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CAPÍTULO III - ESTADO E PLANEJAMENTO NO BRASIL: DA FORMA TECNOBUROCRÁTICA CENTRALIZADORA À FORMA PARTICIPATIVA 3.1. A origem do planejamento no Brasil Neste capítulo buscou-se reconstituir o processo de intervenção estatal na economia e na sociedade brasileira, bem como, a forma de planejamento que lhe é inerente. Com isso se quer apresentar os antecedentes do planejamento participativo o qual emerge numa conjuntura de crise do modelo tecnoburocrático e centralizador. Portanto, o objetivo aqui é mostrar quando, como e por que surgiu o planejamento participativo no País. No processo, de intervenção estatal já anunciado, é possível identificar diferentes períodos de crise e expansão econômica articuladas com o processo de acumulação de capital nacional e internacionalmente. O período da crise de 29 e o surgimento dos regimes políticos autoritários, a exemplo do Estado Novo; o período de expansão econômica do pós-guerra e os conflitos sociais que se travaram no país, nos anos 50 e início do anos 60; o subseqüente período caracterizado como “milagre econômico brasileiro” e a posterior crise que no âmbito internacional que deu seus primeiro sinais em 1973 com a propagada crise do petróleo ou choque do petróleo e, o conseqüente rompimento do modelo fordista-keynesiano de desenvolvimento econômico e de planejamento. No Brasil, esta crise econômica mundial reforça a crise econômica brasileira e que se intensifica nos anos 80, quando se “decreta” o esgotamento do desenvolvimento apoiado no Modelo de Substituição de Importações sob a égide do neoliberalismo. Este se dá com a ascensão de Margaret Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos que ao mudarem a política econômica internacional levaram ao endividamento exarcebado os países ditos em desenvolvimento; além da volta do liberalismo econômico com o Estado Mínimo, pondo em xeque o aparato burocrático do Estado e o sistema de planejamento tecnoburocrático, centralizador e autoritário. Esse processo se dá no Brasil no seio das discussões em torno do fim do regime autoritário e do debate em torno da redemocratização. Surge, então, nesse contexto, as novas alternativas ao desenvolvimento. Nesse sentido, a afirmativa que oriente aqui o nosso debate é a de que o planejamento é muito mais que um cálculo racional de tomada de decisão e de alocação de recursos com vistas ao desenvolvimento. Ele é, eminentemente, uma forma política de resolução de conflitos sociais que se travaram em diferentes situações de crise econômica e de mudanças políticas que o país experimentou.

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CAPÍTULO III - ESTADO E PLANEJAMENTO NO BRASIL: DA FORMA

TECNOBUROCRÁTICA CENTRALIZADORA À FORMA PARTICIPATIVA

3.1. A origem do planejamento no Brasil

Neste capítulo buscou-se reconstituir o processo de intervenção estatal na economia e

na sociedade brasileira, bem como, a forma de planejamento que lhe é inerente. Com isso se

quer apresentar os antecedentes do planejamento participativo o qual emerge numa conjuntura

de crise do modelo tecnoburocrático e centralizador. Portanto, o objetivo aqui é mostrar

quando, como e por que surgiu o planejamento participativo no País.

No processo, de intervenção estatal já anunciado, é possível identificar diferentes

períodos de crise e expansão econômica articuladas com o processo de acumulação de capital

nacional e internacionalmente. O período da crise de 29 e o surgimento dos regimes políticos

autoritários, a exemplo do Estado Novo; o período de expansão econômica do pós-guerra e os

conflitos sociais que se travaram no país, nos anos 50 e início do anos 60; o subseqüente

período caracterizado como “milagre econômico brasileiro” e a posterior crise que no âmbito

internacional que deu seus primeiro sinais em 1973 com a propagada crise do petróleo ou

choque do petróleo e, o conseqüente rompimento do modelo fordista-keynesiano de

desenvolvimento econômico e de planejamento.

No Brasil, esta crise econômica mundial reforça a crise econômica brasileira e que se

intensifica nos anos 80, quando se “decreta” o esgotamento do desenvolvimento apoiado no

Modelo de Substituição de Importações sob a égide do neoliberalismo. Este se dá com a

ascensão de Margaret Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos que ao

mudarem a política econômica internacional levaram ao endividamento exarcebado os países

ditos em desenvolvimento; além da volta do liberalismo econômico com o Estado Mínimo,

pondo em xeque o aparato burocrático do Estado e o sistema de planejamento

tecnoburocrático, centralizador e autoritário.

Esse processo se dá no Brasil no seio das discussões em torno do fim do regime

autoritário e do debate em torno da redemocratização. Surge, então, nesse contexto, as novas

alternativas ao desenvolvimento. Nesse sentido, a afirmativa que oriente aqui o nosso debate é

a de que o planejamento é muito mais que um cálculo racional de tomada de decisão e de

alocação de recursos com vistas ao desenvolvimento. Ele é, eminentemente, uma forma

política de resolução de conflitos sociais que se travaram em diferentes situações de crise

econômica e de mudanças políticas que o país experimentou.

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Em última instância, a forma de planejamento inerente à cada momento identificado

nesse estudo orientou-se com uma forma de articulação da hegemonia necessária a

continuidade da expansão econômica ou no mínimo para amortecer os impactos sociais da

crise. Sobre este assunto ver Francisco de Oliveira (1977). Outra assertiva deste capítulo é a

de que mesmo após o advento e expansão dos governos neoliberais de Margaret Thatcher e

Ronald Reagan o ideário desenvolvimentista não deixou de prosperar; só que agora foi

acrescido de sustentável e participativo. Sob esta perspectiva, terá que fazer jus a crise

ambiental e a exclusão social erigidas ao patamar de fenômenos globais e problemas

estruturais sem precedentes.

Tal ideário é batizado de desenvolvimento sustentável e baseia-se no princípio ético de

preservar o direito das atuais e futuras gerações ao ambiente “saudável”. Ao mesmo tempo,

abrange o enfoque territorial que articula o local com o global. Isto é, “agir localmente e

pensar globalmente”. Sob essa afirmação, no decorrer do texto procura-se identificar

mudanças e continuidades no próprio ideário desenvolvimentista que orientou e orienta

governos, regimes políticos, intelectuais e gestores públicos; enfim a sociedade brasileira nos

últimos 70 anos.

Já no limiar do século XX, a economia mundial começou a navegar num ciclo de

acumulação, marcada pela guerra e pelo empoderamento da classe trabalhadora em sindicatos

e partidos de massa e com sua repercussão na redução da taxa de lucro. A crise de 1929

derrubou os pilares do liberalismo neoclássico, mostrando que as próprias forças de mercado

eram incapazes de assegurar o equilíbrio econômico com a alocação ótima dos recursos e o

pleno emprego. Ao contrário, o que se viu, naquele momento, foi uma crise da economia

política decorrente do desequilíbrio da produção de mercadorias (superprodução) e da queda

da taxa de lucro dos capitalistas; aliada a elevadas taxas de desemprego. Ou seja, foram

quebrados os postulados da teoria neoclássica cujo sustentáculo era a Lei de Say ou Lei dos

Mercados que dizia que “toda oferta gera sua própria demanda”; isto é, o mercado se auto-

regula estabelecendo o equilíbrio entre a produção e o consumo. Assim, o sistema capitalista

mergulhou-se na maior depressão econômica de sua história, abalando os alicerces técnicos e

científicos de extração neoclássica e o liberalismo político.

As teorias existentes mostraram-se ineficazes para oferecer instrumentos

interpretativos e intervencionistas para as contradições capitalistas que se agudizaram após a

guerra de 1914-1918: superprodução de mercadorias e oscilações de mercado; desemprego e

queda das taxas de lucros; a anarquia da produção, entre outros. Essa deficiência teórica da

economia política burguesa vai ser superada pela nova economia política de Joan Robinson,

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Sraffa e Chamberlin, os quais demonstraram que a concorrência capitalista não era tão

perfeita quanto acreditavam ceticamente os economistas neoclássicos, abrindo as comportas

político-ideológicas de superação da ineficiência do liberalismo econômico em dar suporte à

recorrente instabilidade da economia capitalista, por meio da intervenção do Estado.

Já os contemporâneos destas teorias da concorrência imperfeitas, Schumpeter,

Kalecki e Keynes esforçaram-se na elaboração de uma teoria dos ciclos econômicos, visando

medidas anti-crise. Coube, a Mr. Keynes, no entanto, maior projeção nessa busca teórica e de

identificação de instrumentos neutralizadores da crise cíclica do sistema capitalista1. Lançado,

então, o planejamento estatal na economia com o Estado assumido o papel de principal agente

regulador das crises econômicas. De acordo com Mantega (1992) segundo a nova ótica

keynesiana, as forças de mercado, deixadas a si mesmas, estariam longe de promover a

alocação ótima de recursos, causando, pelo contrário, capacidade ociosa, desperdício e

desemprego.

É importante perceber que a crise estabelecida no centro do capitalismo mundial é um

fator determinante para que o Estado interviesse de modo a garantir e assegurar a

rentabilidade do capital e o pleno emprego da economia. Observa-se, assim, que o Estado

enquanto agente que planeja o bom curso da economia e promotor do desenvolvimento irá

adotar uma postura semelhante nos países ditos subdesenvolvidos2. Ou seja, enquanto no

1 Além de Keynes, Schumpeter e Kalecki, economistas marxistas também entram no debate. Pollock, Meyer e Mandelbaum, teóricos de pedigree frankfurtiana. Contra os teóricos neoclássicos também apontam as deficiências de suas teorias. Defendem que a crescente intervenção do Estado na economia seja capitalista ou socialista; é uma questão de ordem estrutural, necessária à manipulação das crises e associada ao planejamento econômico. Defendem a hipótese de que nenhuma economia moderna dispensa a intervenção reguladora do Estado. Ainda apostam que essa tendência poderia agravar-se devida o embricamento crescente das economias nacionais no mercado mundial. E, nesse caso, o Estado nacional não mais poderia assumir uma postura de novo observador dinâmico da economia. Cabia também, ao Estado a partir de então, numa crescente participação na gestão econômica mundial e na manutenção do equilíbrio internacional; também, caberia ao Estado a função de Estado empresário e interventor na lei da oferta e da procura, na organização de infra-estrutura e, também cumprir com o desempenho a econômico e, amenizando o conflito de classe, pela via o planejamento formulando políticas sociais. Ele saneia empresas, mas também combate o desemprego, reforça as políticas sociais de saúde, de educação, de salário-desemprego e, na sua versão norte-americana, transforma no Welfare State, minimizando conflitos em nome do bem estar de todos. O seu grande instrumento, seguido aqueles teóricos marxistas passa a ser o planejamento econômico-social; com a função de alocar os recursos com certa eficiência para obter determinados fins e com eficácia. Também, permite mais transparência e mais produtividade dos progressos econômicos. Estaríamos, portanto, diante de uma nova ordem econômica planificada (Freitag, 1986: 86-96). 2 No livro de Horácio González, “O que é subdesenvolvimento” é mostrado de forma clara e resumida as principais correntes teóricas do subdesenvolvimento. Entre essas idéias destacam-se: as de Gunder Frank, mostrando que as causas do subdesenvolvimento esta nas relações estabelecidas entre de dominação do centro em relação a periferia e a condenação desses países ao subdesenvolvimento, lançando o termo desenvolvimento do subdesenvolvimento. Fernando Henrique para o qual o subdesenvolvimento esta ligada a idéia de dependência associada. Yves Lacoste para o qual o subdesenvolvimento envolve um conjunto de características que vão desde a baixa oferta de alimento, intensas taxa de mortalidade e reduzidas taxas de natalidade, carência de industrialização, e outros. Rajnar Nurske para o qual o desenvolvimento esta ligada ao mercado interno ilimitado. Walt Rostow e as teorias das etapas pelas quais tinham que passar os países até chegar ao

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centro do capitalismo o Estado planejador entra em um momento de crise ou para tirar os

países desenvolvidos da crise, nos países ditos periféricos teria outra função. Nos países

teorizados como subdesenvolvidos o Estado faz-se presente com o objetivo de se promover o

desenvolvimento que nesse momento é entendido como industrialização. Isto é,

desenvolvimento significa industrializar-se. É aí que surge o ideário desenvolvimentista, o

sonho do desenvolvimento.

Nessa “Revolução keynesiana” que se seguiu à crise de 29, coube ao Estado o papel

não só de administrador da “coisa pública” e de mero regulador das atividades privadas. Ao

Estado keynesiano coube, também, o papel de agente direto da produção planejada e

orientador da estrutura econômica para uma produção mais equilibrada, investindo

diretamente em setores estratégicos para o conjunto da produção e reprodução capitalista. O

Estado passa, também, a ser um agente político mediante regime políticos de força para

garantir a “pax social” necessária à aplicação dos investimentos de “saída da crise”. Nesse

sentido, os regimes fascistas e nazistas, por exemplo, que do ponto de vista econômico

corresponde a uma situação de tensão social profunda tanto no campo econômico como no

político, caracteriza-se por uma ação fortemente intervencionista do Estado aliado a forças

poderosas do sistema as quais se beneficiam com a concentração e centralização do Estado

capitaneada pelo Estado3 ou desse poder estatal.

Este intervencionismo autoritário corresponde a uma conjuntura de “guerra” cujos

problemas são solucionados pelo alinhamento das forças no plano intervencionista e via a

economia de guerra. Se estar na conjuntura da Segunda Guerra. Esse período foi seguido por

um período democrático favorável à reconstrução dos países pela guerra. O Estado

keynesiano assume a forma de Estado do bem-estar social, a forma de planejamento que lhe é

correspondente: a de participação democrática tripartite na tomada de decisão e, inclusive de

controle do fundo público. Assim, o Estado do bem-estar social nos países industrialmente

avançados e a participação democrática na forma de planejamento que lhe é correspondente

vai ser o modelo da fase de prosperidade da expansão capitalista do pós-guerra.

Instalou-se, portanto, desde a crise de 1929 a revolução passiva e molecular do capital

financeiro na acepção gramisciana4, a sua expressão fascista e Walfare State. Particularmente

desenvolvimento. As teses da CEPAL que via nas relações comerciais as causas do subdesenvolvimento. Entre outras. 3 Pequeno Dicionário de Economia. Sérgio Ribeiro (coordenador). 5 volume. Lisboa: Prelo Ed. 1978: PP – 27-51. 4 Para Gramsci, sob a hegemonia do capital financeiro, as sociedades ocidentais e industrialmente avançadas conheceram a expansão do fordismo - americanismo. A sua universalização é uma expressão de revolução passiva e molecular do capital financeiro. Também, o próprio fascismo pode ser tido como uma modalidade de

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na América do Norte, o americanismo fordismo e Walfare State que, no plano econômico,

concretiza-se numa atuação fortemente intervencionista, mesmo quando o aparelho do Estado

se coloca ostensivamente a margem das questões econômicas; ou daquelas passíveis de serem

reguladas pelas próprias “forças do mercado”.

Essa crise e as mudanças provocadas em dimensões mundiais tiveram as suas

repercussões no Brasil. O Regime autoritário que se instaurou em 1937, com traços fascistas

copiados da Carta Del Lavoro de Mussolini tem antecedentes que remonta a própria política

de foanding-loan e outras medidas protecionistas da cafeicultura decorrentes do Encontro de

Taubaté em 1906 (LIMA, 1983). Mais que um protecionismo estatal de perfil keynesiano em

torno da economia cafeeira; a política de valorização desta cultura estabeleceu a taxação dos

produtos importados em favor da não-taxação das exportações. Isto, apesar de contrariar os

grupos financeiros ingleses, decorreu no equilíbrio financeiro como condução para o acordo

sobre o próprio funding-loan, contentando-se os ingleses com o asseguramento do pagamento

das dividas, a remessa de juros, dividendos e lucros em prejuízos das próprias exportações.

Assim, a primazia das exportações de capitais sobre as importações de bens industrializados

bem antes da emergência da era de sua revolução molecular e passiva e após crise de 1929

abre condições favoráveis para a industrialização.

Entre 1914-1918, a indústria no País cresceu 212%, gerando diversidades e

divergências de interesses, sem, no entanto, chegar a criar bases para uma revolução burguesa

até 1930 (Lima apud Silva, 1983: 112). Alias já em 1939, houve a subida ao poder de uma

classe média portadora de uma política industrializante e que pré-figurava no

desenvolvimentismo anunciado com Estado Novo. Foram derrubados pelo poder da

oligarquia cafeeira com apoio da Inglaterra (LIMA, 1983).

A complexificação das classes sociais e dos diferentes interesses econômicos no país

foi sintomática à greve operária de grande significação social e política que paralisou São

Paulo em 1917. Por seu turno a crise da sociedade agrária acentuou-se com essa expansão

industrial; com as greves e rebeliões, com a formação de partidos políticos de base urbana e,

inclusive do partido comunista brasileiro; com o crescente empoderamento político da classe

média com o debate sobre os efeitos econômicos e sociais das crises recorrentes da

cafeicultura; com a realização da Semana de Arte Moderna, em 1922; com a Coluna Prestes,

expressão do movimento tenentista de 1925 – 1929; com a queda, em 1930 do regime

revolução ou “pelo alto”, numa reação à tendência à queda da taxa de lucro. Ver Viana (1995: 181 – 235). Na ótica gramsciana a Ditadura do Estado Novo que se instalou no Brasil na década de 30, pode ser lida como um caso de revolução passiva ou de uma revolução sem revolução. Neste tipo, o Estado substitui os grupos sociais na função de dirigir a luta pela modernização econômica.

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oligárquico presidido por Washington Luis e a ascensão ao poder de um grupo chefiado por

Getúlio Vargas, representando uma aliança de classes sociais urbanas e rurais.

Enfim, a gota d’água; foi a intentona comunista de 1935, movimento de esquerda

chefiado por Luis Carlos Prestes e que tentou tomar o poder é sucedido pelo golpe do Estado

sob o comando de Getúlio Vargas. Instaura-se a ditadura do Estado Novo.

O intervencionismo estatal instala-se com o Estado Novo, enquanto no campo

político-ideológico rivalizam-se duas tendências principais e rivais que nas duas primeiras

décadas do século XX representavam as duas principais forças econômicas do País: a)

propensas a defesa do liberalismo econômico estavam àqueles alinhados as oligarquias agro-

exportadoras e exportadoras e, ambas com o imperialismo comercial e financeiros; b)

propensão à defesa do intervencionismo estatal estavam as forças políticas e econômico-social

alinhadas com os interesses de expansão industrial (MANTEGA, 1992).

Com estes últimos estavam aqueles que se aglutinavam em torno de um projeto de

constituição da nação brasileira disposto a enterrar o nosso passado escravocrata e colonial e

constituir um novo status para o Brasil no concreto capitalismo mundial. Esse projeto

desenvolvimentista que teve como eixo a industrialização, portanto, era estatista -

intervencionista. Em torno dele alinhou-se as camadas e segmentos sociais mais dispares e até

antagônicas da sociedade brasileira: grande parcela dos militares; a grande parcela de classes

média; parte expressiva do empresariado industrial; crescentes parcelas das massas urbanas e

proletárias seduzidas pelos intelectuais de esquerda e pelas lideranças pequeno-burguesa

(IANNI, 1979). Na verdade, instalou-se a forma autoritária de intervenção estatal

supostamente acima das classes sociais, onde o Estado Novo se confunde com a vontade geral

e de feição claramente industrializante.

Assim, nos anos de 1930-45 o governo federal “criou comissões”, conselhos,

departamentos, institutos, companhias e formularam-se planos (...) incentivou debates (...)

sobre problemas econômicos; financeiros; administrativos; educacionais, entre outros. As

medidas adotadas pelo governo abarcaram praticamente todas as esferas da sociedade

nacional. Tratava-se de estudar, coordenar, proteger, disciplinar, reorientar e incentivar as

atividades produtivas em geral. Além disso, pretendia-se, também, estabelecer novos padrões

e valores, ou reafirmar os padrões e valores específicos das relações e constituições do tipo

capitalista (IANNI, 1979).

Entre 1930 e 1940 a política econômica do governo Vargas procurou reduzir as

relações e as estruturas de dependência estrutural com relação aos países desenvolvidos. Os

dois períodos de industrialização entre 1930 a 64 parecem ter revelado este fato. Por outro

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lado, a política habitacional adotada pelo governo Vargas implicou numa progressiva e

sistemática vinculação do sistema sindical ao “mecanismo dirigente do Estado”. Trata-se de

uma participação tutelada e regulamentada pelo Estado. O Estado Novo impôs uma ordem

corporativista e autoritária. Impôs às massas trabalhadoras, “de cima para baixo”, uma

organização. Durante o Estado Novo, um dos marcos do planejamento no Brasil foi a missão

inglesa de 1931, chefiada por Otto Niemeyer.

Segundo Ianni (1979) essa missão teve o objetivo de analisar a situação econômica –

financeira do Brasil e os seus resultados expressaram-se em recomendações de políticas

orçamentária, financeira e econômica.

Acentuou-se o debate sobre o protecionismo da economia brasileira e o

intervencionismo estatal que vinha sendo posto em prática desde o início do século XX.

Nesses debates as políticas governamentais inspiradas na doutrina liberal eram bastante

criticadas e a própria constituição de 1934 e a de 1937 adotaram explicitamente princípios

nacionalistas e intervencionistas e, portanto, contra - liberais.

A criação do Conselho da Economia Nacional foi inspirado na Constituição de 1937 e

tinha como objetivos colher dados e realizar estudos, emitir pareceres sobre projetos de

iniciativas governamental e apresentar recomendações para a política agrícola, industrial,

comercial, de transporte, financeira, administrativa, trabalhista, entre outras. Esse Conselho

era composto por representantes de vários ramos de produção, levando em consideração as

corporações e representações tanto dos trabalhadores como dos empregadores.

A Segunda Guerra Mundial, por seu turno criou uma situação no país semelhante a

uma “economia de guerra”: queda no comércio exterior, inflação e agravamento da situação

econômica e social da classe trabalhadora. O governo cria um super-ministério, em 1942: a

coordenação de mobilização econômica. Por esta via o governo passou a coordenar os

assuntos econômicos, financeiros, tecnológicos, organizativos da economia nacional,

considerado como economia de um país em Estado de guerra. Assim, pouco a pouco, a idéia e

a prática de planejamento econômico e social foram adotadas pelo Governo Federal; criando-

se, por seu turno uma tecnoestrutura e uma burocracia estatal.

No entanto, com término da II Guerra, acirraram o debate sobre essa intervenção

estatal. O debate sobre esse tema já vinha sendo travado por pessoas de destaque como

Roberto Simonsen e Eugênio Gudin, ambos membros do Conselho Nacional de Política

Industrial e Comercial. O primeiro, Simonsen, era defensor da intervenção estatal e Eugênio

Gudin não aceitava esta intervenção do Estado nas atividades econômicas. Tratava-se, então,

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de um período de retomada do Estado de Direito Democrático e, do outro lado a expansão

econômica do pós-guerra. Gudin representava os setores liberais ligados a FIESP.

Em 1945, houve o congresso das classes produtoras reunindo membros do governo,

empresários, economistas e técnicos. Nesse evento, é reconhecida e apontada a necessidade de

planejamento econômico, visando assegurar a produtividade e o desenvolvimento das

riquezas naturais. Assim, conforme Ianni (1979) foram essas as origens das idéias e da prática

de planejamento governamental no país. Em países periféricos do capitalismo, como o Brasil,

comenta esse autor, a própria instabilidade econômica e a sua extrema vulnerabilidade as

crises recorrentes, levaram à prática de planejamento, ainda que parciais e, ao

intervencionismo estatal, muitas vezes reclamadas por empresários e produtores em

dificuldades. Passadas tais dificuldades, tais beneficiários reclamavam da própria proteção

estatal que lhes tinha beneficiado. Assim, as origens da ideologia e da prática de planejamento

do país, embora remontem as práticas protecionistas do Estado e planificação econômica,

como o convênio de Taubaté (1906); elas vai se tornar em instrumentos de fato de intervenção

do Estado durante a Segunda Guerra de 1939-1945.

3.2. O Planejamento no Brasil: final da Segunda Guerra a 1964

A partir de 1945, com a deposição do governo Vargas por meio do golpe de Estado,

onde pôs fim à ditadura do Estado Novo, iniciou-se no Brasil o processo de redemocratização,

com ascensão à presidência da República do governo Dutra. De acordo com Rezende (1999)

“o legado básico do Estado Novo foi o de ter deixado o Brasil como um país economicamente

hibrido, com uma base industrial sólida, mas alcançada, em grande parte, devido à ativa

contribuição do estatal (...)”. Isso mostra que no período de 1930 a 1945 o Estado teve um

papel decisivo nos “destinos” econômicos do Brasil, alavancando o processo de

industrialização. Além disso, essa intervenção estatal na consolidação das bases industriais do

país fez frente ao setor agro-exportador predominante na época, pondo fim à hegemonia dos

cafeicultores e estabelecendo duas classes: a burguesia industrial e o proletariado.

A Constituição de 1946 pôs fim ao autoritarismo do Estado Novo, adotando-se no país

um modelo de democracia representativa, inspirado no modelo democrático representativo

adotado pelos países vitoriosos da Segunda Guerra Mundial sobre o nazi-fascismo. Esse

período é marcado, ainda, pela ruptura das relações econômico-político-sociais que se

identificassem com o Estado Novo, iniciando uma nova forma de pensar essas relações e o

próprio desenvolvimento do país. Segundo Ianni (1979) “se organizam e movimentam as

forças políticas adversas ao nacionalismo econômico, ao dirigismo estatal e à participação

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das massas no processo político”. Ou seja, o nacional-desenvolvimentismo adotado por

Vargas via na manipulação das massas a forma de legitimar o seu governo e levar à frente o

seu Plano de Desenvolvimento (industrialização).

É nesse contexto que se inicia o governo Dutra, marcado por uma nova relação entre

Estado, Economia e Sociedade, ou seja, uma nova prática de planejamento. De acordo com

Ianni (1979), passou-se de uma política de desenvolvimento econômico e de intervenção

estatal na economia para uma política de redução das funções econômicas do poder público e

o descompromisso com o desenvolvimento. Isto é, o governo Dutra passou a adotar uma

política econômica liberal (Rezende, 1999), com o Estado atuando diretamente na economia,

favorecendo as empresas privadas nacionais e estrangeiras. Isto é, o Estado foge ao

planejamento baseado em uma política econômica intervencionista e ao nacional-

desenvolvimentismo para adotar uma doutrina liberal. Será visto mais à frente que isso ocorre

em parte.

Assim, observa-se que no governo Dutra o planejamento econômico levou em

consideração as seguintes políticas econômicas: política cambial, cujo fim era combater a

inflação e estabelecer o equilíbrio fiscal do governo; política salarial, inspirada na ideologia

liberal e a favor das empresas privadas, confiscando os salários dos trabalhadores e elevando a

exploração da força de trabalho, a fim de garantir a continuidade do processo de acumulação

de capital privado (IANNI, 1979). Mas destaca-se no governo Dutra a intervenção planejada

do Estado no desenvolvimento econômico e social, através do Plano SALTE voltado à política

fiscal do governo e com o objetivo de coordenar a alocação e os investimentos dos recursos

públicos em quatro setores econômico-sociais da vida urbana e rural do país: saúde,

alimentação, transporte e energia. Porém esse Plano não chegou a sair do papel, ou seja, a ser

executado, pois, segundo Ianni (1979), como instrumento de ação governamental o Plano era

descoordenado e divorciado da realidade.

O período de 1951-1954 é marcado pela volta de Getúlio Vargas à Presidência da

República, agora pelo voto direto, restabelecendo as relações entre

Estado/sociedade/economia, e fazendo ressurgir o ideário nacional-desenvolvimentista. É

notório, nessa época, que a sociedade brasileira se apresentava bastante complexa, devido ao

crescimento do setor industrial (e a complexa relação burguesia/proletariado), da expansão

dos centros urbanos e do setor terciário. Os novos problemas desse “novo urbano” a ser

enfrentado pelo governo Vargas estavam relacionados à energia, sistema de transporte,

moradia, entre outros; havendo a necessidade de o Estado intervir criando a infra-estrutura

necessária para fazer frente à nova etapa de desenvolvimento da economia brasileira.

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É nesse contexto que surge o debate em torno do desenvolvimento econômico

brasileiro e da América Latina teorizado pela Comissão Econômica para América Latina

(CEPAL)5, passando o governo Vargas a adotar as propostas intervencionistas oferecidas por

essa Comissão:

Meu governo considera com especial apreço os esforços da Comissão no sentido de formular uma teoria do desenvolvimento econômico que, pelos seus próprios méritos, seja capaz de impor-se aos governos latino-americanos, como fundamento racional da sua política econômica (Vargas apud Ianni, 1979).

Guido Mantega (1984), em seu livro Economia Política Brasileira, no qual reconstitui

os debates teóricos celebrados pelos principais pensadores econômico-brasileiro nas décadas

de 1950 e 60, afirma que é justamente nessa época que surge o debate em torno da CEPAL

sobre a ideologia desenvolvimentista no Brasil. Essa Comissão inaugurará uma interpretação

acerca das relações estabelecidas entre os países capitalistas avançados e os países periféricos.

É nesse contexto de discussão em torno do subdesenvolvimento brasileiro e a busca

pelo ideário desenvolvimentista que se iniciam no primeiro governo Vargas, medidas com os

objetivos de criar as condições necessárias, infra-estruturais e institucionais, para acelerar o

desenvolvimento industrial. Nesse sentido, foram intensificadas as discussões quanto à prática

do planejamento econômico, através de seu instrumental – a política econômica planificada

adotada pelos setores governamentais.

Em 1951 foi criado o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico ou Plano Láfer.

Este Plano tinha como objetivo central realizar investimentos em indústria de base, transporte,

energia, frigoríficos e modernização da agricultura, procurando assim beneficiar tanto o meio

rural como o meio urbano brasileiro. Para concretizar os investimentos necessários ao Plano

criou-se o Fundo de Reaparelhamento Econômico gerido pelo Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico (BNDE). Destaca-se, ainda, que esse Plano foi resultado de

sugestões e projetos surgidos da discussão da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos, cuja

tentativa era conciliar os objetivos do governo e impulsionar o desenvolvimento econômico

5 É importante ressaltar a contribuição teórica trazida por um dos mais expoentes pensadores da economia brasileira, Celso Furtado. Segundo Mantega, “a Celso Furtado coube a tarefa de caracterizar a transição da economia agromercantil para a acumulação urbano-industrial e arquitetar a teoria do subdesenvolvimento”. Esse autor irá mostrar a trajetória da economia brasileira e, principalmente, como a economia cafeeira ofereceu suporte ao incipiente processo de industrialização no Brasil, e as condições de subdesenvolvimento. Então, para Furtado (apud MANTEGA, 1984), o subdesenvolvimento era entendido como um processo autônomo que está ligado diretamente às próprias relações de produção e reprodução estabelecidas no interior das economias, a exemplo do Brasil; e não uma etapa por que deva passar essas economias até alcançar o grau máximo de desenvolvimento. E, nessa direção, o fator impulsionador do desenvolvimento para Furtado era exatamente a industrialização. Mantega, Guido. Economia política brasileira. São Paulo: Vozes, 1984.

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brasileiro, eliminar a escassez de recursos (capital e tecnologia) em âmbito nacional e fazer

frente à nova etapa de expansão econômica dos Estados Unidos no período do pós-guerra

denominado anos dourados, onde se confirmava a política keynesiana (IANNI, 1979).

Entre os anos de 1952 e 1953 foram criados os órgãos e instituições administrativas,

técnicas, econômicas e financeiras cujo fim era estabelecer as condições necessárias ao

desenvolvimento econômico do país, isto é, as bases de desenvolvimento econômico. São

eles: o Banco do Nordeste (BNB); a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da

Amazônia; o Banco Nacional de Desenvolvimento (responsável por gerir os recursos do

Plano de Reaparelhamento Econômico) e o símbolo nacional – desenvolvimentista: a

Petrobrás6. Podemos afirmar, ainda, que a criação da Petrobrás representou a conjunção de

forças políticas e econômicas do país, trazendo consigo as idéias de: defesa nacional;

nacionalismo econômico; emancipação do país; o ideário desenvolvimentista; o planejamento

estatal; entre outras.

Assim, o governo Vargas foi reincorporando a prática do planejamento

intervencionista do Estado na economia brasileira. Uma intervenção planejada do Estado que

tinha como objetivo conciliar os conflitos de classes e assegurar o desenvolvimento

econômico-social do país.

Em 1954, com a deposição e suicídio de Vargas, reacende o conflito social, vivendo o

Brasil, nas palavras de Ianni (1979), uma situação pré-revolucionária. Nesse contexto, assume

o vice-presidente Café Filho, adotando como instrumento de planejamento econômico uma

política econômica mais ortodoxa e cujo objetivo era ajustar o balanço de pagamentos e

controlar a inflação. Fugindo, nesse sentido, dos rumos estratégicos adotados até então para a

economia nacional.

Em 1955, entra em cena Juscelino Kubistchek com o que Mantega (1992) chama de

primeira experiência de planejamento estatal posta em prática no Brasil, o Plano de Metas

constituiu o coroamento da “política de desenvolvimento” traçada pela Comissão Mista Brasil

- Estado Unidos e pelo grupo Misto BNDE - CEPAL. Nesse governo é posta em prática a

primeira experiência de planejamento urbano no Brasil, a construção de Brasília, símbolo do

desenvolvimentismo brasileiro.

6 Símbolo do Nacionalismo econômico brasileiro e realização de fundamental importância na garantia do desenvolvimento econômico do Brasil, por: garantir a expansão do sistema econômico brasileiro; importância do petróleo e de seus derivados na redução da dependência em relação aos outros países, sendo criado o monopólio estatal; e a criação dessa empresa demonstrou a forma prática de planejamento e atuação da tecnoestrutura estatal no Brasil (Ianni, 1979).

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Dessa forma, observa-se que a sociedade brasileira passou por mudanças profundas

durante o período de 1930-45, diante de um contexto de crise mundial (1929-33): Segunda

Guerra Mundial (1939-45); fim do regime autoritário do Estado Novo; crise do modelo

primário exportador e ascensão da burguesia industrial, da classe média e do proletariado

urbano, intelectuais e outros grupos sociais. Percebe-se, ainda, a forte intervenção do Estado

na promoção da industrialização, e juntamente com esta houve a expansão do Setor Terciário,

o crescimento das cidades, e consigo os problemas econômico-sociais decorrentes dessas

mudanças.

Ressalta-se, nesse período, o surgimento da CEPAL que através de seu corpo teórico

procurou as causas primeiras do subdesenvolvimento do Brasil e da América Latina e suas

relações com os países do centro, dando como receituário a intervenção do Estado na

economia (de inspiração keynesiana) e cujo objetivo era promover o ideário

desenvolvimentista, o sonho de tornar o Brasil um país desenvolvido (industrializado).

As páginas mais significativas do planejamento no Brasil começam com Juscelino

Kubitschek e as experiências do Plano de Metas e da SUDENE. Significativas porque essas

experiências ocorreram numa conjuntura onde os conflitos sociais se agudizaram, emergindo

no cenário político e social as massas populares urbanas reivindicando reformas de base,

principalmente a reforma urbana e agrária.

Embora os camponeses tivessem radicalizado suas lutas reivindicando a Reforma

Agrária e outros direitos, essa Reforma Agrária também era reivindicada pelos movimentos

sociais empoderados, já que o atraso do campo e a sujeição das massas camponesas aos olhos

dos latifundiários eram considerados impeditivos ao processo de industrialização. Falar sobre

Reforma Urbana é reconhecer um processo de urbanização que vinha ocorrendo de forma

desordenada e como conseqüência da própria industrialização. Por seu turno, uma

industrialização orquestrada pelo Estado.

Um dos marcos dessa intervenção no meio urbano surge com a criação das

associações de amigos de bairros urbanos. Isto é, o Estado busca intervir através do

planejamento e muito mais diretamente nas periferias urbanas como forma de desativar os

conflitos sociais. A questão urbana aparece como um dos capítulos, se não como uma das

problemáticas tratadas nos planejamentos governamentais e pelas agências de

desenvolvimento regional como a SUDENE, a partir do Plano de Metas; embora seja sabido

que, de certa forma, a Reforma Agrária assume maior relevo nos debates, devido à própria

radicalização das ligas camponesas surgidas nesse período.

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A subida de JK à Presidência da República trouxe consigo o compromisso imediato do

Estado de continuar a política desenvolvimentista. Esse governo introduziu no Brasil, segundo

Rezende (1999), a execução do mais completo e coerente conjunto de investimentos já

planejado para a economia nacional, denominado Plano de Metas. Este Plano pode ser de

acordo com Mantega (1992), considerado a primeira experiência de planejamento estatal

efetivamente posta em prática no Brasil, constituindo o coroamento da “política de

desenvolvimento” traçada pela Comissão Mista Brasil - Estados Unidos e pelo Grupo Misto

BNDE-CEPAL. Ressalta-se a importância do capital estrangeiro como fundamental para a

execução desse Plano.

Isso ocorre em um contexto mundial marcado pela recuperação da economia européia

da Segunda Guerra Mundial e da vitória dos EUA como potência hegemônica do Ocidente e

da URSS como potência do mundo oriental, marcando, assim, a geopolítica mundial com a

Guerra Fria.

