço cor-de-rosa de sua gestão numa so-lenidade oficial. O GLOBO deixa a sua contribuição, ainda no calor do governo, nes-te momento em que Lula deixa o Planalto e entra para a História. ■

Jarbas Oliveira/Agência O Globo/13-12-2010

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7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 2 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 01 h PRETO/BRANCO

2 ERA LULA   “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

Ricardo Stuckert/Agência Brasil/22-02-2006

Um presidente que se revelanas suas frases de improviso● Piadas, metáforas, imprecisões históri-

cas, em frases de improviso, revelam opensamento de um presidente, comonunca antes na História. Páginas 14 e 15

Sucessão de escândalosmancha a imagem do PT● Ao chegar ao poder, o PT, que s empre

defendera a ética, se viu no centro desucessivos escândalos, como o do men-salão e o dos aloprados. Página 5

ARTIGOSA Era Lula, por Frei Betto, Luis

Carlos Fridman e Carlos Lessa

PÁGINAS 8, 24 e 26

Para o Estado do Rio, verbase visitas como nunca antes● Foram 67 visitas ao Estado do Rio, nagestão do amigo Sérgio Cabral. O presi-dente Lula despejou, em seis anos, R$101 bilhões no estado. Página 27

Nas colunas, informações dosbastidores do governo Lula● Nas colunas Ancelmo Gois, Nhenhe-nhém, de Jorge Bastos Moreno, e Pano-rama Político, algumas das melhores no-tas sobre a Era Lula. Páginas 2, 16 e 21

Na Saúde, quatro ministrose poucos resultados● Escândalos de corrupção, como vam-

piros e sanguessugas, foram mais fortesdo que os projetos. Medidas para mora-lizar a gestão não avançaram. Página 6

INTIMIDADE À MOSTRA: Lula foi um dos políticos brasileirosque mais mostraram, pelo menos na retórica dos contatos com opovo e dos palanques, seu real modo de pensar, pontuando osdiscursos com histórias sobre suas origens, a relação com os

partidos e os políticos e até com a família, especialmente amulher, dona Marisa. Em fevereiro de 2006, em meio a umadieta que cortava proteínas, ele se deixou fotografar num banhode mar na Praia de Lagoa Doce, em Luís Correia, no Piauí.

PORDENTRODOGLOBO

Não faltaram notícias

Sérgio Marques

PANORAMA POLÍTICO

de Brasília

 A nova Petrobras● Coma descobertade imensasreservasde petróleo no

pré-sal, ganha corpo no governo Lula debate sobre a

criação de umaempresa estatal no setor. Elaexerceria o

monopólio sobre a exploração dessas reservas. A Pe-

trobras não poderia porque tem acionistas privados.

Hoje, cerca de 60% das reservas mundiais de petróleo

são controladas por estatais. Na última década, países

como a Rússia estatizaram o setor.

(Publicada em 06/05/2008. Lei criando a estatal foi proposta emsetembro de 2009 e aprovada no Congresso em julho de 2010.)

O soldado do passo certo

E-mail para esta coluna: [email protected] 

■ ■ ■ ■ ■ ■

● O GOVERNO Lula definiu os estados onde serãoconstruídas as novas usinas nucleares: São Paulo, MinasGerais, Bahia e Alagoas. (Publicado em 08/01/2010)

● FICOU PRONTO o projeto de isenções fiscais negociadocom a Fifa para a Copa do Mundo de 2014. A renúnciaserá de R$ 500 milhões, e o incremento de arrecadação,de R$ 16 bilhões. (Publicado em 21/04/2010)

● O GOVERNADOR José Roberto Arruda está com os diascontados no DEM. A maioria da Executiva do partidoquer sua expulsão por causa do mensalão do DistritoFederal. (Publicada em 02/12/2009)

CORPO A CORPO. Com a batalha contra a CPMF perdida na Câmara, o

presidente da Fiesp, Paulo Skaf, percorre os gabinetes dos senadores. A

entidade já coletou 1,2 milhão de assinaturas contra a prorrogação.Skaf,

otimista, diz: “O governo é forte na Câmara. O Senado está mais firme

numa posição a favor da sociedade.”

(Publicada em 03/10/2007. A CPMF foi rejeitada no Senado em dezembro de 2007.Em março de 2007, o deputado Paulo Bornhausen criou o site “XôCPMF”)

O PT pode lançar um poste que ele vai para o

segundo turno na sucessão de 2010” — Jilmar Tato,

deputado (PT-SP). (Publicado em 06/12/2007)

Novo coordenador ● O líder do governo na Câ-mara, José Múcio (PTB-PE),vai assumir o Ministériodas Relações Institucio-

nais. Walfrido dos MaresGuia vai deixar o governose for incluído na denúnciado valerioduto tucano.

(Publicado em 30/10/07. Múcio virouministro em 22/11/07)

● O presidente Lula está emlua de mel com Dilma Rous-

seff. Passou a noite de anteon-tem discorrendo sobre 2010com os governadores JaquesWagner e Marcelo Déda. E foisó elogios à ministra. Disseque vai apostar nela, que vai

entrar de cabeça na campanhae quer o PMDB na chapa. Lula

ressaltou que Dilma é leal aoprojeto, ao PT e a ele; tem ex-periência política e competên-cia técnica; além de encarnaruma novidade: ser mulher.(Publicada em 30/01/2009)

Dilma na cabeça

Serra e o Rio● “O Serra lavou as mãos”,protestou o vice Luiz Fer-nando Pezão, reclamandoda omissão do governador

José Serra (SP), no debatesobre a distribuição dosroyalties do pré-sal.

(Publicado em 17/03/10. Neste dia,Serra deu entrevista se solidarizandocom o Rio)

Mensalão: o cerco se fecha● Há 12 anos a cúpula do PMDB na Câmara foi desmanteladapela CPI do Orçamento. Agora é a vez de o PT passar pelo mes-mo processo. A CPI dos Correios está apenas engatinhando, ecabeças petistas jáestãorolando.O PTnão temmaiscomando,está atolado no terreno da ética, e sua fragilidade resulta noenfraquecimento do governo Lula.

(Publicado em 04/07/2005. José Dirceu foi cassado; Antonio Palocci, afastadodo governo; e deputados petistas renunciaram)

Ailton de Freitas/03-10-2007

TEREZA CRUVINEL E ILIMAR FRANCO com Fernanda

Krakovics, sucursais e correspondentes

● A imprensa nunca foi tãocriticada como durante omandato do presidente Lula.Nunca houve no país tantosanalistas de mídia como ago-ra. A esta atividade se entre-gou o assessor especial do

presidente Lula, Bernardo Ku-cinski, que escreve diariamen-te o documento “Carta Críti-ca”. Fala Kucinski: “Eles (osrepórteres) não trabalham a

sério as questões, não vão afundo”; “Todos eles (os colu-nistas) defendem a políticaeconômica do Palocci, doBanco Central, defendem cor-te do gasto público, o Estadomínimo”; e “Ele (o presidente

Lula)semprefoi muitomaltra-tado pela imprensa. Os jorna-listas não têm respeito com apessoa do Lula”.(Publicado em 11/01/2006)

AUTOCRÍTICA● Lula, em maio de 2003:“Quando NapoleãoBonaparte visitou a China,ele cunhou uma frase queficou muito famosa junto aoschineses. Disse ele: "A Chinaé um gigante adormecido.No dia em que a Chinaacordar, o mundo vaitremer". Possivelmente, sena mesma época tivessevisitado o Brasil, ele teriadito o mesmo”, afirmou opresidente. Certo: Napoleãojamais foi à China. Emagosto de 2005: “E atéhoje não sabemos quem sãoos inimigos ocultos. Estãotão ocultos que a gente nãoconseguiu saber, e elemorreu sem contar para agente. O Jânio, ou melhor, oJoão Goulart foi obrigado arenunciar." Certo: Jango nãorenunciou, foi deposto. Emmaio de 2007: Lula disseque o sanitarista OswaldoCruz criou o remédio contraa febre amarela.Certo: a vacina foidescoberta em 1937, pelosul-africano Max Theiler. Em1903, ao assumir a Diretoriade Saúde Pública do DistritoFederal, Oswaldo Cruziniciou uma campanhacontra o mosquitotransmissor da doença. Em1904, fez campanha devacinação contra a varíola,doença epidêmicas daépoca. Em 2003: “Quemchegar a Windhoek (capitalda Namíbia) não se sentiránum país africano. Poucas

cidades no mundo são tãolimpas e bonitas." Opresidente teve de seexplicar pelo comentáriopoliticamente incorreto.PARTE DA EQUIPE de Brasília que participou deste caderno especial

Se faltou algo nesses oito anos deLula na Presidência, certamentenão foi notícia. Da chegada do pri-meiro presidente operário ao po-

der aos escândalos de corrupção quemancharam a imagem do PT, às reformasnão feitas, às viagens incessantes, aomaior crescimento econômicodesde o re-gime militar (e com inclusão social), às ti-radas espontâneas, à ligação com o povo,à mistura entre o público e o privado...Foramanos agitados na política,mas, sur-preendentemente, com calmaria na eco-nomia. Teve de tudo, inclusive escassezde entrevistas coletivas formais — nesteperíodo, O GLOBO fez duas entrevistasexclusivas com Lula, sempre no primeiromandato. O presidente também foi agra-

ciado pelo GLOBO como um dos vence-dores do Prêmio Faz Diferença, pela con-dução da economia, em 2003.

Concluída a apuração da última eleição, oGLOBO publicouum cadernoespecial sobrea trajetória da presidente eleita, Dilma Rous-seff — como já fizera em 2002, após a vitóriahistórica de Lula. A 13 dias do fim da Era Lu-la, este novo caderno especial tenta traçarum retrato do que foram esses oito anos doprimeiro operário a chegar à Presidência.

O caderno foi co-ordenado pela edi-tora de O País, SIL-

VI A F O N S E C A , que,há trêsmeses,mobi-lizou, além da sua, aeditoria de Econo-mia, as sucursais deBrasília e São Pauloe colunistas. Jorna-listas de Brasília que

cobrem o governoLula — e a grandemaioria deles cobriuos dois mandatos —produziram a maior

parte das reportagens para o caderno. CHI-

CO DE GOIS , repórter que acompanha Luladesde o primeiro dia do segundo mandatoao lado da colega LUIZA DAMÉ , resume es-ses anos: não há rotina ao acompanhar arotina do presidente.

— O homem que, uma vez com a faixapresidencial, mais falou, mais viajou emais popular se tornou pode repetir dis-cursos e dar bocejos aos repórteres nasincontáveis cerimônias das quais partici-pa, mas, ao mesmo tempo, surpreende esempre gera notícias — diz Chico.

■ ■ ■ ■ ■ ■

O caderno especial da Era Lula trazuma lacuna: o próprio Lula. Diferente-mente de todos os seus antecessores, o

presidente não aceitou dar a tradicionalentrevista de final de mandato que Sar-ney, Itamar, Fernando Henrique e até Col-lor concederam antes de descer a rampa.Desta vez não foi possível furar o blo-queio imposto pelo secretário de Impren-sa, Franklin Martins, que só admitiu que opresidente recebesse jornalistas que eleconsiderasse amigos, o que não aconte-cia quando Ricardo Kotscho e André Sin-ger assessoravam o presidente Lula.

Page 3: Documento Historico Sobre a Era Lula

7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 3 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 31 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 3

Truques dos números oficiais e carisma do presidente inflam desempenho

econômico de gestão que aumentou gastos e investiu menos do que diz

O PARADOXO LULA: FENÔMENOPOLÍTICO, GOVERNO MODESTO

POR MÍRIAM LEITÃO

NA EDUCAÇÃO, PROPOSTAS EXTREMAS, ALGUNS VEXAMES E A FALTA DE FOCO NA QUALIDADE

LULA EM solenidade de assinatura de contrato do Comperj, no Rio: ele foi o marqueteiro de si mesmo e de seu governo, sem descer do palanque ao longo desses oito anos

Gabriel de Paiva/8-3-2010

Na economia, o mito Lulanão se sustenta em fatos.Ele é um bem-sucedido re-sultado da repetição diáriade uma versão triunfalista

e de truques numéricos. Em 2010, opaís teve o maior crescimento em 25anos; mas em parte porque em 2009caiu 0,6%, a pior recessão desde 1990.

O presidente termina o mandato commaisde 80%de popularidade, masemoutubro de 2005 apenas 31% diziamque o governo era bom ou ótimo. Noprimeiro ano, Lula aumentou o supe-rávit primário; nos últimos anos, pro-moveu uma orgia de gastos. Consoli-dou um amplo programa de transfe-rência derenda aospobres,e fezfortedoação de recursos públicos aos ri-cos. Atingiu a menor taxa de desma-tamento,mas fincou várias estacas nocoração da Amazônia. Quem vê só acena final, não entende o filme.

Quando lançou o primeiro PAC, em2007, o governo disse que seriam in-vestidos mais de R$ 600 bilhões, masinvestiu menos de 1% do PIB por ano,em média. É preciso paciência para se-parar a fanfarra dos fatos. Apenas 9%do total é investimento público fede-ral. Mas o governo põe no mesmo pa-

cote investimentos de estatais, contra-partidas estaduais, projetos privadose até o esforço das famílias. Quem pe-gou um empréstimo no banco e com-prou um imóvel, novo ou usado, ou re-formoua casa entrou na conta doPAC.Aliás, se somar todo o investimentoem logística — rodovias, portos, aero-portos — e mais os de energia — in-cluindo-se petróleo — dá menos doque o total de financiamentos paracompra ou reforma de casa. A propó-sito: apenas 0,2% é de casa popular.Aquele apartamento que você com-prou com seu esforço e pagará, comjuros, por 20 anos, o governo Lula in-cluiu hoje como ação concluída no ba-lanço do PAC. Os financiamentos imo-biliários, mesmo junto aos bancos pri-vados,são 48%do PAC.É óbvioque dí-vidas das famílias não são investimen-to público. Para confundir mais, o go-

verno muda o cronograma das açõespara que elas não apareçam comoatrasadas. Dá muito trabalho desco-brir o truqueembutido emcada núme-ro do governo Lula. A verdade está emestatísticas como as do IBGE que mos-tram que, em saneamento, subiram de56% para 59% os domicílios com aces-so a redes de esgoto. Apenas isso. Nãohouvea revolução de investimento pú-blico que a propaganda diz.

parte do mito Lula. As compras cresce-ram porque a estabilidade foi mantida,a oferta de créditodobrou, o saláriomí-nimo aumentou 54% em termos reais.Além disso houve o Bolsa Família.

Milhões de brasileiros entraram nomercado de consumo, mas o marcoinicial do processo de retirada depessoas da pobreza e formação domercado doconsumo demassasfoioPlano Real. Naquela época, o total depobres caiu de 47% para 38%. No go-verno Lula, caiu para 25%.

O Fome Zero foi abandonado emfavor do Bolsa Família, uma tecnolo-gia mais atualizada, testada pelo Bol-sa Escola no Brasil e em programas

similares no México. Teve o méritode unificar projetos anteriores, me-lhorar o cadastro dos pobres e am-pliar a rede de proteção social. Mas apolítica exige correção urgente. Dassuas distorções, a pior é a de apre-sentar o benefício como concessãode um líder paternalista, em vez deser o direito do cidadão. A queda dodesemprego é um dos grandes ga-nhos, mas o desemprego entre jo-vens de 18 a 24 anos ainda está na es-pantosa marca dos 14%. Na últimaPNAD, 41% dos trabalhadores aindaestavam na informalidade.

O mundo ajudou nos primeiros cin-co anos, quando houve o melhor mo-

mento recente da economia mundial.De 2003 a 2007, o mundo cresceu deforma acelerada, o fluxo de capitaispara os paísesemergentesteveum sal-to exponencial, o comércio internacio-nal dobrou e os preços dos produtosque o Brasil exporta explodiram.

O Banco Central acumulou reservas.Isso foifundamentalparaenfrentara cri-se mundial que explodiu em 2008. Mas2010 termina com um déficit em transa-ções correntes de US$ 50 bilhões. Nosprimeiros anos o Brasil cresceu menosque o mundo. Nos oito anos, cresceumenos que a América Latinae ospaísesemergentes. Os juros eram — e aindasão — os mais altos do mundo.

O tamanho do Estado na economiavoltou a crescer, e a ideia de agênciasreguladoras independentes foi destruí-da. Não houve uma única boa reformano atual governo. A da previdência dosfuncionários do setor público foi umagrande batalha inicial. O governo Lulaconseguiu aprová-la, em batalhas du-ras. No final, foi muito barulho por na-da.A reformajamaisfoi regulamentada,e o país voltou à estaca zero.

Só uma vez antes na História destepaís houve tanta transferência de di-

nheiro público para grandes empre-sas: no governo militar. O BNDES re-cebeu um reforço de R$ 200 bilhõesdiretamente do Tesouro para em-prestar às empresas. Um dinheiroque custa ao governo o dobro do queele cobra dos grandes tomadores. A diferença de taxas é doação aos ri-cos. O BNDES fez escolhas polêmi-cas: financiou a concentração empre-sarial, a compra de uma empresa poroutra, sem nenhum ganho para opaís ou o consumidor, nem um úniconovo emprego gerado. Algumas eramempresas familiares. Há desastresmaiores: o banco comprou ações eemprestou dinheiro para o frigoríficoIndependência, que quebrou logoapós receber o dinheiro. As estatais eos fundos de pensão de estatais en-traram de sócios para estatizar o ris-co em projetos perigosos como as hi-drelétricas da Amazônia, entre elas,Belo Monte. No projeto do Trem Balaestá escritoque,alémdo dinheiroba-rato, haverá R$ 5 bilhões de doaçãopara o grupo vencedor caso haja me-nos passageiros do que o previsto.

Lula, o metalúrgico, foi um líder demobilização na Presidência. Usou to-do o seu carisma e capacidade de co-municação para garantir o apoio aoseu governo num arco que atraves-sou classes sociais. Lula, o presiden-te, se entregou incessantemente aoesforço de autolouvação e de nega-ção de qualquer mérito em governosanteriores. Teve sucesso impressio-nante em obscurecer os fatos. A His-tória permitirá que se veja o governoLula com seus méritos e defeitos. Elemanteve as conquistas da estabilida-de da moeda, ampliou o consumo eestruturou melhor a rede de apoiosocial. Aprofundou o aparelhamentoe o uso da máquina pública paraatender a interesses partidários epessoais e capturou os movimentossociais, tornando-os dependentes dodinheiro público. Fortaleceu o novoBrasil que nasceu no Real, mas pre-servou a sombra do velho Brasil. ■

Na educação, o governo Lula teve três ministros,nenhuma estratégia e alguns vexames, como os doEnem. A meta inicial de erradicar o analfabetismofoi abandonada. Caiu de 11,8% para 9,7% em oitolongos anos. Ao todo, 14 milhões de brasileiroscom mais de 15 anos ainda são analfabetos.

Mudou o ministro, e o objetivo foi para o outro ex-

tremo:passou a serampliaro númerode universidadespúblicas. Várias foram inauguradas, mas as universida-des federais atendem a apenas um quarto dos alunosdoensinosuperiore metadedos seusestudantes estãoentre os 20%mais ricos do país. Comobjetivos tãomu-tantes, deixou-se de fazer o óbvio. O governo anteriortinha perseguido, com sucesso, o objetivo de por todacriança na escola. O óbvio passo seguinte seria melho-rara qualidade.O governoanteriortinhacriado formasde avaliação e um fundo especial para o desenvolvi-mento educacional, o Fundef. Na oposição, o PT foicontra as duas iniciativas. No governo, trocou o nomepara Fundeb, mudou a metodologia, mas manteve osistema de avaliação. Uma boa novidade foi o ProUni,cujo objetivo é financiar o ensino superior dos pobres,mas os 20% mais pobres ainda são apenas 1,5% dosestudantes do ensino superior privado e 3,4% dos es-tudantes do ensino público.

É na educação que se trava a batalha econômica de-cisiva na erado conhecimento,quando a riqueza maiorsão os cérebros. O Brasil é o 53o- país em qualidade daeducação num ranking de 65 países do Pisa, teste in-ternacional de estudantes feitos pela Organização paraa Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A ONUconstatou, ao divulgar o último Índice de Desenvolvi-mento Econômico, que o Brasil tem a mesma escola-ridade do Zimbábue, país que passou nos últimos oitopor hiperinflação e recessão de 7% ao ano. Pior do queas comparações internacionais são as internas. PeloIdeb, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica,que mede o desempenho do ensino fundamental e mé-dio, a nota conseguida pela escola pública em 2009 foi

de 4,4 nos primeiros quatro anos do fundamental. Noensinoprivado,foi de6,4. A desigualdade existe,e tantoo ensino pago quanto o público não se saem muitobem. O que realmente desanima é verificar que a metado Ideb para daqui a uma década, em 2021, é chegarcom o ensino público à nota de 5,8. Isso é menos doque o ensino privado tinha em 2009. Os dados ficam

piores quanto mais sobe a série escolar. No ensino mé-dio, a meta para a escola pública é chegar a 2021 com4,9 de desempenho, quando, em 2005, o da privada jáera de 5,6.

O Brasil não podia perder um minuto na educação,principalmente por ter errado sempre nessa área de-cisiva. Mesmo assim, perdeu tempo nos dois governosLulapornãosaber sequeriamirarum extremo— o fimdo analfabetismo — ou o outroextremo — a ampliaçãodo número de universidades públicas —, quando a vir-tude estaria em mirar o objetivo do meio: melhorar aqualidade do ensino fundamental e manter os adoles-centes nosbancosescolares. A Síntesedos IndicadoresSociais de 2010 mostra que metade dos jovens de 15 a17 anos não está no ensino médio. Já pararam de es-tudar ou estão atrasados.Entreos 20%mais pobres, só32%estão no ensino médio na idade certa. A arrancadana educação que precisava acontecer não aconteceu.Não seria possível resolver tantos erros acumuladosnessa área crítica, mas certamente poderia ter sido fei-to mais, se houvesse foco no essencial. No debate elei-toral, esse quadro agudo de atrasos mal foi tocado. Osdois candidatos se limitaram a disputar quem ofereciamais escolas técnicas. A falta de uma radiografia reve-ladora dos riscos na educação faz com que o novo go-verno comecesem o sentidode urgência no campo on-de estamos perdendo o futuro. (Míriam Leitão)

O GLOBO NA INTERNET

VÍDEO Míriam Leitão analisa os prós e contras daeconomia no governo Lulaoglobo.com.br/pais

QUEM PEGOU UMEMPRÉSTIMO NOBANCO ECOMPROU UMIMÓVEL, NOVO OUUSADO, OUREFORMOU ACASA ENTROU NACONTA DO PAC

Os gastos de pessoal, previdência ecusteio aumentaram sempre acimadoPIB,e sãoa piorherançaqueo pre-sidenteLula deixa paraa sucessora. Ogasto não financeiro total da Uniãoaumentou 145% entre 2002 e 2009. Onúmero de funcionários civis e milita-res aumentou em 155 mil. Só de DASforam 3.200 a mais. De cargos em co-missão e funções gratificadas foram15 mil a mais. Criou 10 ministérios ousecretárias com status de ministério.O governo inchou e aparelhou a má-quina. A carga tributária subiu trêspontos percentuais do PIB. E o paíscontinua tendo déficit nominal.

A projeção do Brasil no exterior seampliou com a diplomacia presiden-cial, mas o país entrou em frias comoa do apoio ao projeto nuclear do Irã.Sacrificou princípios por uma cadei-ra no Conselho de Segurança daONU, que não conseguiu.

No governo Lula foram desmatados125 mil km² de floresta amazônica. Issoequivalea uma área82 vezesmaior quea cidade de São Paulo, ou ao territóriode Portugal e Bélgica somados. É 18%menosdo que o totaldesmatadono go-verno anterior, mas o risco é o rumomudar porque foram lançadas obrasque levam o eixo do desmatamento pa-ra cada vez mais dentro da floresta, co-mo a hidrelétrica de Belo Monte e a BR319, de Manaus a Porto Velho.

O consumo em alta explica grande

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O GLOBO ● ● PÁGINA 4 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 31 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

4 ERA L UL A  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

COBERTOR DO ENSINODEIXOU DE FORA O BÁSICOQualidade da educação não avançou e resultados do país aindasão um vexame; já a oferta de vagas no nível superior aumentou

Gabriel de Paiva/05-10-2009

PROTESTO DE estudantes na Cinelândia, Centro do Rio, contra o vazamento do Enem em 2009: organização da aplicação das provas foi um dos desacertos no setor

POR ALESSANDRA DUARTE

Ocurrículo do presidente ter-mina este ano com 14 mi-lhões de analfabetos commais de 15 anos, uma popu-lação com 7,2 anos de estu-

do em média — mesmo nível de esco-laridade do Zimbábue —, e uma provapara o ensino médio que deu vexameduas vezes. Mas terá também a criaçãode bolsas em faculdades particularespara alunos de baixa renda, com oProuni, e um piso salarial nacional parao professor. Apesar de deixar para a su-cessora avanços como mais vagas nonível superior, a eraLula entregará a Dil-ma Rousseff um sistema que não avan-çouna qualidade do ensino,um modelodo Enemque precisará serrevisto, altastaxas de evasão no ensino médio, baixacobertura de creches e fracassos nocumprimento de metas do atual PlanoNacional de Educação.

O Prouni foi um dos avanços sauda-dos pelo setor. “Para mim, foi o maisimportante”, diz Rodrigo Capelato, di-retor-executivo do Semesp (Sindicatodas Entidades Mantenedoras de Esta-belecimentos de Ensino Superior deSão Paulo). O principal no programa,diz, foi o uso de vagas ociosas da redeprivada de ensino superior:

— Foram mais de 400 mil alunos queentraramna rede privadadesde2005 —destaca Capelato, e cita outro avanço,porém menor, da educação nesses últi-mosanos: — A reformulaçãodo Fies (fi-nanciamento estudantil) este ano, comredução da taxa de juros cobrada, porexemplo.Era necessário,ninguém se in-teressava em buscar financiamento.

Conselheiro do Movimento TodospelaEducação,MozartNeves Ramos in-clui mais dois itens na lista de pontos afavor da educação no governo Lula:

— Os doisdecorremda continuidadede políticas: primeiro, o (ministro Fer-nando) Haddad pegouo antigo Saeb e oaperfeiçoou criando a Prova Brasil; se-gundo, transformaram o Fundef (fundoque abrangia só o ensino fundamental)no Fundeb (que passou a incluir tam-

bém educação infantil e ensino médio).Ter estabelecido uma meta de de-

sempenho e fluxo escolar (repetência eevasão) dos alunos — obter nota 6 noIdeb até 2022 — também foi um ganho,completa Ramos. Assim como a PEC59, que acabou com a DRU (desvincu-lação de receitas) para a educação.

Mas a nota baixa na educação do go-verno Lula, na opinião de Rodrigo Ca-pelato, vai, por exemplo, para a formacomo se deu o Reuni, programa de ex-pansão das universidades federais. Foicom o Reuni que Lula passou a afirmarter sido o presidente que mais teriacriado universidades(mais de dez,sen-

doque váriasjá existiam,tendo sido fe-deralizadas ou reestruturadas).

O programa teve saldos como o es-tímulo à criação de vagas no períodonoturno em universidades já existen-tes, “um melhor uso de estruturasque não precisaram ser criadas”, dizCapelato. Mas ele ressalva:

— Expandir o sistema criando novasuniversidades, não acho que seja o ca-minho. É caro, para um resultado quefoi até baixo, já que o programa criouapenas cercade 150mil vagas atéagora.Além disso, fica o risco de haver deci-sões por critérios políticos. Por exem-plo,a criaçãodas universidades de Gua-

rulhos e do ABC: são praças saturadasna oferta de ensino superior; então, sópodemos considerar como tendo sidobeneficiadas por decisão política.

Mostra de que a expansão do Reuninão teria se traduzido em aumento su-ficiente de alunos nos bancos de facul-dade é a taxa de escolarização líquida(proporção da população matriculadano nível de ensino adequado para suafaixa etária) dos jovens de 18 a 24 anos(faixa quedeveriaestar no ensino supe-rior): só 14%. A meta do governo erachegar a 2010 com pelo menos 30%.

— Paraum paísquese querumapo-tência, esse número teria de ser de uns

50% — analisa Edward Madureira, pre-sidente da Andifes (Associação Nacio-nal dos Dirigentes das Instituições Fe-derais de Ensino Superior) e reitor daUniversidade Federal de Goiás. Ele elo-gia, porém,o andamento doReuni:— Osistema está quase dobrando de tama-nho. A questão é que as matrículas nãoocorrem todas no início da expansão.

Como no Reuni o dinheiro federalpara universidades é condicionadoao número de vagas a serem criadas,

houve ainda o fato de que muitas uni-versidades, para não perder a verba,comprometiam-se com um aumentode vagas com o qual não tinham con-diçõesadministrativase físicasde ar-car. Sem falar que a expansão foi ini-ciada sem que tenham se resolvidoquestões como a autonomia orça-mentária das universidades.

Na lista de problemas da educaçãonosúltimos anos, somam-seàs fragilida-des do Reuni os contratempos doEnem. Exame com pretensão de avaliarde uma só vez mais de quatro milhõesde alunos, viu sua primeira edição, em2009, ser sabotada por vazamento deprovas. Já a segunda edição, este ano,não ficouimune a cartões de resposta ecadernos de prova com erros.

— O problema é que o governo quislançar uma prova com esse alcance,mas na hora não tinha pessoal suficien-

te ou preparado. Quiseram abraçar omundo, quando poderiam ter feito oEnem em fases, ou consultado entida-des com experiência em ações do tipo,como a Fuvest... — critica Capelato.

— Poderia haver, na aplicação dasprovas do Enem, um maior envolvi-mento das universidades federais, jápreparadas para isso — acrescentaEdward Madureira.

O fato de tanto um avanço como oProuni como percalços como os vivi-dos por Enem e Reuni estarem ligadosao ensino superior mostra o quanto es-se nível de ensino recebeu atenção dogovernofederalnos últimos anos— emdetrimento, dizem, da atenção que pre-cisaria ser dada à educação básica.

— O ensino superior dá mais visibi-lidade. Mexe com os jovens na socie-dade — afirma Mozart Ramos.

Nãofaltamsinaisde quea educação

básica precisa ser mais bem cuidada.Um deles é o custo anual por alunonesse nível, em comparação com ocusto anual por aluno na educação su-perior. Um universitário custa R$ 15mil aproximadamente, enquanto umalunona educaçãobásica, emtornodeR$ 2,9 mil, afirma Ramos.

— Sendo que o universo de alunosno ensino superior é muito menor —completa Rodrigo Capelato.

O mau desempenho dos alunos nosníveis fundamental e médio, sobretudona rede pública, é outro fator a chamaratenção para a área. No início destemês, os resultados do Programa Inter-nacional de Avaliação de Alunos 2009(Pisa, que avalia o conhecimento de es-tudantes de 15 anosem matemática,lei-tura e ciências) mostraram que, numaavaliação que abrangeu 65 países, oBrasil ficou em 54o

- lugar.

Em matemática, por exemplo, dosalunosquechegam à 4a

- sériedo ensinofundamental, só 25% aprenderam a dis-ciplina nos níveis mínimos esperados,diz o Todos pela Educação. Dos quechegam ao 3o

- ano do ensino médio, es-se número é ainda menor — 10%.

— A situação do ensino médio é omais preocupante — diz Edward Ma-dureira. — O número de vagas ofere-cidas no ensinosuperioré maior queode alunos no 3o

- ano. Há um estrangu-lamento aí que está no ensino médio.

A necessidade de universalizaçãoatinge não só o ensino médio, mas tam-bém a educação infantil — as creches epré-escolas, em déficit na rede pública—,a outrapontado ensino que,comooantigo 2o

- grau, só entrou mais tarde nobolo de um fundo federal (quando oFundefvirouFundeb). Só 50%das crian-ças entre 4 e 5 anos estavam matricu-lados na educação pré-primária no paísem 2008, enquanto a média na AméricaLatina era de 65,3%, diz a Unesco.

Base para a melhoria de todo o sis-tema, a valorização do professor deuum passo com Lula, mas também nãoavançou. O governo conseguiu aprovarlei que criou um piso salarial nacionalpara o professor. No entanto, a lei nãoestá em vigor, mas sob análise do Su-premo Tribunal Federal, após estadospedirem revisão do texto.

— Em2007 e 2008, o governo atuouna educação básica. Mas, em 2009 e2010, a agenda do ministro passou aser inaugurar campus. Só que a edu-caçãobásica, porser de co-responsa-bilidade de estados e municípios,precisa de uma coordenação do go-verno federal — diz Mozart Ramos.— Então, faltou uma mobilizaçãomaior do governo que não se dividis-se entre ensino básico e superior. Fal-tou o governo promover um pactopela educação básica. ■

O GLOBO NA INTERNET

VÍDEO Noblat: Quando Lula irá‘desencarnar’ da Presidência?oglobo.com.br/pais

BOAS INICIATIVAS NA CULTURA, MAS SEM O 1%Cultura agitada, essa do governo Lula. Começou

com o músico Gilberto Gil dando canja como minis-tro. Polemizou logo de cara ao tentar criar uma agên-cia para o cinema que foi tachada de dirigismo cul-tural. Polemizou de novo, desta vez em torno da re-forma do principal instrumentode patrocínio culturalno país, a Lei Rouanet. E vai terminar com um orça-mento que não atingiu o 1% prometido por Lula noprimeiro mandato. Ao lado de ações como a criaçãodos Pontos de Cultura, o principal avanço do Minis-tério da Cultura nos últimos anos foi chamar atençãopara a área, justamente a partir da ida da estrela deGil — mas essa visibilidade não se refletiu num au-mento de verba que fosse suficiente para superar adefasagem histórica do orçamento da área.

Logono inícioda gestão, Giltevede encarar a con-trovérsia provocada peloprojeto de criação da Agên-cia Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav),criticado por trazer itens que poderiam dar margema controle da produção cultural e interferência na li-berdade de expressão. O governo acabou dando obraço a torcer e desistiu da proposta.

Mas, apesar da desconfiança inicial por parte daclasse artística, a gestão Gil acabou sendo aprovada aponto de, na viradado primeiro parao segundoman-dato de Lula, o setor lançar o manifesto “Fica, Gil”.Além de sua própria presença já ter voltado os ho-lofotes para a pasta, Gilcomeçou umapolítica deedi-tais, lançou o Fundo Setorial do Audiovisual e iniciouos Pontos de Cultura, programa que, apesar de ter

sofrido mais tarde com problemas e atrasos em pres-tações de contas,se tornaria umadas marcasda atualpolítica cultural, ao destinar verba a entidades cultu-rais de menor porte que já funcionavam, mas que,com o dinheiro, puderam se consolidar.

A saída do músico em 2008 e a entrada em seulugar do então secretário-executivo da pasta, JucaFerreira, trouxeram continuidade de ações, alémde outras como o projeto do Vale-Cultura, nosmoldes de um tíquete-alimentação, só que paraconsumo cultural. Mais que isso, porém, a gestãoJuca significou a entrada em pauta da reforma daLei Rouanet, que dividiu artistas, produtores e pa-trocinadores. A proposta inclui aumento do inves-timento em cultura via Fundo Nacional de Cultura(em que há maior participação do MinC na esco-lha dos projetos), em vez de o foco do investimen-to ser só via renúncia fiscal — principal meio deestímulo à cultura hoje.

