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52 CAPÍTULO II: DO LIVRO (SUA CAPA ), DOS DISCURSOS E DO PARATEXTO – Este livro não é meu! Meu Deus, o que fizeram do meu livro? Oriana Fallaci O Autor, o editor e o paratexto Uma pessoa tem a idéia de escrever um texto. Resolve que será do gênero policial e o criminoso somente será reconhecido pelo leitor na última linha. Escreve, escreve, escreve. Revisa, revisa, revisa (ele aprendeu que o bom texto é aquele do qual mais se corta do se preserva). Terminada a tarefa, ele, agora, um Autor, quer que muitos leiam o seu texto. O que fazer? Dadas as novas tecnologias, pensou em colocar na internet. Como não entendia nada daquilo, procurou um amigo que era webdesigner . “A gente podia criar um blog e publicar um pouco de cada vez. Em capítulos. Daí você espalhava pros amigos o link (www.[...])”. Blog? Link ? Achou moderno demais. Ele queria que fosse livro. “Tem mais prestígio. Ler na tela de computador não é nada prazeroso. Se o leitor quisesse imprimir, talvez ficasse mais caro...”. Livro. É isso. Envia cópias de seu original para diversos editores. Recebe vários nãos, algumas cartas corteses “no momento temos muitos originais e não estamos aceitando outros”. E depois de algum tempo, quando já começava a se decidir pelo blog (chegara a conversar com o amigo webdesigner para viabilizar o projeto), recebe um convite. Um editor o convida para uma reunião. Quer discutir o texto, tem umas sugestões, uma idéia muito boa. Uma, duas, três reuniões. Entusiasmo, frustração. Está quase decidindo pelo blog. “Não era essa a minha idéia, não foi bem assim que escrevi”. Depois se entusiasma “É, o editor tem razão. Vai ficar bom com as sugestões dele.”. Livro. É isso mesmo. Agora o seu texto começará a ser pensado como livro. Como um objeto e um produto que será vendido. Uma mercadoria. Assina-se o contrato, define-se que ele irá receber 5% de direitos autorais. “Sabe, você é autor novo. A gente tá se arriscando. Depois, se vender bem, a gente conversa”. O editor convoca seus auxiliares e o livro passa a ser produzido. Que formato terá? Que fontes escolher? Determinar a mancha impressa. Terá prefácio? Se houvesse alguém muito conhecido que fizesse um texto de apresentação, ia ajudar muito. E o papel? De quanto vai ser a tiragem da primeira edição? E a capa? É, a capa é muito importante: “Ela é a porta de entrada para o seu texto”. Reuniões, reuniões, reuniões. Depois de meses, o livro está pronto. Tiragem de 3000 exemplares. É um policial. Aguça a curiosidade. O texto tem qualidade. A primeira capa é atraente. Tem o nome do Autor, no alto, em destaque, depois o título (que é chamativo) no centro. Logo abaixo, menciona-se que o prefácio é de (porque o prefaciador é bom, tem prestígio). No rodapé, o selo da editora. Tudo bem diagramado e centralizado. A imagem – cena noturna em que, um frouxo foco de luz, permite ver um corpo caindo de uma janela de um hotel. O contraste de luz e sombra dá o clima de mistério característico de um gênero policial (antecipa-o sem o revelar). A quarta capa dá continuidade àquela cena e os poucos focos de luz permitem ver alguns barcos atracados em um modesto cais e a sombra de uma pessoa (Homem? Mulher?) que se esgueira em direção a um dos barcos. Sobre essa cena, em tipos brancos, discretos para não quebrar o tom, um trecho do prefácio com elogios ao Autor: “uma verdadeira revelação” ... “há muito não surgia no panorama das histórias policiais um Autor” ... “a narrativa é empolgante” ... “não ficaria surpreso se ele virasse filme ou minissérie” ...). Exemplares são enviados a críticos, devidamente acompanhados de press-release que abre com partes do texto do... prefaciador. Exemplares são distribuídos pelas poucas livrarias do país. Para as livrarias virtuais. Agora, lá está ele, o livro, na vitrine e nos balcões das livrarias,

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CAPÍTULO II: DO LIVRO (SUA CAPA), DOS DISCURSOS E DO PARATEXTO

– Este livro não é meu! Meu Deus, o que fizeram do meu livro?

Oriana Fallaci

O Autor, o editor e o paratexto

Uma pessoa tem a idéia de escrever um texto. Resolve que será do gênero policial e o criminoso somente será reconhecido pelo leitor na última linha. Escreve, escreve, escreve. Revisa, revisa, revisa (ele aprendeu que o bom texto é aquele do qual mais se corta do se preserva). Terminada a tarefa, ele, agora, um Autor, quer que muitos leiam o seu texto. O que fazer? Dadas as novas tecnologias, pensou em colocar na internet. Como não entendia nada daquilo, procurou um amigo que era webdesigner. “A gente podia criar um blog e publicar um pouco de cada vez. Em capítulos. Daí você espalhava pros amigos o link (www.[...])”. Blog? Link? Achou moderno demais. Ele queria que fosse livro. “Tem mais prestígio. Ler na tela de computador não é nada prazeroso. Se o leitor quisesse imprimir, talvez ficasse mais caro...”. Livro. É isso. Envia cópias de seu original para diversos editores. Recebe vários nãos, algumas cartas corteses “no momento temos muitos originais e não estamos aceitando outros”. E depois de algum tempo, quando já começava a se decidir pelo blog (chegara a conversar com o amigo webdesigner para viabilizar o projeto), recebe um convite. Um editor o convida para uma reunião. Quer discutir o texto, tem umas sugestões, uma idéia muito boa. Uma, duas, três reuniões. Entusiasmo, frustração. Está quase decidindo pelo blog. “Não era essa a minha idéia, não foi bem assim que escrevi”. Depois se entusiasma “É, o editor tem razão. Vai ficar bom com as sugestões dele.”. Livro. É isso mesmo. Agora o seu texto começará a ser pensado como livro. Como um objeto e um produto que será vendido. Uma mercadoria. Assina-se o contrato, define-se que ele irá receber 5% de direitos autorais. “Sabe, você é autor novo. A gente tá se arriscando. Depois, se vender bem, a gente conversa”. O editor convoca seus auxiliares e o livro passa a ser produzido. Que formato terá? Que fontes escolher? Determinar a mancha impressa. Terá prefácio? Se houvesse alguém muito conhecido que fizesse um texto de apresentação, ia ajudar muito. E o papel? De quanto vai ser a tiragem da primeira edição? E a capa? É, a capa é muito importante: “Ela é a porta de entrada para o seu texto”. Reuniões, reuniões, reuniões. Depois de meses, o livro está pronto. Tiragem de 3000 exemplares. É um policial. Aguça a curiosidade. O texto tem qualidade. A primeira capa é atraente. Tem o nome do Autor, no alto, em destaque, depois o título (que é chamativo) no centro. Logo abaixo, menciona-se que o prefácio é de (porque o prefaciador é bom, tem prestígio). No rodapé, o selo da editora. Tudo bem diagramado e centralizado. A imagem – cena noturna em que, um frouxo foco de luz, permite ver um corpo caindo de uma janela de um hotel. O contraste de luz e sombra dá o clima de mistério característico de um gênero policial (antecipa-o sem o revelar). A quarta capa dá continuidade àquela cena e os poucos focos de luz permitem ver alguns barcos atracados em um modesto cais e a sombra de uma pessoa (Homem? Mulher?) que se esgueira em direção a um dos barcos. Sobre essa cena, em tipos brancos, discretos para não quebrar o tom, um trecho do prefácio com elogios ao Autor: “uma verdadeira revelação” ... “há muito não surgia no panorama das histórias policiais um Autor” ... “a narrativa é empolgante” ... “não ficaria surpreso se ele virasse filme ou minissérie” ...). Exemplares são enviados a críticos, devidamente acompanhados de press-release que abre com partes do texto do... prefaciador. Exemplares são distribuídos pelas poucas livrarias do país. Para as livrarias virtuais. Agora, lá está ele, o livro, na vitrine e nos balcões das livrarias,

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na primeira página do site da livraria virtual, destacado como lançamento e, sob a reprodução de sua primeira capa, um pequeno trecho do pref... você sabe. A ansiedade do Autor é tanta que compra jornais para ver se alguém dá alguma notícia. Nada. “Os jornais de hoje não dão a mínima para a literatura, principalmente a brasileira.” Resigna-se o Autor que continua comprando jornais. Num sábado, num cantinho de página, reconhece, numa pequena foto, o seu livro. Uma breve descrição (sim!), seu nome, o da editora e o preço. Resenha que é bom, nada. “O gênero policial é desprestigiado. Dizem que não, mas as evidências contrárias são muitas”. Conforma-se o Autor. Mais alguns meses se passam. O Autor recebe o primeiro pagamento de seus direitos. “Não dá pra muita coisa, mas ajuda”. Lamenta o Autor. Um dia, recebe um convite: reunião com o editor. “Ele vai dizer que encalhou”. Imagina o Autor. Para sua surpresa, o editor o recebe com alegria. Oferece-lhe bebida. Conversam sobre amenidades. “Ele está preparando o meu espírito para a bomba”. Continua imaginando o Autor. Depois de algum tempo, o editor abre um largo sorriso: “Meu, teu livro tá bombando! Tá vendendo muito”. O Autor não compreende bem: a relação entre essas palavras do editor e o dinheiro que recebeu parece dizer o contrário. “Nesses dois últimos meses, a coisa pegou. Sabe, o boca-a-boca. Marketing viral, como dizem os modernos. O seu romance tá vendendo que nem água. Você vai sentir isso no próximo pagamento”. “É mesmo?” entusiasma-se o Autor. “É. Já tem a nova tiragem quase pronta. Dez mil! Dez mil!” “É messsssmo?!” Muito entusiasmado o Autor pergunta: “E o negócio dos direitos?” O editor tergiversa “Sabe, ainda fica como está. Dez mil é uma tiragem de risco. Que editora faria isso? Vamos ver como a coisa vai andar, depois a gente conversa. Ah! E tem outra história no gatilho? Precisamos aproveitar o sucesso”.

continua

Neste trabalho, considera-se o livro como sendo um “evento comunicacional”, ou seja,

ele é objeto construído por sujeitos que, sob várias condições (sociais, econômicas,

históricas...) elaboram vários textos que produzem variados efeitos de sentido sobre outros

sujeitos. Para esclarecer melhor e, também, definir alguns termos que foram empregados na

Introdução, toma-se uma situação como exemplo. Um sujeito escreve um romance. Enquanto

este romance não vem a público, define-se aqui que se trata de um texto original. Ao se

decidir por sua publicação em livro, outros sujeitos passam a se dedicar àquele texto original

com a finalidade de torná- lo público. Passado algum tempo, o livro se torna um objeto que,

agora, contém em seu interior, um texto principal. Por que principal? Exatamente porque, em

torno desse texto principal, há outros textos que cumprem outras funções.

O objeto livro, numa livraria, é um evento comunicacional, ele está diante do público

que, a rigor quer se apossar do texto principal, porém, para chegar até ele, lê outros: a capa

talvez seja o primeiro deles. A capa comunica-se com o público, bem como as demais partes

do livro. Assim, se há interesse por uma obra acadêmica, ele poderá, depois de passar por

alguns textos, verificar se no livro, há um índice remissivo, isso o orientaria a comprá- lo ou

não. Dessa forma, pode-se dizer que o índice se comunicou com aquele público. Mesmo se

não houvesse índice, algo seria comunicado: o público poderia entender que a editora não o

respeitou e, por extensão, formaria uma imagem ruim daquela casa editorial.

