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Paulo Victorino CAPÍTULO UM A REPÚBLICA ARMADA RECAPITULAÇÃO - 1822-1930 Quase toda a História da Primeira República, abrangendo um período de 41 anos, é marcada pela presença de duas forças dominantes, quase sempre em lados opostos. Uma delas controla o poder através da fraude e a outra tenta obtê-lo pela pressão das armas. A primeira é representada pelas oligarquias rurais, principalmente de São Paulo e Minas Gerais, que fingem manter as regras do jogo democrático, seguindo todos os trâmites, com partidos legais, candidaturas formais e eleições aparentemente livres, porém, marcadas pela fraude e pela força de políticos regionais, que dão sustentação ao poder central. Simulando representar a vontade popular, ela possui uma máquina política bem montada, cuja finalidade maior é a de preservar os interesses da classe dominante, sem escrúpulos em usar o próprio dinheiro público para se socorrer dos imprevistos. A segunda é o poder armado, não necessariamente a contestação vinda dos quartéis, mas aquela oriunda de vários setores descontentes, que tentam quebrar a sequência dos governos constitucionais pelo uso da força.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO UM

A REPÚBLICA ARMADA

RECAPITULAÇÃO - 1822-1930

Quase toda a História da Primeira República, abrangendo um período de 41

anos, é marcada pela presença de duas forças dominantes, quase sempre em

lados opostos. Uma delas controla o poder através da fraude e a outra tenta

obtê-lo pela pressão das armas.

A primeira é representada pelas oligarquias rurais, principalmente de São

Paulo e Minas Gerais, que fingem manter as regras do jogo democrático,

seguindo todos os trâmites, com partidos legais, candidaturas formais e eleições

aparentemente livres, porém, marcadas pela fraude e pela força de políticos

regionais, que dão sustentação ao poder central.

Simulando representar a vontade popular, ela possui uma máquina política

bem montada, cuja finalidade maior é a de preservar os interesses da classe

dominante, sem escrúpulos em usar o próprio dinheiro público para se socorrer

dos imprevistos.

A segunda é o poder armado, não necessariamente a contestação vinda dos

quartéis, mas aquela oriunda de vários setores descontentes, que tentam

quebrar a sequência dos governos constitucionais pelo uso da força.

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Nesta categoria, além de grupos militares descontentes, com ou sem

patentes, incluem-se também os agrupamentos paramilitares controlados por

coronéis do sertão.

Interferem na vida nacional, também, os chamados movimentos

messiânicos, surgidos da miséria, e nutridos pela ignorância e pela falta de

perspectiva das camadas mais simples da população.

Vale, pois, fazer uma recapitulação dos entrechoques resultantes do

encontro entre essas duas forças, pois seu conhecimento é importante para

entender os acontecimentos que marcaram a Segunda República, conhecida

também por República Nova, que vai de 1930 a 1945, período em que o ditador

Getúlio Vargas, ininterruptamente, ocupou o poder.

A Proclamação da

Independência –1822

O movimento pela Proclamação da Independência, essencialmente

aristocrático, foi uma reação contra as restrições que vinham sendo impostas ao

Brasil pelas Cortes de Lisboa.

Com a vinda da família real, em 1808, o Brasil conseguira o status de Reino

Unido (Portugal-Brasil-Algarves). Agora, se aceitas passivamente, as ordens

emanadas das Cortes, cada vez mais descabidas, nosso território iria retroagir à

condição de colônia, desdenhando o sacrifício de todos os movimentos nativistas

que, embora derrotados, formaram uma consciência da própria nacionalidade.

Todo processo em direção à Independência era fruto de um trabalho

inteligente, coordenado pelo patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva, que,

com sua habilidade e ascendência natural, controlava o ânimo do temperamental

príncipe D. Pedro, pródigo em arroubos juvenis, mas sem visão política do

momento histórico em que vivia o país.

A Proclamação da Independência, ocorrida em 7 de setembro de 1822, foi

um gesto condicionado do Príncipe D. Pedro e nela não houve qualquer

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participação popular, como, também, os resultados somente beneficiaram às

classes abastadas, mais próximas do poder.

