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Carne 'invitro' mais perto das nossas mesas Empresas querem que carne produzida em laboratório chegue aos consumidores em 2020 P2O

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Page 1: Carne 'invitro' mais perto das nossas mesas...Um estudo da Univer-sidade de Oxford divulgado em fe-vereiro, por exemplo, conclui que o contributo da carne "in vitro" para desacelerar

Carne 'invitro'mais perto dasnossas mesas

Empresas querem quecarne produzida emlaboratório chegue aosconsumidores em 2020 P2O

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CARN.E DELABORATÓRIO IVL

PERTO DO PRAT\ISO

CONSUMO

INVESTIGAÇÃO

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Empresas que produzem carne "in vitro"querem chegar aos consumidores já no próximo ano

Textos CRISTINA BERNARDO SILVA Infografia JAIME FIGUEIREDO

h inston ChurchillBB U anteviu, em 1931.

B^B ¦ que dali a meio sé-

B^k By culo poderíamos¦¦ B| "evitar o absurdode criar uma gali-

BBf nha inteira paraBB comer o peito ouBa BY as asas, produzin-

do estas partes isoladamente, nummeio de cultura adequado". Acertoucerca de quatro décadas ao lado, masem cheio no conceito. Se dependesseapenas da vontade das dezenas de

startups na corrida a produção decarne em laboratório, feita a partirde células-tronco de vacas, galinhas,porcos e até peixes (ver infografia), irao supermercado e comprar um ham-búrguer que não implicou o abate deum animal seria uma realidade den-tro de dois ou três anos. O provérbiosegundo o qual não há carne sem ossoestá a cair em desuso.

Mas esta possibilidade não dependeapenas das empresas. A última pala-vra cabe às agências reguladoras, queterão de garantir a segurança paraa saúde humana e classificar o novoproduto. Além disso, falta desenvol-ver tecnologia para uma produção de

larga escala a preços acessíveis.A empresa holandesa Mosa Meat,

spin-off da Universidade de Maas-tricht, angariou 7,5 milhões de euros

de investidores como a farmacêuticaalemã Merck e foi aprimeira a produ-zir um hambúrguer a partir de célulasde carne de vaca criadas em laborató-rio. O cientista por trás do feito, MarkPost, apresentou o produto, com umcusto de produção de 250 mil euros,em 2013. Desde então, foram muitosos avanços científicos e tecnológicos,e há cada vez mais empresas e inves-tidores a apostar na chamada carne"limpa", "in vitro" ou "celular".

Beckie Calder-Flynn, coordenadorade operações da Mosa Meat, garanteao Expresso que a empresa prevêfazer chegar o seu produto aos con-sumidores já em 2021. "Estamos atrabalhar na engenharia dos nossos

equipamentos para produzir em largaescala e estamos a fazer os ajustescientíficos finais na preparação danossa carne", refere, acrescentandoque "quanto maior for a escala menorserá o custo" para os consumidores.A empresa prevê, aliás, que a comer-cialização irá baixar o preço de umhambúrguer para €9, valor que, aindana próxima década, passará a rondar€l. Mas ainda será necessário "passarpelo processo regulamentar da UniãoEuropeia (UE)". Se houver atrasos,a Mosa Meat admite ter de adiar acomercialização para 2022.

Também a norte-americana Justespera "estar em alguns restaurantesem 2020 e em supermercados commaior distribuição a partir de 2023".Vítor Espírito Santo, um português de

35 anos, é o diretor do departamentode Agricultura Celular da empresa erevela que o frango já está pronto aser comercializado em pequena esca-la. Já a carne de vaca estará pronta nopróximo ano.

Mas as previsões das empresas po-dem ser demasiado otimistas. Fonteoficial do Ministério da Agriculturaportuguês afirma que o processo deavaliação científica de novos produ-tos "é bastante moroso, pelo que se

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prevê que nos próximos 15 anos nãoseja possível utilizar estas substânci-as como géneros alimentícios". Pelomenos na UE.

50,6%dos portugueses estão

disponíveis para reduzir o

consumo de carne convencionale 46,6% estão dispostos a pagarmais por carne proveniente demétodos de produção maissustentável, segundo o II GrandeInquérito da Sustentabilidade,do Instituto de Ciências Sociaisda Universidade de Lisboa

60mil milhões de animaissão abatidos todos os anos

para consumo. Este númeroestá a aumentar, principalmentedevido às melhores condiçõesde vida dos paísesemergentes da Ásia

CARNE OU OUTRA COISA?

Uma das muitas questões a tratar é ada designação. "Do ponto de vista da

nutrição tenho algumas dúvidas quese possa chamar carne, uma vez quea origem é diferente. Para o músculose transformar em carne há um con-junto de transformações que só sedão com a morte do animal", diz Ma-nuel António Coimbra, bioquímico edocente da Universidade de Aveiro.Ainda assim, depois de se aprimoraro produto, ninguém saberá se é delaboratório ou não, garante. "Já te-mos manipulação de células a muitosníveis. Por exemplo, nos iogurtes,que têm muito trabalho de biotec-nologia por trás." O investigadornão antevê qualquer problema de

segurança alimentar. "O abate dosanimais vai pertencer ao passado,embora vá demorar alguns anos atése generalizar", acredita.

