caracterização de argamassas no estado fresco aplicando a técnica

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68 Evolvere Scientia UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO Evolvere Scientia UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO CARACTERIZAÇÃO DE ARGAMASSAS NO ESTADO FRESCO APLICANDO A TÉCNICA DE CISALHAMENTO DIRETO José Getulio Gomes de Sousa 1* e Luiz Péricles Bahia de Aquino Filho 1 1 Universidade Federal do Vale do São Francisco, 48902-300 Juazeiro, BA, Brasil. *Email: [email protected] Resumo: Este artigo apresenta a caracterização de argamassas em estado fresco, para revestimento de alvenarias, baseado no ensaio de cisalhamento direto. O estudo foi realizado com argamassas mistas de cimento, cal e areia, produzidas atendendo os padrões de trabalhabilidade usuais. Como resultado, a partir das curvas de tensão de cisalhamento máximo em função da tensão normal aplicada, determinou-se os valores do ângulo de atrito interno e de intercepto de coesão. Analisando os dados, observou-se que quando a proporção de cal aumenta na composição das argamassas, os valores para o ângulo de atrito tendem a aumentar também, mas os valores para coesão tendem a diminuir. Entretanto, essa tendência é minimizada nas argamassas com maiores proporções de cimento, cujo efeito do aumento no teor de cal não é perceptível, em relação a mudança no ângulo de atrito e na coesão da argamassa. Palavras-chave: Argamassas, Trabalhabilidade, Cisalhamento Direto. Abstract: This article presents a characterization of mortars in fresh state, for coating walls, based on the direct shear test. The study was carried out with mortar mixed of cement, lime and sand produced considering the usual standards of workability. As a result, from the curves of maximum shear stress as a function of applied normal stress, was calculated the values of the angle of internal friction and cohesion intercept. Analysis of the data revealed that when the proportion of lime increases in the composition, values for the angle of friction tends to increase too, but the values to the cohesion tend to decrease. However, this tendency is minimized in mortar with higher proportions of cement, whose effect the increase in lime content is not noticeable in relation to change in the angle of friction and cohesion of the mortar. Keywords: Mortar, Workability, Direct Shear. Evolvere Scientia, V. 2, N. 1, 2013 ARTIGO

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Page 1: caracterização de argamassas no estado fresco aplicando a técnica

68

Evolvere ScientiaUNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO

Evolvere ScientiaUNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO

CARACTERIZAÇÃO DE ARGAMASSAS NO ESTADO FRESCO APLICANDO A TÉCNICA DE CISALHAMENTO DIRETO

José Getulio Gomes de Sousa1* e Luiz Péricles Bahia de Aquino Filho1 1 Universidade Federal do Vale do São Francisco, 48902-300 Juazeiro, BA, Brasil.

*Email: [email protected]

Resumo: Este artigo apresenta a caracterização de argamassas em estado fresco, para

revestimento de alvenarias, baseado no ensaio de cisalhamento direto. O estudo foi realizado

com argamassas mistas de cimento, cal e areia, produzidas atendendo os padrões de

trabalhabilidade usuais. Como resultado, a partir das curvas de tensão de cisalhamento máximo

em função da tensão normal aplicada, determinou-se os valores do ângulo de atrito interno e de

intercepto de coesão. Analisando os dados, observou-se que quando a proporção de cal aumenta

na composição das argamassas, os valores para o ângulo de atrito tendem a aumentar também,

mas os valores para coesão tendem a diminuir. Entretanto, essa tendência é minimizada nas

argamassas com maiores proporções de cimento, cujo efeito do aumento no teor de cal não é

perceptível, em relação a mudança no ângulo de atrito e na coesão da argamassa.

Palavras-chave: Argamassas, Trabalhabilidade, Cisalhamento Direto.

Abstract: This article presents a characterization of mortars in fresh state, for coating walls,

based on the direct shear test. The study was carried out with mortar mixed of cement, lime

and sand produced considering the usual standards of workability. As a result, from the curves

of maximum shear stress as a function of applied normal stress, was calculated the values of

the angle of internal friction and cohesion intercept. Analysis of the data revealed that when

the proportion of lime increases in the composition, values for the angle of friction tends to

increase too, but the values to the cohesion tend to decrease. However, this tendency is

minimized in mortar with higher proportions of cement, whose effect the increase in lime

content is not noticeable in relation to change in the angle of friction and cohesion of the

mortar.