Aliás, o que muita gente nem sabe, porque não se conta na história oficial, é

que a independência não foi uma iniciativa de D. Pedro, mas uma simples

homologação da Decretação de Independência, assinada no dia 2 de setembro

de 1822, no Rio de Janeiro, pela princesa regente Maria Leopoldina, na presença

do Conselho Regencial presidido por José Bonifácio.

Isso ficou bem esclarecido na carta de Dona Leopoldina ao seu marido D.

Pedro, entregue pelos mensageiros juntamente com outra carta de José

Bonifácio e com a correspondência que acabara de chegar de Portugal,

ordenando que D. Pedro voltasse imediatamente à Europa.

Em 2 de setembro de 1822, a princesa regente, Maria Leopoldina, na presença do Conselho de

Estado, decreta a Independência do Brasil > Quadro pintado por Georgina de Albuquerque,

que se encontra no Museu Histórico Nacional

O ato da Proclamação da República, que foi uma homologação do decreto,

não aconteceu no riacho do Ipiranga, mas a cinco quilômetros de lá, no bairro do

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Moinho (hoje Moinho Velho do Ipiranga), e foi presenciado pelo padre Belchior,

alguns nobres, e um punhado de soldados que faziam a escolta de D. Pedro.

Horas depois, D. Pedro se repetiu o mesmo gesto nas margens do riacho,

diante das tropas que esperavam o príncipe para escolta-lo até o centro da

cidade. Este último momento é o que está reproduzido no famoso quadro de

Pedro Américo, pintado em 1888, que, por sinal, é um inequívoco plágio de outra

obra, feita pelo pintor francês Ernst Messonier, conforme imagens abaixo.

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À noite, em São Paulo, houve uma solenidade em recinto fechado, com uma

seleta plateia. Não havia povo, nem esse povo se beneficiou mais tarde com a

instalação do novo Império. Quem era pobre, continuou pobre; quem era

escravo, permaneceu escravo. O status não se modificou, a não ser com a

renovação da nobreza e a alteração das áreas de influência sobre o poder.

Todavia, houve um avanço que precisa ficar registrado. Transcorrido o

tumultuado período do Primeiro Reinado e das atribuladas Regências do

Segundo Reinado, cessaram por completo os movimentos de contestação ao

Regime.

As últimas revoluções ocorreram em 1840, com a participação de Teófilo

Otoni em Minas Gerais, bem como do padre Feijó e do brigadeiro Tobias de

Aguiar no Estado de São Paulo.

Nenhuma das duas teve sucesso e o governo imperial passou a controlar a

situação, cessando, assim, a contestação armada. A Guerra dos Farrapos, no

Rio Grande do Sul, também da mesma época, prolongou-se um pouco mais, até

1845, mas seu termino serviu para consolidar de vez o regime.

Guerra dos Farrapos

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A partir de então, D. Pedro II pôde governar em paz, tendo que administrar

apenas os naturais atritos com os Gabinetes, já que o regime era parlamentarista

e o poder tinha de ser compartilhado com o Congresso.

Nosso segundo Imperador governou durante meio século, trazendo

prosperidade ao país e resolvendo, paulatinamente, questões sociais, políticas,

econômicas e de segurança nacional.

O governo, ainda que compartilhado, tinha um caráter estritamente civilista,

e ninguém punha em dúvida essa primazia do poder civil sobre o poder armado.

A Proclamação da República – 1889

O surgimento do poder político-militar, que se iniciou com a criação do Clube

Militar em 1887, ampliou-se, no decorrer do império, com a politização cada vez

maior dos oficiais da ativa.

Sobretudo o Exército, saindo de uma guerra sangrenta, como foi a Guerra do

Paraguai, não se conformava em exercer funções alheias à sua missão, algumas

delas de caráter puramente policial, como, por exemplo, a caça a escravos

fugitivos.

A tensão chegou ao auge com a Questão Militar, quando o marechal Deodoro

se recusou a aplicar punição a dois de seus subordinados, por haverem eles feito

manifestações políticas.

O assunto teve repercussões no Senado, gerando uma polêmica violenta

entre dois generais-senadores; de um lado José Antônio Correia da Câmara,

Visconde de Pelotas, favorável à politização dos militares; do outro, o ex-ministro

da Guerra, Franco de Sá, que aplicara as punições.

