carr, o historiador e seus fatos

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/ I 'I \ Preparada pelo Centro de Cata~ugllç~o-na:font~ do SINDICATO NACIONAL DOS Enll ORES DE 1.1\ RaS. R.I) Carr, I:dwarJ lIallel. IM92 Que ê história'! conferências George Ma~aul~y Tre\'c- Iyan proferidas por E. 11. Car na Umversldadc ~c C am hridge. janeiro-1Il arço de 1961: I rad uç<1o de I.u- ~Ia Maurício t1e Alvcrga, rcvisão l':cnlca de t'-lana Yedda I.inhares. Rio Je Janeiro. Paz e Terra, 3" ed. 1982. 130p.2Iclll. Do original em inglês: Whal is Hislory'~ Bibliografia I Ilistúri.1 - Filllslllia I Tílulo Cl)() - 'Jlll cnu - ')30.1 EDITOJ{r\ PAZ E TERRA CuluI·llla Editori,,1 l\nlUnio Candido rei nando GasrMian rei nando Hennque C..rJos" QUE É HISTÚRIA? Conferências George Macaulay Trevelyan proferidas por E. H. Carr na Universidade de Cambridge. janeiro-março de 1961. tradução de Lúcia Maurfcio de AII'erga revisão técnica de Maria Yedda Linhares Ef) PAZ E TERRA

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O HISTORIADOR E SEUS FATOS

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Page 1: Carr, O Historiador e Seus Fatos

/ I

'I

\ Preparada pelo Centro de Cata~ugllç~o-na:font~ do

SINDICATO NACIONAL DOS Enll ORES DE 1.1\RaS. R.I)

Carr, I:dwarJ lIallel. IM92

Que ê história'! conferências George Ma~aul~y Tre\'c-

Iyan proferidas por E. 11. Car na Umversldadc ~cC am hridge. janeiro-1Il arço de 1961: I rad uç<1o de I.u-

~Ia Maurício t1e Alvcrga, rcvisão l':cnlca de t'-lana

Yedda I.inhares. Rio Je Janeiro. Paz e Terra, 3" ed.

1982.

130p.2Iclll.

Do original em inglês: Whal is Hislory'~

Bibliografia

I Ilistúri.1 - Filllslllia I Tílulo

Cl)() - 'Jlll

cnu - ')30.1

EDITOJ{r\ PAZ E TERRA

CuluI·llla Editori,,1

l\nlUnio Candido

rei nando GasrMian

rei nando Hennque C..rJos"

QUE É HISTÚRIA?

Conferências George Macaulay Trevelyan proferidas por E. H. Carrna Universidade de Cambridge. janeiro-março de 1961.

tradução de

Lúcia Maurfcio de AII'erga

revisão técnica de

Maria Yedda Linhares

Ef)PAZ E TERRA

Page 2: Carr, O Historiador e Seus Fatos

Que é história? Para que ninguém pense que a pergunta é sem sen-

tido ou supérOua, farei referéncia neste texto a duas passagens que

apareceram, respectivamente, na primeira e na segunda publicações da

Camhridge Modern llistory. Citarei Acton no seu relatório de outubro

de 1896 para os membros do Conselho da Cambridge University Press

sobre o trabalho que ele se comprometera a dirigir:

"É uma oportunidade única de registrar. da maneira mais útil

para o maior número, a abundância de conhecimentos que o séculoXIX está em vias de legar. .. Pela divisão criteriosa do trabalho. de-

veríamos ser capazes de fazé-Io e levar ao conhecimento de todos o do-

cumento mais recente e as conclusões mais amadurecidas da pesquisainternacional.

Não podemos ter nesta geração a história definitiva. mas pode-mos dispor du história convencional e mostrar o ponto a que chega-

mos entre uma e outra. agora que todas as informações estão ao nossoalcance e que cada prohlema (em possibilidade de solução.'"

I 1J". (ú",h"der ,\I"d,.,,, IIII'or\ 1/1""(tn olJlh""h,f' ond f',nJ'I< ""1/. 1907.1'1' 10-I'

Page 3: Carr, O Historiador e Seus Fatos

Quase 60 anos mais tarde, o professor Sir George Clark. na suaintrodução à segunda Cambridge Alodem History. co~ent~u sobre aconvicção de Acton e seus colaboradores de que um dia sena possivel

produzir "a história definitiva", e continuo~: _ ."Historiadores de uma geração postenor nao parecem d~seJar

qu~lquer perspectiva desse tipo. Eles es~eram que seu trabalho seja su-per~do muitas e muitas vezes. Eles c~nslderam que o conhec~men~o ~op~ss~do veio através de uma ou mais mentes humanas, fOI processa-do' por elas e portanto, não pode compor-se ~e átomos e1ementares.eimpessoais que nada podem alterar ... A ~esqUlsa parece ~er IOtermma-vd, c alguns eruditoS impacientes refugiam-se no cetiCismo, ou pelo

menos na doutrina segundo a qual, desd~ que to~o~ os Julgamentoshistóri.:os envolvem pessoas e pontos de Vista, um e tao bom quanto o

outro, e não há verdade histórica ·objetiva· .••'Quando os ilustres professores se contradizem tão llagrantemen-

te. u campo fica aberto para investigação. Espe~o estar sufiCIentemen-te atualizado 'para reconhecer que qualquer cOIsa escnta nuS anoS de1!l9ü deve ser tolice. Mas ainda nào sou b;lstante avançado para e~-pn:s~ar'a upinlão de que qualquer coisa escrita no~ anos de 1950 obri-gatoriamente faça sentido. Aliás, Já lhe dev~ ter OCOrrido que esta m- .

vestigação está sujeita a ullrapas~ar a própna natureza da hlSlOrla. O I"

choque entre Acton e Sir George Clark é o reflexo da mudan~a de nos-sa visilo global da sociedade no intervalo cntrc dOIS pronunciamentos.Acton fala da convicção positiva. da autoconfiançaHmplda. do fi~ daera vitoriana; Sir George Clark repercute a perpleXidade e ? cellClsmoaturdido da geração beato Quando __te!!ter:lOs r_c.spo"-~~r a_ l'e!gunta"Que é história?" nossa resposta; éÕnsclente ou mconsclentemente re-tletc:nossa prôpria posição no tempo. e faz parte da n~ssa resposta auma pergunta mais ampla: que visão nós temos da soclcdade e~ quevivemos? Não tenho medo de que meu tema possa, em exame mais de-talhado, parecer trivial. Receio apel1.,~ que eu pos_sa paracer presunço-~o pur ter levantado uma questão tão va~ta e tao Imporlante.

() século XIX foi uma grande época para fatos. "O que eu que~r<l", disse o sr. Gradgrind em lIard Times. "sào fatos ... Na Vida soqueremos fatos." Os hlstóriadores do século XIX em geral (;Qllcor~a-v<lm com ele. Quando Ranke, por volta de 1830. num prole~l<) leglll-mo contra a hi~lória moralizante, acentuou que a tarda du lllstonadorera "apenas mostrar como realmente se passou" ( ••.!·ees elgt'llllich gew~,sen), este aforismll não mullo profundo teve um exilO espanloso. Tresgcr;lções de historiadores alemàes. ingleses e me~m(),~rJnceses march~'ralll para a batalha entoando as palavras mágicas Wle es e.lgenthl.hgewesen" como um encantamentu - deslJlI;ldo, como a mJlllna dos