Keywords: Mortar, Workability, Direct Shear.

Evolvere Scientia, V. 2, N. 1, 2013

ARTIGO

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Evolvere Science, V. 2, N. 1, 2013

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INTRODUÇÃO

As argamassas de revestimento são

definidas na engenharia civil como

materiais obtidos pela mistura, em

proporções adequadas, de aglomerante

(cimento e cal), agregado miúdo e água,

com ou sem aditivos e adições. Esses

materiais são amplamente utilizados na

execução dos revestimentos no Brasil,

exercendo diversas funções, tais como,

proteger os elementos de vedação dos

edifícios da ação direta dos agentes

agressivos; auxiliar no isolamento termo

acústico e estanqueidade das vedações;

regularizar a superfície dos elementos de

vedação, servindo de base adequada ao

recebimento de outros revestimentos; além

de contribuir para a estética da edificação.

Os estudos das argamassas de

revestimento vêm sendo motivados pelo

interesse em se conhecer melhor as

propriedades dos materiais constituintes e

como estas podem influenciar nas

propriedades da argamassa no estado fresco

e no estado endurecido.

Em relação as argamassas em estado

fresco, existe uma carência de estudos

capazes de avaliar, sistematicamente, e de

forma quantitativa suas propriedades. Isso

se deve, principalmente a tradição corrente

do uso de critérios e procedimentos

baseados em avaliações qualitativa e táctil-

visual, os quais infelizmente permitem, em

alguns casos, uma interpretação errônea do

real comportamento das argamassas.

No meio científico, a necessidade de

uma avaliação das propriedades das

argamassas no estado fresco, com base em

modelos de natureza quantitativa já tem

sido discutida. É certo que essa nova

avaliação ainda deve envolver e relacionar

os parâmetros usados atualmente para

avaliação qualitativa das argamassas no

estado fresco, tais como: trabalhabilidade,

consistência, plasticidade, retenção de água,

exsudação, aspereza, dentre outras. Nesse

sentido, algumas das possibilidades que

surgem estão baseadas na aplicação de

ferramentas da Mecânica dos Solos no

estudo do comportamento desse material.

A utilização de conceitos, propriedades

e métodos já consolidados da Mecânica dos

Solos para um melhor entendimento do

comportamento das argamassas no estado

fresco, parece um campo bastante

promissor e têm alguns pontos favoráveis,

que se justificam:

• primeiro, trata-se de uma teoria

amplamente explorada nos cursos de

engenharia civil, das principais

universidades do país, e portanto conta

com um bom corpo técnico-científico

para estudo desse material;

• Em segundo lugar, a disponibilidade de

técnicas e equipamentos usados na

análise dos solos, mas potencialmente

adaptáveis ao estudo das argamassas,

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como por exemplo, as técnicas de

Cisalhamento Direto e Compressão

Triaxial.

O presente trabalho, portanto, busca

contribuir para a discussão sobre as

propriedades das argamassas no estado

fresco, analisando a trabalhabilidade do

material a partir de uma técnica de

cisalhamento direto comum a Mecânica dos

Solos. Para tanto, pretende-se desenvolver

estudos para avaliar como alterações na

composição das argamassas, a saber, o teor

e tipo das partículas do aglomerante, podem

influenciar no cálculo de parâmetros tais

como o intercepto de coesão e o ângulo de

atrito, os quais são obtidos pelo uso da

técnica de cisalhamento direto.

Este trabalho está inserido na linha de

pesquisa de Materiais e Técnicas

Construtivas do Grupo de Pesquisas em

Construção Civil da UNIVASF (GPEC).

REVISÃO

Trabalhabilidade das argamassas

Na construção civil, termos como

trabalhabilidade, consistência, coesão e

plasticidade são usados para descrever o

comportamento de materiais como

argamassas e concretos no estado fresco. A

trabalhabilidade das argamassas, de um

modo geral, é traduzida em termos de

parâmetros como: consistência,

plasticidade, coesão, exsudação, aspereza e

capacidade de retenção de água e adesão.

