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Departamento de Engenharia de Materiais 1 CARACTERIZAÇÃO DOS CICLOS TÉRMICOS EM SOLDAGEM CIRCUNFERENCIAL DE AÇOS DA CLASSE API5L Aluno: Leandro Abrantes de Campos Abaurre Orientador: Ivani de S. Bott 1. Introdução Uma junta soldada de um processo de soldagem por fusão é constituída de metal de solda, linha de fusão (LF), zona termicamente afetada (ZTA) e metal de base (MB). Durante a soldagem por fusão, o aço é submetido a ciclos térmicos que criam na região adjacente à solda a zona termicamente afetada (ZTA). Dentro desta região se formam sub-regiões que constituem a ZTA, região de grãos grosseiros (RGG), região de grãos grosseiros intercrítica (RGGI), região de grãos grosseiros subcrítica (RGGSC), as quais correspondem a diferentes microestruturas uma vez que existe um gradiente de temperatura entre a linha de fusão e o metal de base. A RGG experimenta temperatura próxima a temperatura de austenitização (> 1000 o C), a RGGI T >> Ac 3 , RGGSC T < Ac 1 . O aço em estudo é um aço microligado de alta resistência API X80 cuja microestrutura é constituída de ferrita poligonal (FP), quase-poligonal (FQP), bainita, microconstituintes austenita e martensita (AM) e agregados eutetóides de ferrita e carbonetos [1]. A presença destes microconstituintes AM em regiões da ZTA pode levar a redução da tenacidade de uma junta soldada. Considerando que em uma junta soldada real estas regiões possuem dimensões que não permitem a avaliação das propriedades mecânicas de cada uma delas, se torna necessário simular estas regiões de modo a encontrar a relação entre a presença de AM e tenacidade da junta soldada. Uma amostra metálica polida não permite a distinção de microestruturas presentes, pois a luz é uniformemente refletida não havendo diferença de contraste entre os constituintes. Para se obter diferenças de contrastes perceptíveis soluções químicas específicas são utilizadas dependendo do tipo de material, microestrutura e contraste que se almeja revelar. No presente trabalho, para a determinação da presença de AM são utilizados três reagentes diferentes: Nital 2%, LePera modificado e Ikawa. Independente do reagente o mecanismo de ataque permanece o mesmo. Segundo Julio Suni [2] diferentes fases apresentam diferentes composições químicas, que por sua vez são desgastadas seletivamente pelo ataque químico escolhido. Esta corrosão controlada é fruto da diferença de potencial eletroquímico como consequência das composições químicas diferirem entre as fases. Nital 2% é uma solução de 2 mL de ácido nítrico (HNO 3 ) em 98 mL de etanol. Este reagente revela os contornos de grãos em aços carbono; exibe contraste máximo entre perlita e ferrita ou cementita; revela contornos de ferrita; diferencia ferrita de martensita [3]. O reagente LePera modificado é uma solução formada pela mistura de duas outras soluções diferentes. A primeira solução possui 1 g de metabissulfito de sódio (Na 2 S 2 O 5 ) diluído em 100 mL de água destilada (1% metabissulfito de sódio) e a segunda 4 g de ácido pícrico diluído em 100 mL de etanol (4% picral). As duas soluções são misturadas na

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Departamento de Engenharia de Materiais

1

CARACTERIZAÇÃO DOS CICLOS TÉRMICOS EM SOLDAGEM CIRCUNFERENCIAL DE AÇOS DA CLASSE API5L

Aluno: Leandro Abrantes de Campos Abaurre Orientador: Ivani de S. Bott

1. Introdução

Uma junta soldada de um processo de soldagem por fusão é constituída de metal de solda, linha de fusão (LF), zona termicamente afetada (ZTA) e metal de base (MB). Durante a soldagem por fusão, o aço é submetido a ciclos térmicos que criam na região adjacente à solda a zona termicamente afetada (ZTA). Dentro desta região se formam sub-regiões que constituem a ZTA, região de grãos grosseiros (RGG), região de grãos grosseiros intercrítica (RGGI), região de grãos grosseiros subcrítica (RGGSC), as quais correspondem a diferentes microestruturas uma vez que existe um gradiente de temperatura entre a linha de fusão e o metal de base. A RGG experimenta temperatura próxima a temperatura de austenitização (> 1000oC), a RGGI T >> Ac3, RGGSC T < Ac1.

