caracterizaÇÃo hidrodinÂmica de algumas Áreas do …

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1 CARACTERIZAÇÃO HIDRODINÂMICA DE ALGUMAS ÁREAS DO MACIÇO ANTIGO PORTUGUÊS J. Martins CARVALHO; Albino L. C. MEDEIROS; Sónia C.F.M.V. GARCIA J. Martins CARVALHO Consultor ; Departamento de Geociências, Universidade de Évora, Rua Romão Ramalho, 59, 7000 ÉVORA, PORTUGAL ; Centro de Geologia da Universidade do Porto, Praça de Gomes Teixeira 4099-002 PORTO, PORTUGAL, [email protected] Albino L. C. MEDEIROS Geólogo (FCL), Mestre em Geologia de Engenharia (UNL), Sondagens e Fundações A.Cavaco, Lda, Av. Engº Duarte Pacheco, 21-2º, 1070-100 LISBOA, PORTUGAL, [email protected] Sónia C.F.M.V. GARCIA Lic. Engenharia dos Recursos Hídricos (UE), [email protected] RESUMO: As formações cristalinas e cristalofílicas do Maciço Antigo Português são objecto de intensa actividade de pesquisa e captação de água subterrânea. O modestíssimo nível de cumprimento das disposições legais em vigor determina que os milhares de furos realizados anualmente são, em regra, inadequados para a caracterização geológica, hidrodinâmica e hidroquímica dos aquíferos descontínuos existentes. Foram analisados os resultados de cerca de 250 sondagens no Maciço Antigo, particularmente nas zonas do Porto, de Viseu e de Beja. Esta amostragem corresponde a situações de que se conhece o modelo conceptual dos aquíferos, a coluna litológica, os pormenores construtivos, o controlo hidrogeológico durante a perfuração e onde foram realizados ensaios de caudal representativos. As investigações realizadas conduziram a uma caracterização da produtividade média por captação unitária e da transmissividade em função dos grandes grupos litológicos. Adicionalmente, com base em modelos de regressão linear, foram estabelecidas relações empíricas entre o caudal específico e a transmissividade e do caudal de exploração sustentado em função do caudal de perfuração. As relações obtidas poderão ser aplicadas à maioria das situações ocorrentes no Maciço Antigo Português. PALAVRAS-CHAVE: Maciço Antigo, água subterrânea, transmissividade, caudal específico, coeficiente de redução de caudal (CRC). ABSTRACT: Thousand of wells are drilled annually on granitic and schistose rocks of the Portuguese Variscan Massif. However the technical level of the carried out wells is generally quite modest, being inadequate for geological, hydrodynamic and chemical characterization. In this investigation we had the opportunity to study about 250 wells located in the areas of Oporto, Viseu and Beja. These wells were drilled, cased and completed under hydrogeological supervision so the conceptual model and geological and technical logs of the local aquifers are known; representative pumping tests are also available. Carried out investigations allowed the knowledge of the regional and lithological distribution of yields and transmissivity. Furthermore, empirical relations were deducted, based on linear regression models, aiming to evaluate transmissivity as a function of the specific capacity as well between exploitation rates in a sustainable basis and drilling air-lift discharge. These relations can be used regularly over the Portuguese Variscan Massif. KEY-WORDS: Variscan Massif, ground water, transmissivity, specific capacity, Coefficient of Reduced Capacity (CRC).

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CARACTERIZAÇÃO HIDRODINÂMICA DE ALGUMAS ÁREAS DO MACIÇO ANTIGO PORTUGUÊS

J. Martins CARVALHO; Albino L. C. MEDEIROS; Sónia C.F.M.V. GARCIA J. Martins CARVALHO

Consultor ; Departamento de Geociências, Universidade de Évora, Rua Romão Ramalho, 59, 7000 ÉVORA, PORTUGAL ; Centro de Geologia da

Universidade do Porto, Praça de Gomes Teixeira 4099-002 PORTO, PORTUGAL, [email protected] Albino L. C. MEDEIROS

Geólogo (FCL), Mestre em Geologia de Engenharia (UNL), Sondagens e Fundações A.Cavaco, Lda, Av. Engº Duarte Pacheco, 21-2º, 1070-100 LISBOA,

PORTUGAL, [email protected]

Sónia C.F.M.V. GARCIA

Lic. Engenharia dos Recursos Hídricos (UE), [email protected]

RESUMO: As formações cristalinas e cristalofílicas do Maciço Antigo Português são objecto de intensa actividade de pesquisa e captação de água subterrânea. O modestíssimo nível de cumprimento das disposições legais em vigor determina que os milhares de furos realizados anualmente são, em regra, inadequados para a caracterização geológica, hidrodinâmica e hidroquímica dos aquíferos descontínuos existentes. Foram analisados os resultados de cerca de 250 sondagens no Maciço Antigo, particularmente nas zonas do Porto, de Viseu e de Beja. Esta amostragem corresponde a situações de que se conhece o modelo conceptual dos aquíferos, a coluna litológica, os pormenores construtivos, o controlo hidrogeológico durante a perfuração e onde foram realizados ensaios de caudal representativos. As investigações realizadas conduziram a uma caracterização da produtividade média por captação unitária e da transmissividade em função dos grandes grupos litológicos. Adicionalmente, com base em modelos de regressão linear, foram estabelecidas relações empíricas entre o caudal específico e a transmissividade e do caudal de exploração sustentado em função do caudal de perfuração. As relações obtidas poderão ser aplicadas à maioria das situações ocorrentes no Maciço Antigo Português.

