capÍtulo oclusão e mastigação -...

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CAPÍTULO CONCEITOS OCLUSAIS E REALIDADE FUNCIONAL As publicações e os trabalhos dedicados aos conceitos a se- rem adotados em oclusão são numerosos e diversos, o que resultou em métodos de tratamento ou de reconstrução pro- tética muito variados. Figura 1.1 Equilíbrio dos contatos em prótese removível total. Os primeiros esquemas oclusais foram propostos ao final do século XIX e início do século XX para facilitar a realização das próteses removíveis totais: equilíbrio dos contatos (Fig. 1.1) entre dentes anteriores e posteriores em protrusão, bem como entre os lados “de trabalho” e de “balanceio” (ou de não-trabalho) em lateralidade, caso da teoria da oclusão ba- lanceada (Spee, 1890; Christensen, 1905; Gysi, 1910; Mon- son, 1932). Mais tarde, a partir dos anos 1920, a escola gnatológi- ca, com McCollum (1939), orientou seus trabalhos para a busca de uma posição mandíbulo-craniana de referência e reiterativa, denominada relação cêntrica (Stuart e Golden, 1981). Essa relação cêntrica dos côndilos nas fossas mandibula- res (Fig. 1.2), obtida por manipulação, constitui ainda para a maioria dos autores o ponto de partida para qualquer per- curso protético e oclusal (Dawson, 1985; McNeil, 1997). A partir da posição de oclusão correspondente a essa relação cêntrica, é solicitado que o paciente realize movimentos- teste de protrusão e de lateralidade para verificar o equilíbrio oclusal. Um vocabulário específico é empregado para descrever essa abordagem. Assim, o lado que suporta o movimento de lateralidade é qualificado de lado de trabalho em opo- sição ao lado oposto, qualificado de lado de balanceio (ou de não-trabalho). Essa terminologia afeta os côndilos cor- respondentes. Por extensão, as vertentes das cúspides que conduzem o movimento são qualificadass “de trabalho”, enquanto, por sua vez, as vertentes opostas são chamadas “de balanceio”. Nessa época, a escola gnatológica extrapolou e tentou aplicar à dentição natural a oclusão de balanceio descrita em prótese removível completa. C B A Figura 1.2 Relação cêntrica (B) dos côndilos nas fossas mandibulares. Oclusão e mastigação J.-F. LAURET, M. G. LE GALL

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CAPÍTULO

CONCEITOS OCLUSAIS EREALIDADE FUNCIONAL

As publicações e os trabalhos dedicados aos conceitos a se-rem adotados em oclusão são numerosos e diversos, o que resultou em métodos de tratamento ou de reconstrução pro-tética muito variados.

Figura 1.1 Equilíbrio dos contatos em prótese removível total.

Os primeiros esquemas oclusais foram propostos ao fi nal do século XIX e início do século XX para facilitar a realização das próteses removíveis totais: equilíbrio dos contatos (Fig. 1.1) entre dentes anteriores e posteriores em protrusão, bem como entre os lados “de trabalho” e de “balanceio” (ou de não-trabalho) em lateralidade, caso da teoria da oclusão ba-lanceada (Spee, 1890; Christensen, 1905; Gysi, 1910; Mon-son, 1932).

Mais tarde, a partir dos anos 1920, a escola gnatológi-ca, com McCollum (1939), orientou seus trabalhos para a busca de uma posição mandíbulo-craniana de referência e reiterativa, denominada relação cêntrica (Stuart e Golden, 1981).

Essa relação cêntrica dos côndilos nas fossas mandibula-res (Fig. 1.2), obtida por manipulação, constitui ainda para a maioria dos autores o ponto de partida para qualquer per-curso protético e oclusal (Dawson, 1985; McNeil, 1997). A partir da posição de oclusão correspondente a essa relação cêntrica, é solicitado que o paciente realize movimentos-teste de protrusão e de lateralidade para verifi car o equilíbrio oclusal.

Um vocabulário específi co é empregado para descrever essa abordagem. Assim, o lado que suporta o movimento de lateralidade é qualifi cado de lado de trabalho em opo-sição ao lado oposto, qualifi cado de lado de balanceio (ou de não-trabalho). Essa terminologia afeta os côndilos cor-respondentes. Por extensão, as vertentes das cúspides que conduzem o movimento são qualifi cadass “de trabalho”, enquanto, por sua vez, as vertentes opostas são chamadas “de balanceio”.

Nessa época, a escola gnatológica extrapolou e tentou aplicar à dentição natural a oclusão de balanceio descrita em prótese removível completa.

C

B

A

Figura 1.2 Relação cêntrica (B) dos côndilos nas fossas mandibulares.

Oclusão e mastigaçãoJ.-F. LAURET, M. G. LE GALL

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20 Marcel G. Le Gall & Jean-François Lauret

Mais tarde, após as observações de D’Amico (1958 e 1961) referentes à guia de canino durante os movimentos excêntricos da mandíbula, esses mesmos autores foram pre-conizando, aos poucos, a oclusão para proteção mútua dos caninos (Fig. 1.3).

Nesse contexto, surge com o nome de função de cani-no um papel privilegiado atribuído ao dente canino maxi-lar para conduzir o movimento de lateralidade (Fig. 1.4). Qualquer processo clínico visa estabelecer uma proteção de canino, e a relação dos dentes com cúspides não é mais considerada senão como simples aspecto estático. Os pre-cursores desse conceito se interrogaram muito sobre o papel e o signifi cado das cúspides dos dentes posteriores, sem no entanto conseguirem fornecer respostas satisfatórias (Stu-art, 1957 e 1959; Stallard e Stuart, 1963).

Figura 1.4 Guia lateral em função de canino.