O grave incidente, ocorrido em 1887, trouxe uma série de desdobramentos,

culminando com o golpe militar que derrubou a monarquia e proclamou a

República, em 1889, colocando no poder, como Presidente do Governo

Provisório, o marechal Deodoro da Fonseca.

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É bem verdade que o movimento republicano nascera entre os civis, quinze

anos antes, com a Convenção de Itu, gerando o Manifesto Republicano e com a

fundação do Partido Republicano, em pleno regime imperial.

Mas também é fato que a mudança de regime se deu numa operação

estritamente militar, com o marechal Deodoro comandando as tropas que

atacaram o Quartel General, e com o marechal Floriano, comandante da tropa

legalista, recusando-se a obedecer a ordens do Visconde de Ouro Preto, Chefe

do Gabinete, para efetivar o contra-ataque.

Também não havia povo na Proclamação da República, nem este se

beneficiou com o novo regime. Na prática, só se alteraram as áreas de influência,

reforçando a participação das oligarquias rurais e incluindo um novo fator

preponderante, que é o poder político-militar.

Deodoro e Floriano - 1889-1893

A escolha do primeiro presidente da República, feita pelo Congresso, foi o

resultado de um acordo de bastidores em que se convencionou manter na

presidência o marechal Deodoro (ele que já era presidente provisório), elegendo-

se para vice o candidato da oposição, marechal Floriano, em prejuízo dos demais

postulantes. Não foi uma eleição democrática, foi um conchavo de bastidores

para evitar o golpe por parte de Deodoro e o enfrentamento, pelas armas, por

parte da oposição.

Deodoro, meses depois, cometeu a imprudência de fechar o Congresso,

provocando uma crise que levou à revolta da Marinha, obrigando-o a renunciar.

Na sequência, Floriano assumiu e, usando de um artificio, permaneceu no poder

até o fim do mandato, ao invés de convocar novas eleições, como mandava a

Constituição.

Todavia, o feitiço vira-se contra o feiticeiro. O poder fardado volta-se agora

contra os próprios militares no poder. Assim como acontecera a Deodoro, o novo

presidente teve de encarar, logo de início, um ato de rebeldia, com o manifesto

de treze generais e almirantes, exigindo sua renúncia.

A repressão se fez com energia, com a transferência para a reserva de todos

os rebelados, bem como com a pena de desterro para a Amazônia de todos

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aqueles que contribuíram para o movimento, quer fossem eles militares ou civis.

No ano seguinte, ocorre nova sublevação na Armada, também sem sucesso.

Ainda que se mantendo no poder de forma ilegítima, Floriano consegue

completar o mandato. Em 1894 assume o primeiro presidente civil, Prudente de

Morais, eleito por via direta.

O marechal deixa o poder mas, atrás de si, fica o rastro do florianismo, uma

postura adotada pela jovem oficialidade, que lutava manutenção de um governo

forte e centralizado, capaz de resolver os problemas do país com mais ação e

menos discussão.

Revolução Federalista no Rio

Grande do Sul - 1891-1895

Em 14 de julho de 1891 (aniversário da Tomada da Bastilha na França), a

Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul promulgou a Constituição do

Estado, redigida pelas mãos do caudilho Júlio de Castilhos.

Inspirada no positivismo, a Constituição gaúcha dava especial destaque à

centralização e fortalecimento do poder do presidente do Estado (Governador),

que podia ser reeleito indefinidamente e tinha poderes até para nomear seu Vice.

Com ela, estava garantida a permanência no poder, para todo sempre, do

Partido Republicano (blancos) afastando completamente as chances dos

Federalistas (colorados).

Inicia-se, em consequência, um movimento de contestação ao governo local,

conhecido como Revolução Federalista, o qual durou cerca de quatro anos e foi

de uma violência sem limites por ambos os lados, não se poupando esforços

para aniquilar os adversários, e tratando com extrema dureza os inimigos que

lhes caiam às mãos.

O movimento atravessou os governos de Deodoro e Floriano e só veio a ter

uma solução com a posse de Prudente de Morais (1894-1898), quando foi

concedida anistia a todos os participantes da Revolução, sendo, então, feita a

deposição das armas.

