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Paulo Victorino CAPÍTULO DEZ A CAMINHO DA GUERRA A POSIÇÃO DO BRASIL NO CONFLITO Havia, no Sul do Brasil, uma sólida colônia alemã com cerca de 1.900 escolas particulares, onde a língua utilizada era o alemão. Da Alemanha vinham, também, os livros e os professores. Em algumas pequenas cidades, os moradores até desconheciam o português. Secretamente, Hitler considerava essas colônias como sudetos que, no momento oportuno, pretendia incorporar à Alemanha. O problema era muito delicado e precisava ser tratado com sensibilidade, exigindo medidas corretas, na proporção exata, e no momento apropriado. A Ação Integralista Brasileira, que tentou, sem sucesso, tomar o poder em 1938, e o Estado Novo, que nele se instalara um ano antes, eram verso e reverso da mesma medalha. Nacionalistas extremados, ambos perseguiam os mesmos propósitos dos regimes de direita que se popularizavam na Europa. Plínio Salgado, o Chefe integralista era admirador do Primeiro Ministro de Portugal, Antônio de Oliveira Salazar, mas recebia apoio financeiro da Itália de Mussolini. Por seu lado, o ditador Getúlio Vargas tinha laços de amizade com Benito Mussolini, mas recebia apoio bélico da Alemanha de Hitler. Não havia contradições nesses triângulos políticos pois todos eram farinha do mesmo saco.

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Page 1: CAPÍTULO DEZ A CAMINHO DA GUERRA A POSIÇÃO DO … · juntamente com De Gaulle (França), Churchill (Inglaterra) e Stalin (União Soviética) ... relacionamento duplo com a Alemanha

Paulo Victorino

CAPÍTULO DEZ

A CAMINHO DA GUERRA

A POSIÇÃO DO BRASIL NO CONFLITO

Havia, no Sul do Brasil, uma sólida colônia alemã com cerca de

1.900 escolas particulares, onde a língua utilizada era o alemão.

Da Alemanha vinham, também, os livros e os professores. Em

algumas pequenas cidades, os moradores até desconheciam o

português. Secretamente, Hitler considerava essas colônias como

sudetos que, no momento oportuno, pretendia incorporar à

Alemanha. O problema era muito delicado e precisava ser tratado

com sensibilidade, exigindo medidas corretas, na proporção exata,

e no momento apropriado.

A Ação Integralista Brasileira, que tentou, sem sucesso, tomar o poder em

1938, e o Estado Novo, que nele se instalara um ano antes, eram verso e reverso

da mesma medalha. Nacionalistas extremados, ambos perseguiam os mesmos

propósitos dos regimes de direita que se popularizavam na Europa.

Plínio Salgado, o Chefe integralista era admirador do Primeiro Ministro de

Portugal, Antônio de Oliveira Salazar, mas recebia apoio financeiro da Itália de

Mussolini. Por seu lado, o ditador Getúlio Vargas tinha laços de amizade com

Benito Mussolini, mas recebia apoio bélico da Alemanha de Hitler. Não havia

contradições nesses triângulos políticos pois todos eram farinha do mesmo saco.

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Na remessa de armas para o Brasil, a Krupp alemã utilizava simultaneamente

os portos alemães, italianos e portugueses. Num mundo que priorizava a luta

feroz entre fascismo e comunismo, tanto a Ação Integralista Brasileira quanto o

Estado Novo polarizavam em blocos da direita. Plinio Salgado o fazia por

convicção, Getúlio Vargas por conveniência.

Na outra ponta, à extrema esquerda, reinava absoluta, no mundo, a figura de

Joseph Stalin (seu nome verdadeiro era Iosif Vissarionovich Dzhugashvili;

melhor mesmo é ficar só com o apelido).

Em 1922, Stalin tornou-se secretário do Partido Comunista. Em 1924, com a

morte de Lenin, assume o comando do Partido e, para garantir-se no poder, foi

eliminando um a um, todos os seus concorrentes: Trotsky foi exilado para o

México e mais tarde assassinado no exílio: Kamenov, Zinoviev, Rykiv e Bukharin

foram executados sem contemplação. Todos os demais que se interpuseram em

seu caminho tiveram idêntico destino.

Finalmente, em 7 de maio de 1941, Stalin torna-se o todo poderoso Primeiro

Ministro da União Soviética. Pela violência ou pelo medo, organizando uma rede

de delação e espionagem, conseguiu dominar por completo a União Soviética e

seus países satélites, mantendo-se, até a morte, como o chefe incontestável do

comunismo internacional.

Ao centro do espectro político, num equilíbrio muito precário, achavam-se a

Inglaterra, cujo Primeiro Ministro era Arthur Neville Chamberlain; a França, que

tinha como presidente do Conselho Édouard Daladier.

Finalmente, nos Estados Unidos, encontramos o presidente da República,

Franklin Delano Roosevelt, eleito pela primeira vez em 1933 mas que, na

excepcionalidade da guerra, foi reeleito seguidamente por três vezes,

permanecendo no poder até sua morte, em 1945, ironicamente dois meses antes

do Armistício na Segunda Guerra Mundial.

Roosevelt foi considerado um dos Quatro Grandes da Segunda Guerra,

juntamente com De Gaulle (França), Churchill (Inglaterra) e Stalin (União

Soviética) e teve uma forte aproximação com o Brasil, durante a guerra.

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Janeiro de 1943 > Em Natal (RN), o encontro dos presidentes

Roosevelt (ao lado do motorista) e Getúlio (banco traseiro)

Todavia, num mundo ameaçado pelo radicalismo, não havia espaço para o

liberalismo e não tardou que os três aliados tivessem que buscar apoio armado

em um dos extremos, apresentando-se, então, como única opção, o poderio da

União Soviética.

Esse era o cenário ao final da década de 1930, quando nuvens negras

turbavam o horizonte, preparando o palco onde se desenvolveria a Segunda

Guerra Mundial.

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O prenúncio do grande embate não representava apenas confronto de armas,

mas, sobretudo, o confronto de ideias, em que a democracia passava por sua

prova de fogo, frente ao totalitarismo, oferecido ao mundo como a solução única

para os problemas universais.

A guerra começou com

o acordo de paz

O pesado fardo colocado sobre a Alemanha (a grande derrotada da Primeira

Grande Guerra) e a punição aplicada à nação alemã, com ocupação estrangeira

de seu território, a destruição de sua marinha de guerra e a proibição de manter

seu arsenal bélico, a não ser com armas defensivas, além de ter de pagar do

próprio bolso as despesas com as tropas de ocupação, representou uma

profunda humilhação à orgulhosa raça germânica. Nesse sentido, o Tratado de

Paz de Versalhes, assinado em 28 de julho de 1919, marcou o início do caminho

que levaria à Segunda Guerra Mundial.

Em 1917, o comunismo, pela primeira vez, se instalara como regime de fato,

com a formação da União das Repúblicas Soviéticas (URSS) e, ato contínuo,

passou a financiar e comandar a subversão da ordem no restante do mundo,

buscando ampliar sua área de influência.

Na contrapartida, para combater o comunismo, começaram a surgir de

regimes militarizados no extremo oposto, funcionando como uma muralha para

evitar a expansão de ideais utópicos, mas que exerciam uma grande atração,

pela promessa de uma ditadura do proletariado, com a eliminação das diferenças

de classes sociais.

Nesse contexto da contra-revolução, surge na Alemanha a figura de Adolph

Hitler, um austríaco filho de camponeses, que havia participado como voluntário

na Primeira Grande Guerra.

Em 1919 Hitler filia-se ao Partido Nacional Socialista (Nationalsozialistische

Deutsche Arbeiterpartei, ou simplesmente nazi), do qual ele se torna chefe. Em

1930 ganha a cidadania alemã, é nomeado chanceler e assume o poder em

janeiro de 1933, fechando partidos políticos e perseguindo sem trégua os

opositores do novo regime.

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Captando o sentimento do povo alemão, em favor de uma revanche pela

defesa do amor próprio ferido, Hitler passa a militarizar o país, restabelecendo o

serviço militar obrigatório e incrementando a produção de armas de guerra.

Embora isso contrariasse os termos do tratado de paz, os aliados ocidentais

fingiram não ver a expansão militarista da Alemanha, levando em conta que, por

sua posição geográfica estratégica, ela serviria de barreira contra a expansão

comunista na Europa.

Essa tolerância, várias vezes repetida, custou caro ao mundo livre.

Pressionadas por Hitler, e em nome da paz, França e Inglaterra convencem a

Checoslováquia a entregar à Alemanha os sudetos na divisa entre os dois

países.

Sentindo-se fortalecido, o ditador alemão avança em suas pretensões,

invadindo a Boêmia e a Morávia. Não encontrando reação, organiza uma

ofensiva maior, apossando-se da Checoslováquia inteira, que deixou de existir

como país independente.

Finalmente, em 1º de setembro de 1939, as tropas nazistas invadem a

Polônia, dando início à conflagração mundial, com a reação, já tardia, da

Inglaterra e da França. Pouco depois, o ministro inglês Chamberlain perdia sua

sustentação, entregando o governo a Winston Churchill.

Inglaterra e França

invadidas

Na preparação para o conflito, Hitler primeiro se une à Itália de Mussolini e,

depois, aos generais do Imperador Hiroito, formando-se um eixo Berlim-Roma-

Tóquio, que ficou conhecido simplesmente como Eixo. A Itália entra na guerra

em 10 de junho de 1940, e o Japão, em 27 de setembro do mesmo ano.

O avanço do Eixo é surpreendente. Em 19 de janeiro de 1940, Noruega e

Dinamarca afirmam-se neutras; três meses depois, os germânicos invadem os

dois países. Em maio inicia-se a invasão da Holanda, da Bélgica e do Principado

de Luxemburgo.

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Em 14 de junho, as tropas nazistas invadem Paris, contando com a

colaboração de um traidor, o marechal Petain que, em Vichy, se proclama Chefe

da França. Em 8 de agosto, a Inglaterra também é invadida. A situação dos

Aliados começa a ficar desesperadora.

Paralelamente, a Itália avança para o Norte da África, invadindo o Egito e a

Líbia e avançando em direção a Dacar, ponto estratégico no litoral Atlântico.

Felizmente, seus exércitos são detidos por forças da Inglaterra e França que, se

não os expulsaram daquele continente, pelo menos conseguiram deter o avanço.

Dacar, na África, é o ponto avançado do mapa o Atlântico Oriental, enquanto

que Natal (RN), no Brasil, é o ponto avançado do Atlântico Ocidental. Qualquer

exército que conseguisse dominar esses dois pontos e mais o arquipélago de

Fernando de Noronha, teria o domínio da rota marítima em todo o Atlântico Sul.