O conceito de função de grupo (Fig. 1.5), adaptação simplifi cada à dentição natural da oclusão balanceada des-crita em prótese removível completa, foi introduzido por Schuyler (1929 e 1935). Em função de grupo, a oclusão bi-lateral balanceada (equilibrada) é substituída por uma oclu-são unilateral equilibrada: durante os movimentos laterais, as pressões são distribuídas somente sobre os dentes do lado para o qual a mandíbula se desloca (contatos de trabalho), ao passo que os dentes do lado oposto fi cam isentos de qual-quer contato (lado de balanceio).

Esses dois conceitos foram discutidos por Thornton (1990) em uma revista da literatura da área que mostra-va a falta de consenso entre as diferentes escolas. O nível de separação das vertentes do lado de balanceio durante as excursões laterais da mandíbula é objeto especialmente de propostas diversas nos meios universitários!

É preciso que se reconheça que esses conceitos, sem fun-damentos científi cos reais, foram propostos essencialmente pela simplifi cação clínica que eles representavam. Toda a evolução dos estudos em oclusão se apóia, de fato, na obser-vação e na reprodução por articuladores de movimentos de protrusão e de lateralidade executados segundo exigências dos pacientes, ao contrário da realização de movimentos de incisão e de mastigação (Fig. 1.6 e 1.7).

Para tentar responder a essas questões e dar conta dessas fl utuações conceituais, uma refl exão que leve a uma alterna-tiva é necessária: a consideração os dados neurofi siológico e cinético da função real de mastigação, dos quais, curiosa-mente, não se costuma tratar em oclusão clínica (Ramfjord e Ash, 1975; Dawson, 1977; Abjean e Korbendeau, 1977; Solnit e Cornutte, 1988; McNeil, 1997). Com efeito, os movimentos e os contatos dos dentes com cúspides durante a incisão e a mastigação são a conseqüência de uma cinética totalmente oposta (Fig. 1.6 e 1.7) àquela dos movimentos de protrusão ou de lateralidade em geral solicitados aos pa-cientes para se analisar a oclusão (Lauret e Le Gall, 1994 e 1996). As ações musculares e, conseqüentemente, as situa-ções mandibulares resultantes destas não são comparáveis. Não faltam artigos e obras que tratem da mastigação (Yae-ger, 1978), e é possível se perguntar por que os autores de tais publicações não exploraram as conseqüências clínicas dessa abordagem.

Um certo condicionamento da profi ssão aos princípios da gnatologia e à facilidade de realização clínica de suas “regras de gramática”, evitando os problemas cinéticos dos setores com cúspides por meio de uma função de canino protetora, provavelmente tenha contribuído para perenizar uma fi losofi a e um modelo de funcionamento teórico do sis-tema mastigatório. O modelo escolhido até agora não seria

Figura 1.3 Oclusão em proteção mútua dos caninos.

Figura 1.5 Guia lateral em função de grupo.

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Oclusão e Função 21

o articulador? Exigindo de nossos pacientes que executem movimentos artifi ciais de propulsão e de lateralidade, não lhes solicitamos, na verdade, para que imitem o que nós fa-zemos no laboratório ao animar os ramos dos articuladores? Esse modelo ainda pode ser atualmente satisfatório diante da evolução dos conhecimentos adquiridos em fi siologia e em cinética da mastigação?

CINEMÁTICA MANDIBULAR E FISIOLOGIA DA MASTIGAÇÃO

Dados habituais de cinemática mandibular

A análise dos movimentos mandibulares fundamentais é uma condição indispensável à abordagem da cinemática funcional e das interações musculares complexas que a de-terminam. Esses movimentos elementares de abertura, late-rais e ântero-posteriores se inserem dentro de um envelope dos quais Posselt (1952 e 1968) defi niu os limites nos três planos do espaço (Fig. 1.8).

Os movimentos mandibulares, sejam voluntários ou não, começam e terminam na postura de repouso mandi-bular (Wyke, 1974). A posição de intercuspidação máxi-ma* que lhe é associada garante o posicionamento funcio-nal da deglutição, permitindo a conservação mecânica da parte inferior da face. Todos os movimentos mandibulares resultam de sinergias musculares que recorrem a funções motoras, de freio e de fi xação (Taieb, 1984), bem como à atividade de músculos antagonistas.

Nota: para simplifi car, ocuparemo-nos somente dos músculos di-retamente implicados nos movimentos de análise (Abjean et al., 1987), sem descrever as ações dos demais músculos faciais, cer-vicais e dorsais.

Figura 1.6 Incisão e propulsão comparadas. Figura 1.7 Mastigação e lateralidade comparadas.

OIM

P

L L

R

L L

OIM

Envelope de movimentos limites segundo Posselt

Retru-são

Protru-são Repouso

Figura 1.8 Esquema dos três planos do espaço dos movimentos limi-tes, no nível do ponto interincisivo mandibular em todos os campos de movimentos de protrusão, de lateralidade, de retrusão e de abai-xamento. A representação no plano sagital dos movimentos extremos da mandíbula constitui o diagrama de Posselt.

* N. de R. T. O autor refere a posição de intercuspidação máxima (PIM) na sua obra como a posição ideal, fi siológica, de melhor postura músculo-articular, embora esta posição ideal no Glossary of Prosthodontics Terms seja a oclusão cêntrica (OC) quando refere-se a contatos dentários e rela-ção cêntrica (RC) refere-se à posição na articulção temporomandibular.

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Movimentos verticaisOs movimentos de abertura e de fechamento são realizados verticalmente no plano sagital.

Trajeto de fechamento bucalDa postura de repouso à posição de intercuspidação máxi-ma, a mandíbula descreve um trajeto de fechamento por contração isotônica e simétrica de todos os músculos eleva-dores, com predominância de ação das fi bras anteriores do temporal (Fig. 1.9) (Ramfjord e Ash, 1975).