A trabalhabilidade é uma propriedade

das argamassas no estado fresco muito

importante, haja vista a sua obrigatoriedade

para um fácil manuseio do material. Essa

propriedade oferece certo grau de

complexidade, pois é influenciada por

inúmeros fatores, tanto internos (teor de

água; proporção entre aglomerantes e

agregado; natureza e teor dos plastificantes;

distribuição granulométrica, forma e textura

dos grãos do agregados; natureza, teor e

tipo de aditivos), quanto externos (tipo de

mistura; tipo de transporte; técnica de

execução do revestimento; e características

da base de aplicação).

A avaliação da trabalhabilidade ainda é

feita de forma qualitativa, embasada no

conhecimento e na experiência dos

profissionais envolvidos na produção desse

material. A sua determinação é, portanto,

intuitiva, difícil de avaliar, e busca

subsídios em outras características da

argamassa. Na literatura técnica, inclusive,

são apontadas definições para essa

propriedade meramente descritivas.

Em termos práticos, é certo que a

trabalhabilidade está diretamente

relacionada a facilidade de aplicação das

argamassas pelo operário. Contrapondo a

isso, a falta de trabalhabilidade da

argamassa é traduzida por aspectos como

uma argamassa áspera, muito seca ou muito

fluida, com segregação e exsudação

excessiva, com dificuldade de espalhar

sobre a base de aplicação, falta de adesão e

em certas dificuldades para início das

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71

operações de acabamento. Em alguns casos,

a forma mais simples para ajustar a

trabalhabilidade de uma argamassa é

alterando seu teor de cimento e cal (assim,

modificando a plasticidade e a coesão) ou a

quantidade de água (portanto, alterando a

consistência). Na execução de um

revestimento, normalmente, o operário

executa de forma intuitiva tais

procedimentos para ajuste da

trabalhabilidade, porém, sem conhecer

conceitualmente a influência de cada

material nas propriedades das argamassas.

A consistência e a plasticidade são as

principais propriedades que determinam

uma condição de trabalhabilidade das

argamassas de revestimento. Em alguns

momentos, essa condição torna-se sinônimo

dessas duas propriedades. Segundo RILEM

(1982), consistência e plasticidade podem

ser definidas das seguintes formas:

• Consistência – é a propriedade pela qual

a argamassa tende a resistir às

deformações que lhe são impostas;

• Plasticidade – é a propriedade que

permite a argamassa deformar-se, sob a

ação de forças superiores às que

promovem a sua estabilidade, mantendo

a deformação depois de retirado o

esforço.

De um modo geral, é certo que as duas

propriedades são interligadas e, em

determinados momentos, não podem ser

tratadas independentemente quando se

analisa uma condição de trabalhabilidade.

O método mais utilizado para avaliar a

consistência das argamassas é o método da

Mesa de Consistência (NBR 13276, 2005).

Entretanto, apesar da grande utilização, esse

é um dos ensaios mais criticados quanto à

avaliação de uma condição de

trabalhabilidade, pois o método é bastante

influenciado pelas propriedades intrínsecas

de cada argamassa.

Técnicas da mecânica dos solos

A mecânica dos solos constitui-se

numa ciência na qual o engenheiro civil se

baseia para desenvolver projetos como, por

exemplo, fundações, barragens,

pavimentos, túneis, dentre outros. A

utilização dos conceitos, propriedades e

métodos de ensaio da mecânica dos solos

para caracterizar propriedades das

argamassas de revestimento no estado

fresco, justifica-se por que determinados

tipos de solos apresentarem similaridades

com o material que se deseja analisar, no

caso, as argamassas de revestimento. A

existência de várias técnicas, utilizadas na

mecânica dos solos, que podem ser

plenamente utilizadas no estudo das

propriedades das argamassas no estado

fresco é outro ponto favorável como, por

exemplo, os ensaios de Cisalhamento direto

e de Compressão Triaxial. Entretanto as

análises, dos ensaios com argamassas

utilizando esses métodos, devem ser feitas

com cautela, pois no caso dos solos as

hipóteses colocadas permitem estabelecer

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Evolvere Science, V. 2, N. 1, 2013

72

uma relação capaz de caracterizar cada

propriedade, inclusive estabelecendo

valores que são utilizados na classificação

de determinados tipos de solos e como

parâmetros de projetos de obras. Já nas

argamassas, as hipóteses levantadas devem

ser ajustadas, uma vez que as condições, às

quais os dois materiais (solos e argamassas)

estão submetidos, são bem diferenciadas na

prática.