encantamentos. a poupá-Ias da obrigação cansativa de pensarem porsi próprios. Os pusitivistas, ansiosos por sustentar sua afirmação dahistória como uma ciência, contribuíram com o peso de sua inOuênciapara este culto dus fatos. Primeiro verifique os fatos, diziam os positi-vistas, depois tire suas conclusões. Na Grã-Bretanha, esta visão da his-tória se adequava perfeitamente à tradição empirista que era a corren-te dominante na lilosofia britânica de Locke a Bertrand Russel. A teo-ria empírica do conhecimento pressupõe uma separação completa en-tre sujello e objeto. fatos, como impressões sensoriais. impõem-se, defora, ao observador e são independentes de sua consciência. O proces-so de recepção é passivo: tendo recebido os dados. ele então atua sobreeles. O Ox(ord Shorter English Diclionary. um trabalho útil mas ten-denciu~o da escola cmpírica, enfatiza claramente a separação dos doisprocessos delinindu um fato como "dados de experiência distintos dasconclusões". Isto é o que se pode chamar visão "senso comum" da his-tória. A história consiste num corpo de fatos verilicados. Os fatos es-tão dispuníveis para os historiadores nos documentos, nas inscrições, eassim por diante, como os peixes na tábua do peixeiro. O historiadordeve reuni-Ias, depois levá-Ias para casa, cozinhá-Ios, e então servi-Iasda maneira quc <)atrair mais. Acton, cujo gOSIl) L'lilinário era austao,queria que fossem servidos simples. Na sua carta oe Instruções para oscolaboradores da primeira Cambridge Modem His {or)'. deixou clara aexigéncia de que "nosso Waterloo deve ser tal. que satisfaça francesese ingleses. alemães e holandeses da mesma maneira; que ninguém possadizer scm examinar 11 lista de uutores, onde o bispo de Oxford paroude escrever e onde Fairbairn ou Gas4uet, Liebermann 011 Ibrrisoncontinuaram"'. Até mesmo Sir GeorgeClark. crítico como era às ati·tudes de Acton, conlrapõs "o caroço dos fatos" na história à "polpaenvolvente da interpretação discutível'" - esquecendo-se talvez de quea parte [lulpuda da frllta é mais compe,;sadora do que <) caroço. Pn-meiro, acerte os fatos; s6 então corra o risco de mergulhar nas areiasmovediças da interpretação. bta é a derradeira sahedona oa escolal=mpírica c di) senso comum da história I cmbra-tnc o dilado favoritodo grande jornalista Iiheral C. 1'. Scou: "os fatos sãu sagradus. a ()pi·nião é livre."

Mas isto claramente nào satisfal. Não vou enlrar numa discussãolilosÓrlê'l sobre a natllCcla do nosso conhecimento do passadn Vamospresumir, para os propósilOS atuaiS, que o fato de César ter atLlvcssa'do o Rubicão e o fato de existir uma mesa no meio da sala são fatlls damesma ordem ou de uma ordem comparável. que ambos estes fatos en-tram el11nussu consciência da mesma maneira ou de maneira compa,rável: e yuc ambos têm o mesmo car:iter objetiVO em relaçàu .i pessn,l

J ""cton. l.~nU'~j on ",oJUlI h",,,,y. 1906, p. J IS.~ Cit.,d •• <111 /"1""0" 1'1 ,k /lIl1h" de 1'152. r '1'l2

Page 4: Carr, O Historiador e Seus Fatos

que os conhece. Mas mesmo nesta suposição arrojada e não muitoplauslvel nosso argumento logo encontra a dificuldade de que nem to·dos os fatos sobreo passado são fatos históricos, ou tratados como tal·peloliísiõríado.E:. Qual o crrterio <tue distinguê fatos da hist6ria de ou-. tras fátós do passado?

Q.ue ~m fato histórico? Esta é uma questão crueial que devemosolhar maIs dCj)c·rfõ. De'acordo com a visão do senso comum, há cer-tos fatos básicos que são os mesmos para todos os historiadores e queformam, por assim dizer, a espinha dorsal da história - o fato, porexemplo. de que a Batalha de Hastings aconteceu em 1066. Mas estamaneira de ver. requer duas observações. Em primeiro lugar, não sãofatos como este que interessam primordialmente ao historiador. Semdúvida é importante saber que a grande batalha foi disputada em 1066e não em !065 ou 1067, e que foi disputada em Hastings e não emEastboume ou Brighton. ° historiador não deve errar nessas coisas.Mas quando pontos deste tipo são levantados, fazem lembrar a. ob-servação de Ilousman de que "ex~.tjdªo é um dever. não uma Virtu-de .. •. Elogiar um historiador pofsua exatidão é o mesmo que elogiarum arquitelo por usar a madeira mais conveniente ou o concreto ade-quadamente misturado. Trata-se de uma condição necessária do seutrabalho, mas não sua função essencial. 1: precisamente para assun-tos deste tipo que é permitido ba~car·se no que se tem chamado de"ciéncias auJtiliares" da história - arqueologia, epigrafia. numismáti-ca, cronologia e oul raso Não é c'(igido do historiador ter a perícia espe-cial que capacita o especialista a determinar a origem e o período deum fragmento de cerâmica ou mármore, a decifror umo ins<.:rição obs-cura. ou a f.1ZCf elaborados c:ílculos astronômiccs necessários para estabe-

lecer a data exata. Estcs tão chamados fatos básicos,- qucs㺠(J~.!1\~s·mos para todos os historiadores, normalmente pertencem mais à cate~.goria de maléria·primá do historiador do que ~ própria histÓria. A s~-gunda observaçâo é que a necessiâáde de estabelecer esles fatos básl·cos repousa não em qualquer qualidade dos próprios falos. mas numadecisão a priori do historiador. A despeito do moto de C. P. ScoU,todo jornalista sabe hoje que a maneira mais eficaz de innuencia~ aopinião pública é através da seleção e disposição. dos fatos aprop.na-dos. t. comum dizer-se que os fatos falam por SI. Naturalmente Istonão é· veraade. Os fatos falam apenas quando o historiador os aõorda:e ch: qitem decide quais os falas que vêm à cena.e. em que ordem ou_contexto. Acho que foi um dos personagens de Pirandello queml1iSSeque um (ato é C0ll10 um saco - não ficará de pé até que se ponha algodentro. " única razão por que estamos interessados em sab.er q~e a ba-talha foi disputada em Hastings em 1066 é que os hlstonadoresolham-na como um grande acontecimento histórico. I: o historiador

quem decide por. suas próprias razões que o fato de César atravessaraquele p~queno f1a~ho, o Rubicão. é um fato da história. ao passo quea tr_avessla. do Rub.cão: por milhões de outras pessoas antes ou desdeentao não .~te~essa ~ ninguém em absoluto. O fato de você ter chega.do neste edlficlo meia hora atrás a pé. ou de bicicleta, ou de carro. éexatamente tan.t~ um fato do passado quanto o fato de César ter atra-vessado o Rublcao. Mas provavelmente será ignorado pelos historia-~ores .. 0 rrofesso~ Talcoll Parsons uma vez designou ciência comoum sl~tema seletiVO de orientações cognitivas para a realidade"'.

T.aJ~e.l I~lo possa ser co/~)cad? de ma~eira. ainda mais simples. MashI5k)~a e. entre oUlras COisas, IStO. O hlslonador é necessariamente umsckl:lOnad~r.. r\ c~nvicç50 num núcleo sólido de fatos históricos que~W.1CI11O~I~tlva c IIlJcpendentemente da interpretação do historiadore uma falacla ansurJa. mas que é muito difícil de erradicar.

Vamos .nos deter um pouco no prol:esso pelo qual um mero falodo. passado e transformado num ~ato da hist?ria. Em Slalybridge Wa-kcs. em 1850. UI.1\ven~edor de pao de gengibre, em conseqüência deuma pequena bnga, fOI morlo a pontapés por uma multidão enfureci-da. Isto é um falo da história? Há um ano eu teria dito sem hesitar'"não':' ~ fato f9ra relatado por uma testemunha local em algum livreto d~

n~emonas desconh~cid~'; mas eu nunca o vira julgado digno de men-çao por qualquer histOriador. Um ano atrás. o De. Kitson Clark citou-o. nas .SU~,S c~nferéncias. Ford em Oxford'. Isto o transforma num fatohlstonco .. Nao. eu conllnuo achando que não. Seu slalus atual, creio. éque ele fOI proposto para membro de um clube seleto de fatos históri-cos c ugura espera que al8ué~ o apóie e plltrocine. Pode ler que. nocurso dos rroxlI~o.s anos, v~Jamos este fato aparecendo primeiro emnotas de pc d.e pagina, depOIS em lexlos de artigos e livros sobre a In-glater~a ?~seculo XIX, e que ao fim de 20 ou 30 anos possa ser umfa~o lustonco nem estabelecido. Por outro lado, ninguém pode presu-mIr em que caso ele será relegado .ao Iimbo dos fatos não históricoss~bre o passado ?~~ual o Dr. Kitson Clark tentou galantemente sal.va-Io. O que deCIdira qual das duas coisas vai acontecer? Dependeráa~llO. da t~se. ou interpretaçào :. em apoio da qual o Dr. Kitson Clarkc~tou este. II\cldenle - ser aceita por outros historiadores como válida eSignIficativa. ~eu slatus como um fato histórico dependerá de umproblema de lIltcrpretação. Este elemento de interpretação entra emlodo fato de histórias.