O aço em estudo é um aço microligado de alta resistência API X80 cuja microestrutura é constituída de ferrita poligonal (FP), quase-poligonal (FQP), bainita, microconstituintes austenita e martensita (AM) e agregados eutetóides de ferrita e carbonetos [1]. A presença destes microconstituintes AM em regiões da ZTA pode levar a redução da tenacidade de uma junta soldada. Considerando que em uma junta soldada real estas regiões possuem dimensões que não permitem a avaliação das propriedades mecânicas de cada uma delas, se torna necessário simular estas regiões de modo a encontrar a relação entre a presença de AM e tenacidade da junta soldada.

Uma amostra metálica polida não permite a distinção de microestruturas presentes, pois a luz é uniformemente refletida não havendo diferença de contraste entre os constituintes. Para se obter diferenças de contrastes perceptíveis soluções químicas específicas são utilizadas dependendo do tipo de material, microestrutura e contraste que se almeja revelar. No presente trabalho, para a determinação da presença de AM são utilizados três reagentes diferentes: Nital 2%, LePera modificado e Ikawa. Independente do reagente o mecanismo de ataque permanece o mesmo. Segundo Julio Suni [2] diferentes fases apresentam diferentes composições químicas, que por sua vez são desgastadas seletivamente pelo ataque químico escolhido. Esta corrosão controlada é fruto da diferença de potencial eletroquímico como consequência das composições químicas diferirem entre as fases.

Nital 2% é uma solução de 2 mL de ácido nítrico (HNO3) em 98 mL de etanol. Este reagente revela os contornos de grãos em aços carbono; exibe contraste máximo entre perlita e ferrita ou cementita; revela contornos de ferrita; diferencia ferrita de martensita [3].

O reagente LePera modificado é uma solução formada pela mistura de duas outras soluções diferentes. A primeira solução possui 1 g de metabissulfito de sódio (Na2S2O5) diluído em 100 mL de água destilada (1% metabissulfito de sódio) e a segunda 4 g de ácido pícrico diluído em 100 mL de etanol (4% picral). As duas soluções são misturadas na

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proporção 1:1 no momento da realização dos ataques a fim de se preservar a reatividade do reagente. Com a aplicação deste ataque, a ferrita apresenta uma coloração amarela/azul, a bainita aparece marrom e a austenita e martensita retida (AM) aparecem brancas [4].

O ataque eletroquímico proposto por Ikawa et. al. [5] visa revelar o microconstituinte AM e é adequado para observação por Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV). O ataque é composto por dois ataques eletrolíticos utilizando-se dois eletrólitos diferentes. O primeiro ataque é feito com uma diferença de potencial (d.d.p.) de 3V e um eletrólito composto por 5 g de EDTA (C10H16N2O8), 0,5 g de fluoreto de sódio (NaF) e 100 mL de água destilada por 3 segundos. Com este primeiro ataque a ferrita é atacada junto com o microconstituinte AM e os carbonetos permanecendo intactos. O segundo ataque utiliza uma d.d.p. de 6V e um eletrólito composto por 5 g de ácido pícrico (C6H3N3O7), 25 g de hidróxido de sódio (NaOH) e 100 mL de água destilada por 30 segundos. Nesta segunda fase do ataque, os carbonetos são seletivamente corroídos, deixando-os em baixo relevo e mantendo os microconstituintes AM em alto relevo, facilitando sua visualização.

Alé et. al. [6] propuseram uma nova forma de identificar o microconstituinte AM por intermédio de Microscopia Ótica (MO) e MEV utilizando o ataque LePera modificado juntamente com a segunda solução do ataque eletrolítico Ikawa. O estudo foi feito na ZTA de um aço C-Mn, com baixo teor de carbono, microligado com Nb e pequenas adições de Ni e Cu.