No Japão, em 18 de outubro de 1941, o ex-ministro da Guerra, general Hideki

Tojo assume como Primeiro Ministro. Trata-se de um acontecimento importante,

pois o Imperador Hiroito era uma figura decorativa, quase nada informado das

operações de guerra, sendo iludido por seus militares, que detinham a grande

responsabilidade pela ofensiva.

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Os Estados Unidos

na guerra

Aparentemente, as três Américas permanecem a salvo da guerra que

grassava na Europa, até que, em 7 de dezembro de 1941, aviões japoneses

fazem um ataque de surpresa à base naval de Pearl Harbour, no arquipélago do

Havaí, destruindo toda esquadra americana ali fundeada.

Para se ter uma ideia da destruição, basta dizer que, neste único ataque, os

Estados Unidos perderam mais navios que em toda a Primeira Grande Guerra,

sem contar as baixas em soldados. Registraram-se 2.843 mortos, 1973 feridos,

com cerca de 1.000 desaparecidos.

No dia seguinte, os Estados Unidos declaram guerra ao Japão e, em

represália, a Alemanha e a Itália declaram guerra aos Estados Unidos. Se ainda

havia alguma esperança de manter as Américas na neutralidade, esta foi por

terra com o ataque à base americana. Querendo ou não, o mundo inteiro está

agora envolvido e tem de tomar uma posição, ou a favor dos Aliados, ou a favor

do Eixo.

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O grande poderio bélico se encontrava nas mãos dos norte-americanos, mas

a geografia do continente americano dava ao Brasil uma posição de destaque

na estratégia da defesa do continente, pois o grande perigo se apresentava na

ligação atlântica, entre a África e as costas brasileiras.

Era para cá, pois, que se voltavam as atenções dos Estados Unidos,

procurando atrair o governo do Estado Novo com agrados, mas, ao mesmo

tempo, com pressões diplomáticas, às quais o Presidente vinha resistindo desde

o início da guerra.

Entre a cruz e

a espada

Não era nada fácil a situação brasileira. A sagacidade e experiência de

Getúlio Vargas em muito ajudaram a administrar, desde o início da guerra, um

relacionamento duplo com a Alemanha e com os Estados Unidos, buscando o

máximo de lucro, com um mínimo de prejuízo aos interesses nacionais.

De um lado, dentro do pan-americanismo, rebatizado como Política da Boa

Vizinhança, tínhamos compromissos de fidelidade com as nações americanas e

particularmente com os Estados Unidos, a maior potência de nosso continente.

Verdade seja dita, vínhamos sendo fiéis a esse compromisso, trocando

informações e opiniões com o embaixador americano no Brasil, Jefferson

Caffery, e com o Secretário de Estado americano Cordel Hull, ou com o sub-

secretário, Summer Hills.

Para nossa sorte, era embaixador do Brasil nos Estados Unidos, o nosso

conhecido Osvaldo Aranha, experiente, habilidoso, e prestigiado junto ao

presidente Roosevelt, ajudando em muito nesses contatos.

De outro lado, havia vários motivos para continuarmos mantendo relações

diplomáticas e comerciais com a Alemanha, não convindo ao Brasil, de maneira

nenhuma, um rompimento com aquela nação.

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Primeiro que tudo, havia no Sul do nosso país uma sólida colônia alemã com

cerca de 1.900 escolas particulares, onde a língua utilizada era o alemão. Da

Alemanha vinham, também, os livros e os professores. Em algumas pequenas

cidades, os moradores até desconheciam o português. Secretamente, Hitler

considerava essas colônias como sudetos que, no momento oportuno,

pretendia incorporar à Alemanha. O problema era muito delicado e precisava ser

tratado com sensibilidade, exigindo medidas corretas, na proporção exata, e no

momento apropriado.

Além, disso, a Alemanha figurava como um parceiro comercial que o Brasil

não podia desprezar, pois as duas economias eram complementares. Tínhamos

para exportar os produtos primários de que a Alemanha necessitava e, em troca,

eles nos vendiam produtos acabados de seu destacado parque industrial e que,

a nós, faziam falta.

Por último, o Brasil precisava desesperadamente de armamento para reforçar

e atualizar nossas Forças Armadas e nenhum dos países aliados, preparando-

se para a guerra, estava em condições de nos atender. Já a Alemanha fechou

um contrato para fornecimento de armamento ao Brasil, no valor de três milhões

de libras esterlinas, que já estava pago em sua totalidade, e cujos embarques

vinham se fazendo parceladamente.

Quando o Japão atacou a base naval dos Estados Unidos, em 7 de dezembro

de 1941, trazendo a guerra para nosso continente, este último problema já

estava resolvido, não obstante as dificuldades impostas pela Inglaterra, que

estabelecera um bloqueio marítimo, apreendendo o navio Siqueira Campos, que

transportava a última remessa dessa encomenda.

O caso com a

Inglaterra

Com o avanço rápido das tropas germânicas sobre a Europa, tanto a

Inglaterra quanto a França ficaram em situação difícil, na perspectiva de invasão

e dominação estrangeira.

Usando de uma estratégia que já dera certo em outras ocasiões, a Inglaterra

estabelece no Atlântico um bloqueio ao comércio exterior alemão, impedindo o

trânsito de mercadorias destinadas à Alemanha, ou embarcadas de seus portos

em direção a outros países.

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O Brasil já havia recebido um terço do armamento encomendado, retirando-

o do porto de Gênova, na Itália, para despistar a procedência. Todavia, o navio

Almirante Alexandrino viveu uma odisseia para fazer seu trajeto até o Brasil.

Como a Inglaterra vinha aumentando o policiamento nessa área, procurou-se

fazer o novo embarque em Lisboa, Portugal. Não deu certo. O navio Siqueira

Campos, pronto para zarpar, ficou retido no porto, aguardando uma ordem de

livre trânsito, solicitada à Inglaterra e, como essa autorização não chegasse,

partiu assim mesmo, sendo apreendido pelos ingleses, com o que se criou um

incidente internacional de gravidade, e justo com um país Aliado, como era a Grã

Bretanha.

Todo mundo interveio: o embaixador do Brasil na Inglaterra, Muniz Aragão,

mais o embaixador inglês no Brasil, Geoffrey Knox e também o embaixador do

Brasil nos Estados Unidos, Osvaldo Aranha. Até o general Góis Monteiro, chefe

do EMFA entrou na dança, ameaçando com represálias contra bens ingleses no

nosso país.

O Brasil explicou à Inglaterra que, por razões de segurança, em face da

guerra, nos primeiros embarques, as armas vieram todas incompletas. O

Siqueira Campos trazia agora as partes faltantes para que, no Brasil, fosse

realizada a montagem. Assim, sem este embarque, o armamento da remessa

anterior estaria todo inutilizado.

Não obtendo resultados, o Brasil apelou para a interferência diplomática

americana e, finalmente, em 15 de dezembro de 1940, sai a licença de livre

trânsito, permitindo que o Siqueira Campos prosseguisse em paz sua viagem.

O Brasil no sistema

pan-americano

No mais, o Brasil cooperou com o sistema de defesa do continente, desde os

primeiros dias da guerra. Participou das conferências realizadas em Lima, em

Havana e, finalmente, no Rio de Janeiro. Cedeu bases navais em Salvador e

Recife para navios americanos. Permitiu a instalação de bases aéreas,

sobretudo em Natal e Recife, e assentiu com a possibilidade de utilização, para

o mesmo fim, da ilha de Fernando de Noronha, meio caminho entre Natal (Brasil)

e Dacar (Senegal), que eram os dois pontos avançados do Atlântico Sul.

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Quando a base americana de Pearl Harbour foi atacada pelos japoneses, o

Brasil mostrou-se solidário aos Estados Unidos, acelerando também as

providências para defesa do próprio território e, por consequência, do continente

sul-americano.

Em janeiro de 1942, um mês após esse ataque, o arquipélago de Fernando

de Noronha foi declarado Zona Militar, enviando-se para lá um contingente do

Exército brasileiro (cerca de 100 homens), que ficou estacionado na ilha principal

por três anos e oito meses. A pena de morte, que se destinava apenas a crimes

políticos, foi estendida também a sabotadores.

No decorrer da guerra, outras providências foram sendo tomadas, limitando-

se a movimentação de estrangeiros no território nacional e, a mais polêmica de

todas, a obrigatoriedade e uso do idioma nacional nas escolas, causando a maior

revolta nas colônias alemães.

Em resumo, o Brasil não faltou com suas obrigações junto ao sistema pan-

americano. O mesmo não se pode dizer de outros países sul-americanos, alguns

dos quais tiveram comportamento dúbio em face dos acontecimentos.

A “quinta-coluna”

no Brasil

Quinta-coluna é um termo surgido durante a Guerra Civil Espanhola, em

1936, atribuído a uma suposta frase do general Francisco Franco: "Se minhas

quatro Colunas fracassarem, ainda disponho de uma Quinta-Coluna para ganhar

a guerra." Referia-se ele à rede de espiões e sabotadores, infiltrados junto aos

guerrilheiros comunistas, para minar-lhes a ação.

Conquanto todos os estrangeiros residentes no país sofreram limitações,

pecisando de um salvo-conduto para deslocar-se de um a outro ponto do país,

o governo pouco teve a temer, a não ser por ações isoladas de japoneses,

italianos e espanhóis, ligados ao Eixo. O próprio Mussolini lamentou não estar

conseguindo montar, entre a colônia italiana, uma rede eficaz de colaboradores

do fascismo.

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Sobre os italianos, escreve o jornal O Estado de São Paulo em 4 de abril de

1942:

"Prendendo todos os indivíduos de comprovada ação nefasta

ao nosso país, a polícia não tem encontrado súditos da Itália entre

os espiões totalitários, detendo, entretanto, vários espanhóis

articulados com os enviados das nações agressoras. Essa

observação deve ficar registrada em homenagem à verdade dos

fatos e à lealdade dos elementos italianos radicados em nosso

país."

O mesmo não se pode dizer dos alemães, bastante atuantes e infiltrados até

o âmago de setores importantes do governo.

O jornalista David Nasser, em seu livro Falta Alguém em Nurenberg lança um

libelo contra o chefe de Polícia, Filinto Müller, homem de confiança do

Presidente:

"O chefe de Polícia não fazia esse trabalho de colaboração com

o inimigo desorganizadamente, sem plano certo. Possuía um

mentor nazista, ao qual ele prestava conta de seus atos e de quem

ele recebia instruções. Tratava-se de um conselheiro da

Embaixada Alemã. (...) O Filinto não saía de lá. Fazia visitas

frequentes e demoradas, mesmo no tempo em que devia atender

aos interesses do Brasil na chefatura de polícia. Preferia resolver

com o tal conselheiro as dificuldades da embaixada de Hitler,

representada nas pessoas de Von Cossel e outros seus amigos.

Esses agentes secretos nazistas já nem eram mais secretos, tal a

liberdade de movimento que possuíam nas dependências da

polícia, como se fosse um território alemão. E não era?"