PALAVRAS-CHAVE: Maciço Antigo, água subterrânea, transmissividade, caudal específico, coeficiente de redução de caudal (CRC). ABSTRACT: Thousand of wells are drilled annually on granitic and schistose rocks of the Portuguese Variscan Massif. However the technical level of the carried out wells is generally quite modest, being inadequate for geological, hydrodynamic and chemical characterization. In this investigation we had the opportunity to study about 250 wells located in the areas of Oporto, Viseu and Beja. These wells were drilled, cased and completed under hydrogeological supervision so the conceptual model and geological and technical logs of the local aquifers are known; representative pumping tests are also available. Carried out investigations allowed the knowledge of the regional and lithological distribution of yields and transmissivity. Furthermore, empirical relations were deducted, based on linear regression models, aiming to evaluate transmissivity as a function of the specific capacity as well between exploitation rates in a sustainable basis and drilling air-lift discharge. These relations can be used regularly over the Portuguese Variscan Massif. KEY-WORDS: Variscan Massif, ground water, transmissivity, specific capacity, Coefficient of Reduced Capacity (CRC).

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1 - INTRODUÇÃO

A caracterização dos aquíferos (litológica, hidrodinâmica, hidroquímica e hidrobiológica) e a análise da respectiva variação no espaço e no tempo é fundamental para o conhecimento do território e seu ordenamento. As rochas cristalinas e cristalofílicas, integradas no Maciço Antigo, constituem cerca de 2/3 da área do território continental e são geralmente consideradas formações de permeabilidade baixa (e.g., MOITINHO DE ALMEIDA (1970); PARADELA (1975); PEDROSA (1998 e 1999); ERHSA (2002) e CARVALHO et al. (2003)).

Dado o crescente desenvolvimento industrial e tecnológico do País há razões acrescidas que justificam a necessidade de sistematizar conhecimentos sobre a respectiva caracterização hidrodinâmica. Assim, podemos enumerar: (i) a crescente necessidade de procura de sítios para aterros sanitários ou para a deposição de resíduos mais ou menos perigosos resultantes da actividade antrópica, (ii) a definição de perímetros de protecção às captações de água para abastecimento público para cumprimento do Dec-Lei 382/99, (iii) a necessidade de implementação de redes de monitorização credíveis, verdadeiramente representativas, e, ainda, (iv) o desenvolvimento de recursos hídricos subterrâneos para os mais variados usos.

A preocupação com a prospecção, pesquisa e captação continua a fazer sentido pois o mercado da pesquisa e captação para abastecimentos particulares mantém-se em alta, embora a procura para abastecimentos públicos tenda a diminuir. No futuro continuará a haver consumos importantes de águas subterrâneas apesar do enorme esforço empreendido nos últimos anos na tentativa da extensão das grandes redes de distribuição em alta, baseadas em origens superficiais para abastecimento público a todo o território nacional. E assistir-se-á ao reordenamento de centenas de sistemas de captação. Deste ponto de vista destaque-se que existem milhares de captações subterrâneas no Maciço Antigo que continuam em funcionamento, (TRAVASSOS (2003)).

CARVALHO (1993) e CARVALHO et al. (2003) mostraram que o custo das águas subterrâneas, ainda que incluindo o risco geológico de insucesso e o cumprimento das exigências qualitativas e de controlo - nomeadamente as que resultam do cumprimento do Dec-Lei 243/2001 - é de tal forma competitivo que espanta ver o afã com que estão sendo abandonadas muitas origens para abastecimento público sob a justificação falaciosa de que “a água subterrânea constitui um recurso estratégico”.

Um outro aspecto que impõe o conhecimento e estudo da caracterização hidrodinâmica dos aquíferos descontínuos ocorrentes é o da fixação, tecnicamente justificada, do caudal de exploração às captações de água subterrânea neles implantadas. De facto, as “regras da arte” que a prática está, lamentavelmente a consagrar entre nós - pressionadas por uma feroz concorrência não regulada - fazem vista grossa desse aspecto que é fundamental para a credibilidade da água subterrânea e dos agentes que exercem a profissão no domínio das águas subterrâneas. As “boas práticas” podem ser perigosas se forem, simplesmente, a reboque do facilitismo.

A partir de 1973, o universo das águas subterrâneas em Portugal foi abalado pelo surgimento do primeiro equipamento de perfuração com martelo de fundo de furo CARVALHO (2000). A utilização destes equipamentos democratizou e tornou solução universal a pesquisa e captação por furo e praticamente liquidou o emprego das soluções tradicionais por poço e galeria. E foi assim em todo o Mundo onde ocorrem rochas duras.

Até essa época, dando cumprimento ao Caderno de Encargos-Tipo da “DIRECÇÃO GERAL DE SANEAMENTO BÁSICO” (1952) eram praticadas normas específicas para a construção de captações. Entre outras exigências estipulava-se, logicamente, a realização de ensaios de caudal. Actualmente o Caderno de Encargos referido é considerado letra-morta mas, em contrapartida, na esmagadora maioria de concursos para abastecimentos públicos apenas são apontadas normas básicas de dimensionamento não sendo feita qualquer exigência formal em relação às técnicas de realização das

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obras. O resultado, conforme foi amplamente demonstrado pelos Planos de Bacia Hidrográfica e pelo ERHSA (2002) é que das “captações” apenas se conhece, com limitações, o caudal instantâneo extraído e a profundidade.