- 015 –

O ódio entre republicanos e federalistas resistiu ao tempo e só veio a ser

aplacado em 1923, com o Pacto de Pedras Altas, quando o governador Borges

de Medeiros concordou em alterar a Constituição do Estado, para adequá-la aos

usos e costumes vigentes nos demais Estados.

O conceito que levou ao acordo era de uma clareza meridiana. Assentada no

fato de que, unidos, os gaúchos conseguiriam galgar o plano nacional. Em briga

entre eles, sua força não conseguiria ultrapassar as fronteiras de seu Estado.

A Guerra de Canudos - 1895-1897

No governo de Prudente de Morais, o Exército é chamado outra vez para

resolver um problema social, transformado em caso de polícia e, finalmente,

considerado como um problema de segurança nacional.

Após a Proclamação da República, surge, entre o Sul de Pernambuco e o

norte da Bahia, um peregrino visionário, conhecido como Antônio Conselheiro

que, com sua pregação, consegue arrebanhar para si uma população composta

de indigentes e jagunços, os quais se instalam num extenso vale, por onde passa

o rio Vaza-Barris.

Sua profecia se concentrava na restauração da monarquia, com a volta de

D.Pedro II, que, a essa altura, já havia até morrido. E isso não se daria pela força

das palavras. Sua ordem era a resistência armada, para a derrubada do poder.

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A força imanente que movimentava aquela legião de fanáticos era a miséria,

unindo milhares de infelizes na visão messiânica de um novo e espetacular

acontecimento, capaz minorar as agruras dos desprovidos da sorte. Armas não

havia, era apenas a fé em busca de um milagre.

Sem dinheiro, nem articulação política que lhes permitisse adquirir material

bélico, a população estava armada de ronqueiras, que eram espingardas

rudimentares de fabricação artesanal. A pólvora também era por eles fabricada,

utilizando carvão, salitre e enxofre. Como embuchamento, usavam pedregulho,

cacos de vidro e tudo mais que houvesse ao redor.

A falta de habilidade do governo estadual deu origem a uma série de

confrontos armados, nos quais as forças legais levaram a pior. Agravada a

situação, foi enviado, então, um contingente do Exército, igualmente aniquilado.

A esta altura, a extinção de Canudos era, para o poder central, uma questão

de honra. Organizou-se, no Rio de Janeiro um contingente especial, com 6 mil

homens, que marcharam em direção à área de conflito.

Desta vez, sim, a resistência foi aniquilada e a população dizimada, ficando

vivos apenas uns poucos velhos, crianças e doentes. Antônio Conselheiro foi

morto e degolado, para servir de exemplo aos que pretendessem seguir-lhe os

passos.

A causa real e efetiva dos acontecimentos de Canudos, que era a miséria

indigente, esta não foi atacada. Com a extinção de Canudos, o governo federal

e o governo estadual consideraram o assunto encerrado, retornando às suas

atividades do dia-a-dia, mais ligadas à política do que à administração.

A guerra da vacina – 1904

Entendia o Presidente Rodrigues Alves (1902-1906), e também o sanitarista

Osvaldo Cruz, que o saneamento da cidade do Rio de Janeiro e da baía da

Guanabara só teria sucesso se a população fosse compelida a participar, mesmo

contra sua própria vontade, e até pelo uso da força, se necessário.

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Se assim pensou, assim o fez, o Presidente. No combate à febre amarela, a

vacina foi aplicada espontaneamente nos que aceitavam o processo, e

obrigatoriamente naqueles que se recusavam a tomá-la, provocando uma revolta

surda e mal contida. Quando localizado algum caso, as brigadas sanitárias

invadiam a casa do doente, faziam o isolamento, a limpeza e desinfeção, assim

como eliminavam focos de mosquitos, quase sempre à revelia dos moradores.

Foi assim que, em poucos anos, a mortalidade causada pela febre amarela

se reduziu a zero. Na contramão, criou-se, porém, um clima de insatisfação e

descontentamento em relação ao governo.

Tempos depois, ao iniciar o combate à varíola, o governo recorreu aos

mesmos meios coercitivos, só que, desta vez, encontrou a sociedade mais

organizada para reagir. Incitados pela imprensa e pela propaganda anti-

governista, surgiam grupos de protesto fazendo passeatas pelas ruas, as quais

descambavam logo para a depredação e eram reprimidas pelas forças policiais.