Técnica de Cisalhamento direto

A resistência ao cisalhamento pode ser

definida como a máxima tensão de

cisalhamento que um material pode

suportar sem sofrer ruptura, ou de outro

modo, é a tensão de cisalhamento do

material no plano em que a ruptura estiver

ocorrendo. O entendimento do processo de

cisalhamento é feito analisando os

fenômenos de atrito e coesão.

O ensaio de cisalhamento direto, que foi

utilizado na presente pesquisa, é o mais

antigo procedimento para a determinação

da resistência ao cisalhamento e se baseia

diretamente no modelo de Coulomb. Um

esquema do procedimento, utilizado

durante o ensaio, é apresentado nas Figuras

1 e 2.

Figura 1 – Configuração antes do ensaio de cisalhamento direto Fonte: SOUSA, 2005.

Figura 2 – Configuração após o antes do ensaio de cisalhamento direto Fonte: SOUSA, 2005.

O material a ser ensaiado é colocado

parcialmente numa caixa de cisalhamento,

ficando com sua metade superior dentro de

um anel. Aplica-se, inicialmente, uma força

vertical (definida como força normal). Na

sequência, uma força tangencial é aplicada

ao anel que contém a parte superior da

amostra, provocando um deslocamento.

Registra-se então, a força suportada pela

amostra, o deslocamento horizontal e o

deslocamento vertical (ver Figuras 1 e 2).

A tensão normal (σ) e a tensão de

cisalhamento (τ) são respectivamente os

resultados da divisão entre a força normal e

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Evolvere Science, V. 2, N. 1, 2013

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força tangencial (obtidas durante o ensaio)

pela área da seção transversal do corpo de

prova. O ensaio fornece a tensão de

cisalhamento em função do deslocamento

horizontal, sendo possível identificar a

tensão de ruptura (ou máxima) e a tensão

residual, conforme ilustra a Figura 3. A

tensão residual corresponde à tensão que a

amostra ainda suporta após ultrapassar a

condição de ruptura.

Figura 3 – Tensão de cisalhamento em função do deslocamento horizontal Fonte: PINTO, 2000.

O ensaio deve ser realizado com

diferentes tensões normais (no mínimo

três), condição necessária para a obtenção

da curva de resistência, ou envoltória de

resistência, descrita pelo critério de

Coulomb, conforme descreve a Figura 4.

Figura 4 – Tensão de cisalhamento em função do deslocamento horizontal Fonte: PINTO, 2000.

Ajustando os dados experimentais com

uma reta, tem-se o intercepto de coesão (c)

e a tangente do ângulo de atrito (φ), que são

obtidas, respectivamente, a partir do

coeficiente linear e do coeficiente angular

da equação dessa reta.

Critérios de ruptura de Coulomb

Os critérios de ruptura, que melhor

representam o comportamento dos solos,

são os critérios de Coulomb e de Mhor,

sendo o de Coulomb o mais conhecido e de

fácil aplicação, com parâmetros que

permitem uma analogia com o estudo das

propriedades das argamassas no estado

fresco (PINTO, 2000).

O critério de Coulomb pode ser

expresso como: “não há ruptura se a tensão

de cisalhamento não ultrapassar um valor

dado pela Equação 1”.

τ = c + f.σ (1)

sendo,

c = coesão (Pa)

f = coeficiente de atrito interno

Os parâmetros c e f são constantes do

material e σ a tensão normal existente no

plano de cisalhamento. O coeficiente de

atrito interno pode ser expresso como a

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Evolvere Science, V. 2, N. 1, 2013

74

tangente de um ângulo, denominado ângulo

de atrito (φ).

Atrito interno

A resistência por atrito entre partículas

pode ser simplificadamente demonstrada

por analogias com o problema de

deslizamento de um corpo sobre uma

superfície plana horizontal (Figura 5).

Figura 5 – Deslizamento de um corpo sobre uma superfície Fonte: PINTO, 2000.