Assim, a política econômica enquanto instrumento do planejamento foi no governo JK

sintetizada no Plano de Metas: elaborado pelo Conselho de Desenvolvimento, órgão

subordinado à Presidência da República na época. Sendo as áreas prioritárias desse Plano7 as

que receberiam os investimentos, a saber: alimentação, energia, educação, indústria de base e

transporte. Os setores de energia e transporte receberam um total de investimentos da ordem

de 71%, investimentos esses vindos diretamente do Estado; alimentação e educação

recebendo 6,4% dos investimentos advindos do Estado e da iniciativa privada; e, 22,3% dos

recursos vindos do Estado e do setor privado investidos na indústria de base (REZENDE,

1999). Observa-se que a maior parte dos investimentos, 93,3%, foi destinada à infra-estrutura

de energia e transporte e à indústria de base, consolidando a entrada da indústria

automobilística no Brasil.

Esse Plano criou as condições necessárias e o ambiente favorável aos investimentos da

iniciativa privada. Pretendendo-se, ainda, estabelecer o equilíbrio econômico e a estabilidade

social, ou seja, acelerar o desenvolvimento econômico com a consolidação do processo de

industrialização, fortificando o setor privado nacional e estrangeiro para prosseguir e

intensificar o processo de acumulação do capital iniciado na década de 1930; ao mesmo

tempo em que procurava, também, amenizar o conflito de classes.

Nesse sentido, o Plano de Metas tinha na CEPAL e nos grupos de teóricos e de análise

da economia brasileira e latino-americana o respaldo necessário para que fosse levado à frente

7 Ver também: BRUM, Argemiro. O desenvolvimento econômico brasileiro. 12ª. Rio de janeiro, Vozes, 1993. p. 97-98.

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o ideário desenvolvimentista, através da incorporação no debate da política econômica o

ideário, a técnica e a prática do planejamento estatal de inspiração keynesiana.

Destaca-se, nesse contexto, o que se convencionou chamar de meta-síntese ou meta

autônoma, marco do planejamento urbano no Brasil: a construção de Brasília – o símbolo do

planejamento urbano brasileiro – e da efetivação do planejamento urbano nacional,

incorporado e levado à frente pelo Estado nacional - desenvolvimentista. A capital do país,

Brasília, fica situada no centro geográfico do país, interligada por uma infra-estrutura de

estrada, marcando a consolidação da indústria automobilística nacional. Soma-se a isso, que a

construção de Brasília tinha como intenção fixar as populações rurais migrantes e

desorganizadas para o Centro-Sul, uma vez que para a execução desse empreendimento foi

necessária uma soma vultosa de mão-de-obra.

Veja, então, o resultado do Programa de Metas no quadro síntese abaixo:

Setores Previsão Realizado %

Energia Elétrica (mil quilowatts) 2.000 1.650 82

Carvão (mil toneladas) 1.000 230 23

Petróleo – produção (mil barris/dia) 96 75 76

Petróleo – refino (mil barris/dia) 200 52 26

Ferrovias (mil quilômetros) 3 1 32

Rodovias – construção (mil quilômetros) 13 17 138

Aço (mil toneladas) 1.100 650 60

Cimento (mil toneladas) 1.400 870 62

Carros e caminhão (mil unidades) 170 133 78

Nacionalização (carros) % 90 75 -

Nacionalização (caminhões) % 95 74 -

Quadro 02: Plano de Metas, o Planejado e o Executado. Fonte: Economia Brasileira Contemporânea. (REZENDE, 1999)

Assim, embora alguns setores tenham ficado com as suas metas abaixo do previsto,

por exemplo: carvão com 23%; petróleo 26%; ferrovias 32%; no geral, o Plano atingiu seus

objetivos programados, conforme visto no quadro acima. Percebe-se também que em alguns

setores as metas estiveram acima do programado, como os de rodovias com 138%. De acordo

com Rezende (1999), o impulso ao desenvolvimento do país foi extraordinário. A estrutura

econômica nacional alterou-se rapidamente, o crescimento industrial, sua modernização e

diversificação. Acrescenta-se, ainda, a ampliação da infra-estrutura do país. Nesse sentido, o

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Plano de Metas conseguiu acabar com os pontos de estrangulamento, principalmente em

temos de infra-estrutura econômica, levando o país a avançar no processo de industrialização

baseada no modelo de desenvolvimento via Substituição de Importação concebido pela

CEPAL, além de diversificar o parque industrial interno e sendo os investimentos externos – o

capita externo – essencial para a execução do Plano.

Porém, o investimento em capital humano foi relegado em segundo plano (6,4% dos

investimentos divididos entre alimentação e educação), não visto como elemento fundamental

à propagação e continuidade do funcionamento desse progresso industrial e do

desenvolvimento do sistema capitalista no Brasil. Sendo esse entendido como ampliação das

condições econômico-sociais do conjunto da população, o que não se configurou com os

planos impostos no Brasil da década de 1930 ao período-marco da técnica e prática do

planejamento no Brasil, falado por Mantega (1992) e Rezende (1999), entre outros.

Posteriormente a esse período, a história se repete e o ideário desenvolvimentista permeia o

pensamento brasileiro com uma nova roupagem.

Acrescenta-se a isso que a construção de Brasília pode ser considerada o início do

planejamento urbano no Brasil. O planejamento urbano pensado enquanto estabelecimento de

uma infra-estrutura urbana, e não pensando o urbano enquanto um espaço em que os

indivíduos desenvolvam as suas relações econômico-político-sociais. E nesse sentido, o

espaço urbano planejado deve ser visto como espaço onde as pessoas possam exercer e ter

garantida a sua liberdade8. Se não estaremos fadados a ver o planejamento apenas como se

configurou, nesse período, e posteriormente como forma de amenizar o conflito social, e não

como um instrumental racional de alocação de recursos em busca do desenvolvimento pleno

do conjunto da sociedade. Como afirma Oliveira (1988):

Um pouco de história econômica ajudará a reconhecer que a estrutura central, a espinha dorsal dos atos da política econômica que levaram a industrialização foi pensada para ter como resultado exatamente a industrialização que se logrou; pouco importa, para tanto, reconhecer que o Plano de Metas do governo Kubitschek estava muito longe de qualquer tipo de planejamento acabado: o importante é reconhecer que os meios e os fins objetivados não apenas eram coerentes entre si, como foram logrados. Prioridade para indústrias automobilísticas, de construção naval, siderurgia (...) importação de equipamentos, não pode ser entendida por acaso, nem medidas tópicas para equilibrar o balanço de pagamentos, que deram como resultado a aceleração da industrialização.

Na história econômica do Brasil, pelo menos até o momento analisado, foi dada

especial atenção à industrialização como se desenvolvimento fosse apenas industrializar-se,

8 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Companhia das Letras, 2000.

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criar condições infra-estruturais para garantir o processo de acumulação de capital. Se

industrialização for apenas isso, de cara já se observa a quem serve o planejamento posto em

prática, confirmando a idéia de Oliveira (idem), de que o planejamento no Brasil não passa de

uma forma de conciliar os conflitos sociais: para uns poucos o direito de desfrutar das

condições econômico-social assegurada pelo desenvolvimento das forças produtivas, para a

maioria apenas o necessário para estabelecer a ordem. Entende-se, então, que o

desenvolvimento passa essencialmente pelo investimento em capital humano, ou seja, deve-se

investir em infra-estrutura, em indústria, mas também em conhecimento humano, pesquisa e

inovação.

Assim, essa prática de planejamento e do desenvolvimentismo que tinha na

industrialização seu carro-chefe, ampliou os problemas não só nos centros urbanos como a

sua complexificação, mas, sobretudo, aumentou as desigualdades econômico-sociais entre as

regiões do país. SUDENE.

Foi falado anteriormente que a intervenção planejada do Estado baseado no Modelo de

Substituição de Importações através do Plano de Metas conseguiu cumprir os seus objetivos

de consolidar e avançar no processo de industrialização do país. Porém, esse processo

assegurou apenas o progresso do Centro-Sul, deixando a região Nordeste ao relento,

ampliando-se as disparidades e as desigualdades entre essas regiões. Destaca-se, nesse

sentido, a grande desproporcionalidade em termos de renda, a baixa produtividade da

agricultura, o baixo nível de crescimento; entre outras variáveis que podem ser comparadas

(GTDN, 1967).

Diante disso, o governo Kubitschek cria o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento

do Nordeste (GTDN9) que posteriormente irá originar a SUDENE, cujo intuito era diminuir as

desigualdades regionais, avançando o processo de industrialização do Nordeste. O diagnóstico

era o mesmo identificado pela CEPAL para o Brasil e os países latino-americano em relação

aos países centro do capitalismo. Só que ao invés de disparidades entre países, passou-se a

perceber as desigualdades entre as regiões do país, sendo adotado o mesmo receituário,

industrializar-se. Ou seja, para superar os desequilíbrios regionais havia a necessidade de

industrializar o Nordeste, criando um Centro Autônomo Manufatureiro. E, para isso, o Estado

9 Tendo como principal mentor Celso Furtado, o GTDN tinha objetivo principal identificar os condicionadores do atraso do Nordeste, ou seja, os principais fatores que atuavam no processo de regressão e subdesenvolvimento da região e, por conseqüência, propor a elaboração de uma política de desenvolvimento para a região. Nesse sentido, o plano de ação do GTDN apresentava quatro objetivos a serem seguidos: i) investir na indústria com o fim de criar na região um Centro Autônomo de Expansão Manufatureira; ii) ampliar a oferta de alimento, utilizando-se para isso a faixa litorânea; iii) tornar a economia semi-árida mais produtiva, competitiva e resistente às secas; e, iv) ampliar a fronteira agrícola incorporando o hiterland maranhense (GTDN, 1967).

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devia intervir de forma planejada no Nordeste com o objetivo de industrializar ou desenvolver

a região, diminuindo as disparidades com relação à região Centro-Sul, principalmente em

termos de renda.

No fundo, a prática do planejamento no Nordeste tinha como objetivo diminuir os

conflitos de classes gerado no interior do Nordeste, como observa Oliveira10. O padrão

planejado não é desse ponto de vista uma forma transformadora do conflito social, ou seja, o

conflito gerado tanto entre regiões (Centro-Sul/Nordeste), como também dentro da própria

região Nordeste, e que passa a se configurar entre os meios rural e urbano e, inclusive dentro

das respectivas zonas.

A atuação da SUDENE na região Nordeste conseguiu de certa forma gerar certa

quantidade de empregos, diminuir as disparidades de renda, reduzir o êxodo Nordeste/Centro-

Sul. Já, na contraface do espelho, intensificou a acumulação do capital, investindo vultosas

somas de recursos no setor privado que migra do Centro-Sul para essa região em busca de

recursos públicos para fazer frente a sua expansão e acumulação no âmbito do Brasil.

A SUDENE traz inscrita, desde a sua origem, a marca da intervenção planejada no seu programa, que se reflete mesmo nos textos das leis de sua criação e de seus planos-diretores, isto é, de uma tentativa de superação do conflito de classes intra-regional e de uma expansão, pelo poder de coerção do Estado, do capitalismo do Centro-Sul (OLIVEIRA, 1977).

Esse intervencionismo estatal no sistema de planejamento regional, levado à frente

pelo Grupo de Trabalho sobre Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), volta os seus olhos

também para o setor rural. Destacando-se os programas que visam ao melhor aproveitamento

das águas e dos recursos naturais da região e organização da produção, entre outras.

3.3. O Modelo intervencionista e modernizador do regime militar

A partir de 1964 entra em cena o modelo político autoritário, intensificando a prática

centralizadora do planejamento por meio da imposição, da coerção das massas, cujo objetivo

era consolidar o curso do desenvolvimento do País.

Nesse contexto, a SUDENE lança seu I Plano de Desenvolvimento do Nordeste (PDN),

que era composto por um conjunto de programas com o objetivo de atingir a população do

campo. A metodologia utilizada foi, justamente, dividir o campo em várias áreas de

10 Ver: OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião: SUDENE, Nordeste. Planejamento e conflito de classes. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997.

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intervenção e para cada área dessas executar um programa específico. Assim, entre os

programas destacam-se para o I PDN: o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à

Agroindústria do Nordeste (PROTERRA), cuja meta era alterar a estrutura da propriedade da

terra e fornecer crédito aos pequenos agricultores; o Programa de Irrigação do Nordeste (PIN)

almejando aumentar a produção e gerar emprego e renda.

Para o II PDN destacam-se: o Programa de Desenvolvimento das Áreas Integradas do

Nordeste, mais conhecido como POLONORDESTE, com o objetivo de garantir melhores

condições de vida à população rural, isso por meio de uma agricultura eficaz que garantisse

emprego e renda. Somam-se a isso, investimentos em infra-estrutura econômica, saúde,

educação, abastecimento de água, assistência técnica e outros. Porém o Programa evitou

mexer na estrutura agrária do Nordeste, e como conseqüência disso não pôde reverter o

quadro de extrema concentração de terra e renda na região, que permanece até os dias atuais e

pode ser considerado um dos problemas estruturais da região.

O Projeto Sertanejo cujo objetivo era organizar e fortalecer a economia agrícola do

Semi-Árido; o Projeto PROCANOR, objetivando “programar a produção canavieira e melhorar

a vida da população” 11 foram outros instrumentos de intervenção estatal na região. Além

desses, destaca-se o Projeto Nordeste, elaborado a partir de 1982 e de uma ampla repercussão

política com o surgimento do Movimento Muda Nordeste. Esse Projeto foi fruto da

intervenção planejada do Estado no Nordeste, com suas raízes no modelo centralizador e

autoritário instalado em 1964. O objetivo central do Projeto era, segundo Morandi (1988),

erradicar a pobreza absoluta através do aumento da produção e da produtividade dos pequenos

produtores rurais. Para isso, o Projeto era dividido em vários programas: o Programa de

Apoio ao Pequeno Produtor Rural (PAPP); Programa de Educação Rural; Programa de Saúde;

Programa de Saneamento Básico; e o Programa de Apoio a Pequenos Negócios Não

Agrícolas. Mas o único que decolou foi o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural:

O PAPP, único programa em execução do Projeto Nordeste, tem, como objetivo fundamental, ‘propiciar a elevação dos níveis de emprego e ingressos dos pequenos produtores rurais através do aumento da produção e da produtividade, e define como área de atuação todo o Nordeste, desde o Maranhão até à área do Estado de Minas Gerais incluindo o polígono das secas, sendo prioritárias as áreas úmidas e sub-úmidas (MORANDI, 1988).

11 Ver: MORANDI, Jorge (Org.). Organização camponesa: os problemas da ação pública no Nordeste Rural. Recife, SUDENE, Projeto Planejamento Rural do NE, OEA, 1988. p. 92-114.

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Em 1984, com o surgimento do Movimento Muda Nordeste12, o Projeto Nordeste

passa por uma ampla discussão e revisão de seus principais eixos de atuação. Isso acontece

em virtude do caráter centralizador e antidemocrático com que foi imposto esse Projeto:

O Movimento Muda Nordeste impulsionou uma grande mobilização da sociedade nordestina, que se expressa através da realização de seminários de discussão no PN e do PAPP, nos dez estados da região (...). Este evento se destaca de forma especial, porque suas conclusões e recomendações deram origem às medidas que, posteriormente, foram implementadas para iniciar o processo de democratização do aparato público de planificação e execução das políticas agrícolas e rurais da Região (MORANDI, 1988).

Pode-se concluir que o planejamento estatal no Nordeste beneficiou apenas os médios

e grandes produtores da região, não alterou em nada a estrutura fundiária do meio rural e

pouco mudou a condição de vida da população rural. Mostrando, assim, que seu objetivo era

modernizar e tornar competitiva a agricultura, ao passo que distanciava a população da posse

da terra e dos outros meios de produção.

Os anos de 1961 a 1964, antecedentes do Golpe de Estado e da implantação da

ditadura militar, são marcados por crise política e econômica. Em termos econômicos temos o

fechamento da etapa do modelo de desenvolvimento concretizado por JK, de substituição de

importação, responsável por ampliar a estrutura econômica do país com a consolidação da

indústria, gerando um intenso processo de industrialização. Nesse período, a ascensão de

Goulart ao poder, com a renúncia de Jânio Quadros, trouxe consigo a tentativa de colocar em

prática uma política econômica planificada. E, para isso, foi concebido pelo renomado

economista cepalino e ministro do Planejamento da época, Celso Furtado, o Plano Trienal.

O plano trienal, que deveria ser executado nos anos 1963-65, foi o primeiro instrumento de política econômica global e globalizante, dentre todos formulados até então pelos diversos governos no Brasil. Em comparação com os planos, programas, comissões, institutos, departamentos e superintendências criados pelos governos anteriores, o Plano Trienal correspondeu a uma fase mais avançada de elaboração conceptual e analítica. Pela primeira vez, formulava-se, no âmbito do próprio poder público, um diagnóstico amplo, detalhado e integrado das condições e fatores responsáveis pelos desequilíbrios, estrangulamentos e perspectivas da economia do País. Nesse sentido, ele exprimia a convergência das experiências práticas dos diversos governos brasileiro anteriores e dos debates técnicos e teóricos realizados por economistas brasileiros e latino-americanos, principalmente no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL). (IANNI, 1979).

Destacam-se nesse contexto as chamadas reformas de base, com ênfase para as

reformas urbana e agrária. A primeira objetivando combater a especulação imobiliária, com

garantia de acesso ao solo urbano no interior da cidade. Podemos afirmar, ainda, que essa

12 Integram o Movimento mais de cinqüenta entidades sindicais, profissionais, cooperativistas, acadêmicas e agrupações da sociedade civil em geral. (MORANDI, 1988).

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reforma tinha como objetivo reduzir os conflitos decorrentes da complexificação, do

inchamento das cidades e, com isso, todos os seus problemas relacionados à moradia, saúde,

educação, transporte, entre outros. A Reforma Agrária visava garantir o acesso a terra no meio

rural, problema intimamente relacionado à questão urbana, pois ameniza o êxodo rural e, por

conseqüência, o inchamento das cidades e os problemas decorrentes desse superpovoamento.

Do outro lado, temos a crise política, crise do nacional-populismo que põe em xeque a

“democracia representativa”. Essa crise política é marcada, ainda, pela renúncia de um

governo (Jânio Quadros) e pela implantação do Parlamentarismo. Tudo isso originou o

movimento que depôs Goulart, iniciando o regime político autoritário e centralizador de 1964.

3.4. Fim da Ditadura Militar: Crise e Deslegitimação do Modelo Centralizador e

Autoritário de Planejamento

É no seio da crise política e econômica e, também, diante da ameaça socialista que

ronda a América Latina que tem início o Regime Ditatorial. O período de 1964 a 1969,

Ditadura Militar, é marcado, no campo econômico, por uma série de planos cujo objetivo era

estabelecer o equilíbrio econômico, lançando as bases para o milagre econômico; já, no

campo da política, pela imposição de um modelo político baseado na repressão da população,

com o seu ápice no governo do general Médici. Nesse contexto, elaboram-se três planos -

base para o milagre econômico brasileiro, são eles: o Programa de Ação Econômica do

Governo correspondente aos anos 1964-66; o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico

e Social elaborado para vigorar entre 1967-76, abortado logo no ano de sua concepção; e o

Programa Estratégico de Desenvolvimento para ser executado entre os anos de 1968-70. Esses

planos foram guiados pela mesma política econômica. Além disso, segundo Ianni (1979),

entre objetivos e as realizações dos planos destacam-se:

(...) reduzir a taxa de inflação; incentivar a exportação de produtos agrícola, minerais e manufaturados; racionalizar o sistema tributário e fiscal; estimular, sob controle governamental, o mercado de capitais; criar condições e estímulos novos à entrada de capital e tecnologia estrangeiros; conter os níveis salariais em todos os setores da produção; estimular a modernização das estruturas urbanas; executar o plano habitacional; criar a indústria petroquímica; estabelecer novos objetivos e criar novos meios na política de ocupação e dinamização da economia da Amazônia

Observa-se que a prática do planejamento, de acordo com o descrito por Ianni (1979),

abrangia não só os ajustes macroeconômicos do Brasil, como também tratava de questões

urbanas e regionais, além de impactar no rendimento da força de trabalho.

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O Programa de Ação Econômica do Governo, que pelo próprio nome mostra a prática

autoritária e centralizadora do planejamento, tinha como objetivo garantir a estabilização

econômica do país agravada no período de 1962-63: problemas de ordem econômica e

relacionados às altas taxas de inflação; desequilíbrios do balanço de pagamentos; e,

estagnação do crescimento econômico (BRUM, 1993).

Nesse sentido, o PAEG conseguiu avançar nessas questões, buscando obter a

estabilidade econômica necessária para posteriormente continuar o processo de

desenvolvimento econômico interrompido nos anos antecedentes da Ditadura Militar. Assim,

segundo Ianni (1979), para realizar os objetivos dessa política econômica o governo

reformulou as políticas monetárias, bancária, tributária, cambial, salarial e de investimentos.

Como também, tomou iniciativas importantes nas áreas de educação, habitação, obras

públicas e comércio exterior. E, além disso, destaca-se a criação do Banco Nacional de

Habitação, organismo de fomento ao crédito.

Dessa forma, pode-se afirmar que a política econômica do governo Castelo Branco

apoiada no PAEG assegurou as condições necessárias ao bom funcionamento da economia

brasileira enquanto “subsistema do capitalismo mundial”. Criou as condições para

posteriormente gerarem o “projeto Brasil Potência”, iniciado com o “milagre econômico”.

Vejamos os planos seguintes.

O Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social, elaborado pelos técnicos

do governo Castelo Branco, continuou com as políticas consolidadas no PAEG. Esse Plano

Decenal tinha como fim nortear e intensificar a prática da política econômica

desenvolvimentista do governo:

O objetivo central deste Plano é o de permitir estabelecer as principais diretrizes da política de desenvolvimento econômico do Governo Federal para o período de 1967 / 1976. Essas diretrizes têm como elementos normativos: a) a programação da produção, do consumo e dos investimentos da União, de suas autarquias, empresas e sociedades de economia mista, com a identificação das respectivas fontes de financiamento; b) a definição dos critérios de ação indireta do Governo Federal através dos instrumentos institucionais de regulação econômica” (Ianni, 1979)

Observa-se, nesse sentido, a permanência do ideário desenvolvimentista que permeava

a tomada de decisão via política econômica, sendo esta o instrumento da prática do

planejamento. Esse Plano tinha uma série de etapas a serem seguidas, indo desde a

sistematização das informações (o diagnóstico) identificando os principais pontos de

estrangulamento, ao desenvolvimento econômico do país. Chegar ao que se chamou de

“consolidação dos elementos normativos sobre o controle do governo”, ou seja, os elementos

necessários para o Plano ser implementado. Porém, mesmo diante de sua amplitude e de sua

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natureza, o Plano não saiu do papel, isto é, não foi possível chegar a um consenso político

para a sua execução. Isso mostra as divergências existentes dentro do próprio seio da

Ditadura.

Em 1967, entra em cena um novo governo militar, Costa e Silva. Esse governo

continuou com a política econômica do seu antecessor. Nesse sentido, a política econômica do

governo foi balizada pelo Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), cujo objetivo era

acelerar o desenvolvimento econômico e combater a ascensão inflacionária (um dos principais

problemas da época). Mais uma vez permeia no pensamento tecnocrata-autoritário o

desenvolvimentismo enquanto ideário a ser alcançado, quanto ao planejamento temos a

predominância da prática autoritário-centralizadora. Isso em um contexto onde são

concedidos todos os poderes ao Executivo e sendo eliminadas todas as possibilidades de

mobilização e reivindicação social. Como afirma Brum (1993), a nova Constituição (1967), a

Lei de Segurança Nacional, os Atos Institucionais e outros instrumentos legais do arbítrio

submetem os trabalhadores (e a sociedade em geral) a rígido e disciplinado controle,

retirando-lhes o poder, a possibilidade de mobilização e a reivindicação. Ou seja, são

estabelecidos por meio do regime autoritário o controle social e a prática de um projeto

centralizador que não atendia aos anseios da população brasileira, e sim de um grupo detentor

do poder no país.

Dessa forma, assistiu-se nesse período (1964–1969) a criação das condições

necessárias, via Ditadura Militar, para que fosse iniciado o “Projeto Brasil - Potência”,

iniciado com o “milagre brasileiro” e finalizado com a crise sem precedentes na história

econômica do Brasil, levando, então, à redemocratização com a Constituição de 1988 – a

Constituição Cidadã.

Após a fase de estabilização econômica que teve início com o PAEG, e confirmada a

prática de planejamento autoritário-centralizador, surge no interior do regime o “Projeto

Brasil - Potência” concebido para vigorar de 1969 a 1985 e cujo objetivo era continuar com a

política de desenvolvimento do país, modernizando a indústria, consolidando o setor

industrial de bens de consumo duráveis. Esse projeto nasce em meio a um contexto mundial

de consolidação da Terceira Revolução Industrial, cuja base era o binômio informática -

robótica. Os seus resultados resumem-se ao fracasso, porque as condições políticas da época

não permitiram que ele fosse implantado, deixando como herança o comprometimento do país

com um modelo de desenvolvimento associado – dependente em relação ao centro do

capitalismo (REZENDE, 1999).

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A primeira fase do projeto, se assim podemos chamar, é marcada pelo que se

denominou de “milagre econômico” (governo Médici). Os objetivos da política econômica

colocados na época pelo I Plano Nacional de Desenvolvimento deixam evidentes suas

pretensões, as metas a serem perseguidas: segundo Rezende (1999), assegurar o crescimento

do PIB entre 8 e 9% anuais; manter a inflação abaixo dos 20% anuais; e acrescentar 100

milhões de dólares às reservas de moeda estrangeira. E os objetivos do Plano foram

alcançados, ou melhor, ultrapassados. Porém, os resultados do planejamento imposto na época

foram: o endividamento, a altíssima concentração de renda, ou seja, o crescimento ocorreu em

virtude da penalização da classe trabalhadora, que até os dias atuais sofrem das conseqüências

com a perda constante, e ano após ano, de seus rendimentos.

A política econômica de estabilização adotada no período de 1964-1968 foi de

fundamental importância para atrair os recursos externos necessários para que fosse garantido

o crescimento econômico brasileiro. Ressalta-se, ainda, o contexto internacional favorável

para a migração desses excedentes de capital, para a consolidação desse modelo de

desenvolvimento associado, pois se movimenta de acordo com o movimento da economia

mundial; e é dependente, uma vez que depende dos recursos externos para a sua execução.

Além disso, esse modelo internamente é elitista - concentrador e excludente (BRUM, 1993).

O fim do período do “milagre econômico” coincide justamente com a crise mundial13

– crise do petróleo ou choque do petróleo -, crise provocada pela alta dos preços do barril do

petróleo. Observa-se, também, que quanto às etapas do processo de industrialização, segundo

Rezende (1999), em 1974, o Brasil já era auto-suficiente quanto à produção de bens de

consumo não duráveis, fazia da produção de bens de consumo duráveis o carro-chefe de sua

economia e possuía uma base razoável desenvolvida da indústria dos bens de produção.

Assim, a partir de 1974 é lançado pelo governo Geisel o II Plano Nacional de

Desenvolvimento14 (II PND). Este governo marca os rumos da industrialização do país, como

também inicia a reabertura democrática:

13 A década de 1970 marca o rompimento do modelo de desenvolvimento econômico baseado no fordismo caracterizado pela hierarquização da produção, a concentralização das decisões, produção em grandes indústrias, economias de escala de produto homogêneo e no consumo de massa. Esse modelo de acumulação estava orientado por uma política econômica de inspiração keynesiana, sendo que essa forma planejamento estatal centralizador é posta em xeque, passando a ser adotada como alternativa o planejamento participativo. Um dos principais fatores da crise do modelo fordista foi o choque do petróleo principal insumo deste modelo, entre outros fatores. Surgiu, então, um novo paradigma de desenvolvimento, o pós-fordista ou de produção flexível, e também as idéias sobre o modelo alternativo de desenvolvimento local (ALBUQUERQUE, 1998; COELHO, 2001; FRANCO, 2001; ZAPATA, 2005). Será observado mais a frente (anos 90) que, com a discussão do Eco – 92, será incorporado ao modelo de desenvolvimento local as idéias de sustentabilidade. 14 O PND deixava explicita as suas prioridades: a) consolidação da indústria de bens de capital, máquinas e equipamentos pesados, eletrônica pesada; b) desenvolver a indústria de produção de insumos básicos como aço,

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Geisel, o primeiro general presidente com experiência técnico-administrativa (fora presidente da Petrobrás entre 1969-1973), tinha dois macro-objetivos básicos. Primeiro, alterar o padrão da industrialização brasileira, direcionando-a para a produção de bens de capital (máquinas e equipamentos pesados) e de insumos industriais (aço, fertilizantes, celulose, alumínio, petroquímica). E segundo, assegurar o aperfeiçoamento democrático a partir de uma ‘abertura lenta, gradual e segura’, que garantisse a manutenção do controle sobre o processo político por meio das ‘salvaguardas democráticas’, que nada mais eram do que instrumentos de exceção para a defesa do regime em situações de crise (Rezende, 1999).

Esse regime, ao mesmo tempo em que reprime a sociedade brasileira, lança as bases

para a reabertura do processo democrático. Isso em um contexto de lutas populares espalhadas

por todo o Brasil. Começa, assim, a entrar em crise o modelo centralizador e autoritário de

planejamento e desenvolvimento:

A crise de legitimação do Estado autoritário teve como conseqüência a abertura política, levando o governo do general Geisel a propor um projeto nacional de ‘Desenvolvimento com Participação’, o que possibilitou a construção de um espaço mais amplo de negociação entre o governo e as organizações sociais que àquela altura possuíam um razoável nível de organização e uma relativa autonomia em relação aos partidos políticos (LEAL, 2003).

Nesse sentido, o fim da década de 1970 e o início dos anos 80 são caracterizados pela

consolidação via II PND da indústria de insumos básicos e pela expansão da base energética do

país, sendo que a de bens de capital não atinge as metas esperadas. Segundo Rezende (1999),

as importações de máquinas e equipamentos pesadas, que respondiam por 25,6% do total das

importações de bens de capital em 1972, decresceram para apenas 9% dez anos depois. Isto

mostrava que o modelo de desenvolvimento baseado na Substituição de Importações se não

havia se concretizado, pelo menos, expressava sinais patentes de crise.

No fim da década de 1970 apresenta-se no cenário econômico mundial uma nova

crise, a do segundo “choque do petróleo”. O início da década de 80 marca a subida ao poder

de Margaret Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos. Esses dois governos

ao mudarem o rumo da política econômica mundial, levam ao agravamento da dívida

contraída principalmente pelos países latino-americanos. Quanto ao cenário político do Brasil,

começa-se a intensificar os movimentos de luta pela democratização e contra o regime.

Também afloravam as lutas por melhores condições de vida nas cidades que há muito vinham

sofrendo um processo de inchamento; fazendo surgir os problemas relacionados ao urbano,

como educação, saúde, infra-estrutura, saneamento básico, moradia e outros. fertilizantes, celulose e papel, alumínio e petroquímica; e, c) aumentar a matriz energética do país com a construção das usinas de Itaipu, Sobradinho e Tucuruí (REZENDE, 1999).

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Ainda quanto à questão política, tem-se no Brasil a intensificação das greves. Segundo

Rezende (1999), a greve de março de 1979, englobando cerca de 160 mil metalúrgicos do

ABC (municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, região

nuclear da indústria de transformação paulistana), fez emergir as manifestações operárias

contrárias ao regime e de luta pela participação política-cidadã. Em termos econômicos

aprofundam-se a crise gerada pelo desequilíbrio das contas externas, elevada inflação e

elevação da dívida externa, iniciando o que se denominou década perdida.

Em meio a tudo isso, em 1979, assume a Presidência da República o último governo

militar – o general João Figueiredo. Esse governo é caracterizado por dois planos: o Programa

Emergencial de 1979 e o III Plano Nacional de Desenvolvimento cujas diretrizes

estabelecidas eram: retomar o crescimento com geração de emprego e renda; melhoria das

condições de vida da população através de uma política de distribuição de renda; reduzir os

níveis de desigualdades regionais; equilibrar as contas do balanço de pagamentos;

desenvolver o setor energético; desenvolver a agropecuária; controlar a inflação e aperfeiçoar

as instituições políticas (BRUM, 1993).

Assim, diante da crise econômica e política do país, não foi possível concretizar o

Plano. De acordo com Brum (1993) o III PND – 1980-85 – contém muita retórica e pouca

prática, mais um Plano foi abortado no Brasil. Aponta que a questão central é que:

A crise brasileira dos anos 80 decorre essencialmente do esgotamento do modelo de desenvolvimento capitalista brasileiro centrado na industrialização por substituição de importação, implantado a partir da década de 30, tutelado por um Estado forte e financiado pelo Estado e o capital estrangeiro

Ou seja, esgota-se o modelo ou o ideário desenvolvimentista baseado no planejamento

centralizador do Estado que tinha na industrialização seu carro-chefe e passa a originar-se

uma nova prática de planejamento que se apresenta como descentralizado, democrático e

participativo. Porém, o ideário desenvolvimentista continuou a permear a economia brasileira.

Assim, o que se pode concluir do período autoritário-centralizador é que a prática de

planejamento estabelecida pelos tecnocratas conseguiu alcançar, em parte, os seus objetivos

de fazer crescer a economia (embora não se confunda crescimento com desenvolvimento); já

os conflitos sociais, esses foram amenizados por meio da força e da coerção. Porém, esse

crescimento teve um período limitado e aconteceu à custa, dentre outros fatores, da

superexploração da força de trabalho em uma época de repressão, gerando uma elevada

concentração da renda e da riqueza. Esse ciclo de crescimento acabou em crise.

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A herança foi uma crise sem precedentes na história econômica do país (década de

1980 – década perdida) caracterizada pelo endividamento; desajuste do balanço de

pagamentos e hiperinflação. Para tentar resolver esses problemas foi adotada uma série de

planos15, visando à estabilização econômica. Acrescenta-se a essa crise econômica, uma série

de problemas que passam a fazer parte do espaço urbano com a sua complexificação

decorrente do movimento de urbanização: transporte, habitação, saneamento ambiental,

saúde, educação, emprego, e outros contemplados na Constituição 1988, principalmente em

seus artigos 182 e 183 referentes à política urbana. Emergem os problemas no meio rural e os

conflitos sociais deles decorrentes.

3.5. A Constituição de 1988 e o Planejamento Participativo

O processo de industrialização planejado e levado à frente pelo Estado gerou nos

últimos 50 anos uma grande concentração de pessoas nas cidades, trazendo consigo uma série

de problemas econômicos e sociais. Não se pode deixar de mencionar que esses problemas

também têm reflexo no meio rural.

O fato é que esses 50 anos de intervenção estatal na economia foi a principal causa

que levou o País à condição de uma sociedade urbano-industrial bastante complexa e que se

coloca no cenário global como uma das maiores economias do mundo. No entanto,

caracterizada por fortes desigualdades sociais. Estas desigualdades foram os principais

motivos da emergência de conflitos e lutas sociais de perfil movimentalista, não só de cunho

trabalhista, mas também e, principalmente identitários. Este remete à diversidade social

cultural da própria sociedade brasileira.

Fruto das lutas sociais, a Constituição de 1988 marca uma nova forma de pensar o

planejamento e o desenvolvimento do país, sendo a participação um elemento novo nesse

processo. As lutas sociais que culminaram com a Constituição Democrática de 1988

começaram a se intensificar na década de 70, justamente no seio da Ditadura Militar. E é

diante disso, dessas forças sociais atuantes no interior das cidades, que o próprio governo

militar na época, general Geisel, coloca como um dos objetivos do seu governo o

aperfeiçoamento da democracia e a abertura lenta e gradual.

15 Destacam-se, o Plano Cruzado, o Plano Verão, o Plano Bresser, o Plano Collor, Plano Real entre outros (Ver, Brum, 1993 e Rezende, 1999).

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Assim, pode-se afirmar que os movimentos sociais de reivindicação urbana e rural

tinham o objetivo de fazer o poder público voltar seus olhos para uma série de problemas

decorrentes do processo urbano-industrial conduzido pelo Estado, alocando os recursos para

fazer frente aos problemas históricos da cidade e do campo. Então, os movimentos sociais

tiveram um papel fundamental na deslegitimação desse Estado autoritário e na reabertura

democrática culminada com a Constituição de 1988.

Ao olhar o caso específico do Nordeste, pode-se afirmar também que essa região teve

um papel decisivo para a democratização do país. E, nesse caso, destaca-se todo um processo

de lutas políticas partidárias. Segundo Leal (2003), a eleição do prefeito Jarbas Vasconcelos,

em 1985, inseriu-se num momento de grande importância no processo de democratização do

país, na medida em que foram as primeiras eleições para as capitais, depois do golpe militar

de 1964. Esse governo é caracterizado pelo diálogo estabelecido com os movimentos

populares, sendo aberto um amplo canal de participação na administração pública16.