Como na maioria dos casos os relatórios dos trabalhos de pesquisa e captação são de muito fraca qualidade técnica, até essa informação deve ser considerada como aproximada. E, adicionalmente, a própria caracterização hidroquímica que resulta de tais pontos de água e a sua aptidão para integrar redes de monitorização deve ser encarada com muita circunspecção dado não se saber bem a correspondente representatividade em relação aos sistemas aquíferos interceptados. Decorre dessa prática que o caudal de exploração resulta apenas: (i) da consideração do “caudal avaliado”, sem recurso a técnicas de controlo quantitativo durante a perfuração ou, (ii) após descida da coluna definitiva, de curto ensaio de poucos minutos ou horas -- com o compressor e varas do equipamento de perfuração -- designado na gíria comum por “caudal air-lift”, sem controlo de níveis. Não é sequer registado o nível estático. Nas condições enunciadas é óbvio que não é possível retirar de tais obras, senão com grandes simplificações, qualquer parâmetro hidrodinâmico realmente representativo.

No arquivo ACAVACO, LDA tivemos a possibilidade de dispor de várias centenas de relatórios técnicos e técnico-científicos correspondentes a cerca de 250 sondagens realizadas no Maciço Antigo Português entre 1973 e 2003 (cf. GARCIA, 2003). Destes trabalhos conhece-se, fundamentalmente, a georreferenciação, o modelo geológico e hidrogeológico que suportou a decisão da perfuração, o projecto de execução, a caracterização da coluna definitiva e do isolamento sanitário, o controlo hidrogeológico durante a obra, os ensaios finais de caudal e o caudal de exploração recomendado de acordo com os critérios sistematizados por CARVALHO (2000).

Virtualmente todas as sondagens estudadas foram acompanhadas, pessoalmente, por um dos dois primeiros signatários deste trabalho. A implantação foi realizada com base em critérios hidrogeológicos sumários ou apenas resultante de constrangimentos logísticos. Em menos de 10% dos furos houve recurso a levantamentos geoeléctricos de apoio.

Os resultados ora apresentados correspondem ao estado actual das investigações em curso e procuram responder a duas preocupações: (i) a caracterização hidrodinâmica das formações interessadas, e, (ii) a tentativa de obtenção de relações simples entre o caudal específico e a transmissividade e entre o caudal de perfuração e o caudal de exploração.

Por fim, destaque-se que a nível hidrodinâmico apenas foi possível, de forma sistemática, a avaliação da transmissividade, por não se dispor, geralmente, de furos de observação. A população estudada corresponde a simples furos “industriais” de pesquisa e captação de água subterrânea e não estava subjacente qualquer programa de investigação científica ou tecnológica.

2 – LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DAS SONDAGENS

As cerca de 250 sondagens objecto de estudo distribuem-se pelo Maciço Antigo Português conforme se dá conta na figura 1-a abrangendo quatro zonas geotectónicas: Zona Centro-Ibérica, Zona Galiza-Trás-os-Montes, Zona de Ossa-Morena e Zona Sul-Portuguesa, RIBEIRO et al. (1979) e FARÍAS et al. (1987). Em todas as regiões estudadas afloram quase exclusivamente rochas cristalinas, graníticas e metassedimentares do denominado Maciço Antigo (i.e., o substrato Varisco e/ou pré- Varisco).

Após a análise cuidada de todos os pontos inventariados seleccionaram-se, com base na consistência dos dados e populações de furos mais homogéneas e menos dispersas, três zonas distintas do Maciço Antigo que fossem representativas do todo (Porto, Viseu e Beja), cujo enquadramento regional se apresenta na figura 1-b.

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Na população estudada apenas estão incluídas águas de circuito hidrogeológico curto (águas “normais”) não tendo sendo consideradas sondagens em concessões de água mineral natural para termalismo e engarrafamento ou para captação de água de nascente. Foram tidos em conta os furos não produtivos.

a) b)

Figura 1-a Localização dos furos e litologias no Maciço Antigo Português (adaptado do Atlas do Ambiente).Figura 1-b Localização dos furos estudados nas três zonas representativas

Quadro 1 Distribuição das sondagens por Bacia Hidrográfica

Bacia Hidrográfica Nº de Furos com

Registo de Caudal de Exploração

% Nº Total de Furos

Rio Minho 4 2% 4 Rio Cávado 6 3% 6

Rio Ave 8 4% 8 Rio Douro 17 8% 17 Rio Leça 18 8% 18

Rio Vouga 10 4% 10 Rio Mondego 7 3% 7

Rio Tejo 68 30% 68 Rio Sado 33 15% 38

Rio Guadiana 53 23% 73 Rio Arade 2 1% 2

Total 226 251

No quadro 1 apresenta-se a distribuição do número de sondagens por Bacia Hidrográfica.

Observa-se que a maior parte dos furos estudados do arquivo ACAVACO, LDA estão localizados nas Bacias Hidrográficas dos Rios Guadiana, Tejo e Sado, com 23%, 30% e 15% dos furos,

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respectivamente. As restantes Bacias Hidrográficas têm um menor número de sondagens ou captações, rondando as percentagens entre 1% e 8%.

Todas as sondagens foram realizadas pela ACAVACO, LDA, com recurso ao método de martelo de fundo de furo ou de percussão pneumática; técnica, frequentemente, designada, um tanto impropriamente, por rotopercussão. Sendo o método de eleição para perfuração em rochas cristalinas e cristalofílicas deverá ser sempre acompanhado de controlo hidrogeológico sistemático. Nas sondagens estudadas, das quais a Figura 2 é um exemplo, foi realizado controlo hidrogeológico de acordo com os critérios sistematizados por CARVALHO (2000), em particular:

i) estudo e classificação macroscópica da amostragem recolhida à boca do furo; ii) controlo da velocidade de perfuração; iii) medição dos níveis de água; iv) medição sistemática de pH, condutividade eléctrica, temperatura e cloretos; v) execução de ensaios de caudais expeditos durante a furação, controlando caudais

instantâneos às várias profundidades de ocorrência de água, no final da furação e após as operações de limpeza e desenvolvimento;

vi) recolha de amostras de água para análises laboratoriais específicas (e.g., teor de ferro, sulfuração, etc.).