Abertura bucal ou abaixamento mandibularA abertura bucal é provocada pela contração simultânea e bilateral dos pterigóideos laterais (Kawamura, 1973) aos quais se unem, ao fi nal da abertura, os feixes anteriores do digástrico (Fig. 1.10).

Fechamento bucal ou elevação mandibularO movimento de elevação mandibular, a partir da posição de abertura máxima, resulta da ação conjugada dos múscu-los elevadores: temporais, masseteres e pterigóideos mediais (Fig. 1.11). A conservação da mandíbula em oclusão de intercuspidação máxima é garantida igualmente por esses músculos (Kawamura, 1973).

Movimentos de direção sagitalEsses movimentos de análise ântero-posteriores ou póstero-anteriores são efetuados com ou sem guia dentária.

MA P P M

MA S

P M

MA S

MA P

Figura 1.9 Fechamento da boca.

DI ADI A

P L IP L I

Figura 1.10 Abertura da boca.

MA P P M

MA S

P M

MA S

MA P

Figura 1.11 Fechamento da boca.

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Oclusão e Função 23

Propulsão-protrusãoO movimento de propulsão de direção sagital póstero-anterior é chamado de movimento de protrusão quando efetuado com contatos dentários (CNO, 2001). Ele é então guiado pelas vertentes palatinas dos incisivos superiores. Esse movimento é realizado graças à ação simultânea e simétrica dos pterigóide-os laterais inferiores (Ramfjord e Ash, 1975). Os feixes super-fi ciais dos masseteres, os pterigóideos mediais e os temporais anteriores também participam do movimento (Fig. 1.12).

PLI

TT

P M

MA S

MA S

PM

PLI

Figura 1.12 Propulsão-protrusão.

Retropulsão-retrotrusão-retrotraçãoO movimento de retropulsão, de direção sagital ântero-posterior, é chamado de movimento de retroclusão quando realizado com contatos dentários. Esse movimento de retro-trusão, do contato de ponta a ponta incisivo até a intercus-pidação máxima, corresponde ao movimento funcional de incisão cujas ações musculares serão descritas mais adiante. Quando esse movimento de retrotrusão ultrapassa a posi-ção de intercuspidação máxima, trata-se do movimento descrito por Ferrein em 1744: o movimento de retrotração (CNO, 2001). A contração das fi bras posteriores (retrato-ras) e médias (elevadoras) dos temporais, bem como a dos feixes profundos dos masseteres (retratores e elevadores) e do ventre posterior dos digástricos (retratores), leva a man-díbula para trás. As fi bras horizontais posteriores do tempo-ral são as mais ativas (Kawamura, 1973).

Movimentos de direção transversalOs movimentos laterais são feitos com ou sem guia dentá-ria. Quando realizados com guia dentária, são chamados de movimentos de lateralidade. Para um lado da mandíbula em relação ao plano sagital mediano, esses movimentos podem ter sentidos diferentes. Quando o movimento afasta uma hemiarcada mandibular do plano sagital mediano, trata-se de um movimento de lateralização de sentido centrífugo. Quando há contatos dentários, é um movimento de late-rotrusão (Fig. 1.13). Quando o movimento aproxima uma hemiarcada mandibular do plano sagital mediano, trata-se de um movimento de mesialização de sentido oposto cen-trípeto. Com contatos dentários, o movimento é de mesio-clusão (Fig. 1.14) (CNO, 2001).

Figura 1.13 Laterotrusão centrí-fuga.

Figura 1.14 Mesioclusão centrí-peta.

Movimento centrífugo de laterotrusãoEsse movimento lateral de análise é feito em contatos den-tários a partir da posição de oclusão de intercuspidação má-xima até o contato de borda a borda canino.

Esse movimento é determinado por uma atividade assi-métrica dos diversos grupos musculares:

do lado do deslocamento, a contração das fi bras pos- –teriores e médias do temporal e do masseter profundo mantém os dentes em contato e provoca um leve mo-vimento condilar para trás, para cima e para a lateral; (movimento de Bennett);do lado oposto, o movimento é provocado pela con- –tração predominante da cabeça inferior do pterigóideo lateral (Fig. 1.13 e 1.15). O côndilo oposto realiza um movimento para frente, para baixo e levemente para medial (segundo o ângulo descrito por Bennett).

Movimento centrípeto de mesioclusãoEsse movimento, inverso ao de laterotrusão centrífuga, é realizado em contatos dentários a partir da posição de con-tato de borda a borda canino em direção ao plano sagital

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mediano (Fig. 1.14). Pode ser indicado para reproduzir a fase dento-dentária, centrípeta, do ciclo de mastigação. Esse tipo de movimento normalmente não é descrito como movimento-teste, ao passo que ele representa a realidade do movimento funcional de mastigação (Lauret e Le Gall, 1994). As ações musculares associadas a esse tipo de mo-vimento serão descritas mais adiante no estudo da masti-gação, quando então serão abordadas as conseqüências clí-nicas da execução de tal movimento pelo paciente para os contatos oclusais observados.

Introdução à cinemática da mastigação

Meios de estudo e resultadosA oclusão clínica se apoiou durante mais de meio século em protocolos oriundos de conceitos descritos anteriormente, e toda a sua evolução parece canalizada ao estudo e à repro-dução de movimentos-teste, solicitados a nossos pacientes que os realizam voluntariamente. Os registros da cinética condilar pela pantografi a ou pela axiografi a, bem como as possibilidades de regulagem decorrentes disso pelos articu-ladores, permaneceram também presos a esse contexto de movimentos mandibulares estereotipados de protrusão e de lateralidades centrífugas.