O projeto termina o ano ainda no Congresso,sem aprovação. Mas o maior problema do setortalvez seja fechar 2010 com um orçamento quenão chegou a 1% do total. Em 2003, o orçamentodo MinC era de 0,08%. Este ano, foi de 0,23% dosR$ 947,8 bilhões do total, incluindo gastos compessoal, custeio e investimentos. Em sua defesa, oministério diz que chegou lá sim e ultrapassou,mas usando critérios que não levam em conta,por exemplo, as receitas com contribuições so-ciais. (Alessandra Duarte)

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ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 5

NO PODER, PT

MANCHA A ESTRELACOM ESCÂNDALOSDesde que chegou ao Planalto, partido se envolveunuma série de casos como do mensalão e de dossiês

Gustavo Miranda/16-06-2005

 JOSÉ DIRCEU: o ministro da Casa Civil caiu durante o escândalo do mensalãoRoberto Stuckert Filho/06-07-2005

MARCOS VALÉRIO: operador do mensalão chamado de “carequinha” por JeffersonFabio Rodrigues Pozzebom/ABr/20-05-2010

ERENICE GUERRA: a ex-ministra provocou desgastes para Dilma na campanha

POR CHICO DE GOIS

BRASÍLIA 

O“santo” deixou-se flagrarem pecado. O PT, que des-de sua criação, em 1980,esmerou-se na arte daguerra, atacando quem es-

tava no governo com uma logísticaque tinha como principal arma a de-fesa da ética e a esgrima contra a ver-dadeira ou suposta corrupção dosopositores, sucumbiu à tentação dopoder. Uma vez catapultado à cadeiramais macia do Palácio do Planalto, overmelhoque caracterizava a raiva dopartido deu espaço para o vermelhoque envergonhou a muitos. E desco-briu-se o óbvio: o PT é um partido co-mo outro qualquer. A constatação foifeita por ninguém menos que seu pre-sidente de honra e então presidenteda República, Luiz Inácio Lula da Sil-va. Grandes e barulhentos escândalosde corrupção se sucederam ao longo

dos últimos oito anos.Aosubira rampaem janeiro de2003,

depois de três tentativas frustradas, alegenda foi,aos poucos, demonstrandoque no reino da Esplanada dos Minis-térios não há santos. O primeiro sinalde que pecados havia surgiu logo noinício da gestão petista. Atendia pelonome de Waldomiro Diniz e estava lo-tado no Palácio do Planalto, alojado naSubsecretaria de Assuntos Parlamenta-res da Presidência. Era assessor diretodo então todo-poderoso ministro daCasa Civil, José Dirceu — que muitosdepois tentaram caracterizar como o“coisa ruim”, responsável por tudo demau que aconteceu no primeiro man-dato de Lula e na geração seguinte.

Waldomiro foi flagrado em filmagempedindo propina para si e dinheiro pa-ra campanha política em 2002, quandopresidia a Loteria do Estado do Rio de

Janeiro (Loterj). Queria pouco, para ospadrões vigentes na política: 1% de co-missão. O pedido era dirigido a CarlosAugusto Ramos, o Carlinhos Cachoei-ra, empresário de jogos. Para muitos,era simplesmente bicheiro.

A revelação se deu em fevereiro de2004 e serviucomoroteiro para o com-portamento que o PT e o governo ado-tariam nos outros escândalos que seseguiam: negação da prática, ataque àoposição,discurso de que se pretendiadesestabilizar o governo, proteção noCongresso paraevitara todocusto queo acusado viesse a público prestar es-clarecimentos e exoneração a pedido.

“Soube da notícia às dez e meia damanhã e, ao meio dia, eu já tinha exo-nerado o cidadão (Waldomiro Diniz)”,disse Lula em seu programa de rádio,no 4o

-dia após a divulga-ção da denúncia.

Embora o casoWaldomiro te-nhaabalado a re-putação do PT,nada se compa-rou ao infernoque estava porvir. O fogo amigo

José Dirceu. A mão operadora, o entãotesoureiro do PT, Delúbio Soares. Ostentáculos passavam por Minas, porum “carequinha”, como ele se referiu aMarcos Valério,o homemque transfor-mou em marketing negativo o jeitinhoPT de governar.

Neste caso, o presidente Lula resistiua se livrar dos companheiros do PT.Mas,um a um,nomesque brilhavam nopanteão petista acabaram lançados àsprofundezas: o presidente do partidoJosé Genoino; o ex-presidente da Câma-ra João Paulo Cunha; o ex-líder do go-verno Luiz Carlos Silva, mais conhecidocomo professor Luizinho; o ex-presiden-te do PR Valdemar da Costa Neto; o ex-

secretário-geral do PT Silvio Pereira. Eo poderoso José Dirceu, a quem Jef-

ferson mandara sair da cadeiraantes que atingisse Lula.

Menos de dois meses depoisde estourado o escândalo, mui-tos já tinham caído. E Lula co-meçou a adotar o discurso queexploraria muitas vezes ao lon-go do seu governo. Primeiro,

dizendoqueo PTestavafazendoo quetodos os partidos fizeram a vida toda.Depois, insistindo que no seu governoa diferença é que havia combate à cor-

rupção e punição.“Nesses 29 meses de governo maisde mil pessoas foram presas no Brasil,ou seja, presas de verdade, por sone-gação, por prática de corrupção. (...)Goste quem gostar, doa a quem doer,nós vamos continuar sendo implacá-veis na apuração da corrupção e quemtiver que ficar bravo com o governo,que fique. Mas se tiver, nós vamos apu-rar”, disse em julho de 2005.

O mensalão nem tinha acabado e, àsvésperas das eleições de 2006, o Brasilconheceu outros personagens: os alo-prados.Alcunhadada pelopróprio Lulaaos petistas paulistas que se meteramna compra de falso dossiê contra tuca-nos— especialmente contra José Serra,que disputava o governo paulista.

A ação da turma, que parecia roteirode filme policial, teve direito a maletasde dinheiro em quarto de hotel. Como

no caso anterior, os envolvidos fre-quentavam os arredores do Planalto.Em alguns casos, até a intimidade dachurrasqueira do presidente.

Antesdo “dossiê dos aloprados”,umoutro escândalo abalou o governo e oCongresso, em maio de 2006, quando aOperaçãoSanguessuga da Polícia Fede-ral tornou público um grande esquemade superfaturamento de ambulânciascompradas com dinheiro de emendasparlamentares ao Orçamento da Uniãopara prefeituras. A PF prendeu 48 pes-soas, mas todos foram soltos e respon-dem a processos em liberdade. O Con-gresso abriu uma CPI, e as investiga-ções resultaram na abertura de 67 pro-cessos contra deputados e trêssenado-res acusados de envolvimento.

Nenhum dos parlamentares foi puni-do pelo Congresso. Nem o processo ju-dicial teve ainda condenação. A pena

foi aplicada pelas urnas. Na Câmara,apenas cinco dos que responderam aprocessos no Conselho de Ética foramreeleitos naquele anode 2006.O esque-ma que envolveudezenasde parlamen-tares e prefeitos era comandado porLuiz Antonio Vedoin e Darci Vedoin, só-cios da empresa Planam.

O então ministro da Saúde, o petistapernambucano Humberto Costa, per-deu o cargo e chegou a ser indiciado, apedido do Ministério Público. Recente-mente, foi absolvido. E, em outubro, ga-nhou um mandato de senador.

Segundo a Controladoria Geral daUnião (CGU) e o Departamento Nacio-nal de Auditoria do Ministério da Saú-de, a máfia dos sanguessugas causouprejuízo de mais de R$ 15 milhões,com a compra de ambulâncias super-faturadas em mil convênios assinadoscom cerca de 600 municípios.

Apesar de todo o terremoto, a terranãoseabriusobospésdeLula.Aocon-trário. Foi re-eleito. Só te-ve que espe-rar a vitóriano 2o- turno.

N o 2 o-

mandato, os

pecados continuaram. Em vezde vídeosde pessoas recebendo dinheiro e de in-trincadas operações de distribuição, osescândalos surgiram em forma de dos-siês. E atingiram a “guardiã da porta docéu”, a então ministra Dilma Rousseff —que negou qualquer açãocontra as prá-ticas republicanas.

Começoucom a revelaçãode quesuabraçodireito, Erenice Guerra, pediraumlevantamento de todos os gastos dopresidente Fernando Henrique Cardoso(PSDB) e sua mulher, Ruth, comcartõescorporativos.A ideia do ataque eraneu-tralizar a exploração do fato de que aPresidência estava utilizando os cartõespara compras que pouco tinham a vercom questão de segurança nacional.

Erenice Guerra, a amiga, se envolveuem mais casos rumorosos e, este ano,quase levou Dilma à derrota nas elei-ções presidenciais. Seu fogo amigo por

pouco não se transformou emincêndio sem controle.

E o ingrediente inflamável foi o mesmode escândalos anteriores: dossiê.

Começou com levantamentos clan-destinos de Imposto de Renda de tuca-nos. E acabou com a demonstração deque a assessora mais poderosa de Dil-ma tinha tanto poder queconseguiu en-caixarno governo umaparentada queiados filhos ao marido, passando por ir-mãos e amigos. Todos acusados de trá-fico de influência. E muitos exoneradosnorastrodas denúncias.Inclusivea pró-pria Erenice, que já era apontada, antesda vitória petista, como “a toda-podero-sa” do futuro governo Dilma. ■

O GLOBO NA INTERNET

VÍDEO Governo Lula pode ser divididoem antes e depois do escândalo domensalão, analisa Camarottioglobo.com.br/pais/eleicoes2010/governopt/ 

O MENSALÃO NEMTINHA ACABADO,E, ÀS VÉSPERASDAS ELEIÇÕES DE2006, O BRASILCONHECEU OUTROSPERSONAGENS:

OS ALOPRADOS

veio de alguém que se assentava emreuniões com o presidente Lula. Comono roteiro anterior, o pecado foi grava-do em vídeo e exibido em rede nacio-

nal, depois transformando-se no rumo-roso escândalo do mensalão.Começou com um simples funcioná-

rio dos Correios, resvalou no presiden-te do PTB, então deputado Roberto Jef-ferson, que se agarrou na cúpula do go-verno, quase levando para os confins opresidente Lula. Maurício Marinho erafuncionário de carreira dos Correios eocupava posição de mando numa dire-toriapelas mãos deJefferson.Ao serpi-lhado, acusou seu padrinho de estarpor trás de um esquema bem maior,que tirava dinheiro dos cofres públicospara distribuir sabe-se lá a quem.

Jefferson, percebendo que o caldoengrossara ao seu redor, agiu como oPT: passou a ver a mão de inimigos po-líticos na mexida da frigideira que o fri-tava. E fez o que sabe bem: falar.

Numa entrevista ao jornal “Folha deS.Paulo”, acusou o governo de pagar

mensalão para deputados aprovaremprojetos de interesse do Palácio doPlanalto. O cabeça do esquema seria

O DINHEIRODOS

ALOPRADOS:escândalo

levou eleição

de 2006 para

o 2 o- turno

      D      i    v    u      l     g     a     ç      ã     o      /      P      F      /      2      9   -      0      9   -      2      0      0      6

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6 ERA L UL A  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

NA SAÚDE, MAIS

ESCÂNDALOSQUE RESULTADOSVampiros e sanguessugas marcaram oito anos de administração,enquanto medidas moralizadoras na gestão pouco avançaram

Givaldo Barbosa/17.05.2006

DARCI VEDOIN, preso na operação Sanguessuga: escândalo revelou entranhas de um esquema criminoso envolvendo o Congresso, licitações e o Ministério da Saúde

POR EVANDRO ÉBOLI

BRASÍLIA 

No governo Lula, o Ministé-rio da Saúde foi ocupadopor quatro diferentes titu-lares, todos ligados ao cha-madoMovimento Sanitaris-

ta, comprometido com o desenvolvi-mento do Sistema Único de Saúde(SUS). No dois mandatos, porém, o

presidente patrocinou uma gestãosem marcas na saúde, com a manuten-ção da desigualdade no atendimento àpopulação. O volume de dinheiro pri-vado investido no setor é maior que opúblico, o governo perdeu a receita daCPMF e medidas consideradas morali-zadoras na gestão de hospitais públi-cos, como a criação de fundações es-tatais, não avançaram. O projeto es-barrou no corporativismo do próprioPT no Congresso Nacional.

O partido foi obrigado a dividir oministério como aliadoPMDBao lon-go dos oito anos da Era Lula. O pri-meiro ministro da Saúde, o hoje se-nador eleito Humberto Costa (PT-PE),não poupacríticasaos peemede-bistas que o sucederam. Ele conside-ra que os avanços na gestão Lulaocorreram todos nos seus dois anose meio à frente da pasta.

— Se comparado a outras políticassociais do governo Lula, a área desaúde ficou a desejar. Deveria ter me-lhorado mais. Atribuo esse fato àdescontinuidade, com as mudançasno ministério. Poderiam ter melhora-do a qualidade do atendimento e doserviço de emergência, entre outrosgargalos — disse Humberto Costa.

Entre as ações que implementou, opetista enaltece o Samu (sistema degerência do serviçode ambulâncias),o Farmácia Popular, o Brasil Sorri-dente e a expansão do Saúde da Fa-mília. Costa afirmou ter sido vítimade perseguição, até mesmo de “fogoamigo”, de gente do PT.

— A área da saúde foi muito cobi-çada, até por muita gente do PT, queaspirava o cargo e buscou me deses-tabilizar. Por ser do Nordeste, fui ví-tima de um preconceito muito forte.

Foi na gestão de Humberto Costa oregistro do primeiro escândalo nasaúde no mandato de Lula.

ria da qualidade dos serviços e umaampliação maior do acesso — disse.

Temporão atribuiu à reação das cor-porações a não implementação do pro-jeto de fundação estatal, que permitiriaaos serviços públicos de saúde, porexemplo, demitir incompetentes. A bancada do PT, principalmente os par-lamentares sindicalistas, foi a maior

opositora do projeto.— As corporações defendem um

modelo anacrônico totalmente supe-rado, de manter a estabilidade rígidado funcionalismo público — afirmouTemporão.

A médica e professora Ligia Bahia,do Laboratório de Economia da Saúdeda UFRJ, diz que a homogeneidade na

escolha dos ministros da Saúde de Lu-la, todos sanitaristas, é distinto do per-fil anterior, quando o escolhido era mé-dico prestigiado, um cientista, um par-lamentar ou um economista.

— Mas a preferência pela escolhade profissionais com trajetória de mi-litância ativa na saúde pública nãonecessariamente correspondeu àpriorização dotema naagendado go-verno — analisa ela.

Para o pesquisador Mário Scheffer,daFaculdade deMedicinada USP, o go-verno Lula foi um retrocesso na polí-tica defiscalizar osplanos desaúde, aolotear a Agência Nacional de Saúde Su-plementar (ANS) com profissionaisoriundos do setor privado.

— A ANS é a agência com maior nú-mero de conflitos de interesse. O setorregulado ocupa cargos estratégicos nafiscalização. Essa foi uma marca dessegoverno — afirmou Mário Scheffer.

Para o pesquisador, aumentou a de-sigualdade no acesso à saúde no país.

— O financiamento privado res-

NOS OITO ANOS DOGOVERNO LULA,MINISTÉRIO DASAÚDE FOI OCUPADOPOR QUATRODIFERENTES

TITULARES

A Operação Vampiro, da Polícia Fe-deral, desvendou um esquema de frau-des na compra de coagulantes usadosno tratamentode hemofílicos. O desvioteria chegado a R$ 2 bilhões e levou 17pessoas à prisão e vários outros foraminvestigados, além de 36 servidoresque enfrentaram o afastamento.

— Apesar de ter sido responsávelpela deflagração dessa investigação,terminei sendo indiciado. Por isso,perdi uma eleição. Somente agora fuiinocentado e o Ministério Público pe-diu minha absolvição.

Depois de Costa, o ministério foiocupado pelo deputado federal Sa-raiva Felipe (PMDB-MG). Ele ficouapenas oito meses e foi sucedido porAgenor Álvares, que permaneceu umano no cargo. O atual ministro, JoséGomes Temporão, é o mais longevodeles. Se sair junto com Lula, Tempo-rão terá permanecido três anos e no-ve meses frente à pasta. Ele foi umaindicação do PMDB do Rio.

Temporão considera quehouve mui-tos e significativos avanços e destaca ofortalecimento do serviço de atençãobásica, com a ampliação da coberturado Saúde da Família. O ministro cita aredução da mortalidade infantil,que te-riacaído de23,6para19 óbitos para ca-da grupo de mil crianças nascidas vi-vas. Na área de promoção da saúde, oTemporão afirma que foi um dos arti-culadores da Lei Seca, que diminui ca-sos de morte no trânsito.

O ministro afirmou que, apesar dosavanços que citou, é preciso melhorarmuito. Ele apontou a falta de recursoscomo o problema que enfrentou.

— O subfinanciamento é o principalproblema do SUS. Hoje gastamos 3,5%do PIB em saúde. Temos que dobraresse percentual, para começo de con-versa. Esse entrave dificulta a melho-

ponde por 55% do investimento nasaúde. Isso é muito ruim. Em todosos sistemas universais, como o SUS,prevalece o recurso público. Esta-mos na contramão do planeta.

Neste governo, segundo Temporão,24 medicamentos que antes eram im-portados passaram a ser fabricadosnoBrasil. São remédios para Alzheimer,hemofilia, osteoporose, Aids, asma etuberculose. O Brasil decretou nesteperíodo o licenciamento compulsóriode um medicamento, o Efavirenz, docoquetel para o tratamento da aids.

— Lembro de muita gente dizendoque isso iria desestimular o investi-mento estrangeiro no Brasil. O queaconteceu foi exatamente o contrá-rio. Nunca se viu tanto investimentoe fábricas abrindo no setor — disseTemporão. ■

O GLOBO NA INTERNET

OPINIÃO Eleja os melhores e pioresmomentos da Era Lulaoglobo.com.br/pais

Ailton de Freitas/19.05.2004

OPERAÇÃO VAMPIRO: PF apreende computadores no Ministério da Saúde

Fábio Guimarães/27.03.2006

O PROGRAMA Farmácia Popular é apontado como um dos acertos do governo Lula na saúde

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7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 7

RETRATODOPAÍS

10 piores municípios

INVESTIMENTO EMSANEAMENTO BÁSICO(Em R$ bilhões)

• Em 2008, 56% ou 32 milhõesdos domicílios do Brasil não tinhamrede geral de esgoto

• Em 2008, 2.795 municípios ou44,8% do total eram totalmentedescobertos de redes de esgoto

• Entre 2000 e 2008, apenas 135cidades passaram a oferecertratamento. Eram 2.630 municípiossem tratamento de esgoto em 2000.Em 2008, o número passou para2.495

• Entre 2000 e 2008, o número dedomicílios sem rede de esgotodiminuiu apenas de 36 milhõespara apenas 32 milhões

72 milhões de pessoas vivem nessesmunicípios150 litros de água por dia é oconsumo médio do brasileiro

80% em média da água consumidase transforma em esgoto9,3 bilhões de litros de esgoto é ototal gerado todos os dias5,9 bilhões de litros de esgoto é ototal de esgoto gerado por essapopulação que não recebe nenhumtratamentoEm média, apenas 36% do esgotogerado nessas cidades recebemalgum tipo de tratamentoEntre 2003 e 2008 houve avançode 4,5% no atendimento de esgotonas cidades observadas e de 14,1%no tratamento

PORTO VELHO (RO) - 0% deesgoto tratado para uma populaçãode 379 mil habitantesDUQUE DE CAXIAS (RJ) - 0% deesgoto tratado para população de864 mil habitantesBELFORDROXO (RJ) - 1% deatendimento com serviço de esgoto

para mais de 495 mil habitantesSÃOJOÃO DOMERITI (RJ) - 0%de cobertura de esgoto e umapopulação de 468 mil pessoasANANINDEUA (PA) - nenhumtratamento de esgoto para com 495mil habitantes JABOATÃO DO GUARARAPES (PE)- 8% de atendimento de esgoto parauma população de 678 mil pessoasRIO BRANCO (AC) - 3% detratamento de esgoto para 301 milhabitantesCANOAS (RS) - 13% de coleta deesgoto para população de cerca de329 mil habitantesBELÉM (PA) - 6% de atendimentocom serviço de esgoto para 1,4milhão de habitantesNOVA IGUAÇU (RJ) - Sem coleta deesgoto e população de 855 milhabitantes

Análise em 81 cidades brasileiras,com mais de 300mil habitantes.

Quantidade de Internações/Diano Brasil por doenças sanitárias

10º

2009

2003 2.4312.086

2009

6,852008

5,752007

5,012006

4,432005

3,972004

3,93

2003

3,97

2008

5,752007

,01006

4,432005

3,972004

3,93

3

7

Dados: Pesquisa Nacional de Saneamento Básico(PNSB) 2008/IBGE, Associação Brasileira daInfraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Estudodo Instituto Trata Brasil com base no SistemaNacional de Informações sobre Saneamento (SNIS),divulgado anualmente pelo Ministério das Cidades eAbdib com informações do SUS.

SANEAMENTO,

AINDA UMACALAMIDADEEm pleno século XXI, 56% dos domicílios nãotêm rede geral de esgoto; entre 2003 e 2009,governo Lula investiu só R$ 33,9 bi no setor

Custodio Coimbra/20-8-2010

PRAIA DO Catalão, na

Baía de Guanabara, no

Rio: lixo e esgoto

Gustavo Stephan/13-8-2010 Gustavo Stephan/13-8-2010

NA JANELA do

quarto, Quitéria

Martins vê o esgoto

caindo no Rio das

Pedras, em Tribobó.

Não muito distante

dali, em Itaboraí,

Neuza e família

convivem com o

esgoto correndo

pelo quintal e usam

água de um rio

poluído para lavar

roupa

POR CAROLINA BENEVIDES

Não importa o tamanhoda cidade. Esgoto a céuaberto é uma realidadeb r asi le ir a . Em tod o opaís, 56%, ou 32 milhões

dos domicílios, não são atendidospor rede geral de esgoto, segundodados da Pesquisa Nacional de Sa-neamento Básico (PNSB) de 2008.Entre 2003 e 2009, período que en-globa sete anos do governo Lula,

os investimentos não ultrapassa-ram R$ 33,91 bilhões. A menor ver-ba foi aplicada em 2004: R$ 3,93 bi-lhões. A maior, em 2009: R$ 6,85 bi-lh ões. Ano p assad o, a ár ea d etransportes, por exemplo, recebeuR$ 19,6 bilhões, e a de telecomuni-cações, R$ 15,9 bilhões.

— Não conseguimos investir osR$ 10 bilhões por ano que o gover-no calculou como sendo necessá-rios para universalizar o sanea-mento em duas décadas. No ritmoq ue vamos, levar emos mais 60anos. O Brasil tem muitos proble-mas de infraestrutura, mas o sa-neamento é a grande mazela. Osnúmeros dão a dimensão da nossacarência: é inadmissível ter entre100 e 120 milhões de pessoas semesgoto tratado — diz Newton LimaAzevedo, vice-presidente da Asso-

ciação Brasileira da Infraestruturae Indústrias de Base (Abdib).

Presidente do InstitutoTrataBrasil,Édison Carlos acredita que serão ne-cessários sete PACs (Programa deAceleração do Crescimento) para queo país universalize o saneamento:

— Faço essa conta partindo daideia de que teremos de R$ 13 bi-lhões a R$ 14 bilhões aplicados porano. Como tivemos em média, entre2003 e 2009, um desembolso de R$4,5 bilhões, estamos longe.

Segundo ele, é “inegável” que o go-verno Lula promoveu avanços naárea, mas não ter focado na gestãodas empresas de saneamento fezcom que os avanços fossem mais len-tos do que o necessário.

— A criação do Ministério das Ci-dades deu ao setor um lugar paracentralizar as contribuições e as co-branças. A Secretaria Nacional doSaneamento Básico e o PAC tambémforam importantes. Mas Lula errouao partir do princípio de que sócom recursos resolveria. Mesmoque tivéssemos aplicado os R$ 10bilhões/ano, ainda teríamos proble-mas. Não adianta dinheiro se os mu-nicípios não têm projetos paratransformar a verba em obras — dizÉdison Carlos.

Para que esse problema fosse so-lucionado, em 2007, a Lei 11.445/07determinava que os municípioselaborassem planos de saneamen-to básico, incluindo serviços deabastecimento de água potável, es-gotamento sanitário, limpeza urba-na, manejo de resíduos sólidos edrenagem e manejo de águas plu-viais urbanas. O prazo para que to-dos fizessem seus projetos termi-naria dia 31 deste mês. Com o bai-xíssimo índice de cumprimento dalei, em junho deste ano, o governofederal decidiu prorrogar o prazoaté 2014.

— Os municípios não têm capa-cidade de planejamento. O PAC de-veria acompanhar a elaboração

dos projetos e também capacitarpessoas — diz Newton Lima.

De acordo com a PNSB, em 2008,quando o assunto em discussãoera o tratamento do esgoto, só28,5% dos municípios ofereciam oserviço. No Rio, por exemplo, 31 ci-dades com rede de esgoto não otratavam.

— Desse jeito, o esgoto deixa decorrer na rua, mas continua sendodespejado nos rios — afirma Lima.

Moradoras de Itambi, em Itaboraí,no Rio de Janeiro, Neuza Maria Fer-reira, de 66 anos, e a filha Walesca, de23, mãe de um menino de quase 2anos, têm a pele marcada por man-chas. Os netos de Neuza, que moramna mesma região, “vivem com dor debarriga”. No terreno da casa, onde oesgoto corre no quintal, as criançascostumam, segundo Neuza, colocarna boca os brinquedos que caem no

chão. Sem banheiro e sem água enca-nada, todos têm que recorrer aos bal-des de água do rio que corta a rua,onde é possível ver até cachorromorto e cavalo boiando.

— É água suja! Todo o esgoto cai lá— diz Neuza.

Também no Rio, em Tribobó, SãoGonçalo, a cearense Quitéria Mar-tins Farias, de 65 anos, vê esgoto erato subindo pelos canos quandoabre a janela do quarto. A vista édo Rio das Pedras, completamentepoluído, onde os canos deságuamesgoto sem parar. A falta d’águatambém incomoda os moradoresda Comunidade Novo México, queainda têm que conviver com o maucheiro.

— Só some quando chove. Aqui, épreciso fechar a casa às 17h30m, pa-ra evitar mosquitos e doenças —conta Quitéria.

No Brasil, a falta de saneamentoé responsável por um alto númerode internações. Segundo o Ministé-rio da Saúde, em 2009, 206.414 pes-soas morreram de complicaçõesda diarreia e gastroenterite. O mi-nistério explica que não tem esti-mativa de quantas dessas pessoaschegaram ao óbito por conta deuma relação direta com a falta desaneamento, mas reconhece quevárias doenças têm entre seus fato-res determinantes essa questão.

Segundo estudo da Abdib, comdados do Sistema Único de Saúde(SUS), em 2003 — primeiro ano dogoverno Lula —, 1.112 crianças fo-ram internadas por doenças sanitá-rias, e o número total de pessoasque ficaram doentes foi 2.431. Anopassado, 820 crianças acabaram nohospital, e 2.086 pessoas foram hos-pitalizadas.

— Doenças sanitárias não atin-gem só crianças, que acabam ten-do menos capacidade de aprendi-zado por conta delas, mas fazemcom que trabalhadores se afastemem média 17 horas por ano e comque empresas cheguem a calcularR$ 250 milhões de horas pagas nãotrabalhadas em 2009, em todo oBrasil — diz Édison Carlos. — Opior é que a população não associafalta de saneamento com proble-mas de saúde. Como faz parte dodia a dia de muita gente, não ter es-goto passa a ser normal. Mas faltade saneamento mostra o nossosubdesenvolvimento. ■

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8 ERA LULA   “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

O governo LulaFREI BETTO

● Anunciada a vitória de Lula nas eleições de 2002, publiquei emO GLOBO (28/10/2002) o artigo “O amigo Lula”. Encerrei-o com afrase: “Sobrevivente da grande tribulação do povo brasileiro, Lulaé, agora, um vitorioso”.

Apoiado por ampla maioria da opinião pública brasileira(hoje, 84%), Lula governa o país há oito anos. Surpreendeualiados e opositores. Lula é, também agora, um vitorioso —posso parafrasear-me.

Vivi sempre de meu trabalho, como recomenda o apóstolo Pau-lo. Por breves períodos mantive vínculo empregatício com a ini-ciativa privada. Recusei nomeações do poder público. Por consi-derar compatível com minha atividade pastoral, aceitei convite dopresidente Lula para integrar, em 2003, sua assessoria especial nogabinete de MobilizaçãoSocialdo Programa FomeZero, ao ladodeOded Grajew.

Ali permaneci dois anos. Tive oportunidade de implantar doisprogramas de ampla capilaridade nacional e ainda vigentes: a Re-de de EducaçãoPopular, queatua segundo o método Paulo Freirena formação cidadã de beneficiários do Bolsa Família; e o EscolasIrmãs, queestabelece conexõessolidárias entre professorese alu-nos de instituições de ensino.

Minha tarefaprincipalconsistiaem mobilizara sociedadecivilem prol do Fome Zero, sobretudo os Comitês Gestores que, elei-tos democraticamente nos municípios, cuidavam do cadastrodos beneficiários e supervisionavam o cumprimento das con-dicionalidades do programa de erradicação da miséria.

Muitos prefeitos reagiram. Queriam a si o controle do Fome Ze-ro. Temiam o despontar de novas lideranças locais via ComitêsGestores. Exigiam decidir, porrazõeseleitoreiras óbvias,quem en-tra e saido cadastro. Por suavez, o lobbydo latifúndio— cercade200parlamentares do Congresso — pressionavapara o FomeZeronão efetivar a reforma agrária, que lhe asseguraria caráter eman-cipatório e constituía cláusula pétrea do programa do PT.

A Casa Civil deuouvidos aos insatisfeitos. Tratou de substituiroFome Zero porum programa de carátercompensatórioe, até hoje,sem porta de saída, cujo cadastro é controlado pelos prefeitos: oBolsa Família. Oded Grajew regressou a São Paulo, o ministro Gra-ziano foi substituído, e eu, em dezembro de 2004, pedi demissão.Voltei a ser um feliz ING — Indivíduo Não Governamental.

Às vésperas de encerrar o governo Lula, avalio-o como omais positivo de nossa história republicana. O Brasil mudoupara melhor.

Entre 2001 e 2008, a renda dos 10% mais pobres cresceu seisvezes mais que a dos 10% mais ricos. A dos ricos cresceu 11,2%; ados pobres, 72%. No entanto, há 25 anos, de acordo com o Ipea,metade da renda total do Brasil permanece em mãos dos10% maisricos. E os 50% mais pobres dividem entre si apenas 10% da ri-queza nacional.

Sob o governo Lula, os mais pobres mereceram recursosanuais de R$ 30 bilhões; os mais ricos, através do mercado fi-nanceiro, foram agraciados, no mesmo período, com mais de R$300 bilhões, o que impediu a redução da desigualdade social.

Faltou ao governo diminuir o contraste social por meio da re-forma agrária, da multiplicação dos mecanismos de transferênciade renda e da redução da carga tributária nas esferas do trabalhoe do consumo. E onerar as do capital e da especulação.

Hoje, os programas de transferência de renda do governo re-presentam 20% do total da renda das famílias brasileiras. Em2008, 18,7 milhões de pessoas viviam com menos de 1/4 do sa-lário mínimo. Não fossem as políticas de transferência, seriamhoje 40,5 milhões. Isso significa que o governo Lula tirou da mi-séria 21,8 milhões de pessoas.

É falácia alardear que, ao promover transferência de renda, ogoverno “sustenta vagabundos”. Isso ocorre quando não punecorruptos, nepotistas, licitações fajutas, malversação de dinheiropúblico. No entanto, a Polícia Federal prendeu, por corrupção,dois governadores.

Mais da metade da população do Brasil detém menos de 3%das propriedades rurais. E apenas 46 mil proprietários são donosde metade das terras. Nossa estrutura fundiária é idêntica à doBrasil império! E o empregador rural não é o latifúndio nem oagronegócio,é a agricultura familiar:ocupa apenas 24%das terrase emprega 75% dos trabalhadores rurais.

A inflação manteve-se abaixo de 5%, cerca de 11,7 milhões deempregos formais foram criados e o salário mínimo corresponde,hoje, a mais de US$ 200. Isso permitiu ao consumidor planejarmelhor suas compras,facilitado por uma política de créditoscon-signados e a longo prazo, malgrado as elevadas taxas de juros.

O governoLula nãocriminalizou movimentos sociais; buscou odiálogo, ainda que timidamente, com lideranças populares; me-lhorou as condições dos quilombos; demarcou terras indígenascomo Raposa Serra do Sol.

Ao rechaçar a Alca e zerar as dívidas com o FMI, Lula afirmouo Brasil como país soberano e independente. O que lhe permitiumanter confortável distância da Casa Branca e se aproximar daÁfrica, dos países árabes e da Ásia, a ponto de enfraquecer o G8

e fortalecer o G20, do qual participam países em desenvolvimen-to. Estreitou relações com a África do Sul, a Índia e a China, va-lorizou a Unasul e rompeu o “eixo do mal” de Bush ao defendera autodeterminação de Cuba, Venezuela e Irã.

O governo termina sem que, nos oito anos de mandato, tenhamsido abertos os arquivos das Forças Armadas sobre os anos dechumbo, nem apoiado iniciativas para entregar à Justiça os res-ponsáveis pelos crimes da ditadura. O paíscontinua sem qualquerreforma estrutural, como a agrária, a política, a tributária etc.

Na educação, o investimento não superou 5% do PIB, quan-do a Constituição exige ao menos 8%. Embora o acesso ao en-sino fundamental tenha se universalizado, o Brasil se compa-ra, no IDH da ONU, ao Zimbabwe em matéria de qualidade naeducação. Os professores são mal remunerados, as escolasnão dispõem de recursos eletrônicos, a evasão escolar é acen-tuada. Os programas de alfabetização de adultos fracassarame o MEC se mostrou desastrado na aplicação do Enem. De po-sitivo, a ampliação das escolas técnicas e das universidadespúblicas, o sistema de cotas e o ProUni.

O SUS continua deficiente, enquanto o atendimento de saúdeé progressivamente privatizado.Hoje, 44 milhões de brasileirosestão inscritos em planos de saúde da iniciativa privada. Maisde 50% dos domicílios do país não possuem saneamento, osalimentos transgênicos são vendidos sem advertência ao con-sumidor, os direitos das pessoas portadoras de deficiênciasnão são devidamente assegurados.

Governar é a arte do possível. Implica imprevistos e exigeimprovisos. Lula soube fazê-lo com maestria. Espero que o go-verno Dilma possa aprimorar os avanços da administraçãoque finda e corrigir-lhe as falhas, sobretudo na disposição deefetuar reformas estruturais e ampliar o rigor na preservaçãoambiental. Tomara que a presidente consiga superar a defi-ciênciacongênitade sua gestão:o matrimônio,por conveniên-cia eleitoral, entre o PT e o PMDB.

PS: O poder não muda ninguém, faz com que as pessoas serevelem.

FREI BETTO é escritor, autor de “A mosca azul” e “Calendário do poder” 

(Rocco), entre outros livros.