Figura 2 Esquema de Furo-Tipo

A profundidade das sondagens de pesquisa tem um impacto significativo no seu custo final, pelo

que analisamos a variação da profundidade em função das litologias principais do Maciço Antigo Português relacionando-as, obviamente, com o facto de terem sido transformadas em captação. Ou seja, aquelas que tiverem êxito hidrogeológico considerando os fins propostos. Esta apreciação encontra-se sistematizada no Quadro 2.

Da leitura do Quadro 2 ressalta que, em termos médios, nos furos implantados no Complexo Gabro-Diorítico de Beja foi possível obter furos produtivos nos primeiros 50 metros de profundidade, o que mostra que, nestas litologias, foram as zonas alteradas e fracturadas mais superficiais que se constituíram como a parte mais produtiva dos sistemas hidrogeológicos. Por outro lado, nas restantes litologias, foi necessário descer abaixo dos 70 m de profundidade para garantir o cumprimento dos objectivos. A profundidade máxima alcançada foi de 180m.

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Quadro 2 Resultados estatísticos dos valores de profundidade atingida pelas sondagens ou captações nas diversas litologias estudadas e existentes no Maciço Antigo Português.

O controlo hidrogeológico sistemático permitiu disponibilizar elementos referentes à avaliação do caudal de furação em 226 sondagens. Desta forma é possível apresentar uma relação do caudal máximo de perfuração, em três grandes classes litológicas, com a profundidade final de cada furo conforme se mostra na Figura 3. A distribuição de caudais máximos de perfuração por litologia, a propósito da fixação do caudal de exploração, é apresentada no Quadro 3. O caudal máximo de perfuração corresponde geralmente ao caudal medido no final da perfuração.

Figura 3 Relação entre o caudal máximo de perfuração e a profundidade final dos furos

Dos relatórios finais de todas as captações, produzidos de acordo com o estabelecido na legislação em vigor, nomeadamente o Dec-lei 46/94, releva-se a existência de recomendações dos respectivos caudais de exploração baseados na análise e interpretação dos dados do controlo hidrogeológico sistemático. Os dados hidrodinâmicos, por si só, possibilitaram a representação gráfica da figura 4.

O gráfico da figura 4, mostra claramente que os furos nas formações do Complexo Gabro-Diorítico de Beja apresentam produtividades mais elevadas com menores profundidades atingidas, da ordem dos 50 metros, o que corrobora a análise do Quadro 3. Todavia a maior concentração de furos com caudais de exploração com valores interessantes dentro da gama de valores referenciados na bibliografia existente sobre rochas cristalinas e cristalofílicas (LARSSON et al. (1987); WRIGHT e BURGESS (1992); LLOYD (1999); SINGHAL e GUPTA (1999); ROBINS e MISSTEAR (2000); STOBER (2000) e ERHSA (2002)), encontram-se entre as profundidades dos 60 e os 120m.

PROFUNDIDADE (m) GEOLOGIA

Média Mediana Mínimo Máximo Desvio Padrão

Nº Total de Furos

Xistos 80 73 35 110 21 35 Gnaisses 87 78 64 120 24 6 Anfibolitos 75 70 69 100 11 8 Quartzitos 85 85 70 100 21 2 Corneanas 70 70 70 70 - 1

Rochas Metamórficas

Metavulcanitos 104 104 104 104 - 1 Granitos e Rochas granitóides afins 77 73 9 196 42 99

Pórfiros graníticos 73 73 69 76 5 2 Rochas

Magmáticas Complexo gabro-diorítico 46 45 14 107 22 97

Total 251

0

2

4

6

810

12

14

16

18

20

0 50 100 150 200

Profundidade (m)

Cau

dal M

áxim

o de

Per

fura

ção

(L/s

)

Rochas Metamórficas

Rochas Magmáticas

Rochas Magmáticas (Complexo Gabrodiorítico)

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Em furos de profundidade superior a 120 m ainda foi possível obter caudais de exploração da ordem de 1 a 3 L/s.

0

1

2

3

4

5

6

7

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200

Profundidade (m)

Cau

dal d

e E

xplo

raçã

o (l

/s)

Rochas Magmáticas

Rochas Magmáticas (Complexo Gabrodiorítico)

Rochas Metamórficas

Figura 4 Relação entre o caudal de exploração e a profundidade final dos furos

A análise do gráfico da figura 5, que representa a distribuição das profundidades alcançadas,

mostra que cerca de 40% da totalidade de furos estudados possuem uma profundidade entre os 20 e 50m, havendo ainda uma percentagem de perto de 30% e 20%, que corresponde a furos com profundidades entre os 50 e 80m e 80 e 110m respectivamente. As restantes classes de profundidades contribuem com uma percentagem da ordem dos 10% do total.