- 018 -

Não tardou que o descontentamento pelo uso da força chegasse, também,

aos quartéis. Em 14 de novembro de 1904, o general Olímpio da Silveira teve

audiência com o Presidente, na qual apresentou um ultimato, com as exigências

dos militares, que incluíam até o afastamento do ministro da Justiça, J. J. Seabra.

Se não... Só Deus sabe o que poderia acontecer.

Chegada a noite, o general Travassos e o senador Sodré, também militar,

dirigiram-se à Escola Militar da Praia Vermelha, depuseram o comandante e, ao

raiar do dia seguinte, aniversário da Proclamação da República, levaram as

tropas às ruas para tomar o palácio e derrubar o presidente da República.

Os rebelados não tiveram sucesso. Travassos morreu e Sodré foi preso,

enquanto alunos da Escola Militar, assim como outros suspeitos de participação

na revolta foram presos. Apurou-se depois que o descontentamento popular em

torno da vacina obrigatória estava sendo usado como pretexto para um golpe,

com articulações em várias partes do país. Cortada a sublevação no Rio de

Janeiro, o movimento foi abortado.

A Revolta da Chibata – 1910

Os florianistas, que não conseguiram interferir nos primeiros governos civis,

acompanhavam com atenção os desentendimentos entre o presidente Afonso

Pena e os políticos governistas, em torno da sucessão. Ajudados pelo deputado

Pinheiro Machado, que também era militar, lançam o nome do marechal Hermes

da Fonseca como candidato à Presidência.

Na oposição ao militarismo, Rui Barbosa torna-se o candidato civilista,

fazendo uma pregação cívica por todo o país. Mesmo assim, Hermes ganhou a

eleição. Nos seus quatro anos de mandato, interferiu diretamente na política dos

Estados, derrubando governos que não lhe eram convenientes e substituindo-os

por outros que lhe eram mais fiéis.

Não escapou, porém, de contestações. A primeira delas, logo após a posse,

se deu na Marinha e ficou conhecida como a Revolta da Chibata. Marinheiros

desesperados com a violência dos castigos corporais a que eram submetidos

acharam que a posse do marechal era um momento oportuno para externar sua

revolta.

- 019 -

Comandados por João Cândido, um marinheiro de 1ª Classe, sublevaram

vários navios, chacinaram todos os seus oficiais e apontaram canhões para a

cidade do Rio de Janeiro, ameaçando arrasá-la, se não fossem atendidos em

suas reivindicações. O Presidente teve de ceder à pressão, anistiando, a

contragosto, os revoltosos.

Poucas semanas depois estoura outra revolta, mas, desta vez, amparado

pelo Estado de Sítio aprovado pelo Congresso, o governo a reprime com

violência, punindo os sublevados. Aproveitando o ensejo, mandou à prisão,

também, os marinheiros do levante anterior, ignorando o salvo-conduto da

anistia.

A todos foram aplicadas severas penas. Boa parte foi desterrada para a

Amazônia e muitos dos que ficaram nas prisões do Rio de Janeiro acabaram

morrendo, pela precariedade das condições a que foram submetidos.

A Guerra do Contestado - 1912-1916

Um novo movimento de conotação messiânica surge entre 1912 e 1916,

desta vez, na divisa entre Paraná e Santa Catarina, em área de litígio entre os

dois Estados.

O motivo é semelhante ao que deu a origem à Guerra de Canudos e, como

esta, envolve os excluídos da sociedade: posseiros expulsos das terras que

ocupavam, trabalhadores na construção da estrada de ferro, agora sem emprego

e sem futuro, e jagunços sedentos de aventuras. Todos eles, como sempre,

mergulhados na ignorância e presas fáceis do misticismo.

É um princípio de química segundo o qual, para haver combustão, é preciso

uma combinação ideal de comburente e combustível. Pois em 1912, eis que

surge o comburente para reagir com o combustível já presente. Era ele um

caboclo de longos cabelos e barba espessa, que se apresentava como religioso.

O monge José Maria, em breve, conseguiu reunir em torno de si uma

pequena multidão de desvalidos, aos quais pregava a queda do governo

republicano e a restauração da monarquia, tal como acontecera em Canudos.