. l'l~sso permitir-me uma lembrança pessoal? Quando estudei histó.ria al~tlg.~ nesl.a .universidade muitos anos atrás. tinha corrio assuntoespeCial a Orecla no perlodo das Guerras Pérsicas". Juntei quinze ou

~ I I'arsons ~ L Sh.ls. r""'urds a g,"uai rhfOr,· o[ tJCllon. J •. ed .• 1954, p. 161.Lord Geor~e S••nger. 5"',n/l' y,ars a Jho ••-mtJ". 2'. ed .. 1926. pp. 188 ~ 9.

8 Dr. K ;tson Clark. Tn, ,"aling o/ ViClorian En,iand. 196i.

Page 5: Carr, O Historiador e Seus Fatos

vinte volumes na estante e fiquei certo de que ali, registrados nessesvolumes, eu tinha todos os fatos relativos ao meu tema. Vamos supor- era bem próximo da verdade - que aqueles livros contivessem lodosos falas já conhecidos sobre o assunto ou que podiam ser conhecidos.Nuilca me ocorreu invesligar por que acidente ou processo de desgasteaquela minuciosa seleção de fatos, de loda a miríade de fatos que umdia podem ter sido conhecidos por alguém, havia sobrevivido para selornar os fatos da história. Suspeito que mesmo hoje um dos fascíniosda história antiga e medieval é que nos dá a ilusão de lermos lodos osfalos disponíveis áenlro de limites manejáveis: a distinção aborrecidaentre os falos da história e outros fatos sobre o passado dc:saparecC',porque os poucos fatos conhecidos são lodos falas de história. Comodisse Bury, que \rabalhou em ambos os período.s, "os registros da his-tória antiga e medieval são semeados de lacunas •••. A história lem sidovista como um enorme quebra-cabeças com muitas partes faltando.Mas ° problema principal não consiste em lacunas. Nossa imagem daGrécia no século V a.c. é incompleta, não porque tantas partes seperderam por acaso, mas porque é, em grande parte, o reI rato feilopor um pequeno grupo de pc:ssoasde Alenas. Nós bem sabemos como a Gr6:cia do século V era vista por um cidadão ateniense; mas não sabemos pra-licamente nada de como era vista por um espartano, um corinliano.ou um tebano - para não mencionar um pcrsa, ou wn escravo ou ou-tro não-cidadão residente em Atenas. Nossa imagem foi pré-seh:donlldu II predelerminada plltLl nQI, nÃQ lanlQ por acólso mas porpessoas que ·estavam consciente ou inconscientemenle Imbuída) deuma visão parllcular e 4ue consideravam os falas que suslenlavamesta visão dignos de screm preservados. Da mcsma maneira, quandoleio num hvrp recente de hislória da Idade Média que aS pessoa~ da hJa·de I\fédia se inh:ressavam profundólmenle por religião, fico imaginan·do úl1110 nós podemos saber iS10 e se isto é verdJde. O que nó~ conhe-cemos COIllO falos da hislória medieval foram 11l1asclodos selecIOna-dos para nós por gerações de cronislas ljue se ocupavam proíiüional·mellle com a lcoria e a prállca da rt:liglão, que, porlanlO,consideravam-na de extrema importância, regislravam tudo em relaçãoa ela e pouca coisa a mais. A figurJ dos L:óll11pOnC~csrussos L:Olllllpro·fUlldamente religiosos foi deSlruida pela Revolução de 1917. A figurado homem medieval como devotamente religioso, se verdadeIra ounão, é indestrutlvcl, porque praticamente lodos os fatos conhecidossobre ele foram pré-selecionados para nós por pessoas que acredila-vam ni~lo. que ljueríam que outros acreditassem. c: uma 411JlIlidilJ..: deoulros fallls cm que posslvelmenle teriamos eneonlrado eVldên..:ias docllntr.irhl perdeu-se Irrevogavelmcnle. t\ mão 1I1lHla de gcr.lções dehislorladores llue {JcsJparecerarn, escribas e ..:rOlllstas. determinou.

se~ Possl?,ilidade de apelação o padrão do passado. "A história quenos lemos ,escreve o professor Barraclough, ele próprio medievalista,"embora baseada em fatos, não é, para dizer a verdade, absoluta-mente factual, mas uma série de julgamentos aceitos"'.

Passemos, no entanto, a verificar a situação difícil, embora dife.ren~e, .em que s~ defronta o historiador face à hislória moderna. O es-peCialista em história an.tiga ou medieval tem a seu favor o fato de po-der conlar com um conjunto de fatos históricos selecionados atravésde ~m longo processo. Como LylIon Strachey disse, na sua maneiran.la/t.clOsa, "a iA~orá~,;ia é o primeiro requisito do historiador, igno-ranCla ~ta que SimplIfica e esclarece, que ~Icciona e omite"". Quandosou tent .•do, .como por vezes ocorre, a Invejar a grande compelência decolegas engaJados e~ escrever história antiga ou medieval, consolo-mea~hando que eles. sao tão competenll:s assim sobretudo porque nàolem lólnlo conheCimento como se pensa do seu assunlo. O historióldordos .tempos. modernos ~ão leva ~ualquer vantagem desta ignorànciaInlnnseea. Ele deve clllllvar para S!mesmo esta ignorància necessária _tanlo mais qUólnto maior ~ proximiuólde de sua própria época. Ele tema dupla lólrefa de descobnr os poucos fatos importantes e transformá.los em ~ato~ d? ~istória e de descartar os muitos fJtos insignificantescomo nao hlstoncos. Mas isto é exatamente o inverso da heresia do sé.culo X I~ ~egundo a 4~al a história consiste na compilação de um nú.ml:ro maxlmo de fatos Irrefutáveis e objetivos. Qualquer um que se en.tr?IlUll <I c~tll h~reala ou le~lIde dullllr da hi'lóriu. por .llr um mllu ne.goclO, e se dedl~ar a coleCionar selos ou algum oulro passatempo anti.quado. ,lU terminar num hospício. l:: esla here~ia 4ue, durante os últi-l110scem anos, vem provocando tamanho~ efeitos (h:vaslauorcs no his.tonador dos lempos modernos, produzindo na Alemanha Grà-B.rdLlnha e nos Estados Unidos uma enorme e crescente massa 'de his-lonas facluals: fragmentadas e pulverizadas, de monografias minuclo.samenle especlahzadas de pretensos historiadores; que sabem cada vezmais sohre c~da vez menos, mergulhados sem vestígIOS num oceanu defall)~: Suspello que lenha si.do es~a heresi.,. - m~is do que o alega,doconl1llO entre a lealdade ao liberalismo e ao catolicismo _ que frustrouAdon enquanto, hlslIlrlador. Num de seus primeiros ensaios disse deseu professor Dõllinger: "Ele jamais escreveria com dados imperfeilosI: r.lra ele os dadlls cram sempre ímperfeitos""; I\cllln estava cena.mCllll: prollunclandu um veredicto anl<:clpado dI: si mcsmo ljUI: ..:onslí.

lU li II,III..d ••"gh. }(/l/II" "'.1 (hlJ"I:I".~ .'",Id. I~~~. P H

II I ~II"I\ Slr.,<:hc\".prefj,", úe flll'ntnr "du,',o

I~ Cil.,ú"cll\ljl' (i ••",h /1/11 . di! L. -. fi" an """'UII\ /li Int' ""It"f'I'lIIh, .''''11''. p .. \1"5. m.H'larde. A,lon disse de l?óllinger Que "lhe fora d.do formar sua filosofia da hlslona ••partir Ú.I ma",r ,núu,:al) 4ue JamaiS coube ao homem". 111II'HO',' o/ ('ttdom lJfldlIllI." .'\\IIP lI)!)). P ..& ,,,