Duarte Torres, professor na Fa-culdade de Ciências da Nutrição e

Alimentação da Universidade doPorto, está convencido de que "emtermos nutricionais, esta carne po-derá mimetizar a carne tradicional,adicionando ao tecido gordura evários outros nutrientes, como oferro".

Já o Ministério da Agriculturanão tem dúvidas: "Em Portugal,não existe legislação em vigor" eo produto que se obtiver, "caso ve-nha alguma vez a ser lançado nomercado", não poderá ser designa-do "carne". Isto porque, na UniãoEuropeia, o termo "está reservadopara tecidos edíveis obtidos porabate de espécies pecuárias aptaspara consumo".

Duarte Torres acrescenta que oscustos energéticos da produçãodesta carne são muito maiores do

que os associados aos derivadosproteicos de base vegetal. "O queme parece mais razoável, do pontode vista nutricional e da sustentabi-lidade, é um maior aproveitamentodas proteínas de origem vegetal."

O presidente da Associação Por-tuguesa Vegetariana, Nuno Alvim,cita um estudo do ano passado querevelou que dois terços dos ameri-canos estão dispostos a experimen-tar carne produzida em laboratórioe 40% pagariam mais por ela, sobre-tudo quando são realçados benefíci-os em comparação com a carne deanimais abatidos. "Nomeadamente,a menor pegada ecológica, o factode não implicar o uso de antibió-ticos ou tratamentos hormonais,e também, é claro, de poupar osanimais à matança desnecessária."

Para os apreciadores de carne, é

mais uma opção em cima da mesa,livre do sentimento de culpa queimpede muitas pessoas de pensa-rem sobre como é que o hambúr-guer lhes chegou ao prato. Inde-pendentemente das preferências,a carne de laboratório carrega con-sigo a promessa de romper com aligação milenar entre a alimenta-ção humana e o abate de animaise, com isso, de acabar com uma

das indústrias mais poluentes domundo. Num planeta em que apopulação não para de crescer, oconsumo de carne também não dásinais de abrandar. Há cinco anos,a Organização das Nações Unidaspara a Alimentação e a Agriculturapreviu um aumento de 70% do con-sumo entre 2011 e 2050, sendo quea indústria da carne é responsávelpor 14,5% dos gases com efeito deestufa.

Mas a ideia de que a produção decarne de laboratório se traduz embenefícios para o ambiente não é

consensual. Um estudo da Univer-sidade de Oxford divulgado em fe-vereiro, por exemplo, conclui queo contributo da carne "in vitro"para desacelerar o aquecimentoglobal depende de uma verdadeirarevolução energética, uma vez quea produção em grande escala pode-rá ter, a longo prazo, um impactonegativo ainda maior do que o dapecuária.

A presidente da Associação de En-genharia Zootécnica, Ana Sofia San-tos, reconhece que a produção destacarne "será uma inevitabilidade alongo prazo", mas ressalva que nun-ca passará de um nicho de mercado."A produção de carne sintética ser-virá maioritariamente para ser pro-cessada sob a forma de hambúrgue-res, salsichas e outros processados.Produtos como costeleta, 't-bone',presunto, borrego ou cabrito serãoimpossíveis de reproduzir", garan-te. Esta é, aliás, uma das limitaçõesatuais da carne de laboratório, umavez que criar um tecido com toda acomplexidade e textura de um bifenão é ainda possível.

A engenheira questiona igualmen-te o argumento da sustentabilidadeda produção da carne sintética do

ponto de vista ambiental: "Será sus-tentável usar combustíveis fósseis e

água para produzir artificialmentealgo que a natureza faz com elevadaeficiência?" E deixa um aviso: a ha-ver um futuro sem pecuária, o custode manter animais sem qualquerfunção seria incomportável.

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toneladas de carne de vacade laboratório é quanto umaúnica amostra de células é capazde gerar. Segundo a Mosa Meat,150 vacas dadoras seriamsuficientes para satisfazer asnecessidades mundiais de carne

[email protected]

COMO SE CRIACARNE "IN VITRO"

I O primeiro passo consiste em retirar

algumas células, geralmente do músculo

do animal, através de uma biópsia e sob

anestesia. Estas células são as células-

tronco do músculo, capazes de se

diferenciar e unir, formando novas fibras

9fe A seguir, esse

pequeno volume

de células vivas

é cultivado em

laboratório,

numasoluçãode nutrientes —

que contém, porexemplo, proteínas,vitaminas, minerais

e açúcares

qU As células são

então transferidas

para um biorreator

para que se

multipliquemrapidamente como

se estivessem no

interior do animal

A~ Obtêm-se, assim, milhares de

milhões de células que formammiotubos (pequenas fibras do músculo)na origem do tecido muscular, que é

por fim, e usualmente, transformado

em carne picada

QUATRO PERGUNTAS A

Vítor Espírito Santo

Diretor do departamentode Agricultura Celular da Just

? Está a desenvolver carne com cé-lulas de que animais e que tipo decarnes estão numa fase de desenvol-vimento mais avançada?? Frango, vaca, porco, pato e peru. Na

Just, o frango e a vaca estão nas fases

mais avançadas. O frango está pronto aser comercializado em pequena escala,

dependente de aprovação por partedas agências reguladoras, e a carne de

vaca estará pronta em 2020. As queprovei mais foram o frango e a vaca.O sabor umami típico da carne estámuito presente e, quando cozinhada,a carne comporta-se e cheira de modosemelhante. O sabor está lá.