0%

10%

20%

30%

40% Com menos de 10 m

Entre 10 e 20 m

Entre 20 e 50 m

Entre 50 e 80 m

Entre 80 e 110 m

Entre 110 e 150 m

Entre 150 e 200 m

Figura 5 Distribuição das profundidades alcançadas pelos furos

3 – AVALIAÇÃO DE PARÂMETROS HIDRODINÂMICOS

Os ensaios de caudal disponíveis no arquivo ACAVACO, LDA correspondem a ensaios,

geralmente a caudal constante, com observações de níveis no próprio furo. Os caudais foram avaliados com cronómetro e bidão de 220 litros e os níveis controlados com apito ou sonda eléctrica com precisão da ordem de 0,03m. A duração dos ensaios era inicialmente padronizada em 72 horas mas a necessidade de fazer baixar os custos tem levado a uma redução significativa da duração, que no entanto, normalmente, não desceu abaixo das 24 horas.

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O ensaio de caudal é uma importante ferramenta no estudo do comportamento da captação, na determinação do caudal fornecido por esta e no reconhecimento das características hidrodinâmicas dos aquíferos. No caso dos furos das áreas do Porto, de Viseu e de Beja foi determinada, sistematicamente, a transmissividade (T) e tentou-se a avaliação da condutividade hidráulica (K) considerando a “espessura circulada” entre a primeira e a última zona aquífera em cada sondagem. A metodologia não deu resultados consistentes e foi abandonada.

O coeficiente de armazenamento (S) foi obtido em três situações pontuais em Viseu em que se dispunha de dados de furos de observação. Os valores obtidos são da ordem de 10-4 o que corresponde a situação de confinamento (fracturas relativamente extensas e profundas).

Apresentam-se na figura 3 exemplos dos ensaios de caudal e de recuperação típicos das três zonas estudadas (Porto, Viseu e Beja).

a) b) c)

Figura 3 Exemplo dos ensaios de caudal interpretados: a) Zona do Porto; b) Zona de Viseu; c) Zona de Beja

Na avaliação da transmissividade (T) foram utilizados, nas vinte e quatro sondagens das zonas

representativas, o modelo teórico de THEIS (1935), a aproximação de COOPER e JACOB (1946) e o método da Recuperação de Theis, (DRISCOLL (1986) e KRUSEMAN e RIEDER (1990)). Exemplos, para cada zona estudada (Porto, Viseu e Beja) são mostrados respectivamente, nas figuras 4, 5 e 6.

a) b) c)

Figura 4 Gráfico da interpretação do ensaio de caudal realizado na Zona do Porto (Furo AC4 –ANA): a) Modelo teórico de Theis; b) Aproximação de Cooper-Jacob; c) Método da Recuperação

de Theis

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a) b) c)

Figura 5 Gráfico da interpretação do ensaio de caudal realizado na Zona de Viseu (Furo AC4 –Quinta do Vilar): a) Modelo teórico de Theis; b) Aproximação de Cooper-Jacob; c) Método da

Recuperação de Theis

a) b) c)

Figura 6 Gráfico da interpretação do ensaio de caudal realizado na Zona de Beja (Furo AC14 –Base Aérea): a) Modelo teórico de Theis; b) Aproximação de Cooper-Jacob; c) Método da

Recuperação de Theis

Na interpretação foi utilizado o programa informático “AquiferTest for Windows” (versão 2.55) da “Waterloo Hydrogeologic Software”. O ajuste conseguido ao modelo de Theis (1935), nas variantes atrás referidas foi generalizadamente bom.

Os valores obtidos pelo método de THEIS (1935) diferem em cerca de 0,5 a 1% dos obtidos com a aproximação logarítmica de Cooper–Jacob, ou seja, geralmente o valor mais alto é o correspondente à metodologia clássica de Theis. A correlação é alta com coeficiente de determinação (R2) de 0,7 a 0,9 conforme as áreas representativas. Os valores de transmissividade obtidos pelo método da Recuperação de Theis são menores que os correspondentes a THEIS (1935) e podem ser aproximados pelas relações seguintes: (i) T(recup Theis)=0,72T(Theis) com R2=0,73 para Porto e Viseu, e, (ii) T(recup Theis)=0,86T(Theis) com R2=0,85 para o Complexo Gabro-Diorítico de Beja. Com efeito, AFONSO (1997, 2003) verificara, em ensaios realizados em rochas graníticas da região do Porto, a tendência para os valores de T(recup Theis) serem mais baixos que os de T(Theis).

Nalguns casos verificaram-se efeitos de esvaziamento e/ou desenvolvimento de fracturas e a presença de barreiras impermeáveis. Geralmente, ao fim de poucas horas, era alcançada uma pseudo-estabilização do nível dinâmico de pendor variável com o caudal extraído, o tempo de bombagem e o funcionamento hidráulico local do sistema hidrogeológico. A análise do comportamento do troço final “pseudo-estabilizado” é da maior importância para a fixação do Caudal de Exploração conforme os critérios que serão definidos adiante. A comparação, nas áreas representativas do Porto, de Viseu e de Beja foi realizada considerando a transmissividade (calculada pelos métodos atrás referidos) e o caudal específico ao fim de seis horas. Esta escolha de tempo de bombagem resultou da constatação de que nessas condições o rebaixamento, para os caudais extraídos, está em geral pseudo-estabilizado e, provavelmente, integrado nos limites do Volume Representativo Elementar (VRE). Pesou também o facto de em trabalho anterior de forte impacto regional em Trás-os-Montes, (HIDROPROJECTO, ACAVACO e TAHAL (1989) e CARVALHO (1993)) ter sido utilizado igual critério. Fora das Áreas

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Representativas de Porto, Viseu e Beja as transmissividades foram calculadas, a partir do caudal específico, com recurso às formulas agora deduzidas.

No Quadro 3 é apresentada a variação da transmissividade por litologias.