Destaca-se, ainda, em termos de lutas o Movimento Muda Nordeste, que era

congregado por várias organizações da sociedade civil e, sem dúvida, teve um papel de

extrema relevância não só nas lutas por melhores condições de vida no campo nordestino, mas

principalmente, pelo fim do Regime Ditatorial e a reabertura do processo de democratização

com o estabelecimento da Constituição Democrática de 1988.

Então, é nesse contexto que se inicia a discussão em torno da Constituição promulgada

em 1988. De acordo com Bonavides (BONAVIDES, apud SILVA, 2006), a Constituição é “o

conjunto de normas permanentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao

exercício da autoridade, à forma de governo e aos direitos da pessoa humana, tanto

individuais como sociais”. Assim, essa nova Constituição nasce no seio da luta popular por

melhores condições de vida nas cidades e, também no campo, mas principalmente, pelo

direito à liberdade negada durante décadas pelo regime opressor que se instalou no Brasil com

o golpe de 1964.

Assim, a Constituição se voltará para os municípios brasileiros, estabelecendo normas

e, ao mesmo tempo, solicitando dos municípios a elaboração de suas leis, de seus Planos

Diretores. Isso é fundamental, pois a concepção de planejamento e de desenvolvimento sai do

plano macro, para alcançar os municípios brasileiros com a idéia de Desenvolvimento Local

Sustentável. Sendo que, “O município é o espaço territorial e de governo mais próximo do

16 Ainda, de acordo com Leal (2003), o período antecedente à ditadura militar é marcado por dois governos que focalizam essa idéia de atuar junto aos movimentos sociais e de ênfase à participação popular, são eles: o governo de Pelópidas e o de Miguel Arraes.

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cidadão, assim, a difusão das políticas públicas fica mais freqüente para as intervenções

voltadas ao desenvolvimento local” (SILVA, 2006)

Então, de acordo com o Título III, capítulo IV e Inciso VIII do artigo 30 da

Constituição Federal do Brasil, “compete aos municípios: (...) promover, no que couber,

adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do

parcelamento e da ocupação do solo urbano”.

Ainda, segundo a Carta Magna: Capítulo II, artigo 182, que trata da Política Urbana:

A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixados em lei têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Assim, observa-se que com a Constituição Federal o foco da questão muda, ou

seja, o planejamento e o desenvolvimento dos municípios devem ser promovidos,

principalmente, pelo poder executivo local, com cada município elaborando a sua política de

desenvolvimento local de acordo com os “interesses” da coletividade. Nesse caso, a

população deve ser chamada a fazer e a tomar parte desse processo. Porém, não se pode

deixar que essa participação seja praticada enquanto um mero instrumento normativo, isto é,

por ser imperativo lei.

O planejamento participativo não pode ser entendido como mero objeto de

amenização dos conflitos sociais, porém, deve ser visto como meio efetivo de alocação de

recursos e fundos públicos, a fim de que a cidade não seja só um espaço de reprodução do

capital, mas também um espaço de reprodução de seus cidadãos e cidadãs. Isto é, para que a

cidade cumprindo sua função plena, o planejamento deve ser não apenas um instrumento de

ordenamento físico-territorial, deve garantir também ao individuo a liberdade, sem restringi-

la. De acordo com Amartya Sen (2000):

(...) o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento como crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social (...) as liberdades dependem também de outros determinantes, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo, os serviços de educação e saúde) e os direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas).

Ainda segundo Sen (2000)

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O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privações de liberdades: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos.

Nesse sentido, a cidade deve ser um espaço físico-territorial que assegure aos seus

munícipes a liberdade plena, conforme nos mostra o eminente economista Amartya Sen

(2000). E, para isso, faz-se necessário não haver restrições ao pleno desenvolvimento ou à

plena liberdade do capital humano e do capital social para que se desenvolva em cada

município. Esses capitais são entendidos como elementos impulsionadores dessa liberdade.

Outro fator a ser observado é que, com a Constituição Federal de 1988 começa a

ocorrer o processo de descentralização tanto do planejamento como da gestão dos fundos e

políticas públicas. Ou seja, começa a ser dada ao município autonomia, principalmente

financeira, de executar as suas políticas, fortalecendo, nesse caso, a gestão participativa local.

Isto é, o planejamento atingiu os mais variados locais e passa a ser instrumento e prática de

vários municípios onde os conflitos são mais visíveis e próximos, onde eles nascem – nas

cidades.

Essa prática de planejamento com respaldo constitucional desce a menor escala

possível, ou seja, procura através da participação amenizar os conflitos sociais surgidos no

âmbito do território local (o município), sem esquecer a política de planejamento formulada

dentro de um contexto de política econômica nacional, as macro-políticas do governo. Não se

pode pensar o local fora do contexto, sem levar em consideração os aspectos globais,

principalmente quando esse local depende quase exclusivamente de recursos externos.

De acordo com Buarque (2002) “a descentralização facilita significativamente a

participação da sociedade nos processos decisórios e, pode, portanto, constituir um passo

muito importante para a democratização do Estado e do planejamento”. Nesse caso, a

Constituição abre uma nova forma de pensar o local, enquanto espaço político-administrativo,

conferindo-lhe a efetiva autonomia de poder e de decisão para atuar sobre o seu território.

Citando, mais uma vez Buarque (2002) observa-se que “a escala municipal e comunitária

cria uma grande proximidade entre as instâncias decisórias e os problemas e necessidades de

população e da comunidade, permitindo maior participação direta da sociedade”. Nesse

sentido, a população passa a interagir, a dialogar com o poder local no sentido de construir

uma agenda comum a ser seguida, ou seja, para elaborar o Planejamento Estratégico

Participativo.

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Então, pode-se concluir que a Constituição, ao descentralizar os poderes de decisões,

passou para os municípios a incumbência de assumir ou resolver os conflitos sociais nascidos

em seu interior, chamando a sociedade para participar da democratização do processo

decisório, sendo esse processo democrático um espaço de aprendizagem social. Em síntese, a

Constituição institucionaliza no país o processo decisório de tomada de decisão coletiva, o

Planejamento Estratégico Participativo. Isso será visto mais à frente, detalhadamente, com a

regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal – o Estatuto da Cidade.

3.6. Desenvolvimento Sustentável e participação nos anos 90: a vez dos planos diretores

A crise do petróleo levou à ruptura, na década de 1970, do modelo keynesiano-fordista

de acumulação, caracterizado pelo planejamento centralizador do Estado e pela produção em

escala ocorrida nas grandes fábricas (produção em massa). Essa crise pôs em xeque os limites

do crescimento, passando a originar novas formas de organização econômico-social. Quanto

às fábricas, tem-se a adoção do modelo flexível ou pós-fordista (Toyotismo). Quanto ao

planejamento passa a configurar-se o chamado planejamento participativo. Nesse período

surge a nova forma de se pensar o desenvolvimento, antes entendido puro e simplesmente em

sua dimensão econômica, ou seja, aumento da produção e da produtividade, crescimento do

Produto Interno Bruto (PIB17), desenvolvimento tecnológico e industrialização. Além disso,

nesse contexto, surgem às primeiras discussões em torno da problemática ambiental,

originando o conceito Desenvolvimento Local e Sustentável nos fóruns e conferências

mundiais. Ressalta-se que todo esse movimento está inserido dentro de um processo de

globalização.

Ao referir-se às discussões em torno do desenvolvimento local sustentável, no início

da década de 1970 surge o primeiro trabalho publicado pelo Clube de Roma, intitulado “os

limites do crescimento”. Esse trabalho irá criticar, justamente, a idéia de que os recursos

naturais não são escassos e a natureza é ilimitada. No ano de 1972, é realizada em Estocolmo

a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, onde se desenvolve um amplo

movimento ambientalista nos países desenvolvidos, abrindo um novo debate ideológico sobre

o estilo de desenvolvimento (BUARQUE, 2002).

17O PIB é o somatório de todas as riquezas (bens e serviços) que são produzidos em um país em um determinado período de tempo (SANDRONI, 2004).

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Após vinte anos, em 1992, foi realizada no Rio de Janeiro mais uma conferência, a

ECO-92, a partir dela que se propaga a proposta de desenvolvimento sustentável e que se

aprova a Agenda 21. O eixo central desta Agenda 21 é a busca de um modelo de

desenvolvimento sustentável e o comprometimento dos países signatários com as gerações

futuras. Pensar o futuro das gerações que virão como nosso futuro comum demarca a

profunda dimensão ética da Agenda 21 e, por conseqüência do desenvolvimento sustentável.

Assim, a partir dos anos 1990 intensifica-se a discussão da problemática ambiental e os

limites ao crescimento econômico local, por conseqüência do país.

Diante dessa discussão no seio da própria teoria neoclássica existe uma preocupação

quanto à problemática ambiental, uma vez que essa corrente define a economia como “a

ciência que trata da alocação ótima dos recursos escassos, diante das necessidades ilimitadas

dos indivíduos”. Ou seja, para os teóricos dessa corrente a natureza é limitada, é uma fonte

esgotável de recursos naturais.

Segundo Silva et al (2006), a temática do desenvolvimento sustentável “era tratada,

até meados de 1980, como uma composição das dimensões econômicas, social e ambiental”.

Passando a partir desse momento a serem incorporadas a esse tema, mais duas dimensões: a

espacial e a cultural (Silva apud Sachs, 2006). Observando-se a existência de uma

interdependência entre essas dimensões.

Esse novo paradigma tem no território (espaço) o elemento fundamental do

desenvolvimento, este visto em suas dimensões físicas, populacionais, econômicas, culturais

(costumes, tradições, crenças, valores), ambientais, enfim suas potencialidades e suas

vantagens comparativas e competitivas. Nesse sentido, esse paradigma está ligado a uma

institucionalidade local, ou seja, o estabelecimento de uma relação entre o poder público, o

poder econômico e a sociedade civil, sendo o desenvolvimento local um processo orgânico,

um fenômeno humano, portanto, não padronizado (ZAPATA, 2005). Isto é, específico de

cada território. Essa nova institucionalidade deve avançar a um modelo de governança local

onde haja uma descentralização do poder decisório local, esse entendido como a essência da

democracia e da participação, onde a população esteja ciente de que cada direito corresponde

a um dever, a uma responsabilidade perante a coisa pública (BUARQUE, 2002).

Assim, o desenvolvimento local sustentável pode ser entendido como “um processo de

transformação que ocorre de forma harmoniosa nas dimensões espacial, social, ambiental,

cultural e econômica a partir do indivíduo para o global” (Silva et al, 2006: 18).

Outra definição do desenvolvimento local é dada por Buarque:

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(...) um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos. Para ser consistente e sustentável, o desenvolvimento local deve mobilizar e explorar as potencialidades locais e contribuir para elevar as oportunidades sociais e a viabilidade e competitividade da economia local; ao mesmo tempo, deve assegurar a conservação dos recursos naturais locais, que são a base mesma das suas potencialidades e condição para a qualidade de vida da população local (BUARQUE, 2002).

Nesses dois conceitos os indivíduos são o meio e o fim desse processo que passa a ser

discutido com maior ênfase na década de 1990, principalmente a partir da ECO-92, onde

pode-se indagar: qual sua função no desenvolvimento, se não para melhorar as condições de

vida da coletividade? E, ao se entender que os indivíduos são o fim e o meio do

desenvolvimento local sustentável, torna-se imprescindível a participação desses indivíduos

no processo de planejar esse desenvolvimento local sustentável.

Dessa forma, o desenvolvimento local sustentável depende da capacidade dos atores e

das sociedades locais se estruturarem e se mobilizarem, ou seja, de participar desse processo

de desenvolvimento. Além disso, a ampliação da massa crítica de recursos humanos é

fundamental para esse processo, isto é, o capital social e o capital humano e sua participação

no processo de desenvolvimento local sustentável são elementos fundamentais e

imprescindíveis para que seja alcançado (BUARQUE, 2002).

A partir de 2001, com a aprovação da Lei Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001),

torna-se obrigatória para todas as cidades acima de 20 mil habitantes (dentre outras

exigências)18, a elaboração do Plano Diretor Participativo. Este é um instrumento da política

de planejamento participativo e desenvolvimento local sustentável dos municípios cuja

finalidade é “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade

urbana” (ESTATUTO DA CIDADE, ARTIGO 2º). Nesse caso, a participação dos cidadãos é o

elemento fundamental para a construção desse Plano. Assim, estabelece o Estatuto da Cidade

no seu artigo 2º, inciso II: “gestão democrática por meio da participação da população e de

associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e

acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”.

Ainda em seu artigo 40º, § 4º, estabelece:

No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os poderes Legislativo e Executivo garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade.

18 Estatuto da Cidade, Artigo 41 e incisos: I; II; III; IV e V.

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Nesse sentido, a institucionalização da participação por parte do Estatuto da Cidade

rompe com o modelo posto em prática há muitos anos no Brasil, modelo esse de tomada de

decisões de forma autoritária, centralizadora, sem a consulta daqueles para os quais o

planejamento e a execução das políticas públicas do desenvolvimento são direcionados – a

população. Então, é chegada a hora de inverter esse quadro, fazendo com que aquelas pessoas

para as quais as políticas públicas para o desenvolvimento são direcionadas sejam

incorporadas no processo de sua elaboração, implementação e execução do projeto de

desenvolvimento das cidades onde residem.

Desse modo, a participação é fundamental nesse processo, uma vez que ela cria um

ambiente democrático e de aprendizagem social imprescindíveis para o desenvolvimento local

sustentável. Dessa forma, a participação assegura, de acordo com Bandeira (1999), a eficácia

das ações governamentais na elaboração de programas e projetos; a boa governança local,

enquanto pré-requisito à promoção do desenvolvimento local sustentável; além de ser de

fundamental importância para o desenvolvimento do capital humano e ao acúmulo de capital

social. E, por conseguinte, para a mudança da cultura política de uma localidade; fazendo

surgir um novo modelo de gestão e de controle social dos fundos e das políticas públicas.

Conseqüentemente, o capital humano e social são elementos essenciais para a promoção do

desenvolvimento e para a compreensão dos diferentes níveis de desenvolvimento entre

regiões, estados e países.

Assim, esse capital social ao constituir suas bases na solidariedade, na confiança, na

cooperação, no associativismo cívico, promove o desenvolvimento local sustentável. Um

outro elemento a favor da participação é que ela favorece a competitividade sistêmica. Esta

entendida como “um padrão em que o estado e os atores sociais deliberadamente criam as

condições necessárias para o desenvolvimento industrial bem-sucedido” (BANDEIRA, 1999).

Um último argumento propício à participação, segundo o autor, diz respeito ao

estabelecimento de uma identidade regional. E isso é valido, também, para o território local –

nesse caso o município. Essa se refere à constituição de um sentimento de pertencimento a

uma comunidade territorialmente delimitada.

Outro elemento a ser destacado no Estatuto da Cidade é que os Planos Diretores

devem ter como pressuposto e suposto a busca do desenvolvimento local sustentável. Assim,

em seu artigo 2º; incisos I, VII e XII:

I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e as futuras gerações.

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II - adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência. XII – Proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.

Observa-se, assim, que o desenvolvimento local sustentável, acima descrito e

entendido em suas dimensões econômica, social, ambiental, espacial e cultural, é uma meta a

ser alcançada com o Plano Diretor. Isto é, o município deve ser um local, um espaço onde as

pessoas participem do seu desenvolvimento econômico; vivenciem a cultura local com

equilíbrio ambiental e com qualidade de vida. Para isso ocorrer tornam-se necessários

investimentos públicos e privados e uma articulação entre sociedade civil, poder econômico e

poder público.

Dessa forma, o Estatuto da Cidade traz como elemento novo a participação cidadã no

processo de planejamento do desenvolvimento dos municípios. Assim esse mesmo Estatuto,

ao estabelecer o controle social como fator inerente ao processo de elaboração e

implementação do Plano, cria um ambiente democrático de associativismo cívico de

fundamental importância para a promoção do desenvolvimento local sustentável. A

participação é um processo de aprendizagem social que traz consigo a ampliação do capital

humano e social, por conseguintes, fundamentais para essa nova forma de se pensar o

planejamento e desenvolvimento aqui proposto. E que esse não seja apenas um ideário a ser

seguido, mas que se concretize de fato.

Ao se finalizar esse capítulo se pode dizer que, embora a intervenção estatal no país

remonte a crise da economia cafeeira, responsável por levar à adoção da política de forma de

defesa do café diante da crise com o Convênio de Taubaté, a intervenção estatal tanto no país,

como no mundo pela via do planejamento, é filha da crise de 1929 e a sua base teórico-

ideológica é o keynesianismo. No país, como no mundo ocidental capitalista, desde então,

para além de racionalização sistemática e social, o planejamento, como define Chico de

Oliveira (1977), é uma forma de resolução de conflito social; e como tal, um instrumento

imprescindível de desativação das lutas de classe na era do capital financeiro (Freitag, 1986).

Numa acepção gramsciana, tornou-se um poderoso instrumento das “revoluções pelo alto”,

autoritárias e, ao nosso tempo, modernizantes.

Estas soluções de conflito “pelo alto” próprio da era do capital financeiro inauguradas

com a crise de 1929, traduziram-se no fascismo e no nazismo, mas também no americanismo-

fordismo e, posteriormente, no Walfare State. No Brasil, essas formas de mudança “pelo alto”

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expressa-se historicamente na Ditadura do Estado Novo; em situação de democracia,

traduzem-se na experiência de criação da SUDENE, analisada por Chico de Oliveira (1977);

também nas ditaduras militares latino-americanas.

Hoje, o planejamento, em sua vertente participativa, logo no início da década de 80 e

em outras conjunturas, foi utilizada por governantes e até por partidos políticos que apoiavam

a Ditadura Militar de 64 para cooptar o apoio popular frente à movimentação social e política

contra o Regime Autoritário. Nestas condições, foi uma espécie de simulacro de planejamento

participativo. Continuou, no entanto, sendo utilizado como instrumento de amortecimento dos

conflitos sociais, de situação de tensões sociais como o foi no período das grandes greves

inauguradas em 1979, época mesmo de ascensão dos movimentos sociais, como o da Anistia

e o do Custo de Vida. O movimento Diretas-Já, expressão destas forças e lutas sociais, teve

influência direta na eleição de Tancredo Neves à Presidência da República e desatou nos

episódios e acontecimentos que marcaram a transição democrática com a Constituição de

1988 e a eleição direta para presidente da República em 1989. Elevado ao estatuto de novo

paradigma em alternativa ao modelo tecnocrático e autoritário do período do Regime Militar,

pelos próprios movimentos sociais e outras entidades e organizações sociais, o planejamento

participativo terminou sendo institucionalizado por essa Constituição.

Nos anos 1990, soma-se ao desenvolvimento sustentável, definido e adotado pelos

países signatários da Agenda 21, durante a CMAD-92 (Eco92), no Rio de Janeiro: a afirmação

de que não há desenvolvimento local sustentável, se não houver participação é expressão

disto. E o instrumento dessa participação é o próprio planejamento capaz de gerar e captar

sinergias, de articular e ao mesmo tempo ampliar e potencializar o capital humano e o capital

social pré-existente.

Os movimentos sociais nos anos 1990 terminaram consagrando o desenvolvimento

sustentável como bandeira de luta e o seu marco é o Movimento Grito da Terra Brasil, que a

partir de 1994 conseguiu influenciar o sistema político em favor de milhões de agricultores

familiares representados pela Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) e as

Federações e Sindicatos de Trabalhadores Rurais; milhões de Sem-Terra Acampados,

representados por este movimento sindical dos trabalhadores rurais e, também, pelo mais

importante movimento identitário do país, o MST; além de organismos de grande importância

na luta pela Reforma Agrária, como a Comissão Pastoral da Terra – CPT – órgão ligado à

CNBB; a Comissão Pastoral dos Pescadores; o Movimento Nacional dos Seringueiros; o

Movimento Social dos Atingidos por Barragens; redes sociais e temáticas diversas; ONG’s e

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tantas outras organizações comprometidas com a solução do profundo processo de exclusão

social que marcou os anos 90 no país.

O Desenvolvimento Sustentável e a participação popular na luta por políticas públicas

e pela Reforma Urbana são também abarcados pelos movimentos sociais e as entidades do

meio urbano, como a Central de Movimentos Populares, o Movimento Nacional de Luta pela

Moradia, o Movimento dos Sem-Teto, o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de

Rua, e tantos outros que durante e após a Constituição juridificaram e lutaram pela Reforma

Urbana, e até hoje lutam pela democratização das políticas e fundos públicos, pela

universalização do acesso aos serviços e bens necessários à realização da cidadania, etc.

Nesse horizonte, o planejamento passa a ser instrumento de luta, como é o caso da

constitucionalização das Zonas Especiais de Interesse Social, a partir das lutas populares

urbanas da Cidade de Recife (Leal, 2003), posteriormente incorporados como diretrizes nos

próprios Planos Diretores feitos atualmente sob os imperativos legais do Estatuto da Cidade.

Nesse caso, o planejamento coloca-se na perspectiva de Celso Furtado (1999):

Creio que, hoje, o que se perdeu - e isso é o mais grave – é a idéia de apelar para o planejamento. O homem sempre age a partir de hipóteses. Qualquer um de nós formula hipótese com relação ao futuro de sua vida. Uma empresa precisa mais ainda formular essas hipóteses, e quanto mais complexa é a situação maiores são os riscos.

Segundo Celso Furtado (1999), o planejamento que ele ajudou a criar na CEPAL serviu

ao governo de Juscelino Kubitschek para fazer o Plano de Metas, e graças a esse

planejamento o Brasil teve, pela primeira vez, uma política industrial deliberada racional e

ampla. Nesta direção, conforme a autor, Roberto Campos seguiu as mesmas técnicas nascidas

na CEPAL, porém, os objetivos sociais do Governo Militar pós-64 eram bem distintos

daqueles preconizados anteriormente. Assim:

Se o Brasil moderno se criou, se teve uma industrialização tão avançada e complexa, foi porque adotou a técnica de planejamento. O BNDES nasceu nesse prisma (...). Um banco de desenvolvimento coleta recursos da sociedade. Portanto, só se justifica se aplicar esses recursos com mais racionalidade que o mercado. Assim, o planejamento aumenta a eficácia do Estado (FURTADO, 1999).

Ainda, segundo Furtado (1999), o Brasil enquanto economia subdesenvolvida

necessita de planejamento, e num país como o nosso, com grandes desequilíbrios regionais e

setoriais, além de um enorme potencial de recursos não utilizados, abandonar a idéia de

planejamento é renunciar à idéia de ter governo efetivo, e pensar que “o mercado vai

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substituir o Estado é uma ilusão”. Uma parcela desse enorme potencial refere-se ao capital

humano e ao capital social, pois seja qual for o nível de desenvolvimento de um país. Assim,

“uma sociedade só se transforma se tiver a capacidade para improvisar, inovar, enfrentar seus

problemas da maneira mais prática possível, mas numa perspectiva racional” (FURTADO,

1999).

Daí porque, para o eminente economista cepalino, o planejamento é necessário para

superar o subdesenvolvimento, já que o mercado não é capaz de resolver sozinho o problema,

não é capaz de mudar as estruturas. E para mudá-las o planejamento deve ser aplicado em

função do quadro político. Ou seja, os seus objetivos devem ser definidos pela sociedade.

O mestre CEPALINO traça aqui a necessidade de um planejamento com a participação

da sociedade, sem deixar de deitar as suas raízes na criatividade e para não perder a sua

capacidade de renovação. Portanto, os reflexos sobre o planejamento e a busca do

desenvolvimento local sustentável nos anos 1990 continuaram respaldados nesse tipo de

argumentação, mas também na idéia de controle social das políticas públicas, de uma nova

alternativa política de gestão participativa e democrática de alocação de fundos e de recursos

públicos.

Em resumo, o paradigma em construção a partir dos anos 1990 continua sendo

desenvolvimentista, até porque, como diz Celso Furtado (1999), o subdesenvolvimento é uma

devastação; mas que não acrescenta, que é também uma devastação ambiental e da própria

força de trabalho jogada no desemprego estrutural em nível global, e não só na periferia

capitalista. Daí porque a necessidade de acrescentar o sustentável. Sustentável, também,

porque é participativo, e participativo devido à incerteza e ao próprio quadro político no qual

se movimenta o Estado, cuja vulnerabilidade em termos de legitimação associa-se ao

solapamento das bases integração social como efeito de organização dos meios sistemáticos

do próprio Estado (pacto social) e do mercado (dinheiro).

Quando se estava numa ditadura ou regime político autoritário, se sabia para onde ir.

Agora não! Ora, se Celso Furtado (1999) sugere o planejamento como uma técnica capaz de

permitir elevar o nível de racionalidade das decisões econômicas tanto nas empresas como nas

sociedades organizadas politicamente, e este planejamento deverá ser necessariamente

participativo, Franco (2000) afirma que o desenvolvimento deve significar melhoria de vida

para todas as pessoas (desenvolvimento social) das vivas hoje e das que viverão no futuro

(desenvolvimento sustentável).

Já Zapata e Parente (2002) defendem que o “modelo econômico neoliberal” vigente e

hegemônico em nível mundial passa a ser hoje

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(...) questionado por um novo paradigma de desenvolvimento centrado no ser humano, e que tem como objetivo a ampliação das oportunidades e capacidades, com a presença estratégica do Estado Democrático, como forma de garantir o equilíbrio entre as forças dos mercados e os direitos humanos fundamentais.

Nessa direção está a “nova safra” de planos diretores previstos pelo Estatuto da

Cidade. A participação da população na proposta de planejamento e da gestão urbana é o seu

elemento novo. No entanto, tal participação para acontecer depende do nível de

amadurecimento dos movimentos sociais, do nível de organização da sociedade civil local,

das condições políticas e institucionais; da articulação, da participação e do envolvimento da

população na sua construção. Ou seja, depende em última instância do grau de

desenvolvimento do capital humano e do capital social do local.

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Figura 03: Localização do Município de Queimadas Fonte: Queimadas, PDPQ ( 2007)

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CAPÍTULO IV – LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO GERAL DO MUNICÍPIO

DE QUEIMADAS19

4.1. Histórico

O município de Queimadas foi fundando em 14 de dezembro de 1961. O processo de

povoamento do município não foi diferente do modelo econômico mercantilista utilizado

pelos povos europeus. O município fazia parte de uma grande extensão de terra, chamada de

Serra de Bodopitá, posteriormente batizada de Tataguassú. O município tem desde suas

origens a pecuária como principal atividade econômica (QUEIMADAS, PDPQ, 2007).

Destaca-se que desde o povoamento as práticas de: queimadas, coivaras e

desmatamentos, contribuíram para o predomínio agricultura rudimentar. O uso indevido do

solo, a monocultura em áreas íngremes da Serra de Bodopitá, o superpastejo da pecuária

extensiva, a devastação da caatinga para a produção de lenha e carvão, com destaque as

espécies jurema e angico, hoje em extinção, tem sido práticas que têm reduzido a

biodiversidade do local. Observa-se, ainda, que desde a formação do município predomina

uma estrutura agrária concentradora de terra. Esse fato é algo comum não só para o município

de Queimadas, mas para o Nordeste como um todo.

4.2. Localização do Município

O município de Queimadas está localizado em pleno semi-árido nordestino e,

portanto, exposto a todas as vulnerabilidades demográficas, sociais, climáticas e hídricas que

o Nordeste brasileiro tem sofrido por está localizado no polígono da seca20.

Mais especificamente, o município esta localizado na superfície do Planalto da

Borborema, no Estado da Paraíba. Queimadas limita-se ao norte com o município de Campina

Grande (segundo maior centro urbano industrial e de serviços do Estado da Paraíba); ao sul

com Gado Bravo, Barra de Santana e Aroeiras; ao leste com Fagundes e ao oeste com Caturité

e Barra de Santana.

19 Os dados utilizados na formulação desse capítulo foram retirados do Diagnóstico do Plano Diretor Participativo do Município de Queimadas – Diagnóstico Síntese da Leitura Técnica e Comunitária da Realidade. Os dados secundários utilizados para a elaboração do Diagnóstico foram obtidos: no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; Programa das nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD; Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE; Atlas Escolar da Paraíba; Prefeitura Municipal de Queimadas; Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil; entre outros. 20 O polígono das secas, definição antiga, usada pelo aparato governamental, abrangendo 950 km2 e que vigorou até a criação do Fundo Constitucional de Investimento do Nordeste – FNE. A definição de Semi-Árido data de 1994.

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O IBGE situa Queimadas na mesorregião geográfica do Agreste da Paraíba e na

microrregião de Campina Grande, que engloba 8 (oito) municípios.

O município é cortado pela BR 104 que liga os dois principais centros econômicos do

interior da Paraíba e de Pernambuco, Caruaru/PE e Campina Grande/PB, fazendo com que

Queimadas se apresenta como uma espécie de núcleo urbano e de apoio aos fluxos de

comércio, serviços e turismo que se realizam por estes dois centros de polarização geo-

econômica. Graças a proximidade à cidade de Campina Grande e a sua expansão, Queimadas

se apresenta como um contínuo urbano desta capital regional. A sede do município de

Queimadas está a 144 km de distância da Capital do Estado da Paraíba, João Pessoa.

4.3. Aspectos Populacionais

O município tem uma extensão territorial de 409 km2 e que aglutina um contingente

populacional de 36.032 habitantes conforme estimou o IBGE para 2005, sendo 17.046

habitantes na zona urbana (47,31% do total) e 18.986 habitantes na zona rural (52,69%),

predominando, ainda, a população rural com mais de 50%. Dessa população total, 23.750 são

eleitores. A densidade demográfica de Queimadas é de 90,78 hab./km2. No período de 1996 a

2000, a taxa média de crescimento da população foi de 1,87% ao ano com a população

passando de 33.461 para 36.032 (IBGE - Censo 2000).

Desde 2000, o município vem sofrendo uma expansão urbana graças à emigração de

pessoas da zona rural e, principalmente, de cidades circunvizinhas, as quais têm buscado em

Queimadas melhores oportunidades de moradia e de vida. O Quadro 03 mostra como a

população de Queimadas está distribuída:

ANO - POPULAÇÃO 1991 2000

Menos de 15 anos 12.785 12.533

De 15 a 64 anos 17.401 20.722

De 65 e mais 2.369 2.777

Razão de dependência 87,1% 73,9%

Quadro 03: Distribuição da População. Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil.

O quadro mostra que a população jovem de menos de 15 anos de idade decresceu de

12.785 (1991) para 12.533 (2000). Já a população de 15 a 64 anos aumentou, passando de

17.401 (1991) para 20.722 (2000). Outro dado importante da tabela é que a população de mais

de 65 anos elevou-se de 2.369 (1991) para 2.777 (2000). O quadro mostra também a razão de

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dependência que mede o quanto as pessoas são dependentes de fonte de renda externa ou de

outra pessoa para sobreviver. Esse índice, embora bastante elevado, caiu de 87,1% (1991)

para 73,9% (2000).

4.4. Aspecto climatológico e hidrográfico

Os dados a serem destacados para o município são: precipitações anual máxima e

mínima de 830mm e 450mm, respectivamente; apresenta uma temperatura média anual de

29,9 ºC; Umidade relativa do ar 75.6%; índice de evaporação de 1.474 mm; altitude variando

entre 400 e 800 m; Relevo bastante ondulado, característico da microrregião de Campina

Grande; rede hidrográfica é caracterizada por rios temporários, destacando-se os rios Paraíba

e Bodocongó que atravessam o município e predomina a vegetação da caatinga

(QUEIMADAS, PDPQ, 2007).

4.5. Aspecto Físico-Territorial

Conforme, o DLIS de Queimadas (1999) as limitações físicas redundou em processo

de desertificação acelerado pela forma de ocupação espacial e uso inadequado e intenso dos

recursos naturais: uso indevido dos solos, superpastejo do efetivo pecuário e manejo de forma

extensiva. Levando a devastação da vegetação, redução e má gestão dos recursos hídricos.

O município é cortado pela Serra de Bodopitá que se estende do leste, desde o

município de Ingá até o Rio Bodocongó, na fronteira de Queimadas com o município de

Caturité. Destaca-se que nessa Serra encontram-se 42 sítios arqueológicos de valor histórico-

cultural.

Queimadas está localizado na bacia hidrográfica do Rio Paraíba, região do médio

Paraíba e bem próximo do Açude Epitácio Pessoa, que está localizado no município de

Boqueirão e que fica a 30km da sede do município Queimadas. Além do Bodocongó, o

município é servido pelos riachos Simão, Bela Vista, Gangorra; Riacho do Meio, das Piabas,

dos Pereiras, das Furnas, do Lutador, do Maracajá, do Formigueiro e Zumbi. Toda a rede

hídrica esta comprometida pelo desmatamento e a erosão, significando perdas hídricas, além

de perdas de solos e da biodiversidade.

Uma das principais preocupações é escassez de recursos hídricos. Esse quadro é

agravado pelo assoreamento e poluição, por exemplo, do Rio Bodocongó que recebe grande

parte dos esgotos das cidades de Campina Grande e de Queimadas, complicando ainda mais o

potencial hídrico do município.

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Acrescenta-se a isso, a existência no município de 52 pequenos e médios açudes,

sendo 12 públicos e 40 particulares e 128 pontos d’água, sendo todos poços tubulares, sendo

que 13 destes pontos d’água estavam em terrenos públicos e 115 em terrenos particulares

(QUEIMADAS, PDPQ, 2007).

Nesse sentido, as limitações do município dizem respeito, sobretudo a falta d’água e

solos susceptível à erosão. Essa erosão tem sido uma dos principais fatores que tem levado ao

aumento de tais limitações associado à devastação da caatinga pelas práticas agrícolas e

pastoris. De acordo com o DLIS/Queimadas (1999: 35), as áreas comprometidas pela ação

antrópica (antropismo) correspondem a 380,9 km2 ou cerca de 97,1% do território municipal.

4.6. A Economia do Município

As principais atividades econômicas do município são o comércio e a pecuária leiteira

que tem uma produção estimada de mais 6.000 litros/dia. O Produto Interno Bruto - PIB do

município em 2003 foi de R$ 9.174 milhões e o PIB per capita de R$ 2.546,07. A análise das

receitas públicas do município mostra a forte dependência em relação às transferências

constitucionais do Governo Federal onde 99,0% dos recursos públicos advêm de repasses

constitucionais federais (QUEIMADAS, PDPQ, 2007).

Em termos de infra-estrutura econômica segundo dados do Plano Diretor participativo

o município possui 4 km de estradas vicinais. É cortado pela BR 140 e as PB 100, 148 e 102.

O município fica a 10 km do aeroporto e a 15 km da rodoviária de Campina Grande. Quanto à

comunicação e telecomunicação o município dispõe dos serviços de telefone fixo e móvel;

vários canais de televisão; serviço de internet; tem uma rádio comunitária – Queimadas FM

87.9 -; tem o jornal de circulação mensal – a Folha do Cariri -, além de outros jornais de

circulação estadual e nacional. Com relação à energia elétrica quase 100% das casas são

abastecidas. Destaca-se que o município, como para todo o Semi-Árido nordestino, possui um

imenso potencial de energia solar.

Ressaltam-se, nesse sentido, os problemas relacionados à dependência das

transferências do Governo Federal; a desordem do sistema tributário do município; a

dificuldade de acesso ao crédito pelos pequenos e médios agricultores; a estrutura agrária,

ainda, concentradora de terra, como é característico do Semi-Árido nordestino; a baixa

produtividade em todos os setores da atividade econômica; uma elevada concentração de

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renda com o índice de GINI21 (que mede a concentração da renda), elevando-se de 0,48

(1991) para 0,52 (2000); e, a baixa qualificação da mão-de-obra (QUEIMADAS, PDPQ,

2007).

Outro dado a ser observado e que confirma a alta concentração de renda do município

é que o mesmo possui 9.126 domicílios (IBGE, 2000). Desse total, recebem até 2 (dois)

salários mínimos, 6.658 responsáveis pelos domicílios ou 72,96%; enquanto que 27,04% dos

responsáveis por domicílios recebem mais de 2 (dois) salários mínimos mensais.

4.7. Aspecto Sócio-Cultural

O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH do município de Queimadas para o ano

de 2000 era de 0.595 (considerado de médio Desenvolvimento Humano, o IDH variando entre

0.5 e 0.8), mostrando um aumento em relação a 1991 que era de 0.508. Foi visto no tópico

economia do município a descrição da renda. Observe agora os outros componentes do IDH:

saúde e educação.

O município de Queimadas, em relação a outros municípios da Paraíba está na 96ª

colocação em termos de IDH, além de apresentar um dos piores IDH do Brasil, ocupando a

posição 4.745ª, num universo de cerca de 5.500 municípios. Estimativas mostram que para

Queimadas alcançar o IDH do ano de 2000 de São Caetano do Sul (SP), município com

melhor IDH-M do País (0.919), levaria cerca de 23,8 anos. E para alcançar o IDH-M de João

Pessoa (Capital do Estado) que tem o melhor IDH-M da Paraíba, com 0.783, levaria 15,1 anos

(QUEIMADAS, PDPQ, 2007).

4.7.1. Saúde e Saneamento Ambiental

A esperança de vida da população vem aumentando lentamente, passando de 58,5 em

1991 para 59,2 em 2000. Quanto à taxa de mortalidade, para cada 1000 nascidos vivos, teve

uma queda acentuada, embora ainda seja bastante elevada, passando de 74,2 para 65,1.