- 020 -

No primeiro encontro com as forças policiais, morre José Maria, o que, dentro

da lógica, deveria esfriar o movimento. Ao contrário, esse sacrifício instigou o

espírito de guerra dos rebelados, que passaram a lutar com mais ardor,

inspirados agora com a possibilidade de ressurreição do monge para restaurar

o poder monárquico.

A luta durou quatro longos anos, em que os fanáticos, abrindo mão da própria

vida, se colocavam em vantagem sobre as tropas policiais aliciadas para

combatê-los.

Por fim, o governo federal decidiu eliminar a todo o custo o foco da rebelião.

Formou-se um exército de 7 mil homens, comandados pelo general Setembrino

de Carvalho, que foi enviado para ataque aos rebeldes. Pela primeira vez em

nossa História, utilizou-se aviões para bombardear o local, abrindo espaço para

a invasão das forças de terra.

Decididos a lutar até a morte, os fanáticos do Contestado foram arrasados,

mas o pequeno grupo que ainda restou permaneceu na luta, disposto a vender

caro as suas próprias vidas. Vitorioso, afinal, o general Setembrino, ainda assim,

se mostrava preocupado com os focos de resistência, a ponto de sugerir ao

governo a mobilização do próprio Exército Nacional para sufocar o movimento.

- 021 -

Não foi preciso. Resolvido o litígio entre Paraná e Santa Catarina, os próprios

governos estaduais se encarregaram de cuidar da ordem pública, cada um em

seu território, eliminando os focos de rebelião ainda existentes.

As revoltas dos

"tenentes" (1922)

Durante a campanha eleitoral, ainda em 1921, surgiram duas cartas

apócrifas, atribuídas ao candidato Artur Bernardes, ofensivas ao Exército e

atingindo especialmente a honra do ex-Presidente, marechal Hermes da

Fonseca, então presidente do Clube Militar, nomeado em uma delas como

sargentão sem compostura.

Em consequência, houve também uma polarização da jovem oficialidade em

torno do marechal, a quem elegeram seu herói, capaz de resgatar a honra dos

militares, atingida pelas já citadas cartas.

No Nordeste, um desses jovens enviou ao ministro da Guerra um protesto

contra a utilização do Exército em Pernambuco na repressão política de

movimentos contrários ao candidato governista. Foi punido com prisão. Seus

colegas telegrafam a Hermes, recebendo pronto apoio do marechal. Em

represália, o governo federal manda prender Hermes da Fonseca e fechar o

Clube Militar.

Tudo isso acontece logo no início de julho e a revolta se propaga como fogo

em palha seca. Quatro dias depois, em 5 de julho de 1922, eclodem no Rio de

Janeiro revoltas coordenadas, comandadas pela jovem oficialidade, envolvendo

a Vila Militar, a Escola Militar, vários quartéis isolados e, como destaque, o Forte

de Copacabana, comandado pelo capitão Euclides Hermes, filho do marechal.

Paralelamente, há um levante frustrado no Paraná e outro em Mato Grosso,

prontamente dominados.

Embora o governo tenha controlado totalmente a situação, o desgaste político

foi terrível, ainda mais que estávamos nos preparativos finais para a

comemoração do 1º Centenário da Independência, cujas festividades foram

maculadas pelo fechamento da Escola Militar, a prisão dos revoltosos e a

instauração de processos contra todos eles.

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O episódio dos “18 do Forte”

As revoltas de 1922 marcam o início do movimento tenentista, que passou

pela Coluna Prestes e teve seu ponto máximo com a queda da República Velha,

na Revolução de 1930.

A Revolução Gaúcha – 1923

A Constituição do Rio Grande do Sul, obra e arte do caudilho Júlio de

Castilhos e homologada pela Assembleia Legislativa, quase sem modificações,

garantiu a permanência do Partido Republicano no poder, primeiro com o próprio

Júlio de Castilhos e, depois, com Borges de Medeiros que, com sucessivas

reeleições, ficou governando, só ele, por 28 anos.

Todavia, a última reeleição de Borges de Medeiros, ocorrida em 25 de

novembro de 1922, não foi aceita pacificamente, fazendo eclodir uma nova

guerra civil, à semelhança da Revolução Federalista de 1893, tendo agora como

líder civil o candidato derrotado, Assis Brasil.