O GLOBO NA INTERNET

a Leia o artigo ’O Amigo Lula’, escrito por Frei Betto em 2002oglobo.com.br/pais

SEM AVANÇOS NA

REFORMA AGRÁRIA,TENSÃO AUMENTANúmero de assentamentos foi menor, e conflitos nocampo batem recorde desde a redemocratização

Dida Sampaio/Agência Estado/2-7-2003

LULA COM o boné do MST em 2003: em média, país teve 373 ocupações por ano

POR SÉRGIO ROXO

SÃO PAULO

 A 

ligação histórica do PT comos movimentos de briga pe-

la terra não foi suficiente pa-ra garantir avanços signifi-cativos na reforma agrária

nos oito anos de governo Lula. Alémde ter frustrado as expectativas emrelação ao número de assentamen-tos, a gestão termina com registro re-corde de conflitos no campo.

— Na nossa avaliação, e na verdadeé uma constatação que o próprio go-verno reconhece, o tema da reformada agrária não avançou — diz José Ba-tista de Oliveira, membro da coorde-nação nacionaldo Movimentodos Tra-balhadores Sem-Terra (MST).

Dirceu Fumagalli, da coordenaçãonacional da ComissãoPastoral da Terra(CPT), fala em “inércia” do governo.

— Não houve empenho em rela-ção à reforma agrária. Houve retro-cesso — disse.

Segundo dados do Instituto Na-

cional de Colonização e ReformaAgrária (Incra), foram assentadasno governo Lula, até 10 de dezem-bro, 596 mil famílias. Mas movimen-tos contestam os números por in-cluírem regularização de terras nacategoria de assentamentos. Comisso, segundo especialistas do se-tor, a gestão petista fechará comnúmeros menores no setor do queno governo de Fernando HenriqueCardoso (PSDB), que assentou 540mil famílias.

E os novos assentamentos não re-duziram confrontos. De acordo comlevantamento do geógrafo Carlos Wal-ter Porto-Gonçalves, professor daUniversidade Federal Fluminense(UFF), feito para a Comissão Pastoralda Terra, o período entre 2003 e 2009foi o que registrou a maior média

anual de conflitos desde a redemocra-tização do país, em 1985. Houve umamédia anual de 929 confrontosnos se-te primeiros anos da gestão Lula.

O estudo divide o governo Fer-nando Henrique em dois momentos

— o primeiro, de 1996 a 2000, e o s e-gundo de 2001 a 2002, depois da edi-ção de Medida Provisória que tirouas terras invadidas do programa dereforma agrária. A média anual deconfrontos nas duas fases do gover-no tucano são, respectivamente, de800 e 537.

— O fato de não ter havido uma re-forma agrária, com o assentamentodetodasas famíliasacampadas,é ummotivador da permanência do confli-to no governo Lula — avalia JoséBaptista de Oliveira, do MST.

Porto-Gonçalves, o autor da pes-quisa, acredita que a perspectivacriadano começodo governo Lula deque a reforma agrária avançaria con-tribuiu para que proprietários de ter-ra endurecessem no confronto comos movimentos.

— Sempre que avança a expectati-

va de que o Brasil vai democratizar oacesso à terra, a resposta das oligar-quias é a violência — disse.

Apesar do aumento dos confrontos,os movimentos avaliam que o governoLula foi marcado pela aproximaçãocom as entidades que lutam por terra,até porque houve um aumento do re-passe de recursos para órgãos ligadosaos sem-terra, além do loteamento desuperintendências do Incra entre par-tidos aliados e, principalmente, gru-pos ligados ao MST.

— Houve um diálogo permanentecom todo o governo. Apesar de odiálogo não ter significado açõespor parte do Incra. Até os compro-missos assumidos pelo próprio pre-sidente não se concretizaram —afirma Oliveira, do MST.

O diálogo e o aumento do repasse

de recursos não serviram para redu-ziras invasões,que haviamcaídonosdois últimos anos do governo Fer-nando Henrique. A média anual foi de373 ocupações, contra 198 do fim dagestão tucana. Nos cinco anos ante-

riores do governo de Fernando Hen-rique (1996-2000), antes da MP que ti-rou terras invadidas do programa dereforma agrária, o número de ocupa-ções era maior: 507.

— O governo Lula criou uma expec-tativa grande, e muitas pessoas se mo-bilizaram em grandes acampamentos.Mas muitas famílias que começaram ogoverno acampadas seguem acampa-das — afirma o líder do MST.

Em 2002, o movimento contabiliza-va 200 mil famílias em acampamen-tos no Brasil. Hoje, são 100 mil.

O Incra acredita que houve evolu-ção da questão agrária durante o go-verno Lula.

— Houve um grande avanço na ob-tenção de terras, e principalmente aretomada de terras ilegalmente ocupa-das. Também criamos assentamentosdiferenciados para cumprir a legisla-

ção ambiental. E o apoio inicial ao as-sentado, que era de R$ 7,4 mil, agorachega a até R$ 49 mil — disse Rolf Ha-ckbart, presidente do órgão, que estáno cargo desde o início da gestão.

— Credito muito dessa expectativaa não saber como funciona um pro-cesso de desapropriação judicial. Te-mos restrições orçamentárias —acrescenta.

Sobre o aumento dos conflitos, Ha-ckbart diz que os critérios da Pasto-ral da Terra são diferentes dos do In-cra, mas reconhece um acirramentodas tensões no campo.

— Salvo melhor juízo, a terra nun-ca foi tão disputada. Há muitos gru-pos estrangeiros comprando terrano Brasil. Como é um meio de pro-dução em disputa, a tendência é ha-ver conflito, sim. ■

NA ESTATÍSTICA, REGULARIZAÇÃODE TERRA VIRA ASSENTAMENTO

Responsávelpelo capítulo sobrereforma agrária do programa degoverno do presidente Luiz InácioLula da Silva em 2002, Plínio de Ar-

ruda Sampaio acusa a gestão deseu ex-aliado de maquiar dados deassentamentos e de tentar cooptaros movimentos sociais:

— (O Fernando Henrique) as-sentou mais famílias que o Lula.

Perguntado sobre os númerosoficiais do Incra, o candidato der-rotado à Presidência pelo PSOLnas últimas eleições, dispara:

— Ele(Lula)maquia,usandocomoassentamento a concessão de títulosa posseiros queestavamna terra. As-sentado é quem não tinha terra.

Para Plínio, que trocou o PT peloPSOL em 2005, durante a crise domensalão, a situação no campo sónão está mais tensa porque o gover-no federal engordou os repasses pa-ra entidades da luta por terra.

— Hoje, o movimento está com-pletamente dividido. O Lula cooptouo movimentoao transferir R$150 mi-lhões. O MST virou uma espécie de

ONG, porque faz um serviço tercei-rizado do Estado. Ele presta assis-tência técnica e oferece crédito.

Plínio conta que o seu levanta-mento em 2002 concluiu que serianecessário assentar 1 milhão de fa-mílias nos quatro anos de governo.

— Isso custava R$ 24 bilhões emquatro anos. Mas o Ministério da Fa-zenda vetou. O Lula por conta pró-pria reduziu a meta pela metade.

O presidente do Incra, Rolf Hack-bart, admite que o órgão contabili-za regularizações de terra como as-sentamento porque essas famíliasganham estrutura para produzirquando são legalizadas. João Batis-ta de Oliveira, do MST, disse que omovimentomanteve autonomia emrelação ao governo. (Sérgio Roxo)

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O GLOBO ● ● PÁGINA 9 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 34 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

OPROGRAMA• Quem tem direito: famílias com renda per capita de até R$ 140 por mês

• O valor dos beneficíos mensais varia deR$ 22 a R$ 200. Em média, é de R$ 96

• Família com renda per capita de até R$ 70por mês é considerada extremamente pobre etem direito ao chamado benefício básico, deR$ 68 por mês

• Quem tem renda per capita de R$ 71 aR$ 140 só tem direito ao benefício variável e jovem.O benefício variável, no valor de R$ 22, é pago afamílias com filhos de até 15 anos, limitado a trêsfilhos por família. O benefício jovem, no valor deR$ 33, é dado a famílias com adolescentes de 16 e17 anos, limitado a dois filhos por família. Famíliasque recebem o benefício básico podem acumular osdemais benefícios

• 93% dos titulares do cartão do Bolsa Famíliasão mulheres

• O Bolsa Família é pago a 12,7 milhões defamílias no Brasil, beneficiando 50,8 milhões depessoas. Em média, cada família tem quatromembros

EXPANSÃO

FONTE: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Em 2003 Em 2010

Atendimento

3,6 milhões de famílias12,7 milhões de famílias

Custo

R$ 3,4 bilhões

R$ 13 bilhões

DISTRIBUIÇÃO DOSBENEFÍCIOSPOR REGIÃO

NORTE1,35 milhãode famílias

NORDESTE6,48 milhõesde famílias

SUDESTE3,14 milhõesde famílias

SUL1,08 milhãode famílias

CENTRO-OESTE701 milfamílias

Rosane Marinho/27-1-2004

bate à Fome

10

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Da primeira geraçãode beneficiários do

Bolsa Família, afamília de CarminhaMaria da Conceição(de camisetabranca) volta, em janeiro de 2004, dafeira emCarnaubeira daPenha (PE) com acomida do mês

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 9

FOME ZERO VIROU BOLSA,SEM PORTA DE SAÍDANascido da integração de programas existentes de transferência derenda, o Bolsa Família é o maior sucesso do governo Lula.Apesar dos resultados, ainda falha por não oferecer oportunidades

Gustavo Miranda/29-8-2007

EM UM CASEBRE de madeira numa cidade-satélite de Brasília, Reni Pereira de Oliveira vive com o marido e sete filhos: Bolsa Família de R$ 120 ajuda a pagar contas

POR DEMÉTRIO WEBER

BRASÍLIA 

No começo era o Fome Zero.E a promessa para lá de ou-sada:acabar coma fome nopaís. Mas a ação que mar-cou o primeiro ano do pri-

meiro mandato da Era Lula virou ape-nasuma marca.O programa acabou en-golido pelo Bolsa Família, que chega a2010 como a maior ação social do go-

verno federal. Com 12,7 milhões de fa-mílias atendidas hoje, até a oposiçãopareceu adotar o programa que foi pa-ra o centro do debate da corrida pre-sidencial deste ano.

O candidato do PSDB a presidente,José Serra, prometeu ampliar o pro-grama, com o pagamento de um be-nefício a mais por ano — o 13 o

- doBolsaFamília. A presidenteeleita, Dil-ma Rousseff, fala em aumentar o nú-mero de famílias atendidas. Em novedos dez estados com maior cobertu-ra, Dilma recebeu votos suficientespara ser eleita já no primeiro turno.

O programa já transferiu R$ 60,2bilhões nos últimos sete anos. Nesseperíodo, a miséria no Brasil teria di-minuído 45% — a população em ex-trema pobreza caiu de 28% para 15%,com 20,5 milhões de pessoas deixan-do essa situação, segundo estimativada Fundação Getulio Vargas (FGV).

Apesar do reconhecimento de es-pecialistas sobre a importância doprograma como fonte de transferên-cia direta de renda, passados seteanos da sua criação, o Bolsa Famíliaaindanão encontrouuma fórmula pa-ra dar às famílias a chamada porta desaída. O governo tenta oferecer alter-nativas por meio da qualificação pro-fissional e do microcrédito. Segundoo Ministério do Desenvolvimento So-cial e Combate à Fome, 1,7 milhão debeneficiários têm conta bancária. OBanco do Nordeste concedeu em-préstimos a 285 mil beneficiários.

O Bolsa Família nasceu em meio aostropeços do Fome Zero, espécie deguarda-chuva das políticas sociais queesbarrava em burocracia, complexida-de e falta de foco. Do discurso de pos-se do presidente Luiz Inácio Lula daSilva, quando ele lançou a meta de ga-rantir pelo menos três refeições diá-rias a todos brasileiros, passaram-sedez meses até a criação do Bolsa Fa-mília, em outubro de 2003.

Os primeiros meses do governo Lulafrustraram quem esperava uma revolu-ção petista na área social, especialmen-

te depois que o presidente pôs o temada fome no centro da agenda política.Mesmo com toda a mobilização nacio-nal e internacional em torno do FomeZero, pequenos detalhes exibiam a dis-tância entre desejo e realidade.Em mar-ço de 2003, o cheque com a doação deR$ 50 mil da modelo Gisele Bündchenainda não fora descontado. Motivo: aconta bancária não tinha sido aberta.

A dispersão de ações herdadas dogoverno Fernando Henrique Cardosofoi ampliada. Além do Bolsa Escola,do Bolsa Alimentação e do Vale Gás— programas de transferência derenda vinculados a diferentes minis-térios —, o novo Ministério Extraor-

dinário de Segurança Alimentar eCombate à Fome (Mesa) tratou decriar o Cartão-Alimentação.

Percebendo que a área social batiacabeça, o Palácio do Planalto decidiuunificar os quatro programas sob aresponsabilidade de uma secretaria-executiva vinculada diretamenteà Pre-sidência. Assim, no final de 2003, sur-giu o Bolsa Família. Logo em seguida,na linha de unificar ações, o governocriou o Ministério do Desenvolvimen-to Social e Combate à Fome, que assu-miu as funções do Mesa, do Ministérioda Assistência Social e da própria se-cretaria-executiva do Bolsa Família.

Daí em diante, o programa cresceu

sob críticas e denúncias de fraudes.No fim de 2003, o número de beneficiá-rios atingiu3,6 milhões. Em2004,a me-ta era chegar a 6,5 milhões. Falhas efraudes no cadastramento de famílias,assim como a falta de fiscalização, de-ram origem a todo tipo de irregulari-dade e denúncia. De norte a sul dopaís, beneficiários de classe média oucom renda acima do permitido eramflagrados recebendo o dinheiro.

Em outubro de 2004, uma reporta-gem do “Fantástico”, da TV Globo, re-velou que moradores de três cidades— Pedreiras (MA), Cáceres (MT) e Pi-raquara (PR) — ganhavam Bolsa Fa-mília, ainda que vivessem em casas

de alvenaria, com carro na garagem.Havia casos também de parentes deprefeitos entre os beneficiários.

O uso eleitoral do programa veio apúblico nas eleições municipais de2004. Em São Francisco de Itabapoa-na (RJ), a prefeitura cadastrou milha-res de eleitores carentes para rece-ber o Bolsa Família a duas semanasda votação. Cartazes de um candida-to a prefeito foram afixados em umCiep onde se formou uma longa fila.

Em 2005, o Ministério PúblicoFederaldenunciou que 1.107 servidores da pre-feitura de Teresina (PI) eram beneficiá-rios do Bolsa Família. O Ministério doDesenvolvimento Social anunciouo blo-queio dos repasses. Em 2009, uma au-ditoria do Tribunal de Contas da União(TCU) descobriu que 577 políticos elei-tos estavam incluídos no programa.

Inicialmente atordoado pelas irregu-laridades, o governo começou a cons-truir mecanismos de controle até entãoinexistentes nos programas de transfe-rência de renda. Hoje, o cadastro dosbeneficiáriosdeve seratualizado a cadadoisanos. O ministério reservouR$ 308milhões este ano para ajudar as prefei-turas a gerir o programa. Afinal, cabe aelas cadastrar as famílias pobres.

Outra fonte de críticas foi o descasodo governo, num primeiro momento,com a exigência de contrapartidas por

parte das famílias: filhos em idade es-colar deveriam frequentar a escola, en-quanto crianças e gestantes tinham deir ao posto de saúde. Mas não haviauma rede de controle nem regras paradesligar beneficiários que descum-priam. Hoje, a frequência escolar de89% das crianças e jovens é fiscalizada.Na área de saúde, esse percentual é de68% — o que significa que quase umterço dos beneficiários segue sem sermonitorado. Segundo o ministério, 4,8milhões de beneficiários já foram ex-cluídos do programa por estarem aci-mado limitede rendaoudescumprirascondicionalidades.

O programa enfrentou tambémacusações de ser eleitoreiro, mera-mente assistencialista ou de repas-sar valores tão baixos que, na verda-de, deveria chamar-se “Bolsa Esmo-la”. Mas entidades internacionais

passaram a elogiar o programa. Par-ceiro do governo para corrigir as fa-lhas de gestão do Bolsa Família foi oBanco Mundial. Em 2004, o bancoemprestou US$ 572 milhões ao pro-grama. Em setembro de 2010, apro-vou novo financiamento de US$ 200milhões com o mesmo propósito.

— Nestes últimos sete anos, o Bol-sa Família chegou à maioridade co-mo um programa de redução da po-breza e proteção social. O Brasil estáexportando esse considerável co-nhecimento para vários outros paí-ses em desenvolvimento e até mes-mo para a cidade de Nova York, quemodelou o seu programa de transfe-rência condicionada de renda no pro-grama Bolsa Família — disse, em se-tembro, o gerente de Projeto peloBanco Mundial Ian Walker.

O economista-chefe do Centrode Po-

líticas Sociais da FGV, Marcelo Neri,destaca que o Bolsa Família atinge aparcela mais pobre da população e éeficaz no combate à desigualdade derenda,mesmo gastandomenos de 0,5%do PIB (Produto Interno Bruto, soma

das riquezasproduzidasno país), o que é consi-derado baixoem termosde políticas públicasdessa magnitude:

Há especialistas, po-rém, que defendem queo investimento em edu-cação é que traz resul-tados positivos no so-cial no longo prazo.

Os repasses mensaisvariam hoje de R$ 22 aR$ 200, conforme ograu de miséria e o nú-mero de filhos. Em mé-d i a , s ã o R $ 9 6 . E m2010, o programa con-sumiu R$ 13 bilhões,distribuídos a 12,7 mi-lhões de famílias. Ouniverso atendido, po-rém, alcança 50,8 mi-lhões de pessoas, jáque cada família tem,e m m é d i a , q u a t r omembros.

O diretor de Estudose Políticas Sociais do

Instituto de Pesquisa Econômica Apli-cada(Ipea),Jorge Abrahão,consideraoBolsa Família um programa eficiente. Edestaca a criação do Cadastro Único,base de dados com informações sobreas famílias pobres. É nesse cadastroque são selecionados os beneficiáriosdo programa:

— Tem 20 milhões de famílias ca-dastradas, com todos os detalhes so-bre a situaçãoda família.Issoé quaseum terço das famílias brasileiras. Ocadastro é um elemento importantepara fazer política pública: você po-de, a partir dele, montar toda uma re-de de proteção social e distribuiçãode recursos — diz Abrahão. ■

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7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 10 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 35 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

10 ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

FRONTEIRAS ABERTASAO NARCOTRÁFICO

E AO CONTRABANDODetenções pela Polícia Federal batem recorde, mas

governo não consegue fechar cerco ao tráfico de drogas

Domingos Peixoto/29-10-2009

CRIANÇAS E adultos cheiram

crack numa praça da Glória, no

Centro do Rio: droga quase foi

classificada como epidemia

POR JAILTON DE CARVALHO

BRASÍLIA 

Em oito anos, 15.803 pessoasforam presas pela Polícia Fe-deral em 1.251 grandes opera-ções de combate à corrupçãoe ao narcotráfico,entre outros

crimes. Apesar do número recorde dedetenções preventivas — boa parte de-las relaxada depois pela Justiça —, as

autoridades de segurança da área fede-ral chegam ao fim do governo Lula àsvoltas com problemas centrais no com-bate à violência: a vulnerabilidade dasfronteiras e o intenso comércio de ar-mas pelo crime organizado.

— A questão dasfronteiras ficou pa-ra a agenda do próximo governo — re-conhece José Vicente Tavares, profes-sor de sociologia da Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul, estudiosoda segurança pública no país.

A promessa de fechar as fronteirasaonarcotráfico e,em menor escala,ao con-trabando dearmas,surgiu na campanhade 2002, como um contraponto às difi-culdades enfrentadas na área pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.Em seu discurso de posse, em 2 de ja-neiro de 2003, o então ministro da Jus-tiça, Márcio Thomaz Bastos, classificoude inaceitável o poderiodo narcotráfico

de coibir o direito de ir e vir e até dedecretar toque de recolher em algunsmorros do Rio à revelia do Estado.

A partir dali, o governo aumentou oefetivo da Polícia Federal e triplicou osinvestimentos em segurança pública.Mas, ainda assim, drogas continuamchegando em escala industrial às gran-des cidades brasileiras, e agora tam-bém às pequenas. Tentáculos do crimeorganizado baseados na Bolívia e naColômbia abastecem 100% da cocaínaconsumida no Brasil. Do Paraguai, se-gundo a própria PF, vem 70% da maco-nha absorvida pelo mercado nacional.

Recentemente, o crack, um substratoda cocaína, esteve a ponto de ser clas-sificado como epidemia pelo MinistériodaSaúde,tamanhoé o estrago quevemfazendo na sociedade brasileira, princi-palmente na população de baixa renda.O problema é tão grave que acabou

sendo um dos poucos temas da segu-rança pública a entrar no debate elei-toral. O candidato do PSDB, José Serra,acusou o governo de negligenciar asfronteiras. A presidente eleita, DilmaRousseff, rebateu com alusão aos Vants(Veículos Aéreos Não-Tripulados).

Mas ela estava apontando para umamedida futura. O contrato para a com-pra de 12 Vants, projeto portentoso queconsumirá de R$ 654 milhões, foi assi-nado este ano. Mas as primeiras aero-naves só devem chegar ao país em ja-neiro. Aviões israelenses de guerra, osVants têm lentes superpoderosas quepermitirão melhorar a ação dos fiscais.O investimento é alto, mas críticos dogoverno, comoo sociólogo CláudioBea-to, da Universidade Federal de MinasGerais, acham que não será suficiente.

— Estamosvendolá nosEstados Uni-dos, que têm uma muralha nas frontei-

ras e, mesmo assim, não controlam aentrada de drogas — disse Beato.

Oito anos depois de seu discurso deposse, Thomaz Bastos não acha que asfronteiras brasileiras estejam desguar-necidas. Ele chegou à conclusão de queo flagelo das drogas exige uma soluçãointernacional pensadapela ONU. Bastos

entende que só a descriminalização dasdrogas pode fazer frente ao caixa, cadavez mais robusto, do narcotráfico. Masa medida teria que ser adotada por vá-rios países ao mesmo tempo:

— Acredito numa solução em que to-dos os países se envolvam. Acho que aopção dos EUAde guerraàs drogas nãodeu certo em lugar nenhum.

O governo começou a administraçãoda segurança públicaa todo vapor, como antropólogo Luiz Eduardo Soares àfrente de uma reformulada SecretariaNacional de Segurança Pública. MasSoares acabou trombando com o entãoministro da Casa Civil José Dirceu e dei-xou o governo em meio a denúncias deque teria contratado a mulher para exe-cutar serviços da secretaria. Com a saí-

O governo também criou a Força Na-cional para socorrer estados em situa-çãode descontrole da violência e, a par-tir do Pronasci (Programa Nacional deSegurança Pública com Cidadania), lan-çado em 2008, passou a distribuir bol-sasde R$400 para policias, bombeiros eagentes penitenciários. Com o projetoTerritórios da Paz do Pronasci, o gover-no lançou as bases das bem-sucedidas,até agora, Unidades de Polícia Pacifica-

dora (UPPs) do Rio. Recentemente, asForças Armadas ajudaram as políciasdoRiona invasãodoscomplexosda Pe-nha e do Alemão, e o Exército partici-pará da ocupação nas duas áreas.

Nada disso tirou o Brasil do rankingdos paísescomos mais altosíndicesdehomicídios. A taxa de assassinatos por

da de Soares, o governo viu murchar aideia de reforma geral e unificação daspolícias civis e militares.

O sucessorde Luiz Eduardo Soares, odelegado Luiz Fernando Corrêa, diretorda PF, entendeu queessa batalhaestavaperdida. Para Corrêa, a reforma das po-lícias passaria pela criação de uma redede ensino superior para policiais e ges-tores de segurança.A padronização doscurrículos e a convivência na academia

seriam os meios possíveis para diminuirconflitos entre as instituições policiais.

— As políciascontinuamsem conver-sar. Em São Paulo, chegaram a trocar ti-ros. Lamentavelmente, vejo um novoministro (José Eduardo Cardozo) falan-do as mesmas platitudes — critica o se-nador Demóstenes Torres (DEM-GO).

NhenhenhémJORGE BASTOS MORENO •de Brasília

Editora: Silvia Fonseca • Subeditores: Fernanda da Escóssia, Leila Yousseff, Carter Anderson, Maiá Menezes e Luciana Rodrigues • Coordenação de reportagem: Francisco Leali, Diana Fernandes, Flávia Barbosa e Germano Oliveira•Arte: Alvim, Alvarus, Fernando Rodrigues e Walter Moreira • Projeto gráfico e diagramação: Marcio Coutinho • Redatores: Alessandra Duarte, Carolina Benevides, José Figueiredo, Leonardo Pimentel, Marcelo Remígio e Miguel Caballero

Escravidão● O presidente Lularespiraago-ra aliviado. Nãocom a cassaçãode Dirceu, naturalmente.

Mas porque vai voltar aoAlvorada sem medo de serprocessado pelo seu ministrodo Trabalho por exploraçãode trabalho escravo.

— As moças lá do Alvora-d a p assavam r oup a numquartinho fechado sem ven-tilação e que parecia um for-no — afirma.

Agora, não. Com a reforma,a lavanderia foi ampliada.

Outra coisa que incomoda-va o presidente:

— A churrasqueira ficavanuma extremidade e a copa,na outra. Você tinha que atra-vessar o palácio inteiro parabuscar um refrigerante, quejá chegava quente.

Culpa● Lula, no voo a Iguaçu, vol-tou a responsabilizar a timi-dez do PT pelos desfechosdesfavoráveis da crise.

Que inclusive resultaramna cassação de Zé Dirceu.

Publicadas em 3.12.2005, dias após acassação do deputado José Dirceu

Sabedoria popular● Do turista paranaense JoséRodrigues, de 62 anos, donode uma papelaria em Guara-puava, para um jornalista aover José Dirceu entrando noplenário da Câmara:

Aquele não foi o Zé Dirceu?

Publicada em 15.09.2007

Vodca● Diálogoentreo ex-presiden-te, hoje senador, José Sarneye presidente Lula:

— Presidente, o senhor se-rá eu amanhã.

— Nunca, meu caro! Jamaisvou querer ser senador.

Publicada em 20.09.2008

Retorno● A minha candidata Dilma de-vedeixar amanhã o spade Gra-mado, para onde recolheu-sedepois de ter contraído gripesuína. Na verdade, Dilma mani-festouos sintomas da gripedu-rante apenas dez dias.

Os planos eram aproveitaras férias para curtir uma praia.Mas não deu, desta vez.

Publicada em 9.01.2010

Ministro chama colega de vagabundo● Agora, amansado por Zé Dirceu, ele nega. Mas são no mí-nimo 30 testemunhas, todos parlamentares, que ainda estãoestarrecidos com o desabafo do ministro Roberto Rodriguescontra a paralisia do governo. Roberto Rodrigues disse do co-lega Guido Mantega o que Eduardo Fischer, da Nova Schin,não diria de Nizan Guanaes, da Brahma, embora Nizan sejacapaz de dizer isso do Fischer.

-—Eu mandeio vagabundodo GuidoMantega para a PQP—disse Rodrigues.

O ministro contou que já fez de tudo para ser recebido pelocolega. Disse que apelou para um amigo comum. O amigo pro-curou Mantega e depois avisou:

-— Ele vai te procurar hoje.Como isso não aconteceu, Roberto Rodrigues ligou de volta

para o amigo:— Agora quem não quer mais conversa sou eu. Eu só

quero que você dê um recado a esse vagabundo: eu queroque ele vá para a PQP.

O ministro da Agricultura disse ainda que o Brasil daqui apouco não terá como enfrentar a vaca louca porque Mantegase recusa a fazer concursos para fiscais:

— Minha cota com esse governo se esgotou — disse.

Publicada em 20.03.2004

Perda● O secretário de Imprensada Presidência da República,Ricardo Kotscho, pediu de-missão.

Kotscho será substituídopelo atual subsecretário Fá-bio Kerche.

Calma, gente!Não houve qualquer crise.A saída deRicardoKotscho

já era prevista desde a possedo presidente Lula. Ele acei-tou o cargo condicionandosua permanência somenteaos dois primeiros anos degoverno.

Kotscho assessorou Lulanas campanhas presidenciaisde 89, 94 e 2002. Juntos, con-ceberam e realizaram as fa-mosas “caravanas da cidada-nia” que rodaram o país deponta a ponta.

RicardoKotscho volta a SãoPaulo para se dedicar mais àssuas quatro belas mulheres:Mara, as filhas Carolina e Ma-riana, e Laura, a neta.

Kotscho, que está comple-tando 40 anos de jornalismo,mesmo fora do governo con-tinuará dando consultoria aLula. Mas de São Paulo.

Publicada em 6.11.2004

Essa figura únicachamada Aldo Rebelo● Os políticos antigos adver-tem sabiamente os novossobre a relação com a mídia:repórter não é amigo, é re-pórter.

E, ainda bem, aprendemoscedo que político não é ami-

go de ninguém. Aliás, UlyssesGuimarães acrescentava: “Obom político é geralmentemau amigo e mau parente”.

Digo tudo isso para contarque, ocupadíssimo, Aldo Re-belo abriu vaga na sua agen-da para me receber pontual-mente às 15h no seu gabinetede presidente da Câmara.

Uma banal discussão det r â n s i t o l e v o u - m e à s14h30m a uma delegacia depolícia. Ligou-me Aldo co-brando o atraso:

Estou preso numa delega-cia do Lago Sul!

Em vez de reagir ao essen-cial, ficou no adereço:

No Lago Sul?!Sim, numa delegacia do La-

go Sul, presidente!.

O bairro é bom.Quando eu digo que ele éum fofo, acham exagero.

Publicada em 28.10.2006

100milhabitantescaiude 28,5 em2002,último ano do governo Fernando Hen-rique, para 25,2 em 2007, conforme oMapa da Violência do Instituto Sangari.Mesmo com tendência de queda, con-siderada importante, o mapa coloca oBrasil entre os seis países mais violen-tosdo mundo.O ranking é lideradoporEl Salvador, Colômbia, Ilhas Virgens eVenezuela, países com renda per capita

bem inferior à do Brasil.— Como diria o ministro Thomaz

Bastos, na questão da segurança pú-blica não existe um tiro de canhão. Tu-do isso é um processo — afirma o mi-nistro da Justiça Luiz Paulo Barreto.

O governo contabiliza a seu favor acriação do Conselho Nacional de Justi-ça,pontade lança de combateà corrup-ção no Judiciário, e a instituição do De-partamento de Recuperação de Ativos eCooperação Jurídica Internacional. In-clui na lista encontros anuais de auto-ridades na Enccla (Estratégia Nacionalde Combate à Corrupção e à Lavagemde Dinheiro) e a construção de quatropresídios federais, que estavam previs-tos desde 1984. Mas essa é outra pro-messa que não chegou a ser cumprida.No primeiro mandato, Lula prometeuconstruir cinco presídios federais. Oprazo para inauguração era 2006. Ainda

falta construir a quinta unidade, previs-ta para o Distrito Federal. ■

O GLOBO NA INTERNET

VÍDEO Márcio Thomaz Bastos analisa osavanços do Poder Judiciário no governoLulaoglobo.com.br/pais

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7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 11 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 35 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 11

QUANDO ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA VIRA ESPETÁCULO‘Pulo do gato’foi buscarapoio eleitoralnos setoresdesorganizados,nos menos

escolarizados ecom rendainferior a umsalário mínimo

Roberto Stuckert Filho/31-8-2009

LULA COM SARNEY: o

presidente deu vida nova

às oligarquias. Justamente

ele, que dizia representar

o novo, fez alianças com o

que havia de mais

atrasado na vida política

POR MARCO ANTONIO VILLA

Não é tarefa fácil fazer umbalanço dos dois manda-tos presidenciais de Lula.Como é sabido, ele elegeua sucessora e sai do go-

verno com alto índice de popularida-de. Remar contra a corrente não é

tradição no Brasil. O “adesismo ana-lítico” é uma característica nacional,infelizmente.E mais aindaagora, pelaforma como o presidente se portoudurante os últimos oito anos. Lulacriou umnovoestilode comunicaçãopresidencial. Na nossa história repu-blicana não há paralelo. Substituiu arotina administrativa com eventuaismanifestações públicas, típicas dospresidentes anteriores, por apari-ções constantes, sempre em clima decomício, buscando incessantementeo contato com os eleitores. Nestesmomentos — e foram centenas du-rante os últimos oito anos — discur-sava de improviso, tecia considera-ções sobre os mais variados temas,atacava seus opositores e estabele-cia um vínculo direto com o povo.Não era com o governo, com um pro-grama, um partido. Não. Era com ele.

Nestas cerimônias — a maioria delas,mero pretexto para discursar — otransformou no maior propagandistado seu próprio governo. Mas não só:o reforço constante deste tipo de elo— o presidente e os eleitores — des-politizou a política, empobreceu odebate e fortaleceu o personalismo,tão nocivo à democracia, especial-mente em um país em que as institui-ções democráticas e a cultura políti-ca são ainda frágeis.

Com raro poder de convencimen-to e habilidade no trato com osgrandes auditórios — herança ad-vinda dos tempos do sindicalismo—, Lula transformou a administra-ção pública em espetáculo. E obte-ve êxito. Todas as denúncias — enão foram poucas — de corrupção,filhotismo e tráfico de influênciacaíram no esquecimento ou, no má-ximo, atingiram alguns dos seus au-xiliares. Ele saiu ileso. A complacên-cia do presidente banalizou a cor-rupção, desmoralizou as CPIs e le-gitimou o saque do Estado.

Lula deu nova vida às ol igarquias.Justamente ele que, durante tantosanos, dizia representar o novo. Fezalianças com o que havia de maisatrasado na vida política nacional.E não só: obrigou o seu partido a es-tabelecer acordos locais com os ve-lhos oligarcas, alguns deles — casode Sarney, no Maranhão — adversá-rios viscerais dos petistas. Destaforma, desarquivou das estantesempoeiradas da História o mandãolocal, concedeu legitimidade ao seuperverso domínio e desarticulou osmovimentos antioligárquicos. Estaé uma das mais pérfidas herançasdeixadas por Lula.

Nestes oito anos, o processo deacumulação capitalista foi intensifi-cado. Seguindo o ritmo históricobrasileiro, o Estado continuou sen-do o grande indutor da expansãoeconômica, assim como foi duranteo Estado Novo, o populismo e a di-tadura militar. E como o setor priva-

lógicas chegaram até aos partidosque estariam à esquerda do PT, co-mo o PCdoB. O antigo partido do so-

cialismo foi seduzido pelos recur-sos destinados ao Ministério dosEsportes e acabou se transforman-do no partido do lazer. Trocou co-mo leitura de cabeceira Karl Marxpor Paul Lafargue.

Mas o pulo do gato foi buscarapoio eleitoral nos s etores desorga-nizados, onde o PT era muito frágil,entre os menos escolarizados ecom renda inferior a um salário mí-nimo. Sem vontade própria ou po-der de mobilização, os beneficiá-rios do Bolsa Família transforma-ram-se naquilo que todo governoconservador almeja: são fiéis e obe-dientes eleitores do oficialismo.

Temeroso ao extremo, Lula fezuma pálida gestão econômica. Sema mínima ousadia, buscou resulta-dos seguros e imediatos, sem ne-nhuma visão estratégica. Não foi

um estadista. Longe disso. Asseme-lhou-se a um presidente da Repúbli-ca Velha. Priorizou o setor primárioda economia e desindustrializou opaís. Soldou uma estranha aliançaeconômica entre o capital financei-ro e o setor exportador.

