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    Estado, Polticas Sociaise Implementao do SUAS

    Maria Carmelita Yazbek*

    Introduo

    Este texto tem como objetivo contribuir para a compreenso do processo deconstituio e desenvolvimento das Polticas Sociais na sociedade capitalistacontempornea, particularizando, o caso brasileiro e as polticas de naturezasocioassistencial, que, impulsionadas pela Constituio de 1988 vm alcanan-do centralidade na agenda social do pas.Entendemos que, um processo de qualificao e aprimoramento de tc-nicos e gestores da rea de Assistncia Social exige que esta poltica sejaapreendida em um contexto mais abrangente, como uma das polticassociais do Estado Moderno.

    A compreenso da Assistncia Social como rea de Poltica de Estado coloca odesao de conceb-la em interao com o conjunto das polticas sociais e comas caractersticas do Estado Social que as opera. Assim, um primeiro eixo deanlise a ser desenvolvido, refere-se ao enquadramento desta Poltica Social nacontemporaneidade, enquanto poltica pblica de responsabilidade estatal.

    Nesta perspectiva a anlise da Poltica Social associa-se busca de elucidaoda natureza e papel do Estado, tomado como instncia onde se projeta (pres-

    siona e pressionada por formas e intensidades diferenciadas) a complexidadede interesses societais, com influncia nos compromissos de polticas pblicasconguradas em cada conjuntura. Desse modo, Estado e Poltica Social so,pois tomados como campos cuja dinmica e interrelao compem um pilaranaltico de referncia. (Rodrigues, F.1999:15-16)

    Estudar a Assistncia Social na realidade brasileira, a partir desta referncia,supe desvelar suas particulares relaes com o campo da proviso social es-tatal, inscrevendo-a no contexto mais amplo do desenvolvimento da Poltica

    * Professora no programa de estudos ps-graduados em Servio Social na PUC-SP.

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    Social no Estado brasileiro, em seu movimento histrico e poltico. A aborda-gem histrica reveladora da interao de um conjunto muito rico de deter-minaes econmicas, polticas e culturais (Behring e Boschetti, 2006:25) que

    vem permeando o desempenho da Poltica Social no pas nas ltimas dcadas.

    Nesta abordagem, no podemos deixar de observar em primeiro lugar, que oEstado brasileiro, como outros na Amrica Latina, se construiu como um im-portante aliado da burguesia, atendendo lgica de expanso do capitalismo enesse sentido, as emergentes Polticas Sociais no pas, devem ser apreendidasno movimento geral e nas conguraes particulares desse Estado. Nesta pers-pectiva, o que pode ser constatado que a Poltica Social estatal surge a partir derelaes sociais, que peculiarizaram a sociedade brasileira nos anos 30 do sculopassado, representando uma estratgia de gesto social da fora de trabalho.

    Nas dcadas seguintes, as intervenes do Estado mantiveram essa caracters-tica, modicando-se casusticamente, em face da correlao das foras sociais,em diferentes conjunturas. (cf. Vieira, 1983)

    Em seu percurso histrico a Poltica Social brasileira vai encontrar na Consti-tuio de 1988 uma inovao: a denio de um sistema de Seguridade Socialpara o pas, colocando-se como desao a construo de uma Seguridade So-cial universal, solidria, democrtica e sob a primazia da responsabilidade do

    Estado. A Seguridade Social brasileira por denio constitucional integradapelas polticas de Sade, Previdncia Social e Assistncia Social e supe que oscidados tenham acesso a um conjunto de certezas e seguranas que cubram,reduzam ou previnam situaes de risco e de vulnerabilidades sociais.Para a Assistncia Social, com esta incluso no mbito da Seguridade Socialtem incio a construo de um tempo novo. Como poltica social pblica, co-mea seu percurso para o campo dos direitos, da universalizao dos acessose da responsabilidade estatal.

    Cabe lembrar que a Assistncia Social, como poltica de Proteo Social1, in-serida na Seguridade Social, vem avanando muitssimo no pas, ao longo dosltimos anos, nos quais foram e vem sendo, construdos mecanismos viabi-lizadores da construo de direitos sociais da populao usuria dessa Pol-tica, conjunto em que se destacam a Poltica Nacional de Assistncia Social- PNAS e o Sistema nico de Assistncia Social - SUAS.

    1. O conceito de Proteo Social envolve formas mais ou menos institucionalizadas que as sociedades cons-

    tituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. (Di Giovanni, 1998:10) contra riscos inerentes vida humana e/ou assistir necessidades geradas em diferentes momentos histricos e relacionadas com ml-tiplas situaes de dependncia (Viana e Levcovitz, 2005: 17) , portanto, um conceito amplo que supe ocompartilhamento de situaes de risco e solidariedade social e nesse sentido pode ser desenvolvida por umapluralidade de atores pblicos e privados.

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    Este conjunto, sem dvida, vem criando uma nova arquitetura institucional etico-poltica para a Assistncia Social brasileira. A partir dessa arquitetura edas mediaes que a tecem podemos efetivamente, realizar, na esfera pblica,direitos concernentes Assistncia Social.

    No podemos, no entanto, esquecer que, por sua vinculao histrica como trabalho lantrpico, voluntrio e solidrio a Assistncia Social brasileiracarrega uma pesada herana assistencialista que se consubstanciou a partir damatriz do favor, do apadrinhamento, do clientelismo e do mando, formasenraizadas na cultura poltica do pas, sobretudo no trato com as classes su-balternas. (Yazbek, 2007, 6 ed.)

    Isso signica que, apesar dos inegveis avanos, permanecem na Assistn-

    cia Social brasileira, concepes e prticas assistencialistas, clientelistas, pri-meiro damistas e patrimonialistas. Dcadas de clientelismo consolidaram nestepas uma cultura tuteladora que no tem favorecido o protagonismo nem aemancipao dos usurios das Polticas Sociais e especialmente da AssistnciaSocial aos mais pobres em nossa sociedade.

    Este texto est organizado em trs partes:

    Em uma primeira parte desenvolve uma reflexo histrico conceitual sobre a

    relao Estado / Polticas Sociais, destacando a emergncia do Estado de Bem

    Estar Social e a trajetria das Polticas Sociais no Brasil.

    Em sua segunda parte apresenta a Poltica de Assistncia Social em seu movi-

    mento de constituio como poltica pblica.

    Finalizando o texto apresenta-se o SUAS retomando seus antecedentes hist-

    ricos, seus principais conceitos e bases organizativas: a) a matricialidade sciofamiliar; b) seu processo de descentralizao poltico-administrativa e a di-

    menso da territorializao; c) a questo do nanciamento partilhado entre

    os entes federados;d) o fortalecimento da relao democrtica entre estado

    e sociedade civil; e) a valorizao da presena do controle social; f) a quali-

    cao dos recursos humanos e g) a informao, monitoramento, avaliao e

    sistematizao de resultados.

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    1. Estado e Polticas Sociais:uma aproximao conceitual

    Estudos sobre as polticas sociais, particularmente na periferia capitalista (Behringe Boschetti, 2006; Sposati, 1988; Vieira, 1983 e 2004;) apontam que elas so estru-

    turalmente condicionadas pelas caractersticas polticas e econmicas do Estado e

    de um modo geral, as teorias explicativas sobre a poltica social no dissociam em

    sua anlise a forma como se constitui a sociedade capitalista e os conflitos e con-

    tradies que decorrem do processo de acumulao, nem as formas pelas quais as

    sociedades organizaram respostas para enfrentar as questes geradas pelas desi-

    gualdades sociais, econmicas, culturais e polticas. (Chiachio: 2006:13)

    Nesta perspectiva a Poltica Social ser abordada como modalidade de interven-

    o do Estado no mbito do atendimento das necessidades sociais bsicas dos

    cidados, respondendo a interesses diversos, ou seja, a Poltica Social expressa

    relaes, conflitos e contradies que resultam da desigualdade estrutural do

    capitalismo. Interesses que no so neutros ou igualitrios e que reproduzem

    desigual e contraditoriamente relaes sociais, na medida em que o Estado no

    pode ser autonomizado em relao sociedade e as polticas sociais so inter-

    venes condicionadas pelo contexto histrico em que emergem.

    O papel do Estado s pode ser objeto de anlise se referido a uma sociedade

    concreta e dinmica contraditria das relaes entre as classes sociais nessa so-

    ciedade. nesse sentido que o Estado concebido como uma relao de foras,

    como uma arena de conflitos. Relao assimtrica e desigual que interfere tanto

    na viabilizao da acumulao, como na reproduo social das classes subalter-nas. Na sociedade capitalista o Estado perpassado pelas contradies do sis-

    tema e assim sendo, objetivado em instituies, com suas polticas, programas e

    projetos, apia e organiza a reproduo das relaes sociais, assumindo o papel

    de regulador e ador dessas relaes. A forma de organizao desse Estado e

    suas caractersticas tero pois, um papel determinante na emergncia e expanso

    da proviso estatal face aos interesses dos membros de uma sociedade.

    Desse modo, as polticas sociais pblicas s podem ser pensadas politicamen-

    te, sempre referidas a relaes sociais concretas e como parte das respostas

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    que o Estado oferece s expresses da questo social, situando-se no confronto

    de interesses de grupos e classes sociais.

    Ao colocar a questo social como referncia para o desenvolvimento das po-lticas sociais, estou colocando em questo a disputa pela riqueza socialmente

    construda em nossa sociedade. Questo que se reformula e se redene, mas

    permanece substantivamente a mesma por se tratar de uma questo estrutural

    que no se resolve numa formao econmico social por natureza excluden-

    te (Yazbek, 2001:33)

    A questo socialse expressa pelo conjunto de desigualdades sociais engendradas

    pelas relaes sociais constitutivas do capitalismo contemporneo. Sua gnese

    pode ser situada na segunda metade do sculo XIX quando os trabalhadores

    reagem explorao de seu trabalho. Como sabemos, no incio da Revoluo

    Industrial, especialmente na Inglaterra, mas tambm na Frana vai ocorrer uma

    pauperizao massiva desses primeiros trabalhadores das concentraes indus-

    triais. A expresso questo social surge ento, na Europa Ocidental na terceira

    dcada do sculo XIX (1830) para dar conta de um fenmeno que resultava dos

    primrdios da industrializao: tratava-se do fenmeno do pauperismo2.