O ângulo de atrito pode ser entendido

como o ângulo máximo, que a força

transmitida pelo corpo à superfície pode

fazer com a normal ao plano de contato,

sem que ocorra deslizamento. Atingindo

esse ângulo, a componente tangencial é

maior do que a resistência ao deslizamento,

provocando movimento relativo entre o

corpo e a superfície.

O fenômeno de atrito nos solos ou nas

argamassas se diferencia do fenômeno de

atrito entre dois corpos porque o

deslocamento se faz envolvendo um grande

número de grãos, podendo ocorrer situações

onde fica caracterizado um deslizamento ou

uma simples rolagem, uns sobre os outros,

acomodando-se em vazios encontrados no

percurso.

3.2.3. Coesão

A resistência ao cisalhamento dos solos

é essencialmente devida ao atrito entre as

partículas. Entretanto, a atração química

entre estas partículas pode provocar uma

resistência independente da tensão normal

atuante no plano, constituindo assim uma

coesão real entre as partículas. A coesão

real deve ser bem diferenciada da coesão

aparente. Esta última é uma parcela da

resistência ao cisalhamento de solos

úmidos, não saturados, devido à tensão

entre partículas resultante da pressão capilar

da água. Saturando-se o solo, essa parcela

da resistência desaparece.

Cisalhamento direto em argamassas

Sousa (2005) realizou ensaios de

cisalhamento direto em argamassas no

estado fresco. No estudo, buscou avaliar os

parâmetros de ângulo de atrito e intercepto

de coesão, e verificou que o teor de

aglomerante presente na argamassa exerce

uma considerável influência no valor de

intercepto de coesão, apresentando uma

correlação direta com o aumento da relação

aglomerante/agregado. Já os valores de

ângulo de atrito interno apresentaram uma

relação inversa com o teor de aglomerante

presente nas argamassas, ou seja, à medida

que a relação aglomerante/agregado

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Evolvere Science, V. 2, N. 1, 2013

75

aumenta na mistura se identifica uma

importante redução nos valores do ângulo

de atrito interno.

Aquino Filho e Sousa (2012), também

realizaram ensaios de cisalhamento direto

em argamassas no estado fresco. Esse

estudo buscou estabelecer uma rotina de

ensaios e definir parâmetros como

velocidade de ensaio, consistência da

argamassa, cargas normais e dimensões do

corpo-de-prova a serem usados no ensaio.

Como resultado, observou-se que a

consistência, dentre os parâmetros

avaliados, foi o fator de maior influência na

determinação dos valores de intercepto de

coesão e ângulo de atrito. Os autores

indicam, ainda, que durante o ensaio de

cisalhamento direto em argamassas a

consistência deve ser mantida constante ao

se comparar diferentes tipos de argamassa.

Valores próximos de 260 mm de

espalhamento, na mesa de consistência,

podem ser utilizados como referência para o

ensaio.

Como referência, a Tabela 1 apresenta o

intervalo dos valores de intercepto de

coesão e ângulo de atrito interno

encontrados nos trabalhos citados.

Autor Intercepto de coesão (kPa)

Ângulo de atrito interno (graus)

SOUSA (2005)

4 – 18 22 – 34

AQUINO FILHO e SOUSA (2012)

7 – 18 28 – 38

Tabela 1 – Intervalo de valores de intercepto de coesão e ângulo de atrito obtidos em argamassas

METODOLOGIA

O estudo foi desenvolvido em

argamassas mistas de cimento, cal e areia.

Logo, como finos plastificantes foram

considerados os aglomerantes: cimento e

cal. Essas argamassas foram escolhidas com

o intuito de avaliar a influência que a

natureza e o teor dos finos exercem nos

parâmetros obtidos com a realização do

ensaio de cisalhamento direto. Espera-se

que as variações impostas provoquem

alterações em parâmetros finais do ensaio

como, valores de cisalhamento máximo,

intercepto de coesão e ângulo de atrito.

Materiais

Os materiais utilizados foram definidos,

priorizando-se os materiais, utilizados na

produção das argamassas e comercialmente

disponíveis na região de Juazeiro-BA e

Petrolina-PE.

Foi empregado o Cimento Portland CP

II – Z – 32 (Cimento Portland Composto

com Pozolanas).

A cal utilizada na composição das

argamassas foi uma cal hidratada CH I.