2. Objetivo

O objetivo principal do presente estudo é correlacionar a fração volumétrica do microconstituinte AM presente nas regiões da ZTA com a energia Charpy absorvida. O objetivo secundário é a determinação de uma metodologia de ataque para as amostras referentes às regiões da ZTA estudadas. 3. Metodologia

Amostras do aço API X80 foram submetidas a aquecimento por indução de modo a simular as regiões da ZTA, nas temperaturas de 800°C correspondendo a egião de grãos grosseiros reaquecidos intercriticamente (RGGRI) e 1200°C região de grãos grosseiros inalterados (RGGI) e posteriormente submetidas ao ensaio Charpy a -40oC e -60oC para determinação da tenacidade.

Os corpos de prova que obtiveram máxima e mínima energia absorvidas foram selecionados e preparados para o estudo metalográfico. Os processos realizados foram respectivamente:

1) Corte: A área específica a ser estudada foi cortada com uma serra fina de diamante com baixo RPM (300 RPM) e farta refrigeração, a fim de evitar a alteração (dano) da microestrutura por adição de calor à amostra; a alteração da microestrutura nesta fase interfere no resultado real do experimento.

2) Embutimento Metalográfico: Foi utilizada uma embutidora metalográfica a quente,

juntamente com uma resina eletricamente condutora. Assim, as amostras eram mais facilmente manipuladas nos processos subsequentes.

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3) Lixamento: As amostras devem ser lixadas, previamente ao polimento para

nivelamento perfeito da superfície. Este procedimento também deve ser feito com rotação baixa de 300 RPM e com farta refrigeração, para novamente se evitar a alteração da microestrutura da amostra.

4) Polimento: O polimento deve ser realizado para se obter um acabamento espelhado,

livre de arranhões e irregularidades dos processos anteriores.

5) Ataque Químico: Utilizados para revelar os constituintes AM das amostras.

Para revelar os constituintes AM, foi realizada uma sequência de ataques utilizando três reagentes. Inicialmente a amostra era pré-atacada com Nital 2% por 10 segundos, depois com o reagente LePera modificado por 20 segundos, seguido de ataque eletrolítico Ikawa por 160 segundos, e finalmente o reagente LePera modificado por 5 segundos; os tempos foram pré-estabelecidos de acordo com Julio Suni. Entre cada etapa de ataque as amostras eram lavadas com etanol e para finalizar a umidade era retirada com um jato de ar quente.

Foi observado que as amostras em estudo não responderam aos ataques como previsto sendo necessário modificar o procedimento. Assim sendo o último ataque LePera modificado teve seu tempo alterado. Foram realizados sucessivos incrementos de tempo até se atingir um tempo ótimo de ataque para cada condição de tratamento térmico.

Após a realização dos ataques, as amostras foram levadas ao MO. As imagens da região de propagação do entalhe Charpy foram aquisitadas com aumento de mil vezes (x1000), objetivando a obtenção da fração volumétrica do microconstituinte AM por análise digital de imagem.

4. Resultados

Os resultados obtidos são apresentados em função das temperaturas de pico. Na

realização dos testes, foi observado experimentalmente que a reatividade do reagente LePera modificado reduziu com o tempo, entre uma e duas horas após o preparo da solução, o que implicou na necessidade de maiores tempos de ataque. Desta forma, o preparo de uma nova solução era necessário em intervalos regulares de uma hora a fim de se manter um padrão na obtenção dos tempos de ataque.

4.1. Temperatura de Pico de 800°C

Para a temperatura de 800°C os ataques foram realizados de 10 a 40 segundos, usando incrementos de 10 segundos e ilustrados, respectivamente, pelas Figuras 1 a 4. As amostras apresentaram um contraste satisfatório a partir de 20 segundos. Acima de 30 segundos as amostras começavam a apresentar sinais de over etching onde a amostra é atacada além do necessário, comprometendo a imagem obtida e consequentemente a obtenção da fração volumétrica de AM. Desta forma o tempo de ataque entre 20 e 30 segundos para 800°C permitiu um melhor contraste.

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Figura 1 – Pré-ataque Nital 2%: 10s, 1º LePera Modificado: 20s, Ikawa: 160s, 2º LePera

Modificado: 10s. MO aumento 1000X.