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É necessário ampliar esse universo, pois os discursos não se dão de forma tão simples.

Conforme Maingueneau (2001, p. 59-60), a sociedade é dividida “em diferentes setores:

produções de mercadorias, administração, lazer, saúde, ensino, pesquisa científica etc. –

setores que correspondem a grandes tipos de discurso”. Afirma o autor que estas divisões,

“baseiam-se em grades sociológicas mais ou menos intuitivas”. A esses grandes tipos de

discurso, correspondem tipos de discurso que, por sua vez, têm, em seu interior, os gêneros

de discurso. No esquema abaixo, talvez esses conceitos possam ser mais bem compreendidos.

Figura 15: ESQUEMA DOS DISCURSOS

Aplicando-se o esquema ao objeto livro, que, segundo Sandra Reimão (2004, p. 102),

foi o “primeiro produto cultural a ser industrializado e estandardizado”, obter-se-á a seguinte

categorização: na sociedade, um dos grandes tipos de discurso é o midiático. Como o livro

participa desse universo e o seu conjunto é um texto (comunica e comunica-se), pode-se

afirmar que o discurso editorial é o tipo de discurso que o categoriza. Porém, o objeto livro

não se apresenta de forma homogênea, ele é constituído de partes (capa, página de rosto etc.)

Grandes tipos de discursos

Tipos de discursos

Gêneros de discurso

Sociedade

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que também comunicam, afirma-se que dentro do tipo discursivo editorial, há gêneros de

discurso – que correspondem às partes que compõem um livro.

Assim, a partir da próxima seção, caracteriza-se o discurso editorial, entendendo-o

como um tipo de discurso em que estão presentes não somente os procedimentos adotados na

confecção do objeto livro, como também as condições de sua produção. Apresentam-se,

depois, os gêneros do discurso editorial que correspondem às partes em que se estrutura um

livro – com maior atenção à capa. Como também o livro é mercadoria e os discursos não

ocorrem de forma autônoma e isolada, discute-se, ainda, a relação que há entre o discurso

publicitário e o discurso editorial. Por fim, retoma-se o conceito de paratextualidade para

aprofundá- lo e compreender de que forma ele pode ser encontrado tanto no discurso editorial

quanto no gênero de discurso em que se constitui a capa de livro.

1. DO DISCURSO EDITORIAL

Antes de caracterizar o discurso editorial, é necessário compreender como se

construiu, historicamente, a função editor. Emanuel Araújo (1986, p. 36) afirma que a figura

do editor, caracterizada como um “preparador de originais”, que era “responsável pela edição

de um texto a ser divulgado (transcrito) pelos copistas”, passou a existir, no Ocidente, desde o

século III a.C. – ainda à época do rolo. No entanto, os cuidados desse editor não impediam os

excessivos defeitos observados nos volumens, causados “pela ausência de textos

normalizados”: por exemplo, decisões quanto a como pontuar, como transcrever, como dividir

palavras ficavam a critério de cada copista que procediam de forma arbitrária e, por vezes,

prejudiciais à fidelidade do original (ARAÚJO, 1986, p. 36-37). Ainda, segundo Araújo

(1986, p. 37),

um texto original jamais combinava com suas cópias precisamente pela multiplicação de variantes [grifo do autor] introduzidas de forma involuntária, por falta de normas que guiassem o trabalho dos copistas de modo a uniformizar os textos segundo um padrão considerado ideal ou correto.

A consciência de que era necessária a adoção de critérios que levassem à normalização

dos textos pode ser notada após a fundação da Biblioteca de Alexandria, ocorrida por volta de

290 a.C., e que, até 47 a.C. – ano em que um incêndio a destruiu – influenciou sobremaneira

os procedimentos editoriais. De acordo com Araújo (1986, p. 37-38), os prostates (diretores

da Biblioteca) assumiram a tarefa de “recuperar e normalizar, em edições críticas, o maior

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número possível de textos”, de modo a fixar “um texto único e completo a partir das inúmeras

cópias que corriam” e só encerravam essa “tarefa depois de a obra achar-se catalogada,

revisada, comentada, provida de sumário, índice e glossário, tabelas explicativas”, dentre

outros cuidados. Foi com essa mesma consciência que os livros manuscritos (os códices)

foram produzidos, especialmente, a partir do século V, “quando o processo de crítica textual

se intensificou até o século XV”, graças, sobretudo, “à iniciativa dos monges, que estenderam

sua atividade por toda a Europa.” (ARAÚJO, 1986, p. 39-41). A rigor, os editores nesse

período continuavam a adotar aqueles princípios estabelecidos na Biblioteca de Alexandria.

Em meados do século XV, o aparecimento da imprensa fez com que, aos poucos, se

mudasse “o lugar social da produção dos livros”: transferiu-se para mãos leigas uma atividade

que, anteriormente, estava concentrada nos conventos, submetida a uma “estrutura fortemente

hierarquizada e conservadora, cerceadora da expansão do conhecimento, especialmente se

novo”, criando-se, assim, “as possibilidades para o surgimento de novas relações de poder na

produção e na circulação do livro e, por conseqüência, em toda a cultura européia da época.”

(BRAGANÇA, 2002). Num primeiro momento, segundo Emanuel Araújo (1986, p. 45-46),

criou-se a atividade do impressor. No entanto, como adotava cuidados quanto à

“normalização do texto”, podia ser considerado também editor – tanto que Aníbal Bragança

(2002) nomeia esses profissionais como “editores- impressores”. Profissionais que foram

decisivos para que, “em menos de trinta anos, o novo produto” tomasse “a aparência como

conhecemos até hoje.” (ARAÚJO, 1986, p.45).

A possibilidade de se produzir livros padronizados, em série e em quantidade maior,

trouxe como conseqüência a ampliação do mercado editorial, atraindo novos leitores e, por

extensão, que os participantes do mundo editorial tivessem seus papéis mais bem definidos,

uma vez que imprimir, editar e vender eram atividades que se confundiam. Conforme

Bragança (2002), ao lado dos editores- impressores, surgem também profissionais que se

dedicam ao comércio do livro – os livreiros – que “mais freqüentemente de livreiros se

tornam editores- livreiros”. Um dos primeiros passos na direção de definir as especializações

dentro do universo editorial ocorrera já no século XVI. Afirma Araújo (1986, p. 49) que,

naquele momento, começaram a surgir “as primeiras casas publicadoras ou editoras, dirigidas

por pessoas sem qualquer vínculo com ‘a famosa arte de impressão’”. Entretanto, as

definições começaram a ficar mais claras após a segunda metade do século XVIII: “nos

centros urbanos mais desenvolvidos, com efeito, separaram-se nitidamente as funções do

publicador das do impressor ou tipógrafo e das do livreiro, o que se tornaria definitivo com a

especialização imposta pela Revolução Industrial”.

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Como, então, a partir daí, ficaram definidas as atribuições do editor? Para Araújo

(1986, p. 35-36), poder-se-ia fazer uma distinção entre editor e publicador (o autor aqui

trabalha com as diferenças presentes na língua inglesa: editor e publisher). O primeiro é

definido como “a pessoa encarregada de produzir, [grifo do autor] dentro de determinados

padrões literários e gráfico-estéticos, uma obra destinada a divulgação comercial” – para

referendar tal designação, Araújo menciona que a Unesco (apud ARAÚJO, 1986, p. 36)

define o termo editor como “pessoa responsável pelo conteúdo ou pela preparação da

publicação de um documento para o qual pode ou não ter contribuído”. Já publicador refere-se

ao “proprietário ou responsável de uma empresa organizada para a publicação de livros”.

Mais adiante, Araújo (1986, p. 53) afirma ser o editor responsável pela fidedignidade do

original apresentado pelo escritor bem como pelo “suporte material [grifos do autor] com que

se apresentará o texto (...) de modo a não trair – ao contrário, preservar, ressaltar – o

pensamento do autor”. Por fim, Araújo (1986, p. 54) define que, na produção de livros, as

atribuições do editor

consistem basicamente em supervisionar a publicação de originais em todo o seu fluxo pré-industrial (seleção, normalização) e industrial (projeto gráfico, composição, revisão, impressão e acabamento). Assim entendido, o vocábulo recupera, ao menos parcialmente, o seu sentido original, sua velha dignidade de bibliakós [grifo do autor], “versado no conhecimento dos livros”.

Em contraste a essa definição, Houaiss (1967a, p.3) entende que as atribuições acima

correspondem ao “editor de texto” ou “diretor de texto” – neste caso, aproxima-se do conceito

de editor utilizado no inglês. Assim, para ele, o sentido da palavra editor, na língua

portuguesa, – semelhantemente ao que ocorre no francês (editeur), no espanhol (editor) e no

italiano (editore) que, por sua vez, acompanham o significado do inglês publisher – designa,

restritamente, ou a pessoa sob cuja responsabilidade, geralmente comercial, corre o

“lançamento, distribuição e venda em grosso do livro”, ou a “instituição, oficial ou não, que,

com objetivos comerciais ou sem eles”, responsabiliza-se pelo lançamento, pela distribuição

e, às vezes, pela “venda do livro”.

A síntese dessas duas definições pode ser encontrada em Aníbal Bragança (2005, p.

221), para quem, no conceito do termo editor, devem estar incluídas ambas as atribuições

(tanto a de preparar o livro, dando-lhe uma feição, quanto a de publicar), justificando que,

dessa forma, fica mais bem representado

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o complexo campo de suas atividades na indústria editorial. Especialmente, porque insere implicitamente como encargo do editor a publicação, não apenas no sentido de dar à luz o livro impresso, mas na ação de torná-lo publicamente conhecido, isto é, difundido, distribuído, consumido e lido.

Neste trajeto para se compreender a função exercida pelo editor, pode-se ter a

impressão de que todo o trabalho necessário para a produção de um livro é executado somente

por ele. Para que não paire dúvida quanto a isso, faz-se necessário afirmar que, segundo

Araújo (1986, p. 297),

da feitura do produto livro [grifo do autor] dependerá a legibilidade ideal do escrito, mesmo – e sobretudo – combinando-se este a recursos iconográficos, como a intercessão de gravuras, fotografias, mapas, gráficos etc., para não falar na vital escolha adequada de tipos, na harmonia das páginas e na perfeita impressão de toda a obra.

Desse processo – que Araújo (1986, p. 297) chama de industrial –, participam muitos

outros profissionais, tais como, o revisor, o ilustrador, o designer gráfico, o produtor gráfico,

o impressor, entre outros. Antonio Houaiss (1967a, p.4), vai além, afirmando que, na

passagem de um texto original a livro, entre esse original e o leitor, “intermedeia uma série

maior ou menor de profissionais, que vão emprestar ao seu trabalho o concurso de seus

conhecimentos, experiência, sabedoria, técnica e operosidade (...)” e coloca, entre esses

profissionais, o editor. Aníbal Bragança (2005, p. 224) não concorda com isso, pois, para ele,

o editor tem papel fundamental nesse processo, até porque, o “movimento de criação nasce –

ou não nasce – a partir da decisão do editor de pub licar – ou recusar – o original” e enfatiza:

São os editores, enfim, que decidem que textos vão ser transformados em livros. E, pensando em qual público a que devem servir, como serão feitos esses livros. Mesmo quando não é deles a iniciativa dos projetos, é deles que parte a direção a seguir. É neste lugar de decisão e de comando, e de criação, que está o coração do trabalho de editor. É também esse lugar que exige dele saberes específicos (“escolher, fabricar, distribuir”), que o diferenciam dos demais agentes envolvidos no processo editorial, e lhe impõe responsabilidades únicas, profissionais, sociais, econômicas, financeiras, administrativas e mesmo (juntamente com os autores) judiciais.