O conservadorismo político-eco-nômico também esteve presente napolítica externa. As causas demo-cráticas e humanistas foram aban-donadas. O Brasil alinhou-se comditaduras stalinistas, caudilhospassadistas e teocracias. Nas dispu-tas internacionais, o país perdeu to-das. Por paradoxal que pareça, Lulaconsiderou uma vitória a sucessãode derrotas.

No campo social, o avanço foi pe-queno. Na educação, continuamoscom milhões de analfabetos adultose com um ensino fundamental for-

mando alunos que desconhecem alíngua portuguesa e as quatro opera-ções matemáticas. Contudo, paraagradar a suas bases políticas, criouvárias universidades públicas. Osprogramas de habitação popularnunca atingiram as metas previstas.

O saneamento básico apresentaum quadro dantesco. Os programasde erradicação da pobreza fracassa-ram. Mesmo assim, foram nas re-giões mais miseráveis que a popula-ridade de Lula atingiu os índicesmais altos. Isto mostra a eficácia,por um lado, do Bolsa Família, e, poroutro, da capacidade de comunica-ção e de construção de um discursopolítico por parte do presidente. Emais: demonstra a ausência nos úl-timos oito anos de uma oposiçãoatuante, crítica e propositiva.

É provável que este quadro não serepita no próximo quadriênio presi-dencial. Uma política de contempori-zação das contradições sociais e eco-nômicas não permanece eficaz porlongo tempo. Além do que, o gestorpresidencial precisa ter legitimidadepolítica,que é produtode umahistóriapessoal, e uma capacidade de equili-brar e conviver com tensões e pres-sões cotidianas. Mas não só: o cenárioeconômico internacional apresentauma séria possibilidade de crises in-termitentes, e, internamente, dado oconservadorismo, temos uma baseeconômica frágil. ■

Marco Antonio Villa é historiador e professor doDepartamento de Ciências Sociais da UniversidadeFederal de São Carlos.

O GLOBO NA INTERNET

a Especial relembra os principais fatos desde

que Lula assumiuoglobo.com.br/pais

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do não consegue acumular e cres-cer com suas próprias pernas, maisuma vez o Estado esteve presente.Porém, ocorreram modificações im-portantes. O BNDES jogou um papelfundamental, assim como os fundosde pensão das empresas estatais. Ogoverno Lula criou uma burguesiapetista. Fabricou milionários ins-tantâneos, forjou gênios empresa-riais e transformou empreendimen-tos regionais em empresas mun-diais. Nem durante a ditadura, agrande burguesia teve apoio tãoamplo e duradouro do Estado.

Se para o grande capital foramtransferidos recursos, quase que afundo perdido, para a classe média(no sentido mais amplo) foi amplia-

do o crédito em escala nunca vista,criando, por exemplo, no setor imo-biliário uma bolha que pode estou-rar nos próximos anos, dependen-do do que ocorrer na instável eco-nomia internacional. O endivida-mento das famílias aumentou numaescala superior à do crescimento darenda. O consumismo associado auma taxa de câmbio sobrevaloriza-da levou amplos setores das classesmédias a “lular”. Numa escolha ra-cional tupiniquim, optaram por fe-char os olhos frente a crise ética evalorizar os ganhos econômicos,atitude parecida ao momento do mi-lagre brasileiro (1968-1973), duran-te a ditadura.

Para os setores organizados, tan-

to urbanos como rurais, o governoobteve, através da cooptação das li-deranças, a tão almejada “paz so-cial”. Foram anos de tranquilidadeno campo da luta de classes. As cen-trais sindicais foram domadas semmuito esforço. Bastou repassar mi-lhões de reais — que foram descon-tados dos salários dos trabalhado-res, como contribuição obrigatória— para os seus dirigentes. Aos ba-rões do sindicalismo foram reserva-dos também centenas de nomea-ções no Ministério do Trabalho, noSebrae e no Sesi. No campo, o MSTrecebeu generosas dotações ofi-ciais e até esqueceu que o governoLula distribuiu menos terras que o“neoliberal” FHC. As mutações ideo-

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O GLOBO ● ● PÁGINA 12 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 35 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

12 ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

UMAERADEPROMESSAS

● SAÚDE: O fim das filas e a superlotação dos hospitais foi uma pro-

messa constantede Lula,desdea campanhaeleitoralde 2002.“O importanteé ter saúde” — dizia —, “com saúde a gente enfrenta qualquer adversidade e

essa é uma máxima que marca a minha visão de governo sobre a questão dasaúde.”Quatro meses depois daposse,lembrou:“Durante o processode cam-

panha, discutindo com os meus companheiros o que iríamos propor na áreada saúde, chegamos a uma conclusão: a gente não pode ficar prometendo

construir mais nada antes de fazer funcionar corretamente o que já existe”.No ano seguinte, em agosto de 2004, insistiu: “Eu falei para o companheiroHumberto Costa (então ministro da Saúde): ‘Humberto, nós temos que fazer

alguma coisa. Nós não podemos ficar imaginando se o hospital é municipal,se é estadual, se é federal, se é internacional. Nós temos que fazer alguma

coisa. Esse povo quando chega num hospital, que é um lugar onde a gentechega mais alquebrado, onde a gente chega mais diminuído, a gente tem queser tratado com respeito, com carinho, e o carinho vale mais do que uma

injeção, às vezes, vale mais do que um antibiótico.’” As filas, a falta de vagas,a escassez de médicos, medicamentos e o acúmulo de projetos milionários,

como o do Cartão SUS (R$ 400 milhões de prejuízo) que nunca saiu do papel,compõem a moldura de uma rede ineficiente e intocada na era Lula.

● FAVELAS: Um dos com-

promissos mais repetidos por Lula nacampanha de 2002 foi o da legaliza-

ção de 900 mil lotes irregularmenteocupados em todo o país — sobretu-do nas favelas das grandes cidades.

Em janeiro de 2003, pouco depois daposse, a Presidência da República e o

Ministério da Justiça anunciaram umplano para a rápida titulação dos ter-

renos, com foco em cidades como oRio. Um ano depois, tudo continuavana mesma — exceto pela decisão de

transferência do problema para o Mi-nistério das Cidades.Passaram-se

mais dois anos e, na campanha pelareeleição, em 2006, Lula decidiu re-

novar a promessa: “As pessoas defi-nitivas. E por que demora? Vai para aJustiça e ninguém sabe quanto tem-

po vai demorar. Na semana que vemvão ter que botar no papel as mudan-

ças para que as pessoas que moramnos terrenos clandestinos tenham

posse definitiva” — disse, no Recife.Oitoanosdepois,tudocontinua comoantes — apenas uma promessa.

MUITO

LONGE DAPROMETIDA

PERFEIÇÃOApós oito anos, governo Lula chega ao fimsem o presidente ter cumprido suas promessasem saúde, educação e segurança pública

Michel Filho/8-5-2010

LULA, AO lado de Dona Marisa, toma a vacina da gripe: governo gasta 8,3% do PIB em saúde, mas qualidade deixa a desejar

POR JOSÉ CASADO

Corina Guilhermina da Silva,lavradora aposentada, viveem uma cadeira de rodashá quatro anos. Diabética ehipertensa, em abril de

2006 amargou uma crise. Peregrinoupor 145 quilômetros tentando seratendida em hospitais públicos doagreste pernambucano. Faltavammédicos, vagas e sobrava gente nasfilas, cena comum no Sistema Únicode Saúde (SUS). Depois de uma dolo-rida jornada por três cidades, conse-guiu ser recebida: amputaram-lhe aperna direita. Desde então, só sai de

casa em ocasiões especiais — para irao médico, por exemplo. É possívelque Corina receba, ainda neste mês,a visita do sobrinho, Luiz Inácio Lulada Silva, cujo roteiro de viagens pre-vê um comício de despedida da Pre-sidência da República no centro deCaetés, onde nasceu.

Lula talvez não soubesse da como-ção familiar com o calvário hospitalarda tia quando desembarcou em PortoAlegre, duas semanas depois. Era umaquarta-feira, 19 de abril de 2006. Emplena campanha pela reeleição, o pre-sidente-candidato transformou em co-mício a inauguração do pronto-socor-ro do Hospital Nossa Senhora da Con-ceição,vinculadoao Ministérioda Saú-de. Falou por meia hora, criticou ad-versários políticos (“Não sabem o queé estar numa fila de hospital”), desfiouautoelogios e arrematou: “Não estálonge de a gente atingir a perfeição notratamento de saúde neste país”.

Doze meses mais tarde, Lula reuniuprefeitos no Palácio do Planalto. Era

umaterça-feira,10 de abril de 2007. Noauditório, só se falava na eleição mu-nicipal do ano seguinte. Lula,recém-re-eleito, repetiu para a plateia cúmpliceas mesmas promessas que fazia aosprefeitos desde 2003: “E vocês certa-mente repetirão em alguma praça pú-blica osdiscursosque fizeramnas elei-

ções passadas” — ironizou, atribuindoo vício de uso do verbo “prometer”nos palanques a “um defeito genéticodo político brasileiro”. E acrescentou:“É sempre importante a gente repetiruma mesma coisa muitas vezes, atéqueessacoisa setornequaseuma ver-dade absoluta para todos nós”.

Uma semana depois, deu um exem-plo prático durante a troca de guardano Ministério da Saúde. Agradeceuao ministro “sainte” e saudou o “en-trante”: “Temos o compromisso de, apartir de tudo que não aconteceu de2003 a 2006, a gente fazer acontecerde 2007 a 2010.”

Nos últimos oito anos, ele renovoudiariamente suas promessas de con-

solidação de um Estado de bem-estarsocial ativista. Paradoxalmente, a eraLula chega ao fim com um legado decrise aguda na administração da saú-de, educação e segurança pública —áreas onde o papel proeminente doEstado é decisivo e historicamentedeterminante da evolução política.

● EDUCAÇÃO: A “erradicação” do analfabetismo e uma “revolu-ção” nos ensinos fundamental e médio foram temas constantes nas renovadas

listas de promessas. Em 2005, anunciou: “O ministro (na época, Tarso Genro)e a sua equipe têm trabalhado com uma ousadia extraordinária e com uma

competência ainda mais extraordinária no Ministério da Educação. Têm pro-porcionado com as suas políticas para a educação a esperança de que defi-nitivamente o Brasil se descobriu para compreender que, sem investimento na

educação, nós não seremos nunca o país que já poderíamos ter sido. O Brasilprecisa, de uma vez por todas, compreender que não existe, definitivamente,

nenhum investimento mais sagrado para uma nação do que o investimento naformação da sua gente.” Dezesseis meses mais tarde, insistiu: “Esta é uma

revolução que está em curso neste país. Não me perguntem quanto vai custar.Eu quero que me perguntem, daqui a 20 anos, quanto custou ao país a gentenãofazero quetem quefazeragorae jápela educação brasileira,pela formação

profissional e pela qualificação dos nossos professores e dos nossos funcioná-rios. Chega!”No anoseguinte,em marçode 2007, constatou:“Nós estamosno

pior dos mundos, ou seja, nós estamos vendo crianças ficarem quatro ou cincoanos na escola e a gente faz um teste apenas na 4ª série. Isso significa que nós

passamos quatroanos semsabercomoessascriançasestãoaprendendo,e semsaber se os educadores, dentro da sala de aula, estão educando corretamente.”E 50 dias depois, afirmou: “Eu anuncio o plano mais abrangente já concebido

neste País para melhorar a qualidade do sistema público e para promover aabertura de oportunidades iguais em educação.” Os resultados do programa

internacional de avaliação de alunos, do qual participam 470 mil estudantes de65 países, foram divulgados no início deste mês: quase metade (49,6%) dos

alunos brasileiros de 15 anos sequer atingiu o nível básico de leitura nos testesaplicados no ano passado. Entre 65 nações participantes do exame, o Brasil

ficou em 53º lugar.

Custódio Coimbra/03-04-2008

FILA EM hospital: rede pública ineficiente convive com a superlotação

Letícia Pontual/13-08-2010

BARRACOS NA favela e prédiosno asfalto dividem Botafogo

Simone Marinho/6-7-2006

CRIANÇAS NA escola: metade dos alunos de 15 anos não tem leitura básica

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O GLOBO ● ● PÁGINA 13 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 35 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 13

UMAERADEPROMESSAS

● REFORMAS: Lula fez, em média, um discurso a cada dez dias fa-lando sobre a necessidade e prometendo "reformas", que listava: “Previdenciária,tributária, agrária, política, trabalhista e da estrutura [da administração pública]."Com 43 dias de governo, justificou: "Elas são inadiáveis. O país não pode abso-lutamente deixar de fazer. As reformas têm justamente a finalidade de criar as con-dições para o crescimento, que não será um crescimento qualquer, e sim um cres-cimento capaz de assegurar uma nova coesão social, pela inclusão cada vez maiordo conjunto da população na democracia e na economia. As reformas têm, por-tanto, sentido tanto econômico como social. Mas nós sabemos que o mais im-portante das reformas é o seu sentido social. Nós vamos começar fazendo o ne-cessário, depois nósvamosfazero possívele, quandovocêsmenosesperarem,nósvamos estar fazendo ( sic) o impossível. É preciso aprovar a política de reforma daPrevidência, é preciso aprovar a tributária; depois, nós vamos mandar a política dereforma sindical que vocês vão fazer, discutindo com a sociedade; depois, vamosdiscutir a reforma trabalhista para adequar o mundo do trabalho ao século XXI;

depois,vamosfazera reformapolíticae, antes disso,vamosfazera reformaagrária."Por oito anos, Lula repetiu esse discurso. Mas o governo nunca demonstrou em-penho real no Congresso Nacional para dar impulso às iniciativas repetidamenteanunciadas — com a exceção do caso da Previdência do setor público.

● SEGURANÇA: Ele anunciou em 2003: “Inicio este mandatocom a firme decisão de colocar o governo federal a serviço de uma política desegurança pública muito mais vigorosa e eficiente. Se conseguirmos voltar aandar em paz em nossas ruas e praças, daremos um extraordinário impulsoao projeto nacional de construir, neste rincão da América, um bastião mundialda tolerância, do pluralismo democrático e do convívio respeitoso com as di-ferenças.” Passaram-se 2.900 dias, e o quadro pouco se alterou, a violênciano Brasil continua assustando: a cada sábado uma centena de brasileiros éassassinada. É o dobro do número de homicídios registrado na Austrália du-rante um ano. A taxa brasileira de mortes por essa forma de violência, entre

25 e trinta para cada cem mil habitantes, é cerca de quatro vezes mais alta doque a dos Estados Unidos. Nem toda a responsabilidade é do governo federal,mas sobram evidências da fragilidade da política nacional de segurança. Oórgão que Lula chegou a criar para simbolizar o "extraordinário impulso" aoseu "projeto nacional", a Secretaria Nacional de Segurança, acabou, como emmuitos casos semelhantes, esvaziado em barganhas políticas.

Roberto Stuckert Filho/25-9-2006

LULA CHEGA ao fim do governo: sem avanços em saúde e educação, seu legado guarda a impressão de que o século XX não terminou

As filas nos hospitais são emblemada progressiva ruína de um serviçopúblico que representa a única alter-nativa de assistência para oito em ca-da dez brasileiros (somente 20% dapopulação têm acesso a planos desaúde privados).

O Brasil da era Lula continua gas-tando em Saúde mais que a médiadas nações em desenvolvimento (oequivalente a R$ 960 por habitante,

ou 8,3% do Produto Interno Bruto,calcula o Banco Mundial). De cada R$100, a rede hospitalar (60% das uni-dades têm menos de 50 leitos) con-some R$ 70. Ela concentra 70% doscasos de emergência, 27% de assis-tência ambulatorial e a quase totali-dade das internações.

Em tese, o serviço de saúde é pú-blico e universalizado, mas na vidareal serve apenas a uma minoria pri-vilegiada. Há uma abundância de ser-viços tecnológicos de alto custo nasmetrópoles — indicam organismosinternacionais—, o que contrastacom os “níveis medíocres” em indica-dores nacionais básicos, como mor-talidade materna e neonatal. E perpe-tua-se um padrão de ineficiênciadiante da crescente incidência dedoenças crônicas.

O baixo padrão sanitário favorece alotação dos hospitais e ambulatórios.“Sabem por que muitas vezes não hásaneamento básico?” — Lula repetiunos palanques, em 2002 e 2006. “Por-que tem que cavar um buraco, o queatrapalha a população durante umtempo; depois se coloca um tubo — oque continua atrapalhando a popula-ção; depois joga-se terra por cima, nin-guém vai ver, e não dá para colocar onome de alguém: “Encanamento Fula-node Tal”...Entãoas pessoaspreferemfazer pontes e viadutos, porque aí dápara colocar placa.”

O panorama mudou muito pouco,desde 2003. Hoje, nas 81 cidades commais de 300 mil habitantes, onde vi-vem 70 milhões de brasileiros, de cada100 moradias 57 não têm rede de es-goto — constata o Ministériodas Cida-des. Onde existerede,somente36% doesgoto recebe algum tipo de tratamen-to.A melhoria foimarginalnos últimosoito anos (aumento de 14% na rede decaptação e de 5% no tratamento). Das8,5 mil obras de saneamento anuncia-das em 2007 para conclusão até esteano, apenas 12% saíram do papel, in-forma a Organização Não-Governa-mental Contas Abertas.

O legado não é muito melhor naeducação. Em abril de 2004, ele reno-vou um compromisso: “As estatísticasdemonstram que 52% das criançasque estão na 5a

- série lêem um livro ouum texto e não conseguem interpretá-lo. Nós precisamos, enquanto gover-nantes deste país, fazer um esforço in-comensurável. É apenas uma questãode educação, e a bola não está comninguém, está conosco. Portanto, nós

não temos que reclamar, não temosque pedir, nós temos que fazer.”

Três anos depois, em abril de 2007,insistiu na promessa: “Eu vejo o iní-cio do novo século da educação noBrasil. Vamos tornar realidade todosos nossos compromissos de campa-

xo da divisão social no país. Na mé-dia, as escolas particulares brasilei-ras ficaram em nível próximo às daNoruega e dos Estados Unidos, en-quanto a rede pública de ensino mé-dio se comparou à do Azerbaijão.

Lula fez uma opção clara pelo en-sino universitário: ampliou os meca-nismos de acesso (cotas raciais e ou-tras modalidades de ações afirmati-vas) e multiplicou a contratação de

obras e serviços nas universidadesfederais, em harmonia com interes-ses políticos de aliados regionais.

Outro reflexo da inércia administra-tiva sobre funções essenciais do Esta-doestá nasestatísticas oficiais sobreoavanço da criminalidade: houve au-mento (de 38%) dos homicídios nascapitais. Nas capitais do Sudeste ocrescimento de homicídios foi de 61%na década, segundo a organização nãogovernamental Observatório de Segu-rança Pública. As taxas de assassina-tos cresceram até em cidades médiase pequenas, como Macapá e Cuiabá.

A ausência, ou fracasso, de políti-cas nessas áreas-chave da ação esta-tal acabou ofuscada pela celebraçãona propaganda oficial cotidiana so-bre a melhoria das condições bási-cas da economia (com aumento narenda dos pobres, expansão do mer-cado, da produção interna e das ex-portações, das reservas cambiais eos lucros recordes das empresas, es-pecialmente no setor financeiro —impulsionados por uma das maiorestaxas de juros do planeta.)

Lula passou a maior parte dos últi-mos oito anos alternando-se nos caris-máticos papéis de Messias (“Nós te-mos de salvar este país enquanto étempo”) e de vendedor da ilusão deque o passado inexiste, tudo é absolu-tamente novo, irreversível e represen-tativo darefundação da nação brasilei-ra, com a História dividida entre antese depois dele (“Nunca antes na Histó-ria deste país...”). Fez pelo menos umdiscurso por dia, de segunda a sexta— excluídos os das campanhas eleito-rais de 2002, 2006 e 2010 —, sempreanunciando um governo revolucioná-rio ( “o Plano mais abrangente já con-cebido...”;“uma revoluçãoque está emcurso...”; “a esperança de que definiti-vamente o Brasil se descobriu.”)

Pode-se discutir cada aspecto desua passagem pelo poder. Ainda as-sim, o legado da era Lula guarda a im-pressão indelével de que o Século XXnão terminou. ■

nha na área de educação. Certamen-te passaremos para a história como ageração de políticos que preparouum sistema de educação que, final-mente, pode colocar o Brasil em péde igualdade com qualquer país domundo desenvolvido.”

Os resultados do programa de ava-liação de alunos (470 mil de 65 países)mostram um Brasil avançoumuito pou-co: quase metade (49,6%) dos alunosbrasileiros de 15 anos sequer atingiu onível básico de leitura nos testes apli-cados. Entre 65 nações, o Brasil ficouem 53o

- lugar, conforme os dados divul-gados no início deste mês.

Como em saúde e saneamento, aeducação se mantém como um refle-

EM TESE, O SERVIÇODE SAÚDE ÉPÚBLICO EUNIVERSALIZADO,MAS NA VIDAREAL SERVEAPENAS AUMA MINORIAPRIVILEGIADA

● POLÍTICA: Com o ventoa favor na economia, uma força caris-mática cultivada em três décadas decampanhas eleitorais sucessivas euma máquina de propaganda oficialazeitada, Lula conseguiu do Congres-so Nacional tudo o que realmentequis durante os dois mandatos — “esem barganhar”, ao contrário do quefizeram os antecessores, na interpre-tação dele. Sempre que alguma crisesurgia no horizonte do Palácio do Pla-nalto, ele retomava o anúncio de“uma grande” reforma política: “Te-mos um compromisso profundo coma reforma política. Não me canso derepetir e vou repetir aqui, a crise éticaque seabateusobreo paísé a crisedosistema político. Por isso, é funda-mental uma reforma.” Nada aconte-ceu.Mas, nesse e em outros casos depromessas não cumpridas, não ca-

● PREVIDÊNCIA:Nem tudo, claro, foram palavras. Lulaavançou na reforma da Previdência dosetor público, algo em que o governoanterior fracassara. “Não é justo, numpaís onde as pessoas ganham 240reais de salário mínimo, alguém seaposentar com 30 ou 40 mil reais pormês. Se a gente não cuidar disso, da-qui a cinco anos não teremos dinheiropara pagar." Os servidores inativospassaram a pagar uma contribuiçãosobre os rendimentos. O regime do se-torpúblicomudouparaalgosimilaraodos empregados das empresas esta-tais (ou seja, eles foram submetidos aregras como as do INSS — até o tetopara benefícios — e depois contribui-riam para fundos de previdência com-plementar). Mas essa obra governa-mentalestá inacabada, porqueos fun-dos ainda não foram criados.

bem surpresas, até porque o próprioLula se antecipou na advertência, emsetembro de 2006, durante a campa-nha de reeleição: “Se a gente nãocumprir, é porque houve fatores extra-terrestres."

Marcelo Carnaval/26-11-2010

POLICIAIS E HOMENS do Exército na tomada do Morro do Alemão

Givaldo Barbosa/20-08-2009

O CONGRESSO, nos oito anos de Lula, não fez a reforma política

Gustavo Miranda/05-08-2003

OPOSIÇÃO IRONIZA o PT aovotar reforma da Previdência

Ailton de Freitas/18-05-2004

ESCURIDÃO LÁ fora: Lula atribuiinsucessos a fatores externos

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O GLOBO ● ● PÁGINA 14 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 41 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

1 4 ERA L UL A  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

“Quero saber se o povo está na merda, e eu querotirar o povo da merda emque se encontra” • Em discurso no Maranhão, em 2009

“Nunca fiz concessão política. Faço acordo... Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação

 num partido qualquer, Jesus teria de chamar  Judas para fazer coalizão” • Em 2009, ao ser questionado sobre suasrelações com José Sarney, Fernando Collore Renan Calheiros

“A crise não atravessou o Atlântico, graças a Deus” •Em evento da ONU, em 2008, referindo-se ao fato de o Brasil não ter sofridocontágio forte da crise americana

“Achava que sal era só para comida ou churrasco.Que o mar é salgado por causa do xixi que as

 pessoas fazem aos domingos nas praias"• Em 2008, no ato que marcou o início daprodução de petróleo do pré-sal

“Gostaria de passar para a História como o presidenteque emprestou alguns reais

 para o FMI. Você não achachique emprestar dinheiro

 para o FMI?” • Em 2009, durante reunião do G-20

“No ano que vem, estareilivre para andar por este

 país. Vou continuar  fazendo política pelo Brasil, mas não vou dar  pitaco no novo governo, porque eu quero que eles digam que nunca antes na história deste país um ex- presidente foi tão ex-

 presidente” • Em maio de 2010, durante encontrocom a Confederação Nacional dosTrabalhadores na Agricultura (Contag)

“Lá, a crise é umatsunami. Aqui, se chegar,vai ser uma marolinha,que não dá nem para

 esquiar” • Em 4 de outubro de 2008, antes de acrise financeira global se agravar e atingira economia brasileira

“O que o PT fez do

 ponto de vista eleitoral  é o que é feito sistematicamente no Brasil” • Em entrevista emParis, tratando o mensalãocomo apenas caixa dois, em 2005

“Eu sei o que é greve de fome, dá uma fome danada” • Em 2006, ao comentar a greve de

fome de dom Luiz Cappio em protestocontra as obras de transposição doRio São Francisco

“Sou que nem massa de bolo. Quanto mais batem, mais cresço” • Em maio de 2006, ao falar sobre arelação entre a crise política e seudesempenho nas pesquisas

“É verdade que ele teve mais anos de escolaridade, mas é verdade que eu sei governar melhor do que ele” 

• Em 2007, respondendo ao ex-presidenteFernando Henrique Cardoso, que oacusara de desrespeitar a educação

“Não estou saudosocoisíssima nenhuma.Quando entrei aqui,

 sabia que tinha data para entrar e para sair. Portanto, é que nem contrato de aluguel: no dia 31, tenhoque dar o fora” • Em 2010, ao ser questionado se jáestava saudoso do cargo

“Não fico nadaconstrangido de encontrar com Ahmadinejad... Isso

 aqui não é um clube de amigos. O Brasil tem muita coisa para conversar com o Irã” • Após se reunir com o ditadordo Irã, em 2009

“Quando as pessoas morrem na mão do Jatene, mesmoque ele tenha feito um erro,todo mundo morre

 satisfeito, morreu na mão do melhor” • Em visita ao Hospital das Clínicas (SP),em 2006

“Agora que o Brasil está  ajeitadinho, eles queremcomer o filé mignon quecolocamos na mesa? Não!Vão ter que roer o osso!” • Ao inaugurar em julhoo comitê da campanhaem 2006

“Se você um dia for  presidente da República vaiver como é bom uma

 medida provisória” • Respondendo ao presidente do Senado,Renan Calheiros, em 2006

“Um dia acordei invocado eliguei para Bush” • Num discurso para lideranças do PTB,em abril de 2004

“Você (como médico) diria ao paciente: ‘Meu, sifu’?” • Em discurso para artistas, no Rio,alegando que sempre tem que ser

otimista, em dezembro de 2008

“A coisa que eu mais queria na minha vida, quando eucasei com a minha galega,

 era um filho. Ela engravidou logo no primeiro dia de casamento, porque pernambucano não deixa por menos” • Em junho de 2003, em Pelotas

“De vez em quando encontro com o Ronaldo e

 sei que ele está magro. Mas,vira e mexe, a gente lê que ele está gordo. Afinal decontas, ele está gordo ou

 não está gordo?” •Perguntando a Parreira sobre asituação do Fenômeno em 2006,antes da Copa do Mundo

“Graças ao SUS, na mesma máquina que deita o presidente da República para fazer um exame, deitaum companheiro pobre” • Em discurso, ao lançar um programasobre saúde em 2006

“Baixem a bola” • Em 2005, dirigindo-se aos entãoministros Antonio Palocci, da Fazenda,e Dilma Rousseff, da Casa Civil

“NÃO SOMOS TÃO RUINS

QUANTO APREGOAMNOSSOS ADVERSÁRIOSNEM TÃO BONS

QUANTO PENSAMOS”

AFP/Mauricio Lima

“Nunca antes na Históriadeste país” um presidente

da República se valeu tantodo improviso em suas

falas. A espontaneidade deLula, o uso recorrente de

metáforas e os recadosdiretos que ajudaram a

desvendar o seupensamento político estão

nas frases acima e emoutras que se seguem

nesta seleção

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7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 15 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 42 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 15

“A leitura, para umacriança, é o mesmo queuma esteira para pessoas

 da nossa idade. Muita gente até coloca uma esteira no quarto (...) Mastodo dia se levanta e dá uma preguiça desgramada” • Em visita à Bienal do Livro, em 2004

“Todos nós temos um pouco de loucos dentro de nós. É só fazer uma retrospectiva docomportamento pessoal 

 dos últimos dez anos” • No lançamento do Plano de SaúdeMental, em 2003

“Antes do Bolsa Família,tinha mulher quecomprava um lápis e

 partia ao meio para os filhos. Hoje ela se dá aoluxo de comprar umacaixa inteira para cada” • Ao elogiar o Bolsa Família, em 2008

“Não tenho vergonha de

 dizer que temos que pedir  desculpas. O PT tem que pedir desculpas, o governotem que pedir desculpas” • Ao falar do escândalo domensalão em 2005

“Os meus adversários estão agindo como agiu a Fedecámaras contra oChávez. Ou seja: tentando

 fazer golpismo” • Ao atacar a oposição, em 2005

“Eu me sinto traído por  práticas inaceitáveis dasquais nunca tiveconhecimento” • Em 2005, ao falar sobre as denúnciasdo mensalão do PT

“Não pense que fiqueiinibido de ser petista. Pelocontrário, agora estou

 mais orgulhoso” • Ainda sobre os escândalos do PT,em 2005

“A gente tem que fazer uma reza profunda para que se deixe ootimismo (sic) no

 banheiro, dê descarga e saia para a rua pensando coisas boas” • Ao discursar na aberturado 33o

- Congresso Brasileirodas Agências de Viagem (Abav),em 2005

“Acho que não está longe

 de a gente atingir a perfeição no tratamento de saúde neste país” • Na inauguração das obrasde um hospital do SUS emPorto Alegre, em 2006

“Não li a reportagem sobre o presidente Sarney, mas ele tem história suficiente para que não seja tratado como uma pessoa comum” • Defendendo o senador José Sarney durante oescândalo dos atos sigilosos doSenado, em 2009

“Quero fazer justiça aocomportamento do senador Collor e do senador Renan,que têm dado uma

 sustentação muito grande aos trabalhos do governo no Senado” • Confraternizando com Fernando Collor eelogiando Renan Calheiros, em 2009

“Cria um G novo queo Brasil vai estar dentro. Nãotem um país mais preparado

 para encontrar um ponto G doque o Brasil” • Em 2010, durante a inauguração da barragemJoão Leite, em Goiânia

“Tenho não (o hábito deler jornais), eu não tenho isso

 faz tempo. Eu tenho problema de azia” • Em entrevista, em 2008

“Não acho que o papel daimprensa é fiscalizar. É informar” • Em mais uma crítica à imprensa, em 2009

“Às vezes o cara está  no bar, com um grupo de amigo, tomando um chope, está lá xingando o banco, xingandoos juros, mas

 no dia seguinte é incapaz de levantar o traseiro da cadeira e ir no banco mudar” • Criticando o comodismo da classemédia, em 2005

“Que crise? Vai perguntar parao Bush” • Sobre o impacto da crise internacional noBrasil, em setembro de 2008

“A crise não foi gerada por 

 nenhum negro, índio ou pobre. Essa crise foi feita por  gente branca, de olhos azuis,que antes da crise sabiamtudo e, agora, não sabem de

 nada” • Para o premier britânico,Gordon Brown, em 2009

“A gente precisa aprender atransformar nossos mortos em

 heróis, não em vítimas” • Na UNE, sobre o debate sobre a punição atorturadores da ditadura militar, em 2008

"Nós estamos, como diria o meulado musical, afinando a

orquestra. E logo, logo, o espetáculo do crescimento vaicomeçar” • Na fábrica da Ford, em São Bernardo do Campo,em maio de 2003

“Sabe aquele negócio do ex- marido que não quer que a mulher seja feliz com outro?  Aquelas pessoas que ficamtorcendo para que o marido

 novo seja pior do que ele” • Ao responder, em 2004, a críticas de seuantecessor Fernando Henrique Cardoso

“Não sou especialista emtucanos. Mas, de vez emquando, um grupo de tucanos

 para na Granja do Torto paracomer os ovos e os filhotes dos

 passarinhos nos ninhos. Eles são predadores, apesar daquela beleza. O que fizeram ao Brasil  foi exatamente isso” • Em comício, em 2006, ao lado do aliadoJader Barbalho

“Fiz uma viagem ao Gabão.

 Fui aprender como é que um presidente conseguiu ficar  37 anos e ainda se candidatar  à reeleição” • Ao falar da ditadura no país africano, em 2004

“São privilegiados aqueles que podem pagar IR porque ganhamum pouco mais” • Em encontro com metalúrgicos, em 2004

“Vocês são um bando decovardes mesmo. Não tiveram

coragem de defender o conselho nacional de jornalistas” • Em 2004, ao brincar com repórteres sobre oprojeto, depois rejeitado, que propunha umcontrole sobre a atividade jornalística

“O crescimento não é voo de galinha, nem de tucano. É real” • Em 2004, ao festejar o crescimento do PIB edando uma estocada no PSDB

“Fizemos, talvez, algo doimpossível” • Ao fazer um balanço de seus primeiros doisanos de governo, em 2004

"É mais fácil eu demitir você” • A um assessor, em 2004, ao falar sobre o boato deque demitiria Henrique Meirelles do Banco Central

“Que situação a minha” • Ao dar o mínimo de R$ 260, em maio de 2004

“Vou fazer um desafio para quevocês aprendam a vender mais

 do que reclamar” • A empresários brasileiros, na Índia, em 2004

“Vocês já viram alguma coisa mais maravilhosa através de sualente? Não é o palácio, sou eu” • Brincando com fotógrafos ao visitar oTaj Mahal, em 2004

Page 16: Documento Historico Sobre a Era Lula

7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 16 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 42 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

1 6 ERA L UL A  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

ZONA FRANCA

 ANCELMOGOIS

oglobo.com.br/ancelmo

E agora, Luiz?Papo entre Lula e Sarney,

ontem, no Maranhão, no lan-çamento de uma refinaria:

— Fico pensandono que voufazer em janeiro de 2011, quan-do deixar a Presidência. Comofoi com você? — indagou Lula.

—Eumerecolhiportrêsme-ses na Ilha de Curupu, no Ma-

ranhão — respondeu Sarney.— Você aguentou a solidão?— Não tinha outro jeito.

(janeiro de 2010)

Lula neoliberalO bloco Vem Cá Me Dá, do

Rio, fezum sambainspiradonacrônica “O dragão”, de Verissi-mo. A letra diz que um magodescobriu que, desde janeiro,congelaram Lula na Sibéria.

Em seu lugar puseram umimpostor “que ressuscitou ogrande irmãoSarney/Cuida dosbancos com carinho/E maltratavelhinho”. (janeiro de 2004)

Turma do mensalãoZezé Di Camargo e Luciano

fazem show hoje em Brasíliacom renda para a construçãoda nova sede do PT, em SãoPaulo (custa R$ 1 mil a mesa).

A dupla neopetista pede pa-trocínio deR$ 5 milhõesao Ban-co do Brasil para bancar umaturnê pelo país. (julho de 2004— o BB comprou 70 mesas)

Outra do BBLula tirou Lima Neto da

presidência do BB por causados juros altos cobrados pelobanco. (abril de 2009)

Queda de PalocciUma lágrima furtiva caiu

dos olhos de Dilma, a damade ferro, na hora em que sedespediu de Palocci. Há tes-temunhas. (março de 2006)

Paulistério no sambaO governo chamou uma leva

grandede artistas para acompa-nhar Lula nesta ida às Arábias.