Sobre a presença alemã no Brasil, o observador estrangeiro Ewart Turner,

escreve a obra German Influence in South Brazil nesse mesmo ano de 1942,

informando que os imigrantes alemães somavam um milhão de pessoas, em sua

quase totalidade simpatizantes do nazismo. Os mais influentes e atuantes,

segundo ele, eram os pastores protestantes, e cita um caso curioso:

"O pastor de Nova Breslau foi apanhado em atividades

subversivas. A polícia ordenou sua prisão. Ao ouvir isso, o

Consulado Alemão de Florianópolis avisou-lhe por telefone que ele

estava contratado como vice-cônsul. Isso lhe propiciou imunidade

diplomática, com a qual passou a desafiar quem o prendesse.

Quando o assunto veio a público, os nazistas mandaram-no de

volta à sua paróquia. Desde então, o nome da cidade mudou de

Nova Breslau para Getúlio Vargas."

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E Turner, já citado acima, escreve sobre a ação de agentes alemães no

Brasil: "Os recém desembarcados professores, todos homens, foram

descobertos, organizando a juventude em unidades paramilitares." Eram as AS

(Sturmabteilung), ao pé da letra, Seção de Assalto, organizações que os nazistas

montavam em países inimigos para facilitar a tomada do poder.

Esse é o grau de dificuldade que o governo brasileiro enfrentava, em nível

interno, para a defesa nacional, em face da Segunda Guerra Mundial.

Nossos navios são

bombardeados

Desesperançado de obter o apoio do Brasil às potências do Eixo, Hitler

começa a tomar medidas de provocação, mandando afundar navios mercantes

brasileiros, numa frequência que punha em teste a paciência do nosso governo.

Em 15 de fevereiro de 1941 era torpedeado o navio mercante brasileiro Buarque.

Segue-se uma série de ataques, feitos por submarinos alemães e, seis meses

depois, já tínhamos 22 embarcações atingidas, todas da marinha mercante, vale

dizer, sem condições de envolvimento na guerra. E os ataques continuaram pelo

ano de 1942. Era a velha e perigosa tática. Contemporizando com intuito de

apaziguar, o Brasil estava aumentando o poder de fogo dos agressores.

Em 22 de agosto de 1942, o Brasil reconhece o Estado de Beligerância com

a Alemanha. Neste ponto, Osvaldo Aranha deixa a Embaixada do Brasil nos

Estados Unidos e, em solidariedade, Góis Monteiro se demite da chefia do

Estado Maior das Forças Armadas.

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Em 31 de agosto, o Brasil, finalmente, declara Estado de Guerra em todo o

território nacional.

Não estávamos para ilusões. Ou os problemas, todos eles, eram atacados de

frente, com energia ou determinação, ou chegaríamos a um ponto onde não

haveria mais condições para conter a escalada da subversão dentro do país, e

o recrudescimento dos ataques alemães aos navios de bandeira brasileira.

A declaração de guerra à Alemanha era apenas um primeiro passo, de todo

inútil, se não fosse acompanhado de medidas efetivas visando reagir às

hostilidades do governo germânico contra o Brasil.

Getúlio Vargas, pois, fez ver ao presidente Roosevelt que tínhamos todo

interesse em enviar ao campo de batalha uma força militar para participar, ao

lado do Exército americano, na expulsão do inimigo, dos territórios por ele

invadidos.

A formação da força expedicionária, a partir desse instante, é a prioridade do

governo brasileiro. Os preparativos seguem acelerados para que, o mais rápido

possível, o Brasil se faça presente na Europa, combatendo as forças do Eixo.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO ONZE

OS "PRACINHAS" NA GUERRA

A COBRA FUMOU NA ITÁLIA

Com a conquista de Monte Castelo, após tantas tentativas

frustradas, o moral das tropas brasileiras estava, finalmente,

restabelecido e, ato contínuo, os “pracinhas” se dedicaram a outra

missão igualmente importante, que era resgatar os corpos dos 14

companheiros que ficaram insepultos quando da derrota de 12 de

dezembro de 1944, os quais se achavam espalhados pelas

encostas, cobertos de neve, em terreno minado. Deu muito

trabalho, mas a missão foi cumprida. E, mais que tudo, estava dada

a resposta aos comandantes americanos que insistiam pelo

afastamento do Brasil dos campos de batalha. Monte Castelo já

estava conquistado pelos brasileiros, enquanto que, até aquele

momento, os americanos, com sua 10ª Divisão da Montanha, ainda

não haviam conseguido dominar um alvo mais fácil que lhes foi

atribuído, o Monte della Torraccia.

O Decreto nº 10.358, de 31 de agosto de 1942, declarando Estado de Guerra

em todo território nacional seria mera peça de retórica, se a ele não se

seguissem medidas efetivas objetivando a participação do Brasil no esforço

conjunto para deter as ambições do Eixo, que pretendia estender seu império a

todos os quadrantes do globo terrestre.

Foi do próprio presidente Getúlio Vargas a declaração, feita em 31 de

dezembro do mesmo ano, de que o Brasil forneceria tropas em quantidade para

marcar presença no combate ao inimigo, do outro lado do Atlântico.

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Com efeito, a posição do Brasil perante a comunidade mundial, e diante dos

próprios brasileiros, era, naquele momento, deveras embaraçosa. Ao abrir seu

território para a instalação de bases de guerra norte-americanas, sem

efetivamente participar do conflito, o país ganhou uma feição de terra ocupada.

Assim, pois, enviar uma força expedicionária para combater, par a par com

os Aliados, era importante para dar uma satisfação à opinião pública nacional e

internacional, assim como aos militares, que estavam, de há muito,

inconformados com a passividade aparente de nosso governo.

Nesse propósito, alguns atos públicos selam os entendimentos entre Brasil e

Estados Unidos. Em 12 de setembro de 1942, a Marinha de Guerra brasileira é

posta sob o comando do almirante americano Jonas Ingram, integrando-se ao

esforço conjunto de guerra.

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No dia 29 do mesmo mês, vem ao Brasil, para inspeção, o secretário da

Marinha dos Estados Unidos, Frank Knox. Em 25 de janeiro de 1943, após

participar da Conferência de Casablanca, o presidente americano não volta aos

Estados Unidos, mas viaja diretamente para a base militar americana em Natal,

Rio Grande do Norte, onde se encontra com Getúlio Vargas, que está

acompanhado do embaixador americano Jefferson Caffery, do almirante Jonas

Ingram, acima citado, e do chefe da Missão Naval americana, Augusto

Beauregard, onde são discutidos assuntos relativos à defesa das nações

ameaçadas pelo Eixo.

Treinamento de oficiais

Desde os primórdios, nossas forças militares vinham sendo treinadas por

missões militares franceses, incutindo, tanto no Exército quando na Marinha,

uma filosofia tipicamente europeia, não só nas táticas operacionais como no

conceito de segurança nacional. O acordo com os Estados Unidos veio provocar

um giro de 180 graus nesses conceitos.

Militares em postos de comando (ainda não generais, mas sim oficiais

superiores), como Henrique Batista Duffles Teixeira Lott, Humberto de Alencar

Castelo Branco, Floriano de Lima Brayner e Amauri Kruel viajaram para o Fort

Leavenworth, onde ficava a Escola de Comando e Estado Maior americano, para

participar de cursos de atualização.

A partir daí, o conceito francês de guerra em trincheiras foi substituído pela

tática de avanços rápidos e fulminantes, típico da escola americana. As marchas

da Infantaria eram substituídas pelo transporte motorizado de soldados. Quanto

ao uso de cavalos, ainda em voga nos exércitos, era desaconselhado, a não ser

em casos muito especiais.

O contato com novo material bélico deu aos comandantes brasileiros a noção

de que o armamento brasileiro se tornava inútil para a guerra, dado que os

Estados Unidos haviam padronizado o uso de armas de 105 mm e 155 mm., de

que não dispúnhamos.

Assim, nossos soldados deveriam ir à Europa desarmados e lá receberiam

as armas apropriadas e o treinamento adequado, antes de serem incorporados

ao Exército americano.

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Mãos à obra!

O próximo passo é a formação da Força Expedicionária Brasileira (FEB). O

ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, pretendia criar um efetivo de 5 divisões,

com 25 mil homens cada uma, mas acabou se rendendo à realidade.

A situação financeira do país e a impossibilidade de os Estados Unidos

absorverem todo esse contingente conteve a audácia e o total de nossas forças

se reduziu a uma única divisão, com 5 escalões de 5 mil homens cada um.

Para sermos precisos, o Brasil enviou à Guerra, com a Força Expedicionária

Brasileira (FEB), 25.334 soldados e oficiais. Além destes, foi também um

contingente da Força Aérea Brasileira (FAB), principalmente para missões de

reconhecimento. E, é claro, seguiram também, médicos, enfermeiras e pessoal

de apoio de retaguarda.

Enquanto a FEB adotou o dístico A Cobra Fumando, a FAB criou outro dístico

com a expressão Senta a Pua.

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Se os oficiais eram quase todos da ativa do Exército, cerca de metade dos

soldados eram reservistas, convocados para servir a pátria nesse grave

momento. A convocação se deu em todos os Estados, mas principalmente no

Rio de Janeiro e São Paulo, que forneceram os maiores contingentes.

Todos os Estados brasileiros, com exceção do Maranhão, tiveram alguns de

seus filhos sepultados no cemitério de Pistoia, Itália. Ao final, foram 443 homens

que deixaram sua pátria para nunca mais voltar. A FAB, que atuou não só na

Itália como no sul da Áustria, perdeu 8 aviadores em combate.

Para comandar a 1ª Divisão de Infantaria foi indicado o general João Batista

Mascarenhas de Morais, já então com 60 anos de idade. Ao todo, o Brasil

preparou cinco escalões de embarque, que partiram nas seguintes datas:

02.07.44 – 1º Escalão, comandado pelo general Zenóbio da Costa;

22.09.44 – 2º Escalão, comandado pelo general Cordeiro de Faria;

22.09.44 – 3º Escalão, comandado pelo general Olímpio Falconiere;

23.11.44 – 4º Escalão, comandado pelo coronel Mário Travassos;

08.02.45 – 5º Escalão, comandado pelo coronel Iba Jobim Meireles.

Os dois primeiros escalões seguiram no navio de transporte General Mann e

os demais no General Meigs. Todos eles foram escoltados até o estreito do

Gibraltar por belonaves americanas e destroieres brasileiros. Uma vez no mar

Mediterrâneo, essa escolta passou para a responsabilidade de navios

americanos e ingleses.

Quanto ao pessoal de apoio (médicos, enfermeiros, etc.), este seguiu por via

aérea.

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Durante a guerra, a FEB esteve incorporada ao 5º Exército Americano,

comandado pelo general Mark Clark. Durante todo o tempo, operou em

coordenação com o 4º Corpo do 5º Exército, comandado pelo general Willis

Crittenberg. É com este último que mantínhamos contato permanente e era dele

que emanavam as ordens de comando.