Independentemente disso, não há como negar que, em todas as decisões tomadas pelo

editor para que o livro chegue até o público, no momento em que este tem o livro em suas

mãos, estará com um objeto no qual ressoam diversas e diferentes vozes. Até mesmo para

decidir se deve ou não publicar um texto, o editor não o faz de forma solitária, uma vez que

fatores sociais, históricos, mercadológicos, culturais estarão presentes no aceite (ou na recusa)

de um original.

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Com base nisto, nos fatores históricos apresentados e em como a função do editor veio

se configurando, é possível, enfim, caracterizar o discurso editorial como uma tipologia

discursiva. Assim, ao ler um livro, o leitor estará em contato com um objeto polifônico

(embora não precise ter consciência disso). Se a legibilidade lhe é garantida, porque o

designer gráfico definiu mancha gráfica, ou seja, a parte impressa delimitada pelo tamanho

atribuído às margens do papel, e escolheu tipos adequados, é a voz daquele designer que

estará presente no momento da leitura. Ou se a capa de um livro exposto na livraria o atraiu de

modo a tomá-lo em suas mãos e a folheá- lo, será a voz do capista que nesse instante se fará

ouvir. Ainda mais, no trabalho do designer, do capista e do editor, há vozes que lhes são

anteriores: toda a tradição que veio sendo construída ao longo do tempo estará ressoando. Por

exemplo, se um texto é composto no tipo denominado Times New Roman (como se faz neste

trabalho), trata-se de uma escolha que remonta à própria criação daquele tipo a partir de uma

idéia de Stanley Morison e desenhada por Victor Lardent, em 1932, atendendo a uma

encomenda do jornal The Times, de Londres. Já a composição em Garamond, recua ainda

mais no tempo, a 1530, quando Claude Garamond concebeu esse tipo (FERLAUTO; JAHN,

2001, p. 10). Foram as diversas utilizações bem-sucedidas desses tipos, de que tanto designer

gráfico quanto o editor têm conhecimento, que propiciaram o seu emprego.

Figura 16: primeira capa de Mad Maria Arquivo do autor

Figura 17: aplicação de cinta sobre primeira capa do livro Trem-Fantasma Arquivo do autor

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É possível também caminhar para fora do objeto livro para que outras vozes possam

ser ouvidas. Em 2005, a TV Globo levou ao ar a minissérie Mad Maria. Foi um momento

oportuno para que a Editora Record lançasse uma nova edição de Mad Maria [fig.16], de

Márcio Souza, “Livro que inspirou a minissérie da TV Globo”, como revela o enunciado que

vem no alto da capa, logo abaixo de seu título. Se esta é uma decisão que obedece a uma

lógica mercadológica evidente, o que dizer do lançamento pela Companhia das Letras,

também em 2005, da 2ª edição (revista e ampliada) de Trem-fantasma: a ferrovia Madeira-

Mamoré e a modernidade na selva, de Francisco Foot Hardman? O livro chegou às livrarias

acompanhado de uma cinta promocional em que se podia ler: “A aventura da construção da

ferrovia que inspirou a minissérie Mad Maria” [fig.17]. Nestes dois exemplos, ocorre o

diálogo entre vários discursos: o literário, da obra de Márcio Souza; o científico, de Francisco

Foot Hardman; o editorial, presente no objeto livro e o televisivo, por meio do gênero

minissérie. E, em todos, as vozes se cruzam. Eis, portanto, outra particularidade dos discursos.

Porém, afirmar que se trata de um produto polifônico, não faz do livro algo que não

tenha um sujeito que se responsabilize por ele, ou, então, que essa responsabilidade deva ser

creditada a todos os participantes. É o editor esse sujeito, uma vez que, ao final do processo, é

ele quem toma as decisões e por elas responde. Para Bragança (2005, p. 224), o editor atua

como “um filtro no elo entre autor e leitor. Filtro que pode ser uma barreira intransponível

entre um escritor, com um manuscrito, e um autor, e os leitores, mas que pode, também, ser a

ponte entre um escritor inédito e um autor consagrado e lido”. A escolha da palavra filtro,

permite compreender como atua o editor: aceita algumas soluções, rejeita outras, ou, até

mesmo, interfere no próprio texto do escritor (BRAGANÇA, 2005, p. 222). A palavra ponte,

por sua vez, indica o resultado final, quando, por meio do editor, o livro alcança o público.

Ambas, portanto, revelam que no livro há a presença das vozes e dos tempos, e que foram as

decisões do editor que possibilitaram que o livro tivesse aquele aspecto e não outro.

Nesta última afirmação, evidencia-se outra característica discursiva: diante de um

produto acabado, pode-se intuir que aquela finalização poderia ter outra feição, caso outros

fatores tivessem sido levados em conta. Como se pode notar pelas palavras de Maria Augusta

Babo (apud BRAGANÇA, 2005, p. 224) que destaca “o duplo desempenho mediático”

presente na função editor: “entre o texto e o leitor através do livro; entre o mundo da

publicação possível e o da publicação efetiva. Mediação esta, de natureza performativa, na

medida em que é o mundo da publicação efetiva que determina o mundo da leitura possíve l”.

Ou seja, entre a “publicação possível” e a “efetiva”, muitos fatores serão relevantes e

marcarão não só o aspecto do livro, como ainda o seu consumo.

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Para Aníbal Bragança (2005, p. 224), exatamente no espaço, entre o possível e o

efetivo, em que o editor atua ora como “juiz”, ora como “polinizador, entre as leituras

possíveis e as efetivamente disponíveis na sociedade, entre a apatia e a dinamização do

mercado de bens culturais, é que se deve buscar sua dimensão histórica, econômica, social e

cultural”. Com estas palavras, inseridas em texto em que não trata da questão do discurso,

Aníbal Bragança permite que se conclua esta seção, ressaltando que a busca pela “dimensão

histórica, econômica, social e cultural” em que se deve compreender o trabalho do editor,

corresponde à síntese com que se pode caracterizar o discurso editorial: um livro será

apresentado ao público (que poderá ser um provável leitor) em uma determinada forma. Esta,

por sua vez, será um resultado possível obtido graças às múltiplas tomadas de decisões

realizadas por um sujeito que chegou até elas de acordo com as condições de produção

existentes durante o tempo que foi necessário para que aquele projeto livro fosse executado.

Caracterizado o editorial como um tipo de discurso, torna-se necessário apresentar e

compreender quais gêneros discursivos nele estão presentes e como se caracterizam, dando-se

ênfase à parte extratextual que corresponde exatamente aos procedimentos adotados na

confecção da capa de um livro.

2. DOS GÊNEROS DISCURSIVOS PRESENTES NO DISCURSO EDITORIAL

“Conhecer” um livro não é tê-lo lido integralmente, é examinar sua folha de rosto, ler o prefácio ou a introdução, consultar o índice, a errata, se houver, o colofão e as orelhas. De outro modo eu nunca poderia conhecer os meus livros, mas dessa forma eu os “conhecia” todos.

Plínio Dolyle

Os gêneros discursivos que pertencem ao tipo de discurso editorial serão considerados

e caracterizados tendo por referência a forma como um livro é estruturado. Essa estrutura, que

há muito tempo está normalizada, foi construída por meio das inúmeras soluções adotadas

desde a época dos volumens e dos manuscritos e, em especial, depois que o livro passou a ser

impresso. A normalização das publicações pode ser encontrada em obras que tratam do objeto

livro, bem como nos manuais de metodologia que orientam a elaboração de artigos, de

trabalhos de conclusão de curso, de dissertações de mestrado e de teses de doutorado. Para

muitas das definições adotadas, tanto em livros quanto em publicações científicas, há normas

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e padrões estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Nesse

caminhar, diversos aspectos – culturais, econômicos, gráficos, dentre outros – foram

determinantes para que uma publicação ganhasse a forma e a estrutura com que ela se

apresenta ao público.

Emanuel Araújo (1986, p. 430) revela vários desses aspectos. Assim, nos papiros e

pergaminhos já era possível encontrar “elementos estruturais formalizados”, tais como, “a

divisão da obra em capítulos e estes organizados em seções maiores, a abertura e o

fechamento do livro sob formas tradicionais, ilustrações arranjadas na página de modo

padronizado”. Os primeiros impressores aproveitaram “da tradição manuscritora os elementos

básicos que viriam conformar a estrutura mesma do livro”. Porém, a imprensa, ao mesmo

tempo em que se pautava naquelas tradições, teve que adotar novas soluções “em benefício de

sua linguagem, o que se traduziu em uma normalização eficaz antes de o livro impresso

completar cem anos de história”.

Tal normalização pode ser observada nas partes que compõem um livro e que o

estruturam. Ainda que não haja divergências quanto à noção de que um livro é composto por

partes distintas, no momento de classificá-las, Antonio Houaiss (1967b) e Emanuel Araújo

(1986) apresentam algumas diferenças. Para Houaiss (1967b, p. 45), o livro, depois da

imprensa, “consta, do ponto de vista material, essencialmente de folhas, cujo conjunto passou

pouco depois a ser revestido” e, inicialmente, teria duas partes: revestimento (encadernação

ou brochura) e “corpo, isto é conjunto de folhas impressas”. Mais adiante, Houaiss (1967b, p.

49) afirma que o “texto lato sensu, isto é, como equivalente de tudo o que seja impresso em

tipos ou caracteres móveis no livro” pode ser dividido em duas partes: a textual (o texto strito

sensu) e a extratextual (partes pré-textual e pós-textual). Emanuel Araújo (1986, p. 430), por

sua vez, afirma que, atualmente, o livro tem uma estrutura composta por quatro partes, a

saber: pré-textual; textual; pós-textual e extratextual.

Entre as duas estruturações mencionadas, entende-se que aquela apresentada por

Emanuel Araújo permite compreender que, embora todo o fazer editorial tenha como objetivo

produzir o livro como um objeto íntegro e harmonioso, há procedimentos peculiares a cada

uma das quatro partes que propiciam a caracterização de gêneros discursivos distintos, como

se verá a seguir.

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2.1 O GÊNERO DISCURSIVO PRÉ-TEXTUAL

Como o próprio nome já diz, a parte pré-textual é formada por uma série de elementos

que antecedem o texto principal – nem todos são obrigatórios e tampouco obedecem a uma

regularidade, uma vez que, conforme cada editora, podem ser encontradas variações quanto à

localização de algumas informações. Araújo (1986, p. 431) apresenta “os elementos mínimos”

que podem constituir essa parte pré-textual e na ordem a seguir (que, para ele, seria a ideal):

falsa folha de rosto; folha de rosto; dedicatória; epígrafe; sumário; lista de ilustrações; lista de

abreviaturas e siglas; prefácio e agradecimentos.

Nessa relação, Emanuel Araújo inclui ainda a introdução. Porém não há como

defender a idéia de ela pertencer à parte pré-textual, uma vez que sua redação é de

responsabilidade do autor e integra o corpo do seu texto. Dessa forma, ela está relacionada à

parte textual. Como faz a Secretaria da Cultura do estado do Paraná (2004, p.36) em suas

Normas para edição de livros, bem como autores que orientam a apresentação de trabalhos

acadêmicos, como Pedro Furasté (2006, p. 75-76); Israel Azevedo (2002, p. 54) e André

Rodrigues (2005, p. 71). E o prefácio, quando escrito pelo autor, também não deveria ser

considerado textual? Neste caso, não, uma vez que, embora possa ser redigido pelo autor,

possui características e função diferentes. No prefácio, o autor tem liberdade: seja para

explicar aspectos referentes à própria construção de seu texto, seja para relacionar o texto

principal a outros (dele ou não), seja para fazer agradecimentos. Além disso, muitas vezes, o

prefácio é elaborado por outra pessoa, tornando-se mais fácil compreendê-lo como pré-

textual.