Paralelamente, trabalhos foram desenvolvidos com base na observação dos deslocamentos mandibulares du-rante a função de mastigação. Vários métodos de estudo da cinética da mastigação (Yaeger, 1978) (cinefl uorografi a, mandibulografi a, fotoelétrica, radiocinematografi a, etc.) permitiram a autores, tais como Murphy (1965), Gilling et al. (1973) ou Ahlgren (1976), fazerem as primeiras descri-ções dos ciclos de mastigação. Mais tarde, os trabalhos de Lundeen e Gibbs (1982), com o Replicator® (Fig. 1.16), constituíram uma contribuição fundamental para a obser-vação dos deslocamentos de um ponto qualquer da man-díbula durante essa função. Suportes de registros bucais transmitem a um simulador, animado por motores passo a passo, as informações referentes aos movimentos da man-díbula durante a mastigação de diferentes alimentos. Essas informações são estocadas em um computador e utilizadas depois para representações gráfi cas dos movimentos nos três planos do espaço.

Figura 1.16 Os suportes de registro bucal do Replicator®.

A cinemática comparada, no espaço e no tempo, dos trajetos dentários e condilares durante a mastigação é vi-sualizada (Fig. 1.17). O aspecto centrípeto da fase dento-dentária é evidenciado (Fig. 1.18) (Gibbs et al., 1981).

Mais recentemente, graças à eletrognatografi a (Lewin, 1985) (Sirognathographe®, Siemens; Bio-pack®, Biotro-nic), os movimentos funcionais de mastigação são visua-lizados (Mongini et al., 1985); Pröschel, 1987; Nishio et al., 1988): um sistema magnetizado, colado abaixo dos in-cisivos mandibulares (Fig. 1.19), é submetido a um campo eletromagnético (Fig. 1.20), cujas variações no decorrer dos movimentos de mastigação são traduzidas em uma mesa que traça os movimentos (Fig. 1.22). A vantagem do método, representada pelo Sirognathographe®, reside no espaço bas-tante reduzido que ocupa na boca.

MA P

PLS

T

PLI

Figura 1.15 Laterotrusão direita.

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Oclusão e Função 25

Quando o alimento a ser mastigado representa um vo-lume conseqüente, ele é previamente fragmentado ao nível dos incisivos. Trata-se de uma apreensão-incisão caracteri-zada por um movimento retroascendente, centrípeto, das bordas livres dos incisivos mandibulares sobre as faces pala-tinas dos incisivos maxilares. O alimento assim introduzido na boca é então dirigido e posicionado para um dos setores com cúspide, seja à direita, seja à esquerda, para ali ser dila-cerado. O lado da mastigação pode mudar, mas não é possí-vel mastigar somente de um lado ao mesmo tempo.

O plano frontal é geralmente escolhido para a obser-vação da mastigação. Antes dessa observação, é solicitado que o paciente realize movimentos de lateralidade com contatos dentários, de um lado e de outro da oclusão de intercuspidação máxima, para representar o limite superior do envelope descrito por Posselt (1952) (Fig. 1.22). Os re-gistros mostram então que a mastigação resulta em uma sé-rie de ciclos sucessivos da mandíbula que terminam, graças

à aproximação progressiva das mesas oclusais molares, na fragmentação e na pulverização do bolo alimentar antes da sua deglutição. A mastigação de goma de mascar (Fig. 1.21) permite a melhor e a mais longa concordância entre os ci-clos e a guia dentária (Fig. 1.22).

As fases do ciclo conduzidas pelos dentes se concentram no ponto mais alto (o ápice) do registro, representando a passagem da mandíbula pela oclusão de intercuspidação máxima (Fig. 1.22 e 1.23a, b). Essa fase dento-dentária é, em condições normais de oclusão molar, sempre de senti-do centrípeto do lado da mastigação (Graf e Zander, 1963; Suit et al., 1975; Nishio et al., 1988). Além disso, os ciclos são desviados lateralmente do lado da mastigação (Fig. 1.22 e 1.23a). As amplitudes vertical e horizontal dos ciclos se inscrevem no interior do envelope dos movimentos limites (Fig. 1.23a). Conforme o alimento mastigado, o aspecto do ciclo e a amplitude da guia dento-dentária são diferentes para um mesmo indivíduo (Fig. 1.23b) (Gibbs, 1981).

Figura 1.17 Traçados dos deslocamentos dentários e condilares pro-venientes do Replicator® (in Gibbs et al., 1981).

Escala

Figura 1.18 Traçados de mastigação por uma cúspide de molar (in Lundeen e Gibbs, 1982).

Figura 1.19 Suporte magnetizado do Sirognathographe®. Figura 1.20 Aparelhagem extrabucal do Sirognathographe®.

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Observação: os registros revelam que a fase oclusal dos ciclos é conduzida tanto antes da OIM (nas vertentes do lado de trabalho, segundo a terminologia clássica) quanto depois da OIM (nas ver-tentes do lado de balanceio).

Qual é a infl uência da inclinação canina ou da profun-didade da placa oclusal no aspecto do ciclo? Parece certo que, para um mesmo alimento mastigado, os ciclos são mais estreitos em um caso de inclinação lateral de guia marcada. Ao contrário, nos casos de inclinação lateral de guia de bai-xo valor, os ciclos são mais largos. Constatam-se, portanto, segundo os tipos de determinação oclusal, ciclos de predomi-nância vertical (de tipo “carnívoro”) (Fig. 1.24) e ciclos de predominância horizontal (de tipo “herbívoro”) (Fig. 1.25).

Uma forma simples e prática de analisar o tipo de ciclo mastigatório é tentar uma aproximação com uma classifi cação preestabelecida, tal como a de Pröschel (1987) (Fig. 1.26).