Quadro 3 - Análise estatística dos valores da transmissividade em função das diferentes litologias

Transmissividade (m2/dia) GEOLOGIA

Média Mediana Mínimo Máximo Desvio Padrão

Xistos 17.5 4.0 0.1 157.9 33.6 Gnaisses 2.5 1.5 1.2 5.7 2.1 Anfibolitos 19.8 3.5 1.5 54.5 30.0 Quartzitos - - - - - Corneanas 0.4 0.4 0.4 0.4 -

Rochas Metamórficas

Metavulcanitos 5.1 5.1 5.1 5.1 - Granitos e Rochas granitóides afins 9.4 4.7 0.6 54.0 11.3

Pórfiros graníticos - - - - - Rochas

Magmáticas Complexo gabro-diorítico 49.3 26.3 1.2 207.8 51.0

População Total 16 8.00 0.1 208 39

Há uma clara dependência da transmissividade em relação à litologia. Verifica-se que as rochas

metassedimentares (T média de 17m2/dia) são claramente mais transmissivas que as eruptivas (T média de 9m2/dia para granitos e afins) à excepção das do Complexo Gabro-Diorítico de Beja (T média de 49m2/dia). Este facto condiciona e determina os caudais de perfuração e os caudais de exploração que apresentam distribuição por litologia semelhante à transmissividade. Esta constatação, evidenciada anteriormente (e.g., HIDROPROJECTO et al. (1989); ALENCOÃO (1998); MENDONÇA et al. (1999); PEREIRA (1999); LIMA (2001)) está na base do zonamento proposto por CARVALHO et al. (2003) para os recursos hídricos subterrâneos do Norte de Portugal.

Em situações específicas bem caracterizadas, muito raras, de filões de quartzo de expressão regional intrusivos em xistos e granitos foram registadas transmissividades, calculadas a partir do caudal específico, da ordem de 400m2/dia! 4 – O CAUDAL DE EXPLORAÇÃO E SUA FIXAÇÃO

A fixação do caudal de exploração das obras tubulares de pesquisa e captação deve ser visto

por vários prismas, nomeadamente: (i) a gestão dos recursos hídricos à escala da unidade regional de gestão; (ii) a gestão do recurso à escala local; (iii) os impactos ambientais da obra, regionais e locais, e a eventual interferência

com terceiros; (iv) as necessidades efectivas do utilizador; (v) o modelo conceptual local do sistema hidrogeológico e características

dimensionais da obra; Este tema foi abordado por CARVALHO (2000) e é agora retomado aqui apenas na óptica da

captação isolada, pois tratou-se de optimizar, caso a caso, as condições técnico-económicas da extracção.

Assim, para cada obra de captação o caudal de exploração recomendado foi fixado atendendo aos critérios seguintes: (i) manutenção do nível dinâmico obrigatoriamente acima do topo dos tubos-ralo, e, (ii) manutenção da velocidade de entrada da água na captação inferior a 0,03m/s.

O dimensionamento dos tubos-ralo -- que desempenham um importante papel neste processo -- foi optimizado a nível da implantação e em relação à abertura (slot) e percentagem de área aberta.

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A colocação dos tubos-ralo é opção determinante pois controla o rebaixamento máximo admissível, e portanto o caudal de exploração sustentado. Em relação à profundidade de colocação do topo superior dos tubos-ralo foram, sistematicamente, considerados dois critérios, consoante o grau de confinamento dos sistemas hidrogeológicos: (i) no caso de sistemas predominantemente livres foi crepinado o terço inferior das zonas produtivas, (ii) no caso de sistemas supostamente semi-cativos ou cativos, para evitar o esvaziamento das fracturas mais produtivas, apenas foram crepinadas as zonas situadas em frente das mesmas, desprezando-se entradas pouco significativas a menores profundidades.

Note-se que CUSTÓDIO e LLAMAS (1976) recomendam que o rebaixamento não ultrapasse 1/3 da “zona permeável”. O caudal de exploração nestas situações não é, geralmente, condicionado pela percentagem de área aberta dos tubos-ralo, isto é, pela velocidade de entrada da água na captação pois os caudais são muito pequenos. De resto pode especular-se que a ultrapassagem do limite dos 0,03m/s não induzirá penalizações substanciais no rendimento hidráulico das captações. De facto, em muitas situações, existem condições de fluxo turbulento nas próprias formações o que pode, porventura, tornar a utilização daquele critério excessivamente conservativo (AWWA (1997); CAMPBEL e LEHR (1973)).

A previsão do caudal de exploração, introduzindo sempre o constrangimento do rebaixamento máximo admissível não ultrapassar o topo do primeiro tubo-ralo, foi sistematicamente realizada considerando: (i) que no final do ensaio de caudal a curva de rebaixamento a caudal constante -- visualizada pela aproximação logarítmica de Cooper-Jacob – se integrava já no conceito do Volume Representativo Elementar (MARSILY (1986)) e era, por isso, passível de extrapolação com pequeno risco, e (ii) que, geralmente, em Portugal não ocorrem mais de seis meses sem recarga. Em captações realizadas a partir da década de noventa do Século XX foi ainda imposta uma condição adicional: a dos volumes anuais a extrair não ultrapassarem os recursos anuais renováveis avaliados nos limites impostos pelas supostas zonas de contribuição e a uma taxa de infiltração julgada representativa (LOBO FERREIRA et al. (1995); SERRALHEIRO et al. (1997); CARVALHO et al. (2000) entre outros).