Devido às características de cada obra, nem sempre a parte pré-textual de um livro

apresentará todos aqueles elementos. Por exemplo, da publicação de um romance, geralmente,

não constarão sumário, listas de ilustrações, de abreviatura e de siglas. Um livro de contos,

por sua vez, terá sumário, porém não as listas. Alguns são opcionais (dedicatória, epígrafe,

agradecimentos e prefácio); outros, obrigatórios (falsa folha de rosto e folha de rosto, e nos

textos técnico-científicos, também o sumário e as listas – quando for o caso, por exemplo, de

apresentar iconografia).

Estes poucos detalhes permitem perceber como se caracteriza o gênero discursivo pré-

textual: compõe-se de uma série de decisões quanto a quais enunciados podem ser produzidos

e como podem ser apresentados. Que objetivos pretendem ser alcançados com eles? Que

função cada elemento exerce? Como exemplo, pode-se retornar à questão do prefácio. Se

produzido por autor diferente, a escolha poderá recair sobre uma pessoa que tenha

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credibilidade – ou por se tratar de autoridade no tema abordado pelo texto, ou porque tem

prestígio social. Dele se espera a elaboração de um prefácio que terá a função de enaltecer o

texto principal, de destacar a sua relevância. Ou seja, será uma escolha determinada por

fatores que interessam tanto ao autor quanto à projeção de seu trabalho.

Quanto aos aspectos gráficos, é possível notar como várias tomadas de decisão podem

ser causadas pelas condições de produção do livro e dos efeitos pretendidos. Se houver muitas

páginas antecedendo o texto principal, o custo poderá se elevar e uma das soluções será

utilizar tipos em corpo menor para diminuir o número de páginas. Essa solução, todavia,

poderá prejudicar a legibilidade do texto principal. Ou, então, compor o prefácio em itálico

para diferenciá- lo, visualmente, de outras partes do livro. Em obras autobiográficas, colocar

foto do autor no verso da falsa folha de rosto ou na própria folha de rosto. Razões estéticas

podem fazer com que se rompam alguns padrões, como no caso do livro Cheiro de Deus, de

Roberto Drummond, cuja folha de rosto avança para o verso da falsa folha de rosto, com

ilustrações sobre um fundo vermelho presentes em ambas as páginas [fig. 18].

No entanto, o gênero discursivo pré-textual caracteriza-se mais pela sobriedade, pela

predominância do branco do papel, de modo a fazer com que a legibilidade seja o efeito maior

pretendido. Isso, porque há uma quantidade maior de enunciados informativos (título, autor,

nome da editora e seu endereço, ano de publicação, ficha catalográfica, créditos, identificação

Figura 18: Folha de rosto de O cheiro de Deus Arquivo do autor

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do detentor do copyright, dentre outros) do que de estéticos – sendo estes mais notáveis na

escolha dos tipos com que o título vem apresentado na folha de rosto.

2.2 O GÊNERO DISCURSIVO TEXTUAL

A segunda parte da estrutura do livro corresponde ao texto principal produzido pelo

autor, razão primeira e principal que determina a produção de um livro. Neste caso, dois

discursos encontram-se imbricados: o do próprio texto principal (por exemplo, se obra de

ficção, será literário; se de não-ficção, será científico, pedagógico, didático, entre outros) e o

da apresentação gráfica do texto – o gênero discursivo textual. Na maior parte das vezes, o

autor concentra-se na elaboração de seu original sem, necessariamente, se preocupar em como

ele será apresentado ao público. Atualmente, com o computador e o uso de um programa de

edição de texto, é possível que o autor considere essa questão no momento em que está

escrevendo e possa participar de modo consciente das soluções gráficas para a publicação de

seu original.

É na questão da legibilidade do texto principal que o discurso textual estará mais

evidente, a começar pela definição da mancha gráfica. Caso ela seja muito longa e composta

por tipos de corpo pequeno, o ritmo da leitura será prejudicado, monótono, e, por extensão,

em se tratando de um texto literário, dificultará a sua fruição ou, sendo ele um texto

acadêmico, a compreensão dos conceitos apresentados será mais difícil. Jornais e revistas

apresentam seus textos em colunas – em livros, essa solução raramente é empregada –,

permitindo a utilização de tipos em corpo menor sem que a legibilidade fique comprometida,

já que o espaço a ser percorrido pelo olho do leitor será menor. Basta que se observe o

parágrafo abaixo, composto em duas colunas, com tipo de corpo 10 e entrelinhas simples para

que isso possa ser comprovado. Em que medida essa decisão afetaria o prazer e/ou a cognição

do texto?

É na questão da legibilidade do texto principal que o discurso textual estará mais evidente, a começar pela definição da mancha gráfica. Caso ela seja muito longa e composta por tipos de corpo pequeno, o ritmo da leitura será prejudicado, monótono, e, por extensão, em se tratando de um texto literário, dificultará a sua fruição ou, sendo ele um texto acadêmico, a compreensão dos conceitos apresentados será mais difícil. Jornais e revistas apresentam seus textos em

colunas – em livros, essa solução raramente é empregada –, permitindo a utilização de tipos em corpo menor sem que a legibilidade fique comprometida, já que o espaço a ser percorrido pelo olho do leitor será menor. Basta que se observe o parágrafo acima, composto em uma só coluna, com tipo de corpo 12 e entrelinhas 1,5, para que isso possa ser comprovado. Em que medida essa decisão afetaria o prazer e/ou a cognição do texto?

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Outras questões que merecem atenção nesse momento podem ser apontadas. As notas,

quando necessárias, podem ser colocadas no rodapé da página, ou ao final de cada capítulo,

ou, então, no final do texto principal – antes das referências bibliográficas. Alguns livros

experimentaram um novo local para as notas: a margem direita ou a esquerda, ao lado de sua

referência no corpo do texto principal, reduzindo, dessa maneira a mancha impressa. Em

todos esses casos, a fluência de leitura do texto será afetada. Quando a obra está dividida em

capítulos, como fazer a abertura de cada um deles? Em seqüência? Em nova página? Ou

sempre em página ímpar? Estas decisões redundariam em menor ou maior custo de produção

e afetariam a forma de ler o texto principal.

Para além do aspecto gráfico em que o texto do autor é apresentado, há problemas

envolvendo os profissionais que atuam diretamente nele, como, por exemplo, o revisor que

poderá alterar o sentido original ao colocar ou retirar uma vírgula, ao propor que uma frase

tenha uma construção sintática diferente daquela elaborada pelo autor. Um descuido

propiciará sensível desastre, como ocorreu, em 1902, no lançamento da segunda edição do

livro Poesias completas, de Machado de Assis, pela Livraria Garnier. Rubens Borba de

Moraes (1998, p. 101) conta que, naquela época,

quase todos os livros dessa editora eram impressos na França e, apesar do cuidado com que era feita a revisão, escapavam erros. Mas nenhum tão grave quanto o que apareceu nesse livro. No prefácio (página VI) Machado escreveu “... cegara o juízo...”. O tipógrafo francês trocou o e por um a! Imagine-se a cara que deve ter feito o pudibundo autor vendo esse erro borrando sua obra! O pior é que só percebeu o engano quando já estavam vendidos alguns exemplares. No meio da consternação geral Everardo Lemos, empregado da livraria, propôs raspar com todo o cuidado a fatídica letra a e escrever no lugarzinho a letra e a nanquim. Assim foi feito para sossego de todos. Mais tarde Garnier mandou reimprimir a folha contendo o fatal engano e substituí-la em todos os exemplares.

Azar do autor, do editor, do revisor; sorte dos bibliófilos, já que os primeiros

exemplares com o erro danoso são os mais raros e, portanto, os mais valiosos.

Há casos em que o desconhecimento do estilo do autor (no caso que se irá contar,

trata-se de uma autora) e a falta de contato entre editor e autor podem provocar reações como

a da escritora italiana Oriana Fallaci, autora de Un uomo, e do grito – que se pôde ouvir na

epígrafe com que se iniciou este capítulo – dado em 1981, quando sua obra foi traduzida para

o português com o título de Um homem. Desta vez quem conta a história é Emanuel Araújo

(1986, p. 23). O texto original de Oriana apresentava uma estrutura de parágrafos “construída

em forma de monólogo compacto”. Eram “blocos de longo discurso interior” colocados entre

aspas para indicar diálogos recordados. Na tradução, as aspas foram substituídas por

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travessão. Nessa nova formatação, o que no original era memória de diálogos, converteu-se

em diálogo efetivo.

Há outras questões editoriais ou de mercado – ou ambas – que podem interferir no

texto do autor. Entre a primeira edição do livro Cidade de Deus, de 1997, e a segunda,

lançada em 2002, há uma diferença de cerca de 150 páginas. Porém não foram decisões

gráficas que a provocaram. Afirma Paulo Lins (ANGIOLILLO, 2002), que uma das razões foi

motivada pelos tradutores estrangeiros que alegaram ter muita dificuldade com a linguagem

do seu texto. Até aí, não haveria a necessidade de reduzi- lo a 404 páginas. Conforme Paulo

Lins, essa redução serviria para atender às características do mercado internacional em que é

muito difícil “colocar livro tão longo”. Se nos casos precedentes, as marcas do discurso

textual podem ser vistas gráfica ou lingüisticamente, neste ele fica oculto, é opaco. Poder-se-

ia afirmar que somente o discurso literário foi alterado, pois somente o autor foi o responsável

pelas mudanças, no entanto, o gênero discursivo textual ali está presente e, se o próprio

escritor não o tivesse explicitado, permaneceria em sua opacidade, fazendo com que o

pesquisador, colocando lado a lado os dois livros e, notando a visível diferença de volume – e,

claro, confrontando as duas versões – tivesse que lançar mão de subentendidos para tentar

compreender e interpretar que condições teriam levado o autor a proceder tão radicais

mudanças em sua obra.

2.3 O GÊNERO DISCURSIVO PÓS-TEXTUAL

A parte pós-textual localiza-se depois do texto principal, guardando relativa

semelhança com a pré-textual tanto por sua aparência gráfica quanto pela quantidade de

informações que nela se reúnem e também pelas variações que pode apresentar. Os elementos

que a constituem podem ser as referências bibliográficas, os anexos, o posfácio, a errata, o

glossário, os índices – remissivo e/ou onomástico – e o colofão. Como se pode perceber, com

exceção do posfácio e do colofão, os demais são mais afeitos às publicações de caráter

acadêmico ou técnico-científico, e menos às produções literárias. Assim, o gênero discursivo

pós-textual será marcado também pela sobriedade (podendo ser mais vistoso nos anexos

iconográficos e, algumas vezes, no colofão) e pela garantia de que as informações possam ter

mais destaque do que os efeitos estéticos.

O posfácio, como diz o nome, corresponde a um texto – do próprio autor ou não – que

foi produzido depois de o texto principal estar pronto, e nele, como no prefácio, há liberdade

de assuntos que podem ser abordados. Quando do próprio autor, pode trazer comentários à

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obra, dizer de como foi feita, ou fazer- lhe reparos. Quando escrito por autor diferente, pode

ser uma apreciação crítica ou um artigo de jornal comentando a obra e trazido agora para o

livro. Enfim, diz mais da obra do que da edição.