Figura 1.21 Mastigação de goma de mascar. Figura 1.22 Registro dos ciclos de mastigação no plano frontal de uma mastigação de goma de mascar do lado direito.

a

Queijo Cenoura Goma de mascar

b

Figura 1.23a Registros dentro do envelope dos movimentos limites nos planos sagitais e frontais.b Aspecto dos ciclos em função dos tipos de alimentos mastigados (in Gibbs, 1981).

Figura 1.24 Guia de cúspide marcada (a) relativa aos ciclos de masti-gação de predominância vertical (b).

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Oclusão e Função 27

a b

Figura 1.25 Guia de cúspide diminuída pela abrasão (a) relativa aos ciclos de mastigação de predominância horizontal (b).

A B C D

ED E1 E2 I

D G

Figura 1.26 Classifi cação dos ciclos de mastigação segundo Pröschel (1987) (sendo a linha a abertura, o tracejado o fechamento). Os ciclos de tipo A representam 50% dos casos. Os ciclos de tipos B, C e D são de tipo vertical. Os ciclos ED e E1, ciclos em 8, são freqüentemen-te associados a inversões de oclusão dos setores molares (chamados crossbite). Os ciclos de tipo E2 e I são relacionados a uma anomalia de oclusão.

a b

Figura 1.27a Oclusão perturbada pela presença de uma restauração metálica muito antiga.b O registro dos ciclos de mastigação mostra um aspecto horizontal da fase dento-dentária do lado da abrasão, ao passo que, do lado da res-tauração, há verticalização ou inversão da cinemática.

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Quando a oclusão é fortemente modifi cada pela abrasão ou pela desarmonia entre os diferentes setores com dentes (próteses ou reconstituições iatrogênicas), a adaptação do ciclo à situação oclusal se traduz por modifi cações conside-ráveis da cinemática (Fig. 1.27).

Realidade da guia dento-dentária funcional: nova terminologiaVê-se que um ciclo de mastigação pode ser dividido em duas fases (Fig. 1.28), cuja signifi cação funcional é diferente:

uma fase de preparação, à distância dos dentes. Ela –apresenta um aspecto de uma argola representando uma abertura, levemente curvada para fora, e um fechamen-to, fortemente desviado para o lado externo antes de voltar ao centro e se aproximar dos dentes;

Fase dentária do ciclo mastigatório: Entrada de ciclo

AberturaFechamento

Fase dentária do ciclo mastigatório:

Saída de ciclo

Figura 1.28 Diferentes fases de um ciclo de mastigação (pelo lado direito).

uma fase dento-dentária de trituração situada no ápice –do ciclo, em direção interna centrípeta e apoiada, indi-retamente (por alimentos interpostos) ou diretamente (nos últimos ciclos que antecedem a deglutição), nas vertentes das cúspides. Essa fase pode ser subdividida em uma entrada dentária de ciclo e uma saída dentária de ciclo, antes e depois da passagem pela posição de intercuspidação máxima (Fig. 1.29).

Importante: é durante essa fase dento-dentária que as forças, em isometria muscular, são mais intensas. É igualmente durante essa fase que a anatomia oclusal dos dentes com cúspides vai desem-penhar sua função de guia e de apoio fundamental para garantir a efi cácia mastigatória. A ponte de esmalte do primeiro molar maxi-lar representa, aliás, a estrutura anatômica privilegiada para asse-gurar esse papel de guia: uma infl exão se produz na passagem da OIM no nível do ângulo dessa ponte (Fig. 1.30).

Figura 1.29 Fases de entrada e de saída dentárias de ciclos (pelo lado direito).

A fase dento-dentária de um ciclo de mastigação, visualiza-da no nível da região pré-molar, mostra diferentes tempos dessa cinética funcional, da entrada à saída de ciclo passan-do pela posição de intercuspidação máxima (Fig. 1.31).

Figura 1.30 Vista oclusal dos trajetos funcionais.

Abordagem neurofi siológica da mastigação

Os movimentos mandibulares durante a mastigação são es-sencialmente condicionados por dois fatores (Yaeger, 1978; Guichet, 1977):

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Oclusão e Função 29

Figura 1.31 Diferentes tempos da fase dento-dentária de um ciclo mastigatório do lado direito registrados no nível do primeiro pré-molar maxilar.a e b Entrada de ciclo: fase de contato (preensão) e de cisão do bolo alimentar.c Passagem em oclusão de intercuspidação máxima.d Saída de ciclo: fase de trituração e pulverização.e Aspecto de um ciclo fi siológico.

a b

e

c d

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um fator anatômico, a guia é garantida pelas estruturas –oclusais, seja indiretamente, por alimentos interpos-tos nas primeiras fases de trituração “à distância” dos alimentos, seja diretamente, quando o grau de dila-ceração ou a textura dos alimentos colocam as áreas funcionais dos dentes maxilares e mandibulares em congruência de deslizamento (as articulações tempo-romandibulares constituem somente um elo anatômi-co “fl exível” mandibulocraniano que canaliza os mo-vimentos “no vazio” do ciclo de mastigação e que cede ao estado de aproximação das faces oclusais durante a fase de trituração);um fator neurofi siológico que, por uma programação –oriunda do sistema nervoso central, harmoniza o com-plexo muscular e articular com essa guia para uma efi cá-cia funcional perfeita.