Page 6: Carr, O Historiador e Seus Fatos

tuiu um estranho fenômeno como historiador, ~is er~ considerado p~r

muitos como o mais notável ocupante da ReglUs ChOlr of Made~n !{~s-

tor}' que esta. universida~e j~mai~ t,eve - mas qu~ não esc!e~eu hlst~n~.E Acton escreveu seu propno epltalio, na nota tn~rodutona do pn.mel-

ro volume da Cambridge ,\fadem l!i~tor!" pubhcad~ logo depOl~ de

sua morte, onde lamentou que as eXlgenclas que pressIOnavam o ~ISto-

ria dor "ameaçassem transformá-1o de homem de letras em compilador

de enciclopédias"". AI~lIma coisa tinh~ saído.er.rado. O que a~lllou er-

rado [,li a convicção nesta incansável e IIltermmavc\ acumulaçao de fa-

tos diliccis como fundamento da história, a convicção de qu~ os fa-

tos fa Iam por si mesmos e que nós não podemos ter fatos d~ll1al~. Uma

con vic~';io naquela época tão inquestionável q~e Pouc?s.lllstonadoresde então consideraram neccssário - e alguns all1da hOJe Julgam desne-

ccS';;írio - colncar a perg.unta "Que é história'?"

O fetichismo dos fatos do século XIX era completado e justifica-

do por um fetichismo de documentos. Os. document~s eram sacrá-rio do templo dos fatos. O historiador respeitoso aproxlln~va-se deles

de cabeça inclinada e deles falava em tom rev.erente. Se t:s~a nos docu-

mentos é porque é verdade. Mas o que nos dizem e~ses ?ocumentos -

decretos, tratados;'regisúos de arrendamento, pubhcaçoes parlamen-

tares. correspondência oficial, cartas e diários partic~lares -: quandonos ocuramos deles? Nenhum documento pode nos dlz~r mais do .queaquilo que o autor pensava - o que ele pensava que haVia acontecido,

o que devia acontecer ou o que acontecena, ou talvez apenas o que elequeriu que U~ oUlros pensassem que ele: p:nsov.o,.o.u mesmo apen'~s oque de próprio pensava pensar. Nada diSSO ~Igllllfic~ alguma COisa,

até que o historiador trabalhe sobre esse matc:rtal: deelf~e-o. Os falos,mesmo se encontrados em documentos, ou nao, amda tem de ser pro-

cessados peio historiador anles que se possa fazer qualquer uso deles:

o uso que se faz deles é. se me permitem colocar dessa forma. o proces-

050 do processamento.Darei um exemplo do que estou tentando ~i~er citando al~o que

conheço bem. Quando Gustav Stresemann .. mllllst~o do .E.\tertor da

República de Weimar, morreu em 192?, delx?~ atraso de slu',ma e~o~-me massa _ 300 caixas cheias - de papels ofiCiaiS, seml-oliclals e partt-

culares, quase toJos relacionados com os seis anos de seu mandatocomo ministro do Exterior. Seus amigos e parentes naturalmente pen-

saram em fazer uma obra monumental em homenagem a um homemlao ilustre. Seu dedicado secrelârio Bernhard pôs. se a trabalhar: em

três anos foram publicados três volumes maciços, com e~rca de 600páginas cnuu, de documentos se:lecionn~os ~Bquc:11II 300 CUPUlS, com o

titulo pomposo de StresemanIU Vermacntnls .•Norm~l~ente os docu.-

menlos se leriam desfeito em pó em algum porao ou solao e desaparecI-

d.o par.a sempre; ou talvez em cem anos ou mais algum literato curioso

te·los-Ia encontrado e se disposto a compará-Ios com o texto de Ber-

nhard. O que aconteceu foi ainda mais dramático. Em 1945, os docu-

mentos calram nas màos dos governos ingles e americano, que os fo-

t~grafaram e c?locaram as cópias fotostáticas à disposição dos estu-

dtosos n~ Publrc Record Office em Londres e nos Arquivos Nacionaisde Washmgton, de maneira que, se tivermos paciencia e curiosidade

suficientes. podemos descobrir exatamente o que Bernhard fez. O que

ele fez não foi muito comum nem muito chocante. Quando Strescmann

morreu, ~ua p~lítica ocidental parecia ter sido coroada por uma sériede sucessos brtlhantes - Locarno, a admissão da Alemanha na Liga

d~ Nações, os planos Dawes e YOWIg e os empréstimos americanos, aretirada dos exércitos de ocupação aliados das terras do Reno·. Isto

parccia'a parte importante e compensadora da polltica externa deStres:mann; não era estranho que tivesse sido super-representada na

se!eçao de documentos de Bernhard. A polltica oriental de Strese-

man.n, por outro lado, suas relações com a União Soviética, não foi

particularmente bem sucedida; além disso, uma vez que massas de do-

cumentos sobre negociações que apenas produziram resultados triviais

não eram muito interessantes e nada acrescentavam à reputação de

Stresemann, o proces~o de seleção podia ser mais rigoroso. Strese-mann, na verdade, dediCOU uma atenção muito mais constante e ansio-

sa ~s rela~ões com a Un.i~o Soviética, e elas desempenharam um papel

mUito maIOr na sua pohtlca externa como um todo, do que o leitor daseleção de Bernhurd suporia. Mas os volumes de Bernhllrd ganham em

comp;lraçào, imagino eu, com muitas coleções de documentos publi-

eadas em que o historiador comum se fia implicitamente.

Este não é o fim da minha história. Logo depois da publicação

dos volumes de Bernhard, Hitler subiu ao poder. O nome de Strese-mann ficou esquecido na Alemanha e os volumes salram de circula-

çào: muito"' dos exemplares, talvez a maioria, devem ter sido destrui·

dos. Hoje, Strf.'5eman~ Vemuithtnis é um livro raro. Mas a reputação

de StresCmal111 110OCldenle permaneceu elevada. Em 1935 um editor

inglês publicou uma tradução resumida do trabalho de Bernhard -

uma selcç;io da seleção de Bernhard; talvez um terço do original tenha

Sido omitido SUtlOll, tradutor de alemão bastante conhecido fez seu

trahalh~ Illuito h~~ e.com competência. A versão inglesa, exphcou eleno prefacIO. era ligeIramente condensada, mas apenas pela omissãode uma certo quantidade daquilo que, sentia-se, era assunto mais el!-mero ... de pequeno interesse para leitores ou estudantes ingleses .•••.

'NR. Os pianos Dawes e Young, respectivamente de 1924 e 1929. foram patrOCinados

pelos Aliados vencedores e imposlos 1Alemanha vcncida na Guerra de 1914·

1918. com o objetivo de cobrar "reparações", estabelecendo. sobretudo pelo pri-

meiro plano. rigorosos controles sobre as finanças internas alemãs.

I~ Gu'la" S"t"f"IIlIIlI. h••di""". Irll", alld pap"'. introdução. 1935. nola do editor in·

~I~,

Page 7: Carr, O Historiador e Seus Fatos

Mais uma vez é natural. Mas o resullado é que a polÍlica oriental deStresemann. já sub-representada em Bernhard. retira-se ainda mais dopanorama. e a União Soviética aparece nos volumes de Sullon mera-mente como uma intrusa ocasional e muito mal recehida na políticaexterna predominantemente ocidental de Stresemann. Ainda assim é aopinião geral, salvo para alguns especialistas, que Sullon e não lier-nharJ - e ainda menos os próprios documentos - represcnta para oIllUnJll ocidental a voz autêntica de Stresemann.

Tivessem os documentos sucumbido no bombardeio de IY45 e ti-vesscm os volumes restantes de Bernhard desaparecidtl. a autenlil.:ida-de e autoridade de Sullon nunca teriam sido questionadas. l\luitas co-leções de documentos impressas. largamente aceitas por histuriadoresna falia dos originais, repousam em bases não mais seguras do que es-Ia.