Mas, na hora H, a turma foidesconvidada, e outra lista foifeita comartistas paulistas.Nolugar da Portela, vai a Gaviõesda Fiel. (dezembro de 2003)

Era o pré-salQuinta à noite, Lula rece-

beu Gabrielli, presidente daPetrobras, e Guilherme Es-trella, diretor de Exploração.

Foram avisarque a estatal pa-rece próxima de confirmar umagigantesca reserva de petróleoleve na Bacia de Campos. Casose confirme, a Petrobras passa-

rá a ser uma das maiores domundo no setor. (abril de 2007)

O petróleo é nossoA20diasda9a

- Rodadade Li-citações da ANP, Lula tem sidopressionado pela Petrobras aretirar algumas áreas do leilão.

É gente contrária a umaeventual entrega a empresasprivadas de blocos da Bacia deSantos, onde se acredita haverum reservatório de petróleo le-ve situadoabaixode umacama-da de sal. (novembro de 2007)

A ver naviosA Petrobras vai economizar

uns US$ 500 milhões ao desistirdo oleoduto Bacia de Campos-São Paulo, por causa da oposi-ção de Rosinha. (abril de 2004)

Lula, filho do BrasilLula, como se sabe, foi à Di-

namarcadias antes da escolhado Rio como sede dos Jogosde 2016. Fez isso para cabalarvotos. Na época, o Itamaratysugeriuque o presidenteapro-veitasse para fazer contatoscom o governo dinamarquês— inclusive, a rainha Margari-

da. Mas Lula rechaçou:— Essa rainha vota? Se nãovota, quero que se f... Vimaqui falar com eleitores.

Depois...Lula confessou: “Eleição é

o que eu mais gosto.”

Outra...Lula contou a um amigo que,

em 2006, ao se hospedar no Pa-láciode Buckingham,residênciada rainha Elizabeth II, não per-deu a chancede falarparadonaMarisa, ao sair do banheiro:

— E euaqui fazendo cocônopalácio da rainha da Inglaterra!

Para terminar...No papo com Ahmadinejad,

Lulaperguntouse, defato,ele ti-nha negado a existência do Ho-locausto. O iraniano começou agaguejar, disse que“nãofoi bemassim”, e Lula interrompeu:

— Quando alguém precisase explicar muito, é sinal deque se f... (novembro de 2009)

No maisA coluna acha que, nestes oi-

to anos, Lula acertou mais queerrou. É verdade que houvemuitas trapalhadas, mostrandoo erro que foi o presidente nãoaceitara sugestãodo amigo Chi-co Buarque, em agosto de 2004,de criação do “Ministério do VaiDar Merda”, para avaliar todadecisão antes de ser tomada.

Com todo o respeito.

● Assim que se elegeu, Lula faloucom Bush com a ajuda de tradutor. Éque o americano não fala português.● Lula deu a Celso Amorim umremédio sueco para disfunção erétil.● Em dezembro de 2003, Lula dissea Lindberg Farias e Chico Alencar que,se fizesse um governo mais à esquer-da, o Brasil ia “cair num precipício”.● Zeca Pagodinho, depois de ver Lula,contou qual seria seu primeiro ato, sefosse presidente: “Ato no

- 1: renunciei!”● Em almoço com Zapatero, o gover-nante espanhol, Lula, que tem línguapresa, só o chamou de... “Sapateiro”.● De Lula, sobre sua dieta: “Se eu en-gordar, terei de comprar ternos novos.São caros! Não quero, se vou sair do

governo daqui a pouco.” Faz sentido.

Mário Teixeira/22-12-2009

LULA, QUE nesta foto de dezembro de 2009 aparece com Sérgio Cabral e o vice-governador Pezão

na inauguração de apartamentos do PAC no Complexo do Alemão, é o responsável pela existência

da... varanda da cena. É que, no projeto original, não havia varandas — e o presidente pediu para

que todos tivessem uma. Na época, como saiu aqui, explicou que varanda “tem clima romântico” e,

além disso, “é onde o marido pode soltar pum sem fazer feio perto da mulher”. Ah, bom!

FEUDO DO PCdoB,ESPORTE NÃO SAI DOSUBDESENVOLVIMENTO

FALHA NA PARCERIA COM

 A EDUCAÇÃO

Pasta cresceu, mas sob denúncias; apesardisso, país garantiu a Copa e as Olimpíadas

Carlos Magno

LULA COMEMORA, ao lado do ministro Orlando Silva (à direita), a escolha do Rio para sede das Olimpíadas de 2016

POR FÁBIO FABRINI

BRASÍLIA 

Feudo do PCdoB, o Ministériodo Esporte atravessou a EraLula sob denúncias de lobby efavorecimento ao partido, masconquistou para o país os dois

maiores eventos esportivos do planeta— a Copa de 2014 e as Olimpíadas de2016. Sob o comando dos ministros Ag-nelo Queiroz (2003 a 2006) — que setransferiu depois para o PT — e Orlan-do Silva (2006-2010), os investimentos

subiram, masnão tiraramo paísdo sub-desenvolvimento também no esporte.

Antes vinculado ao Turismo, o Espor-te virou pasta exclusiva com Lula, em2003. No ano da estreia, Agnelo e a ex-jogadora de basquete Paula, queocupa-va umadas secretarias,viajaramao Pan-americano de Santo Domingo com des-pesas pagas pelo Comitê Olímpico Bra-sileiro (COB). A divulgação do caso osobrigou a prestar contas. Em 2004, Ag-nelose envolveuno lobby para legalizarbingos e aumentar o financiamento doesporte. Sua proposta era idêntica à daAssociação Brasileira dos Bingos. Como escândalo, Lula baixou medida provi-sória proibindo as casas de jogos.

Nosegundomandato,já sob a gestãode Orlando Silva, pipocaram denúnciasde superfaturamento no Pan-Americanodo Rio, em 2007. Segundo o Tribunal deContasda União (TCU),que ainda apurao caso, até os preços de furadeiras fo-ram superestimados. O ministro voltouao noticiáriopor fazer R$8,4 milem des-pesas irregulares com cartões corpora-tivos. A compra deumatapiocaemumalanchonetede Brasília virou assuntona-cional, obrigando-o a devolver o gasto.

O ministério teve o orçamento turbi-nado e deixou para trás o status de “pa-tinho feio”.No primeiro anodo governo,gastou R$ 147,8 milhões, conforme le-vantamento do Contas Abertas, feito apedido do GLOBO. Em 2010, já são R$712,8 milhões. Somaram-se a isso inves-timentos de outras fontes públicas, co-mo a Lei Agnelo/Piva, que destinou di-nheiro das loterias federais. Cresceu opatrocínio de estatais e foi criada a Leide Incentivo aoEsporte,de 2007. Masosnovos aportes foram insuficientes parauma mudança de patamar e, não raro,critérios políticos prevaleceramaos téc-nicos na definição dos investimentos.

Nas contas do governo, o programaEsporte Solidário atendia 50 mil jovenspor ano até 2002. O “Segundo Tempo”,que o sucedeu, chega a quase um mi-lhão — menosde 3%da populaçãode 7a 17 anos. Nos esportes olímpicos, opaís obteve em Pequim (2008) menos

medalhas de ouro que em Atenas(2004). Orlando Silva diz que é precisoinvestir três vezes mais na área (cercade R$ 300 milhões anuais) “para alcan-çar o nível dos países centrais”.

No desporto educacional, definidopela Constituição como prioridade,houve pouco avanço. Em 2004, 23,8%das escolas de ensino básico não ti-nham quadras de esporte; em 2009,27,5%. Programa que mais recebeu ver-

ba desde 2003 (R$ 1,1 bilhão), o “Espor-te e Lazer na Cidade” visa justamentebancar a construção e reforma de equi-pamentos esportivos.Mas quase todo odinheiro é liberado por emendas, con-forme a conveniência dos parlamenta-res. Para 2011, o governo prevê R$ 84milhões em investimentos.

— A lógica é política e assistencialista— critica o sociólogo da Universidadede Brasília (UnB) Antônio Flávio Testa.

Primeiro ministério do PCdoB, o Es-porte atraiu ONGs quase como organi-zações parapartidárias, que deram sus-tentação aos quadros da legenda. Em2009 e 2010, exceto o COB, as entidadesque mais receberam dinheiro têm diri-gentes comunistas. Campinas liderou alista de municípios mais contempladosno ano passado. Cunhado de OrlandoSilva e filiado à legenda, Gustavo Pettaera secretário de Esporte da cidade. ■

Maior na importância, nomarketing e no orçamento,mas nanico na interface com aeducação. Para o ministro Or-lando Silva, foi esse o principalrevés do esporte na Era Lula:

— Minha maior frustração énão termos integrado plena-mente o esporte e a educação.

Ele diz que as portas do Mi-nistério da Educação (MEC) es-tiveram abertas, o que permitiuparcerias, mas não basta:

— O MEC é a cabeça de umsistemae gerencia a rede federal.Mas, como o Brasil tem instân-ciasbem definidas, issodependemuito do prefeito, do governa-dor e dos seus secretários.

O ministro reconhece as ca-rências em infraestrutura, masdizque,em oitoanos,foram con-tratadas obras para 13 mil equi-pamentos esportivos. Pergunta-do sobre quantas foram entre-gues, não apresenta balanço. Oministro diz ser falsa a ideia defavorecimentoao PCdoB, alegan-do que não só as entidades emunicípiosligados ao partidoes-tão entre os que mais recebemrecursos. Campinas e outrasquatro cidades foram escolhidaspara abrigar centros olímpicosdetreinamento,o quejustificaosaportes. Para ele, a criação doministério, em 2003, estimulou aformação de uma rede de secre-tarias correspondentes em esta-dos e municípios. Pan, Copa eOlimpíadas projetam o esportena agenda nacional.

Além do rearranjo institucio-nal, houve o legal. O Estatuto doTorcedor disciplinou campeona-tos e equiparou o frequentadordos campos ao consumidor, for-çando melhorias nos estádios.Sua revisão, deste ano, aumentao rigor contra a violência.

— A lei foi um grande avanço.Antes dela, o torcedor não tinhacobertura legal para reclamarseus direitos — afirma o promo-tor de Justiça em São Paulo Pau-lo Castilho, que ajudou na elabo-ração do texto. (Fábio Fabrini)

COM RODOLFO FERNANDES, MARCEU VIEIRA, ANA CLÁUDIA GUIMARÃES, BERNARDO DE LA PEÑA, AYDANO ANDRÉ MOTTA, MÁRCIA VIEIRA, ELISA LOPES TORRES E VIVIAN OSWALD

Page 17: Documento Historico Sobre a Era Lula

7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

http://slidepdf.com/reader/full/documento-historico-sobre-a-era-lula 17/28

O GLOBO ● ● PÁGINA 17 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 42 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 17

 JUROS, IMPOSTOS EGASTOS ALTOS, ASPIORES HERANÇASCom bons resultados alcançados na economia,

reflexos também do governo FH, Lula engavetouo projeto de limitar o gasto público e foi à farra

Marcelo Carnaval/2-9-2008

LULA COMEMORA o início da exploração do pré-sal na Bacia de Santos: Brasil surfou numa onda global alta e longa

POR CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Odesempenho do governoLula resulta de uma opor-tuna combinação de esta-bilidade macroeconômicainterna com um período

de extraordinária expansão mundial.Como ocorreu com diversas outraseconomias emergentes e produtorasde minérios e alimentos, o Brasil sur-fou numa onda global alta e longa.

O período 2003/08, até antes da

crise financeira, não foi apenas umbom momento. Foram anos doura-dos. O produto mundial cresceu auma média perto de 5% ao ano, be-neficiando todas as regiões, pratica-mente todos os países. Até a África,que sempre ficava para trás, cresceuno ritmo de 6% ao ano.

Entre os países desenvolvidos, o Ja-pão, depois de mais de uma década derecessão, chegou a crescer perto de3%, número forte para uma economiajá rica. A União Europeia, normalmen-te travada por impostos e custos ele-vados, alcançou a marca de 3% entre2006 e 07. Os EUA emplacaram trêsanos seguidos com expansão acimados 3%. E a China bateu todos os seusrecordes: média de 10% nos seis anosde ouro, nada menos que 13% de ex-pansão no grande momento de 2006.

Foi também um momento de glo-balização e abertura dos merca-dos. Isso vinha acontecendo desdeo final dos anos 80, quando desaba-ram os regimes socialistas. Os paí-ses ex-comunistas foram absorvi-dos pelo capitalismo, e o mundodos negócios se ampliou.

As tarifas de importação e as res-

trições ao comércio, que vinhamcaindo desde os anos 90, chegaramaos níveis mais baixos no início doséculo 21. Com isso, o volume debens e serviços transacionados nomundo subiu 7,6% ao ano, sempre noperíodo 2003/08. E isso porque a cri-se financeira, que teve seu auge no fi-nal de 2008, derrubou a média.

Mas esse movimento comercial te-ve uma característica especial: ospaíses ricos foram mais importado-res (a começar pelos EUA) e os emer-gentes, mais exportadores. Os núme-ros do FMI mostram claramente: asvendas externas destes países au-mentaram na base de 10,5% ao ano.

E aumentaram mais as vendas dasnações que tinham comodities e ali-mentosparaentregarno mundo,masmuito especialmente na China. Comseu ritmo extraordinário, a China, do

final do século passado para cá, tor-nou-se uma ávida importadora de pe-tróleo, alimentos e minérios, entreoutros produtos.

Algunspoucos exemplos mostramopeso da China no comércio mundial.Em poucos anos, o país passou de ex-portador de petróleo ao segundomaior importador. A China é a maiorprodutora mundial de minériode ferro— e também a maior importadora.Grande produtora de alimentos — e

uma das principais importadoras desoja,por exemplo. Noinícioda recentearrancada, os chineses comiam algocomo dez quilos de carne per capi-ta/ano. Hoje, 50 — quantidade que opaís não consegue produzir.

Em resumo, a demanda por essesprodutos, em alta com o crescimen-to mundial, recebeu um reforço po-deroso dos compradores chineses.Resultado: os preços de minérios,incluindo o de ferro, subiram maisde três vezes entre 2003 e a vésperada crise. Os preços de alimentossimplesmente dobraram, na cota-ção em dólares. Também subiram,embora em escala menor, as cota-ções das comodities agrícolas, co-mo etanol e biocombustível.

Todo esse movimento beneficiouespecialmente o Brasil. E aqui nãofoi apenas sorte. O mundo precisou

de minério de ferro — e a Vale, pri-vatizada, se tornara uma companhiaglobal com tecnologias de ponta eampla capacidade de produção. Omundo precisou de alimentos, e oagronegócio brasileiro, tambémcom sua tecnologia e produção cres-cente, atendeu esse mercado.

Isso encaixou a base que faltavapara a estabilidade macroeconômicado país. Depois do controle da infla-ção com o regime de metas (introdu-zido em 1999), do câmbio flutuante(janeiro de 1999) e do controle das

crédito para a casa própria — crédi-tode 30anos,que sóaparece quandohá uma convicção generalizada deque a estabilidade é consistente.

O presidente Lula gosta de se atri-buir esses bons resultados. De fato, éseu mérito ter mantido a política eco-nômicaherdadade FHC, além de acres-centar reformas microeconômicas, co-mo nas áreas de crédito (o consignado,por exemplo) e seguros, que melhora-ram o ambiente de negócios.

Mas não se pode deixar de notarque todos os países emergentes tive-ram desempenho muito semelhante.Basta olhar em volta, aqui na Améri-ca Latina: Chile, Peru, Colômbia, to-dos aumentaram suas exportações,especialmente para a China, hoje aprincipal parceira comercial da re-gião. Todos — gatos escaldados comas crises externas — tiveram a mes-ma ideia de acumular reservas comos dólares das exportações.

De fato, as reservas de todos osemergentes (menos China) saltaramde US$ 740 bilhões para US$ 3 tri-lhões em 2008, um aumento de qua-tro vezes. As brasileiras se multipli-caram por cinco, um pouco melhor.

Pelos mesmos motivos, não sepode dizer que o crescimento dasexportações se deve à diplomaciaSul-Sul do presidente Lula. Todos

os emergentes registraram o mes-mo crescimento. Na verdade, al-guns foram até mais hábeis e assi-naram diversos acordos comerciaisbilaterais, enquanto o Brasil ficouempacado pela ideologia e pelasrestrições do Mercosul.

O Brasil também teve desempenhopior em dois quesitos cruciais, inves-timento e crescimento.

No período 2003/08, os emergen-tes, inclusive China, investiram, namédia, o equivalente a 28,5% do PIB.Os latino-americanos investiram22,5%. O Brasil, apenas 16,9%. Nãopor acaso, a média anual de cresci-mento dos emergentes foi de 7,2%,contra 4,8% da América Latina e ape-nas 4,2% do Brasil.

E aqui se vê o que o governo de Lu-la deixou de fazer ou fez mal. Seu go-vernocomeçoupressionado poruma

crise de confiança e, por isso, anco-rou-se num exagero de ortodoxiaeconômica. O Banco Central subiu osjuros em suas duas primeiras reu-niões, e o Ministério da Fazenda ar-rochou as contas públicas para ele-var o superávit primário e chegou apreparar um plano de longo prazopara reduzir o peso doEstadona eco-nomia. Foi uma satisfação ao merca-do, que a aceitou.

Ainda no embalo da ortodoxia, ogoverno Lula aprovou no Congres-so uma mudança constitucionalque permitiria a reforma da previ-dência do setor público — uma po-derosa fonte de déficits.

Mas aí o mundo ajudou, as coisascomeçaram a melhorar, o dólar des-pencou dos R$ 3,50 (cotação de cri-se) para menos de R$ 1,60 (o que aju-dou a matar a inflação e a baratear o

consumo das classes médias).Lula relaxou. Esqueceu a reforma

da previdência pública, deixou nagaveta o projeto de impor limitesao gasto público e foi à farra. Au-mentou os gastos, mas especial-mente em custeio, pessoal, previ-dência e programas sociais. Deu umimpulso nos investimentos, masclaramente insuficiente. Nos me-lhores momentos, o investimentototal (público e privado) não che-gou a 19% do PIB. O investimentopúblico em infra-estrutura (estra-das, portos, aeroportos, rodovias,etc.) mal alcança 1,5% do PIB.

A Dívida Líquida do Setor Público(DLSP) caiu bem, de 55% do PIB paraos atuais 40%, um resultado expres-sivo, mas os emergentes relevantesficam na casa dos 30%. A Dívida Bru-ta caiu menos, mas caiu para os 60%do PIB — e o padrão é 40%.

Finalmente, a carga tributária su-biueestános36%doPIB,cercade14pontos acima da dos emergentes quearrecadam mais.

Essa combinação de gasto públicoelevado — e pouco em investimento— carga tributária absurdamente al-ta e dívida pública pesada forma apior herança a serdeixadapor Lula:ataxa de juros brasileira.

O governo Lula conseguiu trazer ataxa real de juros dos 13% ao ano pa-ra os atuais 6%. Mas nos demaisemergentes,fica entre1% e 2%.O queeles têm de diferente? Gasto públicomenor, dívida menor, inflação menore mais investimentos.

Lula poderia ter avançado por aí.Teve oportunidade, mas preferiuapenas surfar a boa onda, fazer pro-paganda e não se aborrecer com es-sas reformas complicadas.

Em tempo: na crise de 2008, osemergentes também tiveram históriaparecida, uma rápida recessão e só-lida retomada. ■

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista, comentaris-ta da CBN e colunista do GLOBO

A CARGA TRIBUTÁRIASUBIU E ESTÁ NOS36% DO PIB, CERCADE 14 PONTOSACIMA DA DOSEMERGENTES QUEARRECADAM MAIS

contas públicas (com a Lei de Res-ponsabilidade Fiscal e seus comple-mentos, instituídos entre 1998 e

2000), o Brasil ainda sofria da chama-da “vulnerabilidade externa”.

Em poucas palavras, tratava-seda baixa capacidade de gerar dóla-res para pagar os compromissos ex-ternos. A todo ano, o Brasil (gover-no e empresas) precisa ir ao merca-do internacional para tomar em-prestados valores de até US$ 50 bi-lhões para fechar as contas exter-nas. Qualquer crise, os bancos sefechavam, o Brasil quebrava, ou se-ja, tinha de ir ao FMI.

A virada se deu nos anos doura-dos. As exportações brasileiras,empacadas há décadas na casa dosUS$ 50 bilhões/ano, simplesmentesaltaram para quase US$ 200 bi-lhões em 2008. Como as importa-ções cresceram menos, o país gerousuperávits comerciais de mais deUS$ 40 bilhões ao ano — uma ver-dadeira enxurrada de dólares.

O país passou para o problemacontrário: excesso de dólares. Em2003, o Banco Central anunciou suadisposição de comprar no mercadotodo o excedente. Com isso, as re-servas do governo brasileiro salta-ram de US$ 34 bilhões em 2002 paraUS$ 196 bilhões em 2008.

Foi o mais importante seguro con-tra a crise financeira, quando os ban-cos mundiais, à beira do colapso,simplesmente pararam de emprestar.Na secura total do mercado, o BCbrasileiro dispunha, então, de dóla-res para financiar a economia e ascompanhias locais. O país se tornaracredor em dólares, depois de uma vi-da inteira como devedor.

Eis a feliz combinação: a boa ondaglobalchegou quando o Brasilconso-lidava a estabilidade macroeconômi-ca. Esta, de sua vez, alavancou a ou-tra perna do desenvolvimento local:com o real estável e forte, o créditovoltou à economia brasileira. O di-nheiro emprestado para empresas epessoas saiu de 22% do PIB, em 2003,e está alcançando os 50%. Voltou in-clusive, ainda que limitadamente, o

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7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 18 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 01 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

AEVOLUÇÃODAECONOMIANAERALULAPIB

2003

1,1%

2004

5,7%

2005

3,2%

2006

4%

2007

6,1%2008

5%

2010**

7,6%

2009

-0,6%

Inflação (IPCA)

 Juros (taxa Selic no fimdo ano)

Superávit fiscalprimário Resultado das transaçõescorrentes Reservasinternacionais

2003

1,1%

5,7%

2005

3,2%

2006

4%

6,1%2008

5%

,

2009

-

2003

9,3%2004

7,6%2005

5,7%

2006

3,1%

2007

4,5%

2008

5,9%2010*

5,7%2009

4,3%

2003

2,89 2004

2,65 2005

2,342006

2,14 2007

1,77

2008

2,342010*

1,702009

1,74

(Em R$)

2003

16,5%

2004

17,75%2005

18%

2006

13,25%

200711,25%

2008

13,75%2010*

10,75%

2009

8,75%

2003

3,3%

2004

3,8%2005

3,9%

2006

3,2%

2007

3,4%2008

3,5%2010*

3%

2009

2,1%

(em % do PIB) (em % do PIB) (em US$ bilhões)

(em % ao ano)

2003

0,8%

2004

1,8%2005

1,6%2006

1,3%2007

0,1%

2008

-1,7% 2010*

-2,2%

2009

-1,5%

2003

49,32004

52,92005

53,8

2006

85,8

2007

180,3

2008

206,8

2010*

2902009

239,1

FONTE: Austin Rating *Projeção

**Projeção do mercado

AS REFORMAS QUE SE PERDERAMTRABALHISTA/SINDICALA intenção do governo Lulaera criar um fórum paradiscutir as reformastrabalhista e sindical. Para areforma sindical, duas dasprincipais questões – o fim doimposto sindical obrigatório e

a autonomia sindical – forammantidas. O texto foi enviadoao Congresso em 2005 e lápermanece parado• As despesas de contrataçãono Brasil ultrapassam a casados 100%. A desoneração dafolha de pagamentos édefendida por especialistas

TRIBUTÁRIASem conseguir aprovar uma reformatributária que acabasse com a guerrafiscal e reduzisse o peso dos impostos, ogoverno Lula fez apenas ajustes paraminimizar esses problemas. Acabou coma cumulatividade da cobrança dePIS/Cofins e uniformizou em cinco

alíquotas o ICMS. Mas a criação doImposto sobre Valor Agregado (IVA) – queunificaria boa parte dos tributos federais eestaduais – nunca avançou no Congresso• Em 2010, a carga tributária brasileira éestimada em 36,5% do PIB. Em média,países com renda similar à brasileiratêm carga tributária dez pontospercentuais a menos

PREVIDÊNCIAEm seu primeiro ano, o governo Lula fezuma reforma previdenciária com foco nosfuncionários públicos. Entre as mudançasprevistas estavam o fim da aposentadoriaintegral e a contribuição de 11% para osinativos. A reforma, no entanto, tevepouco efeito, pois o fundo de

aposentadoria complementar dosservidores nunca saiu do papel e, comisso, eles continuam se aposentando como salário cheio• Os gastos com benefíciosprevidenciários do INSS chegarão a 7,2%do PIB em 2010. Destes gastos, menosde 1% vai para pobres. A despesa doINSS representava 2,5% do PIB em 1988

Nova série histórica, jádescontadas Petrobras e Eletrobras

Cotação dodólar (fim doano)

18 ERA LULA  “NUNCA ANTES...”

DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

PAÍS VOLTA A CRESCER ,MAS REFORMAS EMPACAMLula perseguiu a expansão

econômica e deixa o

governo com taxa recorde,

num período de bons

ventos do exterior

Roberto Stuckert Filho/18-12-2003

      G      i     v     a      l      d     o

      B     a     r      b     o

     s     a      /      2      2   -      1      2   -      2      0      0      9

SOB A gestão de Antonio Palocci (no alto) na Fazenda, governo fez um duro ajuste

fiscal e manteve as políticas cambial e monetária de Fernando Henrique. Guido

Mantega (acima) deu um tom mais desenvolvimentista à política econômica

POR VIVIAN OSWALD

BRASÍLIA 

 À s vésperas de passar o bas-tão para a discípula DilmaRousseff, o presidente LuizInácio Lula da Silva colhe oslouros do duro ajuste que se

viu obrigado a fazer nos primeirosanos. Dois mandatos após a eleiçãoque levou o então candidato do PT a

assinar a “Carta ao Povo Brasileiro”— naqual secomprometiacom a car-tilha de ajuste fiscal, metas de infla-ção e câmbio flutuante —, o Brasil es-tá prestes a registrar crescimentoacima de 7,5%, o maior em 24 anos,com emprego recorde e ascensão de30 milhões à classe C.

A política econômica na Era Lula sedeu em dois tempos. A manutenção dochamado tripé macroeconômico pre-visto no receituário do governo ante-rior marcou o primeiro mandato dopresidente, que chegou a falar em “es-petáculo do crescimento” ainda em2003. A arrumação da casa e os bonsresultados das políticas sociais lhe ga-rantiriam a reeleição. Mas a promessada virada só começaria a ser cumpridana segunda metade do seu governo.

A obsessãopelo crescimento levou ogoverno a apostar no mercado interno

como grande motor da economia nosúltimos anos, sobretudo depois da cri-se financeira global de 2008.Expandiuocrédito, reduziu impostos sobre bensde consumo, ampliou os investimentospúblicospor meiodo Programa de Ace-leração do Crescimento (PAC) e forta-leceu o papel do BNDES. Além disso,aumentou o salário mínimo e reestru-turou com generosos reajustes as car-reiras do serviço público.

Mas,apesardo grande cacife políticodo presidente, a Era Lula deixou de la-do reformas estruturais essenciais —trabalhista, tributária, da Previdência—, o que deve limitar a capacidade dopaís de seguircrescendo nomesmorit-mo. O presidente da Confederação Na-cional da Indústria (CNI), Robson An-drade, afirma que as reformas seriam agarantia da competitividade e da manu-tenção do crescimento sustentado.

— As reformas deixaram a desejar.O governo ficou escravo do dia a dia— diz o ex-diretor do Banco CentralCarlos Thadeu de Freitas.

Não restam dúvidas também paraespecialistas ouvidos pelo GLOBO deque Lula teve sorte. Na maior parteda sua gestão, os bons ventos da eco-nomia internacional ajudaram o paísa se reerguer e a levar a agenda paraalém da estabilidade econômica.

É unânime a análise de que a deci-são de Lula de apertar os cintos e opapel do então coordenador de cam-panha e, em seguida, ministro da Fa-zenda, Antonio Palocci, de conter osinstintos do partido durante o perío-do da transição foram fatores funda-mentais para a virada.

“Vamos preservar o superávit pri-mário o quanto for necessário paraimpedir que a dívida interna aumen-

te e destrua a capacidade do governode honrar seus compromissos”, diziaa carta assinada por Lula, em 2002.

No livro “Sobre formigas e cigar-ras”, Palocci afirma que alguns seto-res do PT e da própria sociedadeconsideraram a carta uma concessãoexagerada aos mercados. O própriopresidente se sentiu incomodado.

— Lula manteve a “Santíssima Trin-dade”: políticasfiscal,monetária e cam-bial. Derrubou o dólar, que batia os R$4, e a dívida. Desarmou quem tinha po-sição em câmbio. Depois, só contoucom ventos favoráveis do cenário ex-terno. Em 2006, conseguiu algo inédito:

o primeiro saldo positivo nas contasexternas — lembra Freitas.

A substituição de Palocci, em 2006,por Guido Mantega foi o primeiro sinalde mudança pró-desenvolvimentista.Prova disso foram os vários atritos en-tre Mantega, que só pensava em cres-cer, e o BancoCentral deHenriqueMei-relles, quemirava a inflaçãoe conduziuuma política monetária austera — osjuros, que chegaram a bater os 26,32%aoano em marçode 2003,caíram aopi-so histórico de 8,75% em julho de 2009e estão hoje a 10,75%, a mais elevadataxa real do mundo.

Ainda assim, para o coordenadorde Análises Econômicasda FundaçãoGetulio Vargas (FGV), Salomão Qua-dros, o BC tem agido com autonomiae coragem:

— Isso deu tranquilidade ao mer-

cado, já que não existe a autonomiaformal do BC, como em outros paí-ses. Faz parte do processo de criaçãode reputação.

Com programas de investimento pú-blico, federais e de estatais, o cresci-mento começou a vir mais forte em2007 e 2008. Mas foi a crise de 2008 odivisor de águas do segundo mandatode Lula e a desculpa definitiva para queo discursodesenvolvimentista se sobre-pusesseao monetarista. As políticas an-ticíclicas vieram com força em uma ati-tude desesperada do governo para nãose perder avanços dos anos recentes.

Essas políticas tiveram efeitos posi-

tivos e negativos para a economia. Orisco-Brasil deve atingir este ano o me-nor nível da História, com 160 pontos-base. Em 2002,batiaos 1.439pontos. Opaís recebeu o selo de porto seguropara investimentos ( investment grade )em 2008 e passou a ter uma avalanchede capitais externos,tantoparaaplica-ções financeiras quanto para produti-vas. Assim, o dólar, que bateu os R$ 4,hoje oscila perto de R$ 1,70.

Mas, se a cotação dá a sensação deriqueza por um lado, por outro tira acompetitividade das exportações eestimula as importações, situaçãoque hoje ameaça criar um processode desindustrialização, segundo em-presários. As viagens internacionais eo aumento das remessas geraram dé-ficits nas contas externas, ponto atualde vulnerabilidade da economia.

A situação só não é mais grave por-que as reservas internacionais fecham2010 próximas de US$ 300 bilhões. Háoito anos, não chegavam a US$ 50 bi-lhões, o que obrigou o governo, a con-tragosto, a honrar o acordo assinadopor Fernando Henrique Cardoso em2002 com o Fundo Monetário Interna-cional (FMI). O fim da dependência doFundo só veio em 2005.

Este ano, o governo deve cumprir ameta de inflação pelo sétimo ano con-secutivo, ainda queo IPCA, desta vez,fi-que mais distante do centro da meta de4,5%. Estima-se algo em torno de 5,85%,mantendo-se acima de 5% em 2011. ■

MAIS GASTOS E MANOBRASCONTÁBEIS: FRAGILIDADES

BRASÍLIA. A recomposição sala-rial dos servidores públicos e aspolíticas anticíclicas adotadas pe-lo governo Lula para enfrentar acrise global de 2008 tomaram fei-ções deherança malditaparaa su-cessora,DilmaRousseff.Se o com-prometimento com a austeridadefiscal é reconhecido comoum dospontosaltos do primeiro mandato

e de boa parte do segundo, o au-mento dos gastos permanentes eas manobras contábeis para ga-rantir receitas mais gordas nos úl-timos dois anos transformaram-seem fragilidades da economia.

O malabarismo nas contas pú-blicas permitiu ao governo aliviaro pesodas metasfiscais para2009e 2010 em pelo menos R$ 50,8 bi-lhões. O subterfúgio gera dúvidasentreanalistas sobrea transparên-cia e a capacidade de o país cum-prir os superávitsfiscais— econo-miapara pagarjuros e abater a dí-vida —, o que foi chamado de “re-gra de ouro” no passado.

Para entender o que se passapor dentro da contabilidade fe-deral de fato, bancos, corretorase especialistas em geral começa-ram a olhar os números com lu-

pa e desenvolveram métodospróprios para calcular exata-mente quanto o país gasta e ar-recada. O custo da desconfiançaé a perda de credibilidade.

Em 2005, ainda com AntonioPalocci na Fazenda, o governopermitiu o abatimento de despe-sascom o ProjetoPiloto deInves-timentos (PPI) da meta. O meca-nismo não chegou a ser usado.

Em 2009, já com Guido Man-tega no comando da pasta, am-pliou-se o conceito de PPI, queincluiu desembolsos com o PAC

e o Minha Casa Minha Vida. Na-quele ano, as despesas permi-tiam abater até 1% do PIB dameta fiscal.

Além disso, após a crise globaliniciada em 2008, o governo inje-tou no BNDES mais de R$ 180 bi-lhões para aquecer a economia.Nem um centavo deste dinheiroque onera a dívida bruta (sem

contar créditos a receber) foi re-gistrado nas contas públicas.Houve capitalizações do Bancodo Brasil, da Caixa Econômica Fe-deral e do Banco do Nordeste.

Na triangulação de recursos en-tre União e suas controladas, foiutilizada até a poupança formadadentro do Fundo Soberano doBrasil (FSB) — criado em 2008 pa-ra guardar sobras de anos de ar-recadação elevada, a serem utili-zadas em períodos de contração.

— A engenhosidade fantásticado Ministério da Fazenda e do Te-souro Nacional conseguiu fazer ofomento bilionário ao BNDES nãopassar pelo Orçamento. O princi-pal desafio é restabelecer regrasno campo fiscal. Essa é uma áreacrucial e que deu muito trabalhoao país nos últimos anos — diz

Felipe Salto, da Tendências.Na EraLula,a metade superávit

primário de 4,25% — definida an-tesda possede Lulaem janeiro de2003 e perseguida até 2007 — foitrocada por um objetivo mais bai-xo, de 3,3%. Ainda assim, a dívidapública como proporção do PIBapresentou forte recuo em oitoanos, da casa de 60% para 41%.

A crise também postergou ameta de reduzir a zero o déficitnominal do setor público até ofim de 2010. A novidade levaria opaís a gastar só o que arrecada.

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7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 19 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 01 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 19

OSGARGALOS

AEROPORTOSGuarulhos,

Congonhas e Brasíliaestão próximos de sua capacidademáxima: o número de pousos pedidosjá ultrapassa o limite possível.

No Santos Dumont, vários voos jánão podem usar fingers e os

passageiros precisam sertransportados de ônibus no embarquee desembarque.