A errata, por sua vez, que não é tão comum atualmente e, às vezes, vem em folha solta

insertada na parte pré-textual, traz à presença do público problemas ocorridos na confecção do

livro. Tem, portanto, dupla face, pois, ao mesmo tempo em que mostra alguns erros

percebidos somente depois de o livro concluído, revela a humildade de quem o produziu, bem

como respeito e consideração pelo leitor. Há um exemplo muito pitoresco de errata – neste

caso, assumido pelo autor – que ocorreu na primeira edição do romance Flor de Sangue, de

Valentim Magalhães, publicado pela Laemmert & C., Editores, em 1897, como pode ser

observado em transcrição feita por José Mindlin (2005, p. 479):

Errata. Deixando á intelligencia do leitor corregir lapsos e erros de somenos importancia, julgamos indispensavel, no entretanto, emendar os seguintes: Á pagina 206, linha 2ª – em logar de “bosque nemoroso” – leia-se – bosque umbroso; e á pagina 285, 4ª linha, em vez de – “estourar os miolos” – leia-se – cortar o pescoço.

A presença de índices remissivos e/ou onomásticos é uma estratégia que atende aos

interesses do público, do editor e do autor, já que permite localizar no corpo do texto

principal, e com rapidez, conceitos e nomes que esteja pesquisando e que, muitas vezes,

podem ser determinantes para a compra ou não de um livro. No entanto, a composição do

índice requer cuidados quanto à apresentação gráfica, garantindo a legibilidade dos termos e

das páginas em que se encontram e quanto à exatidão dessas informações, já que erros

indiciam falta de cuidado e podem colocar sob suspeita o trabalho editorial.

De todos os elementos da parte pós-textual, entretanto, o que tem mais tradição é o

colofão, que significa “ápice, coroamento, remate” e, por isso, “é o último elemento impresso

do miolo do livro.” (ARAÚJO, 1986, p. 466). Ele já estava presente nos papiros egípcios, e se

manteve nos manuscritos, e, conforme Araújo (1986, p. 467), trazia informações técnicas

como data de conclusão, de sua revisão e, por vezes, o título da obra e o nome do copista. Nos

manuscritos, podiam ser encontradas, ainda, rezas ou breves anotações. Nos primeiros

impressos, a prática foi mantida. Afirma Araújo (1986, p. 467) que, no incunábulo

Psalmorum codex, encontra-se “o primeiro colofão impresso, onde se registram o título (...),

os nomes dos tipógrafos-publicadores (Johann Fust e Peter Schöffer), o local da impressão

(Mogúncia) e a data exata de sua conclusão (14 de agosto de 1457)”. Mais tarde, depois de

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separadas “as atividades do impressor e do publicador, restringiu-se o colofão à referência do

estabelecimento gráfico e da data em que se montou o último caderno do livro”.

Todavia, atualmente, são muitas as variações quanto às informações nele contidas e à

sua apresentação gráfica. Tanto que, em muitos livros, encontra-se apenas a identificação do

impressor; em outros, a do impressor e a data de sua conclusão; em alguns, além destas

informações, indicam-se as características dos papéis utilizados na confecção da capa e na do

miolo, bem como a tipologia empregada. Porém, apesar da importância de tais informações,

há livros que sequer trazem colofão. Por outro lado, quando ele está presente, pode se tornar

boa oportunidade para que se mostrem soluções criativas e que despertam a atenção do leitor.

Tradição... cultura... economia... enfim, como ocorre nos gêneros discursivos

anteriormente apresentados, o pós-textual será o resultado das decisões que possibilitam dar

mais clareza às informações necessárias, maior credibilidade à própria editora e, ao leitor, um

espaço de interação com todos os elementos – seja antes da leitura, no momento em que,

numa livraria, enquanto consulta o índice, poderá ser atraído pelo colofão; seja depois de ler e

de ter apreciado o texto principal, poderá prolongar essa satisfação, folheando as derradeiras

páginas do livro e podendo se informar, por meio do colofão, de aspectos técnicos, de pessoas

que participaram daquele processo (como aquele espectador que, terminado o filme,

permanece sentado em sua poltrona, fruindo a música, lendo nomes de pessoas que jamais

conhecerá ou esperando o crédito das músicas executadas durante o filme para saber de

autores e de intérpretes e, quem sabe, comprar o cd com a trilha sonora).

2.4 O GÊNERO DISCURSIVO EXTRATEXTUAL

Quando trata dos elementos extratextuais, Emanuel Araújo (1986, p. 470-472) refere-

se à parte que reveste o livro “sob a designação genérica de ‘capa’, encadernada (revestimento

duro) ou brochada (revestimento flexível)”. Como se viu, anteriormente, durante muitos

séculos, a encadernação – com seus variados materiais, com menos ou com mais luxo – foi a

proteção mais comum do livro. No século XVIII, não somente começam a se elaborar

encadernações mais baratas, como também os livreiros passam a “brochar os livros, cobrindo-

os com uma simples folha de papel ordinário” nas quais se repetia o texto da folha de rosto.

Segundo Araújo (1986, p. 470), depois disso, “consolidou-se a capa [grifo do autor] da

brochura (...)” que é o espaço em que se insere o objeto de interesse desta pesquisa. A capa,

em seu conjunto, conforme Emanuel Araújo (1986, p. 470), é formada por diferentes

elementos, a saber:

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– primeira capa (face externa da segunda capa), necessariamente área impressa ou de grafismo; – segunda capa (face interna da primeira capa), área não destinada à impressão; – terceira capa (face interna da quarta capa), área não destinada à impressão; – quarta capa (face externa da terceira capa), opcionalmente área impressa ou de grafismo; – primeira orelha (dobra da primeira capa); – segunda orelha (dobra da quarta capa); – sobrecapa (aplicável sobretudo a encadernações; – lombada.

A rigor, o senso comum costuma chamar de capa somente à primeira capa,

exatamente, pelo maior poder de visibilidade que ela possui e que, por isso mesmo, requer os

maiores cuidados quando de sua execução. Considerando-se o livro exposto em uma vitrine

ou em um balcão de livraria, é por meio da primeira capa que o público travará contato inicial

com o livro. Por isso, Araújo (1986, p. 471) ressalta que ela recebe “tratamento enfático, às

vezes agressivo mesmo, nos tipos e cores, a fim de provocar impacto visual”. Porém, a adoção

de tal procedimento não é unânime, como afirma Houaiss (1967b, p. 51) existe “uma luta

(incruenta, por certo...) entre os que advogam capas desenhadas e os que advogam capas

tipográficas”. Para ele, a capa desenhada caracteriza-se pela “busca contínua de efeitos novos,

não raro sensacionalistas, embora não mais que alusivos, sugestivos, convidativos”; mas, “o

livro dignificado pelo tempo e pelo equilíbrio gráfico pede a capa tipográfica”.

Em contraponto à afirmação de Houaiss, feita em meados da década de 1960, o editor

Enio Silveira (ALMEIDA; FERNANDES e SENRA, 2003, p. 156), da Civilização Brasileira,

enaltece o trabalho do capista Eugenio Hirsch, desenvolvido naquela editora, também em

plena década de 1960:

O livro brasileiro era igual a um livro francês, igual. A capa era tipográfica, não era ilustrada (...) houve uma revolução gráfica, sobretudo nas capas de Eugenio Hirsch. Suas capas eram muito vigorosas. Ele dizia assim: “Não vim para agradar, vim para agredir”. Agredir no sentido visual. Ele era um criador e chamou muita atenção.

Por outro lado, se a afirmação de Houaiss parece soar ultrapassada, ela encontra

respaldo em Flávio George Aderaldo (CABRINI; GUEDES e FERREIRA, 1992, p. 41), um

dos fundadores da editora Hucitec, que, em relação às capas, afirma gostar “da tipografia

alemã e da inglesa: livros simples e muito bem feitos. Não gosto da apelação visual da

tipografia americana”. Pensamento semelhante se vê em Moema Cavalcanti (2005),

profissional que se dedica à execução de capas de livro há mais de 35 anos, para quem

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as capas nacionais apresentam algumas influências, como a da escola norte-americana, que trazem imagens mais pesadas para chamar a atenção. Eu prefiro as escolas francesa e alemã, que geralmente são capas tipográficas, com o nome do livro e do autor, que é o que interessa. Nelas, prevalece uma linguagem mais sóbria. Mas claro que, neste caso, estamos falando de países altamente alfabetizados. Já as editoras espanholas fazem algo que é um meio termo. Apresentam imagens impactantes, mas não apelativas. Eu ainda prefiro as capas discretas.

Desenhadas ou tipográficas, agressivas ou discretas, podem encontrar apoiadores de

um ou de outro modo de conceber a primeira capa de um livro, já, quanto ao que de essencial

se deve colocar nessa parte, não há divergência: o nome do autor, o título da obra e a editora

responsável pela publicação. Até porque são referências fundamentais para a identificação do

livro. Do mesmo modo, pode-se dizer da lombada que é local de alta visibilidade, tendo em

vista, agora, o livro colocado em pé numa prateleira. É por meio dessas informações que o

público poderá facilmente localizar o livro procurado. Porém, nesse local de espaço reduzido,

também ocorre uma diferença quanto à forma como as informações podem ser dispostas: “à

francesa (...), que se lêem de baixo para cima”, ou “à inglesa (à norte-americana), que se lêem

de cima para baixo.” (HOUAISS, 1967b, p.47). Embora Emanuel Araújo (1986, p.472),

recomende que seja adotado o padrão francês, no Brasil, atualmente, as editoras adotam uma

ou outra forma. Isso causa um desconforto ao público que busca algum livro em uma

prateleira, quando se depara com essas variações. Já para livros mais volumosos, o problema

não se apresenta, uma vez que os dizeres da lombada são dispostos horizontalmente.

Outro ponto de muita visibilidade é a quarta capa (que alguns denominam contracapa).

Este espaço oferece maior liberdade para seu preenchimento: pequeno resumo do texto;

depoimentos elogiosos, geralmente assinados por outros autores e/ou críticos; relação de

outras obras do mesmo autor; outros títulos publicados pela mesma casa editora, entre outros.

Um dos procedimentos recomendáveis é fazer da quarta capa uma extensão da primeira de tal

forma que – juntamente com a lombada – obtém-se um espaço coeso e harmonioso que

resulta em forte apelo visual. Atualmente, a quarta capa deve conter também o código de

barras e o ISBN – International Standard Book Number – do livro. O ISBN é um código,

criado em 1967, que, por meio de uma combinação de números, permite identificar o título, o

autor, o país, a editora e a edição de cada livro.

O preenchimento das orelhas, como ocorre com a quarta capa, tem ampla liberdade e

seus textos podem variar do mesmo modo. Pode-se optar pela produção de um texto que tenha

início na primeira orelha e se complete na segunda. Ou, então, trabalhar cada orelha de forma

autônoma: por exemplo, na primeira, faz-se uma apresentação da obra e, na segunda, trechos

de depoimentos elogiosos. Um recurso comum, na parte inferior da segunda orelha, é a

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apresentação de informações biobliográficas do autor, por vezes, acompanhada de foto.

Atualmente, algumas editoras têm produzido livros com orelhas que possuem tamanho

semelhante aos da primeira e da quarta capas. Isso possibilita que tais livros possam ser

expostos com as duas orelhas abertas e justapostas, compondo com a primeira e a quarta

capas um objeto que chama a atenção e permite que o livro tenha três pontos de forte

visibilidade ao mesmo tempo.