Quero, porém. levar a história mais além. Deixemos de lildo Ber-nhard e SUl10n e reconheçamos que podemos. se quisermos. consultaros documentos autênlicos de alguém que teve um papel importante nahistória européia recente. O que nos dizem estes documentos? Entreoulras coisas, contêm registros de algumas cenlenas das conversasde Stresemann com o embaixador soviético em Berlim e de uma vinte-na ou mais com Chichcrin. EStClLreçistros t~m unIU caractcríslH;a emcomum. Eles descrevem Strescmann como tendo a parte do leão nasconversas, e revelam seus argumentos como invariuvclmcntc bem co·locados e convincentes, enquanto os de seu interlocutor são na maio-ria estreitos, confusos e não muito convincentes. Elita é uma carnc·teristica familiar de todos os registros de conversações diplomáticas.Os documentos não nos contam o que aconteceu. mas somente o queSlresemann pensou que aconteceu, ou o que ele Ljueria Ljue oulros pen-sassem, ou talvez o que ele próprio queria pensar que tivesse aconte-cido. Não foi Sulton nem Bernhard. mas o próprio Stresemann, quemcomeçou o processo de seleção. Se nós tívéssemos, digamos, os regis-tros de Chicherín destas mesmas conversas, assim mesmo apreendería-mos delas o que Chicherin pensou. e o que realmente aconteceu aindateria de ser reconstruido na mente do historiador. Naturalmente, osfalos e os documentos são essenciais ao historiador. Mas que não setornem fetiches. Eles por si mesmos não constituem a história; nãofornecem c;m si mesmos resposta pronta a csla e,austlva pergunta:"Que é histÓria?"

Neste ponto eu gostaria de dizer algumu palavras subre porqueo~ historiadores do século XIX eram em geral indiferentes à filosolíada história, A expressão foi inventada por Vollaire e tem sido, desdeentão. usada em diferentes sentidos; caso elJ a utilize será para respon-der à pergunta "Que é história?" O século XIX fOi, para os intelec-tuais da Europa ocidental. um período confortável, transpirando con·fiança e otimismo. Os fatos eram em conjunto satlsfatóríos; a inclina-ção para perguntar e responder questões dWceis sobre eles era respec-tivamente fraca. Ranke acreditava piamente que a Divina Providên-

20

cia cuidaria do signilí d d h' .tos; Burckhardt. com I~~ ~oq~e I~~~~a. caJo ele ~om~s~e COnta dos fa-que "nós não somos inicíados mo ~rno e CIniSmo. observouO professor Butlerlield por volt:~~ f~~fóslt~s da sabedoria etefn3 ".ção que "os historiado;es refletem p • n~ ou com aparente satisfa-mesmo sobre a natureza de seus próOU~O50 re a natureza das coisas e

- pnos assuntos"" Mcesso r nestas conferencias Dr A L R .: as meu ante-escreveu sobre WorlJ crisis de' Si; Win~:~,c~als.~~~c'same~te crítico,a Primeira Guerra Mundi I _ ur~ I . - seu Itvro sobre

da Revo~uçã~ R ussa de T~ots~r~;ne~~~:O~~lfdoa~~e~~il~oannlt~. Histór!.agor era Infenor num t - ,Ismo e \ I-tórj~"". aspec o: nao apresentava "uma filosofia da his-

Os historiadorcs britânicos recusaram-se. . .-. a ser persuadidosnao porque ~credllassem que a história não tinh . ·Ii d 'po~que a~edl~avam que seu significado era implícit~ ~~~:J~~t:p:a~~~opp:~o: o .Scdculo?'C' X, a v!sã? liberal da história tinha uma afini~:~