    Sem dvida, o empobrecimento desse primeiro proletariado, constitudo por

    uma populao flutuante, miservel, cortada de seus vnculos rurais vai ser

    uma caracterstica imediata do iniciante processo de industrializao. Como

    observa Bresciani (1982:25-37) sobre a Inglaterra de meados do sculo XIX:

    As pssimas condies de moradia e a superpopulao so duas anotaes

    constantes sobre os bairros operrios londrinos... a instabilidade do mercadode trabalho acentua a extrema explorao do trabalhador e fora-o a residir no

    centro da cidade, prximo aos lugares onde sua busca de emprego ocasional

    se faz possvel a cada manh. Nessas reas, a superpopulao acelera e piora

    as condies sanitrias das moradias.

    2. Castel assinala alguns autores como E. Burete e A.Villeneuve-Bargemont que a utilizam.

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    Obviamente, esse primeiro proletariado vai aos poucos se organizando como

    classe, como movimento operrio, com suas lutas, e alcanando melhores con-

    dies de trabalho e proteo social. Nesse sentido, a questo social expresso do

    processo de formao e desenvolvimento da classe operria e de seu ingressono cenrio poltico da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por

    parte do empresariado e do Estado. (Iamamoto, 1995:77 10 ed.)

    Atravs de seu protagonismo e ao organizada, os trabalhadores e suas fa-

    mlias ascendem esfera pblica, colocando suas reivindicaes na agenda

    das prioridades polticas. As desigualdades sociais no apenas so reconheci-

    das, como reclamam a interveno dos poderes polticos na regulao pblica

    das condies de vida e trabalho da classe trabalhadora. O Estado envolve-se

    progressivamente, numa abordagem pblica da questo, criando novos meca-

    nismos de interveno nas relaes sociais como legislaes laborais, e outros

    esquemas de proteo social. Estes mecanismos so institucionalizados no

    mbito da ao do Estado como complementares ao mercado, congurando

    a Poltica Social nas sociedades industrializadas e de democracia liberal.

    Robert Castel (2000) vai armar que a partir desse reconhecimento, que seconstitui a moderna Seguridade Social, obviamente, em longo processo, que

    vai do predomnio do pensamento liberal e da consolidao da sociedade sa-

    larial (meados do sculo XIX, at a 3 dcada do sculo XX) s perspectivas

    keynesianas e social democratas que propem um Estado intervencionista no

    campo social e econmico.

    Do ponto de vista histrico a questo social vincula-se estreitamente questoda explorao do trabalho... organizao e mobilizao da classe trabalhadora

    na luta pela apropriao da riqueza social. A industrializao, violenta e crescen-

    te, engendrou importantes ncleos de populao no s instvel e em situao

    de pobreza , mas tambm miservel do ponto de vista material e moral... dessa

    forma, vincula-se necessariamente ao aparecimento e desenvolvimento da clas-

    se operria e seu ingresso no mundo da poltica. (Pastorini: 2004:110)

    O que se quer destacar, que o capitalismo monopolista pelas suas dinmicas

    e contradies, cria condies tais que o Estado por ele capturado, ao buscar

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    legitimao poltica atravs do jogo democrtico, permevel a demandas das

    classes subalternas, que podem fazer incidir nele seus interesses e suas reivin-

    dicaes imediatas. (Netto, 2001: 29)

    Dessa forma, a Poltica Social Pblica permite aos cidados acessar recur-

    sos, bens e servios sociais necessrios, sob mltiplos aspectos e dimenses

    da vida: social, econmico, cultural, poltico, ambiental entre outros. nesse

    sentido que as polticas pblicas devem estar voltadas para a realizao de

    direitos, necessidades e potencialidades dos cidados de um Estado.

    Para Jaccoud (2008:3), as polticas sociais fazem parte de um conjunto de

    iniciativas pblicas, com o objetivo de realizar, fora da esfera privada, o acesso

    a bens, servios e renda. Seus objetivos so amplos e complexos, podendo

    organizar-se no apenas para a cobertura de riscossociais, mas tambm para a

    equalizao de oportunidades, o enfrentamento das situaes de destituio

    e pobreza, o combate s desigualdades sociais e a melhoria das condies

    sociais da populao.

    Ainda para a autora (2008:10) a abordagem das polticas sociais sob a tica dacidadania deve ter como referncia a construo de padres de igualdade nos

    quais os direitos constituem a medida da poltica. Nesse sentido, combater

    a pobreza e a desigualdade fora da referncia a direitos abrir espao para

    medidas de gesto da pobreza.

    Na mesma direo arma Fleury (1994) que sob a gide do conceito de cidada-

    nia, as polticas sociais desenvolvem planos, projetos e programas direcionados concretizao de direitos sociais reconhecidos em uma dada sociedade, como

    constitutivos da condio de cidadania, gerando uma pauta de direitos e deveres

    entre aqueles aos quais se atribui a condio de cidados e seu Estado.

    Vieira (2004) mostra ainda que as formas de governo e de organizao do

    Estado expressam nas suas polticas sociais, o reconhecimento de direitos, da

    cidadania e da justia. Arma: sem justia e sem direitos, a poltica social no

    passa de ao tcnica, de medida burocrtica, de mobilizao controlada ou

    de controle da poltica quando consegue traduzir-se nisto (2004:59). Com-

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    plementa: na realidade, no existe direito sem sua realizao. Do contrrio, os

    direitos e a poltica social continuaro presa da letra da lei irrealizada.

    1.1 Estado de Bem Estar Social e as Polticas Sociais

    No contexto de expanso da Poltica Social na sociedade moderna, cabe um

    especial destaque s experincias histricas que conguraram o denominado

    Estado de Bem Estar Social particularmente na Europa Ocidental.

    Nos anos recentes, de acordo com Silva, (2004) o Estado de Bem Estar Social vem

    sendo objeto de muitos estudos, sob diferentes aspectos como seus condicionan-

    tes histricos, seus fundamentos, suas caractersticas, sua capacidade de enfrentar a

    questo da desigualdade, constitutiva do capitalismo e suas contradies. Nas duas

    ltimas dcadas ampliou-se o debate e o acervo bibliogrco sobre essa temtica

    (com destaque para os ingleses e europeus de um modo geral), foram criadas tipo-

    logias sobre possveis modelos de EBES. E, nos anos mais recentes cresceram as

    indagaes sobre a compatibilidade entre BES e as relaes que se estabelecem entre

    Estado, sociedade e mercado nos novos marcos da acumulao capitalista.

    H consenso que o EBES dene-se, de modo geral, pela responsabilidade do

    Estado pelo bem estar de seus membros. Trata-se de manter um padro mnimo

    de vida para todos os cidados, como questo de direito social, atravs de um

    conjunto de servios provisionados pelo Estado, em dinheiro ou em espcie.

    Trata-se da interveno do Estado no processo de reproduo e distribuio da

    riqueza, para garantir o bem estar dos cidados. (Silva, 2004:56)

    No sculo XX, a partir da crise econmica de 1929, com a quebra da bolsa de

    New York, e seguindo as idias de Keynes, que defendeu uma maior interveno

    do Estado na regulao das relaes econmicas e sociais, ampliam-se as polticas

    sociais. Efetivamente, com os impactos sociais da crise econmica o governo

    norte americano, buscando evitar que a fome e a misria deteriorassem deniti-

    vamente a sociedade (Costa, 2006:56) inicia a experincia histrica de um Estado

    intervencionista que vai efetivar um pacto entre interesses do capital e dos traba-

    lhadores: o chamado consenso ps-guerra. Nesse sentido as polticas keynesianas

    buscam gerar pleno emprego, criar polticas e servios sociais tendo em vista a

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    criao de demanda e ampliao do mercado de consumo. Desse ponto de vista,

    Keynes lana o papel regulador do Estado que busca a modernizao da econo-

    mia, criando condies para seu desenvolvimento e pleno emprego. O Estado

    interventor propunha-se reduzir a irracionalidade da economia, tendo pois um pa-pel de administrador positivo do progresso. Neste percurso veio no s suscitar o

    investimento na solidariedade, tendo passado mesmo a ser responsvel por ela.

    Dessa forma, aps a 2 Guerra Mundial o Estado de Bem Estar Social conso-

    lida-se no continente europeu. O Plano Beveridge (1942) na Inglaterra serviu

    de base para o sistema de proteo social britnico e de vrios pases euro-

    peus. A referncia conceitual desse sistema foi a noo de Seguridade Social

    entendida como um conjunto de programas de proteo contra a doena, o

    desemprego, a morte do provedor da famlia, a velhice, a dependncia por

    algum tipo de decincia, os acidentes ou contingncias sociais.

    De modo geral, o Estado de Bem Estar Social pode ser caracterizado pela

    responsabilidade do Estado pelo bem estar de seus membros. Trata-se de

    manter um padro mnimo de vida para todos os cidados, como questo de

    direito social, atravs de um conjunto de servios provisionados pelo Estado,em dinheiro ou em espcie.

    Para Ian Gough (1982) o Estado de Bem Estar Social interfere na reproduo

    social da fora de trabalho, tanto do ponto de vista da prestao de servios

    sociais, como no mbito da legislao social, controlando a populao no

    ativa nas sociedades capitalistas.

    Para Mishra (1995) so os seguintes os princpios que estruturaram o Welfare State

    inspirado no Plano Berveridge: a) responsabilidade estatal na manuteno das con-

    dies de vida dos cidados por meio de aes em trs direes: elevado nvel de

    emprego, prestao de servios sociais universais como sade, educao, segurana

    social, habitao e um conjunto de servios pessoais; b) universalidade dos servios

    sociais, c) implantao de uma rede de segurana de servios de assistncia social.

    Esping Andersen (1991) apresenta trs tipos de Welfare State: liberal (EUA,

    Canad e Austrlia com polticas focalizadas - mnimas aos comprovadamente

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    pobres); conservador corporativista inspirado no modelo bismarkiano (Fran-

    a, Alemanha e Itlia) com direitos ligados ao statussocial; e o social demo-

    crata com polticas universais, com direitos estendidos classe mdia (pases

    escandinavos).

    Para Sonia Draibe (NEPP - UNICAMP) trata-se de sistemas nacionais pbli-

    cos, ou estatalmente regulados de educao, sade, previdncia social, integrao

    e substituio de renda, assistncia social e habitao, evolvendo tambm polticas

    de salrio e emprego e a organizao e produo de bens e servio coletivos.