A distribuição dos caudais máximos de perfuração por litologia é apresentada no Quadro 4 Quadro 4 Análise estatística dos valores de caudais máximos de perfuração das diversas sondagens ou captações realizadas nas diversas litologias estudadas e existentes no Maciço Antigo Português

CAUDAL MÁXIMO DE PERFURAÇÃO (L/s) GEOLOGIA

Média Mediana Mínimo Máximo Desvio Padrão

Nº Total de Furos

Xistos 2.81 1.10 0.05 14.00 3.67 35 Gnaisses 0.25 0.27 0.07 0.40 0.17 6 Anfibolitos 1.00 0.72 0.20 2.50 0.91 8 Quartzitos 0.25 0.25 0.25 0.25 - 1 Corneanas 1.40 1.40 1.40 1.40 - 2

Rochas Metamórficas

Metavulcanitos 1.80 1.80 1.80 1.80 - 1 Granitos e Rochas granitóides afins 1.80 0.56 0.03 14.66 3.01 99

Pórfiros graníticos 2.50 1.30 0.02 11.00 2.57 97 Rochas

Magmáticas Complexo gabro-diorítico 0.27 0.27 0.20 0.33 0.09 2

População Total 2.13 1.00 0.02 14.66 2.89 251

A distribuição dos caudais de exploração por litologia é apresentada no Quadro 5. Conforme se verifica nos Quadros 4 e 5 a distribuição dos caudais apresenta medianas inferiores

às médias, facto que denuncia uma distribuição lognormal, isto é, assimétrica, o que está de acordo com o verificado noutras zonas de rochas cristalinas (DAVIS e DE WIEST (1966) e CUSTÓDIO e LLAMAS (1976)).

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Quadro 5- Análise estatística dos valores de caudais de exploração das diversas sondagens ou captações realizadas nas diversas litologias estudadas e existentes no Maciço Antigo Português

CAUDAL DE EXPLORAÇÃO (L/s) GEOLOGIA

Média Mediana Mínimo Máximo Desvio Padrão

Nº Total de Furos

Xistos 0,92 0,47 0,00 5,00 1,22 35 Gnaisses 0,38 0,28 0,00 1,00 0,42 6 Anfibolitos 0,25 0,00 0,00 1,00 0,38 8 Quartzitos 0,70 0,70 0,00 1,39 0,98 2 Corneanas 0,28 0,28 0,28 0,28 - 1

Rochas Metamórficas

Metavulcanitos 1,00 1,00 1,00 1,00 - 1 Granitos e Rochas granitóides afins 0,55 0,10 0,00 5,10 0,93 99

Pórfiros graníticos 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 2 Rochas

Magmáticas Complexo gabro-diorítico 1,01 0,00 0,00 6,00 1,58 97

População Total 0.74 0.17 0.00 6.00 1.22 251

5 – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS E CONCLUSÕES

As investigações realizadas, conforme já foi referido, conduziram a uma caracterização da transmissividade e da produtividade média por captação unitária em função dos grandes grupos litológicos (ver Quadros 3, 4 e 5). Na Zona Centro-Ibérica as rochas granitóides (sl) apresentam caudais de exploração por captação e transmissividades que são cerca de metade dos das rochas metassedimentares. Na Zona de Ossa-Morena destaca-se o Complexo Gabro-Diorítico de Beja com transmissividades claramente mais elevadas que as da maioria das outras unidades litológicas desse domínio.

Os caudais de exploração médios, considerando todas as litologias são da ordem de 1L/s o que se enquadra nos valores conhecidos noutras zonas do Mundo (e.g., LARSSON et al. (1987); WRIGHT e BURGESS (1992); LLOYD (1999); SINGHAL e GUPTA (1999); ROBINS e MISSTEAR (2000); STOBER (2000); CARVALHO e CHAMINÉ (2002); ERHSA (2002)).

Com base em modelos de regressão linear, foram estabelecidas relações empíricas simples permitindo a avaliação expedita da transmissividade em função do caudal específico. A avaliação da transmissividade a partir do caudal específico em captações em regime permanente, quer em aquíferos confinados quer livres, tem sido proposta por vários autores (e.g., LOGAN (1964)). MEIER et al. (1997) passa em revista os vários métodos que tem sido propostos e chama a atenção para o facto destas relações serem afectadas pelo tempo de bombagem e pela heterogeneidade dos maciços. PEREIRA e ALMEIDA (1997); PEREIRA (1999) e LIMA (2001) abordaram igualmente o tema e apresentaram equações lineares e exponenciais de alguma complexidade e, por isso, de difícil aplicabilidade prática.

O caudal específico varia com o tempo de bombagem, diminuindo com este, conforme assinalado por TODD (1980). A análise da equação de não equilíbrio de um furo em bombagem mostra que o caudal específico diminui com o caudal e o tempo de extracção e cresce com o coeficiente de armazenamento. O caudal específico também pode diminuir com a redução da espessura saturada em aquíferos livres. Finalmente, as perdas de carga condicionadas por projecto, técnica construtiva ou manutenção inadequados pode diminuir também o caudal específico e por consequência o caudal de exploração duma dada captação.

Pelas razões indicadas e atendendo à heterogeneidade dos aquíferos agora estudados a determinação da transmissividade a partir do caudal específico às situações ocorrentes no Maciço Antigo deve ser usada com circunspecção. É particularmente questionável a utilização indiscriminada desta aproximação nas situações em que não se registe a “pseudo-estabilização”.

As relações envolvendo a transmissividade e o caudal específico seguidamente apresentadas no Quadro 6 só poderão ser usadas para tempos de bombagem de 6 horas no Maciço Antigo Português e

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são representativos das condições médias. Nalgumas situações, que se afastem sobremaneira dos modelos teóricos de THIEM (1906) e THEIS (1935), podem ocorrer desvios significativos.