? Um dos aspetos negativos apon-tados à produção de carne em labo-ratório é o uso de soro fetal bovino,

que além de ser muito caro implicao abate de animais, e de antibióticos.A Just recorre a este tipo de soro e aantibióticos?? Temos meio de cultura sem sorobovino. Foi um dos nossos maiores ob-

jetivos desde o início do projeto e jáestamos a produzir em escala sem soro.Também não utilizamos antibióticos.Temos conseguido evitar essa utiliza-

ção através de técnicas de cultura deboas práticas de fabrico, normalmen-

te aplicadas em processos de culturade produtos biofarmacêuticos, isto é,

operadores altamente formados, com

equipamento de proteção e manusea-mento assético das culturas.

? Quando surgem imagens da car-ne produzida em laboratório, vemosquase sempre carne picada. Já é pos-sível desenvolver carne com o aspetode um bife ou ainda estamos muitolonge disso?? Temos feito avanços muito interes-santes nos últimos meses. Ainda estasemana provei o nosso peito de frango,que já apresenta uma textura e tridi-mensionalidade muito próxima à dacarne convencional. Mas é verdade quenesta fase é mais fácil e escalável produ-zir carne picada.

? No site da Just pode ler-se que a

empresa pretende fazer uma primei-ra venda comercial até ao final desteano. Essa venda já foi feita?

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? Ainda não porque depende da apro-vação das agências reguladoras. Esta-mos muito avançados na discussão com

agências asiáticas, há mais de um ano,e temos vários dados consistentes devários lotes de produção, sob o ponto de

vista de qualidade, segurança alimentare valor nutritivo. No entanto, trata-sede uma tecnologia nova e, por isso,estamos a garantir que todos os passossão dados de forma segura. Temos a

expectativa de que o lançamento acon-

teça no início de 2020.

Os hambúrgueres semcarne que "sangram"

À base de soja e comconcentrado de sumode beterraba a simular sangue,os hambúrgueres vegetaisjá chegaram ao negócioda fastfood

Os hambúrgueres de origem vegetalque parecem carne, sabem a carne eaté "sangram" quando são cozinha-dos estão a conquistar os consumi-dores e também já são vendidos emPortugal em alguns restaurantes,cadeias de fastfood e hipermerca-dos. São mais uma alternativa à car-ne bovina tradicional e, tal como aversão de laboratório, não existiriasem uma grande ajuda da ciência eda tecnologia.

A Burger King começou, no mêspassado, a vender o Rebel Whop-per, um hambúrguer à base de soja,depois do sucesso que obteve nosEstados Unidos com o ImpossibleWhopper, produzido pela empresanorte-americana Impossible Foods.A versão europeia, que teve a sua es-treia em 2400 restaurantes, é forne-cida por outra empresa, pela holan-desa The Vegetarian Butcher, uma

vez que o hambúrguer da ImpossibleFoods não foi aprovado pela UniãoEuropeia por conter ingredientesgeneticamente modificados.

Os fabricantes Beyond Meat e Im-possible Foods foram os primeiros achegar ao mercado e, ao imitar a tex-tura e o sabor da carne, redefiniramo hambúrguer vegetariano. Ambasestão a competir para colocar osseus produtos nas cadeias áefastfood e disponibilizá-los diretamen-te aos consumidores nas pratelei-

ras dos supermercados, enquantotentam dar resposta a uma procuracada vez maior.

Entre os ingredientes destes pro-dutos vegan encontra-se, geralmen-te, o concentrado de sumo de be-terraba, que dá a ilusão do sanguequando são cozinhados e um aspetomais suculento.

OMELETAS SEM OVOS

Mas não é só a carne que está a sersubstituída pela versão vegetal — asomeletas sem ovos também já che-

garam ao mercado. Além da carnede laboratório, a empresa norte--americana Just apostou numa al-ternativa aos ovos criada a partir de

plantas (o Just Egg).Graças à proliferação da mensa-

gem da sustentabilidade ambiental,estas empresas vão ganhando terre-no e as opções vegetarianas deixamde ser remetidas para um canto domenu nas cadeias de fastfood. Nos

países ocidentais, e em apenas umano, passaram de parente pobre aestrela da companhia, atraindo umnúmero cada vez maior de consu-midores preocupados com o clima.