    Um aspecto de consenso entre analistas diversos a ligao entre as Polticas

    de Bem Estar Social e a necessidade de gesto das contradies resultantes do

    prprio modo de desenvolvimento da sociedade capitalista. Nesse sentido, o

    Estado social corresponde a um tipo de estado adequado s determinaes

    econmicas no qual a Poltica Social corresponde ao reconhecimento de direi-

    tos sociais que so corretivos de uma estrutura de desigualdade.

    Nos anos 70 do sculo XX, surgem persistentes dvidas quanto viabilidade

    econmica do Estado de Bem Estar universalista, com influncia beveridgianae keynesiana.

    Isso porque a articulao: trabalho, direitos e proteo social que congurou os

    padres de regulao scio-estatal do Welfare State, passa por mudanas. So mu-

    danas que se explicam nos marcos de reestruturao do processo de acumulao

    do capital globalizado, que altera as relaes de trabalho, produz o desemprego e a

    eliminao de postos de trabalho. Essas mudanas vem sendo implementadas pormeio de uma reverso poltica conservadora, assentada no iderio neoliberal que

    erodiu as bases dos sistemas de proteo social e redirecionou as intervenes do

    Estado no mbito da produo e distribuio da riqueza social. Na interveno

    do Estado observa-se a prevalncia de polticas de insero focalizadas e seletivas

    para as populaes mais pobres (os invalidados pela conjuntura), em detrimento

    de polticas universalizadas para todos os cidados.

    O que se constata que h um denominador comum na maior parte das

    anlises sobre as mudanas no Estado de Bem Estar Social: o paradigma da

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    excluso passou a prevalecer sobre o da luta de classes e das desigualdades

    constitutivas do capitalismo; a nova realidade denida como ps-industrial,

    ps-trabalho, ps-moderna, etc. (Cf. Pastorini, 2004).

    importante ressaltar que sob a crise do Welfare Statese radica tambm a cri-

    se do pensamento igualitrio e democrtico (Schons, 1995:4). Crise resultante

    do renascimento dos ideais liberais, que se confronta com prticas igualitrias

    e que traz no seu bojo propostas reducionistas na esfera da Proteo Social.

    (Yazbek, 1995: 11)

    Apesar dessas mudanas, no pertinente armar que o Estado de Bem Estar

    Social, na maior parte do pases, tenha sido desmontado. O que se observa,

    sob a influncia do neoliberalismo, a emergncia de polticas sociais de

    nova gerao que tm como objetivo a eqidade. (Draibe, 1998)

    1.2 A Poltica Social no Brasil

    No caso brasileiro, podemos encontrar em 1923 com a Lei Eloi Chaves, uma

    legislao precursora de um sistema pblico de proteo social com as Caixasde Aposentadorias e Penses (CAPs).

    Mas, na primeira metade dos anos de 1930, que a questo socialse ins-

    creve no pensamento dominante como legtima, expressando o processo

    de formao e desenvolvimento da classe operria e de seu ingresso no

    cenrio poltico da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe

    por parte do empresariado e do Estado (Iamamoto, 1995; 77 10 ed.)Neste perodo, so criados os Institutos de Aposentadorias e Penses

    (IAPs) na lgica do seguro social e nesta dcada situamos a Consoli-

    dao das Leis do Trabalho (CLT), o Salrio Mnimo, a valorizao da

    sade do trabalhador e outras medidas de cunho social, embora com

    carter controlador e paternalista. Progressivamente, o Estado amplia

    sua abordagem pblica da questo, criando novos mecanismos de inter-

    veno nas relaes sociais como legislaes laborais, e outros esquemas

    de proteo social como atividades educacionais e servios sanitrios,

    entre outros.

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    Pela via da Poltica Social e de seus benefcios o Estado busca, portanto,

    manter a estabilidade, diminuindo desigualdades e garantindo direitos sociais,

    embora o pas no alcance a institucionalidade de um Estado de Bem Estar

    Social. Em sntese, o Estado brasileiro buscou administrar a questo socialde-senvolvendo polticas e agncias de poder estatal nos mais diversos setores da

    vida nacional, privilegiando a via do Seguro Social.

    No pas, aos poucos, com o desenvolvimento dos processos de urbanizao

    e industrializao e com a emergncia da classe operria e de suas reivindica-

    es e mobilizaes, que se expandem a partir dos anos 1930, nos espaos das

    cidades, a questo social passa a ser o fator impulsionador de medidas estatais

    de proteo ao trabalhador e sua famlia. Considerada legtima pelo Estado a

    questo socialcircunscreve um terreno de disputa pelos bens socialmente cons-

    trudos e est na base das primeiras polticas sociais no pas.

    A partir do Estado Novo3as polticas sociais se desenvolvem, de forma cres-

    cente como resposta s necessidades do processo de industrializao.

    A Constituio de 1937 vai criar uma dualizao entre ateno previdenci-ria para os trabalhadores formais, predominantemente os trabalhadores da

    indstria, que so transformados em sujeitos coletivos pelo sindicato e os

    informais que so enquadrados como pobres, dependentes das instituies

    sociais, dissolvidos em atenes individualizadas e no organizadas. (Mestri-

    ner, 2001:105).

    Assim, se para a emergente classe operria brasileira, as aes no campo daproteo social se redenem como parte de um pacto entre as classes so-

    ciais, para o trabalhador pobre, sem carteira assinada ou desempregado restam

    as obras sociaise lantrpicas que mantm-se responsveis pela assistncia e

    segregao dos mais pobres, com atendimento fragmentado por segmentos

    populacionais atendidos. O isolamento dos desajustados em espaos educa-

    tivos e corretivos constitua estratgia segura para a manuteno pacca da

    parte sadia da sociedade. (Adorno,1990:9). A proposta era de psicologizar

    as aes junto aos segmentos empobrecidos da sociedade, realizando a reforma

    3. Getlio Vargas - 1937-1945.

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    social e moral dos indivduos pobres. A ao lantrpica nesse perodo vai

    efetivar-se como reao questo socialsob a perspectiva da doutrina social

    da Igreja. (Cf. Yazbek, 2005).

    Do ponto de vista estatal, a ateno para esses segmentos vai basear-se numa

    lgica de benemerncia, dependente de critrios de mrito e caracterizada pela

    insucincia e precariedade moldando a cultura de que para os pobres qual-

    quer coisa basta. Dessa forma o Estado no apenas incentiva a benemerncia,

    mas passa a ser responsvel por ela, regulando-a atravs do Conselho Nacio-

    nal de Servio Social - CNSS (criado em 1938) mantendo a ateno aos pobres

    sem a denio de uma poltica e no acompanhando os ganhos trabalhistas e

    previdencirios, restritos a poucas categorias. (cf. Mestriner, 2001).

    Em 1942 o governo brasileiro criou a Legio Brasileira de Assistncia LBA,

    a primeira instituio de abrangncia nacional de Assistncia Social, para aten-

    der s famlias dos expedicionrios brasileiros.

    Terminada a guerra a LBA se volta para a Assistncia maternidade e infncia,

    iniciando a poltica de convnios com instituies sociais no mbito da lan-tropia e da benemerncia. Caracterizada por aes paternalistas e de prestao

    de auxlios emergenciais e paliativos misria vai interferir junto aos segmentos

    mais pobres da sociedade mobilizando a sociedade civil e o trabalho feminino.

    Essa modalidade de interveno est na raiz da relao simbitica que a emer-

    gente Assistncia Social brasileira vai estabelecer com a Filantropia e com a

    benemerncia (cf. Mestriner, 2001)4. O carter dessa relao nunca foi claro e a

    histrica inexistncia de fronteiras entre o pblico e o privado na constituioda sociedade brasileira vai compor a tessitura bsica dessa relao que continua-

    mente repe tradies clientelistas e assistencialistas seculares.

    Portanto, o que se observa que historicamente a ateno pobreza pela As-

    sistncia Social pblica vai se estruturando acoplada ao conjunto de iniciativas

    benemerentes e lantrpicas da sociedade civil.

    4. Para a autora Assistncia Social, Filantropia e Benemerncia tem sido tratadas no Brasil como irms siame-sas, substitutas umas da outras (Mestriner: 2001:14).

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    Com o tempo as velhas formas de socorrer os pobres gestadas na lantropia

    e na benemerncia evoluem (por exemplo na LBA), passando desde a arre-

    cadao de fundos para a manuteno de instituies carentes, auxlio econ-

    mico, amparo e apoio famlia, orientao maternal, campanhas de higiene,fornecimento de ltros, assistncia mdico odontolgica, manuteno de cre-

    ches e orfanatos, lactrios, concesso de instrumentos de trabalho etc at

    programas explicitamente anunciados como de combate pobreza. Assim,

    no mbito da Assistncia Social so desenvolvidas polticas para a infncia e

    para a adolescncia, para idosos, para necessitados e grupos vulnerveis.

    O pobre, trabalhador eventual e destitudo, o usurio dessas polticas pelas

    quais visto como indivduo necessitado, e muitas vezes como pessoa aco-

    modada, passiva em relao sua prpria condio, dependente de ajuda, no

    cidado enm. Sua gura desenhada em negativo. (Cf Telles, 1999)

    Nos anos 80 (a dcada perdida para a CEPAL) com a ampliao da de-

    sigualdade na distribuio de renda a pobreza vai se converter em tema

    central na agenda social, quer por sua crescente visibilidade, pois a d-

    cada deixou um aumento considervel do nmero absoluto de pobres,quer pelas presses de democratizao que caracterizaram a transio.

    Tratava-se de uma conjuntura econmica dramtica, dominada pela dis-

    tncia entre minorias abastadas e massas miserveis. Permanecem as an-

    tinomias entre pobreza e cidadania.

    sempre oportuno lembrar que, nos anos 90 a somatria de extorses que

    congurou um novo perl para a questo socialbrasileira, particularmente pela viada vulnerabilizao do trabalho, conviveu com a eroso do sistema pblico de

    proteo social, caracterizada por uma perspectiva de retrao dos investimen-

    tos pblicos no campo social, seu reordenamento e pela crescente subordinao

    das polticas sociais s polticas de ajuste da economia, com suas restries aos

    gastos pblicos e sua perspectiva privatizadora. (Cf. Yazbek, 2005).

    nesse contexto, e na contra mo das transformaes que ocorrem na

    ordem econmica internacional mundializada que o Brasil vai instituir consti-

    tucionalmente em 1988, seu sistema de Seguridade Social.