Sherrington (1917), após experimentos com gatos des-cerebrados, havia sugerido uma teoria fundada no refl exo de abertura da boca após estimulação de uma zona intra-bucal. Essa própria abertura dava origem, por estiramento dos músculos e excitação dos fusos neuromusculares, a um movimento refl exo de fechamento. Essa teoria de uma mas-tigação resultante de dois refl exos recíprocos – abertura e fechamento –, retomada mais tarde por Rioch (1934), não é mais aceita atualmente. Se várias explicações avançaram em relação aos mecanismos do comando nervoso da ativi-dade muscular mastigatória (Woda, 1975; Hartmann et al., 1978), pode-se admitir, hoje, que o controle central elimi-na os fenômenos refl exos (Lund e Olsson, 1983; Campbell, 1985; Taylor, 1990). De fato, parece que há um gerador central que detém engramas e é responsável pelo ritmo dos movimentos funcionais: o centro da mastigação (Delow e Lund, 1971; Sessle, 1976).

Nota: o papel do córtex não foi totalmente estabelecido. No en-tanto, a infl uência das informações periféricas sensitivas seria de-terminante na adaptação instantânea da cinemática aos eventos sensoriais encontrados durante a mastigação: textura (Steiner et al., 1974), fase de trituração, corpos estranhos do bolo alimentar (Gibbs, 1981; Nakamura et al., 1989). É preciso destacar, no meio dessas aferências proprioceptivas, o papel privilegiado desempe-nhado pelos receptores (mecanoceptores) periodontais (Anderson et al., 1970), considerando seu poder de discriminação das forças (intensidade, velocidade, direção) que solicitam as coroas dentá-rias quando em atividade (Mei et al., 1975).

Essa percepção extremamente fi na deixa entrever que a menor alteração ou modifi cação arbitrária da guia dento-dentária original poderia ser o ponto de origem de pertur-bações do sistema neuromuscular. Ainda que o estudo dos mecanismos nervosos da mastigação seja uma abordagem complexa, uma representação esquemática de funciona-mento pode ser proposta (Fig. 1.32).

Córtex

Centro da mastigação

Informações periféricas sensitivas (aferências)

Mecanoceptores periodontais

Núcleo sensitivo

Núcleo motor

Músculos (eferências)

— Receptores musculares— Receptores articulares— Receptor mucoso

Figura 1.32 Esquema de funcionamento do sistema nervoso central e periférico durante a mastigação.

Interpretação das ações muscularesdurante a mastigação

A mastigação é um fenômeno complexo que envolve pra-ticamente toda a musculatura da cabeça e do pescoço. Se a ação fundamental de trituração se deve aos quatro músculos mastigatórios (masseteres, temporais, pterigóideos laterais e mediais), não se deve desprezar o papel dos músculos supra-hióideos, bem como o dos músculos do pescoço e da nuca que trabalham em sinergia ou em oposição a eles. Os múscu-los dos lábios, da língua e das bochechas participam da apre-ensão do bolo, de sua impregnação salivar, de seu posiciona-mento entre as superfícies dentárias e de sua deglutição.

Importante: a mastigação inicia com a introdução de um alimento na cavidade bucal após um eventual seccionamento no nível dos incisivos realizado por um movimento retroascendente da mandí-bula. A língua, com o auxílio dos lábios e das bochechas, canaliza então os alimentos para um dos setores laterais da arcada. Depois de uma dilaceração realizada pelos caninos e pré-molares, a fase principal de trituração se caracteriza por uma série de ciclos de esfacelamento cuja fase ativa leva à aproximação, e em seguida ao contato das faces oclusais dos molares.

A interpretação dos variados trabalhos (Sessle, 1976; Steiner et al., 1974; Horio e Kawamura, 1989; Wood, 1986 e 1987) que associam um estudo eletromiográfi co ao dos mo-vimentos de mastigação mostra as difi culdades encontradas para se compreender os mecanismos musculares relaciona-dos. As técnicas de tomoecografi a (Gaspard, 1993) pode-riam trazer informações complementares sobre a função dos

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feixes musculares e das aponeuroses. A imagem por tomo-densitometria, ou melhor, por ressonância magnética deve também contribuir para uma melhor visualização da dinâ-mica dos diferentes grupos musculares. Ainda que não seja possível atualmente decifrar o funcionamento instantâneo de cada unidade motora e de dar conta, dessa forma, da onda de contração dos distintos músculos de mastigação durante a função, parece que certos “roteiros” de ações, necessaria-mente simplifi cados, podem ser descritos pelos movimentos funcionais de incisão e de mastigação. Esses roteiros, compa-rados aos diferentes modelos biomecânicos propostos (Picq, 1990), devem ser levados em conta na discussão.

IncisãoSendo a atividade muscular simétrica durante a incisão, a parte essencial do movimento se desenvolve no plano sa-gital. A incisão é provocada pela contração simétrica dos masseteres profundos e dos temporais posteriores, elevado-res e retropulsores (Abjean et al., 1987). Os pterigóideos la-terais superiores, simultâneos aos elevadores que controlam as relações articulares, também fi cam contraídos. É interes-sante comparar essa ação muscular funcional com aquela de um movimento de propulsão para funcional, em que so-

mente os pterigóideos laterais inferiores garantem o aspecto fundamental da atividade (Fig. 1.33 e 1.34).

MastigaçãoEm um ciclo de mastigação, as atividades musculares podem ser divididas em duas fases principais: a fase preparatória e a fase dento-dentária.

Fase preparatóriaÉ uma fase preparatória de abertura e fechamento que ocor-re à distância dos dentes. Os deslocamentos da mandíbula respondem a contrações musculares de intensidade média, de tipo isotônico.

A abertura (Fig. 1.35) para a direção ântero-interna é iniciada pela contração do pterigóideo lateral inferior, do lado triturador (Wood, 1987), rapidamente acompanhada por seu homólogo do lado oposto, depois pelos digástricos anteriores (Møller, 1966). Sua ação recíproca gera a largura e a amplitude do ciclo em função da consistência e do esta-do de trituração do bolo alimentar. Os digástricos anteriores contribuem igualmente de forma considerável para o início lateral do ciclo (Wood, 1987). No momento de infl exão, os músculos responsáveis pela abertura cessam sua atividade.