No Galeão, é grande o risco de areforma do Terminal I não ser feita atempo da Copa das Confederaçõesde 2013.

A Infraero não consegue executaras obras necessárias ao ritmo exigido.Em 2006 foram planejadosinvestimentos de R$2,8 bilhões em17 aeroportos. Três anos depois,haviam sido gastos apenas R$ 815milhões.

ESTRADASO índice de estradas

em condiçõesdeficientes ou péssimas, em 2009, éde 69%.

42.668 quilômetros de estradasbrasileiras apresentam problemas depavimento e de sinalização.

FERROVIASDesde a privatização

em 1997 houve umaumento de 102% de cargatransportada, mas a malha não seexpandiu na mesma proporção

No Brasil, 62,7% da carga vão porvia rodoviária e 21,7% por ferrovias.Nos Estados Unidos, 27,7% vão porestradas e 41,5% por trem

80% da malha ferroviária brasileiratem mais de um século

Apenas 17% da malha brasileiratem bitola larga, que permitevelocidade comercial

A velocidade média dos trens é de25 km/h, uma das mais baixas domundo

HIDROVIASDos 55 mil

quilômetros de riosdisponíveis à navegação comercial no

país, apenas 2,9 mil quilômetrosestão prontos para uso empotencialidade máxima

SETOR ELÉTRICOA grande extensão

da rede de transmissãoelétrica coloca o país vulnerávela apagões motivados pordescargas elétricas

A rede de distribuição de energiaelétrica nas cidades é antiga e tevepoucos investimentos nos últimosanos, levando a apagões

A dependência de reservários dasusinas hidrétricas leva aoacionamento periódico de usinastérmicas, o que eleva o preço médioda energia no país

Na Zona Franca de Manaus, asindústrias enfrentam picos e quedasde energia, forçando gastos comsistemas próprios de no-break egeradores.

FONTES: CNT, Ipea, BNDES, Banco Mundial, ANTF, Abdib

ESTRADAS, AEROPORTOS E

PORTOS PERTO DO CAOSSem investimentos, problemas de infraestrutura se agravam; egrande parte das obras previstas ficará para Dilma concluir

Givaldo Barbosa/6-12-2006

Victor Schwaner/18-11-2009

Albari Rosa/“Gazeta do Povo”/14-4-2008

O CAOS AÉREO, em 2006/2007,

o péssimo estado de rodovias

como a BR-040 (ao lado) e filas

quilométricas de caminhões

parados à espera para

descarregar ilustram problemas

que ficaram sem solução no

governo Lula

POR GUSTAVO PAUL

BRASÍLIA 

OBrasil entrou em 2003 comestradas esburacadas, ae-roportos na beira do limi-te, ferrovias lentas e por-tos congestionados. Sairá

de 2010 com cenário parecido. Ape-

sar de os investimentos nesses seto-res terem dado um salto de 110% en-tre 2003 e 2009, e melhorias pontuaisterem ocorrido em vários locais, pa-ra a maior parte da população a mu-dança mais visível neste segmentoocorreu no dicionário: a palavra in-fraestrutura perdeu o hífen na refor-ma ortográfica de 2008. Caberá à pre-sidente eleita, Dilma Rousseff, resol-ver esses gargalos, sob risco de frearo potencial de crescimento do país.

— A infraestrutura é a herança mal-dita que o governo Lula deixa para suasucessora. Nestes últimos anos tive-mos apagão elétrico (em novembro de2009), nos aeroportos, portos e estra-das. Vivemos a dicotomia de ter eco-nomia de Primeiro Mundo e infraestru-tura de Terceiro Mundo — atesta oconsultor Adriano Pires, do CentroBrasileiro de Infraestrutura.

Dos oito anos de gestão de Lula,apenas nos quatro últimos o governodecidiu encarar de frente os proble-mas de energia, estradas, ferrovias,portos e aeroportos. Com metas e ci-fras ambiciosas, o governo lançou emjaneiro de 2007 o Programa de Acele-ração do Crescimento (PAC), conside-rado poranalistascomoum marcodosetor de infraestrutura. Seu principallegado foiconcentrar e darprioridadea projetos estratégicos, antes disper-sos e sem apoio integral.

— O interessante do PAC foi colo-car os projetos de infraestrutura deforma amarrada. Mas, no meio do ca-minho, foram se perdendo as priori-dades. Tudo passou a ser necessário(dentro do PAC), mas não na melhorordem possível — avalia o professorPeter Wanke, diretor do Centro de Es-tudos em Logística da Coppead, o

instituto de pós-graduação e pesqui-sa em Administração da UFRJ.

Wankecitacomo exemploa questãodos portos brasileiros, para os quais aprincipal açãono PACé o programa dedragagem de 18 locais, ao custo de R$1,6 bilhão. Essas obras são importan-tes, mas o professor alerta para a ne-cessidade também de novos investi-mentos em berços para atracação denavios, a fim de tornar mais ágil a mo-vimentação portuária. Com o cresci-mento da economia, a movimentaçãode navios cresceu bastante.

Para o Ipea, seriam necessários R$42,88 bilhões para resolver os gargalosdo setor, mas o PAC registra apenas R$789 milhões em quatro anos. Um levan-tamento do Centro Nacional de Nave-gação (Centronave) mostra que o nú-mero de horas de espera de navios pa-ra atracar ou desatracar aumentou20%entrejaneiroe setembrode 2010 em re-lação ao mesmo período de 2009, emrazão do crescimento da economia.

— Emportos como Roterdã,na Ho-landa, e Hamburgo, na Alemanha, jáhá quilômetros de berços prontos evazios preparados para a demandaaté 2040 — afirma o professor PauloResende, coordenador do Núcleo deEstudos Logísticos da Fundação DomCabral, de Minas Gerais.

O PAC acumulou em quatro anos in-vestimentos de R$ 657 bilhões. Mas,atropelado pela burocracia, por pro-blemas de gestão e pela escassez ini-cial de projetos, o programa andou apassoslentos. O presidente Lula deixa-rá para Dilma concluir quase metadedas obras iniciadas em seu governo.Essa conta inclui os empreendimentosatrasados, que são 30,1% do total, eaqueles cuja conclusão desde o iníciose previa para depois de 2010, que re-presentam 17,6% das intervenções.

Os problemas em infraestruturaacompanham o dia a dia da economia.Nas rodovias, a maior parte das estra-das ainda deixa a desejar, apesar demelhorias terem sido registradas. Se-gundo levantamentos da Confederação

Nacional do Transporte (CNT), o índicede estradas em condições deficientesou péssimas, em 2010, era de 58,8%.Ainda queelevado,representa uma me-lhoriaem relaçãoa 2003,quandoo per-centual chegava a 82,8%.

Para resolver o problema da malhaviária brasileira, o Ipea estima que se-riam necessários R$ 183,5 bilhões deinvestimentos, mas o PAC contabilzaR$ 42,9 bilhões em quatro anos.

As ferrovias brasileiras continuamlentas, com velocidade média de25km/h, uma das mais baixas do mun-do, e atraem apenas 21% da cargatransportada; nosEstadosUnidoso ín-dice é de 41,5%. Segundo o Ipea, paracorrigir, ou ao menos reduzir, os pro-blemas, seria necessário um investi-mento de mais de R$ 22 bilhões em re-cuperação de vias e eliminação de gar-galos.O PAC registrouinvestimentode

R$ 3,4 bilhões desde 2007. As conces-sionárias contabilizam, desde 2007, R$11 bilhões de investimentos.

Para Paulo Resende, da FundaçãoDom Cabral, ainda que todos os in-vestimentos do governo funcionas-sem como um relógio, cumprindo osprazos, não haveria fôlego suficientepara resolver todos os gargalos exis-tentes. O maior problema da infraes-trutura brasileira, afirma, é o vaziode investimentos durante as décadasde 80 e 90, que sucateou o setor. Paraele, o PAC se transformou num pro-grama de recuperação de investi-mentos, cujos efeitos só serão senti-dos nos próximos anos.

— Começamos o governo com défi-cit em infraestrutura e vamos terminarcom déficit, já que a economia estácrescendo maisdo quenossa capacida-de de atendê-la — disse Resende. ■

NUVENS NEGRAS E TROVOADAS

SOBRE AEROPORTOS BRASILEIROS

BRASÍLIA. De todos os proble-mas na área de infraestrutura bra-sileira, o mais emblemático é odos aeroportos, que se tornaramuma das mais sérias dores de ca-beça para o país que sediará a Co-pa do Mundo de 2014 e as Olim pía-das de 2016. Filas nos dias demaior movimento, atrasos nos em-barques, aviões sem vagas de es-tacionamento, instalações precá-rias são alguns dos problemas co-tidianos e que se agravam nos pe-ríodos de alta estação. Nos últi-mos oito anos, o governo tem mui-to pouco a apresentar de resulta-dos no setor aeroportuário.

Umestudodo BNDESprevêque,para acabar com os gargalos na in-fraestrutura aeroportuária e per-mitir que mais 200 milhões de bra-sileiros — o equivalente ao movi-mento anual de nove aeroportosde Guarulhos — possam voar, seránecessário investimento entre R$25 bilhões e R$ 34 bilhões até 2030somente nos 20 aeroportos maismovimentados do país.

De acordo com o balanço dequatro anos do Programa de Ace-leração do Crescimento (PAC), fo-ram gastos apenas R$ 281,9 mi-lhões em aeroportos desde 2007.Os investimentos da Infraero, a es-tatal responsável pela administra-ção do setor, estão em declínio:aumentaram de 2004 a 2006, mascaíram à metade em 2009, para R$425,5 milhões.

O estudo do BNDES aponta gar-galos em 13 dos 20 aeroportosmais movimentados do país. O ae-

roporto SantosDumont apresenta,por exemplo, limitações no pátiode aeronaves. O estudo do Ipeamostra uma situação de pré-colap-so em dez aeroportos essenciais,como Brasília, Santos Dumont,Congonhas e Guarulhos, os princi-pais do país. De acordo com o úl-timo balanço do PAC, a situaçãodos investimentos no setor não éanimadora: das quatro obras emandamento, três são consideradaspreocupantes, e uma, em estadode atenção.

Durante o governo Lula, o se-tor viveu momentos devastado-res. Em 2006, falhas no sistemade controle aéreo levaram ao aci-dente com um Boeing da Gol. Oacidente levou a uma crise comos controladores de voo, que fi-zeram uma greve branca. Todoesse caos levou no fim do ano osistema aeroportuário a entrarem colapso, deixando milharesde pessoas esperando horas pa-ra embarcar. Em julho de 2007,outro acidente com um Airbus daTAM colocou o sistema novamen-te em evidência negativa.

Ao longo dos oito anos, o go-verno não conseguiu se enten-der sobre se fazia ou não a pri-vatização dos principais aero-portos. Com isso, eles conti-nuam à mercê da Infraero, quepassou a ser cobiçada por polí-ticos e se tornou um celeiro deescândalos. A abertura de capi-tal da empresa também ainda es-tá sendo deliberada e só deveacontecer dentro de dois anos.

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7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 20 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 02 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

20 ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

Total de recursos previstos

Total de recursos de obrasidealizadas no governo lula

As maiores obras lançadaspelo governo

R$ 2,247 trilhões

NO PAC 1 (2007 A 2010)R$ 657,4 bilhõesNO PAC 2 (2010 A 2014)

R$ 958,9 bilhõesNO PAC 1 (PÓS-2014)R$ 631,6 bilhões

Fonte: Casa Civil da Presidência da República

OBRASILGRANDE

DELULA

Trem de Alta Velocidade (TAV), ligandoo Rio a São Paulo e Campinas

Complexo de usinas do Rio Madeira(Jirau e Santo Antonio)

Refinaria Abreu e Lima (PE)

R$33,1 bilhões

R$26,8 bilhões

R$23,9 bilhões

Complexo Petroquímico doRio de Janeiro (Comperj)

R$19,3 bilhões

Construção da Plataforma P-51(Campo de Marlin Sul)

R$4,6bilhões

Transposição daságuas do rio São Francisco

R$4,5bilhões

Construção da PlataformaP-52 (Campo de Roncador)

R$3,7bilhões

Rodoanel de São Paulo (trecho sul)

R$3,6bilhões

Terminal de GNL - Baía da Guanabara

R$2,1bilhões

Eclusa de Tucuruí

R$965milhões

Gasoduto Uruco- Coari - Manau

R$4 bilhões

Usina Hidrelétrica de Estreito(TO/MA)

R$3,9bilhões

Linhas de Transmissãodas usinas do rio Madeira

R$7,1bilhões

Usina hidrelétrica de Belo Monte (Pará)

R$19bilhões

Usina Nuclear de Angra III (RJ)

R$9,9bilhões

Ferrovia Norte Sul

R$7,7bilhões

Ferrovia Transnordestina

R$5,4bilhões

INSPIRAÇÃO NAGRANDIOSIDADEDE GEISELGoverno Lula opta pelo marketing das obras

ambiciosas, mas, no caminho dos projetos,surgem polêmicas, protestos e contestações

Rodrigo Taves/14-12-2007

TRANSPOSIÇÃO: para

analistas, obra no Rio

São Francisco é

exemplo do retorno do

modelo de

desenvolvimento

estatizante dos anos

70; polêmica, a obra

pouco avançou

Givaldo Barbosa/20-04-2010

MANIFESTAÇÃO EM BELO

MONTE: resistentes, índios

protestam contra a

construção da hidrelétrica

Ricardo Stuckert/PR/23-05-2006

FERROVIA NORTE-SUL:

muito marketing, apesar de

apenas um trecho pequeno

ter sido concluído

Wilson Dias/ABr/10-06-2007

ESTRADA QUE será inundada por causa da usina de Santo Antônio e Jirau

POR GUSTAVO PAUL

BRASÍLIA 

N

o último dia 9, quandoparticipava do derradeirobalanço do Programa deAceleração do Crescimen-

to (PAC) de sua gestão, opresidente Luiz Inácio Lula da Silvacitou mais uma vez o governo do pre-sidente Ernesto Geisel (1974-1979)como parâmetro histórico de plane-jamento e impulso de grandes obrasno país. Essa inspiração “geiseliana”é recorrente há mais de dois anosnos discursos de Lula como justifica-tiva para seus ambiciosos planos deobras. Tão vastas como o segundoPlano Nacional de Desenvolvimento(IIPND)de Geisel,as duas versões doPACpreveemmais deR$ 2 trilhõesdeinvestimentos com obras grandes e,muitas vezes, polêmicas.

— Para mostrar que a gente nãoestava falando nenhuma bobagem epara mostrar que a gente estava fa-zendo uma coisa que a sociedadebrasileira não via desde 1975, é im-portante lembrar por que a gente

tem memória curta: este país, depoisdo governo Geisel, não teve mais in-vestimento em infraestrutura — dis-se Lula, referindo-se ao PAC.

A primeira versão do programa so-mará investimentos de R$ 657 bi-lhões e a segunda estima mais R$1,59 trilhão em obras a serem feitaspela futura presidente, Dilma Rous-seff e seu sucessor. A prateleira deprojetos do governo oferece refina-rias, ferrovias, hidrelétricas e plata-formas de exploração de petróleo,bem como a transposição das águasdo Rio São Francisco. O objetivo es-tratégico proclamado é promover ocrescimento sustentável do país.

Ao lançar, em 1974, o II PND, o pre-sidente Ernesto Geisel tinha objetivosemelhante. Segundo um estudo ela-borado em 1997 pelo hoje ministro daFazenda, GuidoMantega,para a Funda-

ção Getulio Vargas, eram evidentes ossinais de esgotamento do modelo eco-nômico que marcou o milagre econô-mico do governo Emílio Médici. As se-melhanças das estratégias com o go-verno Lula são evidentes:

“O novo governo que assumia em1974 tinha diante de si um sério dile-ma. Fazer um ajuste conservador, nosmoldes sempre sugeridos pelo FMI, epromoveraquela recessão geral,de efi-cácia duvidosa, porém infalível paradesgastar qualquer governo. Ou pro-mover outro tipo de ajuste que viabi-lizasse a continuação do crescimento.Este últimofoi o caminho trilhadopeloGoverno Geisel com o II PND”, explicaMantega em “O Governo Geisel, o IIPND e os economistas”.

O PND tinha como meta a expansãodas indústrias de bens de produção(máquinas, equipamentospesados, aço,cobre, energia elétrica, entre outros).Por isso, o governo estimulou grandesobras nos setores de mineração — ex-ploração do minério de ferro na Serrados Carajás, extração da bauxita, porexemplo — e de energia — construçãode poderosas usinas hidrelétricas comoItaipu, Tucuruí e Sobradinho.

Além disso, surgiram as chamadas“obras faraônicas”, como a Ferroviado Aço, as usinas nucleares em An-grados Reis e a Açominas.Essastam-bém eram custeadas com emprésti-mos estrangeiros baratos, os petro-dólares, e crédito do então BNDE.

A exemplo do que ocorre atualmen-te, muitos dos projetosdefinidos peloIIPND nas áreas da indústria pesada, ouseja,petroquímica, hidroelétricae side-rúrgica, e dos transportes tiveram queser executados peloscofres públicos, oqueamplioua presençadas estatais nocenário econômico brasileiro: Petro-bras, Furnas, Eletrobras e Telebras fo-ram fortalecidas. A mesma preocupa-ção de fortalecer o Estado marcou osoito anos de governo Lula.

— Obras como a do trem de altavelocidade, a transposição do RioSão Francisco e a usina hidrelétrica

de Belo Monte são o retorno do mo-delo de desenvolvimento estatizantedos anos 70, no qual o governo pla-neja e impõe seu planejamento — dizo consultor Adriano Pires, do CentroBrasileiro de Infraestrutura.

No governo Lula, a decisão de to-car obras sobrepôs-se às análiseseconômicas, que desconfiavam dosprojetos. A maior polêmica gira emtorno do Trem de Alta Velocidade(TAV), que ligará o Rio a São Paulo eCampinas. Polêmico do primeiro aoúltimo quilômetro, o projeto foi orça-do em R$ 33,1 bilhões, mas nenhumdos concorrentes acredita que ele

sairá tão barato. A licitação, remarca-da várias vezes, foi adiada para abrildo ano que vem, dessa vez para ga-rantir que pelo menos dois competi-dores entrem na disputa.

O professor Paulo Resende, coor-denador do Núcleo de Estudos Logís-ticos da Fundação Dom Cabral, deMinas Gerais, afirma que o projetonão faz sentido econômico.

— Para dar retorno ao investimento,o trem teria que atender em 15 anos auma demanda cinco vezes maior doque a ponte aérea atual — afirma.

Já o diretor do Centro de Estudosem Logística do Coppead, o instituto

de pós-graduação e pesquisa da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), Peter Wanke, argumenta queo trem representa uma “prioridadetotalmente equivocada”.

— Cada quilômetro do trem de altavelocidade poderia construir 30 qui-lômetros de ferrovias tradicionais.Com o recurso para construir os 500quilômetros do trecho poderiam serfeitos 15 mil quilômetros da malhaferroviária — diz Wanke.

A usina de Belo Monte, no Rio Xingu,também é um projeto faraônico, orça-do oficialmente em R$ 19 bilhões, masque deve sair por cerca de R$ 25 bi-lhões, segundo seus próprios constru-tores. Paraviabilizar o projeto,que cor-riao riscode nãoterinteressados, o go-verno montou um financiamentocama-rada e acionou estatais e fundos depensão para ajudar na obra.

A imposição governamental sobreinvestimentos da Petrobras é um casoexemplar. O presidente Lulaadmitiu es-te ano que as refinarias de petróleo emconstrução não seriam feitas se a deci-são dependesse da Petrobras. O pare-certécnicosustentava que as refinariasexistentes já davam conta da demanda.Mas as obras foram tocadas por uma“decisão de governo”.

A transposição das águas do rioSão Francisco, orçada em R$ 4,5 bi-lhões, também contornaram a faltade unanimidade. Ela prevê a constru-ção de dois canais que totalizam 700quilômetros de extensão para irrigara Região Nordeste e semi-árida doBrasil. Entre muitas críticas, susten-ta-se que ela afetará o ecossistema eque só vai ajudar os grandes latifun-diários, pois grande parte do projetopassa por grandes fazendas. ■

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O GLOBO ● ● PÁGINA 21 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 05 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 21

UMA DIPLOMACIA QUEDESPERTOU POLÊMICALula fala grosso com os EUA e fino com Irã e China;mas, no período, Brasil adquire inédita projeção

Eraldo Peres/AP/30-08-2008

LÍDER LATINO-AMERICANO: Lula confraterniza com os colegas Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Corrêa (Paraguai) e Evo Morales (Bolívia)

Ailton de Freitas/23-11-2009

COM O presidente do Irã,Ahmadinejad, relação polêmica

Jonathan Ernst/Reuters/14-03-2009

O CARA: o carisma de

Lula conquistou opresidente Obama

Ricardo Stuckert/PR/18-05-2009

CHINA: encontro entre

Lula e o presidente

chinês, Hu Jintao

POR ELIANE OLIVEIRA

BRASÍLIA 

E

xageradamente ideológica edemagógica, afirmam críticos.Estrategicamente correta, res-ponsável por projetar o Brasil

como um dos grandes atoresinternacionais, rebatem seus defenso-res. O fato é que a política externa dopresidenteLuiz Inácio Lulada Silva pro-vocou debates apaixonados contra e afavor. Para o bem e para o mal, o saldofoi o maior período de prestígio inter-nacional do país na História recente.

As relações com o exterior, sob o co-mando de Lula, foram marcadas peloque especialistas chamam de autono-mia pela diversificação. Além de preser-var a relação com parceiros tradicio-nais, como os Estados Unidos, especial-mente no primeiro mandato, Lula tevemaior preocupação em se voltar paraalianças Sul-Sul, visando, com isso, aquestionar assimetrias e disparidadesno sistema político-econômico interna-cional e a criar parcerias estratégicas.

— Essa diversificação das relaçõesdiplomáticas foi bastantecaracterizada

pelo governo Lula — afirma Diego San-tos, professor de Relações Internacio-nais e de Política Externa da PUC-Rio.

Dentrodesta estratégia foi queo Bra-sil modulou o tom das relações diplo-máticas. Lula virou “o cara” para o pre-sidente americano Barack Obama nasdiscussõespelo reequilíbrio econômicoglobal na crise de 2008, a despeito deterfaladogrossocom osEUA emváriosmomentos ao longo do mandato, comonas críticas à postura americana com oIrã e na negociação para evitar retalia-ção de US$ 1 bilhão devido aos eleva-dos subsídios americanos ao algodão.

“Resultados poucoanimadores”● Com o Sul e os emergentes, Lula foisuave, sobcríticas de muitos especialis-tas. Não tomou medidas mais enérgicaspara frear as importações desleais daChina, apesar dos apelos de dentro dogoverno e do setor produtivo, e apenasrecentemente adotou postura agressivacontra a manipulação do câmbio chi-nês, deletéria à economia brasileira.

Para o diplomata Rubens Barbosa,ex-embaixador do Brasil nos EUA, du-rante os oito últimos anos, “inclusivepeloativismoda política externa,o Bra-sil se projetou de forma significativa noexterior e passou a querer ter voz im-portante em questões fora da regiãosul-americana, o que é positivo”.

Porém, com a grande influência doPT sobre sua formulação, deixou deser uma política de Estado e se par-tidarizou, na avaliação de Barbosa.

— O ministro (das Relações Exte-riores) Celso Amorim se filiou ao PTdurante seu mandato e participou depalanques eleitorais — afirmou,acrescentando que “a política exter-na teve avanços importantes e resul-tados pouco animadores”.

Deacordocom o diplomata, sãocon-tabilizados como ganhos a formaliza-

MERVALPEREIRA 

E-mail para esta coluna: [email protected] 

Do petismo ao lulismo● O Lula que emerge dessa seleção de colunas é mais

coerente do que se possa imaginar, embora incoerente

como quedefendiano passado. A incoerência mais mar-

cante foia manutenção da política econômicado seuan-

tecessor, o inimigo cordial Fernando Henrique Cardoso,

decisão corajosa de Lula com a ajuda do destino, quase

um pleonasmo em se tratando da sua carreira.

ção do BRIC (bloco formado por Brasil,Rússia, Índia e China) em um grupo embusca de uma agenda, a ação da diplo-macia na criação do G-20 comercial du-rante a Rodada de Doha, a iniciativa dediálogo com o Oriente Médio e a am-pliação dasrelações compaíses doSul,em especial com a África.

Entretanto, Barbosa disse que po-dem ser considerados equívocos oapoio ao Irã e sua política nuclear, aconcessão do status de economia demercado à China; o relacionamentocom os vizinhos Bolívia e Venezuela,que, ao mudarem regras nacionais,afetaram a Petrobras (o que chamoude débil reação à defesa do interessenacional); e Cuba e Irã, devido ao des-respeito aos direitos humanos.

Entre as prioridades de Lula, destaca-vam-se a conquista de umavaga perma-nente no Conselho de Segurança dasNações Unidas; a Rodada de Doha naOrganização Mundial do Comércio(OMC); o aprofundamento do Mercosule a integração regional; candidaturas aorganismos internacionais e a aproxi-mação com a África. A agenda poucoandou concretamente. O Brasil perdeueleições na Organização Mundialdo Co-mércio (OMC) e no Unicef.

Houve certo exagero, mas o balançoé positivo, na opinião de Antônio JorgeRamalho, professor do Instituto de Re-lações Internacionais da Universidadede Brasília. Um ponto a favor de Lula,destacou, foi o desempenho excelentepara enfrentar a crise financeira inter-nacional, que estourou no fim de 2008.

— É uma política ideológica, no sen-

tido de apostar que o Brasil ascende-ria a uma posição de liderança no am-bienteinternacional, pormeioda pres-tação de serviços a países menos im-portantes. Ou seja, é mais interessantepara o Brasil ser grande entre os pe-

quenos do que pequeno entre os gran-des — disse o acadêmico.

O ministro do Desenvolvimento, Mi-guel Jorge, viajou a mais de 70 paísesparapromoverbens e serviços brasilei-ros no exterior. Lula — que apelidouJorge de “caixeiro viajante” — visitoumais de 20 países africanos. As vendasdo Brasil para a região aumentaram214,8%. Para a China, o crescimento foide quase 900% — mas as comprasavançaram também, sem piedade.

Outro ponto de destaque, de acordocom AntônioJorgeRamalho, foi o deba-te sobre aquecimento global. A seu ver,Lula tirou o Brasil da condição de vilãointernacional. O país, agora, é um dospoucosa fazeremo dever decasa, apre-sentando resultados importantes naqueda do desmatamento, por exemplo.

Ex-ministro da Fazenda e ex-secretá-rio-geral da Conferência das NaçõesUnidas para Comércio e Desenvolvi-mento (Unctad), Rubens Ricupero acre-ditaser bastantedifícilresumirem pou-cas palavras a política externa do go-verno Lula. Segundo ele, em alguns ca-sos, o presidente deu contribuição atépessoal, usando seu carisma. Ajudoutambém o fato de o Brasil gozar de es-tabilidade econômicae política.Em suaavaliação, Lula começou a cometer er-ros na fase final do segundo mandato.

— O episódiodo acordo com o Irãfoiumequívoco. Nãoo acordoem si,masamaneira de fazê-lo como fato consuma-do, imposto aos demais. Da mesma for-ma, a política de direitos humanos foinegativa, nunca condenou os abusos depaíses como o próprio Irã, Cuba e ou-tros países. No caso do golpe de Estadoem Honduras, atuamos de forma muitoexagerada — disse, lembrando umevento, no governo Jânio Quadros, queele, Ricupero, fora testemunha:

— Afonso Arinos, que foi oficial degabinete de Jânio Quadros, dizia que opresidente acertava no atacado, maserrava no varejo. Se fosse para eu daruma nota a Lula, daria algo como seteou sete e meio pontos. ■

Fora a questão econômica,de cuja manutenção das li-nhas básicas se convenceugraças a Palocci, que por suavez se convencera depois devárias conversas com mem-bros do primeiro escalão dogoverno anterior, especial-mente o então presidente do

Banco Central, Armínio Fraga,o desenho do que seria o go-vernoLula desdeos primeirosmovimentos foi riscado comtintas mais leves no primeiromandato, e com pinceladasmais fortes no segundo.

(...) A posse, em janeiro de2003, foiuma amostra doqueseria a política externa brasi-leira, mais voltada para aAmérica Latina e para as re-lações Sul-Sul.

Lula referiu-se aos EstadosUnidos apenas uma vez noseu discurso e colocou o re-presentante do governo ame-ricano, Robert Zoelick, aquem chamara de “sub dosub do sub”, em lugar secun-dário no palanque oficial, su-peradono cerimonialporlíde-

res terceiro-mundistas comoFidel Castro e Hugo Chávez.

O tom antiamericano quehoje predomina na nossa po-lítica externa foi aumentan-do com o passar dos anos, oque não impediu que Lula sedesse bem com o mais direi-tista dos recentes presiden-tes d os Estad os Unid os,George W. Bush, e chegasse aser apontado por BarackObama, em 2009, como o seupreferido entre os dirigentesmundiais.

(...) Com o tom esquerdistada política externa aumentan-docoma criseem Hondurasea acolhida a Mahmoud Ahma-dinejad, presidente do Irã queo mundo tentava isolar paraque desistisse de seu progra-

ma nuclear, o prestígio pes-soal de Lula decaiu.

Ele, que chegara aofinaldoano sendo considerado o lí-der mais destacado do mun-do por jornais do peso do “LeMonde”, da França, e o “ElPaís”, da Espanha, e com o“Financial Times” colocando-o entre as personalidadesque mais influenciaram a dé-cada, começou a receber crí-ticas no início de 2010, espe-cialmente depois que tentousem sucesso intermediar apaz no Oriente Médio e umanegociação, junto com a Tur-quia, sobre o programa nu-clear do Irã, acordo rejeitadopela maioria do Conselho deSegurança da ONU.

Ilusionista, camaleônico, Lu-la conseguiuinternamente con-vencer boa parte dos ricos dequeera o único a poder contro-lar a revolta dos despossuídos,ao mesmo tempo em que lhespermitiu lucros extraordiná-rios; e deu a sensação aos des-possuídos de que estava nopoder em seu nome, e ao mes-mo tempo, com programas so-ciais assistencialistas como oBolsa Família e o aumento dosalário mínimo, deu-lhes a im-pressão de que pela primeiravez alguém olhava por eles.

Suas políticas de transferên-cia de renda, embora não te-nhamalteradoestruturalmentea sociedade brasileira, tirarammilhões de cidadãos da misé-ria e fortaleceram a classe mé-dia, que passou a incluir amaioria da população.

Da mesma forma, no planointernacional, Lula conseguiuconvencer o Primeiro Mundo

de que era o único a podercontrolar os líderes esquerdis-tas autoritários, quase ditato-riais, que foram sendo eleitosna América Latina, ao mesmotempo em que, na região emque o Brasil é um líder natural,convenceu seus “companhei-ros” de esquerda de que era

um deles a enfrentaros “lourosde olhos azuis”.Já se disse que o líder po-

pulista se diferencia do esta-dista porque o primeiro pen-sa na próxima eleição, en-quanto o outro pensa na pró-xima geração.

Lula definitivamente não éum estadista, tem uma visãode curto prazo que superasuas preocupações com o fu-turo, exceto quando se tratade si mesmo.

Apesar de, na retórica, apre-sentar-se como o grande esta-dista que o país jamais teve.

(...) Desde o início do pri-meiro mandato de seu gover-no, tenta controlar os meiosde comunicação, seja atravésde um Conselho Nacional de

Jornalismo, proposta que nãovingou devido à forte reaçãoda sociedade e que hoje estáde volta através de sugestõesda Conferência Nacional deComunicação.

(...) O episódio do mensa-lão foi o ponto de inflexão deseu governo. Até aquele mo-mento, em 2005, o governoLula era “um governo que nãoroubava nem deixavaroubar”,na definição do então minis-tro-chefedo Gabinete Civil,Jo-sé Dirceu, depois identificadopelo procurador-geral da Re-pública como o chefe de umaquadrilha que, de dentro doPaláciodo Planalto, organizoua compra de partidos políti-cos inteiros para dar apoio aogoverno no Congresso.

(...) A oposição, na definiçãodo ex-presidente FernandoHenrique Cardoso, não tinha“gosto desangue”na bocae te-meu a ameaça de que os cha-mados “movimentos sociais”sairiam à rua para defender omandato do presidente Lula.

O próprio Fernando Henri-que dizia que não era inteli-gente criar “um Getulio vivo”,referindo-se ao episódio dosuicídio de Getulio Vargas,que reverteu o estado de es-pírito da população a favordo presidente morto.

Lula reverteu a percepçãodo povo brasileiro de maneiraespetacular sem precisar degestos extremos.

O Lula hoje entrando noseu último ano de mandatoexpandido é um político empermanente ascensão popu-lar, com uma votação que vaimudando territorialmente aolongo do tempo, até se trans-formar no principal líder daesquerda brasileira.

Lula sempre foi maior doque o PT, e principalmente aolongo de seu segundo gover-no foi gradativamente se afas-tando do partido que fundoue ganhando dimensões de lí-der populista dos maioresque o Brasil já teve.

O lulismo passou a ser umaforça política baseada nos pro-gramas assistencialistas, naclasse média ascendente e nocarisma de Lula, que passou ater o PT apenas como instru-mento de sua vontade.

(Trechos do prefácio do livro“O lulismo no poder”, lançadoemsetembrodesteano pela Edi- tora Record)

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O GLOBO ● ● PÁGINA 22 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 05 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

22 ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

‘O BOLSA FAMÍLIA FOI

UM PROCESSO VIGOROSO’Para Patrus Ananias, a parceria com o Ministério Público foi decisiva

para que o programa sobrevivesse diante das fraudes nos cadastros

Fotos de Gustavo Miranda

PATRUS ANANIAS, que comandou o Ministério do Desenvolvimento Social por seis anos: para ele, votação de Dilma no Nordeste refletiu bons resultados de políticas sociais

FRANCISCO LEALI*E DEMÉTRIO WEBER*

BELO HORIZONTE

trada e vai corrigindo... Se você não co-meça, não erra, não corre riscos, mastambémnãofazas coisas. Teveum pro-grama do Fantástico que foi muito for-te. De 30 minutos. Parecia que estáva-mos cometendo crime de lesa-pátria.Issofoi no domingo.Na segunda-feira, oJornal Nacional descobriu um caso emBelo Horizonte. Ai pensei: “Uai, então onegócio é comigo. Fui prefeito de BeloHorizonte...” Nessa época contratamosempresa para fazer pesquisa e verificara vulnerabilidade do programa. Ir onde

estavam as pessoas, bater na porta eperguntar: quanto você recebe?

● O senhor contratou uma empre- sa para dar uma incerta...

PATRUS: Exatamente. Para eu teruma ideia mais segura e passar ao pre-sidente também. E aí, comecei a rece-ber informações vigorosas: “Patrus,não tem jeito. Tem um programa decombate a fome criado em 1933, nosEstados Unidos, que é considerado umdos mais focados do mundo. Ele tem

4%, 5% de erro de foco, que faz parte.”Ninguém consegue ter cadastro 100%.As pessoas morrem, nem sempre é co-municado. As pessoas mudam.Há tam-bém desconstituição familiar.

● Pensou em sair do ministério? PATRUS: Não. Vi como desafio. Te-

ve uma coisa bonita que foi a solidarie-dade e o apoio irrestrito do presidente.