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    Na contra mo porque as transformaes estruturais do capitalismo contem-

    porneo, que atingem duramente o trabalho assalariado e as relaes de trabalho,

    alcanam os sistemas de proteo social e a poltica social, encolhendo as respon-

    sabilidades pblicas e valorizando as virtudes da regulao pelo mercado.

    Efetivamente, uma retomada analtica das polticas sociais brasileiras no nal

    do milnio, apesar da Constituio de 1988 revela sua direo compensatria

    e seletiva, centrada em situaes limites em termos de sobrevivncia e seu

    direcionamento aos mais pobres dos pobres, incapazes de competir no mer-

    cado. Nesse sentido as polticas acabam sendo o lugar do no direito e da no

    cidadania [] lugar a que o indivduo tem acesso, no por sua condio de

    cidadania, mas pela prova de que dela est excludo (Telles, 2001:95)

    Cabe lembrar, neste contexto, o grande crescimento do Terceiro Setor, recolo-

    cando em cena prticas lantrpicas e de benemerncia como expresso da

    transferncia sociedade de respostas s seqelas da questo social.

    O enfrentamento da desigualdade passa a ser tarefa da sociedade ou de uma

    ao estatal errtica e tmida, caracterizada pela defesa de alternativas priva-tistas, que envolvem a famlia, as organizaes sociais e a comunidade em

    geral. O iderio da sociedade solidria como base do setor privado e no

    mercantil de proviso social parece revelar a edicao de um sistema misto

    de proteo social que concilia iniciativas do Estado e do terceiro setor.

    Sabemos que a presena do setor privado na proviso social no uma novida-

    de na trajetria das polticas sociais brasileiras, bastando lembrar que a primeiraSanta Casa de Misericrdia foi criada em Santos (So Paulo) em 1543, dando

    incio presena do setor privado nesse campo. Assim, podemos armar que

    a lantropia no Brasil est enraizada em nossa histria trazendo em seu bojo o

    trabalho voluntrio. Mas, inegavelmente nos anos mais recentes esta presena,

    alm de se diversicar em relao s tradicionais prticas solidrias, vem assu-

    mindo uma posio de crescente relevncia na Proteo Social do pas.

    Em sntese, as transformaes societrias resultantes das mudanas nas relaes

    entre capital e trabalho, do avano do neoliberalismo enquanto paradigma poltico

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    e econmico globalizado vo trazer para o iniciante e incipiente campo da Seguri-

    dade Social brasileira profundos paradoxos. Pois, se de um lado o Estado brasileiro

    aponta constitucionalmente para o reconhecimento de direitos, por outro se insere

    num contexto de ajustamento a essa nova ordem capitalista internacional.

    A Constituio de 1988, em seu artigo 194, dene a Seguridade Social como um

    conjunto integrado de aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade,

    destinadas a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia

    social. Nesse sentido, a Seguridade emerge como um sistema de cobertura

    de diferentes contingncias sociais. No entanto, a legislao que regulamentou

    a Seguridade estabeleceu caminhos diversos e especcos para as reas que a

    constituem no pas, e dessa forma no garantiu a efetivao concreta de um

    sistema de Seguridade Social....Progressivamente, efetivou-se a segmentao das

    reas ... e do ponto de vista da estrutura administrativa, portanto, a seguridade

    no tem existncia formal. Pode-se tambm armar sua inexistncia formal do

    ponto de vista do nanciamento. (Vianna, 2005:92-93)

    No entanto, apesar da obscuridade a que foi relegada a Seguridade Social bra-

    sileira, sua concepo fundamenta, legitima e permite ampliar a proteo socialno pas. Isso porque sabemos que escapa s polticas sociais, s suas capacidades,

    desenhos e objetivos reverter nveis to elevados de desigualdade, como os en-

    contrados no Brasil, mas sabemos tambm que as polticas sociais respondem a

    necessidades e direitos concretos de seus usurios. Nesse sentido a constituio

    da Seguridade Social brasileira traz sem dvida inovaes no campo das Polti-

    cas Sociais Inclusivas particularmente para a Assistncia Social.

    2. A Assistncia Social Brasileirano mbito da Seguridade Social

    Com a Constituio de 1988, tem incio o processo de construo de uma

    nova matriz para a Assistncia Social brasileira. Includa no mbito da Segu-

    ridade Social e regulamentada pela Lei Orgnica da Assistncia Social Loas

    em dezembro de 1993, como poltica social pblica, a assistncia social iniciaseu trnsito para um campo novo: o campo dos direitos, da universalizao

    dos acessos e da responsabilidade estatal.

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    A insero na Seguridade aponta tambm para seu carter de poltica de Pro-

    teo Social articulada a outras polticas do campo social voltadas garantia

    de direitos e de condies dignas de vida. Desse modo, a assistncia social

    congura-se como possibilidade de reconhecimento pblico da legitimidadedas demandas de seus usurios, espao de seu protagonismo e exige que as

    provises assistenciais sejam prioritariamente pensadas no mbito das garan-

    tias de cidadania sob vigilncia do Estado, cabendo a este a universalizao

    da cobertura e garantia de direitos e de acesso para os servios, programas e

    projetos sob sua responsabilidade.

    A LOAS inova ao armar para a Assistncia Social seu carter de direito no

    contributivo, (independentemente de contribuio Seguridade e para alm

    dos interesses do mercado), ao apontar a necessria integrao entre o eco-

    nmico e o social e ao apresentar novo desenho institucional para a assistn-

    cia social. Como poltica de Estado passa a ser um espao para a defesa e

    ateno dos interesses e necessidades sociais dos segmentos mais empobre-

    cidos da sociedade, congurando-se tambm, como estratgia fundamental

    no combate pobreza, discriminao e subalternidade econmica, cul-

    tural e poltica em que vive grande parte da populao brasileira. Assim,cabe Assistncia Social aes, preveno e provimento de um conjunto de

    garantias ou seguranas que cubram, reduzam ou previnam excluses, riscos

    e vulnerabilidadessociais, (Sposati, 1995) bem como atendam s necessidades

    emergentes ou permanentes decorrentes de problemas pessoais ou sociais

    de seus usurios. (Cf. Yazbek, 2004).

    Sem dvida, uma mudana substantiva na concepo da assistncia social,um avano que permite sua passagem do assistencialismo e de sua tradi-

    o de no polticapara o campo da poltica pblica. Para a implementao

    dessa mudana fundamental, a Assistncia Social no pode ser pensada

    isoladamente, mas na relao com outras polticas sociais e em conformi-

    dade com seu marco legal no qual est garantida a descentralizao com

    a primazia do Estado, o comando nico em cada esfera governamental e

    a gesto compartilhada com a sociedade civil pelos Conselhos, Confern-

    cias e Fruns, em seu planejamento e controle. (Cf. Yazbek, 2005) Essas

    garantias se efetivam pela construo do que Mishra denomina de rede

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    de segurana da rede de Segurana, ou seja, um conjunto de programas,

    projetos, servios e benefcios voltados proteo social e ao atendimento

    de necessidades da populao usuria dessa poltica.

    Em geral caracterizada por sua heterogeneidade essa rede de segurana (cons-

    tituda pelos rgos governamentais e por entidades da sociedade civil) opera

    servios voltados ao atendimento de um vastssimo conjunto de necessidades

    particularmente dos segmentos mais vulnerveis da sociedade: atende fa-

    mlias, idosos, crianas, adolescentes e jovens, desempregados, portadores de

    decincia, migrantes, moradores de rua, portadores do HIV, dependentes

    de drogas, vitimas de violncia e outros. Arrecada e doa alimentos, alfabetiza

    adultos, protege testemunhas, defende direitos humanos e a cidadania, atende

    suicidas, adolescentes grvidas, rfos, combate a violncia, cria empreendi-

    mentos auto gestionados, cuida de creches, de atendimento mdico domiciliar

    e de outras iniciativas que compem o complexo e diversicado campo da

    Assistncia Social populao. Dessa forma a Assistncia Social como cam-

    po de efetivao de direitos , (ou deveria ser) poltica estratgica, no contri-

    butiva, voltada para a construo e provimento de mnimos sociaisde incluso5

    e para a universalizao de direitos, buscando romper com a tradio cliente-lista e assistencialista que historicamente permeia a rea onde sempre foi vista

    como prtica secundria, em geral adstrita s atividades do planto social, de

    atenes em emergncias e distribuio de auxlios nanceiros.

    2.1 A Poltica Nacional de Assistncia Social e o SUAS

    Em outubro de 2004, atendendo ao cumprimento das deliberaes da IV Con-ferncia Nacional de Assistncia, realizada em Braslia em dezembro de 2003,

    o CNAS Conselho Nacional de Assistncia Social aprovou, aps amplo

    debate coletivo, a Poltica Nacional de Assistncia Social PNAS em vigor,

    que apresenta o (re) desenho desta poltica, na perspectiva de implementao

    do SUAS Sistema nico de Assistncia Social que est voltado articulao

    em todo o territrio nacional das responsabilidades, vnculos e hierarquias, do

    5. Para Sposati (1997:10, grifos da autora) propor mnimos sociais estabelecer o patamar de cobertura deriscos e de garantias que uma sociedade quer garantir para todos os seus cidados. Trata-se de denir o patamarde dignidade abaixo do qual nenhum cidao deveria estar.

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    sistema de servios, benefcios e aes de assistncia social, de carter per-

    manente ou eventual, executados e providos por pessoas jurdicas de direito

    pblico sob critrio de universalidade e de ao em rede hierarquizada e em

    articulao com a sociedade civil.