Como agregado, foi utilizado uma areia

lavada, proveniente do Rio São Francisco,

sendo adquirida no comércio local de

Juazeiro-BA.

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Evolvere Science, V. 2, N. 1, 2013

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As características físicas dos materiais

utilizados são apresentadas na Tabela 2.

Material Característica

analisada Método de

ensaio

Massa específica

(g/cm³) 3,05

NBR NM 23 (2001)

Massa unitária (g/cm³)

0,99 NBR 12127

(1991)

Tempo de início de

pega (h:min) 03:00

NBR NM 65 (2003)

Tempo de fim de pega

(h:min) 03:45

NBR NM 65 (2003)

Cimento

Resistência à compressão aos 28 dias

(MPa)

33,51 NBR 7215

(1997)

Massa específica

(g/cm³) 2,33

NBR NM 23 (2001)

Cal Massa

unitária (g/cm³)

0,38 NBR 12127

(1991)

Massa específica

(g/cm³) 2,61

NBR NM 52 (2009)

Massa unitária (g/cm³)

1,56 NBR NM 45

(2006)

Módulo de finura

1,72 NBR NM 248

(2003)

Agregado miúdo

Dim. Máx. Carac. (mm)

0,85 NBR NM 248

(2003)

Tabela 2 – Características físicas dos materiais

Definição das argamassas do estudo

As argamassas do estudo foram

definidas com base na metodologia de

dosagem descrita por Selmo (1989). Esse

método faz uma correlação entre três

parâmetros:

• E - Parâmetro que relaciona a

quantidade de agregado mais cal, em

relação à massa de cimento;

• x - Relação água/cimento em massa;

• A - Relação cal/cimento em massa.

Para avaliar como alterações na

composição das argamassas, em específico:

teor e natureza dos finos interferem nas

propriedades das argamassas no estado

fresco, adotou-se dois valores para o

parâmetro “E”, sendo E = 4 e E = 10. Essa

variação implica no estudo de duas

argamassas com teores de cimento

diferentes, uma “pobre” (E = 10) e outra

“rica” (E = 4). Esses valores são

comumente adotados nos estudos de

dosagem.

Durante a etapa de adição de água e cal,

foram feitas avaliações qualitativas

buscando-se encontrar argamassas com

padrões de trabalhabilidade, sem aspereza e

exsudação, com plasticidade e consistência

adequadas. Desse estudo foram definidos os

seguintes traços de argamassas utilizados

como referência (Tabela 3):

E Cimento Areia

(g) Cal (g)

Água (g)

4 1 4 0,27 0,81

10 1 10 1,04 1,96

Tabela 3 – Traços unitários em massas, das argamassas utilizadas como referência

Objetivando avaliara como alterações no

teor da cal interferem nas propriedades das

argamassas no estado fresco, foram feitas

duas variações tendo como base os traços

indicados na Tabela 3. Na primeira, retirou-

se a cal da composição da argamassa, e, na

segunda, dobrou-se a quantidade de cal nos

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Evolvere Science, V. 2, N. 1, 2013

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traços. Obtendo-se as proporções indicadas

na Tabela 4.

Série Argamassa

Cimento (g)

Areia (g)

Cal (g)

Água (g)

E4-SC 1 4 0 0,81

E4-CN 1 4 0,27 0,81

E4-CD 1 4 0,54 0,81

E10-SC 1 10 0 1,96

E10-CN 1 10 1,04 1,96

E10-CD 1 10 2,08 1,96

SC – argamassa sem cal, CN – proporção de cal de referência e CD – proporção de cal sendo o dobra da referência

Tabela 4 – Traços unitários em massas, das argamassas utilizadas no estudo

A quantidade de água foi determinada

ajustando a consistência das argamassas

para um espalhamento na mesa de

consistência (NBR 13276, 2005), entre 260

e 270 mm.

Cisalhamento direto em argamassas

O ensaio de cisalhamento foi utilizado

na pesquisa, tendo como objetivo

caracterizar os parâmetros de ângulo de

atrito e intercepto de coesão das argamassas

para revestimento, considerando as

variações impostas.