MA P MA S

PL S

P M P M MA P

MA S

PL S

PL I

T

PL S

PL I

PL IPL I

T

PLS

MA S

PLI

P M P M

MA S

D I P

D I A

T

PLI PLI

PLI

T

Figura 1.33 e 1.34 Comparação das ações musculares entre movimentos de incisão e de propulsão.

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O fechamento (Fig. 1.36) inicia pela ação progressiva do pterigóideo medial oposto (Wood et al., 1986) que pro-voca, do lado triturador, a volta da mandíbula em direção externa. Ao fi nal do fechamento, todos os elevadores do lado triturador entram em atividade (Carlsoo, 1956; Mahan et al., 1982; Gibbs et al., 1984). O pterigóideo lateral supe-rior (cabeça do disco) também está associado, no fi nal do fechamento, a essa atividade dos elevadores. Sua atividade é totalmente dissociada da cabeça inferior, que é abaixado-ra. O papel da cabeça superior parece ser o de harmonizar a posição do disco com as relações articulares. Ela se contrai toda vez que os elevadores do mesmo lado estão em ativida-de na fase de contatos dentários.

Fase dento-dentáriaEssa fase dento-dentária é subdividida em uma entrada den-tária de ciclo e uma saída dentária de ciclo. Os deslocamen-tos da mandíbula respondem então a contrações musculares de forte intensidade, de tipo isométrico.

1/ Entrada dentária de ciclo (Fig. 1.37)O movimento de fechamento segue em direção cen-

trípeta, aproximando-se do primeiro contato dentário que marca a entrada do ciclo mastigatório. A contração do temporal posterior, do masseter profundo e do digás-trico posterior (Wood, 1987) leva os dentes mandibula-res a assumirem uma posição lateral e recuada em relação aos dentes maxilares. O relaxamento progressivo do di-gástrico, associado ao aumento de atividade dos músculos elevadores (sobretudo masseter e pterigóideo medial), re-sulta em uma entrada de ciclo centrípeta de componente fundamentalmente frontal (levemente anterior). A tira masseter-pterigóideo medial gera uma força de cisão-tri-turação com apoio dentário indireto, quando os alimentos fi cam interpostos, depois direto, quando ocorrem os últi-mos ciclos que antecedem a deglutição. Um relaxamen-to muscular de alguns milissegundos (silent period) ocorre juntamente com a posição de intercuspidação máxima (Koole et al., 1991).

DI ADI A

1 2

3

PL I

Exemplo de mastigação do lado direito

PL I

Figura 1.35 Ações musculares na abertura de um ciclo de masti-gação.

MA P P M

MA Sup

123

3

P M

PLS 4

T

3

DI P

Exemplo de mastigação do lado direito

PL I

Figura 1.36 Ações musculares no fechamento de um ciclo de mas-tigação.

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Oclusão e Função 33

2/ Saída dentária de ciclo (Fig. 1.38)A trituração dos alimentos ocorre entre as vertentes

internas das cúspides palatinas maxilares e das cúspides vestibulares mandibulares, sendo que a mandíbula des-creve um movimento centrípeto descendente voltando sua trajetória para frente, em direção ao canino oposto (rotação do côndilo contralateral). É nesse movimento que a força empregada é maior, com um pico de atividade do pterigóideo medial (Wood, 1986), do masseter superfi -cial e do temporal anterior do mesmo lado. Os dois feixes do pterigóideo fi cam em atividade, mas com funções di-ferentes (controle disco-articular, no caso do superior, e tração ântero-lateral da mandíbula, no caso do inferior). Do lado oposto, não-triturante, um início de atividade do temporal anterior e do masseter coloca a mandíbula do lado não-triturante em uma posição levemente ante-rior, favorecendo assim uma guia contralateral de saída do ciclo.

PROPOSIÇÕES PARA UMA ANÁLISE OCLUSAL FUNCIONAL

Quais movimentos devem sersolicitados ao paciente?

Para observar e testar os trajetos oclusais, costuma-se pedir que os pacientes executem movimentos de protrusão e de lateralidade sobre papel-carbono. Esses tipos de movimen-tos, ainda que descritos na maioria das obras de oclusão, revelam-se ser de sentido contrário aos movimentos de incisão e de mastigação e com uma ação muscular total-mente diferente daquela desenvolvida durante movimentos funcionais. Uma ambigüidade cinética separa, portanto, o modelo teórico de funcionamento, na origem dos conceitos tradicionalmente aceitos em oclusão, dos dados funcionais reais que deveriam servir de base para qualquer refl exão.

P MMA P

PLS

MA S

T

Exemplo de mastigação do lado direito

Figura 1.37 Ações musculares em uma entrada de ciclo de masti-gação.

PLS

MA S

MA P

MA S

P M

PL I

TT

Exemplo de mastigação do lado direito

Figura 1.38 Ações musculares em uma saída de ciclo de masti-gação.

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Guia dos movimentos de orientação sagital: incisão ou protrusão?Uma primeira observação se impõe em relação à noção fun-cional de incisão que se opõe à noção teórica de protrusão quanto ao sentido do movimento. A execução desses dois tipos de movimentos evidencia trajetos oclusais sensivel-mente distintos: o ir propulsivo (Fig. 1.40) da posição de in-tercuspidação de contato ponta a ponta incisivo é diferente do retorno em movimento real de incisão (Fig. 1.39) do ponta a ponta incisivo para a posição de intercuspidação. Os traços do papel-carbono são bem mais intensos e largos para o movimento de incisão do que para o movimento de protrusão. Para se convencer da falta de realismo da pro-trusão descrita normalmente, basta experimentar cortar um alimento fazendo tal movimento de protrusão em contato dentário (Fig. 1.41).