xlma a outnna economlca do laissez-faíre .de uma visão serena e autoconliante do mundo Q - tambem pr.oduto

~~~~a Tão o~ult.a cuidará da harmonia univers~I.~: ~~~;s ud~ ~~~:~~:e es ~rornos uma demonstração do fato su remo

gresso bcnclico c aparentemente infiníto em d ... Y de um .pro-tas. Esla era a idade da inocência e os h' t . 1~l:çao 11 cOI.sas mais ai-Jardim du Puralso,sem um fragmenlOde ~,~:~~ ores camll~havam nosem vergonha diante do deus da história Desd~a ~~~_a cobn.las, nua ePecado e experimentamos n Ex ulsão do il ,a~ co~hecemos ohoje fingem prescindir da liIosoha da histJrlJl·arae'sStOa-·ol)n!llhe'r~(orladtores qued ...,. amen e tentan?, mulJ c auto-conSCIentemente, como membros d . 1-' •l.hsta . J d· e uma co oma nu-

, rCCrlar o ar 1m do Paraíso em seu subúrbiO a'· d' .esta dificil pergunta não pode: mais scr evitada. Jar !nado. HOJe

Nos últimos 50 anos muilos foram os t . b· /I .;. ." pergunta "Que é história?" Partiu da Al

r:1a II~S ~"rlO~ fellos sobn:

f ' cman Ia o paIs qu' e5t'pres~es a aler tanto para abalar o confortável reln;do do libc~alis~lv;do seculo XIX, o I'fII11elfOdesafio, nas d~cadas de 11HlO e 1890 • d~11I~ da rrdUnalfiJae _daaUlunomia de: falos na hblória. Os lilóso'f~s qO~~Ileram o esa 10 sao agora pouco mais do ue no .' "n!C~1deles que recentemente recebeu algum ~conh~~e~II~~:Y : o ~-(, ra· Hrelanha .\ nles da p·l<sag'm .1 . I rdlO na. . . . . • e uO sc:cu o prosp'r d d . fier;lm amua grandes demais na Inglat . l: I a c e "on lançar erra para que oualq -,osse prl,;,:>tadailllS hl:reies "ue ata"·.vam o It ., f' uer atençao. . . J, •.•.• cu o uOS atos M Ipnnclpto do novo sccu/o a locha passou . . . 1"1" . as ogo nomeçou " propor lima filo~olia da Históri/q:Jl~; ~b~;\:;~~~t~dJ .C~oce ~o-ao~ mCSlrc~ alemães. Toda história é "h' t. . • _ c:vla multo

IS ona contemporanea", decla-

15 11. BUllcrficld. 1hr "'hlg ,n/aprrloliu1I o' /rulor" 19J I P16 A I H J ,. •. b7

. '. Ow,c. lhr n.d of 011 rpoch. 1941, pp. 2~2 _ )

Page 8: Carr, O Historiador e Seus Fatos

rou Croce", querendo assim dizer que.a história consis!e essencial-mente em ver o passado através dos olhos do presente e a l~z de seusproblemas. que o trabalho principal do historiador não é regIstrar masavaliar; porque. se ele não av.alia, como .pode saber o que merece serregistrado? Em 1910 o historiador americano Carl Beck,~r argumen-tnu. em linguagem dcliberadamente prov.ocadora: que os fat~s .~~história não existem para qualquer hlstorlad~r ate qu~ ele os Crie .'Lstes desafios foram poucos notados naquela epoca. F.OIsomente ar~s1'l211que Croce começou a ficar em grande moda na França e n~ Gr~.Bre:lanha. Isto não foi talvez porque Croce era um pensador mais sutilclll Illelhor estilista do que seus antecessores ale.mães. mas porqu~.al'\')~; ;] Primeira Guerra Mundial. os fatos pareciam SOrrir p.ara noslllCIlUSlavoravelmente do que nos anos anteriores a 1914 e e.stavamos.P"II:llltO. mais acessíveis ~ um? fi~os~fia que procura\"?,dlll\lnu~r o s~upl<;,ligin. Croce foi llma IlIllllenc~a .1I11pOrlante no fil~s~~o e hlstOfl,l-j I. ()'l.fl)rd Collilll'wond, o UIllCO pensador bfltal1ll:O no seculollll I\: " ' .' El;llll:t! que fez uma ab:lliDlda contrihuição ~ ~ilo~ofia ~;~ IlIstOfla. eIlJl' viveu o suficiente: para escrever a exposlçao s~stematlca que plane-jl)ll; Illas seus artigos puhlicados e notas não publ,lc~das sohre o assun-lil furam reunidos. após SU3 morte. num volume 1Il1ltulado Thl' /t/fa of

hl\l,'rr, edit3do em 11}·1'i.I\s opinii"lcs dc ('ollingwood podem ser reunidas como se S~f:ue. A

fil",,,fi3 da história Il;io é relacionada com "o passado C~' SI ne~'«1111 "lI penSalltCntl' do historiador sobre o .pass.~~lo ~1lI SI mc.-:"o •lIIa, <,;1li 11"a~ duas clli~as em suas relaçiJes lllutuas . (Lsta opllllao ~e·ncte os dois significados correntes da palavra "h.istória" - a pcsqUlsall'nduzida pelo historiador e as séries ~e ac.onteCllllelltos ras~ados emque ele investiga.) "O passado que o hlstonador estuda n~o ~ um p.as-\.ld" lI1ortO mas UIII passado que. em algum sentido. esta allH!a VIVO

til) ple:~ente." Mas UIII ato passado está morto. islo é. sem slgllllicadop.lla LI historiador. a menos que ele possa apreell.de~ o p:nsan:el~t~ queestj ror trás deste passadn. desde ~ue ~'loda 11Istona e a hls.tona do(1\:I1'>.lI11ellto"c "a história é a revahdaçao da mente do hlst?n~d_or doPCII."lmcnto cuja histl'lria ele está est~dando". A. rC~Ol\stltUl~a? ~opa\~ado na mente do historiador esta na dependen~l,a da e~tdencla\:ll1pirica. Mas não é em si mesmo um processO en~p"f1co e nao podeconsistir de uma mera narração de fatos. Ao conlrano. o proces~~ d:I«llnstituição governa a seleçào e interpretaçào dos fatos: ISIO. ahas. e

1/ () •.•.OI\1C\\U Jc~lc a fnri,ma I.:élct'lrc eo seguinte: .. A$ cXI,ênl.·ía~ ri ~Ilu.:;n",u.: 'llr~rIJIllh\d" 1'''~al11en'n i"'ltlllCO d~ a toda história o caráter de 'hlstória contemporanea .

•. 1 P l;~JI11 p:lfercr remuto •..IItl l{"mpt).1"llqUl'. 1IIC'"1l1 q~IC d', CVClllOS ,lS"'lil1 rC(tHH.luOS \), d• 111\'\1111 na vertl.Hle rdere·se a na:csmlades prcsc:nles e Sltuaçõc< presenles, o~ e·,lqlJ\:It.:\ ~lunh:lllH('llto' ••·iht;lI1l ,- 111 R ("rl'cc. l/iucJf)' aJ l1Jr flor" oJ 11;',r,\,. tra u·

,.,,' ,n~Ie~J de 1'I~1. p 1'/

1:'< IJ!,""" .\f'U1,hll' PlIluhro ~JePHO. r S.?R

o que faz deles falos históricos. "História", diz o professor Oakesholl.que neste ponto se aproxima de Co!lingwood, "é a experiência do his-toriador. Ela não é 'feita' por ninguém exceto pelo historiador: escre-ver história é a úntca maneira de fazê-Ia"".

Esta critica aguda, embora requeira algumas reservas sérias, reve-la certas verdades ne~IÍI~enciadas. .

Em primeiro lugar, os fatos da história nunca chegam a nós "pu-ros". desde que eles não existem nem podem existir numa forma pura:e1cs são sempre refratados através da mente do registrador. Comoconseqücncia. quando pegamos um trahalho de história. nossa primei-r:1preocupaç;io não dcveria ser com os fatos que ele conlém, mas como historiador que o escreveu, Exemplificarei com o grande historiadorque é o patrono das aulas que ora ministro e em cuja homenagem fo-ram instituídas. G. M. Trevelyan. como nos conta em sua autobiogra-fia. foi "cducado em casa numa tradição um tanto exuberantementeII'hig"IO; ele n;10 rcpudiaria o titulo. imagino, se o descrevesse como oúltimo. c n;ill o menor. dos grandes historiadores liberais ingleses datradição \l'illg· Não i: por acaso que ele reconstitui sua árvore genea·lógica. desde o grande historiador whig, George Otto Trevelyan atér.lacaulay. que foi. incomparavelmente. o maior dos historiadores'l'higJ. O mais admirável e maduro trabalho de Trevelyan. Englalld /li/-

der quttn Anno;'. foi escrito levando em conta as suas origens e somenteterá sentido e importância para o leitor se levar em conta o barkgrollncldu historiador, De falo. O autor não deixa outra saída para o leitor.puis se você seguir a técnica dos amantes dos romances policiais e lerprimeiro o fim. encontrará nas últimas páginas do terceiro volume ()melhor resumo que conheço daquilo que é hoje chamado de interpre-tação II'hlg da história; verá então que o que Trevelyan está tentandofazer é investigar a origem e o desenvolvimento da tradição whig. vin-culando as suas raizes firmemente aos anos que se seguiram à morte deseu fundador Guilherme 111. Embora esta não seja, talvez, a única in-terpretação concebível dos acontecimentos no reinado da rainha Ana.é uma interpretação válida e.'flas mãos de Trevelyan. frutífera, Mas, afim de apreciá·la em todo seu valor, o leitor tem de entender o que o

• N R. 1I'1".~ fo, J denominação dada em orosiçào a 'M'·. ambas de cunhu rejorati\tlnJ ,u .• <'I1~el11 (linai do século XVII). ao partido que ad,ogava a c~du'kill de

Jalllle. duquc de York. ,Ia linha de suce,sào ao \lona. Com a c_oluçào da In~la.

terLI n," ,eclJlus xvIII e XIX. ambos os nomes pas~aram a de~i~n;1f u' ranj·

do' plllil't:o' d<lIllinantes. cabcndo aos "/lIg1 defender os inleres'c' e o poder d'l

lIohret.l. rcpre,en""I,,, nll Parlamenlo. face ao ;lbsollllj~mo da Coroa. A\ mu·

dali';;" <','"'lIl\C.", operadas ,obretudo a partir do fUIJI do ,':culo XVIII. Il\e'