O ensaio consistiu basicamente em

determinar a tensão de cisalhamento

máxima (TCm) que o material apresenta

quando cisalhado a uma velocidade

constante, sob diferentes tensões normais

(TN). O ensaio foi realizado considerando

uma velocidade de cisalhamento de 0,6

mm/min e três diferentes tensões normais,

13 kPa, 27 kPa e 55 kPa. Para cada tensão

normal aplicada, obtêm-se o gráfico da

tensão de cisalhamento versus o

deslocamento horizontal. Os valores

máximos de tensão de cisalhamento, em

cada tensão normal, foram utilizados na

determinação dos parâmetros de coesão e

ângulo de atrito. Esses parâmetros foram

determinados a partir das curvas de tensão

de cisalhamento, em função da tensão

normal, conforme estabelece o critério de

Coulomb (Equação 1 e Figura 4).

Algumas etapas do ensaio estão

apresentadas nas Figuras 6, 7 e 8.

Figura 6 – Amostra de argamassa no molde de cisalhamento.

Figura 7 – Equipamento de cisalhamento direto

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Evolvere Science, V. 2, N. 1, 2013

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Figura 8 – Amostra de argamassa após o cisalhamento

RESULTADOS

As Figuras 9, 10, 11, 12, 13 e 14,

apresentam as curvas de tensão de

cisalhamento em função do deslocamento

horizontal, das séries de argamassas

estudas, para cada tensão normal aplicada

(TN). Nos casos analisados, percebe-se que

o comportamento obtido é muito

característico do ensaio de cisalhamento

direto, destacando-se:

• à medida que a amostra de argamassa

vai sendo cisalhada, a uma taxa de

cisalhamento constante, ocorre um

aumento gradativo da tensão de

cisalhamento;

• um ponto de máxima de tensão de

cisalhamento, a partir do qual essa

tensão não sofre grandes variações,

podendo reduzir um pouco ou

permanecer constante em torno de um

valor residual (tensão residual); e

• o aumento da tensão de cisalhamento

máxima em função do aumento da

tensão normal atuante na amostra.

Cabe lembrar que os valores das

tensões de cisalhamento máximas (TCm),

em cada tensão normal (TN), são aqueles

utilizados na determinação dos parâmetros

de ângulo de atrito e intercepto de coesão.

Os valores de tensão de cisalhamento

máxima considerados nas análises estão

apresentados na Tabela 5.

Figura 9 – Curvas de tensão de cisalhamento em função do deslocamento horizontal – Argamassas E4-SC

.

Figura 10 – Curvas de tensão de cisalhamento em função do deslocamento horizontal – Argamassas E4-CN

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Figura 11 – Curvas de tensão de cisalhamento em função do deslocamento horizontal – Argamassas E4-CD

Figura 12 – Curvas de tensão de cisalhamento em função do deslocamento horizontal – Argamassas E10-SC

Figura 13 – Curvas de tensão de cisalhamento em função do deslocamento horizontal – Argamassas E10-CN

Figura 14 – Curvas de tensão de cisalhamento em função do deslocamento horizontal – Argamassas E10-CD

Os valores máximos de tensão de

cisalhamento, em cada tensão normal,

foram utilizados na elaboração das

envoltórias de resistência (Figuras 15 e 16).

Em cada curva têm-se as retas de ajuste

necessárias à obtenção dos valores de

ângulo de atrito e intercepto de coesão.

Cabe lembrar, ainda, que a coesão e o

ângulo de atrito são obtidos,

respectivamente, a partir do coeficiente

linear e do coeficiente angular da equação

da reta utilizada no ajuste dos pontos. As

equações dessas retas de ajuste, também,

estão apresentadas nas Figuras 15 e 16.

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Evolvere Science, V. 2, N. 1, 2013

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Figura 15 – Envoltórias de resistência, tensão de cisalhamento (TCm) em função da tensão normal (TN) – Argamassas E = 4.

Figura 16 – Envoltórias de resistência, tensão de cisalhamento (TCm) em função da tensão normal (TN) – Argamassas E = 10.

A Tabela 5 apresenta, ainda, os valores

de intercepto de coesão e ângulo de atrito,

para as argamassas estudadas.