Nova vida em terra estranha

O embarque do 1º Escalão se faz no mais absoluto segredo. As janelas dos

vagões ferroviários são vedadas para isolar o contato com o mundo exterior e os

soldados recebem a informação de que estão sendo transferidos para outro

campo de treinamento.

Tudo era disfarce. Quando se deram pela conta, estavam no porto do Rio de

Janeiro, embarcando no navio-transporte americano General Mann. Antes da

partida, Getúlio Vargas vai a bordo para deixar-lhes uma palavra de despedida.

E só. Não houve sequer oportunidade de se despedir dos parentes, que só

souberam da viagem quando o navio já ia em mar alto.

A bordo, para surpresa geral, ia também o comandante da 1ª Divisão de

Infantaria, general Mascarenhas de Morais, com seu estado maior. Na prática,

era ele o comandante em chefe de toda a Força Expedicionária, dono da

situação e senhor único de um segredo, que lhe fora passado pelo general

Kroner, adido militar americano.

Só ele, e mais ninguém, nem o general Zenóbio da Costa, que comandava o

escalão embarcado, sabia qual o porto de destino da embarcação.

Assim, a preocupação se instalou a bordo quando o navio ignorou todos os

portos do Norte da Itália, onde se achava o campo de guerra, rumando para o

Sul.

Há algum tempo, os Estados Unidos insinuaram a possibilidade de fazer o

treinamento dos pracinhas no Norte da África, bem distante do campo de

batalha, transformando a FEB em uma força de contingência, a ser usada no

decorrer da guerra, se isso se tornasse imperioso.

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Foi um período de tensão e de angústia, até que o general Mascarenhas de

Morais tranquilizou a todos, esclarecendo que o desembarque se daria em

Nápoles, ao Sul da Itália, por razões de segurança.

Nem por isso, as coisas ficaram mais fáceis. Chegando a Nápoles, numa bela

manhã de sol, os soldados não encontraram os caminhões prometidos para o

deslocamento até o Norte do país. Informou-se, então, que o transporte estaria

disponível em Agnano, a trinta quilômetros de distância, percurso que teve de

ser feito à pé.

As distâncias > Nápoles (local de desembarque), Agnano (local de

concentração) e o Norte da Itália (campo de guerra)

Foi assim que, caminhando em passo de estrada, desarmados, e com

fardamento semelhante ao dos nazistas, os soldados brasileiros chegaram até a

ser confundidos pelos moradores como se fossem prisioneiros de guerra.

No local de destino, outra surpresa os esperava. Os brasileiros não levaram

barracas de campanha já que os americanos asseguraram o suprimento delas

na Itália. Mas ali, não havia barracas para o alojamento.

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Esses foram os primeiros maus momentos de uma campanha que lhes

reservaria, ainda, muitas outras surpresas.

Prontos para a luta

Diga-se, a bem da verdade, que o comando americano não via com bons

olhos a participação de brasileiros na guerra, achando-os despreparados e sem

espírito de combate.

Assim, a presença da FEB no campo de treinamento de Tarquinia se deu

mais por motivos circunstanciais, do que pela vontade do comando do 5º

Exército. Com efeito, a defesa no Norte da Itália acabara de sofrer grandes

desfalques.

A França, àquela altura, havia retirado seu contingente juntando-o ao restante

do Exército francês, numa nova ofensiva para expulsar os nazistas de seu país.

A Inglaterra mandou parte de suas tropas para auxiliar os franceses e outra parte

para reforçar a linha de defesa na Grécia. Só um pequeno grupo permaneceu na

Itália.

Assim, a chegada dos brasileiros foi entendida pelos americanos como um

mal necessário, para tapar as brechas deixadas com essas perdas.

No mais, foram os pracinhas que tiveram de mostrar sua bravura e

tenacidade, nivelando-se aos mais corajosos e experientes soldados americanos

e merecendo, por fim, um registro elogioso do próprio general Mark Clark,

comandante do 5º Exército.

Talvez tenha sido melhor assim. Desacreditados ao início, tudo fizeram para

marcar sua presença de forma inequívoca. E conseguiram intento, ao

demonstrar, em coragem e destemor o que lhes faltava em experiência no

manejo das armas e nas táticas de guerra americanos.

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“Pracinhas” desembarcam em Nápoles

Em 5 de agosto de 1944, o Primeiro Escalão da FEB foi, finalmente,

incorporado ao 4º Corpo do 5º Exército e transferido para Vada, um local mais

acidentado e semelhante ao campo de batalha, onde se iniciou a segunda fase

de preparação.

Todo esse treinamento, bastante útil, não pode ser dado, mais tarde, aos

outros quatro escalões, que entraram imediatamente no combate e aprenderam

as táticas de enfrentamento já no campo de batalha, no rude confronto com os

experientes germânicos.

A cobra está fumando

Procuremos entender o contexto em que os brasileiros são postos à luta no

Norte da Itália, inteirando-nos de fatos aos quais nem os pracinhas tiveram

acesso.

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O ditador italiano, Benito Mussolini, havia sido deposto em 25 de julho de

1943, um ano antes de nossos soldados chegarem à Itália e, embora preso, fora

resgatado pelos alemães, achando-se em lugar incerto e não sabido.

Em 8 de setembro do mesmo ano, a Itália se rende, mas alguns rebeldes,

como a Divisão Bersagliari, se juntam aos nazistas, prosseguindo na guerra.

Nossa luta, pois, não era contra a Itália, mas, ao contrário, pela sua libertação,

com a expulsão dos nazistas que permaneciam em seu território. Os italianos

estavam cansados de guerra e tinham bom relacionamento com os pracinhas

brasileiros.

Os alemães, que haviam conseguido atravessar a Itália e descer até o Norte

da África, foram obrigados a recuar, deixando livre o continente africano e o Sul

da Itália, indo se alojar, agora, em posição defensiva, ao norte da península

itálica.

Chegando primeiro, os alemães tomaram as melhores posições defensivas,

no alto das montanhas. Estavam em seu poder os montes Belvedere,

Gorgolesco, Mazzancana, La Torrachia, Della Croce, Torre de Nerone,

Soprassasso, e, entre outros mais, o diabólico Monte Castelo, uma fortaleza

natural e inexpugnável.

Esse cordão de defesa era a chamada Linha Gótica, que ia desde Spezia,

no mar Ligúrico, até Rimini, no mar Adriático, cortando o país de Oeste a Leste.

Os aliados, ao contrário, se achavam nos vales, totalmente desprotegidos e

à vista do inimigo, cabendo-lhes avançar até as montanhas, para desalojar as

tropas adversárias, uma operação que exigia muita experiência, coragem e

predisposição para a morte, já que esse avanço seria feito sempre ao alvo da

artilharia germânica.

Os brasileiros eram os únicos latino-americanos a participar da guerra e

cabia-lhes cobrir um trecho da Linha Gótica numa extensão de 18 quilômetros.

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A 15 de setembro de 1944, a FEB entrou em operação, sob o comando do

general Zenóbio da Costa, em coordenação com três companhias norte-

americanas, substituindo outra força, também americana, que, por razões

internas, havia sido desligada do 4º Corpo.

Não era, ainda, o teste de fogo. Enfrentando pouca resistência, em dois dias,

foram conquistadas as localidades de Massarosa, Bozzano e Quiesia,

merecendo um telegrama de congratulações do general Mark Clark e

cumprimentos do general Crittenberg.

Prosseguindo no avanço, as armas brasileira e norte americana desalojaram

os nazistas de Monte Prano e outros locais de menor importância, seguindo

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depois para o vale do rio Serchio, em direção à importante fortaleza representada

por Castelnuovo di Garfagnana.

Estávamos já no mês de outubro e, com ele, chegava um novo inimigo: a

chuva, que enlameava os caminhos e tornava quase impossível o avanço.

A exemplo dos americanos, que possuíam um sinal de identificação na farda,

o general Mark Clark sugeriu que os brasileiros criassem seu próprio distintivo,

facilitando o reconhecimento. Coube a Sena Campos fazer o desenho que,

depois de sofrer algumas modificações, se tornou em uma serpente, com um

cachimbo na boca, encimados pelo nome Brasil.

Esse distintivo passou a ser usado em todo o fardamento da Força

Expedicionária Brasileira (FEB). Quanto à Força Aérea Brasileira (FAB), esta

passou a usar outro distico, bem mais complicado, em que entravam uma ema,

uma serpente, o Cruzeiro do Sul e a expressão "Senta a Pua".

A FEB conhece sua

primeira derrota

Enquanto isso, os alemães estavam reforçando sua posição em Castelnuovo

de la Garfagnana. Zenóbio pediu e lhe foi concedida autorização para atacar

aquele ponto, antes que o inimigo conseguisse torná-lo uma fortaleza

impenetrável.

Não obstante as chuvas que não paravam de cair, as tropas avançaram em

direção ao alvo proposto, conquistando pequenos pontos, como Lama di Soto,

Monte San Quirico e Somocolonia.

Isso foi a 30 de outubro de 1944. Os sucessos deram ânimo para o ataque

maior e fulminante a Castelnuovo, que deveria ser realizado no dia seguinte.

Mas, antes disso, os alemães contra-atacaram com todo seu poder de fogo,

obrigando os brasileiros a recuar a Somocolonia.

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Depois desse insucesso, Zenóbio permanece com a Infantaria, mas sob as

ordens de Mascarenhas de Morais, que, além de comandante em chefe da FEB,

assume em definitivo o comando da 1ª Divisão.

Os brasileiros foram transferidos, então para o vale do rio Reno a 120

quilômetros do vale do Serchio (Trata-se do Reno italiano. Não confundir com o

outro rio Reno, que nasce na Suiça, atravessa a Alemanha e deságua na

Holanda).

A essa altura, tínhamos feito 208 prisioneiros e os alemães aprisionaram 10

dos nossos. Mas o insucesso da última batalha nos custou 13 mortos e, desde

o início de nossa participação, contabilizávamos 183 feridos em acidentes e 87

em combate. A guerra começava a pesar, e não era nem uma pequena amostra

do que estava por acontecer.

Primeiro ataque a

Monte Castelo

De todas as batalhas vividas pela FEB na Itália, nenhuma se compara aos

sucessivos ataques para a conquista do Monte Castelo, e às tentativas

frustradas de desalojar os alemães daquele refúgio, que era considerado a mais

importante fortaleza de toda a Linha Gótica.

O primeiro desses ataques envolvia o complexo Belvedere-Castelo e se deu

a partir do dia 24 de novembro de 1944, sob a responsabilidade da Força-Tarefa

45, do Exército Americano, com a participação de dois batalhões brasileiros a

ela agregados. Foram três dias de insucessos e pesadas baixas, quando o

poderoso contra-ataque germânico obrigou as tropas aliadas a recuar ao ponto

de origem.