r;1I11no' "h/II.I os \tus ddensores. Da 'ua ala radical emergiu o Partido Lihcrarem np(I~H;~'\) aH\ I()'U'~ cl>nscrvadores. A tradiçào llSosucia ~u, .tll'~' a ••.ilórlõl tiop.I(l.lllll.:l1l.1r1\llhl ( J ~;tranliJ da" lah:rdadc, individuai\.

1'1 M Oakeshllll, E.•pult"'·~ and lU modu, 1933. p. 99.

~ll (j ~I 1 rr\Ch.LI1. ,,, íllI'nhtf/~rarhl 19-19, p 11

Page 9: Carr, O Historiador e Seus Fatos

historiador está fazendo. Pois como diz Collingwood, o historiador

deve reviver no pensamento o que se passou na mente de s~us "drama-

tis pe:rsonae", a fim de q~e o leitor, por su~ vez: possa revlver o que se

passa na mente do histor~ador. Estude o .hlstonador a~tes de ~.?t?e~ar

a estudar os fatos. Isto nao é, afinal, mUito obscuro. E o que J3 e feito

pelo estudante inteligente que, quando recomendado a ler um trabalho

de Jones, aquele grande humanista de SI. Jude. vai procurar um colegaem SI Jude para perguntar que tipo de cara é Jone:s e o que ele tem na

cabeça. Quando você lê um trabalho de história. procure ~ab~r o quese passa na cabeça do historiador. Se não consegUIr, o defe~1O e seu o~dcle. Os fatos na verdade não são absolutamente comO peixes na pei-

xaria. Eles são como peixes nadando livremente num oceano v~sto ealgumas vezes inacessível; o que o historiador pesca dependera par-

cialmente da sorte, mas principalmente da parte do oceano e:m que ele

prefere pescar e lio molinete que ele usa - f~tores estes que são natural·

mente determinados pela qualidade de peixes que ele que:r pegar. De

lIm modo geral, o historiador conseguirá o tipo de fatos que ele: quer.

Hislória significa interpretação. De fato, se, ulilizando as palavras de:

Sir George Clark, eu chamasse história de "um caroçO duro de mter-pretação cercado por uma polpa de fatos discutíveIS", minha alírma-çiio seria, sem dúvida, parcial e desorientadora, mas não tanIa quanto

ousaria pensar a opínião original.O segundo po~to, que é o mais conhecido, diz respeito à ne:cessi-

d.lue flor parle do hilloriador de ulisr a imallina ••ào para compreendera menle das pessoas com as quais está lidando e o pensamenl

oque

Cúl):duz os seus atos: digo "compreensão com imaginação" e não "sim-p;;üa", com receio de que simpatia possa significar com;ordância

implícita. O século XIX foi fraco em história me:dieval porque: repu-

di;lva demasiadamente as crenças supersticiosas da Idade Média e: as

barbaridades que elas inspiravam. não podendo te:r qualljuer com-

pree:nsão imaginativa do povo da Idade Média. Ou tomemos o .~l)me:n·tário crítico de Burckhardt sobre a Guerra dos Trinta Anos: .. E e:scan-

daloso que: um credo, seja católiCO ou protestante:, coloque: a ~~a ~alva-ção acima da integridade da nação"ll. Era extremamente dlfll.:1I para

um historiador liberal do século XIX, educado para acreditar ljue écerto e louvavel matar em defesa do próprio pais mas é errado e per-vers<l matar em defesa da própria religião, colocar-se nu est;ldo de

espírito daqueles que lutaram na Guerra dos Trinta Anos. Tal diflcul·

dade é particularmente aguda no campo em que estou trahalhund,)

agora. Muito do que tem sido escrito nos paísel> de língua IOglesa nOSúltimos dez anos sobre a União Soviética e, na União Soviética, sobre

os países de língua inglesa tem sido invalidado por esta i~abilidade de

akançar mesmo a medida mais elementar de compreensao Imagll1atl

-va do que se passa na mente do outro lado. de lal m'lOcira que pala-

!I J "uf(~har<ll. )""1(,.", •.••,.. "" /tUIUT\""ml /tul,,,,""J. 19~'I. p 11'J

vras e ações do outro são sempre feitas de modo a parecerem malig-

nas. sem senlido ou hipócritas. A história não pode: ser escrita a menos

. que o historiador possa atingir algum tipo de contato com a mente

daqueles sobre quem está escrevendo.. O tercciro ponto é que nós podemos visualizar o passado e atin-

lW nossa ~ornprecnsão do pa:sado .some:nle atravé~ dns olhos do pre·

sente: 0_ hl~tonador pertence a sua e:poca e a ela se liga pelas condiçõesde eXlstencla humana. As próprias palavras que usa - tais como demo-

crac.ia, império, gue:rra, revolução - têm conola~õcs presentes dasquals ele não se pode divorciar. Historiadores voltados para a anllgLii-dade adotaram palavras como paUs e plebs no original, exatamentepara mostrar que não caíram nesta armadilha. Isto nào o~ ajuda. Eles

também vivem no presente e não podem enganar a si me:smos sobre o

passado usando palavras pouco familiares ou obsoletas, do mesmo

modo que não se: tornariam melhores historiadores da Grécla ou de

Roma se fizessem suas conferênc.ias vestindo eh/aml's ou Ioga. Os no-

mes peh)s quais suce:ssivos historiadores france:ses de:screveram as mul-

tidões parisienses que dese:mpenharam um papel tão proemlllenle na

Revolu5ão Francesa - les sans-eu/atles, /e peup/e, Ia eanai/le, /es bras-n/l.{ _ sao tod0s, para aqueles que conhece:m as regras do jogo, mani·fe:stos .de:uma aliliação política e de uma interpretação particular. Ain-

da aSSim, o hislOriador é obrigado a escolher: o uso da linguagem im-

pede-? de ser neulro. Também não é um problc:ma apenas de palavras.No:'\ ulllm05 cem ano~, a I~udllnça da c'luillbrao do poder nu EuropuI~verteu a alllude de hlslonadore:s britânicos em relação a Frc:derico. oli ra~de. A mudança ~o equilíbrio do poder entre catolicismo e protes-tanllsmo alterou prolundamente suas aliludes em relação a lígLJras laiscomo Loyola. Lutero e Cromwell. Basta um conhecimento superficialda obra dos hlstonad0res franceses dos últimos -10 anos. sobre: a Re\'o-

IUl;ão Francesa. para reconhecer o quanto a visàu ~obre da fui profun-

dam~nte afetada pda Revolução R ussa de 1917. O histuriador perte:n-

ce nao an passado mas ao presente:. O professor Tre:vor·Roper no~ dil

que o hlstonador "deve amar o passado"ll. Esta': uma injunção dú-

bIa. Am~r o passado pode facilme:nte ser uma expressão do romantis-mo noslalglco de homens velhos e socie:dade:s vdhas um sintoma de:pcrdade fé e interess~ no presente ou no futuro". ~:lic'bé por c1ichê, eu

prefe~lf1a um sob~e I~benar.se da "mão-mona do passado". A função

d~ hlstona~or nao e al.!lar o passado ou emancipar-se do passado,m.ls domina-lu e entende·lo como a chave para a compreensão do pre-

sente.

22 Introdllçãu J J Bur.:khardl. Judg~mmlS 011 /tirto'y IJlld hll/l",,,nr. 195'1. p" J1

23 (úmpare." a \ "j.l da hislórla de NlelLSche: .•A velhice pertence J "CUp.l~jU du hu·

mem velho de olhal para (ris e calcular suas conaas. de procurar cunsoh) nas

kmhr.ln~Js d" ra»"do. na cullula hislo/lca." In T/tough/l ,,/li "J uu""'. Iradução

,ngks.1. 19U'I. 11. I'P b5 - b

Page 10: Carr, O Historiador e Seus Fatos

Se, entretanto, estes são alguns dos discernimentos do que eu me

permito chamar de a visão da hist6ri~ de Collingwood, é te~po de se

levar em consideração alguns dos perigos. O fato de se enfatlzar o pa-

pel do historiado~ na c1a?~ração da história tend~, ~ pressi.ona~o à \sua conclusão lógica, a rejeitar todo e qualquer obJetIvo da história: a ihist6ria é o que o historiador faz. Collingwood parece aliás. num mo- Imento. em nota inédita citada por seu editor, ter atingido esta conclu-

são:

Santo Agostinho via a história do ponto de vista dos primeiros

cristãos; Tillarnont, do ponto de vista de um francês do século XVII;Gihhon, d~quele de um inglês do século XVIII; Mommsen. daquele de

um alemão do século X IX. Não há por que perguntar qual era o

ponto de vista correto. Cada um era o único possível para o homem

que o ado[llU."

Isto clt:va-se ao cellcismo total. como o comentúrio de Froude deque histt">ria é "uma caixa de letras para criança com a qual nós pode-

mos soletrar qualquer palavra que nos agrade"". Collingw~o?, em s~a

rC~Ií)o contra a "histúria do tipo tesoma e cola", cont~a a vlsao da hiS-

tória COJIIO uma mera compilaçào de fatos, chega perigosamente qua.-

se a Iral;lf a histúria como algo tecido pelo céreoro humano c ret.orna a

conclusão a que Sir Gcorge Clark se refer~u ~~ pass;~gem ~ue citamosanteriormente. de que "não há verdade IlIstorlca objetiva . Em lugarda teoria segundo a qual a hiqóría não tem significado. aqui .nos ofere-