Queimadas tem um total de 9.126 domicílios, sendo que 82,8% são próprios. Desse total cerca

de 5.375 estavam, em 2000, conforme dados do IBGE, ligados a rede geral de abastecimento

de água ou 58,9% do total; cerca de 497 estavam ligados a fonte ou nascente o que representa

5,4%; e, 3.256 a outras alternativas não identificadas.

21 Segundo Sandroni (2005: 156) o coeficiente de GINI é a medida da concentração, principalmente, aplicado a renda. Os valores desse coeficiente variam entre 0 e 1, assim, quanto mais próximo de zero menor a concentração e quanto mais próximo de um maior a concentração.

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Os indicadores de habitação e saneamento do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), Atlas de Desenvolvimento Humano (2000), dão conta de 5.373

domicílios estavam ligados á rede geral e que corresponde a 58,9% do total; já os restantes

dos 3.753 domicílios ou 41,2% não estão ligados a rede geral. Ainda, segundo o IBGE (2000)

dos 9.126 domicílios de Queimadas 7.654 ou 83,8% possuíam banheiro ou sanitários;

enquanto que 1.472 ou 16,2% não tinham banheiros ou sanitários. Outro dado importante é

que do total dos domicílios do município 5.458 (59,8%) são servidos pelo sistema de coleta

seletiva de lixo. Do outro lado, 3.668 (40,2%), ainda, não são alcançados por esse serviço.

A Figura 04 mostra a realidade de Queimadas em termos de serviço de esgotamento

sanitário (IBGE, 2000).

Figura 04: Serviços de Esgotamento Sanitário em Queimadas Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 2000.

Pelo quadro acima, do total dos domicílios 59% são servidos pelo sistema de fossas rudimentares; são servidos pela rede geral 26% dos domicílios; 8,5% jogam seus dejetos em valas; apenas 4,02% dos domicílios são servidos por fossas sépticas.

O município, ainda, não possui um escoadouro ligando diretamente às instalações

sanitárias dos domicílios. Em termos relativos 25% do total das casas que estão ligadas à rede,

jogam todos os detritos sem nenhum tratamento. Os 75% restantes dos domicílios possuem

fossas sépticas. Então, é constatada a precariedade do Saneamento urbano por não ter uma

rede geral de esgoto sanitário e, portanto, um tratamento adequado que absorva a demanda

crescente do município.

Ressalta-se que: o município apresenta 21 unidades básicas de saúde e 19 equipes do

programa de saúde na família; tem 100 agentes comunitários de saúde; encontra próximo aos

principais centros de referência em termos de saúde na região: Recife, João Pessoa e Campina

Grande (QUEIMADAS, PDPQ, 2007).

Domicílios Particulares Permanentes Tipo de

Esgotamento Sanitário

Rede Geral

Fossas Sépticas

Fossas

RudimentaresValas

Rio/Lago/Mar59%

26%8,5%0,74% 1,46%

4,02%

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4.7.2. Educação

O município de Queimadas apresenta um IDH - Educação de 0.698 (2000), mostrando

uma melhora em relação a 1991 quando este era de 0.529. Esse dado do IDH - Educação,

embora seja o mais expressivo se comparado com o IDH - Renda e o IDH – Longevidade e

teve um peso significativo na elevação do IDH do município, ainda, esta muito aquém do IDH

– Educação do País que é de 0.826. Esse dado por si só mostra a necessidade urgente de se

investir no capital humano do município.

Como foi visto no capítulo segundo as idéias de Schultz (1973); Amartya Sen (2000);

Franco (2001). Essas podem ser sintetizada, afirmando a necessidade de se investir em

educação e pesquisa; que educação é liberdade e liberdade é desenvolvimento; e, que o

desenvolvimento capital humano é fundamental para se ter uma cidade empreendedora. Nesse

sentido, a acumulação de capital humano é um elemento essencial para o melhoramento das

condições de planejamento e para se atingir o desenvolvimento esse entendido como mudança

econômico-social. E o desenvolvimento aqui tratado diz respeito a um conjunto de variáveis

como educação, saúde, renda, equilíbrio ambiental, e outros.

O município de Queimadas possui duas escolas municipais, uma na sede do município

e outra na comunidade do Ligeiro e mais de 70 grupos escolares. Além disso, está localizado

no município o maior colégio do Estado da Paraíba, em termos de quantidade de aluno, com

mais de 4.000 alunos matriculados – “O Ernestão” (Queimadas, PDPQ, 2007).

O Quadro 04 apresenta uma idéia da situação educacional do município, mostrando o

nível educacional população. Os dados são de 1991 e 2000 e foram retirados do Atlas de

Desenvolvimento Humano do Brasil.

FAIXAS ETÁRIAS

(ANOS)

TAXA DE ANALFABETISMO

% COM MENOS DE 4

ANOS DE ESTUDOS

% COM MENOS DE 8

ANOS DE ESTUDOS

% FREQÜENTANDO

A ESCOLA

1991 2000 19991 2000 1991 2000 19991 2000 7 a 14 52,8 23,0 - - - - 72,2 95,8

10 a 14 38,4 11,4 86,2 76,0 - - 72,2 95,8

15 a 17 29,7 10,1 58,5 45,9 95,5 87,5 40,4 8

72,8

18 a 24 26,7 17,5 48,3 39,6 84,8 74,5 - -

Quadro 04: Nível Educacional da População Jovem, 1991 e 2000. Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.

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A segundo coluna, taxa de analfabetismo, mostra que houve uma queda acentuada

desse indicador para das faixas etárias compreendidas de 7 a 24 anos de idade, sendo a queda

mais expressiva a da faixa etária de 7 a 14 ano, de 52,8% (1991) para 23,0% (2000).

Para a população com menos de quatro anos de estudo a tabela mostra que teve uma

queda: a de 10 a 14 anos passou de 86,2% (1991) para 76,0% (2000); a de 15 a 17 anos de

idade passou de 58,5% (1991) para 45,9% (2000); e, a de 18 a 24 de 48,3% (1991) caiu para

39,6% (2000). Caracterizando um estado de analfabetismo funcional de grande parte da

população jovem.

Quanto a população com menos de oito anos de estudo essa também obteve queda: de

15 a 17 anos de idade caiu de 95,5% (1991) para 87,5% (2000); já a de 18 a 24 anos passou de

84,8% (1991) para 74,5% (2000).

A última coluna que apresenta o número de pessoas que freqüentam a escola mostra

que houve um aumento para todas as faixas de idade. O que podemos concluir dessa tabela é

que a quantidade de analfabetos do município ainda é bastante elevada. A quantidade de anos

de estudos da população ainda é reduzida se comparada à média de do país e dos países

desenvolvidos. E, no período de 1991 a 2000 houve um aumento significativo de pessoas

freqüentando a escola.

Ressalta-se, nesse sentido, que apesar da rede municipal de educação de Queimadas

ter melhorado relativamente com relação à expansão física, não obteve a melhoria desejada

em termos qualitativos. Dessa forma, é preciso que haja maiores investimentos em questões

relativas à própria infra-estrutura, equipamentos escolares: bibliotecas, salas de informática,

sala de vídeo, sala de jogos; a melhoria da gestão escolar, a capacitação dos docentes,

educação voltada para o contexto do semi-árido nordestino; além da integração família escola.

4.7.3. Cultura

Quanto à questão cultural deve-se ser ressaltado o potencial arqueológico do

município. Nesse sentido, estão catalogados pelo Programa de Conscientização Arqueológico

– PROCA, da Universidade Estadual da Paraíba, um total de 42 (quarenta e dois) sítios

arqueológicos. Patrimônio histórico-cultural de valor inestimável. Somam-se a isso, os

festejos, os rituais, os folguedos populares e as manifestações culturais e que constituem a

identidade coletiva e cultural do povo queimadense e que determinam seus laços de

pertencimento, de afetividade, confiança e de solidariedade. Ou seja, a cultura é um dos

elementos potencializadores do capital social.

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Acrescenta-se, ainda, as atividades de valorização da cultura local como os cursos de

dança, música, desenho, pintura, e outros. Deve-se ressaltar que a cultura é caminho inerente

para se alcançar o desenvolvimento local sustentável.

4.8. Quadro Político-Institucional e Capital Social

Como foi viso no diagnóstico do Plano Diretor de Queimadas a dimensão político-

institucional está muito aquém da desejável. Isso se justifica pelo fato de o capital social do

município ser bastante incipiente. Configura-se uma situação no município onde falta

organização da sociedade civil. Não existe uma sociedade civil empoderada, organizada e que

sabe o que quer e aonde quer chegar, prevalecendo no pensamento da maioria das pessoas o

hoje, o imediato, a complacência com a realidade em que vivem e nenhuma perspectiva de

futuro. Ou seja, os laços de confiança, cooperação, honestidade, reciprocidade, o

associativismo cívico estão muito distante daqueles analisados por Putman para o caso da

Itália e a soberania popular está muito aquém daquela analisada por Tocqueville para a

América do Norte em seu livro Democracia na América.

Nesse sentido, capital social aqui entendido como uma série de fatores objetivos e

subjetivos, atuais e potenciais acima mencionados: a solidariedade e a formação de redes de

sentimentos e de pertencimentos, de identidades coletivas, de ação coletiva e que é um

elemento essencial para o desenvolvimento local sustentável e para o progresso econômico,

ainda está longe a acontecer em Queimadas. E, diante disso, devido a essa incipiência do

capital social e do pouco que existe estar em estado de entropia (desequilíbrio), não

permitindo que os indivíduos participem da vida social, político e econômico do município de

forma ativa, controlando e tomando parte e decidindo a coisa pública. E não permite que os

indivíduos façam escolhas racionais que venha a assegurar o aumento do nível de qualidade

de vida e de bem-estar dos cidadãos e cidadãs queimadense, através do direcionamento dos

investimentos e dos gastos públicos. Observe o que diz o diagnóstico.

O município encontra-se em uma situação de desajuste fiscal em que a despesa é

maior que a receita. Soma-se a isso, a malversação de recursos públicos, a ineficiência dos

procedimentos empregados, as incompetências e descasos com a coisa pública, entre outros

fatores que somam-se como causas e conseqüências de uma cultura política atrasada e

fundada em práticas clientelistas e assistencialistas. Ainda há o uso da máquina pública para o

financiamento de trajetórias e campanhas eleitorais. O padrão dominante de fazer política

presente nos vários municípios nordestinos e brasileiros (QUEIMADAS, PDPQ, 2007).

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Nesse sentido, a não organização por parte da sociedade civil impede que sejam postos

em prática mecanismos de participação e controle social de políticas e de fundos públicos e,

por esse lado, contradizer uma cultura política conservadora e antidemocrática. Falta poder de

decisão da sociedade. E se participar é ante de mais nada o poder de decidir, não se tem

participação. Assim, se não tem capital social e nem capital humano o poder de decidir

(participar) é reduzido.

Acrescenta-se a isso, a falta de ação de partidos políticos de perfil democrático e

balizados em concepção e valores republicanos e universalistas contra as práticas políticas de

apropriação de máquinas e siglas partidárias por “caciques” locais. Essas duas frentes de

mudança na cultura política local devem ser combinadas com a implantação de mecanismos

de gestão pública de cunho participativo que contrariem a força de poderes executivos

pautados em decisões pessoais e não em planejamento participativo.

Esse padrão personalista e autoritário de tomada de decisão tem, por seu turno,

favorecido perdas de oportunidades e atraso político-administrativo que submete o próprio

legislativo a mecanismos pessoais e particularistas de tomada de decisão.

O diagnóstico do Plano Diretor revela, ainda, a necessidade de se modernizar a

administração, principalmente, no que tange os controle de gastos, de racionalização

administrativa e automação dos sistemas de fiscalização e arrecadação municipal. Ou seja, é

preciso adotar uma política de alocação eficiente dos recursos e fundos públicos, através de

mecanismos participativos de tomada de decisão e controle da sociedade. Soma-se a isso,

necessidade de dotação de pessoal eficiente e qualificado para que isso aconteça – capital

humano.

Pode-se afirmar que tudo isso é fruto da falta de uma Secretaria de Planejamento,

Coordenação e Controle da Ação Governamental, o que acarreta desperdícios e malversação

de recursos humanos e financeiros. Isso somado a um conjunto de interesses individuais e que

não permite que seja posto em prática um planejamento participativo estratégico. Isso se dá

em uma realidade em que predomina a letargia econômica, sócio-cultural e político-

institucional.

Com isso, se quer, afirmar que uma gestão pública moderna e eficiente é indispensável

à identificação e eliminação de pontos de estrangulamento que inibem a mobilização das

potencialidades econômicas, sociais, principalmente, no que diz respeito ao desenvolvimento

de capital humano e de capital social. Sem isso, provavelmente, a infra-estrutura econômica e

social e os incentivos financeiros e fiscais serão insignificantes e, conseqüentemente,

ineficazes no sentido de superar profundos problemas político-institucionais, econômicos,

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sócio-culturais e ambientais (QUEIMADAS, PDPQ, 2007). Ou seja, o desenvolvimento local

sustentável torna-se um sonho distante.

O fator a ser destacado é a dependência do município dos repasses da União, o que põe

em xeque, problemas de sustentabilidade. Isto já se fez sentir quando, em certos momentos,

caem as fontes de arrecadação do Governo Federal, o FPM, por exemplo. Portanto, isto se

torna mais grave diante da desarticulação e desorganização tributária e fiscal do município.

Pior, ainda, diante de certa complacência dos gestores públicos com este estado de coisas e da

falta de uma visão estratégica de desenvolvimento do município balizado no planejamento e

gestão dos recursos disponíveis e na mobilização de suas potencialidades (QUEIMADAS,

PDPQ, 2007).

Nesse sentido, sem capacidade de organização social (capital social) fica difícil

estruturar a mobilização social e geração de sinergias para vencer o atraso político e

econômico local. Quanto à participação direta e indireta da comunidade, um outro diagnóstico

apresentado em 1999/2000 pelo DELIS/QUEIMADAS não mudou em termos da falta de

consultas à comunidade, através das práticas e manifestações sociais, seja através de

mecanismos de protestos sociais ou através de canais institucionais: sindicatos, associações,

conselhos, formas de obrigatoriedade legal como é o caso do FUNDEF, do SUS e de outras

políticas do Governo Federal (QUEIMADAS, PDPQ, 2007).

Quanto à participação indireta prevalece a intermediação de vereadores e cabos

eleitorais e que se dá, portanto, de forma especulativa e eleitoreira, inclusive utilizando-se das

organizações comunitárias locais.

Nos últimos anos essa participação tem se ampliado e a consulta as comunidades tem

sido um dos mecanismos de sensibilização e mobilização na discussão participativa e na

legitimação das políticas do Governo Federal. Vejamos mais a frente como essa participação

está apoiada e pode ser mais bem potencializada através de uma sociedade civil local, embora

ainda organizada de forma incipiente e despolitizada, a sua extensão é proporcional a sua

densidade populacional e a sua diversidade social e cultural.

4.8.1. O Capital Social

O município de Queimadas conta com duas organizações sindicais: o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais e secção local do Sindicato dos Servidores Públicos do Agreste da

Borborema (SINTAB) e do lado patronal há o Sindicato Rural de Queimadas. Além disso, há

no município 54 associações comunitárias urbanas e rurais. Observa-se que essas associações

em sua grande maioria são controladas por cabos eleitorais locais, o que pode caracterizá-las

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como órgãos cujo fim é meramente eleitoreiro (QUEIMADAS, PDPQ, 2007). Destaca-se que

uma das principais atividades econômica do município, a pecuária leiteira, não tem uma

entidade ativa e que defenda os seus interesses.

O mesmo diagnóstico destaca ainda que as associações do município não têm sede

própria e as reuniões não acontece periodicamente. Soma-se a isso, o elevado índice de

inadimplência com a Receita Federal. O fato é que existe um baixo capital humano em termos

de uma cultura associativista e solidária em relação ao desenvolvimento comunitário,

faltando-lhes assistência técnica no tocante à sua manutenção e a estrutura de controle

contábil (QUEIMADAS, PDPQ, 2007).

Isso faz com que as associações estejam longe de se constituírem como entidades de

desenvolvimento rural e com pessoas politizadas e capazes de mobilização social, além de

não estarem dotadas de nenhuma infra-estrutura e nem de serviços para o exercício de suas

funções de desenvolvimento local sustentável. Falta capital humano e capital social.

Quanto a representação sindical dos trabalhadores, tem-se o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Queimadas com 11 (onze mil) associados, sendo cerca de 6.000 (seis

mil) aposentados (QUEIMADAS, PDPQ, 2007). Este Sindicato tem se caracterizado como

uma instituição relativamente combativa em favor dos interesses dos agricultores familiares.

Observa-se, ainda, que este tem representantes em vários conselhos setoriais do município.

Além de estar articulado com outras organizações do movimento sindical como: Pólo Sindical

da Borborema; a Articulação do Semi-Árido (ASA); a Federação dos Trabalhadores da

Agricultura – FETAG; a Central Única dos Trabalhadores e a CONTAG. Isso significa um

capital importante para o município com relação à organização, reivindicação e representação

dos trabalhadores rurais.

A outra organização é o SINTAB que representa os servidores públicos municipais.

Essa categoria apresenta-se bastante vulnerável e sujeita aos ditames da cultura política

conservadora, praticada desde os tempos remotos. O que é característico dos municípios da

hinterland nordestina. Destaca-se que essa entidade tem exercido e ampliado o seu poder de

barganha em defesa da classe que representa.

Em termos de entidades sindicais patronais existe o Sindicato Rural de Queimadas que

faz face à organização dos trabalhadores anteriormente descrita. O município não conta com

outras entidades sindicais e nem associações profissionais de destaque, inclusive inexiste

associação ativa no setor comercial e industrial do município. Este fato torna-se um agravante

quando tem como base econômica o comércio, além de um parque industrial relativamente

expressivo.

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Existem, ainda, as associações urbanas estabelecidas em alguns bairros. Destacando-se

as associações do Conjunto Cássio Cunha Lima; da Vila; do Conjunto Antônio Mariz; do

Castanho; da Invasão e entre outras.

Destacam-se, ainda, os diversos Conselhos existentes no município com a promessa de

se constituírem espaços de debate e crítica; de controle social de políticas e de fundos

públicos diante do setor público e do setor privado. Tem-se: Conselho de Assistência Social; o

Conselho Municipal de Educação; Conselho Municipal de Saúde; Conselho Tutelar da

Criança e do Adolescente; Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável; entre

outros. Indaga-se a respeito do real papel desses Conselhos; se os mesmo estão estabelecendo

canais de participação ampla da sociedade e, se eles estão estabelecendo o controle social. E,

se há um capital humano e um capital social em torno dos mesmos, permitindo o seu pleno

funcionamento e o comprimento do seu papel de órgão fiscalizador, consultivo e às vezes

deliberativos.

Contudo, os próprios interesses se encontram e se confrontam nas reuniões destes

Conselhos, estando estes presentes no setor público e no setor privado. Logo, trata-se de um

espaço para debate e crítica, que favorece a construção de novas propostas a serem

encaminhadas, que podem tanto ser reivindicadas como fiscalizadas pela população. Ou seja,

através desse processo, é possível a fiscalização dos recursos do Sistema Único de Saúde

(SUS), e de outras fontes, incluído parcelas do FPM que entrem nos programas e ações de

Saúde constantes do orçamento do município. Já o Conselho Municipal de Desenvolvimento

Rural Sustentável (CMDRS), tem funcionado de maneira bastante precária, apesar dos

enormes problemas que enfrentam mais de 5.000 (cinco mil) produtores rurais da chamada

agricultura familiar (QUEIMADAS, PDPQ, 2007).

Uma questão identificada pelo Diagnóstico do Plano Diretor é que as reuniões deste

Conselho têm se constituído em meros rituais com o objetivo de consagrar a coisa em si

mesma: as pautas das reuniões são sempre as mesmas; em termos de conteúdo, as reuniões

não são constantes e pautadas no planejamento anual e no cronograma de trabalho; os índices

de participação são muito baixos, inclusive a participação dos coordenadores. Quando há

alguma reunião para discutir questões como distribuição de sementes, falta d’água na zona

rural e outros problemas emergenciais; este Conselho se reúne com o intuito apenas de

satisfazer tais demandas, muitas das vezes apenas legitimando decisões ad hoc

(QUEIMADAS, PDPQ, 2007).

Nesse sentido, esses Conselhos são constituídos para satisfazer as demandas

institucionais, ou seja, para receber os recursos do Governo Federal e por exigência do

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Governo Federal. Sendo criados de “cima para baixo” e não por necessidade local e inserida

em uma cultura política que é adversa ao formato organizativo e de gestão participativa. Isso

por estar em consonância com um ambiente onde o capital humano e o capital social são

bastante frágeis.

Dessa forma, se esses Conselhos são os fiscalizadores das políticas públicas; das ações

de desenvolvimento econômico-social executadas no município e se os mesmos apresentam-

se fragilizados por falta de capital humano e social e por uma cultura política menos adversa;

o desenvolvimento local sustentável está longe de ser alcançado. Portanto, investir em capital

humano e em capital social deve ser a prioridade no município se se quer alcançar o

desenvolvimento econômico e social, inclusivo da maioria da população.

Em síntese, o desempenho institucional e o nível de acúmulo de capital social,

elemento fundamental para o desenvolvimento como foi analisado por Putman para a Itália e

ara a soberania popular como analisou Tocqueville para o caso dos Estados Unidos da

América, estão longe de se constituírem em um ambiente favorável ao desenvolvimento do

município de Queimadas.

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CAPÍTULO V – PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO: PRINCÍPIOS, DIRETRIZES

E METODOLOGIA

Neste capítulo optou-se por trabalhar os dados empíricos através do método de análise

de conteúdo. Segundo Demo (1995):

Análise de conteúdo não fica apenas nas fichas, nos relatórios, nas gravações, porque sabe que isto é instrumento, vestimenta, aparência. É preciso ir além disso, de modo hermenêutico. Saborear as entrelinhas, porque muitas vezes o que está nas linhas é precisamente o que não se queira dizer. Surpreender as insinuações, que cintilam no luso-fusco das palavras e superam as limitações da expressão oral e escrita. Escavar os compromissos para além das verbalizações, pois jamais há coincidência necessária entre um e outro. Explorar vivências que aparecem mais no jogo, na brincadeira, na piada, do que na formulação cuidada gramatical. Compor a intimidade da vida cotidiana, na sua mais profunda sensibilidade. Levar ao depoimento tão espontâneo que a diferença entre teoria e prática se reduza ao mínimo possível, de tal sorte que aquilo que se diz é aquilo que se faz.

Enquanto que para Bordin (1977):

[...] análise de conteúdo tenta compreender os jogadores ou o ambiente de jogo num momento determinado, com o contributo das partes observáveis (...) a análise de conteúdo toma em consideração as significações (conteúdo), eventualmente a sua forma e a distribuição destes conteúdos e formas (índices formais e análise de co-ocorrência). (...) A análise de conteúdo procura conhecer aquilo que está por trás das palavras as quais se debruça.

Nesse sentido, a unidade analítica na análise de conteúdo é, justamente, o enunciado.

Esse procedimento metodológico trabalha com a mensagem, a comunicação e tem por

objetivo fazer a análise da mensagem e inferir outras realidades contidas por trás dela. Outro

fato a ser ressaltado é que foi feito uso, também, da observação participante ou pesquisa

participante22 com relação ao objeto estudado.

Uma vez posta a questão metodológica de análise do conteúdo, veja-se primeiramente

o que rege o Estatuto da Cidade e como se procedeu a construção do Plano Diretor

Participativo de Queimadas. Para logo em seguida fazer a análise das entrevistas dos atores

públicos e privados do município.

5.1 O Que Diz o Ministério das Cidades

22 O observador participante coleta dados através de sua participação na vida cotidiana do grupo ou organização que estuda. Ele observa as pessoas em estudo para ver as situações deparadas normalmente e como se comportam diante delas (BECKER, 1992).

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O Ministério das Cidades em seu livro Plano Diretor Participativo: Guia para

Elaboração pelos Municípios e Cidadãos, e com base no Estatuto da Cidade (Lei

10.257/2001) estabelece as diretrizes e os procedimentos metodológicos para se construir de

forma democrática o Plano Diretor Participativo dos municípios da República do Brasil.

A Constituição Federal, em seu Capítulo II, artigos 182 e 183, estabelece os

instrumentos para garantir, no âmbito de cada município, o direito da cidade e o cumprimento

da função social da cidade e da propriedade (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

O Estatuto da Cidade, ao regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal,

aponta uma série de parâmetros e diretrizes para a condução da política urbana no país. O

mesmo Estatuto, ainda, oferece instrumentos que podem ser utilizados pelos municípios a fim

de intervir no planejamento e na gestão democrática dos municípios, garantindo, dessa forma,

o direito à cidade a todos os cidadãos e cidadãs.

Nesse sentido, o Estatuto da Cidade define Plano Diretor como sendo o “instrumento básico

para orientar a política de desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana do

município” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). Ou seja, o Plano é um instrumento de

planejamento estratégico participativo do desenvolvimento local sustentável e tem como eixo

o ordenamento da ocupação do espaço urbano e rural.

O Ministério, então, alerta para o fato de que as propostas e os procedimentos estabelecidos

no Guia e ora analisado em seu conteúdo, não devam ferir “a diversidade dos municípios

brasileiros” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). De modo que a metodologia para

elaboração dos planos diretores estabelecida por essa instituição não deve ser encarada como

um receituário pronto e acabado. Mas cada município use de sua criatividade, sua capacidade

de inovar. Porém, de uma coisa não se deve abrir mão, qual seja, da “participação dos

cidadãos e cidadãs e da produção coletiva”.

Assim, o planejamento participativo é o elemento fundamental e inerente ao processo

de construção de municípios mais justos e melhores para se viver. Nesse sentido, todos os

cidadãos e cidadãs estão habilitados a participar do planejamento do seu município, intervindo

e decidindo os rumos a tomar para garantir a função da cidade, o seu desenvolvimento

econômico e social. Dessa forma, todos estão aptos a participar na construção do Plano

Diretor e terem garantida essa participação no sistema de planejamento. De modo que

Esse planejamento implica em atualizar e compatibilizar cadastro; integrar políticas setoriais, os orçamentos anuais e plurianuais, com o plano de governo e as diretrizes do plano diretor; capacitar equipes locais; sistematizar e revisar a legislação. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

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Ainda:

Democratizar as decisões é fundamental para transformar o planejamento da ação municipal em trabalho compartilhado entre os cidadãos e assumido pelos cidadãos, bem como para assegurar que todos se comprometam e sintam-se responsáveis e responsabilizados, no processo de construir e implementar o Plano Diretor. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

O Plano Diretor é uma obrigatoriedade para os municípios com mais de 20 mil

habitantes, entre outras exigências. Sendo que o planejamento do município deve ter como

eixo a melhor estratégia de se ocupar os lugares do município. Definir onde se localizarão as

atividades econômicas; como deve ser o uso do espaço urbano e rural, hoje e amanhã. Ou

seja, qual município deseja-se construir e como pactuar essa construção, lembrando que essa

construção, esse pacto, passa por uma articulação entre os poderes locais: o Executivo, o

Legislativo, o Judiciário, a sociedade civil organizada e o poder econômico.

Nesse sentido, democratizar as oportunidades para todos, assegurando o acesso de

todos às condições infra-estruturais, utilizar os recursos disponíveis para garantir a todos os

cidadãos e cidadãs as condições mínimcas de sobrevivência; a função da cidade e os serviços

urbanos; a inclusão social deve ser o objetivo dos planos diretores. Ou seja, o

desenvolvimento local sustentável é o objetivo maior do plano, perpassando o mero e simples

“instrumento de controle e uso do solo” urbano e rural.

O Estatuto da Cidade oferece várias desses instrumentos: de regularização urbanística e fundiária; a possibilidade de criar Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS23); fazer valer o direito de superfície; obter Concessão Especial para Fins de Moradia; destinar patrimônio público para fins de moradia, dentre outros” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

O Plano Diretor, enquanto plano de desenvolvimento local sustentável e de

ordenamento espacial do município, deve orientar os investimentos estruturais a serem

realizados, tanto pelo setor público como pelo setor privado; além dos possíveis investimentos

das agências de desenvolvimento, a fim de que se assegure a execução do mesmo.

A metodologia de construção dos planos diretores estabelecida pelo Ministério da

Cidade, além desses conteúdos, deve ter sua construção pautada na participação cidadã. O

processo deve ser conduzido pelo Executivo local em articulação com o Legislativo e com a

sociedade civil organizada. “É importante que todas as etapas do Plano Diretor sejam

23 ZEIS – são áreas destinadas prioritariamente à produção e manutenção de habitação de interesse social.

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conduzidas, elaboradas e acompanhadas pela equipe técnica de cada prefeitura municipal e

por moradores do município” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

Nesse sentido, o Ministério destaca a participação ativa e efetiva do poder Legislativo

durante o processo de elaboração do Plano Diretor, para garantir aquilo que a população

definir como prioridade. Além disso, a presença do Poder Judiciário no processo é de

fundamental importância.

Uma vez estabelecido isso, a Prefeitura deve definir uma equipe que irá coordenar o

processo. Essa equipe deve ter técnicos de vários setores da administração; além desses

profissionais, especialistas devem ser incorporados à equipe, se necessário.

O início das atividades começa com o levantamento dos dados e informações junto à

prefeitura; além de se realizar em paralelo o trabalho de sensibilização e mobilização da

sociedade para tomarem consciência do que seja o Plano Diretor, sua importância, objetivos,

metas e alcances reais.

E assim, seguem as etapas de construção do Plano Diretor conforme o Ministério

(2004): a primeira etapa consiste da leitura técnica e comunitária da realidade, o que o

Ministério chama de “ler a cidade”. Decorre daí a elaboração do diagnóstico da realidade

urbana e rural mostrando os problemas e as potencialidades do município. Essa leitura

envolve o levantamento dos dados e informações sobre os aspectos físico-territoriais,

econômicos, sociais, culturais, ambientais, infra-estruturais, entre outros. Além disso, essa

leitura deve conter as diversidades, as desigualdades, as peculiaridades, as potencialidades

existentes entre e nas zonas urbana e rural.

Um dos instrumentos importantes e que ajuda na leitura técnica e comunitária da zona

rural e urbana, conforme o Ministério das Cidades, são os mapas. Desse modo, os mapas

podem ser divididos em: mapa temático sobre o território, sendo mapeados os riscos à

ocupação urbana, as áreas de preservação do patrimônio cultural; o mapa da estrutura

fundiária; o mapa da inserção regional; o mapa dos indicadores de mobilização e de

circulação; os mapas de caracterização e distribuição da população; o mapa de uso e ocupação

do solo; mapa da ocupação atual do município; mapas da infra-estrutura urbana, mostrando os

equipamentos e serviços urbanos, redes infra-estruturais: esgotamento sanitário, água, luz,

telefone, drenagem, TV a cabo e outros; redes de equipamentos: educação, saúde, cultura,

esporte e lazer e outros; mapas das atividades econômicas do município: atividades

econômicas predominantes, atividades em expansão, dinâmica imobiliária (MINISTÉRIO

DAS CIDADES, 2004).

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Após realizar a leitura técnica e comunitária, é chegado o momento da segunda etapa

que consiste em formular e pactuar propostas. Nessa etapa é inerente o conflito. Para a

execução ou para viabilização dos propósitos expressos no plano formulado e pactuado pelos

poderes Executivo, Legislativo, econômico e social é necessário definir os instrumentos

adequados para isso ser viabilizado. Assim, o Estatuto da Cidade oferece mais de 30

instrumentos, entre eles destacam-se: zoneamento ambiental, o plano plurianual, as diretrizes

orçamentárias e orçamento anual, a gestão orçamentária participativa, os institutos tributários

e financeiros, os institutos políticos e jurídicos, entre outros.

A quarta etapa, estabelecida pelo Ministério, consiste em criar o sistema de gestão e

planejamento do município. Esse tem por objetivo garantir que o Plano Diretor seja posto em

prática, monitorando e controlando a execução do Plano; analisando, atualizando e fazendo os

ajustes necessários. Nesse caso, a instância responsável por isso é o Conselho da Cidade,

órgão que aglutinaria em torno de si aquelas pessoas capazes de pensar e direcionar os rumos

e destinos da cidade e, também, capaz de criar sinergias para o Plano Diretor ser colocado em

prática.

Nesse sentido, além desse conselho gestor, deve existir um determinado acúmulo de

capital social, no sentido de organização da sociedade, da cooperação, da criação de laços de

confiança em torno de um objetivo único: executar o Plano Diretor como algo socialmente

pactuado, pois a sua execução beneficiará a todos. E também se faz necessário no município o

mínimo de formação de seus cidadãos para compreender, entender o significado do Plano,

seus alcances, objetivos e exigir a sua execução, assim como um ambiente onde prevaleça

uma cultura política democrática e balizada no espírito republicano ou, como retratou Robert

Putnam (cientista político de Harvard) ao analisar o desenvolvimento do norte e do sul da

Itália, balizada na importância do capital social e do associativismo cívico, na relação de

confiança e reciprocidade, fazendo o norte, por constituir esse conjunto de fatores, estar em

um estágio mais avançado de desenvolvimento econômico e social que o sul.

Assim, uma vez estabelecida a metodologia de construção dos planos diretores, o

Ministério da Cidade faz algumas ressalvas para a elaboração desse plano em municípios

pequenos (como é o nosso caso estudado). Essa instituição ressalta os limites e as

possibilidades de elaborar e executar planos diretores em municípios pequenos.

O Brasil é constituído na sua maioria por pequenos municípios, 5.560 ao todo. Destes,

4.485 são de pequeno porte, sendo que 73% têm menos de 20 mil habitantes. Considerando-se

os municípios pequenos e com menos de 50 mil habitantes, esses chegam a 80% dos

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municípios do país. Destaca-se, nesse sentido, a carência, a falta de uma política de

planejamento e de desenvolvimento, sendo esses deixados ao “favor dos ventos”.

Assim, com base no que estabelece o Estatuto da Cidade, estão obrigados no Brasil a

cumprir esse imperativo, ou seja, construírem seus planos diretores 2.342 municípios. Esse é o

número de municípios com população superior a 20 mil habitantes.

Desse modo, do total de municípios com a obrigatoriedade de elaborar seus planos, a

grande maioria é de pequenos municípios apresentando em seus contornos problemas

presentes nos grandes centros urbano-populacionais, embora esses problemas apresentem-se

em uma escala menor. Destacam-se problemas tipo: desemprego, habitação, educação, saúde,

saneamento ambiental, infra-estrutura, falta de equipamentos sociais adequados,

desigualdades sociais, entre outros.

Soma-se a isso, um agravante que diante desses problemas não se tem na grande

maioria desses municípios: um planejamento mínimo capaz de nortear o seu desenvolvimento

econômico social. Ressalta-se que a possibilidade de resolver esses problemas hoje é muito

mais palpável do que se deixá-los para serem resolvidos no futuro. Esses problemas tornam-se

realidade presente no município estudado.

Nesse sentido, alerta o Ministério que a resolução desses problemas passa pela

implementação de uma “prática de planejamento e gestão urbana” democrática. Assim, esses

municípios devem começar pela prática de uma política voltada para a formação de pessoal e

organização da sociedade civil, a fim de assegurar certo acúmulo de capital humano e social

capaz de mobilizar em seu entorno um projeto único de desenvolvimento econômico e social.

No entanto, parece ser aqui o principal entrave à política urbana emanada do Governo

Federal.

Em termos de mobilização, na maioria desses municípios, os conselhos e as

associações não passam de meras formalizações para fazerem frente a uma exigência do

Governo Federal para os repasses de recursos ou meros instrumentos de lideranças e cabos

eleitorais locais. Haveria então, na maioria deles, condições adversas a livre organização e

expressão.

A restrição da liberdade dos indivíduos de participarem das audiências e averiguações

públicas (SEN, 2000) será um outro fator limitante e contrário à elaboração de um plano

diretor participativo. Isso é uma prática corriqueira nos municípios pequenos e grandes, com

suas raízes fundadas em uma cultura política voltada para prática do clientelista, autoritárias

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(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). Soma-se a isso, uma cultura política de sujeição24 em

que os cidadãos e as cidadãs só olhem para o seu “umbigo”, além de terem uma atitude

complacente com a miséria prevalecente e uma visão balizada pelo retorno imediato.

Outro problema posto pelo Ministério das Cidades (2004) é a falta de integração dos

municípios que fazem parte de uma mesma região ou microrregião, faltando uma articulação

entre os mesmos formando consórcios, associações, pacos, parcerias, fórum de

desenvolvimento, com o intuito de promover a formulação e execução de planos de

desenvolvimentos locais sustentáveis e de solucionar problemas comuns a todos.