    O SUAS introduz uma concepo de sistema orgnico, onde a articulao entre as

    trs esferas de governo constitui-se em elemento fundamental. De acordo com a

    PNAS a gesto proposta por esta Poltica se pauta no pacto federativo, no qual

    devem ser detalhadas as atribuies e competncias dos trs nveis de governo

    na proviso das aes socioassistenciais, em conformidade com o preconizado

    na Loas e Norma Operacional Bsica6, a partir das indicaes e deliberaes das

    Conferncias, dos Conselhos e das Comisses de Gesto Compartilhada (Comis-

    ses Intergestores Tripartite e Bipartites CIT e CIBs), as quais se constituem

    em espaos de discusso, negociao e pactuao dos instrumentos de gesto e

    formas de operacionalizao da Poltica de Assistncia Social. (PNAS, 2004:10)

    O SUAS constitudo pelo conjunto de servios, programas, projetos e be-

    nefcios no mbito da assistncia social prestados diretamente ou atravs de

    convnios com organizaes sem ns lucrativos , por rgos e instituiespblicas federais, estaduais e municipais da administrao direta e indireta e

    das fundaes mantidas pelo poder pblico.

    Muitos vm sendo os desaos para a construo e gesto desse Sistema que

    renova a Assistncia Social brasileira. Vivemos hoje na Assistncia Social um

    momento decisivo para a sua concretizao num patamar de prioridade como

    poltica pblica de proteo social, direcionada realizao dos interesses dasclasses subalternizadas em nossa sociedade.

    isso que Gramsci denomina de hegemonia. Estou armando a necessria

    construo de hegemonia dos interesses de nossos usurios, na conduo do

    processo de construo de direitos no apenas como questo tcnica, mas

    como questo essencialmente poltica, lugar de contradies e resistncias.

    Trata-se, pois, de um processo contraditrio, um momento onde mais uma

    6. A NOB em vigncia a editada no ano de 2005, com base na Poltica Nacional de Assistncia Social.

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    vez, na histria brasileira esto em disputa os sentidos dessa poltica.

    Os rumos e a politizao dessa construo e da gesto do Sistema que per-

    mitiro que o SUAS se coloque (ou no) na perspectiva de forjar formas de

    resistncia e defesa da cidadania dos excludos, ou apenas reiterar prticasconservadoras e assistencialistas.

    Os riscos maiores que enfrentamos nessa disputa, so no sentido de que as

    aes permaneam no plano do assistencialismo e do dever moral e humani-

    trio e no se realizem como direito.

    Melhor colocando: para uma avaliao da atual PNAS e do SUAS em imple-

    mentao preciso que se busque explicitar em que medida essas inegveis

    conquistas vem permitindo ou no, pelo controle democrtico que a socie-

    dade for capaz de organizar e exercer no mbito da poltica de Assistncia

    Social, a construo de direitos e a instaurao (ainda que contraditria) de

    formas inovadoras e efetivas para polticas de incluso social (como o caso

    do SUAS) e para a Seguridade Social brasileira. Estou falando do desao de

    construir parmetros pblicos que reinventem a poltica no reconhecimento

    dos direitos como medida de negociao e deliberao de polticas que afetama vida de todos (Telles, 1998:13) No pode haver outra medida... Mesmo

    em aes de parceria entre pblico e privado devem ser atribudos contedo e

    forma pblica aos servios ofertados. Essas aes so Pblicas porque:

    - envolvem interesses coletivos;

    - tem a universalidade como perspectiva;

    - tem uma visibilidade pblica: transparncia;- envolvem o controle social;

    - envolvem a democratizao e a participao de seus usurios. (Cf. Rai-

    chelis, 1998)

    O Estado o garantidor do cumprimento dos direitos, responsvel pela

    formulao das polticas pblicas e que expressa as relaes de foras pre-

    sentes no seu interior ou fora dele. Isso exige que as provises assistenciais

    sejam prioritariamente pensadas no mbito das garantias de cidadania sob

    vigilncia do Estado, cabendo a este a universalizao da cobertura e garan-

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    tia de direitos e de acesso para os servios, programas e projetos sob sua

    responsabilidade.

    3. O Sistema nico de Assistncia Social3.1 Antecedentes Histricos do SUAS

    Como vimos anteriormente, o ano de 1988 inaugura um perodo importante da

    histria brasileira. Neste ano promulgada a Constituio da Repblica Federativa

    do Brasil, que reconhece a assistncia social como dever de Estado no campo da

    Seguridade Social e no mais como poltica complementar, de carter subsidirio s

    demais polticas. bom lembrar que a noo de Seguridade supe que os cidados

    tenham acesso a um conjunto de certezas e seguranas que cubram, reduzam ou

    previnam situaes de riscoe de vulnerabilidadespessoais e sociais.

    Assim como a CF-88, tambm a Lei n 8.742, de 7 de dezembro de 1993,

    denominada Lei Orgnica da Assistncia Social, a Loas, ao regulamentar os

    preceitos constitucionais sobre a assistncia social a rearma como poltica de

    Seguridade Social no campo dos direitos sociais.

    Apesar da alterao do antigo paradigma conservador e assistencialista estabelecida

    pela Constituio e pela Lei Orgnica da Assistncia Social (Loas) para demarcar

    a assistncia social como direito social no mbito da Seguridade Social ao lado da

    Sade e da Previdncia, os anos 90 do sculo XX apresentam um cenrio de grandes

    mudanas no que diz respeito ao papel do Estado. A reforma do Estado, como

    conhecido o processo de mudanas que se desenrolou a partir desta dcada teveforte carter neoliberal7 e caracterizou-se principalmente por medidas de ajuste na

    economia, com severas restries aos gastos pblicos em especial na rea social e

    privatizaes de empresas e organizaes estatais. Tratou-se de um contexto no qual

    foram encolhidas as responsabilidades estatais na regulao das polticas pblicas e

    valorizadas as virtudes da regulao pelo mercado.

    7. H um nmero muito grande de denies sobre o conceito de neoliberalismo. Vrios autores j tratarame ainda tratam do tema. Para o nosso entendimento basta destacar alguns aspectos que o caracterizam e estopresentes em diversas denies, como: valorizao crescente do mercado, privatizaes, restrio de direitossociais e questionamento dos sistemas pblicos de proteo social como o clssico Estado de Bem Estar Social,tudo isto amparado pela idia da constituio de um Estado com maior capacidade gerencial-regulatria.

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    O enfrentamento da pobreza e da desigualdade, no contexto neoliberal, passa

    a ser tarefa da solidariedade da sociedade ou de uma ao estatal aleatria e

    tmida, caracterizada pela defesa de alternativas privatistas, que envolvem as

    organizaes sociais e a comunidade em geral. Recoloca-se em cena prticaslantrpicas e de benemerncia, ganhando relevncia aes do denominado

    Terceiro Setor (no governamental e no lucrativo), como expresso da trans-

    ferncia sociedade de respostas s seqelas da questo social8. Vale lembrar

    que a questo social circunscreve um terreno de disputas, pois diz respeito

    desigualdade econmica, poltica e social entre as classes na sociedade de mer-

    cado, envolvendo a luta pelo usufruto de bens e servios socialmente constru-

    dos, por direitos sociais e pela cidadania.

    nessa conjuntura de crescente subordinao das polticas sociais s polticas

    de ajuste da economia, na contra-mo das transformaes que ocorrem na

    ordem econmica internacional mundializada que o Brasil vai instituir aps o

    processo iniciado em 1988, seu sistema de Seguridade Social. E porque arma-

    mos que foi na contra-mo? Porque o estabelecimento da Seguridade Social

    brasileira como rea composta pela integrao e articulao entre sade, pre-

    vidncia social e assistncia social abriu as portas para que fossem criadas asbases para a construo de um sistema de proteo social que se ancoraria sob

    duas vertentes: a proteo social contributiva (aquela que exige a contrapartida

    dos rendimentos do trabalho assalariado para sua garantia, institucionalizada no

    Brasil pela Previdncia Social) e a proteo social no contributiva (que assegura

    suas protees especcas para todos os cidados que dela necessitem. As po-

    lticas que melhor representam essa vertente de proteo so a sade [pblica]

    e a assistncia social). Ou seja, enquanto o mundo vivia um processo de enxu-gamento do investimento pblico estatal na rea social, o Brasil instituiu seu

    sistema de Seguridade tendo a concepo da cidadania como pano de fundo.

    Contudo, a traduo desta cidadania pautada na CF-88 em direitos alcanveis

    pela populao no foi conquistada de modo rpido e fcil.

    Se tomarmos apenas o exemplo da poltica de assistncia social veremos que

    aps a promulgao da constituio um amplo processo de debates e lutas no

    8. Para maior aprofundamento sobre o tema ver: MONTAO, Carlos. Terceiro Setor e Questo Social: crticaao padro emergente de interveno social. So Paulo: Cortez, 2002.

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    interior da sociedade foram travados para que aquilo que consta na constitui-

    o tivesse sua regulamentao.

    Com isso, cinco anos aps a Carta Constitucional, em 7 de dezembro de 1993foi aprovada a Lei Orgnica de Assistncia Social (LOAS), que regulamentou

    os artigos 203 e 204 da Constituio e tornou possvel a assistncia social

    como um dever do Estado e um direito de cidadania, sem a necessidade de

    contribuio prvia. Em 42 artigos a referida Lei dispe sobre a organizao

    da Assistncia Social, no que diz respeito dentre outros assuntos:

    i) aos seus princpios e diretrizes;

    ii) forma de organizao e gesto das aes;

    iii) s competncias das esferas de governo;

    iv) ao carter e composio das instncias deliberativas;

    v) instituio e competncias do Conselho Nacional de Assistn-

    cia Social;

    vi) s competncias do rgo nacional gestor da PNAS;

    vii) ao conceito de benefcios, servios, programas e projetos;

    viii) ao nanciamento da poltica.

    A concepo de Assistncia Social contida na LOAS visa assegurar benef-

    cios continuados e eventuais, programas, projetos e servios socioassistenciais

    para enfrentar as condies de

    vulnerabilidades que fragilizam a resistncia do cida-do e da famlia ao processo de excluso sociocultural,

    dedicando-se ao fomento de aes impulsionadoras dodesenvolvimento de potencialidades essenciais con-quista da autonomia9.

    Apesar da conjuntura adversa, ps Constituio de 1988 e ps LOAS, ten-

    do em vista os impactos das mudanas do ordenamento econmico mundial

    sobre as condies de vida das populaes dos pases em desenvolvimento,

    9. LOPES, Mrcia Helena Carvalho. O tempo do SUAS. In Revista Servio Social e Sociedade n. 87. So Paulo:Cortez, 2006, p.77.