O general Crittenberguer, decidiu, então pelo deslocamento da FEB mais

para o Oeste, de maneira que a tomada do Monte Castelo passou, a partir

daquele momento, a ser responsabilidade da nossa força expedicionária, com o

apoio da aviação e de tanques americanos.

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Um novo contingente, descansado, estava sendo trazido para o campo de

batalha. Estávamos ao final de novembro e o frio do inverno que se aproximava

já era sentido pelos nossos pracinhas, acostumados que estavam ao clima

tropical.

Segundo ataque a

Monte Castelo

No segundo ataque ao Monte Castelo, que começou na manhã de 28 de

novembro, tudo conspirou contra os brasileiros. Na noite passada, as tropas

americanas foram rechaçadas do Monte Belvedere, ao lado, deixando aquele

flanco a descoberto, em poder dos alemães, o que tornava mais arriscada a

aventura.

Durante o dia todo o avanço se deu bem, tão bem que valia à pena desconfiar

que alguma surpresa estava sendo preparada. Com efeito, ao final do dia,

acelerou-se o contra-ataque alemão, acompanhado de pesados bombardeios,

obrigando as tropas brasileiras a um recuo rápido e inesperado.

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O avanço mal-sucedido deixou um triste resultado: 34 mortos e 133 feridos.

A operação toda fora planejada pelo tenente-coronel Humberto de Alencar

Castelo Branco, ao qual foram debitados os maus resultados.

O Monte Castelo permanecia um desafio e não deixava outra escolha: ou se

fazia uma nova tentativa para conquistar a fortaleza, ainda que com perdas

sensíveis em homens, ou o fantasma continuaria a perseguir os brasileiros,

minando o ânimo e dificultando, senão impedindo o ataque a outros alvos.

Terceiro ataque a

Monte Castelo

Os próximos dias foram de avaliação e, testando o poder do inimigo, houve

algumas escaramuças entre forças brasileiras e alemãs, sem que qualquer dos

lados se aventurasse a um ataque mais consistente.

Aliás, a essa altura, os alemães já compreendiam bem a importância de

Monte Castelo. Assim, sua intenção não era a de avançar, mas sim de manter,

a todo custo, essa posição privilegiada.

Informações colhidas de prisioneiros e de guerrilheiros (partegiani) davam

conta de que os alemães estavam recebendo reforços, o que tornava cada dia

mais difícil e incerta a tomada de Castelo.

Como se não bastasse, as chuvas frias e constantes enlameavam as

estradas e tornavam difícil o abastecimento. Já ocorriam as primeiras nevascas,

anunciando um inverno que, nos meses seguintes, faria os termômetros

baixarem a 20 graus negativos. E os brasileiros foram mandados para a Itália

vestindo os uniformes tropicais usados aqui no Brasil!

O novo ataque estava programado para 12 de dezembro de 1944. Nesse dia,

chuvas nublaram os céus, impedindo as incursões da Força Aérea. E muita lama,

inutilizando as estradas, impediu o avanço dos tanques, presos em atoleiros.

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Ali pelas seis horas da manhã, a artilharia americana começa a bombardear

o Monte Belvedere, enquanto tropas brasileiras avançam em direção ao pé do

Monte Castelo.

É então que a artilharia alemã se faz sentir sobre os pracinhas, em toda sua

intensidade, e com o contra-ataque vindo de todos os lados do monte. Impedidos

de prosseguir, os brasileiros receberam ordem de bater em retirada, para evitar

maiores baixas, além dos mortos e feridos já registrados naquele início da noite.

O recuo não foi bem recebido pelo comando americano, sendo opinião de

alguns de seus comandantes de que o Brasil deveria ser afastado da linha de

ataque, por falta de espírito ofensivo. Com efeito, nos meses de dezembro e

janeiro, por precaução ou preconceito, a FEB ficou apenas com tarefas menores,

acompanhando a movimentação inimiga.

Quarto ataque > Monte

Castelo é nosso!

Uma outra data foi marcada para a tomada do Monte Castelo: 21 de fevereiro

de 1945. Nas primeiras horas da manhã, a Divisão da Montanha (americana)

marchou sobre o Monte della Torraccia, ao Norte do Monte Castelo, depois de

guarnecido o Monte Belvedere e montanhas próximas a ele.

Cumprindo seu papel, a FEB, firmadas as suas posições de campo,

desfechou um formidável ataque ao Monte Castelo, movimentando toda a

artilharia e dois terços da infantaria. O ataque cerrado se prolongou pelo resto

do dia.

Às quatro horas da tarde, o posto de observação do general Mascarenhas

recebeu uma visita em peso do comando americano, incluindo o comandante do

4º Corpo, general Crittenberg e o próprio comandante do 5º Exército, general

Mark Clark.

Além de seu apoio moral, estes deixaram a recomendação para que o ataque

fosse intensificado, evitando serem apanhados de surpresa com a chegada da

noite, que favoreceria mais aos alemães, familiarizados com o local.

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Assim se disse, e assim se fez. A artilharia intensificou o bombardeio,

enquanto a infantaria avançou ao cume da montanha, que foi dominado pelos

soldados do general Zenóbio da Costa, às seis e meia da tarde. Finalmente,

Monte Castelo era nosso e iniciavam-se os preparativos para a manutenção do

ponto conquistado.

Se este foi o mais pesado de todos os ataques ao Monte Castelo, nem por

isso produziu maiores baixas que os anteriores, pelo contrário, o balanço geral

nos foi bastante favorável, com apenas 41 feridos.

Os jornais brasileiros repercutiram com júbilo à Tomada de Monte Castelo

e um exemplar de O Globo chegou até os pracinhas

Refeito o moral das tropas brasileiras, sanado o orgulho, duramente atingido

com as derrotas anteriores, os pracinhas se dedicaram a outra missão

igualmente importante, que era resgatar os corpos dos 14 companheiros que

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ficaram insepultos quando da derrota de 12 de dezembro, os quais se achavam

espalhados pelas encostas, cobertos de neve, em terreno minado. Deu muito

trabalho, mas a missão foi cumprida.

Estava dada a resposta aos comandantes americanos que insistiam pelo

afastamento do Brasil dos campos de batalha. Monte Castelo já fora

conquistado, enquanto que, até aquele momento, a 10ª Divisão da Montanha

ainda não havia conseguido dominar um alvo mais fácil que lhe foi atribuído, o

Monte della Torraccia.

Conquista de Castelnuovo

O próximo alvo a ser atingido era Castelnuovo, a noroeste do Monte Castelo,

no caminho em direção a Bolonha. O cerco foi planejado para o dia 5 de março

de 1945, quinze dias após a tomada do Castelo. Como da outra vez, a operação

envolvia a Força Expedicionária Brasileira, em conjunto com a 10ª Divisão da

Montanha.

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O cerco se iniciou pela manhã, quando o 1º Batalhão do 11º Regimento de

Infantaria obteve o controle de Precária, ao Sul de Castelnuovo. Logo depois, o

2º Batalhão domina também o Sudeste. Horas depois, os norte-americanos dão

sinal combinado para o avanço geral e o cerco vai se fechando sobre o inimigo,

de forma quase que perfeita.

Ainda assim, o general Crittenberg telefonou, reclamando do vagar com que

avançavam os brasileiros e alertando que, nesse caminhar, a noite os pegaria

ainda na luta.

Desnecessária era a reclamação. Se as tropas tiveram seu avanço retardado

pelo terreno cheio de minas, não é menos verdade que, pelas seis horas da

tarde, Castelnuovo já estava conquistado. Foram aprisionados 98 alemães, com

registro de 70 baixas em consequência de ferimentos.

Durante o restante de março, e ao início de abril, dentro da Ofensiva da

Primavera, as tropas conseguiram um avanço relativamente fácil, até se

depararem com outro alvo complicado, que exigiria novos atos de heroísmo. Era

a tomada de Montese.

A tomada de Montese

Em 8 de abril de 1945, os generais ligados ao 4º corpo se reúnem em torno

do general Crittenberg para estudarem, juntos, os planos de ataque a Montese,

a noroeste de Castelnuovo, onde era grande a concentração de tropas alemãs.

No dia 12 de abril, inicia-se um ataque conjunto em toda a região. A FEB

avança sobre Montese e Sorreto, enquanto que a 10ª Divisão da Montanha

americana persegue seu objetivo, alcançando Monte Pigna, Le Coste e Tole,

com a cobertura de aviões de combate.

Ainda que não tendo o mesmo simbolismo da conquista de Monte Castelo,

as batalhas em Montese foram árduas, situando-se entre as mais difíceis que os

pracinhas enfrentaram nos campos da Itália.

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A resistência inimiga foi feroz e infernizou a vida dos brasileiros. Se, de um

lado, conseguimos fazer 452 prisioneiros, de outro, tivemos 426 baixas,

incluindo-se nelas 34 mortos.

Igualmente heroica foi a operação da Divisão da Montanha americana. que

abriu um flanco na unidade alemã, deixando uma brecha para a passagem de

forças em direção ao Noroeste, onde se acham os Montes Apeninos.

Em Fornovo, a

consagração

É na região dos Apeninos que fica Fornovo, para onde seguem, agora os

brasileiros, com a missão de impedir o avanço da 148ª Divisão Alemã, que se

acha ali acantonada, juntamente com remanescentes da 90ª Divisão Blindada e

da Divisão de Atiradores (Bersagliari), que prosseguiram na luta junto aos

alemães, mesmo depois da rendição da Itália. Era uma força considerável,

reunindo perto de 15.000 homens em condições de combate.

Desta vez, não havia qualquer apoio externo, seja da Divisão da Montanha,

ou dos aviões de combate, ou dos tanques. A estratégia de ataque e o pessoal

envolvido era todo da FEB. O início do avanço estava programado para 28 de

abril de 1945.

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As tropas brasileiras se concentraram ao Norte, na área de Collechio, que

acabaram de conquistar, e dali partiram em três alas, atacando simultaneamente

pelo Norte, pelo Sudeste e pelo Sudoeste de Fornovo e, não obstante a

resistência enfrentada, os alemães permaneceram encurralados, mantendo sua

praça, sem condições nem de avanço, nem de recuo.

Contando com o auxílio do vigário da localidade de Neviano di Rossi, o

comando brasileiro mandou um ultimato ao comandante da 148ª Divisão alemã,

general Otto Fretter Pico intimando-o a render-se para evitar um desnecessário

derramamento de sangue. Este tentou ganhar tempo, dizendo que iria consultar

seus superiores.

Pode parecer audácia brasileira, ou pelo menos um blefe, a intimação

enviada ao comando alemão, ratificada depois como ordem de rendição

incondicional.

Não era, todavia, um ato impensado. As coisas não iam bem para as forças

do Eixo. No dia anterior, Benito Mussolini fora preso e fuzilado. Os corpos do

líder fascista, de sua amante e de seus mais próximos companheiros foram

pendurados, de cabeça para baixo em uma praça pública.