Uma vez estabelecidas essas possibilidades e limites dos planos diretores, na

perspectiva do Estatuto da cidade e do Ministério das Cidades, estes instrumentos:

Devem contemplar, pelo menos, a delimitação urbana e rural; estabelecer em que áreas o município pode crescer em termos construtivos e também populacionais (adensamento construído e populacional); a identificação de áreas de risco ou muito vulnerável (como encostas íngremes, áreas inundadas ou áreas de mangue); a reserva de espaços de preservação ambiental e de desenvolvimento das potencialidades municipais; a valorização do patrimônio cultural, a reserva em terrenos para produzir moradias dignas para a população de baixa renda, instrumentos para regularizar as moradias e a economia informal e para a gestão compartilhada na implantação e monitoramento do Plano Diretor. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

Acrescenta-se que o Plano Diretor deve detectar com clareza os problemas a

enfrentar, identificar em qual contexto esses municípios devem estar inseridos e promover

uma articulação em escala microrregional e até regional, buscar apoios institucionais, a nível

local, estadual e federal, a fim de criar um ambiente favorável para a execução do Plano

Diretor, e procurar amenizar os conflitos inerentes à construção de um Plano Diretor,

pactuando um Plano capaz de expressar o interesse e a produção coletiva e também, de acordo

com a realidade local, buscando transformá-la (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

Desse modo, um ambiente em que há o acúmulo de capital humano e de capital social

e a cultura política está balizada no espírito democrático de direito é de fundamental

importância como pressuposto e o suposto de uma participação ativa e efetiva do cidadão e da

cidadã. Participação essa entendida como tomada de decisão. E, acima de tudo, esse seria um

ambiente favorável ao desenvolvimento econômico e social pretendido.

24 Cultura política “de sujeição” implica uma certa passividade e é própria de sociedades., marcadas por regimes políticos autoritários. Segundo Boni (1995), este tipo de cultura é caracterizado pelos fatos dos conhecimentos, dos sentimentos, dos valores e avaliação dos indivíduos estão voltados apenas para o output do sistema político, ou seja, para as benesses do sistema político que lhes possam ser oferecidos.

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Em síntese, eliminar ou superar essas barreiras e limites é o início de um caminho com

o objetivo de sensibilizar, mobilizar e organizar a sociedade local; investir em educação

(parâmetro balizador); construir um ambiente cívico; entre outros fatores, em torno de um

objetivo único: construir o município que se quer e que se deseja para as gerações presentes e

futuras. Isso é sonho possível! Sonhar é planejar.

5.2. A Construção do Plano Diretor Participativo de Queimadas

O processo de construção do Plano do Diretor de Queimadas teve início em fevereiro

do ano de 2005 e término em setembro de 2007, quando da aprovação da Lei do Plano Diretor

Participativo de Queimadas (nº 115/2007). Conforme os pressupostos e procedimentos

participativos anteriormente descritos, o Plano Diretor foi conduzido por um Grupo de

Trabalho composto por representantes do Governo Municipal, de organismos estatuais e

federais atuantes no município, e por representantes dos demais setores organizados da

sociedade. O seu processo de construção concretizou-se mediante as fases e procedimentos25

delineados no próprio Projeto de elaboração do Plano Diretor de Queimadas e segundo as

diretrizes do Ministério das Cidades. Observe como transcorreram essas fases e

procedimentos.

5.2.1. Fase Inicial de Sensibilização, Mobilização Social e Institucionalização do

Projeto de Elaboração do Plano

As primeiras articulações para a construção do Plano Diretor Participativo de

Queimadas iniciaram-se no primeiro ano da atual gestão 2005-2008. O primeiro contato foi

estabelecido com um professor da Universidade Federal de Campina Grande, que apresentou

a obrigatoriedade26 do município de Queimadas construir seu Plano Diretor, assim como a

relevância deste para o desenvolvimento municipal (PDPQ, 2007).

Em fevereiro (2005), após esse primeiro contato estabelecido com o professor da

Universidade, que mais tarde foi cedido pela mesma para acompanhar o processo, realizou-se

25 Ver no tópico “O que diz o Ministério das Cidades” como deve ser o procedimento de construção de um Plano Diretor. Para essa construção é imprescindível participação da população, sendo que essa participação deve ser refletida nos diagnósticos da realidade local. Assim, essa leitura participativa implica nas seguintes etapas: Leituras técnica e comunitária da realidade; formular e pactuar propostas; definir os instrumentos; e modelo de gestão e planejamento para implantar o Plano Diretor. 26 O Estatuto da Cidade estabelece que para elaborar o Plano Diretor o município deve ter, entre outras obrigatoriedades, mais 20 mil habitantes.

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mais uma reunião. Nesta foi planejada a primeira atividade relacionada ao Plano Diretor de

Queimadas. Essa atividade foi o “Curso de Capacitação e Gestão de Planos Diretores

Participativos”, patrocinado pelo Banco do Brasil e Prefeitura Municipal de Queimadas,

sendo realizado num período de três dias, no Colégio Maria Dulce Barbosa.

O curso contou com a presença de lideranças da sociedade civil e política, somando

em torno de 35 cursistas. Participaram, então, presidentes de associações do município,

diretores de colégios, representantes de instituições religiosas, de fundações, de ONG, do

segmento empresariado local, do poder Judiciário, parlamentares locais e o prefeito

representando o Executivo, além a presença dos secretários municipais, dentre outras pessoas.

Ou seja, participaram do curso os diferentes grupos sociais e as organizações mais

representativas da sociedade civil municipal, muito embora essa se apresente ainda frágil e

gelatinosa27.

Destaca-se ainda que esse curso teve a participação de pessoas com certo grau escolar,

de experiência profissional em certas áreas do conhecimento. Estas compõem o grupo

daqueles chamados “fazedores de opinião”, multiplicadores de idéias, inovações e saberes.

Além disso, de pessoas participantes das organizações sociais e sindicais, como também por

aquelas presentes na vida política de Queimadas. Ou seja, essas pessoas podem ser

identificadas como aquelas, em nível local, representantes do que o município tem de mais

elevado em termos de capital humano (FRANCO, 1996).

Esse curso foi o momento inicial de discussão com as diversas lideranças políticas e

comunitárias, gestores escolares e outros, sobre o que era o plano diretor, seus conceitos e

procedimentos metodológicos para a sua execução, os seus objetivos, os seus alcances reais.

Em seguida, houve com os participantes a discussão sobre a forma como o Plano

Diretor Participativo iria ser construído, enfatizando-se a importância da participação da

população na construção deste instrumento de desenvolvimento. O curso foi concluído com a

formação do Grupo de Trabalho (GT), posteriormente institucionalizado mediante portaria do

27 Sociedade civil faz parte da noção de Estado ampliado de Gramsci. Assim, sociedade política corresponde ao aparelho do Estado propriamente dito, a sua dimensão coercitiva e de força (Executivo, Legislativo, Justiça, Exército, polícia, etc.) Sociedade civil corresponde a um conjunto de instituições (sindicatos, igrejas, associações, corporações profissionais, cooperativas, clubes de serviço, etc.) através do qual as classes dominantes exercem a sua hegemonia mediante o consentimento das classes e grupos sociais subalternos. Portanto, a sociedade civil corresponde ao conjunto de instituições e organizações ditas privadas, por onde se difundem as ideologias, as idéias, crenças, determinados valores e padrões de conduta. Uma sociedade civil frágil e gelatinosa corresponde a uma sociedade onde a sociedade política, o elemento estatal de coerção e força exerce seu domínio sobre o conjunto da sociedade. O consenso social é obtido mais pela força. As organizações sociais quando não são atreladas à sociedade política, são frágeis e com pouco poder para influenciar adeptos e apoio aos fins que perseguem. Não há, portanto, uma cultura generalizada de cooperação e associativismo cívico. Ver: COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre: L & PM, 1981. p. 87.

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Executivo. Este foi denominado de Conselho Gestor, representando os diferentes setores do

poder público, da sociedade civil e da iniciativa privada.

Depois de formado e institucionalizado o Conselho Gestor, foi elaborado o projeto que

contém toda a metodologia e procedimentos para elaboração do Plano. Ambos, foram

apresentados e debatidos em audiência pública, no mês de março. Votados e aprovados na

Câmara, o Conselho e o projeto.

Ainda, após o término do curso, foi proposto aos cursistas e componentes do Grupo de

Trabalho um pacto em torno da elaboração do Plano: de todos se comprometerem a ser

multiplicadores dos conhecimentos adquiridos na capacitação, durante a elaboração do

Projeto e sua socialização, visando engajamento no processo de outros atores do município.

Mas tudo o que foi pensado, acordado, debatido, discutido ali mesmo ficou, só um grupo de

pessoas levou o trabalho adiante.

Ressalta-se que, durante os mais de dois anos em que se transcorreu o processo,

poucas foram às vezes em que esse órgão – o Conselho - reuniu-se. Aliás, não se reuniu.

Assim, a não ser o grupo chamado de Equipe Técnica, da qual faziam parte assessores,

colaboradores e membros deste Conselho, a elaboração do Plano Diretor de Queimadas teve a

participação de poucos membros do Conselho e de alguns técnicos na condução de todo o

processo. Além disso, as reuniões seguintes, de planejamento das atividades, eram marcadas

pela presença de poucas pessoas ligadas à Administração, ao Conselho e às organizações da

sociedade civil. Esse fato pode expressar uma cultura política local marcada pela falta de

associativismo cívico de valores de cooperação, e solidariedade entre as pessoas, de firmação

de compromissos e seu cumprimento, ou seja, faltam elementos constitutivos de capital social

no sentido de Putnam (1996). Por conseguinte, de capital humano como retratou Franco

(2001), Schultz (1973) e outros. E muito menos se observava elementos constitutivos da

soberania popular retratada por Tocqueville (1985), onde o povo discute e se sente parte do

processo, pois é de seu interesse debater questões de ordem pública.

No entanto, a Equipe Técnica buscou articular, mediante Projeto elaborado, apoio

financeiro do Ministério das Cidades, e iniciou mediante um plano de trabalho prévio o

processo de mobilização e sensibilização social.

Com o Projeto e a elaboração do Plano Diretor em mãos a equipe buscou o prefeito

com o objetivo de encaminhá-lo ao Ministério das Cidades. Esse Projeto continha objetivos,

metodologia, cronograma de execução, roteiro de pesquisa, apresentação de resultados e

relatórios esperados, o cronograma financeiro, etc. Portanto, além de um plano de trabalho da

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equipe e da sociedade mobilizada, era também um instrumento de capacitação de recursos

(QUEIMADAS, 2005).

Na reunião com o prefeito, conforme a memória dos técnicos engajados no processo,

informou uma equipe e assessores dele, instalada na Capital do Estado, que já tinha elaborado

uma proposta e encaminhado ao Ministério das Cidades. Tranquilizou a equipe local dizendo

que tudo já estava encaminhado, e ficou de adquirir uma cópia desse documento já

encaminhado para os técnicos locais ficarem cientes de seu conteúdo e valor e, ainda por

cima, garantiu aos mesmos a possibilidade de deslanchar o trabalho de mobilização social,

pois a Prefeitura daria todo o apoio possível. Pediu uma lista das necessidades e um

cronograma de atividades para ele, o prefeito, também acompanhá-las.

Nos primeiros três meses a prefeitura garantiu transporte, pessoal de apoio, a produção

de material de divulgação e sensibilização, equipamentos, entre outros apoios, além de

combustível para o deslocamento até Queimadas, de pelo menos uma vez por semana, do

Consultor da Universidade. A esta altura a prefeitura passou por aperto financeiro, tais como

as quedas no FPM e as dívidas acumuladas de serviços prestados com ameaças de corte de

energia, de água e telefone. “E já estávamos com o trabalho de mobilização em andamento na

Zona Rural” (DEPOIMENTO DO CONSULTOR DO PROJETO).

No mais, nessa primeira fase de elaboração do Plano ressaltam-se os cursos de

capacitação realizados pelo Ministério das Cidades, através do Instituto de Desenvolvimento

Municipal e Estadual, para alguns membros do Grupo de Trabalho, e que serviu de orientação

na construção e elaboração do Plano Diretor Participativo. Além desses cursos, já se começou

o levantamento das informações pré-existentes sobre o município: dados estatísticos (IBGE e

outros órgãos e entidades), documentação histórica e a cartografia existente, teses,

dissertações e monografias acadêmicas sobre o município, relatórios de pesquisas e estudos,

documentação técnica (planos, projetos e programas) e outras fontes (PDPQ, 2007).

Assim, nessa fase preparatória ocorreram as primeiras articulações para elaboração do

Plano. Sendo realizado o curso de capacitação, articularam-se apoios, parcerias e recursos de

ordem financeira e material para iniciar o processo; institucionalizou-se o processo,

formaram-se os grupos de trabalhos e a coordenação que iria levar os trabalhos à frente,

elaborou-se o plano de trabalho, entre outras atividades. Porém, faltou o acúmulo de capital

humano e social suficiente capaz de propiciar maior participação nessas atividades iniciais.

A primeira fase foi marcada pela mobilização e sensibilização da comunidade,

levantamento de dados e informações junto aos órgãos atuantes no município. Para as

reuniões de sensibilização e mobilização social vários foram os instrumentos utilizados para

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facilitar a aprendizagem dos envolvidos sobre o que seja o Plano e seus objetivos, como: data

show, folders, vídeo do Ministério da Cidade sobre o assunto, divulgação no jornal local. Um

dos instrumentos de divulgação das atividades do Plano foi o jornal da cidade: “Queimadas é

notícia”, com tiragem mensal de 1000 exemplares. O público estimado e que participou

diretamente das reuniões da zona rural foi de 1.150 pessoas ou 6,1% de um total de 18.986

habitantes da zona rural. Com média de 27 pessoas por reunião.

Essas reuniões aconteciam por regiões e cada região abrangia em torno de três a quatro

comunidades, perfazendo em termos relativos 80% das comunidades rurais mobilizadas e

sensibilizadas, conforme consenso das lideranças participantes da oficina realizada em

novembro de 2005. Foram realizadas duas etapas, totalizando 44 reuniões com as

comunidades rurais, com a participação dos habitantes e associações locais das regiões, de

forma que, em sua grande maioria, as comunidades foram mobilizadas e sensibilizadas quanto

à importância do Plano Diretor Participativo.

Nestas reuniões informaram sobre as suas condições de vida, refletiram sobre os

problemas enfrentados e construíram propostas de seu futuro desejado. Dentre essas propostas

elegeram também as suas prioridades. Na verdade, este levantamento de dados e informações

junto às comunidades é resultado de duas etapas de trabalho realizadas na maioria das

comunidades rurais do município.

Na primeira etapa, foram feitas reuniões comunitárias com os moradores em cada setor

para sensibilização e mobilização, objetivando construir o Plano Diretor Participativo; na

segunda etapa, que contou com a adesão dos moradores e lideranças das comunidades,

salienta-se a participação dos moradores no sentido de desenvolver o trabalho de

levantamento de dados de cada comunidade, proporcionando um espaço democrático no qual

os sujeitos participantes puderam falar de seus problemas sem receios, contribuindo

enormemente para substancializar socialmente o enfoque participativo.

Destaca-se ainda que o levantamento das informações foi realizado mediante os

seguintes procedimentos: formulário entregue à liderança local e com antecedência em

relação à segunda reunião, objetivando diagnosticar a realidade; registro de informações e

propostas realizadas em reuniões; observação direta e registro de campo; registro em

fotografia e vídeo; sistematização por regiões culturais.

Esse levantamento de dados e informações feito junto às comunidades, o cruzamento

desses com dados levantados pelos agentes comunitários de Saúde e os fornecidos pela

Secretaria de Agricultura teve como produto a leitura técnica e comunitária: diagnóstico da

zona rural. Neste produto está a leitura da zona rural de Queimadas, seus principais

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problemas, potencialidades e prioridades levantadas e discutidas pela população rural. Na

elaboração deste diagnóstico participaram estudantes universitários, alguns residentes no

próprio município.

Em seguida, deveria ter sido realizado um terceiro encontro com as comunidades. Esse

encontro consistia em devolver e pactuar com a comunidade o diagnóstico de sua realidade

local. No entanto, este momento não foi realizado, provavelmente por dificuldades de

recursos financeiros já comentados e/ou de vontade política.

As reuniões na zona rural foram caracterizadas pelo nível significativo de participação.

Nessas foram obtidos dados e informações imprescindíveis para realização do diagnóstico da

Zona Rural. Destacam-se ainda os dados e informações colhidas junto à Secretaria de Saúde –

Programa Saúde na Família, reunidos pelos agentes comunitários de saúde. Além disso, têm-

se as informações obtidas via entrevistas com os informantes-chave, com destaque para o

assessor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, e que posteriormente veio a ocupar a pasta da

Agricultura no município. O mesmo deu informações relevantes e fundamentais para a

elaboração do Plano.

5.2.2 Mobilização da Zona Urbana, Levantamento, Análise e Sistematização das

Informações

O espaço de tempo que se estende de maio a setembro (2006) é marcado por

dificuldades, em termos de condições infra-estruturais e apoio logístico. Além disso, as

reuniões da zona rural foram comprometidas, devido à ocorrência da seca que atingiu a

população do campo, inviabilizando a continuação do trabalho na zona rural. Nesse momento,

já havia sido realizada quase a totalidade das reuniões da zona rural, restando poucas a serem

feitas, retomadas após a crise de abastecimento de água.

Após essa fase, de outubro (2006) até março (2007) se intensificam os trabalhos do

Plano Diretor. Nesse período são feitas as reuniões de mobilização e sensibilização da zona

urbana. Para tanto, a rádio comunitária instalada no município (a partir de junho de 2006) foi

um instrumento utilizado na divulgação dos trabalhos do Plano, principalmente nos de

sensibilização e mobilização da comunidade.

Essa rádio tem uma abrangência significativa no município, cobrindo toda a sede

(onde se concentram mais de 17 mil pessoas), além de algumas comunidades rurais. No

entanto, esse instrumento não foi explorado a contento, uma vez que para o plano diretor

tinha-se um horário de meia hora semanal, somada de algumas divulgações pontuais durante a

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programação normal da rádio. Este instrumento, ao que parece, teve pouca penetração de

público, refletindo em um baixo conhecimento da população sobre o Plano Diretor de

Queimadas, principalmente os estudantes.

Porém, um fator a ser destacado é que dentre as cerca de 5 (cinco) rádios FM ouvidas

no município, essa rádio comunitária liderava a audiência. Na verdade, a Coordenação

Técnica e a Equipe não souberam explorar o potencial da rádio aumentando o número de

demandas, levando ao ar diariamente notícias sobre o andamento do trabalho e interpelando

permanentemente a população a participar, tirar dúvidas, a fazer perguntas, a propor e criticar

(programas interativos), também não se fez a propaganda do programa de rádio, por mais

incipiente que fosse, a fim de aumentar a audiência, panfletando em lugares públicos, no final

da missa, etc.

Além da não exploração do potencial de comunicação da rádio comunitária e de outros

meios de comunicação, as reuniões realizadas na zona urbana foram bastante limitadas, onde

pode ser destaca a reunião com segmento da limpeza urbana, com as associações do Castanho

e da Vila, assim como de algumas reuniões setoriais para discutir limpeza urbana, saneamento

ambiental, economia, transporte, segurança, e outras. Tais limites de participação foram

superados, de certa forma, com entrevistas com informantes-chave, com técnicos que atuam

em determinados setores da administração pública do município, com experts em

determinados problemas e temas referentes à prestação de certos serviços, e com as

informações levantadas mediante dados estatísticos, documentação técnica, material

acadêmico e histórico, a cartografia pré-existente.

Essas reuniões atingiram um público de cerca de 100 pessoas. Em comparação com a

zona rural, a zona urbana muito deixou a desejar em termos de reuniões e de mobilização de

pessoal. Várias formam as reuniões marcadas com a comunidade urbana e com os seus

diversos segmentos a fim de dialogar os problemas da cidade. Essas reuniões que somaram

em torno de 10, e com uma média de 10 pessoas por reunião, foram marcadas pela baixa

participação tanto em quantidade como em qualidade. Era uma participação sem substância

decorrente da fragilidade do capital humano e social, da cultura política tradicional e atrasada,

onde as pessoas não vislumbram uma perspectiva de mudança econômica e social. Nesse

sentido, observando-se que o campo da política, da correlação de forças é um caminho

imprescindível para se alcançar o desenvolvimento local sustentável.

De certa forma a relevante presença mobilizadora de certas instituições e entidades no

campo, como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Queimadas, parece ser um fator que

pode explicar essa diferença entre zona rural e urbana do município em termos de meios e

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facilidades de mobilização, habilidades voltadas para a discussão de seus problemas e

construção de alternativas para superá-los, mesmo que na zona rural a percepção de

problemas ainda seja marcada pelos interesses e soluções mais imediatos.

Assim, os dados e informações necessários para a realização do diagnóstico da zona

urbana foram levantados, principalmente junto aos informantes-chave. Somado a esses

informantes-chave, o diagnóstico (e o prognóstico) da zona urbana de Queimadas foi feito a

partir dos seguintes dados secundários: relatórios da Secretaria Municipal de Saúde, da

Vigilância Sanitária e fichas “A” e “B” do Programa de Saúde da Família contendo

informação sobre moradias, saneamento básico entre outras; relatório da Secretaria de

Cultura, Turismo e Desporto; relatório da Secretaria de Infra-estrutura sobre a tipologia e

situação das ruas, avenidas e logradouros públicos da cidade; cadastro e dados das secretarias

de Finanças e Administração; relatório da empresa contratada para fazer a limpeza urbana e

ainda diagnóstico sobre o lixo da cidade, elaborado por esta empresa; diagnóstico e proposta

de modernização do Mercado Público e Feira Livre de Queimadas feito pelo SEBRAE

(PDPQ, 2007).

Além desses dados secundários, o IBGE, o Atlas do Desenvolvimento Humano no

Brasil do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), estatísticas da infra-

estrutura e serviços de saúde do Ministério da Saúde (perfil municipal), estatísticas

educacionais – perfil do município / MEC, Ministério do Trabalho e do Emprego / CAGED;

Muninet - Banco Estatístico de Queimadas (Rede Brasileira para o Desenvolvimento

Municipal), anuários estatísticos da Paraíba 1999, 2000, 2003 e 2004, Governo do Estado –

IDEME, ofereceram informações que foram compiladas, analisadas e apresentadas em

tabelas, quadros e gráficos.

Observou-se ainda uma baixa participação por parte dos funcionários da própria

Administração Municipal. Faltou um envolvimento maior de todas as secretarias, assumindo o

processo e articulando sinergias para que o plano fosse elaborado. Embora alguns tenham

fornecido dados e informações relevantes, como a Secretaria de Saúde, Secretaria de Ação

Social, Secretaria de Finanças, Secretaria de Administração, a Secretaria de Educação, a

presença dos secretários e de se prepostos foi bastante limitada.

Dessa forma, a segunda fase de construção constituiu-se de reuniões de sensibilização

e mobilização social junto às comunidades, de levantamento de dados e discussão de

problemas com a comunidade, concernentes à leitura comunitária da realidade e levantamento

de dados e informações (econômicas, sociais e ambientais) rurais e urbanas.

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5.2.3. Sistematização Final, Pactuação com a Sociedade e Aprovação da Lei do

Plano Diretor

Após essa fase de mobilização e sensibilização da comunidade, de levantamento de

dados e informações, iniciou-se a sistematização final do Plano Diretor de Queimadas pela

Equipe Técnica, composta em sua maioria por estudantes do município. Em seguida, com

base no diagnóstico e na programação (documento das diretrizes estratégicas), foi elaborada

uma versão preliminar da Lei do Plano Diretor de Queimadas, que ficou por conta da

Assessoria Jurídica da Prefeitura.

Depois que esse documento preliminar foi compatibilizado com os diagnósticos, as

propostas, as diretrizes e as estratégias do Plano, essa assessoria encarregou-se da versão final

do texto da Lei. Coube-lhe ainda acompanhar o processo legislativo, inclusive,

disponibilizando-se para eventuais consultas, solicitação de esclarecimentos e emendas. Esse

momento teve início em setembro de 2006, com a elaboração do diagnóstico da zona rural, e

término em março de 2007.

Assim, o Plano Diretor de Queimadas está estruturado em 02 livros e 05 volumes. O

Livro I – Leitura Técnica e Comunitária da Realidade – é composto dos seguintes volumes:

Volume I – Diagnóstico da Zona Rural; Volume II – Diagnóstico da Zona Urbana; Volume III

– Diagnóstico: Síntese de Leitura Técnica e Comunitária da Realidade; e Volume IV – Anexos

de Mapas. Já o Livro II – Plano Estratégico para o Desenvolvimento Sustentável do

Município de Queimadas – é composto pelo Volume V – Desafios, Cenários, Diretrizes e

Estratégias. Além disso, o Plano Diretor Participativo de Queimadas está juridificado no

Projeto de Lei do Plano Diretor Participativo de Queimadas.

Essa fase pode ser considerada a mais delicada. Em primeiro lugar, porque a prefeitura

estava passando por uma crise financeira, impedindo a disponibilidade de recursos para dar

continuidade ao processo de elaboração do plano, sendo esse apoio logístico retomado no

início de ano. Acrescenta-se que não foram conseguidos junto ao Ministério das Cidades

recursos para a elaboração do Plano, ficando a cargo do município todas as despesas. No

entanto, o Executivo do município contratou uma consultoria para elaborar o projeto e enviá-

lo ao Ministério para obtenção de recursos, porém essa consultoria não deu resposta.

Em segundo lugar, essa fase pode ser considerada delicada por ter ultrapassado o

prazo de entrega do produto, conforme exigia o Estatuto da Cidade (até 10 de outubro de

2006), sendo que a assessoria jurídica entrou com um Termo de Ajustamento de Conduto

junto ao Ministério Público. A aceitação pelo Ministério Público permitiu a prorrogação do

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prazo de entrega. Esse foi o único momento em que o Ministério Público participou das

atividades do Plano Diretor de Queimadas (ENTREVISTA COM REPRESENTANTE DO

MINISTÉRIO PÚBLICO).

Assim, o período de setembro (2006) a março (2007) foi dedicado à elaboração dos

diagnósticos do município, dos mapas, do plano estratégico e da Lei do Plano Diretor. Para

isso, os dados oferecidos pelas secretarias, principalmente pelos informantes-chave, foram

fundamentais. Portanto, faltando ainda fazer as correções dos mapas, além da edição do

produto final e sua publicação

O Plano de Queimadas serviu de base para elaboração da Lei. A lei foi encaminhada à

Câmara em março e aprovada em setembro de 2007, depois de várias discussões e apreciações

pelo Legislativo que basicamente participou do processo nesse momento de aprovação e na

fase inicial, contrariando assim o que diz o Estatuto da Cidade, onde a presença do Legislativo

durante todo o processo é fundamental. Faltou ainda, nesse momento de aprovação, uma

discussão com os poderes Legislativo, Executivo e a sociedade em seu conjunto, no sentido

de se buscar uma pactuação das propostas contidas no Plano. Discussão onde esses atores

sociais tomassem conhecimento, pelo menos, daquilo que foi produzido e, ao mesmo tempo,

pactuar a execução do Plano Diretor de Queimadas como algo imprescindível para se sair da

estagnação econômica, do atraso político e cultural.

Após a construção do Plano Diretor de Queimadas, foi realizada a I Conferência da

Cidade, momento este de devolver ou iniciar o processo de devolução dos produtos à

comunidade. Essa oportunidade foi perdida, não sendo levada à frente pelo já então secretário

de Desenvolvimento do Município, ex-coordenador-técnico do Projeto de Elaboração do

Plano.

Esse momento deveria ser considerado de suma importância, não só como mecanismo

de legitimação, mas de apropriação de uma política pública de desenvolvimento, associada à

valorização de sentimentos de pertencimento ao território municipal incorporados pelos

cidadãos e cidadãs queimadenses. E daí elevar a vontade coletiva para levá-lo à frente.

No mais, pode-se afirmar que até o momento de institucionalização do processo de

elaboração do Plano Diretor de Queimadas, esteve presente uma certa quantidade de pessoas

representantes de um certo acúmulo de capital social no município e, que a priori, pensava-se

que iria continuar com o processo de construção do Plano. Mas apenas se viu um pequeno

grupo de pessoas assumir o processo, pelo menos, até a aprovação do Plano pela Câmara

Municipal. Esse grupo se desfez. O seu coordenador-técnico foi elevado à função de

secretário de Desenvolvimento do Município e o Plano parou por aí.

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Essa não continuidade do processo por parte das pessoas integrantes do grupo de

trabalho e formadores do Conselho Gestor, está relacionada à fragilidade e à insipiência do

capital humano e social do município. Observa-se que a falta de cooperação e articulação, de

reciprocidade, e o não compromisso das pessoas em torno da continuidade da elaboração do

Plano são reflexos de um capital social incipiente, não devidamente mobilizado. Por isso

mostrou-se potenciador do planejamento participativo e do progresso econômico. Acrescenta-

se a isso uma cultura política cujos valores arraigados são aversos a uma cultura de

participação, de cooperação, de confiança, de reciprocidade, ou seja, é balizada em valores

anti-republicanos.

Nesse sentido, no decorrer do processo de elaboração do Plano Diretor de Queimadas,

percebeu-se que a soberania popular retratada por Tocqueville (1985), quando analisa a vida

política da sociedade dos Estados Unidos, onde o povo decide o seu rumo e destino está longe

de acontecer em Queimadas. E muito menos está longe de se formar um ambiente

democrático e de associativismo cívico, uma comunidade cívica onde a participação cidadã e

a solidariedade social são valores fundantes de uma sociedade, conforme retratou Putnam

(1996) para o caso do norte da Itália.

Desse modo, uma vez descrita a elaboração do Plano Diretor de Queimadas, cabe

identificar como foi possível construir esse instrumento de desenvolvimento local sustentável

e de ordenamento espacial em Queimadas, assim como analisar os limites e possibilidades de

construção e de possível execução. Isso a partir das visões dos atores sociais locais.

5.3. Alcances e Limites do Plano Diretor na Visão dos Participantes de sua

Construção

Neste trabalho optou-se por uma análise qualitativa, portanto, foram utilizados

procedimentos de entrevistas abertas com um roteiro pré-estabelecido. O ato de entrevistar

aleatoriamente as pessoas acerca de nosso objeto de estudo – o Plano Diretor de Queimadas -

acontecia até o momento em que as entrevistas iam se tornando repetitivas. A partir daí os

questionamentos eram encerrados, uma vez que os entrevistados traziam em suas respostas o

mesmo conteúdo, ou seja, não se levou em consideração o número de entrevistados, e na

medida em que foram se repetindo as respostas, encerrava-se o trabalho de entrevista. Desse

modo, o importante para uma análise qualitativa não é o número de entrevistados e a

regularidade de fatos por eles abordados, mas sim a diversidade dos conteúdos das respostas.

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Para realização desse capítulo foram entrevistadas aleatoriamente 75 pessoas, sendo

que 46 ou 61% são homens e 29 ou 39% são mulheres.

Figura 05 Total de Entrevistado e por Sexo Fonte: Pesquisa de Campo/Entrevistas, 2007.

Quanto à formação escolar dos entrevistados, esta pode ser dividida da seguinte forma:

FIGURA 06 Escolaridade dos Entrevistados Fonte: Pesquisa de Campo/Entrevistas, 2007.

Dos 75 entrevistados: 36 possuem ensino médio; 34 ensino superior; 4 ensino

fundamental; e 1 é pós-graduado. Isso mostra que os entrevistados apresentam um certo nível

de formação e de bagagem cultural capaz, provavelmente, de compreender, de entender a

importância, os objetivos e alcances de um Plano Diretor ou de outros instrumentos do tipo.

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Essas entrevistas foram distribuídas previamente em quatro grupos ou estratos. Cada

um contendo uma seqüência de perguntas, cujo intuito era perceber quem e como as pessoas

participaram do processo, que significados atribuem ao Plano Diretor de Queimadas, quais

alcances e objetivos este Plano tem em sua visão.

O primeiro grupo consistiu daqueles que participaram do Conselho Gestor, um órgão

com a função de levar à frente o processo de elaboração do Plano Diretor Participativo. Esse

Conselho era composto por 20 pessoas representantes das mais diversas entidades e

instituições. Entre elas: as associações, o Executivo, o Legislativo, Associação Comercial, a

EMATER, CAGEPA, Banco do Brasil, IDEME, Universidade Federal de Campina Grande,

Universidade Estadual da Paraíba. Foram entrevistados, nesse grupo, um total de 11 pessoas

ou 55% do total de representantes desse Conselho, sendo 3 mulheres e 8 homens.

5.3.1. Participantes do Conselho Gestor

Como é sabido, existem níveis diferentes de participação e a participação aqui que

mais interessa é a participação popular, a qual é conquistada como direito e se processa como

aprendizagem social, de certa forma resultando em ampliação, valorização e desenvolvimento

do capital humano e social.

Então, a participação pressupõe um certo nível de consciência dos direitos e deveres

de cidadania, um determinado protagonismo esclarecido, não só de lideranças populares, mas

também de dirigentes políticos, quer do poder Executivo quer do poder Legislativo local. Daí

porque abordar primeiramente o tema exercício da participação no Plano Diretor de

Queimadas, indagando os próprios membros do Conselho Gestor: Que significados seus

membros atribuem a essa participação? Participou? Não participou? Como? Por quê? Quais

limites e possibilidades podem ser identificados para se construir esse processo? Processo

esse onde se espera capacitar as pessoas para o exercício da cidadania, e no qual o próprio

Conselho deve tornar-se um espaço da esfera pública28. Espaço de tematização de problemas

que atingem a todas as parcelas significativas da população.

Conforme as observações empíricas efetuadas e as próprias respostas dos membros

deste Conselho entrevistados, constata-se a fragilidade da participação. Este Conselho como

um todo não esteve engajado como devia na construção do Plano Diretor. Essa fragilidade

participativa começou com a própria postura do coordenador geral do Projeto, representado 28 Para Habermas, esfera pública é um espaço de livre acesso, onde os cidadãos e cidadãs se encontram para debates e desenvolver argumentos e resolução sobre questões de vida comum. Nessa esfera, o princípio de prestação de contas pode ser desenvolvido, fato que pode levar a mudanças na natureza do poder, no sentido de ser exercido de forma visível e transparente. Ver Jovchelovitch (2000, p. 23-34).

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pelo chefe do Executivo Municipal. Segundo foi observado em registros de presenças de

reuniões e relatórios de eventos realizados, o coordenador geral do Conselho participou como

era de se esperar, devido ao volume de tarefas e obrigações que o cargo exige, de poucas

reuniões. Entre estas, destaca-se o Curso de Capacitação de Lideranças e Gestores Públicos

sobre Planos Diretores Participativos, onde falou aos cursistas da importância de ter um

Plano Diretor. Prometeu seu empenho pessoal e apoio de todas as esferas da Administração

Municipal na elaboração do Plano. Daí em diante o coordenador fez-se apenas presente em

algumas reuniões esporádicas.

Em geral, essa participação esporádica ocorria em reuniões com membros da equipe

técnica ou com o coordenador-técnico do Plano, momento de reivindicação de apoios

logísticos ao trabalho de mobilização e de levantamento de informações. Ao mesmo tempo,

como de praxe, terminava-se colocando o prefeito a par do que estava sendo feito. No entanto,

esse chefe do governo municipal tanto informalmente (no discurso de abertura do referido

curso de capacitação) quanto formalmente (no ato de nomear os membros do Conselho Gestor

e da Equipe Técnica do Projeto do Plano Diretor) delegou ao seu coordenador-técnico a

função de substituí-lo em todos os eventos e ações relacionadas ao Plano Diretor. Em

entrevista, essa esporádica participação do Chefe do Executivo Municipal se expressa no

próprio tom da resposta quanto à importância, objetivos e alcances reais que o mesmo atribui

ao Plano Diretor recém-elaborado:

[...] a grande questão é que existe uma obrigatoriedade do Ministério das Cidades com relação à execução de um Plano Diretor, as regras para formar esse plano, para colocar em andamento. Essas regras já vieram estabelecidas de Brasília e o que se fez aqui foi exatamente atender a tudo que foi pedido. E era uma verdadeira cartilha. Então, tudo foi feito dentro da cartilha e dentro dos preceitos nela contidos (...) isso foi uma coisa que veio de cima para baixo. A prefeitura que não tivesse Plano Diretor não receberia mais recursos de espécie alguma. (PREFEITO, ENTREVISTADO EM: 18/12/07).

Conforme pode ser visto, a fala do entrevistado acima expressa não somente o sentido

de obrigatoriedade induzida pelos imperativos de Lei Federal – Lei 10.257/Estatuto da

Cidade, mas o objetivo de atender à mera formalidade de algo que vem de cima para baixo,

contendo sanções caso não obedecida. Cumprir a lei: esse parece ser, na fala do entrevistado,

o principal objetivo dos esforços dispensados na formatação do Plano Diretor. Dizer que as

“regras vieram estabelecidas de Brasília” e foi “uma coisa que veio de cima para baixo” e que

tem de se fazer “o que se fez... foi exatamente atender a tudo que foi pedido”, que todo “o

trabalho foi feito ao pé da letra”, parece expressar o tom de dever cumprido; cumprindo

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prazos e evitando-se, ou pelo menos, adiando-se ameaças e sansões sobre um município

dependente literalmente dos repasses e transferências de recursos do Governo Federal para

sobreviver.

Trata-se, portanto, de um discurso que expressa uma moral social dominante,

heterônoma, própria da sociedade brasileira, e expressa na realidade do interior do Nordeste

na expressão popular “quem pode manda e que tem juízo obedece”. Moral social dominante

baseada na indução de certos comportamentos pela pura crença cega na autoridade e, ao

mesmo tempo, fundamento do autoritarismo e da reprodução das relações sociais inerentes.