cem a teoria de uma infinidade de significados. nenhum mais certo doque o outro - o que. ~o fundo, dá no ""!csmo. A s~gunda tcoría é cert~-mente tão insustcntavel quanto a pnmelra. Nao podemos conclUir

que, porque uma montanha ~arece tomar dif~re~tes formas de acordocom os diversos ângulos de VIsão. não tem objetivamente ou nenhuma

forma em absoluto ou uma infinidade de formas. Não .podemos con-

~luir que, porque a interpretação desempenha um papel necessário ~o

estabelecimento dos fatos da história e porque nenhuma interpretaçao

é completamente objetiva, qualquer interpretaç~o é ~ão boa qu?nt.ooutra e que os fatos da história não são, em principIO. resp~nsave~s

pela interpretação objetiva. Terei de ~onsiderar. n~~ estaglO ma~saV;IIH;:ldll n que e,~atamcnle quero definir como oOJetlVldade em hlsto-

ria.Mas um perigo ainda maior esconde-se na hipótese de C?lIi.n~-

wood. Se o historiador necessariamente observa o período da hlstonaque lhe está interessando com os olhos de seu próprio tempo e estudaos problema! do ~d? como uma chave par~ os problemas do pro-sente, n:la cairá numa vlsilo puramente progmatlca dos fatos e suste.n:tará que o '::ritério para uma interpretação correta é a sua adequablli-

24 R. Colllngwood. T"'~ ,JúJ <if /t1Jl"'I'. 1946. p. ~ii.

25 A r',o"de. S/t"" SfuJ'rl 'lfl Krral Jllh)rrlJ. inlloduç50. 1894. [1. 21

da de a algum propósito atual? Desta hipótese, os fatos da história nào

~,ão ~a~a, a interpretaçã? .é tud.o. NietlSche já enunciara o princlpio:A falsl?a~e de uma opInião nao é para nós qualquer objeção a ela ...A questao e o quanto ela é promotora de vida, preservadora de vida

preserva~ora da espécie e talvez criadora de espécie"l': Os pragmatis~

tas amenca.nos se move~am menos expllcita e sinceramente ao longo

~a mesma linha. ~onheclmento é conhecimento para algum fim. A va-IJdade do co/lhecllnento depende da validade do propósito. Mas mes-

I1?0 o~de tal tco?a n~o foi profess~da, a prática tem sido com freqUên-

Cla nao menos inquIetante. No meu próprio campo de estudo tenho

visto exemplos demasiados de interpretações extravagantes vagamente

bas:adas em fatos e que não parecem ligar a isso. Não surpreende quea leitura de :Jlguns dos produtos mais extremos da historiogralia das

escolas soviética e anti-soviética deva provocar às vezes uma certa nos-

talgia da segurança ilusória que advinha da hist6ria puramente factual

do século XIX.

. Como ,entà.o, no meio do século XX, devemos definir o compro-mIsso do hlstoflador para com seus fatos? Reconheço que gastei mui-

tas horas nos últimos anos procurando e examinando documentos e

recheando minha narrativa histórica com fatos devidamente anolados

com explicaçi">es de pé de púgina, para escapar à imputação de tratar

fatos e documentos com demasiado desdém. O dever do historiador derespeitar seus fatos não termina ao verificar a exatidào deles. Ele deve

p.rocurar focalizar todos os fatos conhecidos, ou que possam ser conhe-

CIdos, e que tenha.m alguma importância para o tema em que está em·

penh~do e pa.ra ~ IJ1terpretaçào a que se propôs. Se ele procura descre·ver o Ingles vltorJano como um ser moral e racional, não deve esquecer

o ~ue .ac~nteceu em Stalybridge Wakes em 1850. Mas isto, por sua vez,

n~o slgnl~c~ ~ue ele poss~ ehminar a interpretação. que é o sangueVIVO da h!stofla. Alguns leIgos - quero dizer, amigos não acadêmicosou amigos de outras disciplinas acadêmicas - perguntam:me às vezes

d.e ~ue f~rrna o historiador trabalha quando escreve história. A supo-slçao maIs comum parece ser a de que o historiador divide seu traba-

lho em duas fases ou períodos rigidamente distintos. Primeiramente

ele leva muito tempo lendo suas fontes e enchendo seus cadernos de'

anotações com fatos. Depois então, quando esta fase está acabada, ele

deIxa de l:Jdo sl~as fontes. pega seu caderno de anotações e escre\'e seu

livro do principio ao fim. Este quadro nào me é convincente nem

plauslvel. Qua.nt? a mim. tão logo t:rmino com algumas das fontes que

conSidero maIs Importantes. o desejO se torna forte demais e eu come-ço a escrev~r - nli? necess~riamente d? início, mas a partir de qualquerponto. l?al em diante. leitura e escrita continuam simultaneamente.Nu medida elO que vou lendo, faço acrbcimol 11 leitura. ou subira·

Page 11: Carr, O Historiador e Seus Fatos

çõcs, rcfonnulo ou cancelo. A leitura é guiada, dirigida c tomada pr0-veitosa pela csaita: quanto mais escrevo, mais sci o que cstou procu--rando, compreendo melhor o sentido e a relevância daquilo que des-cubro. Alguns historiadores provavelmente fazem todo este trabalhopreliminar de escrita mentalmente, sem usar caneta, papd ou máquinade escrever, da mesma maneira como algwnas pessoas jogam xadrez"de cabeça", sem recorrer a tabuleiro e a outro enxadrista: este é umtalento que invejo mas não posso imitar. Entretanto, estou convencidode que, para qualquer historiador digno do nome, os dois processosque os economistas chamam de inpul e output desenrolam-se simulta-neamente e são, na prática, partes de um processo único. Se você tentasepará-Ios ou dar a um prioridade sobre o outro, cairá numa das se-guintes heresias: ou escreve história do tipo tesoura e cola, sem signifi-c.ido ou expressão, ou escreve propaganda ou fio;ào histórica, usandoos fatos do passado como meros enfeites de um tipo de relato que nada

t~1l1 a ver .:om a história.:\0 C\,II11iILlrl11llSa relação do hislllfiiHlor ':0111os falos da histó-

ria, cncolllral11o-no~, portanto, numa situação aparcnlcll1~nlc precá-ria, navegando cuidadosamente entre Si Ia. de um lado, uma insusten-lávd teoria da história como sendo uma compilação objetiva de fa-toS, do inqualificável primado. do fato lobre a interpretação e, de ou-tro lado. Caribde. uma igualmente insustentável teoria da históriaCLlmo um produto subjetivo da mente do historiador, que estabelece osfatos da história e domina-os através do processo de interpretaçào, en-tre uma visão da história cujo ceOlro de gruvidnde é o pl15511do,e ou-tra, cujo eixo gira em tomo do presente-o Mas nossa situação é menospreçária do que parece. Encontraremos a mesma dicot<lmia entre fatoc interpretação mais adiante, sob outras formas - a particular e a ge-ral. a empírica e a teórica, a objetiva e a subjetiva. O dilema do histo-riador é um re11l;)(0da natureza do homem. O homem, salvo nos pri-meiros anos da infância e nos últimos da velhice, não é totalmente en-volvido pelo seu meio ou incondicionalmente sUJcito a ele. Por oulrolado, elc nunca é totalmente independente dele nem o domina incondi-cionalmente. A relação do homem com seu meio é a relaçào do histo-riador com seu lema. O historiador não é um eSl.:raVOhumilde nem umSl.:llhor lirànico de seus falos. A relal,:ão entre o hislorlador e Sl.:USfatosé de igualdade e de reciprocidade. Como qualquer hislorial!llr ativosabe. se de pára para avaliar o que está fazendo enquanto pensa e escre·ve, o historiador entra num processo continuo de moldar seus fatos~egul1t1o sua interpretação e sua interpretação ~cgundo seus falos. Éimpllssívd delermlnar a primazia de um sobre o outro.

O hlsloriador comel,:a COIl1 uma seleção provl~órla de I.dos e umalI11erprel.lção também proviSÓria. a partir da qual a seleção (lli feita -

~nlo pelos.outros quanto por ete mesmo. Enquanto lrahalha tanto aIOterpre~açao c a sekção9uanto a ordenação de fatos passam 'por mu-danças sutiS e talvez parCIalmente inconscientes. através da açào reci-proc~ de uma ou da outra. Essa ação mútua também envolve a ~eci-procldadc ent:e presente c passado, uma vez que o historiador faz par-te do pr.e~ente e os fatos pertencem ao passado. O historiador e os fa-tos h~slOr~cos s.ão ne~e.ss~r!os um ao outro. O historiador sem seus fa-tos nao tem raizes e e lIlutd; ~s fatos sem seu hisloriador são mortos e~em S~g~I,~~ado. Portanto, ml~h~ primeira resposta à pt:rgunta "Quee .hlstOrl,l. e que da se constitUI de um processo contínuo de intera-çao enlre o historiador e seus fatos, um diálogo interminável enlre opresente e o passado.

• N K I "tle SiI .• ' l .•"olhe Uc'pe""Jmenle. reufe c 1111011o,j " du nllc.to de Mes"nJ).

I c . eslJr entre dois perigos ou C1cap~r de um mal r~r. cllr em outrO maior.