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    destacando-se o Brasil entre eles, a assistncia social brasileira inicia seu trnsi-

    to para um campo novo: o campo dos direitos, da universalizao dos acessos

    e da responsabilidade estatal.

    Nesse sentido, pode-se armar que a LOAS estabeleceu uma nova matriz para

    a assistncia social brasileira, iniciando um processo que tem como perspec-

    tiva torn-la visvel como poltica pblica e direito dos que dela necessitarem.

    Um primeiro passo em direo a este m foi a criao e instalao de conse-

    lhos deliberativos e paritrios nas esferas federal, estadual, do Distrito Federal

    e municipal de governo. A insero na Seguridade Social aponta tambm para

    seu carter de poltica de Proteo Social10, como vimos antes, articulada a

    outras polticas do campo social voltadas garantia de direitos e de condies

    dignas de vida. Desse modo, a assistncia social congura-se como possi-

    bilidade de reconhecimento pblico da legitimidade das demandas de seus

    usurios e espao de ampliao de seu protagonismo.

    Mas, assim como a regulamentao da constituio foi conquistada com muita

    mobilizao, tambm a efetividade da Loas tem sido conquistada por meio

    de muitos debates e pactuaes polticas que envolvem todo o conjunto dasociedade.

    A tarefa de consolidar a Assistncia Social como poltica pblica de direitos tem

    aspectos muito peculiares que dicultam a empreitada. Ou seja, necessrio

    romper com a idia do direito como favor ou ajuda emergencial prestada sem

    regularidade e atravs de um processo de centralismo decisrio; romper tam-

    bm com a lgica de que a assistncia social sobrevive apenas com os recursosresiduais do investimento pblico (servios pobres para pobres!) e ainda: rom-

    per com o uso dos recursos sociais de maneira clientelistaepatrimonialista.

    10. Tambm sobre o conceito de proteo social h diversos entendimentos. A abrangncia da denio de DiGiovanni pode nos ser bastante til como exemplo. Em seu entendimento, por Proteo Social entendem-seas formas s vezes mais, s vezes menos institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de

    seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doena, o infortnio, asprivaes. Incluo neste conceito, tambm tanto as formas seletivas de distribuio e redistribuio de bens materiais (como a comidae o dinheiro), quanto os bens culturais (como os saber es), que permitiro a sobrevivncia e a integrao, sob vrias formas na vidasocial. Incluo, ainda, os princpios reguladores e as normas que,com o intuito de proteo, fazem parte da vida das coletividades(Di Giovanni, 1998:10)

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    103

    Nesta direo, em 1997foi editada uma Norma Operacional Bsica da Assis-

    tncia Social (NOB) que buscou dar concretude aos princpios e diretrizes da

    Loas. Esta Norma:

    i) conceitua o Sistema Descentralizado e Participativo,

    ii) amplia o mbito das competncias dos governos Federal, municipais,

    do Distrito Federal e estaduais e,

    iii) institui a exigncia de Conselho, Fundo e Plano Municipal de Assistncia

    Social para o municpio estar habilitado a receber recursos federais.

    Da em diante acelera-se o processo de conformao das bases do Sistema

    Descentralizado e Participativo.

    Em 1998, a nova edio da NOB:

    i) diferencia servios, programas e projetos;

    ii) amplia as atribuies dos Conselhos de Assistncia Social;

    iii) cria os espaos de negociao e pactuao: as Comisses Intergestores

    Bipartites (CIBs), que renem representaes de gestores estaduais emunicipais e Tripartite (CIT), que rene representaes dos gestores

    municipais, estaduais e federal da assistncia social.

    Em 2003, o Conselho Nacional de Assistncia Social (CNAS), convocou

    e realizou, extraordinariamente, a IV Conferncia Nacional de Assistn-

    cia Social, atravs da Portaria n. 262, de 12 de agosto de 2003, com a

    finalidade de avaliar a situao atual da assistncia social e propor novasdiretrizes para o seu aperfeioamento. A IV Conferncia fortaleceu o

    reconhecimento da gesto democrtica e descentralizada da assistncia

    social recomendada pela Loas, em busca de um modelo de gesto a ser

    consolidado na implantao de um sistema descentralizado e participati-

    vo de Assistncia Social , que passou a ser chamado de Sistema nico da

    Assistncia Social - SUAS.

    Em 2004, a criao do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate

    Fome (MDS), e em seu mbito, a instituio da Secretaria Nacional de As-

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    sistncia Social (SNAS), aceleraram e fortaleceram o processo de construo

    do SUAS, numa relao compartilhada com a CIT e o CNAS. Em dezembro

    deste mesmo ano, aps ampla mobilizao nacional, o CNAS editou a Poltica

    Nacional de Assistncia Social (PNAS/2004). Tal documento apresenta asbases e referncias necessrias para a implantao e gesto do SUAS em todo

    o territrio nacional.

    A PNAS/2004, na perspectiva do SUAS, introduz mudanas profundas nas

    referencias conceituais, na estrutura organizativa e na lgica de gerenciamento

    e controle das aes na rea11:

    No novo modelo socioassistencial, rearmada a primazia do papel do

    Estado comoprincipal agente construtor e implementador das bases

    operacionais necessrias realizao dos servios socioassistenciais.

    Desta forma o Estado passa a reconhecer e legitimar os instrumentos

    de participao popular na conduo da poltica pblica de assistncia

    social. A perspectiva a de um Estado dotado de um sistema de ges-

    to moderno, que utilize as inovaes tecnolgicas de gesto social e

    informao em busca de competncia tcnica e transparncia poltica. Na conduo do SUAS, o agente pblicodesempenha um papel estrat-

    gico, sendo o principal responsvel pelas funes de execuo, articulao,

    planejamento, coordenao, negociao, monitoramento e avaliao dos

    servios desenvolvidos em consonncia com sistema nacional unicado

    de gesto. A valorizao do gestor pblico com a implantao do SUAS,

    em todo territrio nacional, est pautada no pressuposto de que a assistn-

    cia social poltica pblica de Estado e de direito de cidadania.

    O comando niconas trs esferas de governo dene a organizao e

    estruturao da Poltica pblica de Assistncia Social e legitimado pe-

    las instncias de pactuao e de negociao (CIT e CIBs); reconhecen-

    do assim a importncia de espaos como o Frum Nacional de Secret-

    rios Estaduais de Assistncia Social (Fonseas) e o Colegiado Nacional de

    11. Esta e as demais assertivas sobre o SUAS, presentes nesse texto, reiteram as construes elaboradas peloInstituto de Estudos Especiais da PUC-SP (IEE. PUC.CP) para a coleo CapacitaSuas.

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    Gestores Municipais de Assistncia Social (Congemas). Sob o controle

    social dos conselhos nos trs nveis de governo, ca ento possibilitada

    uma gesto compartilhada. Tal modelo de gesto exige denio clara

    de competncias em cada uma das esferas de governo, num processointegrado de cooperao e complementaridade, garantindo unidade e

    continuidade na oferta dos servios socioassistenciais.

    Com a PNAS, e o processo democrtico de pactuaes com as instncias

    acima citadas, na perspectiva do SUAS, foi possvel orientar as denies e

    o desenho de regulaes necessrias para fazer funcionar a assistncia social

    como um sistema nacional, como podemos observar nas regulamentaes

    emitidos no ano de 2004:

    Decreto n. 5.003/04, que restituiu autonomia sociedade civilno

    processo de escolha de seus representantes no Conselho Nacional de

    Assistncia Social CNAS;

    Decreto n. 5.074/04, que reordena a Secretaria Nacional de Assistn-

    cia Social SNAS luz das deliberaes da IV Conferncia Nacional

    de Assistncia Social; Lei n. 10.954/04, que extingue a exigncia da Certido Negativa de

    Dbitos CND para repasses de recursos federais da assistncia social

    para Estados e Municpios;

    Decreto n. 5.085/04, que transforma em aes de carter continuado

    os Servios de Combate Explorao Sexual de Crianas e Adolescen-

    tes e os Servios de Atendimento Integral s Famlias;

    Em2005, o MDS apresenta uma proposta preliminar para a NOB/SUAS, em even-

    to que reuniu 1200 participantes (gestores, conselheiros, tcnicos, intelectuais entre

    outros) de todo o Brasil, em Curitiba (PR). O texto foi debatido em seminrios mu-

    nicipais, no Distrito Federal e estaduais, com representao do MDS e do CNAS, e

    sua verso nal foi aprovada no dia 15 de julho, em reunio ordinria do Conselho

    Nacional de Assistncia Social. A partir desta data, inicia um novo tramite da poltica

    pblica de assistncia social, conforme preconizado na LOAS. Observa-se neste

    perodo um intenso processo de regulamentaes das aes que vo consolidar o

    novo modelo de organizao e gesto da poltica de assistncia social:

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    Portaria n. 385, de 26 de julho de 2005 (MDS) - Estabelece regras

    complementares de transio e expanso dos servios socioassisten-

    ciais co-nanciados pelo governo federal, no mbito do Sistema nico

    da Assistncia Social SUAS para o exerccio de 2005; Portaria n. 440, de 23 de agosto de 2005 (MDS) - Regulamenta os

    Pisos de Proteo Social Especial estabelecidos pela NOB/SUAS, sua

    composio e as aes que nanciam;

    Resoluo n1, de 24 de agosto de 2005 (CIT) - Publica a relao de

    municpios contemplados na partilha de recursos/2005, por unidade

    da federao e repasse mensal de recursos nanceiros, referente a ser-

    vios da Proteo Social Bsica Piso Bsico Fixo;

    Resoluo n. 2, de 24 de agosto de 2005 (CIT) - Publica a expanso

    do PETI 2005 contendo as metas disponibilizadas para cada estado e

    disponvel para o pagamento aos municpios e dene procedimentos;

    Portaria n. 442, de 26 de agosto de 2005 (MDS) - Regulamenta os Pi-

    sos de Proteo Social Bsica estabelecidos na NOB/SUAS, sua com-

    posio e aes que nanciam;

    Portaria n. 459, de 09 de setembro de 2005, que dispe sobre a forma

    de repasse dos recursos do co-nanciamento federal das aes continu-adas da assistncia social e sua prestao de contas, por meio do SUAS

    Web, no mbito do Sistema nico de Assistncia Social SUAS;

    Resoluo n. 2, de 24 de agosto de 2005 (CIT) - Publica a expanso

    do PETI 2005 contendo as metas disponibilizadas para cada estado e

    disponvel para o pagamento aos municpios e dene procedimentos;

    Resoluo n. 3, de 29 de agosto de 2005 (CIT) - Dene instrumento

    de identicao dos municpios e localidades brasileiros onde ocorremo fenmeno da explorao e sexual comercial de crianas e adoles-

    centes e Indica a possibilidade da estruturao de Servios Regionais

    Especializados de Assistncia Social;

    Edital MDS/PNUD de 31/08/05 publicado em 02/09/2005 no

    DOU - Qualicao de Parceiros para a Implementao de Projetos

    de Incluso Produtiva;

    Resoluo n. 4, de 16 de setembro de 2005 (CIT) - Trata dos

    Critrios de Partilha de recursos e expanso/2005 para a Proteo

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    107

    Social Bsica e enfrentamento ao abuso e explorao sexual de

    crianas e adolescentes.