TCm

Arg

am

ass

a

TN =

13

kPa

TN =

27

kPa

TN =

55

kPa

Coesão

(kPa)

Atrito

(graus)

E4

-SC

(E

=4

)

20,75 33,55 46,33 14,54 29,15

E4

-CN

(E=

4)

24,10 32,37 51,23 14,50 32,230

E4

-CD

(E=

4)

23,35 35,69 53,36 14,45 34,20

E1

0-S

C

(E=

10

)

27,26 31,31 49,93 18,22 27,19

E1

0-C

N

(E=

10

) 23,85 37,25 51,59 16,73 31,39

E1

0-C

D

(E=

10

)

22,72 35,12 51,19 14,70 32,55

TCm – Tensão de cisalhamento máxima e TN – Tensão Normal.

Tabela 5 – Valores de tensão de cisalhamento máxima, intercepto de coesão e ângulo de atrito para cada argamassa estudada.

Percebe-se que a teor de aglomerante

presente nas argamassas exerce influência

no valor do intercepto de coesão,

apresentando uma correlação inversa.

A série de argamassas com o parâmetro

E = 4, destaca-se pelos menores valores e

variações no intercepto de coesão, enquanto

a série de argamassas com E = 10

caracteriza um grupo onde se identificam

maiores valores e variações no intercepto de

coesão. Isso pode está relacionado ao fato

do traço com E = 10 conter a menor

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Evolvere Science, V. 2, N. 1, 2013

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proporção de cimento, sendo assim mais

sensível às mudanças no teor de cal.

Cabe destacar, ainda, que na argamassa,

com E = 10, E10-SC (sem cal), observou-se

o maior valor de coesão, considerando

todos os teores de aglomerante utilizados.

Na mistura de argamassa com E = 4 e com

cal, o dobro do valor de referência (E4-

CD), observou-se os menores valor de

intercepto de coesão.

Os valores de ângulo de atrito

apresentam uma relação direta com o teor

de aglomerante presente nas argamassas. À

medida que o teor de aglomerantes aumenta

na mistura, identifica-se um importante

aumento nos valores do ângulo de atrito.

CONCLUSÃO

Observa-se que a contribuição dos teores

de aglomerante, nas propriedades no estado

fresco das argamassas (no caso, cimento e

cal), pode se manifestar nos diferentes

parâmetros, que governam uma condição de

cisalhamento. No caso dos resultados

obtidos, percebe-se que, em argamassas

ricas em cimento, mudanças no teor da cal

não exercem influências no valor do

intercepto de coesão. Já em argamassas

pobres em cimento, as mudanças no teor da

cal exercem elevada influência no valor da

coesão. Com relação ao ângulo de atrito,

nota-se que quanto maior o teor de

aglomerantes, maior o ângulo de atrito.

Em geral, o ensaio de cisalhamento

direto é sensível às mudanças nos teores e

natureza dos aglomerantes. Entretanto,

deve-se reconhecer que estudos, ainda, são

necessários para adaptar a metodologia

utilizada na mecânica dos solos à realidade

das argamassas de revestimento, como, por

exemplo: nível de tensões normais,

dimensões do recipiente de ensaio,

procedimento de preparo da amostra,

velocidade de ensaio, dentre outras.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE

NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR

13276: Argamassa para assentamento e

revestimento de paredes e tetos – Preparo

da mistura e determinação do índice de

consistência. Rio de Janeiro, 2005.

AQUINO FILHO, L. P. B. e SOUSA, J. G.

G. Estudo de parâmetros a serem

considerados durante o ensaio de

cisalhamento direto em argamassas no

estado fresco. 2012. 15p. Relatório final do

subprojeto de pesquisa – Programa de

Iniciação Científica da UNIVASF, Pró-

Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação,

Universidade Federal do Vale do São

Francisco, Juazeiro, BA, 2012.

PINTO, C. S. Curso Básico de mecânica

dos solos. São Paulo: Oficina de textos,

2000. 247p.

SELMO, S. M. S. Dosagem de

argamassas de cimento Portland e cal

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para revestimento externo de fachada de

edifícios. 1989. 227p. Dissertação

(Mestrado) – Escola Politécnica da

Universidade de São Paulo, São Paulo,

1989.

SOUSA, J. G. G. Contribuição ao Estudo

das Propriedades das Argamassas de

Revestimento no Estado Fresco. 2005.

233p. Tese (Doutorado) – Departamento de

Engenharia Civil e Ambiental,

Universidade de Brasília, Brasília, DF,

2005.