Numa sociedade onde ainda impera o clientelismo e outros padrões de relações sociais

baseados em códigos de ética e de direito privado próprio das oligarquias agrárias. Apesar de

envernizados de modernos, os valores que presidem tais relações são seguidos pelo conjunto

da população como algo transcendente e imutável, e não com algo construído socialmente e

passível de tematização pública e questionamento no próprio Conselho Gestor. Este, no caso

em foco, deveria ser espaço público de debate, argumentação racional e construção de

propostas. A sua importância numa sociedade como a de Queimadas é muito grande. Poderia,

por exemplo, ser espaço essa moral social dominante internalizada pelo conjunto dos cidadãos

e cidadã como algo a ser obedecido sob parâmetros de castigo e recompensas.

Representando, segundo a literatura especializada, a cultura política de “sujeição” (SANI,

1993).

Cultura política de sujeição é aquela própria de sociedades marcadas por regimes

políticos autoritários e que, em geral, tende a reagir a mudanças sociais, a processo de difusão

e exercício de uma cultura política baseada na democracia participativa. Nessas culturas, a

atitude da população, inclusive de suas lideranças políticas e celebridades, é geralmente de

passividade diante dos problemas sociais, por isso mesmo tornam-se crônicos, apresentando-

se como saída a fuga da população de tais problemas pela via da emigração, do êxodo rural.

Estando sempre à espera das decisões do Governo Federal, da burocracia estatal encarregada

da face provedora de um Estado Providência.

Então, numa realidade dessas o horizonte de mudança esperado não estaria no seu

protagonismo cidadão, na sua ação, avaliação e conhecimentos com relação ao input do

conjunto do sistema político, tudo parece depender da sorte de ter um “bom” ou “mau”

governante, um líder com poderes extraordinários e que encarne a “alma popular” e seja

“benevolente” com o povo. Evidentemente, numa cultura política desta, mesmo as lideranças

e governantes com curso superior, e cerca de 72% do Conselho Gestor apresenta tal nível de

escolaridade, podem estar imbuídos de tal mentalidade, cujos valores avessos ao

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associativismo e outros protagonismos cívicos e cidadãos terminam por governar as suas

práticas e relações cotidianas.

Quando o prefeito entrevistado vem falar de “uma coisa que veio de cima para baixo”

e o trabalho foi feito ao pé da “letra”, “dentro dos preceitos”, está expressando não só a

heteronomia social hegemônica na sociedade envolvente, não só da possibilidade de ter

cumprido os preceitos em função de recompensas e afastamento de sanções, mas também, nas

entrelinhas, insinuando o cumprimento da mera formalidade, já que se esta tratando de cultura

política avessa à participação, ao desenvolvimento e valorização do capital humano existente,

sobretudo, do capital social necessário.

Falar em capital humano é falar na possibilidade das pessoas mobilizarem saberes e

conhecimentos, de adotarem inovações, de mobilizar e sistematizarem informações. É

também falar da capacidade de colocar em xeque certas crenças, atitudes e exercitar novos

valores e relações de cooperação, confiança e alteridade, ampliando a sua visão de mundo,

construindo cenários desejados e planejando caminhos, passos para atingi-los. Não se trata,

portanto, de um “planejamento” cego ou de algo para satisfazer imperativos de lei.

Ao se falar que a idéia de plano diretor foi algo vindo “de Brasília” ou algo vindo “de

cima par baixo”, não se está somente desconhecendo ou, pelo menos, se fazendo uma leitura

precária das lutas sociais de mais de meio século no país, principalmente nas grandes cidades

pela Reforma Urbana constitucionalizada em 1988, nem tampouco somente desconsiderando

que as diretrizes, princípios, objetivos ou “regras e preceitos” expressam não imperativos de

lei, mas a juridificação de certos valores democráticos e baseados, portanto, no universalismo

de procedimentos, próprios das sociedades democráticas modernas.

É desconhecer que tais princípios, diretrizes e objetivos não vieram do Ministério das

Cidades simplesmente, não caíram de cima para baixo e nem expressam um planejamento

autoritário e descendente, mas o seu contrário, conforme se viu anteriormente no capítulo

sobre o Planejamento e suas Práticas no Brasil. Tais princípios e diretrizes foram construídos

socialmente e através de muitas lutas, embates. Inúmeros cidadãos e cidadãs mobilizaram-se e

lutaram por isso, muitos se dedicaram por inteiro e deram até sua vida à causa popular do

direito de morar na cidade, causa essa irmã gêmea da causa da Reforma Agrária enquanto

direito à terra.

É, sobretudo, desconhecer a imensa perda de oportunidade o fato de um município não

fazer, ou fazer e não executar o seu Plano Diretor. Um plano diretor é, assim, uma

oportunidade impar de desenhar no município um amplo e contínuo processo de

aprendizagem social, baseado no protagonismo dos habitantes do território municipal,

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aprendizado esse que desenvolve, qualifica, amplia, valoriza de forma continua o capital

humano e social pré-existente, e sem esse investimento já é sabido que não haveria

crescimento econômico, ainda mais quando se quer esse socialmente inclusivo e

ambientalmente sustentável. E por se estar tratando de um município encravado no Semi-

Árido nordestino, pelo menos, há três décadas vivendo em estado de depressão econômica,

essa perda de oportunidade á ainda maior.

Mas o entrevistado fala que houve problemas de conscientização, mesmo cumprindo

os preceitos da Cartilha do Ministério das Cidades, cabendo agora aos gestores executá-lo,

corrigindo rumos. No entanto, fala na obrigação de cumprir aquilo que foi proposto pela

sociedade:

Claro que algumas dificuldades surgiram, até porque tinha a parte de conscientização. Todo o trabalho foi feito ao pé da letra e agora cabe a nós como gestores partir para execução desse plano. Eu acredito que vá ser mais fácil até do que confeccioná-lo (...) cabe a cada gestor, daqui para frente, entrar exatamente no trilho do Plano Diretor (...) pode daqui a vinte anos adequá-lo a nova realidade do município... Enfim, coisas que a gente pode chamar de correção de rumo, porque as coisas já foram ditadas e o que nós vamos ter hoje é exatamente a obrigação de cumprir aquilo que foi proposto pela sociedade. (PREFEITO, ENTREVISTADO EM: 18/12/07).

Como se pode ver, se houve o problema da “conscientização”, quem vai cobrar a

execução do Plano Diretor? Se houve problemas, portanto, de participação, até porque as

coisas foram “ditadas” e a obrigação é “cumprir aquilo que foi proposto pela sociedade”,

quem vai substituir o povo organizado e representado no Conselho da Cidade, nos fóruns e

nos outros espaços de controle social e proposição de alternativas a questões públicas, sendo

públicas por referir-se a todos?

Mas, quando indagado sobre o que espera do Plano Diretor, o entrevistado em epígrafe

disse que:

Eu espero que a gente venha a obter sucesso, porque vamos cumprir a vontade da sociedade. Então tudo que foi feito e dito com sentimento popular está contido no plano e cabe ao prefeito adequá-lo à realidade do município, e dentro do que for possível, daqui para frente, a gente já partir para execução desse plano (PREFEITO, ENTREVISTADO EM: 18/12/07).

Quando o entrevistado fala de adequar o plano à realidade do município, não se trata

de mudar o seu conteúdo, evidentemente, pois, conforme as suas palavras, ele expressa a

“vontade da sociedade”. Trata-se, porém, de adequá-lo à realidade das finanças municipais.

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Realidade essa, no entanto, que não pode deixar de perder a oportunidade oferecida pelo

Plano Diretor para implantar no município uma boa governança, pautada na transparência e

na participação organizada da sociedade. Já é sabido que essa boa governança depende para

além dos mecanismos de participação (Conselho da Cidade e outros conselhos setoriais,

fóruns, comissões, governo eletrônico e acesso à informação, grupos de trabalho e câmaras

técnicas, eventos de diversos níveis e de troca de experiências e investigação, etc.). Depende

também:

a) de um processo participativo de construção da Agenda 21 do município, de agendas

ambientais do setor público, da construção de órgão de execução e fiscalização ambiental

local;

b) de toda uma legislação complementar, tal como: legislação ambiental do município,

Código Sanitário Municipal, Código de Obras, Código de Ética e de Postura, Lei de Ocupação

e Uso do Solo Urbano, entre outros instrumentos.

Que de certa forma dizem respeito à organização e à modernização administrativa em

função de reduzir desperdícios e mau uso dos recursos materiais e humanos. Dizendo respeito

à própria construção e organização do Cadastro Multifinalitário do Município (versão

ampliada do cadastro imobiliário urbano) entre outros, tão necessários a sua política

municipal competente na área de ampliação das fontes de arrecadação.

Portanto, mais que uma peça formal para amenizar possíveis sansões de imperativos

legais, o Plano Diretor é algo não só a ser assumido pelo conjunto da sociedade, mas algo

produtor também de resultados a serem por ela usufruídos. Se como diz o próprio dirigente

político entrevistado: “cabe aos gestores públicos cumprir a vontade da sociedade” expressa

no Plano e adequá-lo, por seu turno, à realidade; com o Plano Diretor pequenos municípios

como Queimadas têm oportunidade de:

[...] construir seu referencial para cuidar do seu território e orientar o desenvolvimento urbano. Mais que isso, todos os municípios têm por atribuição constitucional a responsabilidade de exercer o controle sobre o uso e ocupação do solo e criar condições para o desenvolvimento sustentável e mais justo do seu território. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

O Guia do Ministério das Cidades reconhece que em municípios como Queimadas,

por mais que existam dificuldades, inclusive de se levar adiante uma prática de planejamento

e gestão urbana, se terá condições de buscar integração e apoio institucional nas esferas dos

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governos Estadual e Federal, particularmente no que diz respeito à qualificação de pessoas e à

montagem de um sistema de informação estruturados.

[...] importante ter um cadastro bem feito, que identifique todos os lotes e construções, seus usos, a rede de infra-estrutura da cidade. Hoje, é possível ter um cadastro informatizado para um pequeno ou médio município a custo relativamente baixo e utilizando os dados do IBGE por setor censitário. É possível atender uma planta físico-territorial com informação sócio-econômica sobre as famílias, moradores e as atividades instaladas. Para uma pequena cidade, o levantamento em campo apenas com equipe de topografia para atualização de planta também não é muito custoso. Na falta de opção melhor, pode-se tomar como base as plantas dos serviços de abastecimento de água ou da rede elétrica. A contratação dos serviços de levantamento e cadastro, se feita por um conjunto de municípios, pode otimizar recursos e melhorar as condições de existência técnica. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

Como pode ser visto, estas são as orientações que o Guia do Ministério das Cidades

oferece para o município ter parâmetros mínimos e custos viáveis para realizar a formatação

participativa do Plano Diretor. E a própria participação da sociedade, quando engajada em

grupos de trabalho, conselhos, fóruns e outros espaços e instrumentos, tende a desonerar os

custos do processo de construção participativa do Plano Diretor.

A precariedade ou fragilidade da organização da sociedade, somada a outros

problemas relacionados a processo de sensibilização e mobilização social por parte do

Conselho Gestão do Plano, a falta de maior empenho do poder Executivo local, parecem ter

sido os principais fatores que limitaram o processo de construção e posterior execução do

Plano de Queimadas, inclusive nesse patamar mínimo e realista apresentado pelo Ministério

das Cidades.

Quanto às questões relacionadas às dificuldades de formatação participativa do Plano

Diretor e a sua execução, o entrevistado limitou-se a dizer que:

Eu não vejo dificuldade, não, até porque nós já estamos executando o plano. Naturalmente você há de convir que, quando eu fui candidato dentro do meu Plano de Governo, já existia muita coisa que hoje está inserida dentro do plano. Então muita coisa já foi feita, inclusive tem aí regiões onde já realizamos seus pedidos.

Trata-se, portanto, de uma visão de providenciar os pedidos, respostas às

reivindicações das comunidades rurais, contidos no documento Leitura Comunitária e

Técnica da Zona Rural. O fato é que o Plano Diretor parou no ato de sua aprovação pela

Câmara (Lei 115/2007 do Plano Diretor de Queimadas). Enquanto o coordenador geral do

Conselho Gestor do Projeto de Construção do Plano Diretor de Queimadas não vê

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dificuldades, outros entrevistados atribuem as maiores dificuldades de implementação,

execução do Plano Diretor aos gestores públicos, notadamente ao Executivo Municipal e, de

certa forma, ao Legislativo: a falta de vontade política. Assim, cerca de 60% dos entrevistados

do Conselho Gestor encarregado de construir o Plano de forma participativa, dialógica e

transparente, creditam no poder Executivo o principal fator limitante do Plano Diretor. Ainda

quanto aos seus alcances e limites, o próprio presidente da Câmara Municipal afirma que

“precisa-se basicamente da vontade do gestor, ter uma equipe com conhecimento e

organizada, objetivando também alcançar as metas, na minha opinião isso é o principal”

(VEREADOR, ENTREVISTADO EM: 13/11/07).

Se a execução do Plano Diretor depende do Executivo, de um gestor com vontade

política e capaz de investir no desenvolvimento do capital humano e social, o processo de

construção do Plano Diretor não favoreceu sequer a constituição de uma equipe técnica, que

provavelmente podia ter sido gestada por pessoas que se destacassem nesse próprio processo;

sequer o Conselho se constituiu enquanto espaço de manifestação de competências,

desenvolvimento de habilidades, de acúmulo e de troca de saberes, experiência, de circulação

do conhecimento e da informação. Também este Conselho não foi em boa medida a base para

constituição do Conselho da Cidade (esse ainda não foi constituído), cuja função seria de

gestão e acompanhamento do Plano. O Plano Diretor foi de certa forma interditado e ficou

acéfalo. Será se já foi engavetado? Quanto a isto, outro entrevistado é da opinião de que ele

depende da vontade política de quem governa o município, pois defende:

o passo inicial foi dado e está consolidado. Agora a questão de que os planos vão ser engavetados ou não, como tem acontecido historicamente, depende da vontade política de quem está na administração,a lei esta lá, o plano esta ai, a questão depende da vontade política. (SECRETÁRIO MUNICIPAL, ENTREVISTADO EM: 08/01/2008).

Essa é a opinião também de outro entrevistado e membro do Conselho:

O Plano Diretor foi feito, entretanto não servirá de instrumento para balizar, orientar o crescimento harmônico da cidade, porque falta vontade, pensamento coletivo dos nossos políticos, e, portanto, é mais um documento a ser arquivado. (REPRESENTANTE DE ENTIDADE NO CONSELHO GESTOR, ENTREVISTA EM: 08/01/08).

Outro participante do Conselho Gestor e Secretário Municipal da área técnica de

administração e finanças é da opinião de que o Plano Diretor:

Vai depender do gestor... Ele vai estar ali para ser uma referencia de ajuda, um mapa para que o gestor possa ter um bom desempenho no seu mandato,para suprir os anseios da população. (...) esse plano só vai deixar de ser apenas um mero documento ali guardado se o gestor quiser acompanhá-lo, já que é um papel

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importantíssimo de trabalho. (SECRETÁRIO MUNICIPAL, ENTREVISTADO EM: 09/01/2008).

Como se pode perceber, este representante, secretário de uma importante pasta do

município, sequer entendeu a pergunta. Mas para ele, o Plano Diretor é, pelo menos, uma

referência, e mais que um mero documento. Quando fala em gestor, ele refere-se basicamente

ao Prefeito Municipal, ao qual, na cultura política do interior do Nordeste do Brasil, é

atribuída a função de comando, de figura centralizadora das decisões, manifesta na expressão

popular “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Mas outro entrevistado atribui a dependência do Plano Diretor e o seu futuro também à

gestão atual e a sua vontade política. Trata-se também de secretário municipal e, embora

tivesse o seu nome constando como membro do Conselho Gestor, nunca, porém, participou de

uma reunião, nem sequer do Curso de Capacitação de Lideranças e Gestores Municipais. No

entanto, para ele, o Plano Diretor:

não é mais um documento porque, a gestão atual tem vontade política, tem feito e é lógico que como eu disse a solução de continuidade, vai depender desta perspectiva, mas a gente tem em mente essa confiança e esta crença,porque nós como cidadãos, filhos da cidade, lutamos por isso. (SECRETÁRIO MUNICIPAL, ENTREVISTADO EM: 08/01/2008).

Tal centralidade atribuída à gestão municipal, particularmente à vontade política do

prefeito municipal quanto ao destino do Plano Diretor elaborado, assim como a sua

continuidade, aos seus alcances, pode manifestar aspectos da cultura política anteriormente

denominada de “cultura política de sujeição”: crenças, atitudes e sentidos voltados

unilateralmente para os benefícios que poderão ser pleiteados pela fase provedora do Estado,

particularmente possíveis de serem obtidos nas relações estabelecidas com os governantes.

Nessa cultura política as perspectivas da população são de satisfação de seus interesses

imediatos e particulares. Ao contrário de uma cultura política de participação (SENI, 1995),

há uma certa passividade e espírito de complacência diante dos problemas sociais e outros que

atingem uma grande parte ou o conjunto da população.

Assim, os problemas estão aí, são sentidos por muita gente e conhecidos pelos

gestores púbicos, lideranças e técnicos da administração pública e privada. Mas é mais fácil

transferir as suas soluções para alguém (o governo, o prefeito) para poder, pelo menos, adiá-

los ou minimizá-los com soluções tópicas e emergenciais, se não paliativas.

As relações nas associações cívicas, desportivas e comunitárias, até no interior e entre

os poderes constituídos são bastante verticalizadas, não favorecendo o que se pode chamar de

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capital social. São adversas aos próprios valores e crenças constitucionalizadas, favoráveis à

participação e ao controle social de fundos e políticas públicas. Coloca-se aqui o caso da

participação como principio metodológico de construção de um plano diretor expressando “os

interesses da maioria e tenha possibilidades de transformar efetivamente a realidade local”

(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

Com isto não se quer dizer que os prefeitos e os gestores municipais, em geral, não

tenham um papel fundamental na construção e execução do Plano. Experiências discutidas

anteriormente na revisão bibliográfica deste trabalho, como a de Recife, mostraram que um

Plano Diretor ou outra qualquer política pública é bem sucedida quando pactuada

socialmente. É, portanto, mais socialmente inclusiva quanto mais empoderada estiverem as

camadas sociais, principalmente as populares.

Este empoderamento popular ao expressar um certo capital social acumulado e

mobilizado, no entanto, não dispensa uma equipe de governo tecnicamente competente,

afinada com um projeto, e um governante sensível à participação popular considerado

imprescindível para a legitimação social das decisões tomadas e implementadas, para

assegurar transparência e publicidade nas ações e gastos do governo.

Nessa direção algumas falas de componentes do Conselho Gestor apontam também a

importância do protagonismo popular para a efetivação do Plano Diretor, ao mesmo tempo

indicam aspectos da cultura política local como elementos que podem favorecer o seu

“engajamento”, ou seja, a sua não efetivação. Um membro do Conselho Gestor indagado

sobre os alcances e limites para execução do Plano Diretor fala:

o essencial é que as nossas autoridades dêem todo o apoio, que haja aí um apoio tanto por parte do poder Legislativo como do Executivo, que todos abracem a causa e respeitem a vontade do povo, tenham a força do povo. Assim autoridades e povo caminhando juntos podem organizar-se e oferecer condições de concretização de um plano positivo. Quando não há esse apoio mútuo, então as coisas dificultam o processo. (MEMBRO DO CONSELHO GESTOR, ENTREVISTADO EM: 22/11/2007).

Portanto, esse conselheiro e entrevistado fala de “respeito à vontade do povo”,

reconhecendo a participação popular na sua formatação. Fala ainda em “apoio mútuo”,

espécie de pacto das forças sociais vivas da sociedade local, expressão do capital social; fala

na importância que tem os gestores públicos e legisladores não só respeitar, mas em também

de terem a seu favor a “força do povo”, ou seja, a legitimação de suas práticas rimando com

relações mais horizontais, menos hierarquizadas, mais dialógicas.

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Provavelmente, parece ser essa compreensão mais socialmente substantiva e

politicamente pactuada de Plano Diretor que faltou no processo experimentado em

Queimadas, haja vista o que já se discutiu anteriormente na interlocução com os entrevistados.

Essa idéia de juntar forças, de pactuar está também na fala de uma das secretárias do

município e cujo nome está no elenco dos membros do Conselho Gestor do Projeto de

Elaboração do Plano Diretor:

isso vai depender muito de unir forças. A gente vai precisar do poder Judiciário, do poder público, da comunidade, devemos juntar tudo isso, não só como foi feito para realizar o Plano Diretor, mas agora para fazer cumprir-se. (SECRETÁRIA MUNICIPAL, ENTREVISTADA EM: 18/12/07).

Para outro entrevistado, também participante do Conselho Gestor, há também

necessidade de participação popular, de a sociedade cobrar, exigir a sua efetivação, reconhece

a importância das autoridades públicas, dando “suporte para justamente haver a continuidade

desse processo”. Porém:

A comunidade também deve participar, além de contribuir reivindicando, para poder existir um andamento, e não se torna só um projeto utópico que foi gerado, nasceu e depois morreu. Isso não deve acontecer. A gente deve pensar positivamente e lutar para que as autoridades em questão e as que virão possam dar continuidade a esse projeto, para o mesmo ter maior crescimento e atingir aí seu objetivo: melhoria e organização do nosso município e do nosso território. (MEMBRO DO CONSELHO GESTOR, ENTREVISTADO EM: 22/11/2007).

Mas onde estaria esse protagonismo social, inclusive para efetivar o Plano Diretor para

além de uma gestão de 04 anos? Algumas falas identificam a falta desse protagonismo e

sugerem que as suas causas ou motivações podem ser encontradas na própria cultura local.

Assim,

Os alcances em relação a este plano (...) são muito bem trabalhados com relação aos seus objetivos, ao que se quer para o município para os próximos 20 anos, ou seja, temos a convicta certeza dos problemas lá contidos, assim como temos também em mente a dificuldade de implantar políticas públicas no município, principalmente referentes à questão da própria cultura política (...) em que associações, todas ou quase todas, vamos dizer 95%, estão atreladas a vereadores, ligadas diretamente a lideranças políticas locais, dificultando muito o trabalho de efetivação do Plano Diretor, uma vez que, quando nós pensarmos numa política para tal região, a pergunta que se faz é: Nessa região o vereador é do nosso lado ou é contra? Então isso acaba, de certa forma, inviabilizando implementações de políticas que seriam fundamentais para o município; mas esbarram, não sei se eu poderia utilizar essas palavras, nessas formas mesquinhas de politicagem existentes no município. Isso é algo advindo historicamente, está na raiz, no hábito político local, essas formas de tentar trazer recursos ou alguma política para a comunidade só se tiver um vereador junto à comunidade. Então isso acaba dificultando. Por quê? Porque o Plano Diretor

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foi pensado para o município como um todo, e quando pensávamos no município como um todo colocávamos naquele momento das discussões, por menores que tenham sido (...) as prioridades conforme as necessidades locais (...) e não conforme as necessidades de cada vereador (...). Acho que os limites estão exatamente nesta questão da cultura local, e outra coisa notória e interessante é pensar principalmente a dimensão desse não querer participar. Ao meu ver, esse não querer participar está também um pouco relacionado a essa baixa auto-estima, tendo em vista que outros planos não foram efetivados, não saíram do papel. E se não saíram do papel, as pessoas não acreditam, acabam dizendo: “De que adianta a gente participar, construir em plano e depois ficar na mesma coisa”. Além de vários outros fatores, as pessoas não querem envolver-se (...) porque, às vezes, estão atreladas a um determinado vereador e este é da oposição, e se participar é como se tivesse contribuindo para aquilo que a (...) situação está fazendo. (COORDENADOR TÉCNICO DO PROJETO DE CONSTRUÇÃO DO PLANO DIRETOR, ENTREVISTADO EM: 27/12/2007).

A reprodução desse longo depoimento é importante porque encadeia vários elementos

da cultura política local que supostamente incide na construção e execução do Plano Diretor.

Trata-se da fala do coordenador-técnico da equipe que levou à frente o processo inacabado de

construção desse Plano, e por extensão a pessoa autorizada para representar o prefeito

(coordenador geral) no seu processo de construção. É bom, portanto, pela extensão da fala,

argumentá-la por parte.

De fato, atribuir à cultura política local, autoritária e clientelista e que se denominou

anteriormente de cultura política de “sujeição” o principal fator possível de dificultar ou que

dificultou o processo de construção do Plano Diretor, capaz posteriormente de dificultar a sua

execução, é um ponto de partida acertado. E o coordenador, como sempre é de praxe, começa

a avaliar o problema pela sociedade organizada: a) constata que cerca de 95% das associações

comunitárias estão atreladas a vereadores e cabos eleitorais, ou seja, onde se poderia encontrar

um associativismo cívico e outras entidades pautadas na cooperação, na confiança, em

relações menos hierárquicas e heterônomas, por sua vez, alicerçadas de uma cultura política

de participação (SANI, 1995), encontra-se um simulacro de associativismo.

Ao invés das associações comunitárias de Queimadas estarem em busca de interesses

coletivos e de valores, normas e atitudes culturais, por sua vez expressos em estruturas sociais

e padrões de comportamentos que configuram a comunidade cívica, como as estudada por

Alexis Tocqueville nos Estados Unidos e por Robert D. Putnam na experiência da Itália

Moderna (PUTNAM, 1996), estão, segundo a argumentação do interlocutor entrevistado,

pautadas em interesses eleitoreiros e particularistas, portanto, favoráveis à reprodução do

status quo.

Assim, ao invés das associações comunitárias estarem pautadas na cooperação e

requerendo aptidão e confiança interpessoais, aptidões essas naturalmente reforçadas pela

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colaboração organizada (PUTNAM, 1996), se tem associações pautadas na subordinação dos

agricultores familiares e dos moradores de bairros aos “caciques políticos locais” e sua

política de troca de favores e fidelidades, razões mesmas da subserviência da maioria àqueles

que se apropriam e usaram recursos e fundos públicos para reprodução do status quo, do

atraso econômico, político e cultural do povo.

Sabe-se que nesse contexto as associações não contribuem, portanto, para

democratização da sociedade, mas são instrumentos utilizados pelas elites locais para realizar

o seu contrário. Estar-se-ia, portanto, muito longe da idéia de construção de um Plano Diretor

Participativo, capaz de expressar e, ao mesmo tempo, mobilizar, valorizar e ampliar o capital

social necessário. Aqui, essa idéia de capital social pode ser expressa por um conjunto de

normas e de sistemas de participação cívica contribuinte para prosperidades econômicas e, por

sua vez, reforçadas por essa mesma prosperidade.

Então, o entrevistado parece sugerir que, na interação normas de comportamento

derivadas da cultura e os valores subjacentes com as normas formais (aquelas presentes na

Constituição, no Estatuto da Cidade e no Guia do Ministério das Cidades) no nível local,

prevalece a força do hábito, da tradição, dos valores culturalmente incorporados, inculcados,

chamados por Pierre Bourdieu (1998) de habitus. Por conseqüência, as normas institucionais,

embora possam induzir em longo prazo mudanças comportamentais e, portanto, de certos

valores subentendidos e favoráveis à mudança política, terminam sendo recebidas como

exterioridades formais, aceitas como algo postiço e até como um discurso com a função

ideológica de resistência das tradições, isto é, encobrindo os atrasos econômico, social e

cultural, os interesses hegemônicos no contexto local e alhures.

Assim, pelo lado da participação social, o processo de construção do Plano Diretor de

Queimadas e a sua posterior execução participativa estariam comprometidos, quando se quer

que se constitua, portanto, como processo de aprendizagem social. Aprendizagem essa

mobilizadora, ampliadora, desenvolvimentista do capital humano e social pré-existente como

pressuposto mesmo de sua efetividade e sustentabilidade.

No entanto, o coordenador-técnico parece restringir a sociedade civil local organizada

às associações comunitárias. Não fala, por exemplo, de dezenas de associações esportistas que

deveriam ser mobilizadas para discutir a falta de uma política de esportes capaz de dotar o

município, no todo do seu território, de infra-estrutura, de escolas de formação de

desportistas, no sentido de desenvolver talentos e prevenção contra riscos de drogas e outros

problemas. Também no sentido de apoiar os jovens com bolsas de esporte, com equipamentos

e insumos necessários, promovendo eventos e apoiando as iniciativas comunitárias. Inclusive

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introduzindo outras práticas e jogos desportivos nas escolas. O entrevistado não fala da

existência do atuante Sindicado de Servidores Públicos Municipais (Sintab – secção local) e

nem dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Queimadas. O assessor e representante deste

sindicato deu uma enorme contribuição ao Diagnóstico da Zona Rural e, ainda hoje, está

esperando o prometido Seminário Temático da Agricultura Familiar, para discussão do

diagnóstico feito da zona rural, inclusive com a participação dos agricultores e familiares.

Esse seminário teria também o objetivo de construção e correção do mapeamento da

zona rural, com informações pautadas nas experiências e vivências dos agricultores. Cogitou-

se igualmente que nessa reunião seria apresentada e discutida a proposta do Zoneamento

Agroecológico do município e da Agenda 21 Local, sobretudo, analisaria se haveria a

possibilidade de organização da Cooperativa de Produtores de Leite e Derivados da

Agricultura Familiar. Nesta perspectiva o Plano Diretor seria a oportunidade de

fortalecimento das organizações sindicais e comunitárias, de empoderamento das

comunidades rurais e de exercício da própria cooperação, de exercício de novos valores e

padrões de comportamento, inclusive de incremento à economia solidária. No entanto, ainda é

tempo. O sindicato tem certo poder de mobilização. De quem seria a iniciativa?

O entrevistado também não fala das igrejas, entidades de forte cunho ético-

comportamental, atuantes no campo da cultura exercitando e difundindo certos valores. A

Igreja Católica, por exemplo, tem uma certa influência na organização do voluntariado cívico

e católico local: os grupos de orações, as CEB’s, os catequistas, os grupos de jovens, as

pastorais. No entanto, o depoimento do pároco, entrevistado por ocasião desta pesquisa, é

revelador da falta de mobilização e difusão da importância do Plano Diretor, da falta de

reconhecimento da importância de certas instituições na mobilização social do povo, do

desconhecimento da importância de certos espaços e da própria religião na difusão de certos

valores e interesses baseados no humanitarismo e na defesa dos Diretos Humanos. Segundo o

padre da Paróquia de Nossa Senhora da Guia de Queimadas:

O Plano Diretor, pelo que eu saiba, é um projeto moderno de gestão do município e também de outras entidades e instituições. O Plano Diretor deve ser um movimento de um projeto que permite a participação não apenas do Executivo, mas de todos os poderes constituídos e do povo numa sociedade. (PÁROCO LOCAL, ENTREVISTADO, 22/11/07).

Como se vê, o padre da paróquia local tem uma visão bastante apurada da importância

e alcances de um Plano Diretor. Demonstra uma certa bagagem cultural imprescindível:

alguém dotado de um capital humano a ser levado em consideração e ainda portador,

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enquanto representante de uma poderosa e histórica instituição, de poder de capilaridade

social considerável e cujo efeito multiplicador está nos diversos grupos de leigos, de

voluntários, de catequistas, de agentes de pastorais e outros que põe em movimento. No

entanto, disse o pároco: “Eu nem sabia que Queimadas tinha isso. O que você está me

dizendo, é uma novidade. Espero que ele aconteça”. (PÁROCO LOCAL, ENTREVISTADO

EM: 22/11/07).

E aqui o padre coloca em dúvida esse próprio acontecer, quando é levado a indagar

sobre possíveis dificuldades no processo de execução do Plano Diretor:

A primeira dificuldade é justamente esta: se as instituições de uma sociedade não têm conhecimento que ela existe, então ele nunca vai acontecer de fato. Porque a Igreja é uma instituição importante na sociedade. Ora, se nós não temos conhecimento disso e nem participação nisso, vai ficar, de certa maneira, faltando um elemento importante nesse plano, nesse projeto. (PÁROCO LOCAL, ENTREVISTADO EM: 22/11/07).

A equipe técnica e a coordenação certamente não deixaram de ser bem orientadas no

processo de mobilização e sensibilização social. E sabiam que não bastavam somente

associações comunitárias. Os próprios Conselhos Setoriais não foram mobilizados e

sensibilizados. Nem sequer gestores escolares do município e os estudantes. As diretoras não

foram visitadas e convencidas da importância de participação e dos alcances do Plano Diretor.

As salas de aulas não se tornaram espaços de visitação, de difusão de objetivos e alcances e

metodologias do Plano, de convencimentos, de debate.

Então, o que se espera? Não basta dizer que é a cultura local o principal elemento

explicativo da não participação. Aliás, a cultura não é algo estanque e muito menos ossificada.

É algo em movimento e em interlocução com outras culturas, outras identidades, outros

valores e com outros interesses. É algo que está sempre interagindo com os diferentes

contextos e em diversos momentos históricos. É tanto que não há a cultura, há culturas que se

interagem. As culturas e as identidades no município, incluindo a cultura católica, por

exemplo, bastante enraizada nas celebrações, hábitos, costumes, é algo em constante processo

de mudanças e atualizações num mundo cada vez mais global e intercultural, no qual o

conhecimento e a informação são a matéria-prima principal. Daí a importância do capital

humano e social é reconhecer as instituições e a sua interação com o conjunto da sociedade.

Reconhecer as instituições, como a Igreja Católica, não é só atribuir-lhes um lugar

comum como ouvintes de um programa de rádio, através do qual se quer mobilizá-las, dentre

outras. Não é só mandar o convite para as reuniões ou para tal e qual evento! É preciso

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reconhecer no sentido teológico e antropológico, tornando-as interlocutoras importantes pelo

próprio capital cultural ou outras formas de capital simbólico que detêm e que se quer vê-los

valorizados. É reconhecer, sobretudo, o seu capital social que faz, por exemplo, as pessoas

ganharem mais confiança umas nas outras, tornarem-se altruístas no que fazem, cooperativas

e respeitosas ao outro e, capazes de conseguirem com isto resultados que cada um sozinho

não conseguiria.

Reconhecer, portanto, é levar o outro em consideração, ouvi-lo, auscultar o que tem

para dizer e o que não quer dizê-lo, deixar tomar a sua palavra e considerá-la, refleti-la,

avaliá-la. E, então, abrir possibilidades de reconhecer-se no que foi dito e no que está para se

dizer, porque o que está para ser dito está nascendo no próprio acontecer que o pároco espera

acontecer. Em outras palavras, reconhecimento, conforme Althusser (1995), é também ter

uma representação ou idéia, numa imagem positiva do outro de valorização do outro,

interpelando-o como sujeito concreto. Portanto, como portador de certas virtudes, de certas

habilidades, de certas competências, crenças e valores, no caso particular, de certo capital

humano e social. E por isto tem um nome, uma identidade, uma missão, um lugar no mundo e

com o mundo.

Reconhecer é ir até o indivíduo ou à instituição e interpelá-los como sujeitos, debater o

que pensam, o que fazem e o que podem fazer, para melhorar coisas desse mundo. Aqui

começa de fato, a participação ou não? O não reconhecimento de certas entidades e

personagens de ascendência moral e intelectual na sociedade pode redundar na perda de

capital social e humano mobilizável e mobilizador do processo de construção de uma política

pública, ao mesmo tempo, processo de aprendizagem social e, portanto, de possibilidade de

mudança social e elevação cultural do conjunto da sociedade.

Mas o coordenador-técnico fala de um segundo aspecto que levou ou que levaria

provavelmente o Plano Diretor a ter problemas em termos de sua efetiva construção e

execução: (b) “as formas mesquinhas de politicagem existentes”. Mais adiante acrescenta que

as pessoas não querem se envolver porque estão atreladas a um determinado vereador e este é

de oposição, e se participar é como se estivesse contribuindo para a situação e sua ação

política. Ou seja, o atrelamento aos políticos e uma forte polarização entre partidos/grupos

políticos locais seria tão extremada que impediria diálogo e processos mais participativos de

discussão e busca de alternativas para os problemas locais. De fato, nos contextos de uma

cultura política de “sujeição”, o medo e a subserviência presidem as relações entre mandários

de cargos públicos e o eleitorado dependente de suas políticas de favores e recompensas e às

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custas do erário público. Conforme descreve Putnam (1996, p. 91), nestes contextos, como é o

caso do Sul da Itália:

[...] a participação política e social organizava-se verticalmente, e não horizontalmente. A desconfiança mútua e a corrupção eram considerados normais. Havia pouca participação em associações cívicas. A ilegalidade era previsível. Nessas comunidades as pessoas sentiam-se impotentes e exploradas. E com razão.

Naquela realidade, acrescenta esse autor, que o contexto social e histórico local

condicionaram profundamente o desempenho das instituições, ou seja, se “o solo é ruim, as

novas instituições de definham” (idem, ibidem). Pode-se dizer que:

A existência de instituições eficazes e responsáveis depende, no jargão do humanismo cívico, das virtudes e práticas republicanas. Tocqueville tinha razão: diante de uma sociedade civil vigorosa, o governo democrático se fortalece em vez de enfraquecer. (PUTNAM, 1996, p. 191).