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Nos campos da Europa, a Alemanha perdia terreno a olhos vistos e a luta

nazista na Itália não oferecia, àquela altura, grande motivação. As tropas há

muito não vinham sendo renovadas e nem o suprimento de alimentos estava

chegando a base. Os soldados alemães passavam fome e a prisão seria, mais

que tudo, uma perspectiva de ganhar uma ração que lhes permitisse a

sobrevivência.

No meio de todas as vicissitudes, o momento era, pois, propício para deter

em um campo de concentração aquela valiosa concentração de soldados

alemães, tirando-os do campo de batalha.

Nessas circunstâncias, os inimigos, finalmente, renderam-se aos brasileiros,

depondo suas armas. Tanto o general Otto Fretter Pico, comandante da 148ª

Divisão alemã, quanto o general Mário Carloni, comandante da Divisão

Bersagliari italiana foram escoltados até Florença e ali entregues ao comando do

5º Exército americano.

O desfecho da guerra

Os brasileiros improvisaram um campo cercado, onde foram abrigados, como

podiam, os 14.779 alemães e italianos, feitos prisioneiros após a rendição.

Poderiam até fugir se quisessem. Para onde e para que?

Três dias depois, morria Adolph Hitler e, em 8 de maio de 1945, era assinado

o armistício, dando fim à guerra na Europa. Restava apenas o Japão que se

renderia em 14 de agosto de 1945.

Após seis anos de apreensão, incerteza e, por vezes, desespero, o mundo

respira aliviado.

Os pracinhas brasileiros, também carregando consigo as marcas indeléveis

da guerra, voltavam ao Brasil, trazendo no peito o orgulho de um dever cumprido.

O Brasil estava esperando por eles. Primeiro, os que tiveram a felicidade de

voltar vivos e que chegaram aqui dois meses após o Armistício.

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Depois, como um compromisso de honra, foram trazidos os que jaziam no

cemitério de Pistoia, a seu tempo repatriados, com direito a repousar dignamente

na pátria que defenderam com o sacrifício de suas vidas.

Lá fora, a liberdade, fora reconquistada. Aqui dentro, os pracinhas

encontraram vigente a mesma ditadura do Estado Novo.

Na Itália, lutaram pela liberdade do povo europeu. E não havia frustração

maior do que essa, de encontrar em sua própria pátria, as restrições à liberdade

pelas quais, em lugar distante, ofereceram seu próprio sangue.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO DOZE

LIBERDADE, AINDA QUE TARDIA

O FIM DO ESTADO NOVO

O ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra e o chefe da EMFA,

general Góis Monteiro são duas personalidades opostas que se

encaixam e se completam. Eurico Dutra, um militar de espinha

dorsal inflexível, é visto quase sempre fardado. Assume suas

posições sobre um determinado assunto e, a partir daí, não arreda

pé. Certo ou errado, tem uma só palavra, por isso é confiável, mas

o problema é que tem dificuldade em falar e expor suas ideias. Ao

contrário, Góis Monteiro de boa aparência, se apresenta de

preferência em trajes civis, geralmente “um terno de linho

amassado e um chapéu panamá que lhe completa o figurino.” Sua

grande força está na fluência verbal, uma fala amistosa e atraente,

capaz de conquistar amigos e iludir com suas palavras a mais

desconfiada das criaturas. Só que Góis é de uma personalidade

escorregadia e titubeante, mais o perfil de um político do que de

um militar. Pois são essas duas personalidades opostas, que já

haviam trabalhado juntas para tornar possível o golpe do Estado

Novo, que se completam outra vez, mas objetivo oposto, qual seja,

derrubar o regime que ajudaram a criar em 1937. Dutra por

convicção, Góis por oportunismo.

Fatores externos contribuíram para a formação de um consenso entre civis e

militares sobre a necessidade da abertura política. O Brasil estivera em guerra

contra o fascismo e o nazismo desde 1942 e, em agosto de 1944, a Força

Expedicionária Brasileira partira para a Itália, a fim de defender, na Itália, as

democracias confiscadas dos países do velho mundo pelas ditaduras nazi-

fascistas.

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Cemitério de Pistoia, na Itália, onde ficaram sepultados os corpos de

pracinhas brasileiros (450 soldados, 13 oficiais e 8 pilotos da aviação),

mortos na defesa da pátria. Os moradores do vilarejo o chamavam de

Cemitério Brasileiro de San Rocco (São Roque)

Lutando pela democracia, centenas de pracinhas morreram longe de sua

pátria e, os que voltaram, trouxeram dos campos de batalha sequelas, no corpo

ou na alma, que os acompanhariam pelo resto de suas vidas. Tudo para, de volta

ao Brasil, encontrar aqui, ainda em pleno funcionamento, uma ditadura igual às

que foram combater lá fora.

O impacto provocado por essa disparidade, se foi grande entre os pracinhas

que, terminada a missão, tiraram a farda e voltaram à atividade civil, maior ainda

o foi para os oficiais, que permaneciam nas atividades de caserna, dando, muito

a contragosto, uma retaguarda à ditadura do Estado Novo.

Assim, era natural que os militares, tal como os civis, se engajassem na luta

pela restauração das liberdades no país, dando ao Brasil condições de participar

da Conferência de Paz, de cabeça erguida, par a par com as demais

democracias ocidentais.

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A trilha aberta pelos

democratas

Já no início dos anos quarenta, Getúlio Vargas, com o apoio de seu ministro

das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, incentivara a criação da UNE - União

Nacional de Estudantes, na qual esperava introduzir pelegos, como o fizera nos

sindicatos, de maneira a controlar a atividade estudantil. O tiro saiu pela culatra,

pois a UNE, desde cedo, manifestou o espírito rebelde da juventude, disposta

sempre a reformar o mundo, aqui e agora, sem perda de tempo.

Com o afundamento dos primeiros navios mercantes brasileiros, feito por

submarinos alemães, em 1942, começaram a surgir manifestações pela entrada

do Brasil na guerra contra o nazi-fascismo, as quais desaguavam, quase sempre,

no protesto contra o fascismo de Getúlio Vargas.

Dentro desse contexto, no Rio de Janeiro, a UNE promoveu uma grande

passeata de estudantes, cuja guerra era o assunto menor. O tema que dominou

as manifestações foi o combate ao totalitarismo do Estado Novo no Brasil. O

chefe de Polícia, Filinto Müller tentou, sem sucesso, dissolver a passeata.

Fracassando em sua missão, foi afastado da Chefatura de Polícia.

Outros protestos semelhantes aconteceram por todo o país, pondo em

cheque a capacidade do governo em continuar contendo as manifestações de

massa contrárias à ditadura.

Manifesto dos Mineiros

Em 1943, surgiram pronunciamentos de vários setores da vida nacional. A

Ordem de Advogados do Brasil, por exemplo, protestou contra as arbitrariedades

que vinham sendo praticadas por alguns setores do governo.

No mesmo ano, foi lançado o Manifesto dos Mineiros, assinado sobretudo por

banqueiros de Minas Gerais, com data de 2 de novembro de 1943 (Dia de

Finados). Nesse documento, os signatários louvavam a coragem dos homens

que fizeram a revolução em 1930, mas lastimavam que muitos dos vícios da

Primeira República acabaram sendo incorporados ao novo regime, que

governava de cima para baixo, impedindo a nação brasileira de participar na

formação de seu próprio destino. Em certo ponto, diz o documento:

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"Não foi esse o espírito de vida que aspiramos no passado e

não é o que almejamos no futuro. A prosperidade nos negócios, o

êxito nas atividades profissionais, a riqueza, o conforto, o gozo de

tranquilidade fácil todos os dias, mesmo que existissem, não

esgotariam as nossas aspirações, nem resumiriam a nossa

concepção do destino humano."

A distribuição do manifesto foi realizada em segredo, chegando a vários

setores de liderança da vida nacional, mas todo cuidado não impediu a reação

do governo central, punindo severamente os signatários.

O Banco Hipotecário, de que Pedro Aleixo e Afonso Pena eram diretores, foi

encampado pelo valor nominal das ações, com sérios prejuízos aos acionistas,

já que o valor patrimonial era bem mais elevado.

José de Magalhães Pinto teve de demitir-se do Banco da Lavoura, para evitar

que este sofresse o mesmo tipo de intervenção.

Virgílio de Melo Franco foi exonerado do Banco Alemão Transatlântico.

Adauto Lúcio Cardoso foi aposentado compulsoriamente no Lóide Brasileiro,

única empresa de navegação marítima nacional. E assim por diante.

O maior divulgador desse documento foi, sem dúvida, o próprio governo

federal, pois se a censura, de um lado, tinha poder para vetar a publicação do

manifesto, de outro lado, não conseguia evitar a notícia destes acontecimentos,

já que se tratava de atos de governo, publicados no Diário Oficial, não podendo

ser rotulados de subversivos.

O Manifesto dos Mineiros, pois, graças à reação do Estado Novo, ganhou

uma notoriedade bem maior que a prevista inicialmente. Custou muito aos

signatários, mas, depois da reação oficial, não era mais possível tapar o sol com

uma peneira, cuja malha se tornava cada vez mais ampla, deixando passar com

energia os raios prenunciadores de uma liberdade não muito distante.

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Vencida a força

da inércia

O ano de 1944 prossegue com contínua efervescência, mas a atenção maior

está voltada para a Força Expedicionária Brasileira, que parte para a Itália, a

partir de agosto, onde vai participar da guerra ao lado da 5ª Divisão americana.

Em 1945, o aparentemente indestrutível dique autoritário, obra da engenharia

do Estado Novo, começa a rachar, gerando por todos os lados a vazão

incontrolável da vontade das elites pelo retorno à democracia.

Dizemos das elites porque, excetuando-se ação da UNE, não há qualquer

movimentação popular pela queda de Getúlio e o retorno à normalidade, muito

ao contrário, o Estado Novo tinha pleno controle das atividades sindicais e do

operariado.

Em 27 de janeiro, publica-se a Declaração de Princípio dos Escritores; depois,

o Manifesto dos Jornalistas, em 10 de março; no dia seguinte, outro manifesto

no mesmo sentido, este assinado pelos artistas plásticos.

A imprensa oposicionista, ainda sob o regime de censura, não mais se cala e

passa a noticiar os fatos, comentando-os com inusitada ousadia.

A polícia, encarregada de conter esses abusos, evita agir contra todos os

jornais de oposição, para não provocar uma repercussão maior, principalmente

junto às embaixadas estrangeiras sediadas no Rio de Janeiro, que

acompanhavam com atenção a evolução dos acontecimentos, de tudo

informando aos seus respectivos governos.

Entre março e abril, a UNE, juntando-se a dezenas de outras entidades

estudantis, promove a Semana Pró-Anistia e realiza um grande comício no Rio

de Janeiro.