A sobrecapa, segundo Emanuel Araújo (1986, p. 471), foi adotada a partir da década

de 1830 e se apresenta como uma “folha solta que envolve ou protege (sobretudo em livros

encadernados) a capa”. Sua elaboração segue de perto os mesmos procedimentos adotados na

confecção de uma primeira capa. Há uma forma variada de sobrecapa, denominada cinta, que

possui “altura equivalente a um quarto ou um terço da capa” (ARAÚJO, 1986, p. 471-472),

geralmente, elaborada para atender a interesse publicitário, quando se quer destacar algum

fato que se considere relevante, tais como, um prêmio obtido “pelo autor ou pelo livro”; o

número de exemplares vendidos; a sua adaptação para o cinema ou para a televisão, entre

outros. Num formato ou noutro, ambas são caracterizadas pela facilidade com que podem ser

descartadas (a inteiriça menos, a cinta mais).

Após o detalhamento que se fez, pode-se notar que o gênero discursivo extratextual é,

dentre todos, o que requer maiores cuidados já que lida com elementos que resultarão no

primeiro impacto que o livro poderá causar no público. Em especial, na primeira capa, as

decisões devem levar em conta tanto o caráter informacional – autor, título e editora – ou

seja, a sua funcionalidade, quanto o apelo visual (escolher entre uma capa tipográfica ou

desenhada; mais discreta ou mais agressiva; tipos grandes ou pequenos e assim por diante),

neste caso, o seu aspecto estético.

As razões apontadas acima aliadas às questões de custo e às condições de elaboração

dos elementos que compõem a capa de um livro revelam ser este um espaço que se construirá

depois de superados vários pontos de tensão. Por exemplo, entre estética e funcionalidade,

quando a primeira prevalece, poderá resultar no emprego de soluções que oneram o custo do

livro. Para Bruno Munari (2002, p. 5-6), na tensão entre beleza e funcionalidade, o “luxo é

(...) o uso errado de materiais dispendiosos sem melhoria das funções. É, portanto, uma

estupidez. (...) Em suma, quero dizer que o luxo não é uma questão de designer”.

Outro aspecto a ser considerado, e de fundamental importância, diz respeito às

prescrições que orientam a confecção de uma capa. Aqui, autor, editor e capista, às vezes,

travam verdadeiras batalhas. Mauro Ferreira (MENEZES A., 2002), por exemplo, não gosta

de pressões: “As melhores capas que fiz não tiveram a intromissão do autor. Gosto de ter livre

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escolha”. Fátima Amaral e Silvio Ribeiro concordam com ele. Ela diz que já ficou oito meses

trabalhando “numa capa por causa de um autor implicante”. E Silvio reitera: “Na maioria dos

casos, as interferências gráficas que os editores fazem são muito ruins, apesar de a orientação

do conteúdo ser de extrema importância para o resultado final” (NIGRI, 2001). Victor Burton

diz com ênfase: “... odeio quando um editor não gosta de uma capa e me sugere outra

solução”. Porém, não deixa de reconhecer a importância da participação do editor no processo

de confecção da capa e entende que é preciso saber ouvi- lo (CASTELLO, 1996). Quem

expressa essas questões de forma mais veemente é Moema Cavalcanti (FERLAUTO; JAHN,

2001, p. 71):

A capa é a embalagem do livro. Papel mais grosso, muita cor para chamar a atenção.

Quando um editor me chama para fazer uma capa, vai logo dizendo que estou livre para criar e vai passando as coordenadas: bota orelha/não bota orelha. Mas acha a orelha muito caro porque gasta mais papel... Formato? O de sempre. Não pode mudar. Os livreiros não suportam livros que não caibam nas prateleiras. Tem título (enorme, geralmente) e subtítulo para o leitor entender melhor o que o autor quis dizer com o título. Tem o nome do autor (ou vários). É autor importante? Vende muito? É artista de TV? Então coloca o nome dele bem grande. Grandão! Tem logotipo da editora na primeira capa, na quarta capa, na lombada. “Dá pra ser colorido? Dá pra ser maiorzinho?” Ah, sim! Bota novamente o autor e o titulo na capa de trás. É para o leitor não se esquecer quando acabar de ler todo aquele texto da quarta capa. Olhe! Não se esqueça do código de barras e do ISBN. É importante, sabe, a globalização, a gente precisa mostrar que é “muderno”. Acabou? Não. Falta o texto da orelha – geralmente tirado do prefácio, ou seja, lá dentro do livro tem o mesmo texto, de novo.) Pra quando? Depois de amanhã, sem falta. O pagamento? No dia dez do mês que vem, geralmente, estamos no primeiro dia do mês anterior. Então o editor me diz: a gente escolheu você porque você é criativa. Quero uma capa linda. Ponha sua imaginação para trabalhar. OK! Se sobrar espaço na capa... É assim. Setecentas e cinqüenta vezes foi assim na minha vida.

Em sua exposição, Moema Cavalcanti revela que, em todos os elementos constituintes

da parte extratextual, as soluções para cada um deles são variáveis, conforme as condições

econômicas, culturais, sociais e históricas de produção que se configuram nesse processo.

Mostra, assim, que além do editor e do capista, há outros sujeitos que, direta ou indiretamente,

influenciarão estes ou aqueles procedimentos. Por exemplo: o autor que, mesmo não atuando

de forma direta, poderá fazer com que o editor decida destacar seu nome na primeira capa –

ou porque é um escritor de boa vendagem, ou porque, sendo um artista de TV, terá seu nome

reconhecido de forma mais rápida. As pressões de ordem econômica, por sua vez, podem

influir nas decisões, seja pelo custo da produção, seja pela possibilidade de seu produto

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participar de um mercado globalizado. A tradição poderá ser fator relevante no momento de

se definir o formato do livro. Tudo porque, além de seu valor imanente, simbólico, o livro é

um objeto, um produto que se comercializa. E isso aponta para uma questão que será

aprofundada a seguir: o encontro do discurso editorial com o discurso publicitário.

3. UM OBJETO, DOIS DISCURSOS

Aluísio Azevedo é no Brasil talvez o único escritor que ganha o pão exclusivamente à custa da sua pena, mas note-se que apenas o pão: as letras no Brasil ainda não dão para a manteiga...

Valentim Magalhães

Rio de Janeiro, o ano é 1887. Às vésperas de lançar o romance O homem, pela

Garnier, Aluísio Azevedo imprime duas mil etiquetas com o título de seu livro e as espalha

pela cidade. Aproveitando-se da distração dos caixeiros do Café de Londres, Aluísio coloca

uma dessas etiquetas em uma pilha de pães sobre o balcão. É a hora do almoço, o local está

lotado. De repente, ouve-se: “Que porcaria é esta?! Estou a comer o pão e trinco isto, O

HOMEM! Que quer dizer isto?”. E se vê um indignado homenzarrão, de sobrecasaca e

óculos, de pé, com um papelucho entre os dedos. Aluísio se levanta e diz muito sério:

O HOMEM, a que se refere este papel, é aquele que, segundo as profecias, deve trazer ao mundo a palavra da Verdade, que, como o meu amigo sabe, é o pão espiritual. Por isso, naturalmente, escolheu, para veículo, o pão. Se o cavalheiro se revolta contra O HOMEM, que achou no pão, por que não brada contra a hóstia, por exemplo, que também contém, em substância, um Homem? Saiba o amigo e saibam quantos aqui se acham que este Homem, que aqui está, é um dos tipos mais perfeitos da criação – 300 páginas, edição Garnier, e aparecerá depois de amanhã. Tenho dito.

Quem conta este episódio é o escritor Coelho Neto e encontra-se reproduzido em

Raimundo de Menezes (1958, p. 175-176) e em Brito Broca (1993, p. 110). Coelho Neto

(apud BROCA, 1993, p. 110-111) afirma que todos gargalharam e, naquela noite, “na Rua do

Ouvidor, e [...] nos teatros, o HOMEM do pão é assunto das palestras” e completa: quem não

fizer isso não vende seus livros, pois, “Sem ruído é escusado: não há autor que vença. Eu

ainda acabo com uma carrocinha, como o homem dos abacaxis e das melancias, correndo

essas ruas com os meus romances, apregoando-os aos berros. Imaginação, estilo... isto que

monta?! O que vale é o anúncio”.

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A atitude de anunciar um livro não começou nessa ação de Aluísio Azevedo. Para

Brito Broca (1993, p. 109), parece que o primeiro lançamento de livro brasileiro cercado de

“grande rumor” ocorreu em 1856, com Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de

Magalhães, por meio de notícias e de polêmicas na imprensa. Inicialmente, se noticiou que

Gonçalves de Magalhães estava chegando da Europa, “trazendo o manuscrito do poema”.

Depois, informava-se que o texto “já ia entrar para o prelo”. Depois, “que já estava sendo

composto”. Depois de lançado, José de Alencar passou a atacá- lo, provocando reações

favoráveis a Magalhães – até o imperador D. Pedro II participou dessas discussões,

escrevendo, sob pseudônimo, artigos em defesa do poeta. Conforme Brito Broca (1993, p.

109), todo esse rumor em torno da obra constituiu-se em “excelente propaganda”. Essa,

porém, foi uma ação fora do comum, uma vez que, naquela época, os “editores, geralmente,

pouco anunciavam os livros.” (BROCA, 1993, p. 109).

Mais para o final do século XIX e nos primórdios do XX, passou a ser uma prática

comum. No entanto, era vista como algo que desacreditava o livreiro-editor. Quem passou a

fazer uso mais sistemático da publicidade para a venda de livros, já no final da década de

1910, foi Monteiro Lobato que, como já viu anteriormente, dava atenção à apresentação

gráfica do livro e se preocupava com a sua distribuição. Além disso, conforme Hallewell,

(2005, p. 326), também os divulgava por me io de publicidade em jornais. Brito Broca (1993,

p. 108-109) afirma que, para Lobato, “o segredo do seu êxito editorial consistiu em ter

percebido que o livro” era “uma mercadoria como outra qualquer, e assim, para ser vendido,

necessita de propaganda”.

Ação publicitária mais contundente pode ser vista na década de 1960, com Ênio

Silveira, da Civilização Brasileira, que não tinha qualquer receio em fazer propaganda de seus

livros. Ênio usou outdoor e fez propaganda agressiva, como no caso do lançamento de Lolita,

de Vladimir Nabokov, em 1959, cuja capa, de Eugenio Hirsch, é considerada um marco do

design gráfico. Silveira mandou fazer 60000 exemplares de Lolita que se esgotaram em dez

meses. Tal sucesso foi possível porque Ênio contratou uma agência de publicidade para

divulgar a obra, “medida inaudita para um editor brasileiro da época” e, nas “cinco cidades

brasileiras em que se concentrou a campanha (Rio, São Paulo, Porto Alegre, Salvador e

Recife), Ênio pôs o livro à venda inclusive nas bancas de jornal. ” (HALLEWELL, 2005, p.

538). Porém, isso não era visto com bons olhos. José Olympio, por exemplo, dizia que, dessa

forma, o livro se transformava em objeto vulgar (PAIXÃO, 1996, p. 127). Diante de reações

como essa, Ênio (ALMEIDA; FERNANDES e SENRA, 2003, p. 154) dizia que o livro era

um objeto e “quanto mais vulgar melhor para os editores” e “para os leitores”. Mais enfático,

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perguntava: “Por que o livro só para a elite brasileira, por quê?” e respondia que o “livro tem

que ser para todo mundo. Quanto mais amplamente se divulgue o livro, melhor para a cultura

brasileira, para o processo cultural. Temos de desmistificar o livro”.