Figura 1.39 Movimento de incisão.

Figura 1.40 Movimento de protrusão.

Guia dos movimentos de orientação frontal: trituração sob pressão muscular oumovimentos de lateralidade?No contexto da função mastigatória que é unilateral al-ternada, os deslocamentos das cúspides mandibulares na fase dento-dentária do ciclo de mastigação devem ser con-siderados diferentemente do lado triturante e do lado não triturante.

Incisão

Protrusão

P L I

P L S

T P

MAP

P L I

P LS

Figura 1.41 Incisão e protrusão.

Do lado trituranteO sentido dos movimentos mandibulares é centrípeto. Além disso, a leitura dos registros funcionais (Woda et al., 1979; Murphy, 1968; Pameijer et al., 1969) mostra, duran-te os últimos ciclos antes da deglutição, que guias ocorrem bem próximas das vertentes oclusais, depois em contato di-reto com todos os dentes com cúspides. A visualização dos trajetos oclusais molares sobre as arcadas naturais, pedindo-se que o paciente “aperte” os dentes sobre papel-carbono imitando um movimento centrípeto de mastigação, é total-mente reveladora: guias existem tanto nas vertentes cha-madas “de trabalho” quanto nas “de balanceio” (Fig. 1.42a e 1.43). No início da trituração, é interessante notar, em vista vestibular (Fig. 1.42b e 1.45), o deslocamento da cús-pide centrovestibular do primeiro molar mandibular com apoio sobre a vertente mesial da cúspide distovestibular do primeiro molar maxilar.

Do lado não-trituranteO sentido dos movimentos mandibulares é centrífugo. Du-rante o fi nal do ciclo, contatos dento-dentários, idênticos aos de um movimento de laterotrusão, ocorrem no nível anterior não-triturante, particularmente sobre o canino (Fig. 1.44).

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Oclusão e Função 35

Figura 1.44 Marcas dos trajetos no cani-no pelo lado não-triturante.

Figura 1.42a Marcas dos trajetos oclusais no setor das cúspides durante uma mastigação do lado direito.

Figura 1.43 Marcas dos trajetos do lado triturante.

Figura 1.42b Vista vestibular do mesmo caso (Fig. 1.42a).

Figura 1.45 Vista vestibular da fase de entrada de trituração para uma mastigação do lado direito em um caso de relação oclusal de classe I de Angle.

Nota: a inclinação mesial do eixo do primeiro molar maxilar, bem como a proeminência constante de sua cúspide distovestibular (muito mais do que nos tratados de anatomia dentária!) contribuem certamente para a intercepção precoce e privilegiada do ciclo de mastigação e constituem uma das chaves da oclusão funcional, ultrapassando-a por reforçar a descrição estática que Andrews (1972) havia feito.

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Observação: o papel do canino ou do setor ântero-lateral do lado oposto à mastigação exige uma observação: esses elementos den-tários contralaterais constituem um ponto de apoio efi caz para favorecer a ação dos músculos mastigatórios durante a trituração dos alimentos (alavanca do segundo tipo). Nesse caso, também é a atividade sutil do sistema muscular que, posicionando a man-díbula do lado não-mastigatório em uma situação sensivelmen-te mais anterior, favorece esse contato de guia do lado oposto à saída de ciclo mastigatório. É nesse contexto funcional que o termo de “função de canino” parece encontrar sua justifi cativa! É importante, aliás, notar que a obtenção de uma simulação, por parte do paciente, do movimento centrípeto de saída do ciclo so-bre o papel-carbono é facilitada pela interposição na região canina do lado oposto de um outro papel (Fig. 1.46). Essa interposição desempenha realmente o papel de referência proprioceptiva para a execução do movimento.

Qual análise oclusal?

A análise oclusal clínica deve anteceder a análise oclusal em articulador. Vale lembrar aqui que o modelo de fun-cionamento é bem representado por nosso paciente, e não pelo sistema mecânico feito no laboratório. Parece, de fato, que os movimentos de laterotrusão, normalmente solicitados em execução voluntária, são calcados na cine-mática de manejo dos articuladores: movimentos centrífu-gos a partir da posição de referência ou de intercuspidação máxima.

Uma comparação das posições mandibulares durante um movimento de laterotrusão teórica à direita com a ciné-tica funcional de um movimento de mesioclusão é ilustrada pelas Figuras 1.47 e 1.48.

Deve-se notar que as marcas deixadas pelo papel-carbo-no implicam o conjunto das vertentes de cúspides durante a execução de movimentos funcionais, ao passo que é funda-mentalmente o canino (acompanhado eventualmente por um ou dois pré-molares) que guia o movimento de laterali-dade (Fig. 1.49).

A entrada de ciclo mostrada na Figura 1.48 pode ser assemelhada a um movimento lateral de apreensão/incisão parecido com o movimento de incisão descrito anterior-mente. Da mesma forma que para o movimento de incisão, a mandíbula se desloca previamente para uma situação cen-trífuga a fi m de compensar a sobremordida. Essa situação permite o contato das pontas de cúspides com qualquer ele-mento, como os dentes de uma grade, bem como as verten-tes das cúspides, para garantir uma trituração-cisão do bolo alimentar que é levado ao fundo da placa oclusal durante a passagem pela posição de intercuspidação máxima. Esse

Figura 1.46 Função do apoio contralateral para a obtenção da saída de ciclo.

Figura 1.47 Movimento de laterotrusão. Figura 1.48 Movimento de mesioclusão.