E acrescenta:

Pelo lado da demanda, os cidadãos das comunidades cívicas querem um bom governo e (em parte pelos seus próprios esforços) conseguem tê-lo. Eles exigem serviços públicos mais eficazes e estão dispostos a agir coletivamente para alcançar seus objetivos comuns. Já os cidadãos das regiões menos cívicas costumam assumir o papel de suplicantes cínicos e alienados. (PUTNAM, 1996, p. 191).

Trata-se do que se denominou anteriormente de cultura política de “sujeição” e de

cultura política de “participação”. Nas “de sujeição” espera-se apenas pelo lado da oferta, das

saídas do sistema político. As pessoas não lutam para ter um bom governo, políticas públicas

governadas com seriedade e mais eficazes. Nestes contextos, instrumentos como os conselhos

partidários e setoriais de políticas públicas e as propostas, como a do Plano Diretor

Participativo, tendem a ter aversões e a serem condicionados pelo contexto adverso. Mas,

então, quais seriam as possibilidades de mudanças? E aqui vem um terceiro elemento

identificado pelo coordenador-técnico na cultura local e que seria também conseqüência dela:

c) o fato de já existirem outros planos não efetivados, como é o caso do Plano de

Desenvolvimento Local Integrado Sustentável (DLIS) da Comunidade Solidária – Governo

Federal, Gestão Fernando Henrique Cardoso (1998-2002).

Mas, então, como implantar um Plano Diretor Participativo e outros programas de

desenvolvimento e ordenação territorial em contextos onde o capital humano e social é

escasso e onde predomina o autoritarismo, o clientelismo, o familismo amoral travestido de

oligarquias e elites sedentas e abocanhadoras da coisa pública, a desgovernança e a

estagnação econômica? O Plano Diretor é e poderia ser, desde o seu processo de construção,

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um convite para se sair da inércia. Existem outras entidades, movimentos e pessoas no

contexto local insatisfeitas com o status quo e que querem e lutam para mudá-lo. Só que estão

lutando sozinhos, isolados de outros com objetivos de mudanças e pautas de ação comuns.

O processo de construção do Plano Diretor oportunizou o encontro dessas entidades

para buscar, desenvolver e ampliar sinergias na direção de sua construção, mobilizar recursos

e vontades no sentido de incorporar cada vez mais homens e mulheres, explorando o potencial

que o plano diretor trazia ou traz de aprendizagem social e de mudança política. E mudança

cultural demanda tempo, e não por acaso um Plano Diretor trabalha com um horizonte de 20

anos, com avaliação a cada década.

Mediante certas instituições e personagens com ascendência social e cultural com

relação ao conjunto da sociedade, mediante a capacidade de mobilizar corações e mentes

graças ao teor ético e moral que as idéias, metodologias, objetivos e alcances de um Plano

Diretor encerra, é possível neutralizar polaridades e disputas entre as forças locais com

relação à participação. Nesta direção, participar teria um sentido moral e de representação das

instituições presentes na sociedade local. Por isso, um governante local por mais que apóie

um Plano Diretor Participativo, jamais deve reivindicar para si a sua autoria, até porque, como

sugere o próprio pároco local, trata-se de um movimento “que permite a participação não do

Executivo, mas de todos os poderes constituídos e do povo numa sociedade” (PÁROCO

LOCAL, ENTREVISTADO, 22/11/07).

Esse movimento desenha uma reforma institucional. Instrumento não só de

reforma urbana, já que o Plano abrange o município como um todo, também de reforço às

novas institucionalidades e à criação de outras como o Conselho da Cidade, à criação de um

setor competente de planejamento e sistema de governo informatizado, transparente e

disseminador das informações; institucionalização do orçamento democrático, implantação

dos cadastros como o Cadastro Imobiliário Urbano tão necessário para uma eficiente e eficaz

política municipal de arrecadação e tributação, tudo caminhando para a construção de uma

boa governança democrática e participativa.

Tal como Putnam descreve para a experiência italiana: as mudanças institucionais

formais, mesmo vindas de cima, como sugeriu o prefeito de Queimadas anteriormente, podem

mudar a prática política. E se o Plano já está aí, inclusive enquanto Lei a ser cumprida, o

povo, as instituições, os sindicatos, associações, as Igrejas e outras entidades religiosas e

culturais têm um patamar e motivos de sobra para lutar para que ela venha a sair do papel e se

torne em instrumento moral capaz de superação, polarizações e sectarismos políticos; apto a

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superar a incompetência e a ineficiência na condução dos negócios público, a estagnação

econômica, pobreza crônica e falta de esperanças.

Para tanto, muitos entrevistados e participantes do Conselho Gestor se manifestaram

otimistas e acham que o processo de construção foi positivo, um avanço. Se houve problemas

de coordenação, por isso o Conselho não se reuniu como era de se esperar, e se a participação

da sociedade não foi a mais ampla como era esperada, as suas causas não devem ser buscadas

somente na letargia de sociedade caracterizada por ter uma cultura atrasada politicamente.

Deve ser buscada no próprio Executivo ao tomar a iniciativa de construir o Plano Diretor

muito mais com a intenção de cumprir imperativos e prazos legais do que construir um

processo efetivo de mudança social.

Apesar das falhas de coordenação e de mobilização, de a participação não ter sido

mais ampla, porque faltaram os meios e não foram mobilizados os instrumentos e canais

necessários e adequados, o processo de construção do Plano Diretor de Queimadas se

constituiu num importante processo de aprendizagem, conforme os depoimentos abaixo. É a

partir dessas pessoas à espera de serem convocadas e interpeladas como sujeitos de mudança

social que o processo de aprendizagem deve ser retomado. Senão se terá uma perda de

oportunidade irreparável e uma desvalorização e desmobilização de capital humano e social

danosa à sociedade local. Essa aprendizagem:

contribuiu para que a gente realizasse os trabalhos da Secretaria de Ação Social. (...) nós não tínhamos nada de social no nosso município. Então foi baseando-se no Plano Diretor (...) que a gente vinha analisando e estudando para o nosso município (...) fez com que a gente juntasse as idéias, e um influenciou muito o outro. (SECRETÁRIA, REPRESENTANTE DO CONSELHO GESTOR, ENTREVISTADA EM: 18/12/07).

Foi muito importante e interessante para nós participantes das atividades comunitárias do nosso município, pois pudemos ali ouvir outras propostas relacionadas à melhoria e organização dentro do nosso município. Então foi uma experiência positiva que marcou dentro da nossa atividade de liderança comunitária na cidade de Queimadas. (LIDERANÇA COMUNITÁRIA, ENTREVISTADA EM: 22/11/2007).

Essa aprendizagem social fortaleceu também a auto-estima dos queimadenses,

alimentou altruísmos e esperanças:

Em primeiro lugar, como cidadão queimadense sinto-me lisonjeado em fazer parte de um plano assim, como o Plano Diretor estabelecido pelo Ministério das Cidades, que vem promover, contribuir para o desenvolvimento sustentável do nosso município, um município com mais de 20 mil habitantes. Para mim é uma honra fazer parte da equipe que planejou e está organizando esse plano em nossa cidade. (COMERCIANTE - MEMBRO DO CONSELHO GESTOR, ENTREVISTADO EM: 22/11/07).

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Olhe, experiências são muitas. Fez com que me abrisse um leque de idéias muito grande. Eu não tinha idéia do tamanho dos problemas que a gente enfrenta aqui no município e hoje como secretária e estudando junto ao Plano Diretor, a gente viu e descobriu muita coisa que Queimadas necessita há muito tempo, que a gente não tinha conhecimento. Hoje vejo Queimadas de uma forma totalmente diferente. (SECRETÁRIA, REPRESENTANTE DO CONSELHO GESTOR, ENTREVISTADA EM: 18/12/07).

Em outras falas identifica-se a aprendizagem que o processo proporcionou:

O aprendizado, o que mais me chamou a atenção de aprender e de vivenciar esse momento (...) foi participar em primeiro lugar, ter a honra de participar da construção desse Plano Diretor e esta ajudando no desenvolvimento do município, também as comunidades, as experiências e a vontade do povo querer que o município cresça e agente possa por em prática o Plano Diretor para que o povo veja e sinta que suas necessidades. (SECRETÁRIA, REPRESENTANTE DO CONSELHO GESTOR, ENTREVISTADA EM: 19/11/07).

O aprendizado que nos deixou foi de que antes desse Plano Diretor nós não tínhamos uma expectativa para o futuro, então esse plano visa projetos para o futuro, para que o município cresça cada vez mais, e também contribui para a população, porque esse planejamento é necessário para que a gente um dia possa ver o antes e o depois do plano, as metas a serem atingidas. (SECRETÁRIO, REPRESENTANTE DO CONSELHO GESTOR, ENTREVISTADA EM: 09/01/2008).

Enfim:

Nesse processo eu destacaria a mobilização, esforço das pessoas em torno da elaboração de propostas, metas que visam melhorar a qualidade de vida do ser humano e do meio ambiente. (REPRESENTANTE DO BANCO DO BRASIL NO CONSELHO, ENTREVISTADO EM: 08/01/08)

Em termos de vivência a palavra-chave é participação. Acho que isso foi algo importante e algo que nunca se teve no município, mas então já foi plantada alguma semente. (SECRETÁRIO, MEMBRO DO CONSELHO GESTOR, ENTREVISTADO EM: 08/01/08).

Bom, houve participação de uma forma e de outra. Há uma identificação do povo

através das associações, dos representantes de cada entidade e segmentos organizados que

participaram do processo, dos próprios representantes das secretarias, de personagens e

informantes atuantes em determinados setores e áreas do conhecimento que ofereceram

informações e ajudaram na construção de propostas. A semente foi plantada, como é dito

acima, mas precisa de ambiência propícia e de cuidados para germinar e crescer. Como falou

anteriormente o prefeito, o Plano já está em execução, várias ações ali propostas já foram

feitas. Mas, o plano ainda está inconcluso e foi aprovado pela Câmara Municipal, por isso

mesmo, sob condição de concluí-lo até o final de 2007. Sequer o Conselho da Cidade foi

formado para gerenciar o Plano e nem foi constituída uma equipe técnica mínima.

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Os “livros” (produtos) do Plano Diretor, incluindo a Lei, permanecem nas gavetas e

não foram publicados e colocados via internet e por outras vias (bibliotecas públicas e

escolares, por exemplo) à disposição da sociedade. O Banco de Dados não formado. Nenhum

projeto previsto de captação de recursos, inclusive para elaborar os instrumentos

imprescindíveis como o Cadastro Imobiliário Urbano para organizar e acionar os próprios

instrumentos de tributação, os quais também controlam, induzem e regulamentam o processo

de produção da cidade e do território municipal. O processo está, portanto, acéfalo e

interditado. Por quê? Por quem? E se perdeu já uma grande oportunidade de mobilizar o

Conselho, as entidades, as associações, os gestores públicos e o povo em geral para discutir

essa descontinuidade durante a última Conferência Municipal das Cidades.

Sequer o Plano Diretor foi tocado naquele evento. Perdeu-se, inclusive, a oportunidade

para colocá-lo em discussão e socializá-lo com a comunidade local: certamente o maior

empecilho ao deslanchamento do processo, inclusive, no próximo mandato a ser definido nas

eleições municipais que ocorrerão em todo país, é uma certa apropriação indevida do Plano

Diretor pelo governo local, como se o Plano fosse de uma gestação e isso confunde, atrapalha,

emperra o processo, afasta pessoas e instituições.

É emblemático o uso do logotipo do governo atual do município no lugar das armas e

dos símbolos municipais, ferindo de certa forma o espírito republicano de somar esforços para

fortalecer as identidades, símbolos, culturas cívicas e a própria auto-estima do povo e a sua

própria identificação com o território e no qual buscaram exercer seus direitos cidadãos em

busca de soluções comuns acordadas e debatidas publicamente. Ainda é tempo.

5.3.2. O Plano Diretor na Visão de Lideranças, Personalidades Públicas,

Intelectuais e Empresários

O Plano Diretor foi uma experiência, nas palavras dos membros do próprio Conselho

Gestor do Projeto, inédita pela importância de ter dotado o município de um Plano capaz de

balizar o seu futuro em longo prazo; foi inédito pela sua forma participativa, pelo

envolvimento de pessoas e entidades num processo de aprendizagem e, no entanto, sofrendo

uma interdição em sua trajetória na medida em que permaneceu inconcluso, já que havia

necessidade de se corrigir a cartografia, de se construir a legislação complementar e outros

instrumentos. Também pelo fato de não se ter providenciado a formação do Conselho da

Cidade e a constituição de uma Equipe Técnica mínima para dotar-lhe de uma coordenação e

gestão satisfatória, competente e eficaz.

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Foram entrevistadas 34 personalidades e algumas, como o pároco local, já foram

abordadas no item anterior. No total destas 34 pessoas, apenas duas pessoas disseram que não

participaram e pouco sabiam sobre Plano Diretor, sua importância e alcances reais. Duas

destas pessoas disseram ter sido convidadas e uma participou de uma reunião, depois não foi

mais convidada a participar. É pena que uma destas pessoas que disse que tinha pouco

conhecimento ainda perguntar o que foi aprovado, se o Plano continuou ou não, como ele

está, seja um vereador da cidade e ao mesmo tempo um comerciante.

A segunda pessoa é teóloga, recebeu convite, mas suas atividades de pastor não lhe

deram oportunidade de participar, de acompanhar mais de perto. Outra pessoa que disse saber

pouca coisa é diretora de escola e professora. A quarta pessoa que disse que não tinha

conhecimento sobre o Plano é também diretora escolar. No entanto, apenas o vereador e esta

última professora entrevistada mostraram por completo ignorar os objetivos e alcances de um

Plano Diretor, ao mesmo tempo mostraram ignorar completamente o processo em curso de

construção do Plano Diretor de Queimadas. Portanto, do total de 34 personalidades de

destaque no município, 32 falaram com desenvoltura sobre a importância do Plano Diretor, de

seus alcances e objetivos.

Todas se mostraram interessadas e preocupadas em entender, em participar melhor.

Algumas ficaram preocupadas com a sua continuidade. A maioria enfatizou a sua dimensão

participativa e o processo de planejamento ascendente adotado. Outros apresentaram

preocupação com suas áreas, um propôs uma maior ênfase ao turismo e à criação de um

Conselho Municipal relativo a essa atividade. Na área de Educação, outro entrevistado e

próspero comerciante local cobra maior investimento em educação, investimento em pessoas,

visando à qualidade da formação dos jovens, sendo necessários investimentos em infra-

estrutura e na formação de professores.

Assim, esse grupo de 34 pessoas entrevistadas, com exceção de dois interlocutores,

mostrou que tinha acompanhado o processo, a experiência local de construção do Plano

Diretor e que tinha conhecimento da importância, da metodologia, dos objetivos e até dos

limites e alcances do Plano Diretor. Um deles, o padre da Paróquia de Queimadas, inclusive, é

formado em Arquitetura, além de teólogo. A exceção fica por conta dos vereadores e

vereadoras entrevistados. Pelo menos 07 deles, representantes no conjunto dos 34

entrevistados, mereceriam melhorar mais as informações sobre Plano Diretor, planejamento

estratégico, gestão participativa e outros temas da contemporaneidade. Queimadas precisa de

uma Câmara Municipal com perfil cultural mais elevado.

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Veja de forma resumida o que diz um intelectual entrevistado, ativista político, escritor

e professor:

Em termo de importância, o Plano Diretor é extremamente importante para cada município do Brasil, não só para Queimadas, porque a partir dele se pode agir. Você vê, é até uma forma de forçar, vamos dizer assim, os gestores a agirem. Em todas as cidades do Brasil o Plano Diretor foi pressionado para ser executado, ser feito, porque existe uma lei a nível federal com a função de pressionar os prefeitos a fazerem esse Plano Diretor. Então, criaram uma lei determinando tempo. Em virtude desse tempo, se não fosse elaborado e votado esse Plano Diretor, o município iria cumprir pena. Logo, isso foi feito na maioria dos municípios do Brasil, entre eles Queimadas. Esse Plano Diretor é uma coisa extremamente benéfica no nosso município, porque a partir dele vai ficar dito o que se pode fazer na atualidade e o que se pode fazer no futuro, quer dizer, certamente os gestores públicos vão sendo trocados, mas o Plano Diretor fica, pois ele é do município, não de fulano ou de sicrano. Assim, neste aspecto ele é extremamente positivo, até mesmo porque especificamente o nosso município carece realmente de um planejamento bem feito, de alguém com cabeça para mexer onde não foi mexido ainda, onde foi mexido erradamente, para dar uma sacudida nesse município, para realmente organizar as coisas. A gente vê uns desmandos que sinceramente deixa triste quem mora aqui em Queimadas, vive aqui, sobrevive aqui e gosta. O Plano Diretor é importante, mas devemos ter consciência de que ele é apenas um documento escrito. Para que ele possa ser colocado na prática é preciso que eu, você, fulano, sicrano e todos os queimadenses, principalmente quem tem o comando do município, quando falo em comando não estou falando apenas do gestor, do prefeito, mas das pessoas mais influentes, da elite intelectual do município, trabalhemos com esse objetivo. Já que a sua elaboração teve a participação da sociedade organizada, então, que a sociedade realmente tenha essa preocupação de colocá-lo em prática, porque é, sobretudo, um instrumento importante para planejar o município de forma macro e até micro mesmo. (ENTREVISTADO EM: 14/11/07).

Veja também a fala sobre importância do Plano Diretor do outro personagem de

destaque e membro do Ministério Púbico:

Quanto a sua importância, eu não tenho dúvida. Aliás, todo município tem que ter o Plano Diretor, é uma lei de grande importância para o município e sem ela o gestor público municipal pode ficar até impedido de governar. No caso específico de Queimadas, nós do Ministério Público representado por minha pessoa, firmamos um termo de compromisso de ajustamento de conduta com o prefeito, estipulando um prazo para ele remeter à Câmara o Projeto de Lei do Plano Diretor. Isso foi cumprido pelo prefeito e hoje já é lei. O Plano Diretor em Queimadas será muito bem-vindo, porque Queimadas é uma cidade urbanisticamente falando, totalmente desorganizada. Tanto é que a feira da cidade funcionava nas ruas centrais, impedindo o acesso de quem chega à cidade para a prefeitura e outros setores de grande importância, além do fluxo de pessoas. Entramos com uma Ação Civil Pública, antes mesmo do advento da chegada da lei do Plano Diretor, e a Justiça determinou recolocação da feira, ou seja, desobstruindo as ruas centrais de Queimadas. O Plano Diretor veio complementar esse nosso trabalho, isto é, reorganizar a cidade de Queimadas. Com relação a Queimadas em particular, é o município com muitos problemas, saneamento, a desorganização urbana, alguns prefeitos do passado fizeram doações de terrenos de forma aleatória, sem seguir qualquer planejamento urbanístico, e a conseqüência desses atos refletem hoje na cidade. (ENTREVISTADO EM: 20/11/2007).

Quando indagado sobre o que se espera do Plano Diretor, esse grupo de

personalidades de destaque manifestou-se de maneira bastante positiva: 17 pessoas esperam

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que o Plano Diretor seja realmente executado e o restante espera que haja melhorias no

município. Assim, “que não fique como um mero documento guardado e que seja seguido à

risca senão todo, mas uma grande parte, obedecer ao que está no plano”. (SECRETÁRIO

MUNICIPAL, ENTREVISTADO EM: 09/01/2008).

Mas, para o Chefe de Gabinete do Prefeito e advogado:

Toda mudança gera conflito, mas estamos aí com paciência, sem fugir daquilo que foi decidido e aprovado na Câmara dos Vereadores. Inicialmente houve certa resistência por parte da Câmara municipal, mas graças a Deus foi aprovado e esperamos poder colocá-lo em prática o mais rápido possível. (ENTREVISTADO EM: 14/11/07).

Entre as personalidades de destaque entrevistadas quanto às possíveis dificuldades

para que o Plano Diretor pudesse continuar e fosse efetivamente executado, as respostas e

argumentações foram variadas. Cerca de 8 pessoas atribuíram à cultura política local o

principal fator que poderia dificultar o andamento e a execução do Plano. Já 05 pessoas

atribuem empecilhos ao Plano Diretor à questão de tipo de gestor público que se tem, à forma

de proceder e de administrar a coisa pública, à falta de compromisso, de apoio logístico por

parte da administração municipal e à própria falta de uma Equipe Técnica voltada para a sua

execução. Já 05 entrevistados atribuíram às dificuldades financeiras, o fator principal capaz de

bloquear o Plano Diretor:

As dificuldades são mais, na minha concepção, financeiras; o município, o pessoal muitas vezes não colabora com o que diz respeito a nossa cidade. Eu espero que num futuro bem próximo seja muito bem aproveitado. Pelo menos o esforço da equipe coordenadora do Plano Diretor foi válido, ela trabalhou muito tanto na zona urbana como na zona rural. (ENTREVISTADO EM: 14/11/07).

Já para a advogada, assessora jurídica entrevistada:

As dificuldades são muitas: falta de capacidade pessoal, de técnicos, de recursos, porque tudo é muito caro e os municípios de modo geral não estão preparados para essa efetivação, ou seja, a realidade socioeconômica do município realmente interfere muito nessa execução. (VEREADORA DO MUNICÍPIO, ENTREVISTADA EM: 14/11/07).

Além das dificuldades financeiras, 06 entrevistados responderam que as principais

dificuldades seriam administrativas. Com relação a este tipo de dificuldades encontradas, o

quadro abaixo identifica que tipos de dificuldades administrativas são essas:

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Nº de Ordem Especificação 1 “administração não vai bem” 2 Falta de apoio, estrutura ao Plano 3 Depende do gestor e das “posses do município”

4 “Depende da escolha”, “da consciência”, “do compromisso do gestor”

5 Depende do gestor, da população, mas, sobretudo “da intervenção do gestor do município”.

6 Depende do gestor: “O restante cabe ao prefeito agora seguir”. Quadro 05 Dificuldades Administrativas Identificadas pelos Entrevistados

Fonte: Pesquisa de Campo/Entrevistas, 2007/2008.

Dos 34 entrevistados, cinco pessoas atribuíram a maior dificuldade à participação do

povo, à falta de credibilidade, ao pessimismo e ao individualismo, ao nível de informação do

povo.

É, primeiramente tem vários fatores. Eu acho que um deles é o nível de informação do nosso povo, está criando certo pessimismo (...). Está todo mundo no individual, à espera pelo outro. Ninguém toma decisão. Está faltando o companheirismo e acreditar no nosso potencial. (COMERCIANTE DE QUEIMADAS, ENTREVISTADO EM: 20/11/2007).

Longe de atribuir, como é de praxe, ao povo a responsabilidade pelos seus próprios

infortúnios e incapacidades, duas falas expressam que a falta de informação, de

desconhecimento da necessidade de um Plano Diretor, o fato de ainda não ter adquirido

consciência da importância do Plano, está associado à falta de credibilidade da população nos

políticos, nos gestores públicos. Portanto, são falas sobre falta de credibilidade nos políticos,

nos gestores, nos responsáveis por cargos públicos. Assim:

[...] há um descrédito muito grande da população com relação a profissionais responsáveis, e quando lhe é apresentado o Plano Diretor que está sendo puxado por A ou por B, que vem dos gestores públicos, aí a pessoa diz: “Não, isso é coisa de política”. E associa logo a uma coisa que não tem crédito, que não vai de fato acontecer. (DIRETOR DE ESCOLA PÚBLICA, ENTREVISTADO EM: 18/12/2007).

A identificação do Plano com certos grupos políticos ou a sua apropriação como feito

da administração atual, nessa fala eleva ainda mais ao descrédito, a não participação, ao

mesmo tempo em que há uma certa desqualificação de tudo advindo da ação política (governo

e Legislativo). Tudo isso parece associar-se e reforçar a denominada “cultura política de

sujeição”: a descrença, a desconfiança, a aversão ao associativismo e a cooperação, reforçadas

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pela dependência de certos grupos e personagens populistas e eleitorais, o faccionismo

político que desbota qualquer tentativa de se pensar processos participativos de condução de

programas e projetos públicos, visando vencer o atraso econômico, a pobreza, a corrupção e

mal versação da coisa pública. A outra fala é sintomática com relação aos muitos discursos

democratizantes e à promessa redentora que levam à mobilização do povo, mas não lhe

trazem respostas palpáveis esperadas. Daí a falta de credibilidade da sociedade.

Não se acredita mais nas discussões que vêm por ai, porque já há muitas discussões e não há mais nada, a gente já discutiu demais. Olha, as demandas sociais que a gente vem discutindo, pelo menos nesses dez últimos anos, não são brincadeira, eu digo isso porque desde 1988 nós participamos de várias discussões do DLIS (...) do PROGER (...) foi feito todo um planejamento de ação, mas não foi executado. Porque nós temos a dificuldade do legislador do município não comprometido, do gestor municipal não participante das discussões e quando se chega exatamente para ele aprovar, ele vem com suas peculiaridades, consequentemente fica tudo aí no papel. (PRESIDENTE DO CONSELHO MUNICIPAL, ENTREVISTADO EM: 22/11/07).

Como se pode ver, a maioria das falas coloca a questão da execução do Plano na

responsabilidade do Executivo e do Legislativo, na sua incapacidade de descer do “pedestal”

e procurar fazer uma gestão e adotar práticas descentralizadas e participativas, na falta de

visão e na pobreza cultural, na falta de espírito público do tipo republicano e pautado no

universalismo de procedimentos. Associado a isto, estaria a falta de conhecimento, de

informação ligada à cultura da não transparência, do clientelismo, da tomada de decisão, em

geral, ad hoc.

Esta falta de informação também é cobrada pelos entrevistados. Pelo menos três deles

cobraram isto da equipe que levou à frente a discussão do Plano Diretor e dos gestores

públicos integrantes do Conselho Gestor. Uma das falas foi a do pároco local, padre Valdir,

teólogo, e ainda por cima, arquiteto, que não teve conhecimento, nem ele nem a instituição

representada por ele, com os seus leigos organizados em grupos e movimentos pastorais e

sociais. Outro foi o vereador que fala do desconhecimento da necessidade de um Plano

Diretor:

acredito que um Plano Diretor para ser implantado deve ter envolvida toda a comunidade, deve ser discutida com a comunidade a necessidade daquele Plano Diretor, e com informações mostrando e evidenciando que o crescimento do município planejado será bem diferente do que quando acontece esse crescimento desordenado. (VEREADOR, ENTREVISTADO EM: 15/11/07).

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Outra fala que cobra maior conhecimento do Plano, e já passou da hora de difundi-lo,

de devolvê-lo à sociedade, é da diretora de uma escola de renome do município:

As dificuldades voltam-se para o conhecimento do plano. Para que a pessoa faça algo é preciso ter conhecimento. Esse plano, eu acho, já existe há quase um ano, foi votado e tudo, e até agora não foi distribuído com ninguém, até mesmo na sociedade, com pessoas com conhecimento da existe desse plano, com interesse de ver esse plano. Parece até que é uma coisa um pouco brecada, para eu consegui-lo foi até difícil, uma terceira pessoa com quem falei foi que veio dar-me. Quando se sabe que um Plano desse não pode ficar engavetado (...) e sim compartilhando com as pessoas da sociedade, que querem também participar disso aí. Depois, o outro fator para que esse Plano tenha um desenvolvimento é que cada comunidade tenha em mãos o plano, que haja alguém que o estude, para ver o que pode fazer, como pode cobrar as autoridades, em que podem ajudar as autoridades. Porque a gente não pode pegar e dizer mesmo assim: “Isso aqui é só do prefeito”. Não é do prefeito, é meu, é seu, é de toda a sociedade, e juntos fazemos isso daí acontecer. (VEREADOR, ENTREVISTADO EM: 15/11/07).

Grande parcela das personalidades com certo destaque público, político, cultural e

econômico municipal coloca a maior parte dos limites da execução do Plano Diretor nos

gestores públicos, nos políticos que estão nos cargos públicos, técnicos e administrativos

municipais. Cobram compromisso com o município e com os seus problemas, informações e

conhecimentos em temas e processos de interesse público, como é o Plano Diretor; cobram,

inclusive, a sua difusão ampla e o debate de seu conteúdo. Alguns estão dispostos a colaborar,

a se envolver naquilo que é de todos. Portanto, o que faltou? O que falta? Gestores públicos

comprometidos, sensíveis com os problemas sociais, competentes, empreendedores, com

visão estratégica?

Pelo menos uma questão parece ser merecedora de argumentação: as falas mostram,

em síntese, uma sociedade interessada na coisa pública e que tem certa identidade com o

território municipal um certo apego e estima pela terra natal e sua prosperidade. Não existiria

aí um certo espírito republicano e de comunidade cívica, no mínimo uma semente, ainda que

difusa de civismo? Não existiria, portanto, pessoas e entidades que expressam um certo

capital humano e social que as fazem ascender ao senso comum, ao status quo, às mesmices, a

um quadro autoritário, clientelista e de apropriação indevida de coisa pública? Não existiram

entidades, instituições, grupos sociais, homens e mulheres capazes de ascender à cultura

política “de sujeição”: aquela aversa à participação e alimentadora da estagnação econômica e

limitadora do desenvolvimento do capital humano e do capital social do município, se não

depiladora dessas espécies de valores e investimentos sem os quais o desenvolvimento

econômico e social não acontece?

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Na verdade, os dados e as informações contidos no próprio Diagnóstico do Plano

Diretor mostra que Queimadas, como a maioria dos pequenos municípios brasileiros, sofre

certos problemas e o próprio Plano Diretor deve apontar alternativas de soluções concretas,

quais sejam: falta ou desorganização dos instrumentos de controle sobre o uso e a ocupação

do solo associado à falta de legislação pertinente e à desorganização ou falta de, por exemplo,

de Cadastro Imobiliário Urbano informatizado e permanente atualizado, aversão à abertura de

espaços institucionalizados de participação e controle social associado à discussão de temas e

negócios públicos, à transparência e à democratização da informação, pouca chance de

sucesso de uma administração, de Plano, de um Conselho, devido a essa cultura aversa à

democracia, falta de integração do município em escala microrregional por falta de uma

cultura cívica e uma visão estratégica e de construção de parcerias para discussão e solução de

problemas comuns construindo fóruns, agências de desenvolvimento, consórcios, associações

municipais e regionais, dificuldades de pessoas qualificadas e de montar um sistema de

informação estruturado e informatizado, entre outros.

No entanto, para além desses problemas, parece faltar vontade política para persegui-

los em busca de superação. Na realidade local em foco, na verdade, não existe uma Equipe de

Governo coordenada, coesa, que debata e esteja sintonizada com os próprios problemas

administrativos e financeiros e com os grandes problemas sociais e econômicos do município.

Os métodos de governo são conservadores e ultrapassados, limitando-se a “empurrar

com a barriga” as atividades e os problemas de rotina administrativa. Cada secretaria

municipal funciona como se fosse uma “prefeiturazinha”. Não se tem um Plano de Governo e

há um descontrole generalizado dos gastos e receitas do município. Então, como algumas

entrevistas apontaram anteriormente, não se trata das “posses” do município, como falou

alguém; trata-se de uma gestão eficiente e eficaz dessas “posses” ou dos recursos humanos e

financeiros municipais, de melhor gestão de seu próprio capital físico, de saber avaliar o seu

capital natural e descobrir alternativas de prosperidade econômica. Entre elas, desenvolver,

investir no capital humano e social pré-existente, arrumar a casa e gerenciar a riqueza do

território municipal e aproveitar as oportunidades. E uma delas é o próprio Plano Diretor. Ele

permite visualizar o hoje e o amanhã com mais clareza, e com base nisto permite captar e

mobilizar recursos para além das fontes convencionais e constitucionais.

5.3.3 O Plano Diretor na Visão dos Informantes-Chave

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Com este subcapítulo completa-se o diálogo avaliativo com o vasto elenco de

personalidades integrantes do que se poder chamar de parcela esclarecida da sociedade,

daqueles com certo nível cultural, com experiência profissional, daqueles bem sucedidos

econômica e socialmente, daqueles com certa ascensão diante da sociedade devido ao status

da função pública exercida, e mesmo daqueles de maior escolaridade, do exercício

profissional ou da acumulação de experiências e vivências que lhes dão um certo status e

notório saber.

Esse grupo soma, portanto, com os demais 59 entrevistados representantes de

instituições de peso na sociedade civil local, além de representar o que se tem de melhor em

termos de capital humano, de “massa crítica” ou capacidade intelectual e ascendência ético-

moral, aberta a inovações e à investigação, entre outras competências e habilidades. Também

em termos de capital social como valores cívicos que presidem a capacidade de mobilização e

articulação em torno de interesses e resultados benéficos ao grupo ou à coletividade ou

mesmo à entidade, movimento ou instituição de pertença e suporte a identidade coletiva.

E aqui se terá uma certa visão, pelo menos no final do capítulo, quanto ao fato desse

conjunto de personalidades ou parcelas dele poderem ser mobilizáveis quando sensibilizados,

inclusive mediante a colocação e argumentação de problemas que aparentemente não lhe

atinge, mas que termina em longo prazo, ou indiretamente ameaçando seus interesses.

Do grupo de informantes-chave que deram uma imprescindível colaboração na

construção do Plano Diretor, foram entrevistadas 14 pessoas, entre elas, um agente fiscal da

Prefeitura, um estudante de Comunicação Social participante da sistematização de

documentos do Plano, um artista plástico, um empreendedor com experiência na área de

coleta e destinação final de resíduos sólidos, um agricultor familiar sindicalista, uma pessoa

formada em Farmácia e com experiência em Vigilância Sanitária, uma informante com curso

superior e experiência em Saúde Preventiva e Comunitária (enfermeira), um estudante de

Engenharia Agrícola e morador da zona rural, estudioso dos impactos ambientais e

alternativas viáveis, entre outras.

Todos os entrevistados evidentemente participaram da construção do Plano Diretor a

partir de suas experiências e vivências profissionais, fornecendo valiosas sugestões e

informações. Sem elas, provavelmente, o Plano Diretor perderia muito em conteúdo, em

termos de análise da realidade e das propostas formuladas e consensuados.

Alguns desses informantes foram abordados no mais das vezes em grupo,

participando, portanto, os colegas de trabalho e auxiliares próximos, daí porque propostas

consensuadas, inclusive com a participação dos entrevistadores. Destes entrevistados, pelo

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menos, 05 pessoas participaram do processo de construção do Plano, para além de suas

condições de informantes-chave, isto é, convidados para colaborar com informações,

documentação e propostas temáticas e sobre questões que tinham acúmulo em termos de

experiência profissional e vivência. Sete informantes-chave, além de participarem com essa

função, tomaram conhecimento do Plano Diretor através da Equipe Técnica e da divulgação

nos meios de comunicação e do material de propaganda. Alguns participaram de reuniões. Foi

consultada pela Equipe Técnica em várias ocasiões somente uma pessoa. Só um falou que não

tinha conhecimento de Plano Diretor: “eu não tenho conhecimento do Plano Diretor

Participativo de Queimadas, ouvi falar algumas vezes aqui mesmo com o próprio pessoal da

Vigilância Sanitária” (COORDENADORA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA,

ENTREVISTADA EM: 19/11/07).

Essa coordenadora de Vigilância Sanitária evidentemente tinha conhecimento do

processo, colocou à disposição do Plano e de sua equipe não só dados do órgão público que

coordena, mas provavelmente nomeou alguém para substituí-la nos eventos e espaços de

discussões orquestrados pela equipe técnica do Projeto. É tanto que outro informante-chave da

vigilância sanitária falou:

A necessidade desse Plano Diretor já vem de muitos anos. A Vigilância Sanitária precisa muito de um Plano Diretor. Esse trabalho é realizado há uns dois anos em Queimadas, mas agora eu tomei conhecimento, através da Secretaria de Desenvolvimento e de Infra-estrutura, da necessidade de conversar sobre as questões pertinentes. (COORDENADORA DE DIVISÃO VIGILÂNCIA AMBIENTAL, ENTREVISTADA EM: 19/11/07).

Já um funcionário com experiência na área tributária da Prefeitura tomou

conhecimento do Plano Diretor através de uma reunião que: “houve no clube abordando os

temas limpeza urbana inclusive o Plano Diretor”. (FISCAL DA PREFEITURA,

ENTREVISTADO EM: 14/11/07).

Bom, pelo menos, de uma forma ou de outra esse grupo abordado, intencionalmente

por duas vezes, para efeito dessa pesquisa e como informantes-chave sobre temas e problemas

de relevância para o município, tomaram conhecimento da importância do Plano. É tanto que,

quando indagados sobre o que sabem sobre o Plano Diretor, apenas uma entrevistada falou

que não sabia muita coisa. Um deles, com desenvoltura, falou:

O Plano Diretor de Queimadas traz em seu corpo todo o planejamento estratégico feito de forma participativa junto com a comunidade, onde você encontra toda informação no tocante à economia, ao social, ao ambiental, todos esses aspectos estruturados de forma estratégica e planejada para vinte anos, em cima dos anseios

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das comunidades tanto rurais quanto dos segmentos da zona urbana. (ESTUDANTE, ENTREVISTADO EM: 15/11/07).