Outras ações que caminham nesse sentido proposto por Ênio Silveira podem ser

encontradas. Por exemplo, em 1996, a Companhia Melhoramentos vendeu “um minilivro de

16 páginas”, numa “tiragem de quatrocentos mil, ao preço de $0,50, por meio das vendedoras

domiciliares da companhia Avon de cosméticos.” (HALLEWELL, 2005, p. 744). A mesma

Avon, em 2001, lançou a “Coleção Mulher & Poesia – por Vinícius de Moraes", criando as

fragrâncias Onde anda você, Coisa mais linda, Morena flor e Soneto de fidelidade. Em 2006,

em comemoração aos cinco anos daquele lançamento, a Avon relançou a coleção com duas

novas fragrâncias: Soneto do amor total e Tua graça.

Até aqui, os exemplos de ações de publicidade e de divulgação de livros ou de autores

são todos externos ao próprio objeto. No entanto, nesse objeto há um espaço que se

caracteriza exatamente pelas possibilidades de apelo publicitário nele contidas: a capa do

livro. Ela, além de exercer sua função protetora do miolo, conforme Emanuel Araújo (1986, p.

471), em todas as partes que a compõem, apresenta-se como “importante veículo

publicitário”. Capistas apresentam raciocínio semelhante. Mauro Ferreira (MENEZES A.,

2002) vê o livro como “produto comercial” cuja valorização começa pela capa que, segundo

ele, guardadas as devidas proporções, tem tanta importância quanto a obra. E, para explicar

seu processo de criação, recorre a um termo da publicidade: “É preciso ter uma visão do todo,

como se fosse um outdoor”. Victor Burton (CASTELLO, 1996) entende que o livro é uma

mercadoria e, para ele, fica claro que a capa

existe unicamente para ajudar a vender o livro. Na verdade, a capa é o único espaço public itário garantido que as editoras têm. A editora tem aquele espaço de 14 cm por 21 com e é com ele que deve disputar espaço nas estantes das livrarias. Eu vejo a capa, no máximo, como um minipôster, um minioutdoor. Nada mais que isso. Capa não é arte e capista não é artista.

Essas opiniões são compartilhadas pelo publicitário Fernando Almada (1975) e pela

Unesco (1992), em obra destinada a profissionais da indústria editorial. Para Almada (1975, p.

237), a capa é a “embalagem do livro” e tem que vendê-lo ou “ajudar a vendê- lo”. Afirma

Almada (1975, p. 238) que é na capa que o comprador encontrará “informações sobre o

produto como esforço e apoio à sua decisão” e enfatiza a importância das orelhas e da quarta

capa que “devem informar persuasivamente, devem ser verdadeiros anúncios do livro, com

texto e força de anúncio”. A Unesco (1992, p. 54-55), por sua vez, afirma que a “capa é a

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melhor propaganda para o livro”, de modo que, por seu design, o livro se destaque “nas

exposições e nas prateleiras das livrarias”. Como parte de uma estratégia publicitária, a

Unesco recomenda que a capa fique pronta bem antes de o livro ser impresso para que possa

ser utilizada como material promocional, como “divulgação antecipada do livro”.

Assim, é na capa do livro que dois discursos podem se encontrar: o gênero discursivo

extratextual – caracterizado pelos efeitos de sentido que se pretendem provocar por meio das

várias partes que compõem a capa – e o discurso publicitário que, segundo Maingueneau

(2001, p. 47), ocorre quando se destacam “as qualidades de um produto, a fim de estimular

um comportamento de compra em um leitor-consumidor potencial”. O próprio procedimento

adotado pela editora, ao encomendar um trabalho a um capista, poderá assemelhar-se ao de

uma agência de publicidade, se ela orientar a elaboração da capa por meio de um briefing:

resumo do texto a ser publicado (às vezes, encaminha um capítulo desse texto), dados sobre o

autor e o público-alvo daquela obra. De posse desses elementos, o capista passa a produzir o

seu trabalho.

A rigor, quando se vê uma capa de livro não é tão simples distinguir um discurso do

outro, pois a linha que os separa é muito tênue. Somente o conhecimento das condições de

produção que orientam a elaboração da capa é que permite perceber em que momento a

distinção se evidencia. É quanto à produção de sentido que o processo de construção da capa

difere daquele empregado na elaboração de peças publicitárias. No discurso publicitário,

desde o início, os sujeitos estão empenhados em elaborar enunciados persuasivos, ou seja, o

foco da produção indica que, naqueles enunciados, deverá prevalecer a função conativa. Certo

que outras funções da linguagem poderão estar presentes nesses enunciados, porém quase

todas atuarão como apoiadoras da intenção persuasiva. Já na capa de livro – em especial na

primeira capa e na lombada –, o foco da produção estará na função referencial, já que a

intenção predominante será a de informar o público de que obra se trata e de quem é o seu

autor (isto fica muito evidente nos casos das capas tipográficas). A presença de outras funções

da linguagem estará apoiando aquela necessidade informativa, sem que se perca a

possibilidade de, pela atração (função fática), pelo arranjo dos elementos (função poética) e

pelas qualidades do autor e do texto (função expressiva) tentar persuadir o público à compra

do livro (função conativa).

Para que essa diferença possa ser mais bem compreendida, apresentam-se dois

exemplos: Hilda Furacão, de Roberto Drummond, publicado pela Editora Siciliano, em 1997,

cuja capa foi produzida por Moema Cavalcanti e Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge

Amado, publicado pela Record, em 2003, com capa elaborada por Pedro Costa, e que veio

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acompanhada de sobrecapa sem identificação de autoria (neste caso, interessa observar

exatamente a sobrecapa, uma vez que ela se refere à campanha publicitária Forum. Desejo do

Brasil, desenvolvida pela agência TF para a griffe Forum, no segundo semestre de 2003.

Desses exemplos, serão trabalhados somente a primeira e a quarta capas (primeira e quarta

sobrecapas, no livro de Jorge Amado) e a lombada, considerando-se que, na capa de um livro,

esses são os elementos de maior visibilidade.

Como se pode observar na figura [19], a primeira capa, a lombada e a quarta capa

foram elaboradas de forma coesa: um fundo verde sobre o qual estão dispostos enunciados

verbais e não-verbais – em ambos, predominando o uso das cores preta e marrom. No alto da

primeira capa, à direita, em tipos grandes, destacam-se o nome do autor e o título da obra. No

centro, à direita, logo abaixo do título, encontra-se, em tamanho bem menor, a expressão “12ª

edição”. No canto inferior, à direita, vem o logotipo que identifica a editora que publicou o

livro. Na parte inferior, à direita, da primeira capa, há uma forma irregular marrom que se

estende em direção à esquerda, avoluma-se, atravessa a lombada e vai ocupar a parte central

da quarta capa. À esquerda, na parte inferior, há uma forma (que se assemelha à escrita

braille), construída por pontos pretos, que sobe, atravessa a faixa marrom e termina no centro.

Outras formas irregulares, em roxo e em verde, estão dispostas na primeira capa: duas, no

Figura 19: Primeira capa, lombada e quarta capa do romance Hilda Furacão Arquivo do autor

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alto, acima do nome do autor; outras duas, na parte inferior, à direita. A lombada reproduz as

mesmas informações da primeira capa, exceto pelo número da edição. Os dizeres estão

dispostos na verticalidade da lombada, na ordem de cima para baixo, e encerrados pelo

logotipo. No alto da quarta capa, reproduz-se um pequeno trecho do romance.

Dessa forma, pela descrição acima, evidencia-se que, tanto na primeira capa quanto na

lombada, os destaques foram atribuídos aos enunciados verbais (o nome do autor e o título)

para que, de imediato, o público pudesse obter essas informações. Eles foram elaborados de

modo a fazer com que prevalecesse a função referencial. Essa mesma função está presente no

logotipo, colocado no canto inferior, à direita, que identifica a editora. Pela localização e pelo

tamanho desses enunciados, observa-se a presença da função fática: eles atraem o olhar do

leitor, despertando a sua atenção, exatamente em direção àquelas informações. Os enunciados

não-verbais, por sua vez, caracterizam-se como função estética. Eles, em contraponto à

regularidade presente na formatação dos enunciados verbais, provocam um efeito de

estranhamento e, na primeira capa, como que emolduram as informações. Certo que o

conjunto dos enunciados presentes – na primeira capa, em especial – pode revelar a presença

da função conativa, ou seja, há uma intenção de persuadir o público, em uma livraria, a, pelo

menos, tomar aquele livro em suas mãos, folheá-lo e, talvez, comprá-lo. Porém, a força maior

foi exercida precisamente pela função referencial, constituindo-se no foco da produção desta

capa, já que a intenção predominante foi a de informar o público de que obra se trata e quem é

o seu autor. Desse modo, a necessidade mercadológica foi atendida sem que, por isso, o

gênero discursivo extratextual tivesse que fazer uso de recursos típicos de um discurso

publicitário.

A figura [20] mostra que a primeira sobrecapa é constituída por uma foto que ocupa

todo o espaço. Nela, ladeada por dois homens de costas, destaca-se a imagem de uma mulher:

pela roupa vermelha, pelas mãos provocantes e, principalmente, pelo movimento da cabeça

que lança um olhar a um possível leitor que passa (ou tem o livro em suas mãos). Sobre essa

foto, no centro da sobrecapa, em tipos na cor branca, estão o título da obra (ocupando duas

linhas) e o nome de seu autor. Mais abaixo, à esquerda, também em branco, há a frase “O

romance que inspirou a campanha da Forum”. No canto inferior, à esquerda, o logotipo da

editora. Na lombada, na ordem de cima para baixo, repetem-se o título da obra, seu autor e o

logotipo. Porém, encimados pela expressão “Forum apresenta”. Na quarta sobrecapa, outra

foto também ocupa todo o espaço: um casal se abraçando. Como ocorreu na primeira

sobrecapa, do homem não se vê o rosto e a figura feminina se destaca pelo rosto, pelo

movimento dos braços e das mãos. No centro, à esquerda, há uma pequena foto (em branco-e-

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preto) do autor. Abaixo, entre aspas, reproduz-se um trecho do romance e, sob ele, à esquerda,

vem o logotipo da Forum, acompanhado do nome do anunciante, em tipos brancos. Sob esse

nome, agora em tipos vermelhos, está o slogan da campanha publicitária: “Desejo do Brasil”.

À direita, o código de barras e o ISBN.

Embora, tanto na primeira sobrecapa quanto na lombada, o título da obra e o nome de

seu autor estejam presentes, é possível perceber que a ênfase maior recai sobre a imagem, de

tal maneira que aquelas informações – a função referencial – ficam um tanto eclipsadas pela

função fática presente na foto. Chamam muito mais a atenção a imagem da mulher e o seu

olhar do que as informações. A função fática também se revela na reiteração do nome do

anunciante que busca manter contato permanente com o público. Pode-se afirmar que a

composição fotográfica (movimentos insinuados, ocultação do rosto masculino, contraste

entre a figura feminina e as masculinas, entre outros elementos) evidencia a presença da

função estética e também podem, de certo modo, esconder as informações. A soma das

funções (referencial, fática e estética) conduz à função conativa: atrair o público a tomar o

livro, a folheá-lo e a, quem sabe, comprá- lo (e talvez se queira comprar também uma roupa da

Forum?). Assim, ainda que a função referencial esteja garantida, nota-se que foi a função

conativa que comandou todo o processo de construção desta sobrecapa, isto é, os enunciados

verbais e não-verbais foram selecionados de modo a persuadir o público, independentemente,

do livro em si. Neste caso, também a necessidade mercadológica foi atendida, mas de tal

Figura 20: Primeira sobrecapa, lombada e quarta capa de Dona Flor e seus dois maridos/FORUM Arquivo do autor

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forma que, pelos recursos utilizados, o discurso publicitário se mostrou mais evidente em

meio ao gênero discursivo extratextual.