De um ponto a outro do Estado, levantam-se os velhos caudilhos contra o

governo estadual, encontrando-se entre eles, novamente, a figura legendária do

general Honório de Lemes, herói do primeiro levante.

O movimento, bem articulado, teve seu início em Passo Fundo, com um

telegrama enviado ao presidente Artur Bernardes pelo deputado federal Artur

Caetano, que informava estar se movimentando com um contingente de 4 mil

homens, dispostos a lutar até a retirada de Borges de Medeiros do poder.

- 023 -

Embora mais curto que a Revolução de 1893, nem por isso esse movimento

foi menos violento, ceifando um grande número de vidas de um e outro lado.

A diferença é que, desta vez, o governo agiu mais rápido. Depois de algumas

tentativas de conciliação mal-sucedidas, Artur Bernardes mandou para Bagé o

próprio ministro da Guerra, general Setembrino de Carvalho, que negociou

intensamente com os dois lados em conflito, chegando finalmente a um acordo,

assinado em 14 de dezembro de 1923, o qual ficou conhecido como Pacto de

Pedras Altas. Por ele, o governador ficaria até o fim o seu mandato, todavia, sem

mais direito à reeleição, e o vice, que até então era nomeado, teria de se

submeter também às eleições diretas.

A Revolução Paulista – 1924

Em 5 de julho de 1924, exatamente no segundo aniversário das revoltas

tenentistas, eclodia em São Paulo uma revolução, comandada pelo general

Isidoro Dias Lopes, tendo como seu lugar-tenente o major Miguel Costa,

comandante da Força Pública do Estado de São Paulo. Dela participaram quase

todos os quartéis militares, tanto do Exército quanto da polícia estadual.

A tática das tropas legalistas enviadas à capital paulista para combater a

rebelião consistiu em bombardear a população civil e o parque fabril, criando

pânico e uma situação de terra arrasada.

Para evitar a destruição da cidade e de seu patrimônio industrial, fonte de

trabalho e riqueza, os revolucionários não tiveram outra alternativa senão retirar-

se para o interior, até o rio Paraná, onde se estabeleceram, na região entre Sete

Quedas e Foz do Iguaçu.

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Nesse local permaneceram, aguardando os resultados de outro movimento

que se iniciava no Sul do país, o qual também não teve sucesso. Então, o capitão

Luís Carlos Prestes assume o comando dos remanescentes gaúchos e forma

uma coluna, que parte de São Borja e se dirige a Foz do Iguaçu, para reunir-se

às tropas que vieram de São Paulo.

A Coluna Prestes - 1924-1927

Reunidos todos os revoltosos, é traçado um novo plano de ação, baseado em

um movimento de guerrilhas. O general Isidoro Dias Lopes continua sendo o

comandante geral, mas, devido a sua idade avançada, interna-se em Paso de

los Libres, Paraguai. Assim, o comando efetivo passa para as mãos de Miguel

Costa, que forma seu Estado Maior e divide os guerrilheiros em quatro

destacamentos.

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Embora sob o comando de Miguel Costa, o movimento é conhecido como

Coluna Prestes, dada à habilidade e experiência tática demonstradas pelo

capitão Luís Carlos Prestes durante a ação.

O itinerário da Coluna Prestes é contado desde a saída de São Borja, no Rio

Grande do Sul, em 29 de outubro de 1924, passando pela Foz do Iguaçu, onde

se juntou aos paulistas. Daí, segue para o Centro e Nordeste do Brasil, voltando

para o Centro-Oeste. Foram mais de dois anos percorrendo o país, fazendo um

trajeto de pelo menos 10 mil quilômetros (os números variam bastante, chegando

alguns a considerar até 26 mil quilômetros).

O grande feito da Coluna Prestes foi o de despistar as forças legalistas

durante todo esse tempo, trazendo um desgaste político ao governo e

levantando a opinião pública em todo o país em favor dos guerrilheiros. Serviu,

também, para um trabalho de proselitismo, levando a mensagem revolucionária

aos mais distantes rincões do país. Estavam abalados os alicerces da República

Velha e sua queda seria apenas uma questão de tempo.

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