Eleme falou: “Monta sua equipe.Confiono seu trabalho. O ministério está nassuas mãos. É o seu time. Põe quem vo-cê quiser. Vamos dar conta disso.” Aíme coloquei em campo. Fui a todos osórgãos de comunicação. E começarama surgir resultados. Fizemos convêniocomos ministériospúblicos e coopera-ção com os tribunais de contas. A so-ciedade começou a ver que as denún-cias passaram a ser processadas den-tro dos critérios estabelecidos.

● Em 2004 tinha eleição munici-  pal. Nessa época teriam chegado aoministério denúncias contra prefei- tos. Foi aí que vocês passaram paraa Caixa a entrega do cartão? 

PATRUS: O cartão sempre foi entre-gue pela Caixa. O que as prefeituras fa-zem é o cadastro. Prefeitura faz partedo Estado brasileiro. Se o prefeito nãoage corretamente, vamos enfrentar oproblema. Então, numalinha republica-na e suprapartidária, sem discriminarninguém, fizemos uma aposta: os pre-feitos fariam o cadastro. Agora, conver-samos muito sério e de forma pedagó-gica. Eu pessoalmente saí de Brasíliaemavião da FAB parair verificar denún-cia de prefeito que estava fazendo ca-dastroerrado.Fui a Pernambuco,fui aoNorte de Minas. Como ministro, passa-va a mão no promotor e ia lá.

● Algum caso específico? PATRUS: Campo Florido, em Per-

nambuco. O prefeito me recebeu muitobem. Fui lá ver o cadastro e tinha pro-blemas. Não mandei prender ninguém.Falei: “Vamos acertar isso.Refazero ca-dastro. Vai vir gente do ministério aju-dara fazer. Agora, temquesercompes-soas pobres. Fora disso o senhor podeser processado por crime”.

● Como o senhor interpreta essascríticas de que o programa é eleito- reiro e de que o valor pago parecemais “bolsa esmola”? 

PATRUS: O Bolsa Família passou aser, em parte pelas denúncias da im-

prensa, um tema de todo mundo. Aspessoas começaram a se envolver. Nãohavia no Brasil uma consciência sobrepolíticas públicas. Havia essa ideiaequivocada de que políticas de assis-tência social são assistencialistas.Criou-se o falso dualismo: dar o peixeou ensinar a pescar? Como se uma coi-sa não fosse complementar à outra. Pa-ra pescar, tem que ter comido o peixe.

Tem que ter saúde para chegar no rio.

● O senhor acha que hoje haveria político ousado o suficiente para dizer que iria acabar com o programa? 

PATRUS: O senador Jarbas Vascon-celos deuentrevista dizendoque o pro-grama era assistencialista e pagou umpreço alto por isso. Foi um desgastemuito grande para ele. Mas é uma pes-soa que gosto e respeito. Quero acre-ditar que está havendo um convenci-mento da sociedade. Até porque queroacreditar no lado melhor das pessoas.

● Falando de Bolsa Família e políti- ca, segundo levantamento que fize- mos, Dilma venceria noprimeiro turnoem nove dos dez estados com maisbolsas. Como interpreta isso? 

PATRUS: De uma maneira muitoobjetiva. Governo que cumpre com-promissos tende a ter aceitação daspessoas. O presidente veio com claraproposta social. Foi eleito com votodos pobres, sobretudo a reeleição de-le, em 2006, mas também a de 2002. Opresidente fez governo excepcional.Garantiu a estabilidade, inflação con-trolada, o que é importante...

● A estabilidade não veio do go- verno anterior? 

PATRUS: Manteve, né? Não estouentrando nessa polêmica, manteve aestabilidade. O país começa a crescermais doque nogovernoanteriore compolíticas sociais vigorosas, de inclusão,como nunca teve, como naquela ex-pressão que ele usa: nunca antes nahistória. A votação que Dilma teve noNordeste reflete realmente as conse-quências positivas, os indicadores quea políticas sociais apresentam.

* Enviados especiais

O GLOBO NA INTERNET

VÍDEO Patrus Ananias faz um balançodo Bolsa Famíliaoglobo.com.br/pais

Criou-se o falso dualismo (sobre políticas sociais): dar o peixe ou ensinar a pescar? Como se umacoisa não fossecomplementar àoutra. Para pescar,tem que ter comidoo peixe. Tem queter saúde parachegar no rio

Teve um momento em que fiquei surpreso. Sabia quetinha problemas nocadastro (do Bolsa Família), e estávamostrabalhando para superar isso, pois eles eramvulneráveis mesmo

Omineiro Patrus Ananias porseis anos comandou omaior e mais importanteprograma social dogovernoLula,o BolsaFamília. Dope-

ríodo em que chefiou o Ministério deDesenvolvimento Social, revela: 2004

foi o ano mais difícil. Na entrevista quedeu ao GLOBO em seu apartamento,sentado ao lado de uma generosa tra-vessa com pães de queijo, Patrus lem-brou de um domingo dramático daque-le ano, quando o “Fantástico”, da TVGlobo, expôs em horário nobre casosde gente que recebia o benefício sempoder. Depois de uma conversa comLula, o ministro visitou pessoalmentecidades com suspeita de fraude. E foibater na porta do Ministério Público ede tribunais de contas para montarumarede queapurasse as fraudes e ga-rantissea sobrevivência do Bolsa Famí-lia. Hoje, ele diz quea sociedade e atéaoposição aprovam o programa.

O GLOBO: O que levou o governo Lulaa criar o Ministério do Desenvolvimen- to Social no final de 2003? 

PATRUS ANANIAS: Houve uma

compreensão crescente de que as po-líticas sociais devem ser integradas.Foium passo importante para colocarmosno mesmo espaço políticas sociais pú-blicas que se complementam.

● Havia então diagnóstico de que,do jeito que estava, era muito difuso? 

PATRUS: Isso. Não participei direta-mente. Quando o presidenteme convo-cou, a decisão estava tomada. Nas con-versas, essa ideia de integração eramuito forte. Senão, teríamos que criarum ministériosó parao Bolsa Família.Enão só integramos no ministério comobuscamosações integradas comoutrasáreas, especialmente educação e saú-de, lembrando que o Bolsa Família éprograma de transferência de rendacom condicionalidades. A transversali-dadedas políticas foiuma ideia central.Outra foi a unificação dos cadastros,

que eram difusos. Bolsa Família, Vale-gás, Bolsa Alimentação. Unificar todospara que fossem mais consistentes.

● Quando o presidente o convidou para ser ministro, ele pediu para co- ordenar tudo, mas avisou que era pre- ciso manter a marca do Fome Zero? 

PATRUS: Sim, a marca Fome Zero jáeraforte. Nãosó no Brasil,comono ex-terior. Muitos governos deram apoio.França, Chile, Alemanha, Argélia. A marca era forte no sentido de superardefinitivamente a fome no Brasil.

● Com o crescimento do Bolsa Fa- mília, ficou a impressão de que o Fo- me Zero foi engolido.

PATRUS: Para mim, o Fome Zerosignifica zerar a fome no Brasil, e elecumpriu e está cumprindo sua função.Estamos acabando com a fome. Isso éum conquista histórica civilizatória. Ge-rações de brasileiros sonharam com is-so. Há pouco tempo, víamos na RedeGlobo comunidades inteiras passandofome nas ruas. Eram criadas aquelasfrentes de trabalho sem nenhum crité-rio, sem dimensão de política pública,pessoas comendocalango. Issoestá su-perado no Brasil hoje. Então, o BolsaFamília é um programa do Fome Zero.

● O Bolsa Família começou com3,6 milhões de famílias e hoje é qua- tro vezes maior. Como foi fazer essaampliação? 

PATRUS: O Bolsa Família foi umprocesso vigoroso e forte.Primeiro, te-ve o apoio decidido do presidente Lu-la,como,de resto,as ações sociais. Es-tamos apresentando ao Brasil e aomundo um saldo muito positivo. É im-pressionante o interesse do mundocom o que está acontecendo. O minis-tério está fechando este ano um orça-mento que transcende a R$ 37 bilhões.Começamos o programa com dificul-dades em 2004. Tivemos problemas.Primeiro, a questão dos cadastros.

● Esse foi o ano mais difícil? PATRUS: Foi. Com todo respeito

ao governo anterior, que abriu frentenessas políticas sociais, mas os ca-dastros, além de serem específicospara cada programa, eram muito vul-neráveis. Então, para montar um ca-dastro único e consistente, tivemosparceria com Banco Mundial paraque o sistema identificasse fraudes.

● Houve um momento, em 2004,em que a situação ficou mais compli- cada, por conta da onda de denún- cias e críticas? 

PATRUS: Farei uma confidência. Te-ve um momento em que fiquei surpre-so. Sabia que tinha problemas no ca-dastro, e estávamos trabalhando parasuperar isso, pois eles eram vulnerá-veis mesmo. Mas aí é o negócio: ou vo-cê começa ou não começa. Você só fazas coisasquandopõe para andarna es-

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7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 23 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 16/12/2010 — 00: 09 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 23

‘LULA HONROU

A AUTONOMIA’Henrique Meirelles diz que presidente respeitoudecisões do BC, alerta que inflação é sempreum risco e reclama que enfrentou fogo amigo

Gustavo Miranda

PARA MEIRELLES, a crise não

foi marolinha: “Foi uma crise

grave. Só que foi resolvida de

forma muito eficaz”

Em duas horas de conversa,Henrique Meirelles lembra co-mo abandonou o mandato dedeputado federal conquistadonas urnas pelo PSDB por

Goiás para ser o presidente do BancoCentral de Lula e tornar-se o mais lon-

gevo no cargo. Enfrentou o fogo amigo,a críticapelosjurosaltose ajudouo Bra-sil a passar bem pela maior crise globalem 80 anos. Na sala do 20o- andar do BCem Brasília, ele guarda comendas dastrês Forças militares: “Se fosse inglês, jáseria um lorde”, brinca. Pouco antes,afirmara terrecebido vários convites deemprego. Por enquanto, só tem planosdese dedicarà suaONGpararecuperaro Centrode São Paulo. Nodia 31, eleen-tra em quarentena de 120 dias.

O GLOBO: Deputado eleito pelo PSDB, o senhor era um estranho no ni- nho petista em 1 o

-  de janeiro de 2003,ao assumir o Banco Central (BC). Co- mo se deu a aproximação entre um ex- banqueiro internacional e o PT? 

HENRIQUE MEIRELLES: Umacon-versa muito preliminar ocorreu em ju-lhode2002, como entãocandidato a se-

nador Aloizio Mercadante. Depois, emdezembro, num domingo, eu estava emNova York e aí o Mercadante me ligou.Ali já falando em nome do presidenteeleito e me convidando para ir aWashingtonme encontrarcom Lulapor-que ele queria me convidar para presi-dir o BC. Fui na embaixada, me encon-treicom o (Antonio) Paloccie eleme ex-plicou o desafio,disseque me levariaaopresidente se eu aceitasse o convite.

● Conversaram sobre o que deve- ria ser feito no início do governo? 

MEIRELLES: Sim, sobre o que serianecessário para estabilizar a economia,trazera inflaçãoparaa meta.Dissea eleque estaria disposto a considerar a hi-pótese deser escolhido,mas achavaim-portante ter autonomia para trabalhar.Fomos em outra sala conversar com opresidente Lula e chegamos a um acor-

do. Disse a ele que era importante fazerum trabalho internacional, (passar) amensagemde que o Brasil tinhaum pla-no de estabilização, de austeridade mo-netária e fiscal. Dois dias depois, fuianunciado na Granja do Torto.

● O senhor é o presidente mais lon-  gevo do BC, com oito anos no cargo.Quais os momentos mais difíceis? 

MEIRELLES: Em primeiro lugar, o fi-nal do primeiro trimestre de 2003, quan-do comecei a perceber que estávamosem uma trajetória perigosa de venderreservas diariamente para estabilizar osmercados. As reservas já estavam emtorno de US$ 16 bilhões. Tínhamos umacordo com o FMI que estabelecia umpiso, e tomei a decisão de parar de ven-dê-las. Existia uma grande preocupaçãointerna sobre o que aconteceria nestedia: crise cambial, fuga de capitais. Masos mercados se acalmaram, porque vi-ram nisso um sinal de confiança.

● Foi uma decisão solitária? MEIRELLES: Foi.Comuniqueiao Pa-

locci posteriormente. Outro momentomuito difícil, já em abril de 2003: numareuniãocom empresáriosem SãoPaulo,ouvi que o Brasil não aguentava a taxade juros daquele momento (26,5% aoano), que haveria a maior recessão daHistóriae o Brasilnão aguentava um dó-lar a R$ 3, que era muito baixo. O paísteria déficit comercial em setembro ecrise cambial em outubro. Disse a elesque não acreditava em crescimentocom inflação. E que, caso o BC desistis-se da política de estabilização, aí, sim, oBrasil seria jogado numa crise. O Co-pom manteve juros em abril e maio. Asexpectativas de inflação começaram acair. Em julho, o país voltou a crescer.

● Dentro do governo havia a de- fesa de juros mais baixos. Como osenhor administrou essas pressões? 

MEIRELLES: Eu explicava todo oracional da política. Eram debates,reuniões ministeriais.

● O presidente Lula estava na alaque precisava ser convencida? 

MEIRELLES: Ele tinha consciênciado impacto da inflação no poder decompra dos trabalhadores porque ti-nha sido líder sindical. Sempre de-monstrou boa compreensão da neces-sidade de estabilizar a economia, demanter a inflação baixa.

● Já o vice José Alencar atacava publicamente o BC. Como eram asconversas com ele? 

MEIRELLES: Entendia a crítica, élegítima. (As conversas) sempre (fo-ram) muito respeitosas.

● Em algum momento o senhor sen- tiu o compromisso do presidente Lulacom a autonomia do BC ameaçado? 

MEIRELLES: Não. No entanto, namedida em que o presidente honrou

o acordo, ele sempre teve a prerroga-tiva de me demitir se quisesse. Nun-ca o fez, portanto ele acreditou e defato implementou o acordo.

● Quais outros momentos forammarcantes para o senhor? 

MEIRELLES: O segundo momentodramático foi a crise de 2008. Quando oLehman Brothers de fato quebrou, numdomingo de setembro, entendi que pas-saríamos por uma crise muito grave noBrasil, porque 20% do crédito brasileirotinham financiamento externo. Umaquebra forte dessas levaria a uma crisede crédito no Brasil. Naquela semana,anunciamos que o BC usaria reservaspara fazer empréstimos.

● Quando o senhor percebeu quea situação era limite? 

MEIRELLES: Foi numa sexta-feirade outubro. Estava numa reunião doFMI em Washington quando notei umadeterioração do mercado brasileiromuito forte. Aí voltei ao Brasil. Fiz reu-nião com a diretoria do BC no domingoà noite e, na segunda de manhã, anun-ciamos uma série de medidas, desde aliberação de R$ 100 bilhões de compul-sórios, intervenção nos mercados futu-ros de moedas até, depois, que vende-ríamos até US$ 50 bilhões nos merca-dos. A política adotada naquele mo-mentofoi consideradapeloFMI um mo-delo de atuação para bancos centrais.

● A crise não foi uma marolinha,então? 

MEIRELLES: Não.Foi umacrisegra-

ve. Só que ela foi resolvida de formamuito eficaz. Em dezembro de 2008, ocrédito já tinha voltado à normalidade.O Brasil aplicou estímulos fiscais a par-tir dali e eles tiveram efeito muito forte.Já em janeiro de 2009 eu considerava acrise superada, mas foi quando a naçãoentendeu que o país estava em crise, oclima era o pior possível.

● A autonomia que o BC conquis- tou na prática é irreversível? 

MEIRELLES: Ela está ancorada nu-ma realidade de sucesso. Portanto, émuito sólida.A palavrairreversívelé umpoucoforte. Irreversibilidade da realida-

de não existe. As autonomias de algunsBCs, consagradas historicamente na lei,foram colocadas em dúvida recente-mente na crise. No Brasil, onde não hálei, certamente é algo reversível.

● Na Era Lula houve uma tensão permanente entre as alas monetaris- ta/conservadora, na qual incluem osenhor, e desenvolvimentista? Comoo senhor conceituaria o governo? 

MEIRELLES: O BC foi o mesmo du-rante os oitoanosde governo. A políticamonetária e cambial foi realista e bem-sucedida. O sistema de metas de infla-ção tem resultados para medi-lo. Issonão é algo subjetivo, o BC não é conser-vador ou é excessivamente conserva-dor. É (olhar) a inflação medida: nos úl-timos sete anos, está na meta.

● Já a política fiscal da Fazendafoi errática, segundo analistas.

MEIRELLES: Essa visão que haviano Brasil de uma equipe econômicaagindo em uníssono, isso não é normano mundo. A Fazenda tem por finalida-de a arrecadação, a gerência da dívidapública e o controle das despesas. E oBC visa ao equilíbrio macroeconômico.Cada um exerce sua missão.

● Mas houve outros momentos di- fíceis. Em 2004, sob investigação por suposta irregularidade fiscal, o se- nhor ganhou status de ministro e fo- ro privilegiado.

MEIRELLES: A MP que deu a posi-ção de ministro ao presidente do BC foiconcebida ainda em 2003, parte do pro-jetode autonomia doBC, queera subor-dinado à Fazenda. Era para deixá-lo su-bordinado diretamente ao presidente.Evidentemente que surgiram acusaçõessobre questões fiscais, mero desconhe-cimento do IR americano. A própria in-vestigação mostrou que meu IR era ab-solutamente correto. Tive restituição.

● O senhor era alvo de um intensofogo amigo naquele momento? 

MEIRELLES: Existia sim fogo ami-

go. Naquele período havia muitas críti-cas à ação do BC, porque era visto co-mo conservador. Mas em nenhum mo-mento tive qualquer evidência de quetivessem ligação as duas coisas.

● Outro episódio marcante foi a de- núncia de que o publicitário MarcosValério, que viria a ser citado no epi- sódio do mensalão, estivera várias ve- 

 zes no BC tentando um acordo para avenda de carteira de um banco. O se- nhor abortou esse processo? 

MEIRELLES: De fato eu emiti opi-nião contráriaa algumaspropostas fei-tas por ex-controladores de institui-ções financeiras em liquidação. É fatoque o senhor Marcos Valério estevevárias vezes no BC defendendo umdesses acordos. Ele nunca me procu-rou. A mim nunca chegou pedido dele.A proposta em si, chegou. E eu nãoaceitei em nome do BC.

● Como foi a relação com o presi- dente Lula a cada Copom? Existia al- 

 gum jogo combinado? No dia seguinteao Copom vazavam que o presidenteestava irritado com a decisão.

MEIRELLES: Não existia jogo com-binado. Em alguns momentos o presi-denteLula gostouda decisão, em algunselepode não tergostadomuito,e emal-guns pode ter se preocupado com a de-cisão. Em qualquer país do mundo, opresidente manifesta opiniões sobre apolítica monetária.Eu sempre levei mui-to a sério a opinião do presidente. Ago-ra, a decisão do Copom é tomada embase absolutamente técnica.

● O presidente pediu alguma vez  para que os juros não subissem? 

MEIRELLES: Não, ele nunca pediunada para o BC. Em alguns momentosele chegou a dizer que achava que adecisão poderia ter sido outra. Mas,para não deixar dúvida: o presidentesempre apoiou de forma concreta e in-dubitável as decisões do BC.

● O senhor comunicava a decisãodo Copom a ele? 

MEIRELLES: Para o presidente,poucas vezes eu liguei. Uma vez termi-nou o Copom e nós embarcamos paraDavos. (Em) situações de muita dis-cussão, de muita controvérsia no país,posso ter ligado após a reunião.

● A troca de comando na Fazenda,de Palocci para o ministro Guido Man- tega, influenciou o trabalho do BC? 

MEIRELLES: Nãohouve influênciaenão alterou o trabalho do BC. O BC, aessa altura, já era independente da Fa-zenda. O BC tem uma postura autôno-ma, discutimos, conversamos com ou-tros ministérios, mas evidentementeque, comoem qualquer outropaís,vocêpode tomar decisões tecnicamente, se-gundo seu melhor julgamento.

● O senhor deixao cargocom umataxa de juros real que ainda é a

maior do mundo. É desconfortável? MEIRELLES: Não, não é. Quandoassumimos, a taxa real era de 14%(ao ano), hoje está ao redor de 6%.Houve ganho substancial e maior doque se previa no início do processo.

● A inflação é uma ameaça? MEIRELLES: A inflação é sempre

umriscoem qualquerpaísdo mundo,aqualquer tempo. Por isso não se podefechar os BCs, que deverão estar sem-pre vigilantes. Da mesma maneira quevocê tem que cuidar da saúde.

● O PanAmericano foi um sustonesta reta final? 

MEIRELLES: Foi um momento mui-to difícil, de risco para o banco e de re-percussões para o sistema financeiro.Mas foi uma soluçãoextraordinariamen-te bem sucedida. Evidentemente que

existe certo componente dramático noprocesso. Uma pessoa (Silvio Santos,controlador do PanAmericano) enten-derque vaiperder quase a totalidadedoseu patrimônio empresarial...

● O senhor sai do governo comamigos? 

MEIRELLES: Certamente.

● Quem? MEIRELLES: O presidente Lula é

um deles. O ministro Palocci é um gran-de amigo. O Gilberto Carvalho é umgrande amigo. Paulo Bernardo, MiguelJorge, a presidente Dilma, Tarso Genro,MarcioThomazBastos. O risco é eu dei-xardecitar alguémaqui que vaime ligare falar: “Meirelles, você me esqueceu”.

● E inimigos? MEIRELLES: Eu não identifico ini-

migos. É normal ter divergências.

● Oito anos depois, o senhor con- corda que o governo Lula tenha re- cebido uma herança maldita? E qual herança o senhor acha que está dei- 

 xando para o sucessor? MEIRELLES: Quando assumimos,

era uma situação muito difícil no país,de muita instabilidade. Hoje temosum país com economia estável, graude investimento, credor líquido e quecresceu a taxas médias de 5% nos úl-timos anos. É um legado de cresci-mento com sustentabilidade.

● O senhor se filiou ao PMDB em2009, tinha pretensões para as elei- ções, até de ser vice na chapa de Dil- ma Rousseff. O que deu errado? 

MEIRELLES: Nada deu errado,deu tudo certo. Quando eu me filiei,era um ato jurídico, não um ato po-lítico. Eu abria uma possibilidade.Tomei a decisão de não ser candida-to. Acho que foi uma boa decisão, e,portanto, foi um final feliz. Discutiu-se de fato posteriormente a hipóte-se de eu disputar a vice-presidênciana convenção do PMDB, aí decidinão fazê-lo.

● Quando o senhor tomou a deci- são de não continuar no BC? 

MEIRELLES: A decisão era perma-necer até dezembro. E isso foi comu-nicado aos diretores e ao governo.Quando se aproximou o fim do ano,considerei a possibilidade de anunciarpreviamente que sairia do BC. Tomei adecisão de não anunciar porque esta-va no meio do processo do PanAme-ricano, e achava que seria perigoso fa-zer isso sem a escolha do sucessor.

* Enviada especial 

O GLOBO NA INTERNET

VÍDEO Henrique Meirelles faz balanço daatuação do Banco Central no governo Lulaoglobo.com.br/pais

 As autonomias de alguns bancoscentrais,consagradas

 historicamente nalei, foram colocadas em dúvida na crise. Então, no Brasil,onde não há lei,certamente é algo

 reversível 

 Não existia jogocombinado. Em

 alguns momentos, o presidente Lula

 gostou da decisão(do Copom, sobre os juros), em alguns ele pode não ter  gostado muito. Ele(Lula) nunca pediu

 nada ao BC 

POR CRISTINA ALVES*,FLÁVIA BARBOSA E SERGIO FADUL

BRASÍLIA 

Page 24: Documento Historico Sobre a Era Lula

7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

http://slidepdf.com/reader/full/documento-historico-sobre-a-era-lula 24/28

O GLOBO ● ● PÁGINA 24 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 05 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

24 ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

 Precariedade e desejoLUIS CARLOS FRIDMAN

● Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da República de origemoperária e líder sindical, preservou o capitalismo brasileiro demais um desastre nestes anos de grave crise econômica mundial.Além disso, seu governo conseguiu distribuir renda. O fenômenonão é único na História recente da Humanidade: desde as primei-ras décadas do século XX, a ascensão de partidos de trabalha-dores ao poder através do voto provocou reformas sociais pro-fundas nos países nórdicos. Denominavam-se partidos da social-democracia e traziam na bagagem inequívocas influências mar-xistas. No poder, tiveram que manejar o capitalismo e estabeleceracordos entre as classes que produziram, no tempo, padrões al-tosde equidadesocial.Os efeitos e a durabilidadedessa dinâmicasocial em processos democráticos são sentidos até hoje.

Não somos a Suécia, e na nossa bagagem pesa a classifica-ção de um dos países de maior desigualdade no mundo. A EraLula, com todas as precariedades materiais e morais aí incluí-das, pode ser entendida como um momento inaugural. A man-cha do mensalão e as alianças com forças políticas regressi-vas e conservadoras fizeram parte desse enfrentamento de ta-refas históricas incompletas. Ao invés de um ponto de che-gada, a Era Lula significou um ponto de partida.

Ao lado das decepções, as resistências foram enormes, e ospreconceitos, também. Mas a população brasileira consagrou seupresidente com os maiores índices de aceitaçãode nossa Históriarepublicana. Algo que muitos desprezam, como se o apoio do an-dar de baixo, na expressão cunhada por Elio Gaspari, fosse re-sultado da ignorância e da manipulação.

Os críticos mais ácidos de Lula preferem caracterizar asrealizações de seu mandato como mais um período de popu-lismo clientelista conduzido pelo Estado. Supostamente ospobres do Nordeste e de todo o Brasil teriam trocado o seuvoto por benesses “assistencialistas” em vez de serem bene-

ficiários de políticas públicas duradouras no ataque aos pro-blemas estruturais que produzem a miséria. Durante um bomtempo ouviu-se que mais do que dar o peixe era necessárioensinar a pescar; depois o mote caiu. O que afinal ficou pa-tente foi a inclusão de milhões de brasileiros no acesso a bensmateriais, fortalecendo o mercado interno e que funcionou in-clusive como antídoto à crise econômica mundial.

Abriu-se um precedentede quegovernar o Brasil, para alémdaspalavras, envolve lidar com as urgências sociais sem a ilusão deque haverá um político, um partido ou uma classe que encarnaráo ideal da perfeição da justiça social. As deformações políticas emorais, frutos de nossa História, estão enraizadas na institucio-nalidade, e, de novo, trata-se de um ponto de partida a mudançadesses padrões e a constituição de atores sociais menos impreg-nados por essas mazelas. Seja no governo, seja na oposição.

A EraLula despertou umaconsciênciaprática (que nãose igualaà consciência política — é algo anterior) em vastos e vulneráveiscontingentes humanos de que se pode desfrutar mais do que osimples abandono. Não se trata apenas de poder comer frango oude conseguir um emprego na Baixada Fluminense, é a incorpora-ção cotidiana de aspirações, de poder dizer “quero mais” comouma das extensões possíveis do viver. A resistência a essa novacondição simbólica e material para os pobres é muito forte naconsciência conservadora, e os períodos de governo de Lula con-tribuíram, direta ou indiretamente,para queoutros desejos pudes-sem ser despertados. Essa talvez seja a maior declaração políticade nossa História recente.

Em um tempo de intenso desmantelamento das redes de pro-teção social em todo o mundo porque se exigem dos Estados na-cionaisatestados de boasaúdefinanceira,o Brasil da EraLula con-seguiu a façanha de amparar minimamente os desvalidos, criandoum precedente que passa a contar para os governos que vierem,de qualquer conotação política ou ideológica. A Era Lula não re-solveu a tragédia social brasileira, mas produziu avanços na dis-

tribuição da renda e não confirmou os presságios da desorgani-zação da economia. Ao contrário, o país se moveu em velocidadecrescente e despertou otimismoem variados setoresda sociedadepelos sucessos alcançados.

A conduçãogovernamental de Lulanão desrespeitoucertas ad-vertências econômicas, mas não ficou paralisada no mais do mes-mo. O exercício da vontade política não confirmou as postulaçõesde que à técnica da economia segue-se um resumo de formas in-dispensáveis de atuação. A popularidade de Lula permitiu desem-baraço na negociação política com as elites e, em sentido último,viabilizou um capitalismo um pouco menos excludente com be-nefícios para todos. Desta vez a sociedade não precisou ser con-vencida de que “não entende de economia” e de que “alguns sa-crifícios são necessários”. Os governos de Lula tiraram essa cargados ombrosdos brasileiros: pode-sepedir mais, e a economiafun-cionar perfeitamente.

Conduzir o capitalismo brasileiro não é tarefa fácil, espe-cialmente se um de seus intentos for produzir uma elevaçãomaterial, cultural e moral de grandes massas de desvalidos.Lula o fez com maestria, mesmo com a prova de fogo do men-salão, dos aloprados do PT, das CPIs e dos estragos em seupartido deorigem. Mas, aomesmotempo, contoucom o apoiode forças tão díspares como Abílio Diniz, o poderoso dono dogrupo Pão de Açúcar, e João Paulo Stédile, o articulador po-lítico do MST. Quase um século depois, o Brasil sob a Presi-dência de Lula começou a sentir o gosto de reformas sociaisque produziram sociedades mais estáveis e justas.

LUIS CARLOS FRIDMAN é professor de Sociologia da UFF 

O GLOBO NA INTERNET

a Leia o artigo "A quarta via", escrito por Luis Carlos Fridman em 2002oglobo.com.br/pais

NA LANTERNA ENTRE EMERGENTES E ALCrescimento, de 2003 a 2010, foi inferior ao dos Bric e abaixo da média da América Latina

POR VIVIAN OSWALD E MARTHA BECK

BRASÍLIA 

OBrasil de Luiz Inácio LulaSilva pisou no aceleradordo crescimento econômicoe garantiu uma taxa médiade4,1%aoano,quaseo do-

bro da gestão de Fernando HenriqueCardoso,quando a expansão média foide 2,3% anuais. Mas não ganhou velo-cidade suficiente para acompanhar oritmo de outros países em desenvolvi-mento de peso no contexto internacio-nal e tampouco se destacou no ran-king da América Latina. Entre os Bric(grupo formado por Brasil, Rússia, Ín-dia e China), apontados como os mo-tores do planeta dos próximos anos,ainda se mantém na lanterna.

A China cresceu uma média de10,95% nos últimos oito anos, enquan-to a Índia registrou 8,2% no período.

Mesmo com a queda de 7,9% do Pro-duto Interno Bruto (PIB, conjunto debens e serviços produzidos) da Rússiaem 2009, em função da crise global,aquele país cresceu 4,8% em média.Dados da Comissão Econômica paraAmérica Latina e Caribe (Cepal) mos-tram que, na região, entre 2003 e 2010,o país ficou à frente de quatro econo-mias, sendo apenas duas delas de pe-so: o Chile (4%) e o México (3,5%). Asoutras são Nicarágua e El Salvador.

Sena médiados últimos oito anos odesempenho não ficou entre os me-lhores, em 2010 o crescimento brasi-

— Fazia um arrochona produção. NaChina e na Índia, a inflação já estava an-corada há muito anos. Não era um pro-

blema.A Rússia,emboratenhacrescidomais doqueo Brasil,ainda luta contra ainflação, portanto, tem um crescimentode pior qualidade — afirmou.

Para o economista-chefe do escri-tório do Banco Mundial (Bird) noBrasil, Tito Cordella, é melhor cres-cer menos, mas de forma constante esustentada. Segundo ele, o Brasilconseguiu ligar crescimento econô-mico e saída da pobreza com ritmodiferenciado.

— Economias podem crescer mui-to rapidamente em períodos favorá-veis e despencar durante crises. OBrasil se mostrou mais resistente achoques — disse.

Cordella destaca, no entanto, quepara garantir o crescimento susten-tado daqui para frente, o país tem odesafio de aumentar a poupança in-terna, acabar com os gargalos da

economia , desenvolver o mercadode capitais de longo prazo e investirem educação e desenvolvimento.

— O Brasil fez progressos a partirdo Real, mas ainda tem uma ou duasgerações pela frente — destaca.

O diretor do Centro de EconomiaMundial da Fundação Getulio Vargas(FGV), Carlos Langoni, destaca que ocrescimento mais forte da economia

brasileira é um fenômeno recente,que começou a se consolidar em2004, depois que o governo conse-

guiu botar a casa em ordem — fezajustefiscale se comprometeucom ocâmbio flutuante e com o regime demetas de inflação. Ele lembra que,quando o presidente Lula assumiu, opaís ainda estava sob o impacto deum risco-país muito elevado.

Ainda segundoLangoni, China e Índiasão economias muito fechadas que pu-deram obter crescimento com ganhosexpressivos de produtividade. No casobrasileiro, o processo de abertura daeconomia e as privatizações começa-ram nos anos 90 e foram alterando operfil do país gradualmente. Outros ele-mentos que deixam países emergentesà frenteda economiabrasileira sãoumaelevada taxa de poupança. Enquantoela chega a algo em torno de 40% naChina, no Brasil ela é de 17% a 18%.

Na América Latina, de acordo comLangoni, há economias com compor-

tamentos ciclotímicos. O crescimentoduradouro, segundo ele, ainda é raro.Já ocorre no Chile e está começandoem lugares como o Brasil e o Peru. Oespecialista ressalta ainda que exis-tem casos preocupantes, como o deVenezuela, Bolívia e Equador, ondeproblemas políticos e medidas inter-vencionistas dos governos podemprejudicar os ganhos já obtidos. ■

IDH AVANÇA COM AUMENTO DA 

RENDA. EDUCAÇÃO DECEPCIONA O ganho darendada população—

graçasa políticas comoo Bolsa Famí-lia e à valorização do salário mínimo— foi o principal fiador do bom de-sempenho do Brasil no ranking glo-balde bem-estar na EraLula.O Índicede Desenvolvimento Humano (IDH)das Nações Unidas passou de 0,607em2003para0,643 em 2010.A escalavariade zero (pior) a 1.O paísentroupara o seleto grupo de alto desenvol-vimento humano em 2008. E, entre2009 e 2010, ganhou quatro posiçõesno ranking — da 77a

- para a 73a-. O ín-

dice é composto por indicadores desaúde, educação e rendimento.

O IDH específico para a educa-ção foi teve o pior desempenho nogoverno Lula. Nesse campo, os me-

lhores resultados foram nos anos90, quando o país conseguiu uni-versalizar as matrículas de crian-ças em escolas. A média de anos deestudo brasileira, por exemplo, éequivalente à do Zimbábue, piorcolocado no ranking geral do IDH.

Na Era Fernando Henrique, o IDHda educação subiu 34%.Já entre2002

e 2010, a alta foi de 17%. Na renda, oIDH mostrou alta de apenas 0,5% naEra FH. Já nos tempos de Lula, subiu6%. Na saúde, os ganhos foram con-sistentes nos dois governos.

— Quando você olha para os anos90, houve elevação das taxas de ma-trícula. Mais recentemente, o BolsaFamília e a ampliação do mercado in-terno com a nova classe média tam-bém ajudaram — afirma Flávio Co-mim, do Programa das Nações Uni-das para o Desenvolvimento (Pnud).

Também foi considerável a redu-çãodas desigualdades na EraLula.Sefosse levada em consideração no IDHa desigualdade entre os brasileirosno acesso à renda,saúdee educação,o índice brasileiro seria 27,1% menor.

Mas, no passado, a desigualdade eramaior: na mesma conta, o IDH cairia28,5% em 2005 e 31% em 2000.