A força da inércia estava vencida e a campanha pela redemocratização

caminhava com motivação própria, à revelia do Estado Novo e de suas leis de

arrocho.

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A entrevista de José Américo

Foi ainda pelo mês de março de 1945 que o jornalista Carlos Lacerda

procurou José Américo, convencendo-o a dar uma entrevista para o Diário

Carioca, na qual aquele político, líder de proa na revolução de 1930, contesta a

legitimidade do Novo Regime. O jornal não a publicou de imediato, achando não

ser aquele o momento oportuno.

José Américo procurou, então, outros órgãos de imprensa, propondo uma

divulgação simultânea, o que dificultaria uma eventual punição. O assunto

transpirou e a ideia teve de ser arquivada, para a satisfação do chefe de Polícia,

Benjamim Vargas, que acreditava ter dominado a insubordinação apenas com o

ar de sua presença.

Ledo engano. Apenas vinham sendo tomadas medidas de precaução para

garantirem-se contra qualquer represália. Como a importação de papel dependia

de autorização do governo, tratou-se de criar um estoque, o suficiente para poder

enfrentar os dias de retranca que, por certo, viriam.

Então, um dia, inesperadamente, foi o Correio da Manhã, e não o Diário

Carioca, que apareceu nas bancas trazendo a controvertida entrevista de José

Américo. A edição esgotou-se antes que pudesse ser apreendida pela polícia. E,

sinal dos tempos, não houve repressão ostensiva ao jornal.

Os movimentos

conspiratórios

Nesse meio tempo, três movimentos conspiratórios se desenvolviam, cada

um com motivação diferente, mas todos caminhando irreversivelmente para a

mudança do regime.

O primeiro tinha como moto o próprio presidente Getúlio Vargas, cercado por

alguns amigos que lhe eram realmente fiéis.

Lembremos que outros amigos, outrora íntimos, como Osvaldo Aranha e

Virgílio de Melo Franco já haviam bandeado para a oposição. Até o jurista

Francisco Pinto, autor da Constituição do Estado Novo, ora vigente, havia

abandonado o chefe.

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Mas Getúlio ainda contava, por exemplo, com o interventor de Minas Gerais,

Otávio Mangabeira, com o interventor de Pernambuco, Agamenon Magalhães e

com alguns militares da alta oficialidade.

Uniu-se também aos pelegos sindicais e conseguiu que fossem realizadas

manifestações de rua pela nova constituição, usando o slogan Constituinte com

Getúlio. Era mais do mesmo, ou o continuismo no governo.

No extremo oposto, se achavam os que se opunham a Getúlio pelas mais

diversas razões: antifascistas, socialistas, comunistas não ligados a Prestes, ou

líderes que, por qualquer outra razão, desejavam ver Getúlio fora do poder.

Estes pediam a imediata renúncia do ditador, exigindo a entrega do poder,

sem demora, ao presidente do Supremo Tribunal Federal. Estavam reunidos em

uma frente partidária ampla, a União Democrática Nacional (UDN) e usavam

como mote a frase Constituinte com o STF.

A terceira corrente era formada pela alta oficialidade das Forças Armadas e

tinha como mentores nada menos que o ministro da Guerra, general Eurico

Gaspar Dutra, e seu fiel escudeiro, Pedro Aurélio de Góis Monteiro.

Góis, a pretexto de solidarizar-se com o ministro demissionário Osvaldo

Aranha, renunciou igualmente a uma função oficial no Uruguai e voltou ao Rio

de Janeiro, a tempo de ser recebido com tapete vermelho, banda de música e a

presença dos mais altos oficiais das Forças Armadas, entre eles, o próprio

ministro da Guerra.

Simbiose entre

Dutra e Góis

Quem quer que se ponha a estudar a história da Segunda República (1930-

1945), ficará impressionado com a perfeita simbiose entre Eurico Gaspar Dutra

e Góis Monteiro. São dois temperamentos e personalidades totalmente distintos,

mas que se somam e se completam, formando uma unidade monolítica.

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Dutra e Góis se conheciam desde a infância e mantinham uma amizade que

já durava mais de quarenta anos. Góis atingiu o generalato após a revolução de

1930, de que foi comandante na patente de tenente-coronel. Dutra tornou-se

general após a revolução de 1932 quando, à frente das tropas legalistas na divisa

Minas-São Paulo, impediu o avanço dos soldados constitucionalistas através de

Minas Gerais.

Quando Góis era ministro da Guerra, em 1935, Dutra comandava a aviação

militar. Góis renunciou, sendo substituído pelo general João Gomes Ribeiro

Filho. No mesmo instante, Dutra assume o comando da 1ª Região Militar, onde

combate a Intentona Comunista de 27 de novembro. Pouco depois é nomeado

Ministro da Guerra, em substituição a João Gomes.

Com Dutra no Ministério da Guerra, Góis Monteiro se reaproxima do governo.

Estava formada a dupla. Em 9 de agosto de 1945, Dutra, candidato às

prometidas mas não confirmadas eleições, deixou o ministério, assumindo em

seu lugar Góis Monteiro. Ambos continuavam agindo em pleno acordo.

Dutra era um militar de espinha dorsal inflexível. Andava quase sempre

fardado. Assumia suas posições sobre um determinado assunto e, a partir daí,

não arredava pé. Por fidelidade ao governo de Washington Luís, combateu a

Revolução de 1930. Por fidelidade ao governo Getúlio Vargas, combateu a

Revolução Constitucionalista de 1932 e, depois, com o mesmo espírito

movimentou suas tropas para liquidar a Intentona Comunista, em 1935.

Tinha uma só palavra, era confiável, mas o problema é que não conseguia

colocar suas ideias. Sentia enormes dificuldades para se expressar, gaguejava

quando precisava falar de improviso e, a duras penas, expunha seus

pensamentos nos despachos com o Presidente, ou no contato com seus

subordinados.

Góis era o avesso de tudo isso. Bem aparentado, andava quase sempre em

trajes civis, geralmente “um terno de linho amassado e um chapéu panamá que

lhe completava o figurino” , conforme a descrição de Alzira Vargas. Tinha plena

fluência verbal, uma fala amistosa e atraente, capaz de conquistar amigos e iludir

com suas palavras a mais desconfiada das criaturas.

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Mas a personalidade de Góis era titubeante e escorregadia. Nunca se sabia

o que de fato passava pela sua cabeça, nem os planos, por vezes diabólicos,

que se escondiam por trás de suas cativantes mensagens.

Eram, pois, duas metades que se completavam, formando um bloco sólido e

arrasador. Sozinhos, a ação era dificultada pelas limitações de cada um. Juntos,

todas os limites eram ampliados até o infinito.

Nesta conspiração, vamos encontrá-los, uma vez mais, juntos. Ambos

perseguiam um objetivo muito bem identificado, que era o da redemocratização

do país sem mais demora, com o fim da Era Vargas. Se possível, por bem. Se

necessário, pela força.

A Sociedade dos

Amigos da América

Mostrado o cenário e apresentados os principais personagens, vamos à peça,

desde o princípio.

Osvaldo Aranha, que era nosso embaixador nos Estados Unidos, retorna ao

Brasil e assume o Ministério das Relações Exteriores. Pela mesma época, Pedro

Aurélio de Góis Monteiro é nomeado representante do Brasil no Comité de

Emergência e Defesa Política da América, com sede no Uruguai.

No final de 1942, o general Manuel Rabelo (que foi interventor em São Paulo

no atribulado ano de 1932) fundou a Sociedade dos Amigos da América, a

qual pretendia exaltar vultos históricos que contribuíram para a independência

dos países latino americanos, entre eles, o próprio Patriarca da Independência,

José Bonifácio.

Cumprindo determinações legais, foi obtida permissão do chefe de Polícia,

coronel Alcides Etchegoyen, para funcionamento. Rabelo tornou-se Presidente

da entidade, ficando o chanceler Osvaldo Aranha como vice. A iniciativa contou

com a simpatia, para não dizer apoio ostensivo de vários embaixadores, entre

eles, Jefferson Caffery, da Embaixada americana.

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Passado algum tempo, na Chefatura de Polícia, sai Etchegoyen e entra

Coriolano de Góis. Com este, em 11 de agosto de 1944, a sede da Sociedade

foi, inopinadamente, invadida e fechada, sem que houvesse um motivo sério

para isso.

Como seus participantes, desafiando a ordem policial, resolveram levar a

efeito um almoço no salão de festas do Automóvel Clube, a polícia agiu com

maior rigor, esvaziando o local e fechando também a Associação.

Osvaldo Aranha, que era vice-Presidente da entidade, demite-se do

Ministério de Relações Exteriores, rompendo com o governo.

Muito embora a Sociedade dos Amigos da América tenha recebido

autorização para reabrir, em 5 de abril de 1945, as relações entre Aranha e

Getúlio ficaram estremecidas por longos anos, privando o ditador de seu melhor

amigo e conselheiro, justamente quando mais precisava dele.

Góis Monteiro de

volta ao Brasil

Góis Monteiro, já sabemos, estava em missão oficial no Uruguai. Ao ser

comunicado por Osvaldo Aranha sobre os últimos acontecimentos, demite-se e

volta ao Brasil, passando primeiro por São Paulo e seguindo depois ao Rio de

Janeiro, onde é recebido com uma pompa inusitada. É ele mesmo quem conta:

"Ao desembarcar na ‘gare’ Pedro 2º, tive a surpresa de uma

recepção festiva, fato raro no transcurso de minha vida. Todos os

generais de serviço no Rio de Janeiro, à frente do Ministério da

Guerra, estavam presentes, em uniforme militar, banda de música,

guarda de honra, etc. Não deixei de ficar sensibilizado, mas pude

logo compreender que ainda esperavam de mim alguma atuação

no cenário nacional."

A chegada de Góis ao Rio de Janeiro coincidiu com um almoço no Iate Clube

em homenagem ao ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, contando

com a presença maciça dos generais em atividade no Distrito Federal.

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A ele compareceu Góis Monteiro, como convidado especial. Quebrando o

protocolo, o ministro Eurico Gaspar Dutra foi saudado, não pelo chefe do EMFA,

mas pelo general Cristóvão Barcelos, o mesmo que, dez anos antes, havia sido

o pivô da querela em torno das eleições no Rio de Janeiro, quase provocando

uma guerra civil naquele Estado. A estranheza foi maior, porque o orador não só

era adversário do Presidente, como também do próprio Ministro, ao qual saudava

naquele momento.

Góis e Dutra juntos

outra vez

Em encontro informal, já que Góis Monteiro não exercia naquele momento

qualquer cargo de governo, o ministro da Guerra relata a ele a evolução dos

acontecimentos no Brasil e lhe pede que interceda junto a Vargas para a

convocação de uma Assembleia Constituinte.