Outro entrevistado funcionário da Prefeitura Municipal de Queimadas e também

professor no município falou que:

O Plano Diretor é um documento que foi exigido pelo governo federal para os municípios com mais de 20 mil habitantes e Queimadas se insere neste contexto. Além do mais, o Plano Diretor traz em si uma visão holística de como se encontra o seu município. Então ele é dividido em setor econômico, social, ambiental e administrativo. O Plano Diretor traça um perfil de todo município sobre esses vários ângulos. (ENTREVISTADO EM: 17/11/07).

MaIs à frente, informa:

Sem sombra de dúvida, a equipe responsável pelo Plano Diretor teve muito trabalho, foram feitas várias reuniões, sensibilizações, mobilizações para que o pessoal estivesse adentrando a essa consciência da importância deste documento. Então eu participei através de reuniões, palestras, leituras de documentos e, sobretudo, levantamento de informações que serviram para implementar o Plano Diretor. (ENTREVISTADO EM: 17/11/07).

Faz jus salientar que o informante fala duas vezes que o Plano Diretor é um

“documento”, porque na sua cultura, do interior do Nordeste, o documento, o escrito, o

documentado é uma prova, um valor da existência das coisas, dos seus propósitos e passível

de ser cobrado, vigiado.

Com relação a sua participação específica no Plano, esse mesmo colaborador falou

que:

Sendo biólogo, o que me ficou incumbido foi fazer um levantamento sobre o atual quadro ambiental do município. Para isso estudamos várias monografias de estudantes de Biologia e Geografia do nosso município e fizemos um diagnóstico usando esses documentos sobre a questão ambiental de Queimadas. (ENTREVISTADO EM: 17/11/07).

Já outro informante-chave declarou que:

Minha contribuição foi pouca, porque eu sabia dos problemas da educação. Então, além da análise que fiz da parte do rural, pois nasci e me criei na zona rural... eu tinha uma habilidade muito grande de escrever sobre o campo... minha experiência como pessoa oriunda da zona rural e professora ajudou muito a construir tanto a parte de educação quanto a parte de análise dos dados da zona rural. (PROFESSORA E INFORMANTE, ENTREVISTADA EM: 15/11/07)

Observe outro depoimento:

[...] falamos sobre a divisão, sobre os programas que nós trabalhamos, questão de controle das endemias, mas sabendo que esse trabalho é muito limitado em termos de vigilância ambiental, porque hoje nós trabalhamos nesse setor falando muito em combate às endemias, tanto é que muito recentemente foi mudado o nome dos Agentes de Vigilância Ambiental para Agentes de Combate às Endemias, e eu ainda

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prefiro ver o agente de combate às endemias como um agente potencial em vigilância ambiental. Pois estamos muito perto das comunidades, dentro das casas das pessoas em visita. Fazemos seis tipos de visitas anuais, por exemplo, no controle da dengue, e estamos em contato permanente com essas pessoas. Então somos conhecedores de tudo que se passa na vida daquelas pessoas, o que fazem, como vivem aquelas comunidades. É preciso não só ver o programa em si, mas perceber todo o contexto de vigilância ambiental, os cuidados: como você cuida do lixo, seu entendimento sobre lixo, como você vai descartá-lo, o que você pode fazer para minimizar o impacto no meio ambiente, o que fazer para não contaminar tanto o solo e as águas. Hoje, a gente tenta mostrar às pessoas que devemos trabalhar a parte educacional; que não é só você chegar e colocar um veneno para matar uma larva, para matar um inseto e está tudo resolvido, mas a cada dia devemos fazer isso numa intensidade menor, porque quando a gente põe esse veneno ali para matar as larvas, para matar mosquito, também está matando todo um outro sistema que está ali, outros animaizinhos, outros insetos que podem ser benéficos, e também estamos alterando aí o ar que respiramos. Sabemos que é uma coisa que vai demorar um pouco, que não é uma coisa de uma hora para outra. Mas, quando a gente faz isso, está trabalhando toda uma questão ambiental, e não só essa questão do controle da endemia em si. A gente faz o trabalho que deve ser feito, mas sempre abrindo os olhos das pessoas para uma questão maior, para elas próprias se sensibilizarem e também buscarem alternativas e também um outro olhar para o meio ambiente. (COORDENADORA DE DIVISÃO VIGILÂNCIA AMBIENTAL, ENTREVISTADA EM: 19/11/07).

Outro informante-chave teve contribuição fundamental na área de administração:

Minha contribuição no tocante à área de Administração foi entender, no que diz respeito ao setor político-institucional, o Executivo. Onde a gente mostrou e demonstrou as receitas e também as despesas do município, tentou mostrar o ponto de equilíbrio entre estas, uma vez que o Código Tributário da Cidade de Queimadas existe no papel, mas na prática não. Pois este é uma fonte de receita para o município. Apontou também a dependência dos rapasses do governo a nível federal, mais uma vez dizendo que esses repasses sustentam a máquina administrativa municipal, uma vez que a arrecadação que deveria existir dos impostos da cidade é praticamente inexistente e também não cobre as suas despesas com erário público. (ESTUDANTE, ENTREVISTADO EM: 15/11/07).

Como se pode ver, e esses depoimentos já parecem ser suficientes para demonstrá-lo,

não se trata aqui de uma participação qualquer, mas de uma participação qualificada,

esclarecida, crítica, propositiva, rica em termos de saberes, de conhecimento, de informações.

E é esse tipo de informação, de esclarecimento que é cobrado, que as outras entrevistas

cobram. Cobram também a participação consciente do povo, a sua participação ampla e

através de vários espaços, canais, instrumentos.

Portanto, longe de qualquer intenção manipulatória ou de tipos de participação onde

camadas populares e outros segmentos sociais são mobilizados em certas ocasiões para uma

participação apenas plebiscitária: aplaudir o dito e aprovar, acreditar que vai ser feito. E se se

trata de crença, não haveria, consequentemente, necessidade de acompanhar, de controlar, de

cobrar, de reivindicar. Como era de se esperar, não por acaso essa visão se coaduna com a

parcela mais esclarecida e escolarizada da sociedade.

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Não por acaso, quando esse grupo de informantes foi consultado sobre a sua visão

quanto ao destino do Plano Diretor, depois de aprovado pela Câmara, a maioria, cerca de 09

do total de 14 entrevistados, respondeu que não sabia do “destino do Plano, do que aconteceu

ou que não sabe quando vai ser colocado em prática”. Também que “não tenho informação” e

nem sabe “onde procurar informações”. Isto reflete o descaso dos gestores públicos

responsáveis pelo Plano, para com o povo de Queimadas, especificamente com a sua parcela

mais esclarecida, com aqueles que contribuíram, mobilizaram-se, “arregaçaram as mangas”,

trabalharam, deram tudo de si para sistematizar o Plano até a construção e aprovação da Lei.

No entanto, o Plano foi silenciado, não foi divulgado, publicizado, não teve a sua cartografia

corrigida, a legislação complementar não foi elaborada, não existe mais Conselho Gestor e

nem Equipe Técnica, a Câmara não cobra e aprovou uma Lei sob condição de que fossem

concluídas as tarefas anteriormente elencadas.

Mais um documento engavetado para ampliar a descrença na política e nas políticas?

Quem ganha e quem perde com isso? Desrespeito? Descaso? Falta de compromisso?

Descrença, descaso, descompromisso, desconfiança, engavetamento de documentos públicos,

tudo isso não expressa a depilação, o desprezo, a desvalorização de todo esse capital humano

e social pré-existente no território municipal e que foi mobilizado e deu respostas?

Se os estoques de capital social, como confiança, normas e sistemas de participação

tendem a ser acumulativos e se reforçar mutuamente, incluindo aí também o capital humano,

essa interdição e silêncio em torno do Plano Diretor Participativo de Queimadas impõem

àqueles que trabalharam, se mobilizaram e acreditaram/apostaram em algo novo que estava

surgindo e que dependia tão somente dos esforços da própria iniciativa local, estar-se diante

de um atentado contra o futuro do município e a sua intelectualidade, instituições, entidades e

movimentos sociais. Impedindo os círculos virtuosos do processo de construção do Plano

Diretor passarem a se multiplicar em outros círculos virtuosos e que redundem em equilíbrios

sociais com elevados níveis de cooperação, confiança, reciprocidade, civismo e bem-estar

coletivo (PUTNAM, 1966).

Impedir que o Plano Diretor tenha continuidade só faz reforçar os níveis contrários de

desordem, deserção, confiança, omissão e própria estagnação econômica, social, cultural e

política do município, senão retrocessos difíceis de serem controlados, além de problemas

ambientais, como a desertificação que se processa dilapidando o capital natural e ecológico do

território municipal.

Para complementar os depoimentos que atestam a parada e o silêncio da

Administração Pública Municipal em torno do Plano Diretor e o próprio quadro de

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argumentação acima, veja-se o que os grupos de informantes-chave afirmam quanto aos

possíveis limites à implementação desse Plano:

Nº de Ordem Síntese das Respostas

1 “a questão política infelizmente. Existência de ameaças por um grupo de oposição”.

2 “Não sei”. 3 “Não há. O Plano não se restringe a administração”. 4 “A burocracia, a política”. 5 “Não sei. Visão de que o Plano se restringe até a lei e a sua aprovação”.

6 A população não está preparada. O limite é grande. Não vai cobrar saída. Não vai buscar saída. Não tem conhecimento.

7 Dois limites: (1) o sucessor e sua capacidade de bom senso; e, (2) que o governante queira implementar e superar os extremismos da divergência política.

8 “Depende do sucessor”. 9 Divergências políticas/ vontade política dos governantes.

10 Vontade política. 11 Vontade Política. 12 Falta de esclarecimento da população. 13 Vontade política. 14 Vontade política do sucessor.

Quadro 06 Informantes-chaves à Execução do Plano Diretor Fonte: Pesquisa de Campo/Entrevistas, 2007/2008.

Como se pode ver, 08 entrevistados em suas respostas identificaram a falta de

vontade política, tanto desta como da administração municipal sucessora, como a principal

barreira para a execução do Plano Diretor, o que vai reforçar os argumentos anteriores. Como

se trata de um contexto de cultura política autoritária e clientelista, portanto, não cívica, em

geral a figura do prefeito e de seus prepostos aparecem na consciência coletiva como os entes

sobre os quais se atribuem todas responsabilidades coletivas: públicas e sociais. Por seu turno,

estes se alimentam dessa crença e fazem até questão de alimentá-la, reforçando os laços de

dependência e sujeição como padrão de relação social entre dirigentes e eleitores,

materializado no clientelismo. Daí porque algumas respostas colocaram o limite na

população, porque não está preparada e nem organizada para cobrar. Faltou maior preparação

e informação. De fato, ao que tudo indica, a vontade política tem sido o fator principal

possível de explicar o “silêncio” em torno do Plano Diretor. Mas, e a camada esclarecida e

que até aqui deu sua opinião, identificou a importância do Plano e se pronunciou sobre os seus

limites e alcances? Provavelmente a campanha eleitoral de 2008 seja esse elemento motivador

para a cobrança e retomada do processo.

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5.3.4 O Plano Diretor na Visão do Povo em Geral

Como a população em geral tomou conhecimento do Plano Diretor, para além das

reuniões e consultas havidas na sociedade, qual é o seu nível de assentimento quanto aos seus

objetivos e alcances? De que forma o processo de mobilização e sensibilização social atingiu

a massa do povo via rádio, jornal, panfletos, folder e outros instrumentos? Qual foi a eficácia

dessa comunicação praticada?

Com este subcapítulo encerra-se a sistematização e análises das informações empíricas

de nossa pesquisa. Nesse grupo social foram entrevistadas 17 pessoas, na medida em que as

respostas foram se repetindo, tirou-se uma média dos conteúdos quanto à informação

apresentada sobre o tema. Desses entrevistados, 06 são estudantes, portanto 1/3 ou 33% do

total; uma entrevistada é professora; 02 entrevistados são radialistas; e 08 pessoas são

presidentes de associações comunitárias. Três representantes comunitários são presidentes de

associações urbanas, e o restante - os 05 entrevistados - são presidentes de associações rurais.

O quadro abaixo sintetiza o conjunto das respostas.

Nº de Ordem Síntese das Respostas Número de pessoas

1 Nunca ouvi falar. 03 pessoas

2 Já ouvi falar, apenas comentários, por cima, mas não sei o que é Plano Diretor.

05 pessoas

“continua” “continuação”

3 Ouviu falar, acompanhou o processo através de rádio e pequenos materiais.

01 pessoa

4 Ouviu falar, acompanhou o processo e inclusive participou de reuniões.

09 pessoas

Quadro 07 Cidadãos Comuns e Outros: Conhecimento do Processo de Construção do Plano Fonte: Pesquisa de Campo/Entrevistas, 2007/2008.

As três pessoas que disseram nunca ter ouvido falar e as outras três que ouviram falar,

mas muito por cima, sem saber direito o significado do Plano Diretor, são todas estudantes de

ensino médio em Queimadas. E se os programas da rádio local não atingiram essa camada

social da população, é porque a juventude está voltada para outros meios de comunicação,

outros canais e espaços de sociabilidade e interação, como a internet. Apesar da insistência do

pessoal da assessoria para se visitar as escolas com palestras, apoiadas com bonés, folder,

cartazes, filmes e slides para datashow, inclusive envolvendo professores, isso não foi feito.

Depois se propôs ir às escolas quando o Plano já estava aprovado pela Câmara Municipal,

para divulgá-lo e mobilizar os estudantes e professores através de seminários temáticos, como

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forma de socializar informações, enfatizando o uso dos diagnósticos e da cartografia do

município nas escolas, enfim construir, legitimar o Plano e a lei que o institucionalizou. Nada

foi feito. Estranho essa atitude dos gestores públicos e coordenadores do processo, quando a

juventude e os professores e professoras do município deveriam ser o público privilegiado,

em termos de mobilização, esclarecimentos e participação. Um Plano estratégico e de

ordenação espacial e de desenvolvimento local sustentável que se quer com um horizonte de

20 anos, não poderia ter desconhecido a juventude, as próprias crianças e adolescentes.

O profundo conteúdo ético ao desenvolvimento sustentável está exatamente no

respeito às gerações de hoje e de amanhã, sobretudo, quanto aos direitos a um ambiente

saudável. E o ambiente saudável na cidade e no campo não é só relativo à conservação da

natureza, ao saneamento básico, à qualidade da moradia e à segurança alimentar e nutricional,

entre outros aspectos, é também, a qualidade de vida, de um ambiente saudável segundo os

tipos de relações que se tecem uns com os outros no cotidiano. Relações essas governadas por

certos valores.

Destas pessoas que acompanharam e detinham maior domínio do processo, dos

objetivos, dos alcances, apenas uma professora não participou de reuniões (rede particular de

ensino) e um radialista disse não ter tido nenhuma participação. Todos as outras pessoas, 09

das 11 que acompanharam e tiveram conhecimento do que era ou vinha a ser Plano Diretor,

tiveram uma participação ativa, como atesta o seguinte depoimento:

[...] eu participei no Sombreiro, na reunião do Plano Diretor, como representante da Rádio Kiriris FM e constatei uma grande participação por parte da comunidade, dos sindicatos, das associações. Eu via o incentivo no olhar das pessoas, a esperança de dias melhores a partir do Plano Diretor Participativo. (RADIALISTA, ENTREVISTADO EM: 13/11/07).

O que os que tomaram conhecimento e acompanharam o processo e outros que

participaram mais ativamente esperam do Plano?

Nº de Ordem Síntese das Respostas Número de pessoas

1 “Ele ser aplicado”, “que dê tudo certo”, “que os projetos dentro dele sejam realizados”, “que funcione de verdade e aconteça mesmo”, “que as idéias sejam colocadas em práticas”.

06 pessoas

2 Mais organização, mais estatística da cidade. 01 pessoa 3 Melhoria e desenvolvimento do município. 01 pessoa 4 Direcionar o crescimento do município. 01 pessoa

Quadro 08 Cidadãos Comuns e Outros: Perspectivas sobre o Plano dos mais Interessados Fonte: Pesquisa de Campo/Entrevistas, 2007/2008.

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Quase todas as expectativas é que o Plano Diretor venha a ser concretizado, dê certo e

seus propósitos sejam realizados. Mas um presidente de associação comunitária disse: “espero

que haja ação porque até agora eu só vi conversas e palestras, pelo menos aqui nós não

tivemos beneficio algum até hoje” (PRESIDENTE DE ASSOCIAÇÃO, ENTREVISTADO

EM: 08/01/08).

Quanta responsabilidade, em levantar tantas expectativas num povo já tão “calejado”

na vida! Outro depoimento:

Foi ativa, eu sempre dava minhas opiniões,minha participação foi ótima já que eu sempre estava a par do que estava acontecendo, sempre recebia as cartas comunicando onde seriam realizadas as reuniões,foi uma participação muito boa. (PRESIDENTE DE ASSOCIAÇÃO, ENTREVISTADO EM: 13/11/07).

O processo, pelo menos para quem nele se engajou, se constituiu num processo de

aprendizagem, como atesta um presidente de Associação Comunitária:

Logo no início tivemos uma semana de capacitação para comunidade, todo um processo de mobilização, de introdução ao Plano Diretor foi realizado no Colégio Maria Dulce Barbosa. Eu participei de algumas reuniões. Daí a gente foi mesmo se aperfeiçoando e entendendo de uma forma mais aprofundada o que realmente era o Plano Diretor e o que ele trazia de benéfico para o município. (PRESIDENTE DE ASSOCIAÇÃO, ENTREVISTADO EM: 22/11/07).

Esses presidentes de associações comunitárias revelam de certa forma a mentalidade

média da maioria da população: reivindicam soluções imediatas para problemas que, às vezes,

exigem respostas bem mais complexas. De qualquer forma, exigem ação, atitudes concretas.

Uma delas é de cobrança a quem cabe, em primeiro plano, reivindicar para Administração

Municipal procurar devolver ao povo o investimento que lhe foi exigido (participação

voluntária, por exemplo, conhecimentos, saberes, experiências, capital cultural), retomando o

Plano Diretor e socializando com o povo responsabilidades e perspectivas, senão a própria

responsabilidade de abandoná-lo ao esquecimento. Isto porque, conforme o quadro abaixo, a

maioria dos entrevistados que acompanharam, tiveram conhecimento ou foram ativistas

engajados no Plano, não tem qualquer conhecimento do que vem ocorrendo com ele ou tem

informações meio confusas sobre a sua execução.

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Nº de Ordem Síntese das Respostas Número

de pessoas

1 Não tem conhecimento, Não sabe. 05 pessoas

2 Realizações tímidas, lentas. Muita coisa boa acontecendo: ampliação das escolas, recolocação da feira, abertura de ruas, organização do trânsito.

03 pessoas

3 Até aqui para nós, nada. 01 pessoa Quadro 09 Cidadãos Comuns e Outros: o Que Está Acontecendo em Termos de Plano Diretor

Fonte: Pesquisa de Campo/Entrevistas, 2007/2008.

Essas confusões entre realizações de obras e outras ações com a execução do Plano

Diretor, de certa forma, também reforçadas pelas declarações da Administração Municipal, se

de um lado favorecem um não desgaste do instrumento de ordenamento e desenvolvimento

sustentável, por outro esconde o que de fato está acontecendo ou aconteceu com o Plano:

depois de aprovada a Lei do Plano Diretor pela Câmara Municipal, não se falou mais dele e se

não processou mais nada que lhe desse continuidade.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo ora realizado teve o objetivo de identificar e analisar os limites e as

possibilidades de elaboração e execução desse Plano Diretor Participativo do Município de

Queimadas - Paraíba. Este plano constitui-se num instrumento de planejamento estratégico

participativo do desenvolvimento local sustentável, tendo como eixo o ordenamento da

ocupação do espaço urbano e rural.

Assim, para se alcançar o objetivo central proposto neste trabalho, procurou-se: (1)

perceber como foi possível construir de forma participativa esse instrumento de

desenvolvimento local sustentável e de ordenamento espacial em Queimadas, dadas às

adversidades do contexto; e (2) identificar quais são os entraves e as suas possibilidades de

execução, quando se sabe que esse contexto é marcado por uma cultura política local

autoritária e clientelista. Do ponto de vista metodológico procurou-se respostas em elementos

não estudados pela ortodoxia econômica, quais sejam: o capital social, o capital humano e a

cultura política local. Entendendo-se que esses elementos são essenciais, ou seja, são

pressupostos e supostos para a construção e execução de um plano diretor como estabelece o

Estatuto da Cidade/Ministério das Cidades.

Essas categorias são inerentes a uma boa participação. Esta foi entendida enquanto

poder de decidir, de fazer, de construir e usufruir. E também enquanto possibilidades de

realizar uma boa governança (PAULA, 2000), gestão democrática e compartilhada

estabelecida entre poder público e a sociedade. Assim, o capital humano (SCHULTZ, 1973;

FRANCO, 2001); o capital social (PUTNAM, 1996) e a cultura política local são elementos

essenciais para a participação e para a boa governança. E, se o Plano Diretor espelha

participação, governança local, pactuação em torno da proposta do desenvolvimento local

sustentável, ele não pode ser executado sem que esses elementos estejam presentes e possam

ir se consolidado enquanto processo naquele determinado local. Estariam aí os limites e

também as possibilidades de se executar um plano diretor participativo de desenvolvimento

local sustentável.

Os limites estão estabelecidos no frágil desempenho do capital humano, do capital

social e na cultura política imperante. E as possibilidades de ele vir a ser construído e

executado estiveram e estão também nesses elementos. Isto é, o desenvolvimento ou o seu

oposto depende do nível de acúmulo de cada um deles e, sobretudo, do capital social em uma

determinada sociedade. Nesse sentido, não pode haver desenvolvimento se não forem

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eliminadas todas as barreiras que restringem a liberdade (SEN, 2000) para esses elementos

poderem se acumular, se desenvolver. Ou seja, se os cidadão e cidadãs não estiverem

empoderados individual e coletivamente, o planejamento não passará, como afirmou Chico de

Oliveira (1997), de uma forma amenizadora de conflitos sociais; nem tampouco participativa,

como aqui se procurou analisar. Dessa forma, o planejamento deixa de espelhar o

desenvolvimento econômico-social desejado, protagonizado pelos atores sociais locais, pelos

agentes de mudança de uma sociedade (SEN, 2000).

As variáveis nesse trabalho, tidas como fundamentais para o progresso econômico e

social, para o desenvolvimento local sustentável, portanto, foram o capital humano, o capital

social e a cultura política. Assim, o capital humano é algo redutível ao indivíduo. No entanto,

o capital social não é redutível ao agente. Ele só pode ser usufruído por este enquanto

pertencente ao grupo social, podendo obter resultados que não obteria individualmente. Desse

modo, a cooperação, o estabelecimento de laços de reciprocidade e de confiança, a

organização objetivando algo comum, como no nosso caso a elaboração e execução do Plano

Diretor, pressupõem expressões do capital social e, por conseguinte, fatores favoráveis a um

ambiente democrático, potencializador da participação cívica e da solidariedade social,

contribuintes para aumentar a eficiência da sociedade (PUTNAM, 1996). Ou seja, contribuem

para obter os resultados pelo grupo pensado e desejado.

Nesse sentido, observa-se que sem essas variáveis o planejamento do

desenvolvimento, aqui proposto participativo, fica fora do alcance das pessoas. Ou seja, se as

pessoas não se organizam, não cooperam, ficam enfraquecidas perante o Estado, perdendo

poder de barganha, não pressionando e não se articulando com o poder público na busca de

alcançar o desenvolvimento econômico e social, cujo reflexo seria a qualidade de vida e o

bem-estar dos indivíduos. O desenvolvimento passa pelo campo da política, das correlações

de forças, e participar é isso: ultrapassar situações de jogo de soma zero, cenários que

prevaleçam à pura coerção, buscando-se a coordenação das diferenças e a pactuação de

interesses. E nessa pactuação buscar construir alternativas com as quais todos satisfaçam seus

interesses prioritários.

Nesse caso, conforme foi visto, os diagnósticos de Queimadas apontam para a

fragilidade do capital humano e do capital social, além de uma cultura política adversa e

balizada em valores antidemocráticos. Isso impossibilitou a participação efetiva dos cidadãos

e cidadã individual e coletivamente na construção do Plano Diretor.

Então, o Plano Diretor Participativo está aí, embora ainda inconcluso, porque lhe falta

ainda alguns reparos técnicos (cartografia) e outros fazeres imprescindíveis, como o seu

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próprio lançamento público. Está aí como uma inovadora política pública; pública porque diz

respeito àquilo que é de todos e que, de certa forma, foi construído com determinada

participação popular. Inovadora porque porta o exercício de uma nova institucionalidade, por

seu turno, balizada por novos valores associados a novos ambientes e a novas organizações,

novos conceitos e novos métodos, a novas tecnologias e novos saberes, desenhando uma nova

cultura de gestão da coisa pública. Assim, esta nova institucionalidade pensada no nível do

Plano abriria o diálogo no município entre diferentes atores e grupos de interesses, com novas

práticas de controle e gestão da coisa pública. Isso possibilitaria um novo aprendizado e

estabeleceria novas relações entre Sociedade, Estado e Mercado.

Uma vez construído o Plano e mostrados os seus limites e possibilidades, inclusive a

assertiva de que sem capital social não há crescimentos econômico e, muito menos,

desenvolvimento, indaga-se: O município de Queimadas estaria condenado ao atraso, à

estagnação econômica e social? Verifica-se que a cultura política prevalecente expressa uma

sociedade desorganizada, desarticulada, segregada e onde os indivíduos por falta de virtude

cívica buscam a maximização das vantagens materiais, isolando-se de outrem e buscando

abrigo no seio familiar, configurando o que na literatura chama-se de familismo amoral

(PUTNAM, 1996). Essas sociedades têm na prática do clientelismo a solução, o remédio para

esse estado de entropia social. Nesse contexto, o capital social é bastante precário e o capital

humano é permanentemente desvalorizado. Conclui-se que a tendência é a sua condenação ao

atraso econômico e social.

Porém, uma provável solução para essas sociedades, a exemplo do município de

Queimadas, estaria na seguinte questão colocada por Putnam (1996): as instituições moldam a

política e as instituições são moldadas pela história. Nesse sentido, em Queimadas

historicamente as relações sociais produzidas e arraigadas na sociedade são balizadas em

relações de poder, de normas e procedimentos, de sistemas que são adversos ao

desenvolvimento econômico e social.

Nesse caso, o Plano Diretor abria uma possibilidade, uma perspectiva de mudança

social, tendo por base o indivíduo e sua ação coletiva. Esse novo instrumento traria a

possibilidade de uma nova prática política. Dessa forma, essa nova institucionalidade

estabelecida e proposta pelo Plano Diretor seria o ponto de partida para se pensar novas

práticas políticas fundadas na participação e com o objetivo de potencializar esses fatores

produtivos, como capital humano e capital social, além do exercício de uma cultura política

mais democrática.

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Assim, em longo prazo (como se propõe o Plano) a adoção dessas novas práticas

políticas poderia fazer com que o acúmulo de capital humano e os estoques de capital social,

como confiança, normas e sistemas de participação, tendessem a ser cumulativos e a

reforçarem-se mutuamente, configurando-se um movimento de aprendizado social onde as

instituições moldassem a prática política até então vigente e, reciprocamente, a história

moldasse as instituições (PUTNAM, 1996).

O futuro não pode parar na gaveta! Nele está a possibilidade coordenada pelo

Conselho da Cidade de se construir uma cultura política de participação, de se exercitar novas

práticas políticas, de deslanchar um aprendizado social que resulte em um futuro onde a

integração social seja balizada pela confiança, pela cooperação, pela reciprocidade, pelo

associativismo cívico e pelo bem-estar coletivo.

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7 REFERÊNCIAS

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Anexos

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Nº Entrevistado (a) Profissão/Ocupação/Função Data da Entrevista

ESC*

1 Ana Madalena Rijo Coordenadora da Vigilância Sanitária de Queimadas 19/11/07 SC 2 Antônio Carlos Ferreira Presidente do Conselho Tutelar, professor, escritor e atuante na política do município 14/11/07 SC 3 Antônio França Silva Presidente da Associação 22/11/07. EM 4 Antônio Valentim Pereira Estudante 14/11/07 EM 5 Anuska Ranoica de O. Macário Estudante 19/11/07 EM 6 Arnaldo Maia Vereador da cidade de Queimadas 15/11/07 SC 7 Bernadete Barbosa de Farias Secretária de Saúde do Município de Queimadas 19/11/07 SC 8 Bernadete Barbosa de Farias Secretária de Saúde do município de Queimadas 19/11/07 SC 9 Carlos Artur M. Ernesto de Melo Secretário de Finanças do município de Queimadas 09/01/08 SC 10 Carlos Artur M. Ernesto de Melo Vereadora do município de Queimadas 09/01/08 SC 11 Damião Silva Calafange Presidente da associação 11/10/07 EM 12 Davi da Silva Lopes Técnico de Infra-Estrutura da Prefeitura Municipal de Queimadas 22/11/07 EM 13 Dejailson Silva da Costa Júnior Estudante 14/11/07 EM 14 Dimas Barbosa Radialista 13/11/07 EM 15 Edmundo Silva Artista plástico do município de Queimadas 19/11/07 EF 16 Elinete da Silva Secretária de Ação Social do Município de Queimadas 18/12/07 EM 17 Elinete da Silva Secretária de Ação Social do Município de Queimadas 18/12/07 EM 18 Érica Figueiredo Maia Advogada da Prefeitura Municipal de Queimadas. 21/11/07 SC 19 Fabiano da Silva Pereira Presidente da Associação 22/11/07 EM 20 Francisco Diassis Pereira Comerciante 22/11/07 EM 21 Francisco Diassis Pereira Comerciante do ramo de confecções no município de Queimadas 22/11/07 EM 22 Geruza de Albuquerque Diretora do Colégio Imaculada Conceição, no município de Queimadas 14/11/07 SC 23 Gutenberg Germano Barbosa Secretário de Educação do município de Queimadas e Professor da Universidade Estadual da Paraíba. 08/01/08 PG 24 Hosana Francisca Chagas Presidente da Associação 17/11/07 EM 25 Isabel Cristina Farias Quirino Coordenadora da Divisão de Vigilância Ambiental do Município de Queimadas 14/11/07 SC 26 Ivanilsom Rodrigues da Silva Vereador da cidade de Queimadas e comerciante 17/11/07 EM 27 Ivonete Cabral Bezerra Vereadora de Queimadas 14/11/07 EM 28 João Almeida Fiscal da Prefeitura Municipal de Queimadas 14/11/07 EM 29 José Carlos de Souza Rêgo Comerciante do município de Queimadas 20/11/07 EM 30 José Cosme de Araújo Tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Queimadas, e também agricultor 14/11/07 EF 31 José Ezequiel Barbosa Lopes Secretário de Cultura do Município de Queimadas e professor do Colégio O Ernestão 17/11/07 SC 32 José Francisco da Silva Representante do Banco do Brasil 08/01/08 SC

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33 José Gerailton de Macêdo Presidente da Câmara dos Vereadores de Queimadas 13/11/07 SC 34 José Gerailton de Macêdo Presidente da Câmara dos Vereadores do Município de Queimadas 13/11/07 SC 35 José Gonçalo Presidente da Associação 22/11/07 EM 36 José Gonçalo da Silva Presidente de Associação 22/11/07 EM 37 José Marciano Monteiro Secretário do Desenvolvimento do Município de Queimadas e Coordenador Técnico do PDP 27/12/07 SC 38 José Marciano Monteiro Secretário de Desenvolvimento do Município de Queimadas e sociólogo 27/12/07 SC 39 José Messias Gomes da Silva Secretário de Agricultura do município de Queimadas 14/11/07 EM 40 José Williames Professor e também funcionário da Prefeitura Municipal de Queimadas 17/11/07 EM 41 Josefa Gomes Barbosa Presidente da Associação 15/11/07 EM 42 Josefa Nóbrega Leal Escrituraria da Prefeitura Municipal de Queimadas 14/11/07 SC 43 Joselito Ricardo R. dos Santos Radialista 27/12/07 EM 44 Luis Carlos Nunes Estudante 22/11/07 EM 45 Márcio Teixeira Promotor público do município de Queimadas 20/11/07 SC 46 Maria Anunciada Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município de Queimadas 20/11/07 EM 47 Maria da Penha Cordeiro Vereadora do município de Queimadas e tem como profissão auxiliar de Enfermagem 14/11/07 EM 48 Maria das Neves de Lima Diretora do Colégio Menino Jesus 14/11/07 SC 49 Maria das Neves Rodrigues Professora e estudante de Pós-Graduação em Sociologia 15/11/07 SC 50 Maria de Fátima da Silva Vice-diretora do Colégio O Ernestão 20/11/07 SC 51 Maria de Fátima Dantas Diretora e professora do Colégio José Tavares 10/11/07 SC 52 Maria de Fátima Gudes Coordenadora do PSF 10/01/08 SC 53 Maria do Carmo Souza Vereadora do município e também auxiliar de Enfermagem 14/11/07 EM 54 Maria do Ramos Souza Auxiliar de Enfermagem 17/11/07 EM 55 Maria Isabel T. de Oliveira Secretária de Administração do Município de Queimadas 14/11/07 SC 56 Maria José Bezerra Presidente da associação 13/11/07 EM 57 Maria Nazaré da S. Gomes Assistente social EMATER 14/11/07 SC 58 Mauricio da Silva Xavier Presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável 22/11/07 SC 59 Natália Barros Pereira Professora do Colégio Dinâmico Infantil 21/11/07 EM 60 Natan Barros Pereira Estudante de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba 13/11/07 EM 61 Núbia Sâmara T. da Silva Estudante 13/11/07 EM 62 Pamella Thais Pessoa Estudante 18/12/07 EF 63 Pastor Erivam Pastor e teólogo 15/11/07 SC 64 Paulino Henrique da Silva Presidente da associação 08/01/08 EM 65 Raimundo Lopes de Farias Vereador do município de Queimadas 22/11/07 SC 66 Renato Lima Ramos Estudante de Engenharia Agrícola da Universidade Federal da Paraíba 13/11/07 EM

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67 Ritaci Barros Leal Diretora do Colégio Estadual O Ernestão e professora 20/11/07 SC 68 Rodolfo de Medeiros Araújo Chefe de gabinete do município de Queimadas e advogado 14/11/07 SC 69 Romero Gomes de Lima Operador de máquinas da empresa Alpargatas e gerente da empresa ECOLUB 15/11/07 EM 70 Rosalvo Silva Cabra Agente comunitário de saúde 18/12/07 SC 71 Sabiniano Samuel Araújo Estudante de Administração da UEPB 15/11/07 EM 72 Saulo Ernesto de Melo Prefeito de Queimadas 18/12/07 SC 73 Severina Silva Pereira Secretária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Queimadas e também é agricultora 14/11/07 EF 74 Valdemar Gomes Diretor do Colégio O Assisão, do município de Queimadas 18/12/07 SC 75 Valdir Campelo Cabral Padre da Paróquia do Município de Queimadas. 22/11/07 SC

Anexo 1 – Quadro dos Entrevistados (as).

Fonte: Pesquisa de Campo/Entrevistas, 2007/2008. *Escolaridade: EF (Ensino Fundamental); EM (Ensino Médio); SC (Superior Completo) e PG (Pós-graduado).

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Identificação do entrevistado Nome do pesquisado: _________________________________________________________ Sexo: ( )M ( )F Nascimento: ___ / ___ / _____. Estado civil: _________________ Grupo: _____. Atividade: ________________________________________________ Data: ___ / ___ / 2007. Local: ______________________________________________ Escolaridade: ____________________________ Profissão: _________________________ Local de trabalho: ____________________________________________________________ Outras habilidades: ___________________________________________________________ Por que mora em Queimadas? Em qual local teria melhores oportunidades? Por quê?_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Roteiro de entrevista do Grupo 1.

• Que significado você atribui a sua participação nessa experiência? • Que aprendizado, vivência você destacaria nesse processo? • Que motivações o levou a participar ou não participar do empreendimento? • Quais os alcances e os limites na operacionalização do Plano, já que outros

planos de igual magnitude e elaborados em outros recantos do País terminaram por ser engavetados?

• O Plano Diretor foi feito e agora? Serve par que? É mais um documento?

Roteiro de entrevista do Grupo 2.

• O que sabe sobre Plano Diretor quanto a sua importância, objetivos e alcances reais?

• Que se espera do Plano Diretor de Queimadas? • Que dificuldades podem ser identificadas a sua implementação? Por quê?

Roteiro de entrevista do Grupo 3.

• Como tomou conhecimento do Plano Diretor de Queimadas? • O que você sabe sobre o Plano Diretor de Queimadas? • De que forma participou? • Qual a sua contribuição segundo seu setor de atividade? • O que você sabe sobre o destino ou rumo que tomou o Plano? • Que limites, quais as barreiras possíveis e que possibilidades de ele ser

implantado?

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Roteiro de entrevista do Grupo 4.

• Quando ouviu falar de Plano Diretor? • Através de qual meio? Como foi a sua participação nas reuniões do Plano

Diretor?

• O que você espera desse Plano? • O que está acontecendo em termos de realizações?

Anexo 2 - Roteiro de Entrevistas. Fonte: Elaboração Própria