— A desigualdade vemcaindodes-de o Plano Real, mas a queda se ace-lerou muito a partir de 2002 — diz aeconomista Sônia Rocha,do Institutode Estudos do Trabalho e Sociedade(Iets). (Martha Beck)

“O BRASIL PODERIATER CRESCIDO MAIS?

TALVEZ, SE TIVESSE

FEITO REFORMAS

ESTRUTURAIS”

BRASIL

RÚSSIA

CHINA

ÍNDIA

CRESCIMENTODOPIB NOSBRIC

PIB MÉDIO ENTRE 2003E 2010

ACOMPARAÇÃOCOMOSEMERGENTESNA AMÉRICA LATINA

Crescimentomédio doPIB(entre 2003 e 2010)

4%

4,8%

8,2%

10,95%

BRASIL

RÚSSIA

ÍNDIA

CHINA

Fontes: Cepal, FMI, Ministério da Fazenda*Estimativas

*20102009200820072006200520042003

1,1%5,7%

3,2% 4,0%

6,1%5,1%

-0,6%

7,6%7,3%

7,2% 6,4%8,2% 8,5%

5,2%

-7,9%

4%6,9%

8,1%9,2%

9,7% 9,9%

6,4%5,7%

9,7%

10,1% 10,1%11,3%

12,7%14,2%

9,6% 9,1%10,5%

México

El Salvador

Nicarágua

Paraguai

Brasil

Chile

Colômbia

Uruguai

Peru

Venezuela

Argentina

América Latina4,2%

7,5%

4,5%

6,5%

5,7%

4,4%

4%

4,1%

4,2%

3%

2%

2,2%

leiro deve ser o quinto melhor da re-gião. A Cepal estima um aumento doPIB de 7,7% do Brasil. Perde apenaspara9,7% do Paraguai,9% do Uruguai,8,6% do Peru e 8,4% da Argentina.

— O Brasil poderia ter crescidomais? Talvez, se tivesse feito refor-mas estruturais importantes. Mas es-te também foi o período de consoli-dação da estabilidade. O país, de cer-

ta forma, trocou o crescimento exu-berante pelo equilíbrio — avalia oeconomista-chefe da ConsultoriaAustin Rating, Alex Agostini.

Segundo o especialista, a última dé-cada serviu para consolidar o sistemade metas de inflação no país. Ou seja,quando a economia dava sinais deaquecimento excessivo e pressionavaos preços, era necessário fazer ajustes.

Page 25: Documento Historico Sobre a Era Lula

7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

http://slidepdf.com/reader/full/documento-historico-sobre-a-era-lula 25/28

O GLOBO ● ● PÁGINA 25 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 05 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

Michel Filho/13.07.2007

Maurício Marinho/30.11.2005

Reprodução de TV/16.05.2005

12

11

10

98

7

6

54

3 21

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

25

A ERA LULA EM DOZE TEMPOSIvo Gonzales/01.01.2003

O operáriono poder

ERA LULA: O ex-metalúrgico Luiz Inácio

Lula da Silva chegou ao

poder em 2003 seguindo

a cartilha econômica

deixada pelo ex-presidente

Fernando Henrique. A

decisão foi contra as

previsões alarmantes de

mudanças, que

provocavam uma

debandada do capital

estrangeiro. Lula nomeou

o tucano Henrique

Meirelles para o Banco

Central, num claro recado

ao mercado financeiro de

que pouca coisa mudaria.

Combate à pobrezaSOCIAL: Lançado com pompa em 2003, o programa

Bolsa Família tornou-se a principal ação da política social

de Lula. O programa unificou vários outros, como o Bolsa

Escola, o Auxílio-Gás e o Fome Zero, até então a menina

dos olhos do PT. Ao combater a pobreza, o Bolsa Família

se transformou em um poderoso multiplicador de votos.

Bingo no PlanaltoEM FEVEREIRO de 2004 estourava o primeiro

grande escândalo do governo Lula. Waldomiro Diniz,

assessor do então ministro José Dirceu, foi acusado

por um bicheiro de extorsão para arrecadar fundos

para o PT. O caso provocou a CPI dos Bingos.

Baixo clero no poderCOM uma jogada de mestre, Severino Cavalcanti

aproveitou uma crise interna no governo e

assumiu a presidência da Câmara, derrubando o

candidato oficial. Acabou renunciando ao ser

acusado de cobrar propina de um empresário.

A queda de DirceuMENSALÃO: Até o escândalo do

mensalão, José Dirceu era um dos

nomes mais influentes do governo Lula.

Apontado como mentor do esquema,

teve de deixar a Casa Civil e retornar à

Câmara, onde acabou cassado. É um

dos réus do caso no STF, e foi

apontado como um dos chefes da

“quadrilha”. Outro homem forte do

governo Lula, o então ministro da

Fazenda, Antonio Palocci, também

perdeu o cargo em meio a um

escândalo, no caso o da quebra do

sigilo bancário do caseiro Francenildo,

que fizera acusações contra o petista.

Dossiê dos AlopradosDINHEIRADA. Integrantes do PT foram presos em

flagrante com R$ 1,7 milhão para a compra de um

dossiê falso contra o tucano José Serra.A trapalhada

dos aloprados acabou levando Lula para o segundo

turno com Geraldo Alckmin nas eleições de 2006.

Acelera BrasilMARCA do 2o

- mandato de Lula, o PAC foi

lançado com a previsão de investimentos de

R$ 503 bi e virou o carro chefe da

campanha de Dilma Rousseff, apesar de não

ter atingido a meta. O TCU apontou

irregularidades em parte das obras.

Vaias no PanLULA enfrentou constrangimento

durante a abertura dos Jogos Pan-

Americanos, no Rio. O presidente foi

vaiado em pleno Maracanã lotado e saiu

da cerimônia sem discursar, em julho de

2007. Sem perder a esportiva, Lula

confessou ter ficado decepcionado.

DerrotapolíticaSENADORES de oposição

mostraram poder na Casa

e comemoraram a maior

derrota política do

governo Lula no

Congresso: a derrubada

da CMPF. Lula nunca

perdoou, e insiste ainda

na volta do tributo.

Mãos no petróleo

RIQUEZA brasileira, o pré-sal impulsionou aeconomia e ajudou o governo a enfrentar a

crise mundial, além de ter sido usado como

moeda eleitoral. A disputa pelos royalties se

arrasta até hoje.

A escolhidaMÃE do PAC, como Lula gosta de chamar sua

sucessora, Dilma Rousseff cresceu no governo

ao comandar a Casa Civil. O empenho

exagerado para eleger a petista rendeu ao

presidente multas por campanha antecipada.

Escândalos de sobraDENÚNCIAS de tráfico de influência na Casa Civil

e de cobrança de propina a empresas derrubaram

a ministra Erenice Guerra, braço-direito de Dilma

Rousseff. O escândalo não foi o único durante o

ano no governo Lula. A oposição acusou os

petistas de violar dados fiscais do tucano Eduardo

Jorge e da filha de José Serra, Verônica. A

Receita Federal atribuiu os “acessos imotivados”

a um balcão de venda de dados dentro do Fisco.

A sucessão de escândalos deu o tom da

campanha eleitoral e deixou a presidente eleita

em uma saia justa. Com a expectativa de vitória

ainda no primeiro turma, Dilma precisou disputar

o Planalto com Serra no segundo turno.

Antonio Duarte

Marcia Foletto/13.04.04

Roberto Stuckert/21-09-2005

Ailton Freitas/22.01.2007

Reprodução/29.09.2006

Gustavo Miranda/15.12.2008

Fábio Rossi/15.07.2010

Ailton Freitas/12.12.2007

Roberto Stuckert/31.03.2010

Page 26: Documento Historico Sobre a Era Lula

7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 26 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 08 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

26 ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

‘O BRASIL NÃO TEVEMEDO DE ASSUMIRRESPONSABILIDADES’Celso Amorim diz que diplomacia brasileira foi alçada

a novo patamar e rechaça críticas pelo apoio ao IrãAndré Coelho

AMORIM: “SE é ideologia acreditar em maior igualdade entre povos, tudo bem”

POR SERGIO FADUL E ELIANE OLIVEIRA

BRASÍLIA 

Oministro das Relações Exte-riores, Celso Amorim, sedespede com a autoestimaelevada do amplo gabineteno Itamaraty, que ocupou

nos oito anos da Era Lula. Mas não es-conde um fundo de angústiaao mencio-nar que seu plano para o futuro é orga-nizar seu passado. Um dos poucos mi-

nistros a acompanhar Lula nos doismandatos, Amorim rasga elogios aochefe de quem desfrutou da intimidadenas várias horas que passaram juntosemaviõesnas viagensao redor domun-do. Nestaconversade umahora e 40mi-nutos com O GLOBO, ele analisa a atua-çãoda diplomaciana EraLula,listaaltose baixos, fala das polêmicas, de ideolo-gia, da divisão de poder e revela histó-rias curiosas do presidente.

O GLOBO: Como foi o convite do pre- sidente Lula para o senhor assumir achancelaria brasileira? 

CELSO AMORIM: Não posso dizerque tenha sido um convite de formainesperada, pois já havia visto meu no-me citado nos jornais. Não conhecia opresidente.Eu o vi pelaprimeira vez emumarecepção,em 1989,e elejá era mui-to famoso. Depois que meu nome apa-

receu muitas vezes, alguém me disse:“Saia dessa torre de marfim. Você ficaagindo como um príncipe”. Eu sou umpríncipeda diplomacia brasileira.Saí datorre de marfim e telefonei ao GilbertoCarvalho(chefe degabinete deLula).Ti-ve duas entrevistas com o presidente,nas quais o Marco Aurélio (Marco Au-rélio Garcia, assessor especial para as-suntos internacionais no Palácio do Pla-nalto) também participou. Em determi-nado momento da segunda entrevista,ele(o presidente) me interrompeu:“Cel-so, eu quero lhe convidar para ser mi-nistrodas RelaçõesExteriores”.Ser con-vidado por um presidente que acabarade ser eleito, um operário com 60 mi-lhões de votos, foi muito emocionante.Tínhamos muita afinidade, embora eunão o conhecesse. Era em quem eu ti-nha votado. Ele me disse depois que oque o convenceu foi meu jeito simples

de falar. Tinha até um pouco de caspa.

● O senhor construiu um vínculoforte com o presidente. A estratégiado Brasil no exterior foi desenhadadesde o início ou se formou no de- senrolar do governo? 

AMORIM: A afinidade existe desde oinício. Tivemos duas conversas e logocomeçamos a agir. Lula foi a Davos, noFórum Econômico Mundial, tínhamos oGrupo de Amigos da Venezuela, as ne-gociações da OMC (Organização Mun-dial do Comércio). Certa vez, o presi-denteUribe (ÁlvaroUribe, ex-presidenteda Colômbia) disse queachavaque eu eo presidente Lula nos comunicávamospor telepatia. Nunca me senti inseguroem qualquer açãointernacional, pois sa-bia que podia contar com o presidente.Sempre conversamos com muita fran-queza, grande parte das vezes nas lon-gas viagens que fizemos. E, com rarasexceções, nunca fui chamado para tra-tar de assuntos de fora do Itamaraty.

● Quando percebeu que Lula tomara gosto pelo campo internacional? 

AMORIM: Começoulogonos primei-ros dias dogoverno,em 2003.No diadaposse, o Toledo (Alejandro Toledo, ex-presidente do Peru) foi ficando e o con-vidamospara jantar, ali se gestou a Una-

sul (União das Nações Sul-Americanas).Tivemos o Fidel Castro no dia seguinte.Havia a crise na Venezuela, para onde oMarco Auréliofoi. TínhamosDavos.Tal-vez o que tenha me chamado mais aatençãofoi a percepçãoqueele teveso-bre a importância da reforma do Con-selho de Segurança da ONU.Era algoes-tranhoao ambiente em queele vivia. Naprimeira visita oficial do presidente Lulaaos EUA, eu e Marco Aurélio o acompa-nhamos. Quando estávamos entrandona Casa Branca, pensei: este homem,presidentedo Brasil,que é um operário,está sendo recebido pela primeira vezcom pompas de visita deEstadoe, paraele, é a coisamais normal domundo. Elepodia estar indo falar com o presidentedo Corinthians, para saber a escalaçãopara um jogo. Não que Lula não perce-besse ou não soubesse da importância.Mas não havia deslumbramento.

● Como essa postura era vista noexterior? 

AMORIM: Em Evian, houve umareu-nião do G-8 (grupo de países mais ricosdo mundo, mais a Rússia), para a qualforam convidados alguns países em de-senvolvimento. Fomos dirigidos a umjardinzinho e esperamos outros presi-dentes. Lula estava sentado comigo ecom o Kofi Annan (então secretário-ge-

ral da ONU) numa mesinha de canto.Chega o Bush (George W. Bush, ex-pre-sidente dos EUA) e todos se levantam.Lula disse: “Celso, vamos ficar aqui nanossa”. O Kofi Annan ficou numa situa-ção complicada, não sabia se levantavaouse continuavasentado.Bush acabarade vencer a guerra do Iraque e era vistocomo imperador. Como Lula tem autor-respeito,como elecostumadizer, eradi-fícil alguém se achar mais do que ele.Lula tem uma história de vida. É umapessoa pragmática, mas que tambémbatia a mão na perna do interlocutor.Quando Bush pediu apoio à guerra doIraque, ele respondeu: “Minha guerra éoutra”. Quando, depois de empossado,Lula entrou na Casa Branca, as primei-ras palavras de saudação de Bush fo-ram:“Temosdiferenças, masvamos tra-tar daquilo que temos em comum”.

● Quais os momentos mais impor- tantes da Era Lula na área interna- cional? 

AMORIM: Em diversos casos, Lulaera não sóo diretordo filme,maso atorprincipal. Em Copenhague, na conferên-cia mundial do clima, ele fez um discur-so que teve grande impacto. Teve aquestão da fome e da pobreza, e, quan-do o presidente dos EUA, Barack Oba-ma, disse que ele era o cara. Nossa par-

ticipação em Cancún (no México), nareunião da OMC, foi fundamental, quan-do criamos o G-20. Cancún foi o pontonoqual o Brasildissea que veio.Foigra-çasao Brasil queimpedimosum acordoprotecionista. Articulamos com a mídia,não sabíamosjogar com a mídiano pas-sado. Os ricos tiveram que nos ouvir.

● E os momentos ruins? AMORIM: Fomos muito atacados

por causa da política externa. Atacadís-simos por causa de Alca, OMC, as der-rotas em candidaturas internacionais,como a Unesco. Achavam que apoiáva-mos o egípcio na Unesco porque eu iame candidatar à Aiea (Agência Interna-cional de Energia Atômica). Várias coi-sas queparecem nãoestar funcionandona hora funcionam lá na frente. O Brasilperdeu a candidatura à secretaria-geralda OMC, mas seu prestígio só aumen-tou. Apoiou o Egito, foi leal ao princípiode aproximação com os árabes. Essaatitude não teve um pesinho nos votosdas Olimpíadas? Tenho posição privile-giada ao participar da ascensão do Bra-silde um patamarde relacionamentoin-ternacional para outro totalmente dife-rente. Teve outros fatores, como a eco-nomia, mas também contribuiu a polí-

tica externa. Não criamos uma onda,mas soubemos surfar sobre ela.

● Quem de fato esteve no comandodapolíticaexterna, o senhor, MarcoAu- rélio ou Samuel Pinheiro Guimarães,que foi seu secretário-geral? 

AMORIM: Deixe a História depoisjulgar quem teve qual papel. A cara ex-terna do Brasil, de modo geral, era eu.Quandose tratavade umaquestão mui-toespecífica,queenvolvia umproblemainternode um país, entravao Marco Au-rélio. As pessoas viam nele, talvez, a re-presentação não só do país, mas do Lu-la. Nas relações com a Argentina, o se-cretário-geral se dedicava muito.

● A diplomacia na Era Lula se mo- veu pela ideologia? 

AMORIM: Estudei Ciência Política eli muitos autores. Alguns marxistas e

muitos outros não. Vou citar um nãomarxista, o KarlMannheim,que temumlivro muito famoso,“Ideologiae utopia”.Ninguém é isento de uma visão ideoló-gica. Uns dizem que são, e, esses, pro-vavelmente, são os mais ideológicos. Seé ideologia acreditar em maior igualda-de entre os povos, tudo bem. Isso sig-nifica que em determinado momentovocê tem que apoiar um, porque é deesquerda,ou outro,porque é de direita?

Quantas vezes o Chávez (Hugo Chávez,presidente da Venezuela) ficou zangadocom a gente, porque temos posiçõesequidistantes em relação à Colômbia?Conheço o Marco Aurélio há muitosanos. Era ministro do Itamar e ele, as-sessor internacional do PT. Samuel tra-balha comigo desde sempre.É ideologiacombater tortura e ditadura? Financia-mos um filme que causou minha quedadaEmbrafilme, o “Pra frenteBrasil”.Nãovejo que a política externa brasileira te-

nha sofridoqualquer desvio importantepor preferência ideológica que tenhaimpedido uma ação mais correta, coe-rente com os interesses do Estado.

● Mas para muitos a turma do Lulaé o Chávez, o EvoMorales(Bolívia), o Fidel (Cuba), o Ahmadinejad (Irã)...

AMORIM: O Bushveioaquiduasve-zes. Botou capacete da Petrobras.Quando um presidente americano colo-caria um capacete dePetrobrase se dei-xaria fotografar? Isso não foi ideológico.Chiracé de direitae sempre teve ótimasrelações com Lula. Numa região como anossa,em quenormalmente a direitare-presenta interesses ultraconservadorese ligados a uma dependência externa,surge isso que você está dizendo. Aspessoas que se rebelaram contra essadependência eram pessoas considera-das de esquerda. Não houve ninguém

do G-8 que não tenha estado no Brasil.

● No WikiLeaks ficou claro que osdiplomatas americanos vêem no go- verno Lula um foco antiamericano...

AMORIM: O WikiLeaks tem muitabobagem, mas também muita coisa in-teressante. Nem sempre o que saiu éverdade. A escolha do secretário-geraldo Itamaraty, por exemplo, foi minha.

● E o Irã, o Brasil tinha que com-  prar a briga deles? 

AMORIM: O presidentetem relaçõescom qualquer país. Talvez eu não tives-se essaousadia sozinho, semo apoio doLula. Defendemos o direito de um paísenriquecer urânio para fins pacíficos.Achamos que o acordo de troca de urâ-nio ajudaria a criar confiança. Só que écomplicado, cada vez que o tempo pas-sa, a quantidade de urânio aumenta.

● O senhor considera que o Brasil saiu de cima do muro? 

AMORIM: O Brasil não teve medode assumir as suas responsabilidades.O Brasil passou a jogar na liga dele. Sevocê pegar o conjunto dos assuntosglobais, o Brasil tem influência hojeequivalente a um país europeu.

● Mas foi muito criticado ao se abs- ter da condenação ao Irã na ONU, pe- lo apedrejamento. Foi um erro? 

AMORIM: Não houve dirigente quetenha se esforçado mais pela libertaçãode SakinehAsthani (iraniana condenadaà morte) do que Lula, que chegou a ofe-recer para que ela venha ao Brasil. Nãoadianta pôr um diploma na parede di-zendo “eu condenei o Irã” que as coisasvãose resolver. Posso dizer queapedre-jada ela não será. Se acontecer alguma

coisa de bom ou de menos ruim, o cré-ditoserápara nós,e não paraessas pes-soas que põem o voto contraparaagra-dar a A ou a B, para ficar bem com asONGs ou com a mídia.

O GLOBO NA INTERNET

VÍDEO Celso Amorim fala da importânciado Brasil no cenário internacionaloglobo.com.br/pais

O final domandato LulaCARLOS LESSA

● Tenhoem mãosum pequenoartigo de minha autoria,publicadopeloGLOBO em 28/10/2002, que contém meu prognósticode umanova era na política brasileira como passo inicial da construçãode uma grande democracia social nos trópicos. Confesso que mi-nhaexpectativa erade queestaríamos dando um primeirograndepasso em direção ao sonho da civilização brasileira. Minha esti-mativa se fundava nas qualidades de estadista do Presidente Lulae na inovação de modelo e prática partidária do PT.

Oitoanos depois, mantenhominha avaliaçãodo presidente Lu-la como estadista. Foi brilhante sua política externa e passos de-cisivos foram dados em direção à presença mundial do Brasil. Foiespetacular a trajetória individual de Lula como liderança; certa-mente será um dos presidentes inesquecíveis do Brasil. Geraçõesfuturas guardarão a lembrança do trio Getúlio, JK e Lula.

Minha aspiração era de que o PT servisse de modelo à instau-ração de uma verdadeira e democrática vida partidária, sendo oembrião do sistema de partidos de que o Brasil precisa para asocial-democracia em seu processo civilizatório. O PT, fora do go-verno, era uma promessa; no governo, um banal e convencionalpartido. Não conseguiu por em prática seu programa, não escla-receu à população as razões de procrastinação do programa, ex-peliu uma vasta quantidade de quadros e se rachou em outrospartidos. A aproximação comportamental do PT com os padrõesconvencionaisda velha e deficientevida partidária brasileiraé pa-tente nas alianças, nas mudanças radicais de avaliação de per-sonalidades políticas, na disputa ferrenha por cargos e demaiscomportamentos reprovados pelo povo.

Aconteceuum fenômenofantástico: a curvade prestígiode Lu-la foi ascendente, não sofreu nenhum desgaste pelo comporta-mento dos quadros de seu partido, nem foi abalado por nenhum

escândalo. Ao contrário, teve os mais elevados índices de apro-vação. Entretanto,qualquer sondagemde opiniãopúblicarevelaaconfiabilidade quase que nula do povão nos representantes elei-tose nas instituições centraisdo poder legislativo. Na medida queperdeu brilho o mecanismo democrático da representatividade,ascendeu o prestígio de Lula — e este é o maior prodígio de suagestão. Seu prestígio foi tal, que não só fez seu sucessor, comotambém esteve presente nos palanques de inúmeras candidatu-ras estaduais e municipais adversárias.

Obviamente,em políticanão há vácuo. O desamordo povo bra-sileiro pelos mecanismos de representação, pelos partidos e pelosdetentoresde mandatos teveseu desaguadourono amorcrescentedo povo por Lula. Independentemente de fatores ligados à sua ca-rismática personalidade, é inquestionável queLula é do povo;sabedas emoções e ama o povão. Lula teve diversas iniciativas sociaisrelevantes: Luz para Todos, Bolsa Família, continuidade da lentaelevação do poder de compra do salário mínimo real, prudenterecusa à introdução de modificações no sistema previdenciário,ampliação do apoio aos pequenos agricultores etc.

Sei que não mudou o panorama distributivo de renda nacional.Lula começou o governo com juro primário elevadíssimo e ter-minará seu mandato com o mais alto juro primário do planeta. A lucratividade dos bancos, que já era crescente no período FH, foisuperadanos anosLula. O apoioirrestritoà política monetáriadoBanco Central chegou a criar um episódio inédito, em termosmundiais: em fins de 2009, o dr. Mantega, Ministro da Fazenda,declarouque,se a taxa cambial chegasse a US$=R$ 2,6 (estava, naocasião, pouco acima de R$1,7), a indústria brasileira poderiacompetir sem medo com a chinesa e com a hindu. Imaginei quetoda a diretoria do Banco Central viesse a ser destituída e que omercado de capitais, frente a uma nova e desconhecida políticacambial, entrasse em recesso. Para minha surpresa, nada acon-

teceu; o mercado cambial sequer oscilou e a política monetária efinanceira permaneceu firme nas mãos do dr. Meirelles.

Entretanto, Lula optou por preservar o Brasil como Eldoradopara os banqueiros por considerar que o maior medo popularestava na reaparição da inflação. Por outro lado, o sonho po-pularfoi, para Lula, ampliaro acesso dasfamílias aocrédito paracomprar a longo prazo eletrodomésticos, móveis e veículos. Co-mo a família se endivida tendo presente o valor da prestação enão os juros embutidos, mecanismos como crédito consignado,desconto em folha etc, combinados com esquemas de vendaque atingiram o paroxismo de vender um automóvel para serpago em 90 prestações sem entrada. A população automobilís-tica do Brasil literalmente explodiu e vem crescendo ano a ano,durante o governo Lula, a quase 10%. Porém, os juros elevadosinibem o investimento produtivo das empresas, e, ao mesmotempo, seu pagamento pelo Tesouro reduz as disponibilidadespara os investimentos públicos.

Creio que o presidente Lula acertou, afastando o principalmedo e criando a sensação de poder saciar o desejo. Fica co-mo débito a não melhoria social democrática da repartição derendano Brasil.Permanececomo desafiofazercomque o paíscresça 5% ao ano, tendo a reduzida taxa de investimento de1,8/PIB. O crescimento é fundamental para que a geração deempregos e melhorias de renda real permitam às famílias en-dividadas quitarem suas dívidas.

CARLOS LESSA é economista; foi presidente do BNDES no primeiro

 governo Lula.

O GLOBO NA INTERNET

a Leia o artigo ’Uma Nova Era’, escrito por Carlos Lessa em 2002oglobo.com.br/pais

Page 27: Documento Historico Sobre a Era Lula

7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 27 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 06 h PRETO/BRANCO

ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 27

UM GOVERNO

QUE O RIO VAI

DEMORAR AESQUECERAfinidade e diálogo permanente entre Lula e ogovernador Sérgio Cabral levaram o estado a

um patamar único de investimentos federais

Michel Filho/25-01-2008

AFETO EXPLÍCITO: a

boa relação entre

Lula e Cabral trouxe

dividendos ao Rio

Michel Filho/23-06-2009

REVITALIZAÇÃOda Zona

Portuária

juntou Lula,

Cabral e o

prefeito

Eduardo Paes

Luis Alvarenga/29-06-09

FUTEBOLCAMARADA:presidente e

governador

batem bola

durante

inauguração do

PAC de

Manguinhos

POR CÁSSIO BRUNO

Uma pergunta que boa par-te da população fluminen-se deve fazer, a partir de1o

- de janeiro, é: o Rio deJaneiro receberá da presi-

dente eleita, Dilma Rousseff, os mes-mos tratamento e empenho que ob-teve nos últimos quatros anos do go-

verno Lula? Desde 2006, Lula já de-sembarcou no estado 67 vezes du-rante a gestão do amigo e governa-dor Sérgio Cabral, reeleito em outu-bro passado. Na agenda presidencialestavam incluídas dezenas de inau-gurações de obras e participaçõesem campanhas eleitorais de aliados.

Mas não foi só a presença física deLula no Rio que fez a diferença. A par-ceria e a amizade com Cabral rende-ram verbas. De acordo com o portalTransparência, do governo federal, opresidente repassou para o governodo estado e para as prefeituras cercade R$ 101 bilhões em 747 convêniosfirmados entre 2004 e 2010. A verba,incluindo transferências constitucio-nais, foi destinada a diversas áreas. ORio ficou atrás apenas de São Paulo.

O aporte financeiro de Lula a Ca-bral possibilitou ao governador equi-

librar as finanças do estado. Em oitoanos de mandato, o governo federaldepositou nos cofres públicos do RioR$ 1,5 bilhão em doações voluntá-rias, conforme aponta o Tesouro Na-cional. Ou seja: foram repasses a tí-tulo de cooperação, auxílio ou assis-tência financeira, que não decorre-ram de determinação constitucional,legal ou os destinados ao SistemaÚnico de Saúde (SUS). Para se teruma ideia, em seis anos (de 1997 a2002), o governo do ex-presidenteFernando Henrique Cardoso desem-bolsou somente R$ 504 milhões.

— Eu tenho a convicção de quenós fizemos nesses últimos quatroanos, no meu segundo mandato, coma parceria da prefeitura e do governodo estado, mais investimentos no Riode Janeiro do que tudo o que foi feitonos últimos 20 ou 25 anos por outros

governantes que passaram pelo Bra-sil e pelo estado do Rio de Janeiro —afirmou Lula em um evento no Rio,em julho deste ano.

As obras do Programade Aceleraçãodo Crescimento (PAC) realizadas em fa-velas cariocas foram as principais res-ponsáveis pelas sucessivas vindas deLula ao Rio. As comunidades do Ale-mão, da Rocinha, de Manguinhos e doPavão-Pavãozinho/Cantagalo recebe-ram R$ 1,8 bilhão em investimentos dogoverno federal. Apesar de as obrasaindaestarem atrasadas, Lularepassoumais R$ 965 milhões para a construçãodo Arco Metropolitano, projeto esque-cido no papel por mais de 30 anos. A rodovia terá 145 quilômetros de exten-são e ligará Manilha (BR-101) ao Portode Itaguaí, cortandoas principais estra-das de acesso ao Rio.

Antes de deixar a Presidência, a

previsão é que Lula retorne nova-mente ao Rio de Janeiro amanhã e naterça-feira para uma série de even-tos. Lula é esperado no lançamentoda pedra fundamental de construçãoda nova sede da União Nacional dosEstudantes (UNE), na Praia do Fla-mengo; na inauguração de 144 unida-des habitacionais na Rocinha e do te-leférico do Morro do Alemão; nainauguração das novas instalaçõesdo Instituto Nacional de Traumatolo-gia e Ortopedia (Into), no prédio daantiga sede do “Jornal do Brasil”; ena homenagem a ser feita por Cabral,entre outros compromissos.

O clima nemsempre foi de paz● Renata Lèbre La Rovere, coordena-dora do Grupo de Economia da Ino-vação do Instituto de Economia daUFRJ e autora do recém-lançado livro“O desenvolvimento econômico localda Zona Oeste do Rio de Janeiro e doseu entorno”, é categórica em suaanálise sobre o tema:

— A diferença do governo Lula emrelação aos outros foi uma maior dis-posição dele de fazer parcerias como Rio. Mas o governo do estado tam-bém buscou essas parcerias. Sem dú-vida é um período diferente dos an-teriores. Antes, isso não existia.

O clima nem sempre foi de paz.Fernando Peregrino, braço direitodos governos Rosinha Garotinho eAnthony Garotinho, opositores po-líticos de Lula, admite a dificuldadede relacionamento entre o presi-dente e os Garotinho. Em 2002, Ga-rotinho foi um dos candidatos à Pre-sidência e, em 2006, pré-candidatoao mesmo cargo:

— Não tenha dúvidas de que há di-ferença (de tratamento). No governoCabral, ocorre uma facilidade de co-operação com a União. No governoRosinha foi difícil, quase nulo. Todo

mundo pode ver essa relação do Lulae do Cabral — afirmou Peregrino,candidato derrotado ao governo doestado nas eleições deste ano.

Ele, no entanto, destaca que grandesprojetos, como a construção do Com-plexo Petroquímico de Itaboraí, foramnegociados na administração de Rosi-

nha. Mesmo assim, Peregrino relembraepisódios do conturbado relaciona-mento do casal Garotinho com Lula:

— Ficamos três anos e meio bata-lhando pela instalação de uma refinariano Rio. Foi uma luta contra a má von-tade. Fizemos até a campanha “A refi-naria é nossa” porque 84% do petróleo

eram produzidos aqui. Mas o Lula sóassinou o protocolo de construção emItaboraí no fim do governo Rosinha. Naépoca do escândalo do mensalão, tevea inauguração de uma plataforma nopíer da Praça Mauá. No palanque, a Ro-sinha defendeu o direito de defesa dopresidenteem meio à crise doPT. O Lu-la discursou logo em seguida a ela enem agradeceu. Havia uma dificuldadeno relacionamento.

A relação estremecida não era ape-nascom Rosinha e Garotinho. Em 2007,Lula sofreu um de seus maiores cons-trangimentos. O presidente foi vaiadodentro de um Maracanã completamen-te lotado na cerimônia de abertura dosJogos Pan-Americanos. Aliados de Lulachegaram a afirmar que a vaia teria si-do orquestrada por outro adversário: oentão prefeito Cesar Maia, que tambémestava no evento. Maia nega até hoje.

O esperado veto departilha dos royalties● Lula superou o trauma. Agora, aduas semanas de deixar o Palácio doPlanalto e entregar a faixa a Dilma, eleterá de cumprir uma das últimas pro-messas feitas como presidente da Re-pública: a de vetar a proposta de divi-são dos royalties do petróleo, aprova-dapela Câmarados Deputados. Comonovo modelo de partilha, o Rio perde-ria pelo menos R$ 7 bilhões.

— Como governador, eu posso ga-rantir que o presidente Lula foi o me-lhor presidente da História para o Es-tado doRio deJaneiro.Jamaiso povodo Rio teve um presidente da Repú-blica tão presente, tão participativo,tãosolidário,tão amigodo estadoco-mo foi o presidente Lula. Vai deixarmuitas saudades para o Brasil e, emespecial, para o Rio de Janeiro — de-clara Cabral. ■

Entre 2004 e 2010

A União repassou para o estadodo Rio, incluindo governo eprefeituras, cerca de

R$ 101 bilhões divididos 747repasses, entre convênios comverbas destinadas a várias setores,como infra-estrutura, segurança esaúde

Entre 2003 e 2010O governo Lula doouvoluntariamente R$ 1,5 bilhãoao Rio.Ou seja: transferências a título decooperação, auxílio ou assistênciafinanceira, que não decorra dedeterminação constitucional, legalou os destinados ao Sistema Únicode Saúde (SUS). Para se ter umaideia, em seis anos (entre 1997 e2002), no governo FH, foramdestinados apenasR$ 504 milhões

ENTRE OS PRINCIPAISINVESTIMENTOS DOGOVERNO FEDERAL NORIO EM INFRAESTRUTURAESTÃO

Desde 2003

O presidente Lulaesteve no Rio

102 vezes, sendo 67 delasdurante a gestão do governadorSérgio Cabral.A previsão é que Lula retorne aoestado, novamente, amanhã e naterça-feira. Entre os compromissos

estão as inaugurações de 144unidades habitacionais na Rocinha,do teleférico do Morro do Alemão eas novas instalações do Instituto deTraumatologia e Ortopedia

PAC favelas(Alemão, Rocinha,Manguinhos e

Pavão-Pavãozinho/Cantagalo):R$ 1,8 bilhão

ArcoMetropolitano:R$ 965 milhões

Reforma doComplexo doMaracanã:

R$ 400 milhões (financiamentoBNDES)

R$ 99,5 milhõesem obras decontenção de

encostas e construção de 800unidades habitacionais em Angrados Reis

R$ 105 milhõesem obras derecuperação de

várias localidades do município deNiterói atingidas pelas chuvas deabril, além de R$ 80 milhões, emSão Gonçalo e R$ 20 milhões, emDuque de Caxias

FONTES: Transparência, Tesouro Nacional e Secretariaestadual de Obras do Rio

OGOVERNOLULA

EORIODE JANEIRO

Page 28: Documento Historico Sobre a Era Lula

7/30/2019 Documento Historico Sobre a Era Lula

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O GLOBO ● ● PÁGINA 28 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 22: 06 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

28 ERA LULA  “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010

ELEIÇÕES 2010: MOMENTO SUMÔ

— Grrrr!

— Perde quemprimeiro disser

“eu te amo!”

— Nós nãopodemos

continuar nosencontrando

assim...

— ... eu estouconvencido de

que nunca antesna História destepaís um

presidente faloutanta merda em

público!

— Ó, isto nempensar!

— Isto também

não pode serfeito, tá?

— Isto aqui,por exemplo,

não pode...

— Recapitulando,não vale: dedo

no olho

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Publicado em 22-4-2005

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Publicado em 2-3-2008

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Publicado em 8-1-2010

Publicado em 9-11-2002