    Resoluo CNAS n. 191, de 10 de novembro de 2005, que institui

    orientao para regulamentao do art. 3 da LOAS. Portaria n. 566, de 14 de novembro de 2005, que estabelece regras

    complementares para nanciamento de projetos de incluso produti-

    va, destinados populao em situao de rua em processo de resta-

    belecimento dos vnculos familiares e/ou comunitrios;

    Portaria n. 666, de 28 de dezembro de 2005, que disciplina a integra-

    o entre o Programa Bolsa Famlia e o Programa de Erradicao do

    Trabalho Infantil;

    Decreto n 5550/2005: Integrao do FNAS estrutura da SNAS

    como Diretoria Executiva;

    Guia de orientao tcnica SUAS n 1/Proteo social bsica de

    assistncia social e Guia de orientao n. 1 : Centro de Referncia

    Especializado de assistncia social CREAS;

    Instruo Normativa n 01, de 06 maro de 2006, que estabelece os

    procedimentos a serem adotados na apurao do saldo real e dos va-

    lores a serem reprogramados, deduzidos ou devolvidos pelos Estados,Municpios e Distrito Federal, na prestao de contas dos recursos do

    co-nanciamento federal das aes continuadas da assistncia social

    de 2005 e d outras providncias;

    Instruo Operacional Conjunta SENARC/SNAS 01, de 14 de maro

    de 2006 Insero no Cadnico das famlias benecirias do PETI ou

    em situao de trabalho infantil;

    Decreto n 6.307/07, que dispe sobre os benefcios eventuais de quetrata o art. 22 da Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993;

    Decreto n 6.214/07, que regulamenta o benefcio de prestao continua-

    da da assistncia social devido pessoa com decincia e ao idoso de que

    trata a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e a Lei n 10.741, de 1 de

    outubro de 2003, acresce pargrafo ao art. 162 do Decreto no 3.048, de 6

    de maio de 1999, e d outras providncias;

    Decreto n 6.308/07, que dispe sobre as entidades e organizaes de

    assistncia social de que trata o art. 3o da Lei no 8.742, de 7 de dezem-

    bro de 1993, e d outras providncias;

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    4. Conceito e Bases da Organizao dos SUAS

    Os principais eixos que orientam a implementao do novo modelo socioas-

    sistencial so:

    a) precedncia da gesto pblica da poltica;

    b) alcance de direitos socioassistenciais pelos usurios;

    c) matricialidade sociofamiliar;

    d) territorializao;

    e) descentralizao poltico-administrativa e reordenamento institucional;

    f) nanciamento partilhado entre os entes federados;

    g) fortalecimento da relao democrtica entre Estado e sociedade civil;

    h) articulao da rede socioassistencial;

    i) valorizao da presena do controle social;

    j) participao popular/cidado usurio;

    k) qualicao de recursos humanos;

    l) informao, monitoramento, avaliao e sistematizao de resultados.

    A implantao do Sistema nico de Assistncia Social (SUAS) uma verda-

    deira revoluo na assistncia social brasileira.

    Fruto de quase duas dcadas de debates o Sistema coloca em prtica os precei-

    tos da Constituio de 1988, que integra a Assistncia Social Seguridade Social,

    juntamente com Sade e Previdncia Social. Nesta nova concepo as diversas

    aes e iniciativas de atendimento populao deixam o campo do voluntarismo

    e passam a operar sob a estrutura de uma poltica pblica de Estado.

    De mero favor, de prtica assistencialista e tuteladora a assistncia social, seus

    servios e benefcios passam para um campo novo, o campo dos direitos de

    cidadania. Marcada, portanto, pelo carter civilizatrio presente na con-

    sagrao de direitos sociais. A Assistncia Social exige que as provises

    assistenciais sejam prioritariamente pensadas no mbito das garantias de

    cidadania sob responsabilidade do Estado, cabendo a este a universali-zao da cobertura e garantia de direitos e de acesso para esses servios,

    programas, projetos e benefcios.

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    Este desenho inova ao afirmar para a Assistncia Social seu carter de di-

    reito no contributivo, (independentemente de contribuio Segurida-

    de Social e para alm dos interesses do mercado), ao apontar a necessria

    integrao entre o econmico e o social e ao apresentar novo desenhoinstitucional para a assistncia social. Inova, tambm, ao fortalecer a par-

    ticipao da populao e o exerccio do controle da sociedade na gesto

    e execuo das polticas.

    A universalizao dos direitos sociais um dos princpios deste novo modelo

    socioassistencial. Neste contexto, a assistncia social, a partir do princpio da

    intersetorialidade, propicia o acesso a pessoas em situao de vulnerabilidade

    pessoal e/ou social, s demais polticas setoriais, uma vez que busca garantir

    seguranas para seus usurios: segurana de sobrevivncia (de rendimento e

    de autonomia); de acolhida e; de convvio ou convivncia familiar e comunit-

    ria. Estas seriam as condies fundamentais para tornar o usurio do servio

    socioassistencial alcanvel pelas demais polticas.

    Por sua vez, como um sistema de gesto, este arranjo institucional prope

    pela primeira vez na histria do Pas, sob a primazia da responsabilidade doEstado, a organizao em todo o territrio nacional de servios socioassis-

    tenciais destinados a milhes de brasileiros, em todas as faixas etrias, com a

    participao e a mobilizao da sociedade civil nos processos de implantao

    e implementao do Sistema.

    O SUAS, pactuado nacionalmente e deliberado pelo CNAS, prev uma or-

    ganizao participativa e descentralizada da assistncia social, com serviosvoltados para o fortalecimento da famlia, sem, no entanto sobrecarreg-la,

    mas ao contrrio protegendo-a e apoiando-a.

    Baseado em critrios e procedimentos transparentes, o SUAS altera fundamental-

    mente operaes como o repasse de recursos federais para estados, municpios e

    Distrito Federal, a prestao de contas e a maneira como os servios e os entes

    federados esto hoje organizados do ponto de vista da gesto de recursos.

    Como se pode concluir, o SUAS promove uma mudana de contedo e de

    gesto da poltica pblica de assistncia social, ao materializar o contedo da

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    Loas, e denir os conceitos e as bases que vo orientar a estruturao do siste-

    ma nos estados, no Distrito Federal e nos municpios, os quais sero aqui des-

    tacados por serem de fundamental importncia para a compreenso do novo

    modelo socioassistencial. Em outras palavras, o SUAS oferece concretude Poltica Pblica de Assistncia Social na perspectiva de construir os direitos de

    seus usurios e sua insero na sociedade.

    Alm da precedncia da gesto pblica da poltica e do alcance de direitos socioas-

    sistenciais pelos usurios h entre as bases constitutivas do SUAS, alguns conceitos

    diretivos que lhe do fora e sustentabilidade, dentre os quais destacam-se:

    a) Matricialidade sociofamiliar

    O reconhecimento da importncia da famlia como unidade/referncia no

    mbito da poltica pblica de assistncia social fundamenta-se na idia de que

    esta o espao primeiro de proteo e socializao dos indivduos e que, para

    que cumpra com tais funes, precisa ser protegida. O formato de famlia que

    se fala na poltica de assistncia social compreende relaes estabelecidas por

    laos consangneos, afetivos e/ou de solidariedade.

    Nos ltimos anos com as mudanas ocorridas na sociedade contempornea,

    decorrentes dos processos econmicos, polticos e culturais alterou-se, tam-

    bm, a organizao das famlias. Para muitas delas estas transformaes as

    colocaram em situao de vulnerabilidadee em processos de excluso social. Da o

    papel fundamental da assistncia social no fortalecimento e autonomia destas

    famlias, enquanto sujeitos coletivos, pois se entende que as condies de vidadependem menos da situao especca do indivduo que daquela que carac-

    teriza sua famlia, sua comunidade e a sociedade onde se insere.

    A responsabilidade do Estado na proteo famlia est expressa no artigo

    226 da Constituio Federal de 1988 que a reconhece como base da sociedade

    e como sujeito de direitos. Assim como o Estatuto da Criana e do Adoles-

    cente (Lei n 8.069 de 13/07/1990), a Lei Orgnica de Assistncia Social (Lei

    n 8.742 de 7/9/1993) e o Estatuto do Idoso (Lei 8.842 de 4/1/1994) dentre

    outras legislaes reiteram essa posio.

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    A compreenso deste conceito de fundamental importncia para gestores,

    tcnicos e conselheiros da assistncia social posto que a organizao e a pres-

    tao dos servios nos territrios bem como a formulao da poltica pblica

    de Assistncia Social so pautadas nas necessidades das famlias, seus mem-bros e dos indivduos que as compem e, ainda, das comunidades, grupos e

    classe social em que se inserem.

    A unidade de medida famlia referenciada a referncia, por exemplo, para

    a instituio dos Centros de Referncia de Assistncia Social (CRAS) nos mu-

    nicpios. O CRAS uma unidade pblica estatal localizada em reas de maior

    vulnerabilidade social. Conta com uma equipe de referncia composta por pros-

    sionais de nvel superior, alm do pessoal de apoio administrativo, dependen-

    do do porte do municpio, conforme estabelecido na NOB-RH/SUAS. Os

    CRAS tambm organizam e gerenciam a rede de servios socioassistenciais

    presentes no territrio de sua abrangncia.