Figura 2 – Pré-ataque Nital 2%: 10s, 1º LePera Modificado: 20s, Ikawa: 160s, 2º LePera Modificado: 20s. MO aumento 1000X.

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Figura 3 – Pré-ataque Nital 2%: 10s, 1º LePera Modificado: 20s, Ikawa: 160s, 2º LePera Modificado: 30s. MO aumento 1000X.

Figura 4 – Pré-ataque Nital 2%: 10s, 1º LePera Modificado: 20s, Ikawa: 160s, 2º LePera Modificado: 40s. MO aumento 1000X.

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4.2. Temperatura de Pico de 1200°C

Para a temperatura de 1200°C foram realizados ataques entre os tempos de 15 a 35 segundos, com incrementos sucessivos de 10 segundos e ilustrados, respectivamente, pelas Figuras 5 a 7. Observa-se que um contraste favorável já é obtido com o tempo de 35 segundos.

Ataques acima de 35 segundos serão feitos para a continuidade deste trabalho. Contudo baseado na tendência das amostras de 800°C, pode-se supor por extrapolação que as amostras de 1200° devem começar a mostrar sinais de ataque excessivo para tempos em torno de 45-50 segundos. Naturalmente esta hipótese deve ser testada experimentalmente a fim de ser confirmada.

Figura 5 – Pré-ataque Nital 2%: 10s, 1º LePera Modificado: 20s, Ikawa: 160s, 2º LePera

Modificado: 15s. MO aumento 1000X.

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Figura 6 – Pré-ataque Nital 2%: 10s, 1º LePera Modificado: 20s, Ikawa: 160s, 2º LePera

Modificado: 25s. MO aumento 1000X.

Figura 7 – Pré-ataque Nital 2%: 10s, 1º LePera Modificado: 20s, Ikawa: 160s, 2º LePera

Modificado: 35s. MO aumento 1000X.

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5. Conclusão

A quantificação do microconstituinte AM é dependente da revelação dos mesmos por intermédio de ataque químico. Foi observado durante a fase de ataques que as condições necessárias para a obtenção de uma imagem com bom contraste poderiam ser diferentes de acordo com o tratamento térmico que o aço recebeu.

Pelos testes realizados a diferença nos tempos de ataque se mostrou presente. As amostras de temperatura de pico de 1200ºC mostraram uma tendência para a necessidade do aumento no tempo do segundo ataque LePera modificado de 10 segundos, em relação às amostras de temperatura de pico de 800°C.

6. Referências Bibliográficas

[1] José Luis Montalvo Andia. Caracterização Microestrutural, Mecânica e Simulação Física da ZTA em Aço API X80". Agosto 2012. Dissertação (Mestrado em Engenharia Metalúrgica e de Materiais) - Pontifícia Universidade Católica, Departamento de Engenharia de Materiais [2] Julio Damian Suni Mamani. Quantificação por Microscopia Digitak do Microconstituinte Austenita - Martensita em Aço de Baixa Liga. Março 2013. Dissertação (Mestrado em Engenharia Metalúrgica e de Materiais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de janeiro, Departamento de Engenharia de Materiais [3] Bescoter, Arlan O. Carbon and Alloy Steels: Metallographic Techniques and Microstructures, ASM Metals Handbook Vol. 09 – Metallography and Microstructures, 2004. 281p. [4] Lepera, F. S. Improved Etchnique for the Determination of Percent Martensite in High-Strength Dual-Phase Steels. Metallography 12: 263-268 (1979). [5] Ikawa, Hiroshi, Oshige, Hiroaki e Tanoue, Toyoaki. Effect of Martensite-Austenite Constituent on HAZ Toughness of a High Strength Steel. Transactions of the Japan Welding Society, Vol. 11, No 2, October 1980. [6] Alé, R. M., Rebello, J. M.A. e Charlier, J. A Metallographic Technique for Detecting Martensite-Austenite Constituents in the Weld Heat- Affected Zone of a Micro-alloyed Steel. Elsevier Science Inc., 1996 Materials Characterization 37:89-93. Materials Characterization 37:89-93 - Elsevier Science., 1996.