Quadro 6 Síntese das relações estatísticas empíricas da Transmissividade e Caudal de Exploração no Maciço Antigo Português

y Ttheis (m2/dia) Qexpl. (L/s) Áreas Representativas x Qesp. (m3/dia/m) Qmáxperf. (L/s)

Recta de Regressão y =0,72x y = 0,47x Coeficiente de determinação (R2) 0,9705 0,8468

Coeficiente de correlação (R) 0, 985 0,92 Porto e Viseu

Correlação Fortíssima Fortíssima Recta de Regressão y =0,91x y = 0,70x

Coeficiente de determinação (R2) 0,9347 0,8289 Coeficiente de correlação (R) 0,97 0,891

Beja

Correlação Fortíssima Fortíssima Notas: (i) O caudal específico é determinado após 6 horas de extracção e as captações estão adequadamente projectadas e realizadas; (ii) O caudal máximo de perfuração é medido no final da perfuração, antes da colocação do entubamento.

Merece um comentário o facto da relação entre os caudais específicos e as transmissividades diferir significativamente no Complexo Gabro-Diorítico de Beja da mesma relação obtida para Viseu e Porto. Há que atender aos modelos conceptuais hidrogeológicos e funcionamento hidráulico típicos das diversas áreas: em Beja temos captações de cerca de 50m de profundidade instaladas em formações muito alteradas, altamente transmissivas, de pequeno confinamento. No Porto e Viseu foram analisadas captações com cerca de 100m captando predominantemente nas zonas sãs, fracturadas, e o funcionamento hidráulico deve ser do tipo confinado ou semiconfinado.

Sendo assim não surpreende que as equações sejam distintas nas duas situações: LOGAN (1964) propôs equações diferentes para aquíferos livres e aquíferos confinados tal como CUSTÓDIO e LLAMAS (1976). Este, atendendo às equações de THIEM (1906) e às relações mais frequentes entre o raio de influência (R) e o raio do furo (rp) propõe que num aquífero livre a relação de proporcionalidade entre a transmissividade e o caudal específico seja de 0,74 a 2,1 e em aquíferos cativos de 0,54 a 1,04. As relações agora obtidas (0,91 e 0,72) encaixam-se perfeitamente nessa gama de variação com o valor mais alto do coeficiente de proporcionalidade correspondendo à população de furos mais superficiais, supostamente instalados em aquífero com menor confinamento.

Não foram investigadas no âmbito deste trabalho eventuais relações entre o caudal específico (ou a transmissividade) e o caudal “air-lift” obtido durante a limpeza e desenvolvimento pós-entubamento pois os valores de caudal e rebaixamento assim obtidos já estão influenciados pelas técnicas construtivas, como facilmente se compreende.

As relações apresentadas no Quadro 6 entre o caudal de exploração sustentado (Qexpl) em função do caudal máximo de perfuração (Qmáx perf ) apresentam uma importância fundamental para a gestão correcta dos aquíferos e das captações. Chamamos à relação Qexpl/Qmáx perf o Coeficiente de Redução do Caudal (CRC).

Constata-se que no caso das áreas representativas de Porto e Viseu o Coeficiente de Redução de Caudal (CRC) de 0,47 indica que o caudal de exploração é de cerca de metade do caudal máximo de perfuração.

No caso particular da área de Beja, no Complexo Gabro-Diorítico, a diminuição, quando se passa do caudal máximo de perfuração para caudal de exploração é menor - Coeficiente de Redução de Caudal (CRC) de 0,70. Note-se que em Beja as transmissividades e os caudais específicos são mais altos e as profundidades menores que nas outras áreas.

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A diferença verificada nos Coeficientes de Redução de Caudal (CRC) deriva das condições de submergência na “bombagem” com “air lift”, que é condicionada pela profundidade e produtividade dos furos analisados que não são as mesmas em Beja e em Porto/Viseu.

No método de perfuração com martelo de fundo de furo o caudal extraído durante as operações de perfuração com ar comprimido é função da submergência. A submergência -- B/C em %, em que B é a altura (m) da água acima do tubo de injecção do ar dentro do furo e C a altura (m) acima do mesmo referencial até à saída da água à superfície -- controla o caudal extraído. Ora no caso de Beja, em que os furos são mais curtos, a submergência é pequena (menor que nas outras áreas), os rebaixamentos são menores e, portanto, o caudal extraído é percentualmente menor. Daí o coeficiente de redução de Caudal (CRC) ser mais pequeno.

A análise para a população total de 251 furos conduz à relação Qexpl=0,39 Qmax de perf (com R2 de 0,5). A correlação forte, mas com grande dispersão, explica a relação Qexpl=(1/2 a 1/3) Qmax de perf

proposta por CARVALHO (2000) que aqui se retoma. Isto é, nos furos no Maciço Antigo deve ser considerado um Coeficiente de Redução de Caudal (CRC) de 1/2 a 1/3. AGRADECIMENTOS

Os autores dedicam este estudo - e expressam a sua gratidão, reconhecimento e admiração pelo trabalho realizado - aos Mestres, Chefes de Turno e operários de sondagem, profissionais competentes e corajosos, que durante anos executaram os trabalhos de campo aqui analisados. São devidos agradecimentos à ACAVACO, LDA pelas facilidades para consulta do seu excelente Banco de Dados e aos Donos de Obra que financiaram os trabalhos de campo. Sónia Garcia agradece ao PRODEP a bolsa de estágio concedida. Finalmente os agradecimentos dos autores ao Professor Helder Iglésias Chaminé (ISEP) pela leitura crítica e as sugestões ao manuscrito original.

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