    Esta rede articulada pela equipe do CRAS, compreendendo todos os ser-

    vios socioassistenciais, governamentais ou no, ofertados em seu territrio

    de abrangncia. Por isto mesmo, como j foi dito, a PNAS estabelece comounidade de medida a famlia referenciada.12

    O objetivo de se ter a famlia como referncia prevenir o risco social e/ou pessoal,

    visando o fortalecimento dos vnculos familiares, comunitrios e societrios,

    e promovendo a incluso das famlias e dos cidados nas polticas pblicas,

    na vida em comunidade e em sociedade. Os CRAS foram concebidos como a

    principal porta de entrada para o atendimento social nos diversos territrios.O objetivo que ele seja um local to conhecido em uma comunidade como

    um centro de sade ou uma escola.

    Alm dos CRAS (que oferta o principal servio da proteo social bsica, o PAIF)

    os servios de Proteo Social Bsica devem ser operacionalizados por meio de:

    12. Para melhor compreenso do que seja famlia referenciada podemos dizer, segundo a NOB/SUAS, quefamlia referenciada aquela que vive em reas caracterizadas como de vulnerabilidade, denidas a partir deindicadores estabelecidos por rgo federal, pactuados e deliberados. Esta unidade de referncia foi escolhidaem razo da metodologia de fortalecimento do convvio familiar, do desenvolvimento da qualidade de vida dafamlia na comunidade e no territrio onde vive.

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    113

    Rede de servios scioeducativos direcionados para grupos geracio-

    nais, intergeracionais, grupos de interesse, entre outros;

    Benefcios eventuais

    Transferncia de renda condicionada ou no condicionada; Benefcios de Prestao Continuada;

    Servios e projetos de capacitao e insero produtiva.

    Para ns de partilha dos recursos da Assistncia Social entre Estados e mu-

    nicpios para a Proteo Social Bsica, a NOB/SUAS estabelece o nmero

    mnimo de Centros de Referencia de Assistncia Social (CRAS) de acordo

    com o porte do municpio e, ainda dimenses de territrio, denidos por um

    nmero mximo de famlias nele referenciadas, a saber:

    Para municpios de Pequeno Porte I (at 20.000 habitantes/5.000 fa-

    mlias) mnimo de 1 CRAS para at 2.500 famlias referenciadas;

    Para municpios de Pequeno Porte II (de 20.000 habitantes at 50.000

    habitantes/5.000 a 10.000 famlias) mnimo de 1 CRAS para at

    3.500 famlias referenciadas;

    Para municpios de Mdio Porte (de 50.001 habitantes at 100.000 ha-bitantes/de 10.000 a 25.000 famlias) mnimo de 2 CRAS cada um

    para at 5.000 famlias referenciadas;

    Para municpios de Grande Porte (de 100.001 habitantes at 900.000

    habitantes/25.000 a 250.000 famlias) mnimo de 4 CRAS para at

    5.000 famlias referenciadas;

    Para Metrpoles mais de 900.000 habitantes/ mais de 250.000 famlias

    mnimo de 8 CRAS, cada um para at 5.000 famlias referenciadas.

    Por m, os servios socioassistenciais ofertados so pautados pelas congu-

    raes contraditrias das relaes conflitantes entre as classes sociais que con-

    dicionam e interferem na vida de todos os sujeitos sociais. Interferncias cla-

    ramente sentidas nas questes de idade, rendimentos, gnero, aspectos raciais

    e culturais e outros que orientam a estruturao das relaes sociais e econ-

    micas que as famlias e os indivduos estabelecem ou na qual esto inseridos.

    desta forma que se materializam os princpios da PNAS da universalizao

    dos direitos sociais e da igualdade de direitos no acesso ao atendimento.

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    b) Descentralizao poltico-administrativa e Territorializao

    Uma das mudanas na forma de gesto da poltica pblica de assistncia social

    desde a Constituio Federal de 1988 decorre do princpio da descentralizaopoltico-administrativa na organizao das aes governamentais nesta rea.

    Tal diretriz est disposta no artigo 204 da Constituio Federal e rearmada

    pelo artigo 6 da LOAS. Outro princpio que rege a atuao dos agentes pbli-

    cos nesta poltica a autonomia administrativa dos entes federados (estados,

    municpios e Distrito Federal) na organizao dos seus servios (art. 8 da

    LOAS) conforme sua necessidade.

    A traduo destes preceitos na poltica de assistncia social se expressa na

    denio de co-responsabilidades para cada esfera de governo na realizao

    da poltica, cabendo:

    coordenao e edio de normas de carter geral esfera federal;

    aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios a coordenao e

    execuo dos servios socioassistenciais em suas respectivas esferas;

    a todas as esferas de governo a responsabilidade pelo co-nanciamen-to, o monitoramento e a avaliao;

    proviso da educao permanente dos prossionais de co-responsa-

    bilidade dos Estados e do Governo Federal; e

    sistematizao das informaes na rea de co-responsabilidade de todos.

    Cabe lembrar que o sistema constitudo tambm por entidades e organi-

    zaes de assistncia social e por um conjunto de instncias de pactuao edeliberao, compostas pelos diversos setores envolvidos na rea. A descen-

    tralizao da poltica, como j vimos, expressa, tambm, pela exigncia da

    efetiva consolidao dos conselhos, planos e fundos da assistncia social em

    cada esfera de governo, lembrando que um requisito mnimo para adeso

    gesto inicial do SUAS.

    Outro aspecto importante e que se relaciona a descentralizao so s caracte-

    rsticas socioterritoriais de cada localidade. Para alm de ser denido como um

    espao geogrco, o territrio guarda caractersticas sociais, culturais e identit-

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    rias de sua populao, isto , um conjunto de elementos que mostram e revelam

    a complexidade da dinmica social e econmica das cidades que, por vezes,

    tambm representam em menor escala as desigualdades existentes nas regies

    brasileiras. O territrio lugar de vida e relaes. Neste sentido, para a organi-zao dos servios socioassistenciais de proteo social bsica estabeleceu-se,

    no mbito do novo modelo socioassistencial, o nmero de famlias/habitante

    referenciadas no territrio para organizao dos servios. O nmero de famlia

    referenciada depende do porte demogrco associado aos indicadores socioter-

    ritoriais disponveis a partir dos dados censitrios do IBGE13.

    Os governos estaduais tm um papel fundamental ao estruturar seu sistema

    estadual de Assistncia Social. A insero dos governos estaduais no Sistema

    considera, dentre outros aspectos, a grande diversidade e especicidade, em seu

    mbito, em especial no apoio as metrpoles pelo grau de complexidade exis-

    tente nas regies metropolitanas ou naqueles municpios que ainda no tm a

    capacidade de gesto da poltica pblica de assistncia social na sua localidade.

    Esta participao, da esfera estadual, pode se efetivar entre outros aspectos por:

    prestao direta atravs de servios de referncia regional (atravs de

    Unidades de Referncia Regional);

    assessoramento tcnico e nanceiro aos municpios na estruturao e

    implantao de seus Sistemas Municipais de Assistncia Social;

    coordenao do processo de acompanhamento, monitoramento e avalia-

    o do Benefcio de Prestao Continuada (BPC) no mbito do Estado;

    promoo, implantao e co-nanciamento de consrcios intermuni-cipais de proteo social especial de mdia e alta complexidade, pactu-

    adas nas CIBs e deliberadas nos CEAS;

    instalao e coordenao do sistema estadual de monitoramento e ava-

    liao das aes de Assistncia Social em mbito estadual e regional;

    elaborao da poltica de recursos humanos, com a implantao da

    carreira especca para os servidores da rea da Assistncia Social;

    13. O processo de pactuao e instituio do SUAS buscou estabelecer critrios que dessem eqidade para apartilha de recursos e a estruturao dos servios.

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    aos municpios maior capacidade e autonomia na organizao da sua

    rede. Outro aspecto importante acerca do financiamento da poltica

    a utilizao de critrios de partilha de recursos. O novo Sistema adota

    indicadores como, por exemplo, a Taxa de Vulnerabilidade Social paradeterminar como ser a distribuio dos recursos do Fundo Nacional de

    Assistncia Social. Esta taxa leva em considerao informaes sociais,

    econmicas e demogrficas de todo territrio brasileiro. Ela feita le-

    vando em considerao as caractersticas como condies de moradia,

    renda familiar, idade e situao escolar de filhos, receita e porte do mu-

    nicpio. Tambm se considera o quanto alocado de recursos prprios

    para a Assistncia Social.

    Os critrios de partilha so pactuados nas comisses intergestores e deliberados

    nos conselhos de assistncia social, instncias fundamentais de pactuao e delibe-

    rao da poltica nas denies afetas ao nanciamento dos servios, programas,

    projetos e benefcios que compem o SUAS. O nanciamento tem como base as

    informaes socioterritoriais apontadas pelo Sistema Nacional de Informaes de

    Assistncia Social, a Rede SUAS, que abrange as demandas e prioridades espec-

    cas com base nas caractersticas socioterritoriais, a capacidade de gesto, de atendi-mento e de arrecadao de cada municpio e de complexidade dos servios.

    Agora, os municpios tm autonomia para organizar sua rede de proteo

    social e so scalizados, principalmente, pelos respectivos conselhos de As-

    sistncia Social. Para esta nalidade, o Sistema introduz o Relatrio Anual de

    Gesto que simplica e dinamiza o processo de prestao de contas. Com

    estas medidas, o Ministrio consegue efetuar repasses mensais automticos econtnuos. Desta forma, o atendimento ao usurio no comprometido.

    d) Fortalecimento da relao democrtica entre Estado e sociedade civil

    Conforme j visto dois princpios fundamentais regem a gesto das aes na

    rea da assistncia social. So eles a descentralizao poltico administrativa e a

    participao de organizaes representativas da sociedade civil nos conselhos

    paritrios em todos os nveis. So instncias de controle, deliberao e scali-

    zao dos servios socioassistenciais.

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    Esta mudana signicativa no mbito da poltica de assistncia social e, con-

    seqentemente, na organizao do SUAS, pois as entidades e organizaes da

    sociedade civil assumem a posio de co-gestores dos servios. Alm, claro,

    de serem prestadoras complementares de servios socioassistenciais.

    Este novo status impe desaos tanto para os governos quanto para as enti-

    dades e organizaes. Ao primeiro cabe, em seu mbito, executar os servios

    socioassistenciais,