Uma vez descartado [Fig. 21] o livro de sua sobrecapa...

Figura 21: Primeira capa de Dona Flor e seus dois maridos / sem sobrecapa Arquivo do autor

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4. A PRESENÇA DO PARATEXTO NO DISCURSO EDITORIAL

Jornais, revistas, televisão anunciam o lançamento de um novo livro de Paulo Coelho

(traz-se um exemplo brasileiro, mas poderia ser a continuação de Harry Potter). Toda a mídia

mobiliza-se no sentido de dar aquela notícia, de entrevistar o autor (claro que a imprensa já

estará devidamente pautada por press-releases), de fotografá- lo, de tentar publicar um trecho

em primeira mão e assim por diante. O que motivaria essa verdadeira corrida do ouro? O

nome do autor. Não o nome em si, mas o que ele passou a significar desde o momento em que

Paulo Coelho se tornou um verdadeiro fenômeno editorial em quase todo o mundo. Isso faz

parecer que autor e sua obra tenham resposta positiva unânime. Entretanto, à menção do

nome, reações diferentes surgirão: pleno entusiasmo; indiferença ou rejeição. Diante dessa

expectativa, comprar ou não um novo romance de Paulo Coelho relaciona-se com o

conhecimento prévio que o público possui, tanto da história da literatura, da leitura de outros

textos e daquele mesmo autor.

Esse fenômeno corresponde a um dos exemplos possíveis de paratextualidade, que,

segundo Gerard Genette (1982, p. 9), diz da “relação, geralmente menos explícita e mais

distante, que, em um conjunto constituído de obras literárias, o texto propriamente dito

mantém com o que simplesmente pode se chamar de seu paratexto [grifo do autor]”.

Exemplos de paratexto seriam, então, o título de uma obra, o prefácio, a capa do livro, o

gênero, entre outros. E até o nome do autor. Ou seja, o texto principal, quando publicado em

um livro, não chega até o público em estado de total obscuridade, conforme as palavras de

Genette (2002, p. 7) o

texto raramente se apresenta em estado cru, sem o reforço e o acompanhamento de um certo número de produções, também verbais ou não, (...) que nem sempre se sabe se se deve ou não considerar que tudo isso lhe pertença, mas que em todo o caso o cercam e o estendem, precisamente para apresentá-lo, não somente no sentido comum desse verbo, mas também no seu sentido mais forte: para fazê-lo presente, para assegurar sua presença no mundo, sua “recepção” e seu consumo, sob a forma, ao menos hoje, de um livro. [grifos do autor]

Embora Genette faça referência a obra literária e a livro, o conceito de paratexto

expandiu-se para outros tipos de texto e outras mídias. O nome que um jornal atribui a cada

um de seus cadernos é exemplo de paratexto: o caderno Esportes cria a expectativa de que,

naquele espaço, notícias e opiniões relativas a esse tema deverão estar presentes. É

perfeitamente possível aplicá- lo, por exemplo, a obras não- literárias: se um leitor interessado

(ou necessitado) em aprender Física, encontrar em uma livraria o título Física em 12 lições, de

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Richard Phillips Feynmann, publicado pela Ediouro, em 2006, somente pelo título terá

algumas referências que o farão aproximar-se do livro. Ou não, pois consideraria muita

pretensão do autor querer ensinar Física em somente 12 lições. O título, assim, pode ser um

convite (a idéia de facilidade) ou uma rejeição (impossível aprender em apenas 12 lições). Já,

caso esse leitor tenha algum conhecimento do universo que cerca a área da Física, poderia se

entusiasmar em comprar o livro, pois reconheceria, no nome do autor, uma fonte segura.

Richard Feynmann foi professor altamente reconhecido e prestigiado nessa área.

Mesmo no cotidiano o uso do paratexto pode ser útil. Conta-se, então, a história de

uma professora que recorria ao paratexto (embora não conhecesse esse conceito) para

selecionar as pessoas com quem gostaria de conversar em seções de bate-papo na Internet.

Escolhia um nome de escritor ou de escritora como apelido, Floberla Espanca, por exemplo.

Se do outro lado, alguém fizesse alguma brincadeira ou revelasse desconhecimento de quem

seria Florbela, a professora o rejeitava. Outro que, de imediato, escrevesse algo como “olá,

grande poeta portuguesa”, seria o eleito para conversar. Certo que houve uma vez em que, por

causa de um paratexto, a professora acabou se envolvendo em um episódio rocambolesco...

Mas essa é outra história (que poderia, quem sabe, se chamar “Os perigos do paratexto”) que

em momento e local oportunos pode-se contar.

Esse exemplo, embora distante do objeto livro, diz bem de como Genette (2002, p. 8)

entende o paratexto: trata-se de uma estratégia, de uma pragmática, uma ação sobre o público

e que está a serviço de algo. No caso do livro, essa ação tem como objetivo aproximar o leitor

de uma obra, de tal maneira que sua leitura possa se fazer de forma “mais pertinente –

entende-se mais pertinente aos olhos do autor e de seus aliados”. Quanto ao livro, entende-se

por “aliados” a editora que o publicou e o editor que trabalhou para que o livro viesse a

público. Por exemplo, muitas vezes, a Companhia Editora Nacional, ao publicar obras de

autores estrangeiros traduzidas por Monteiro Lobato, inseria na primeira capa a expressão

“Tradução de Monteiro Lobato”. Fosse uma prática comum, essa de se identificar o tradutor,

todos os livros daquela editora trariam esse tipo de informação – e isso não ocorria. Porém,

quando se tratava de Monteiro Lobato, aquela inscrição indicava uma ação estratégica: o

prestígio de Lobato, associando-se ao texto principal, transmitiria confiabilidade ao leitor.

Uma das características do paratexto é que ele sempre se apresenta em um lugar.

Tendo, então, o lugar como referência, Genette (2002, p. 10-11), afirma que há duas

categorias de paratexto: peritexto e epitexto. Este, ao menos em sua primeira manifestação, se

localiza em espaço exterior ao livro e, desse modo, pode haver o epitexto público (entrevistas

do autor publicadas em uma revista, pode ser uma das formas como ele se manifesta) ou o

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epitexto privado (presente em comunicações pessoais do autor, tais como, um diário,

correspondências). Já o peritexto é a forma mais típica do paratexto, uma vez que se localiza

nos diversos espaços do próprio livro. Genette (2002) apresenta nove formas diferentes com

as quais o peritexto pode se apresentar: o peritexto editorial; o nome do autor; o título; textos

de divulgação de um livro; a dedicatória; a epígrafe; o prefácio; os intertítulos e as notas.

Embora Genette tenha utilizado o lugar como base para definir as duas categorias do

paratexto, isso não é suficiente para que se possa reconhecê- lo. Assim, Genette (2002, p. 10),

afirma que um enunciado paratextual se caracteriza:

• por sua substância, ou seja, como se materializa (pode ser verbal e/ou não-verbal);

• pela sua localização, onde pode estar presente;

• pela sua temporalidade – quando apareceu ou, talvez, tenha desaparecido;

• pela sua pragmática, isto é, “as características de sua situação comunicativa,

emissor e destinatário (de quem? para quem?)” e

• pelas funções presentes nele: por que produzir aquele enunciado?

Dentre todos esses elementos, Genette (2002, p. 16-17) destaca que é no aspecto

funcional que reside a propriedade essencial do paratexto, “uma vez que, de todas as

evidências, e salvo exceções pontuais que nós reencontramos aqui e lá, o paratexto, sob todas

as suas formas, é um discurso, fundamentalmente, dependente, auxiliar, colocado a serviço de

outra coisa que constitui a sua razão de ser, e que é o texto”. Dessa maneira, ele pode servir

para “comunicar uma simples informação” ou pode revelar “uma intenção ou uma

interpretação autoral e/ou editorial”. Quanto à relevância do aspecto funcional em relação aos

demais, Genette é enfático. Ainda que o autor e/ou o editor queiram colocar, no livro, algum

enunciado “estético ou ideológico”, algum “enfeite”, Genette (2002, p.17) reitera: “um

elemento paratextual está sempre subordinado a ‘seu’ texto, e esta funcionalidade determina o

essencial de seu comportamento e de sua existência”.

Pelo roteiro, que permite a identificação de um enunciado paratextual – em que se

destacou ser a função o seu caráter essencial –, é possível estabelecer a relação existente entre

a paratextualidade e o discurso editorial. Ao se analisar os diferentes enunciados que, além do

texto principal, podem estar presentes em um livro, será necessário reconhecer como e onde

eles se materializam (a capa, mesmo que tipográfica, utilizará enunciados verbais e não-

verbais); quando surgiram (José Saramago, em 1998, ganhou o prêmio Nobel de literatura,

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naquele momento, suas obras já impressas receberam cintas promocionais dando conta do fato

– passado algum tempo, essa informação passou a ser colocada na primeira capa de seus

livros e, provavelmente, no futuro, poderá desaparecer). Neste exemplo, estão presentes

fatores que indicam as condições de produção – não há condições de se saber previamente do

prêmio e nem se reeditar obras que ainda se encontram em estoque, então a cinta é o recurso

mais apropriado para aquela situação. Há o prestígio de se ganhar um prêmio, como o Nobel,

não somente para o autor, como também para a editora que o publica, chegando a interferir

em seu próprio logotipo [fig. 22] e isso faz parte de uma estratégia e tem como função agir,

persuasivamente, sobre o público. Todas as decisões que envolvem a aplicação da cinta

promocional (ou não) e, posteriormente, numa nova edição, transferir o enunciado para a

primeira capa, alterando o logotipo, dizem precisamente do discurso editorial e, porque se

exemplificou pela capa, mais especificamente, ao gênero discursivo extratextual.

Figura 22: primeira capa do livro As intermitências da morte Arquivo do autor

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No entanto, é preciso cuidado para não cair na tentação de designar como paratexto

todo e qualquer enunciado em qualquer parte do discurso extratextual. Tanto que Genette

afirma (2002, p. 410) que se deve tomar a “precaução para não proclamar levianamente ‘que

tudo é paratexto’”. Apresentam-se duas imagens: a figura [23] reproduz a quarta capa do livro

Homem ao meio, de Leon Eliachar, publicado pela Livraria Francisco Alves Editora, em

1979. A figura [24] é a reprodução da quarta capa do livro Alma de palhaço, de Gilda de

Abreu, publicado pela Editora Cupolo que não informa o ano de edição. Considerando-se o

alerta de Genette e as propriedades necessárias para se reconhecer um paratexto, dentre elas, a

essencial é sua função – ele deve estar a serviço do texto principal –, pergunta-se: nas duas

figuras a seguir, os enunciados são paratextuais?

Figura 23: quarta capa de O homem ao meio Arquivo do autor

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No próximo capítulo, são analisados diferentes enunciados inseridos em capas de

livro, que o associam à sua adaptação para o cinema ou para a televisão, com a finalidade de

reconhecê- los ou não como elementos paratextuais. Ah! A resposta à pergunta: a [23] é

paratexto.

Figura 24: quarta capa de Alma de Palhaço Arquivo do autor