Acentuou que, ao clamor da sociedade civil, se opunha a atitude do

Presidente, que caiu num mutismo total, deixando sua equipe desorientada, por

não saber quais eram suas reais intenções, se pretendia a abertura, em que grau

essa abertura se daria, se ele seria candidato a uma reeleição, ou se indicaria

outro pretendente. Essa falta de informações em nada ajudava uma transição

pacífica do regime.

Góis tinha mesmo um pretexto para aparecer no Palácio, pois pretendia

justificar seu pedido de demissão e abandono da missão no Uruguai. Esse era o

momento para levantar o assunto e manifestar seus pontos de vista.

Aliás, Getúlio apreciava a fluência e a clareza de raciocínio do general e não

se furtava à troca de ideias com ele, permitindo sempre uma conversa franca,

ainda que, ao final, Getúlio fizesse aquilo que tinha em mente, sem influências

externas.

A outra face da conspiração

Realmente, em audiência com Getúlio, dias após, Góis Monteiro comentou o

almoço do Iate Clube e transmitiu-lhe suas apreensões sobre o ânimo nos altos

escalões do Exército, aconselhando-o a se antecipar aos acontecimentos,

convocando uma Assembleia Nacional Constituinte.

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Nem era preciso o palpite de Góis. O Presidente, velha raposa política, já

sentira de há muito a mudança de ares e tinha dado mais um avanço em sua

estratégia para conservar-se no poder.

Com a saída de Francisco Campos do Ministério da Justiça, essa pasta foi

entregue interinamente ao ministro do Trabalho, Alexandre Marcondes Machado

Filho, incumbido também de preparar um anteprojeto de Constituição.

Não que Getúlio pretendesse realmente convocar uma Assembleia

Constituinte, pelo contrário, seus planos contemplavam uma constituição

novamente outorgada por ele, como a de 1937, que mudasse o regime, mas

sem os inconvenientes de um parlamento a lhe obstar os passos e dificultar a

administração do país.

A escolha do ministro do Trabalho se fez sob medida e estava dentro do

figurino, pois era intenção do ditador fazer renascer os planos do integralista

Plínio Salgado, ora no exílio, o qual preconizava o país governado por um

homem forte, com o apoio de um Congresso eleito por sindicalistas e não por

um eleitorado de universo mais amplo. Aliás, Juan Domingo Peron acabara de

implantar algo semelhante na Argentina, com o mais absoluto sucesso.

Assim, colocando Marcondes Filho como interino no Ministério da Justiça, o

anteprojeto poderia ser desenvolvido sem despertar suspeitas, por se tratar de

assunto ligado a esta Pasta.

Paralelamente, ia tomando medidas de distensão política, para deixar patente

sua boa-fé no processo de redemocratização.

Os avanços registrados

Marcando intenção governamental de liberar o regime, em 15 de março de

1945, é criada uma comissão para elaborar a legislação eleitoral. No que tange

à anistia, Getúlio declarou que o assunto, por envolver vários problemas

correlatos, não seria objeto de estudo agora, ficando para o Congresso a ser

eleito oportunamente. Era uma tentativa de protelação.

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Todavia, o Supremo Tribunal Federal, em 11 de abril de 1945, assegurou

aos exilados políticos o direito de retornarem ao país, abrindo uma brecha para

reivindicações em favor dos que se achavam encarcerados aqui dentro por

motivos políticos.

Assim, em 18 de abril de 1945, o Presidente assina o Decreto-lei 7.474, que

concede anistia aos presos políticos. Com esses dois acontecimentos, voltam à

atividade velhos adversários do Estado Novo, reforçando ainda mais a ideia da

convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

Apenas causou estranheza o apoio que os comunistas de carteirinha,

comandados por Luís Carlos Prestes, emprestaram ao governo Vargas, após

serem libertados os seus líderes. Eram todos eles remanescentes da Intentona

de 1935, que pretendia derrubar Getúlio. e agora estavam ao seu lado, sob o

pretexto de defender a causa operária.

Nunca se soube ao certo, mas comentários surgiram sobre um acordo entre

Prestes e o Estado Novo, em que o líder comunista evitaria hostilizar o governo

e, em troca, este permitiria a legalização do partido para concorrer às eleições,

o que, de fato, acabou acontecendo.

Pressionado, Getúlio Vargas finalmente convoca eleições, fixando a data de

2 de dezembro de 1945 para a escolha do Presidente e Congressistas, bem

como o dia 6 de maio de 1946 para as eleições estaduais.

Não satisfez os anseios políticos e, assim, recuou uma vez mais,

transformando o dia 2 de dezembro em eleições gerais, para Presidente,

Congresso, Governadores e Assembleias Legislativas. Ficavam de fora apenas

os pleitos para prefeito e vereadores. Que aconteceriam em 1947.

Por fim, para acalmar descontentes, traz Agamenon Magalhães para o Rio

de Janeiro, nomeando-o Ministro da Justiça, com o que Marcondes Filho passa

a cuidar apenas da pasta do Trabalho. Isso acaba com os atritos entre o Ministro

e a dupla Dutra-Góis Monteiro, facilitando assim a aproximação do governo com

os militares.

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Tendo Agamenon à frente da Pasta, foi redigido o Ato Adicional nº 9 (em

realidade tratava-se uma emenda à Constituição mas as modificações eram

tantas que a imprensa denominou-a como Ato Adicional, ou Lei Constitucional,

e assim era ela referida no noticiário).

A volta dos partidos

políticos

Com a fixação da data para as eleições, a edição do Ato Adicional e a

publicação da legislação eleitoral, iniciou-se a formação dos partidos políticos,

que, por dispositivo da lei, precisavam ter âmbito nacional, sendo vedada a

formação de agremiações estaduais, como acontecia na Primeira República.

Assim, juntaram-se os remanescentes dos vários partidos republicanos

estaduais da República Velha, representando a mais genuína expressão

conservadora no país.

Com esses velhos caciques da Primeira República, fundou-se o PSD –

Partido Social Democrático. Era um bloco heterogêneo, em que as correntes

estaduais se mantinham vivas e atuantes e, por isso, tornou-se comum a

referência ao PSD gaúcho, ou PSD paulista, ou PSD mineiro, revelando as

tendências políticas de cada bloco. Getúlio foi eleito presidente de honra do PSD.

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Como o PSD trazia de volta as oligarquias, sendo, pois, incompatível com as

massas populares das grandes cidades, tornava-se necessária outra

organização voltada para o trabalhismo, não um partido de trabalhadores, mas

um partido para trabalhadores, que pudesse atuar junto a eles e exercer-lhes

domínio. Surgiu, assim, o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, do qual o

ditador tornou-se, também, presidente de honra.

Por fim, os adversários de Vargas, de todas as tendências políticas e com as

mais variadas motivações, reuniram-se em torno de uma frente única, a UDN –

União Democrática Nacional.

A UDN saiu adiante de todos, lançando a candidatura do brigadeiro Eduardo

Gomes à presidência da República. O PSD e o PTB permaneceram em

compasso de espera, aguardando uma definição de Getúlio que, ao fim, optou

pelo nome de seu ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, enquanto

nos bastidores jogava sua última cartada para embaralhar o processo, como o

fizera em 1937.

De menor repercussão, o Partido Comunista Brasileiro, outra vez na

legalidade, lança o nome do engenheiro Yedo Fiuza, totalmente desconhecido

do grande público, não querendo jogar a sorte com seu maior trunfo, o legendário

Prestes. Surgiu também o Partido Agrário, com o nome de Rolim Teles, que

não disse a que veio.

A campanha eleitoral

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Após longos anos, a população viu, novamente, a movimentação das ruas,

com passeatas e comícios políticos, aos quais o povo acorria com grande

entusiasmo, embora a presença curiosa a essas manifestações não

representasse necessariamente uma intenção de voto neste ou naquele

candidato.

Quem tem maior facilidade de comunicação é o brigadeiro Eduardo Gomes,

o último representante da Revolta do Forte, em 1922. Dos quatro tenentes que

participaram da marcha dos Dezoito do Forte, Carpenter e Newton Prado

morreram naquele confronto; Siqueira Campos sobreviveu até 1930, quando

morreu, vitimado por um desastre aéreo.

Eduardo Gomes ressurge agora como um símbolo de união entre o eleitorado

de hoje e os movimentos tenentistas dos anos vinte.

A experiência veio mostrar que essa candidatura tinha livre acesso à classe

média, mas era enorme a sua dificuldade em repercutir nas camadas mais

humildes.

O trabalhismo voltava-se para Getúlio Vargas e, na sua ausência, para a

candidatura do general Eurico Gaspar Dutra. A população rural permanecia sob

a influência dos coronéis do sertão, que ressurgiam com o Partido Social

Democrático, voltado igualmente para o candidato oficial, Eurico Dutra.

Assim, pois, o espaço deixado à União Democrática Nacional e ao seu

candidato, Brigadeiro Eduardo Gomes, era muito pequeno.

A campanha eleitoral ficou polarizada entre as duas candidaturas militares e,

confrontando Eduardo Gomes com Eurico Gaspar Dutra, este último ganhava

terreno na disputa.

Ao lado dos dois, por fora da raia, corria o presidente Getúlio Vargas, tentando

uma última cartada para permanecer no poder. A sorte sempre estivera de seu

lado e, pensava ele, não o abandonaria desta vez.

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O golpe que falhou

Em outubro de 1945, era ministro da Guerra Góis Monteiro, em substituição

a Eurico Gaspar Dutra, que se desencompatibilizou do cargo para assumir a

candidatura à presidência da República. Na Chefatura de Polícia, estava João

Alberto, revolucionário de 1930 e pivô da revolução de 1932.

Góis não confiava no ditador do Estado Novo e, por experiência, tinha

convicção de que, por trás da abertura política, se escondia uma conspiração

para garantir a permanência de Vargas no poder. A presença de João Alberto na

Chefatura de Polícia era uma garantia da ordem e os dois (Góis Monteiro e João

Alberto) tinham entre si um compromisso pessoal de trocar informações,

permitindo detectar qualquer tentativa de minar o caminho rumo às eleições.

No dia 29 de outubro de 1945, uma segunda-feira, logo pela manhã, João

Alberto telefona a Góis Monteiro e lhe pede que, de caminho ao Ministério, o

apanhe à porta de sua casa, pois necessita falar-lhe urgentemente.

No automóvel, João Alberto revela ao ministro que estava sendo substituído

na Chefatura de Polícia, pois o Presidente desejava nomeá-lo Prefeito do Distrito

Federal, em substituição a Henrique Dodsworth.

Tal substituição contrariava toda a lógica, pois João Alberto desempenhava

satisfatoriamente suas funções na polícia e Dodsworth era um dos melhores

prefeitos que o Rio de Janeiro já teve, tanto que se achava no cargo desde a

implantação do Estado Novo.

A informação que se seguiu, completou o quebra-cabeças. Para o lugar de

João Alberto, na Chefatura de Polícia, estava sendo nomeado Benjamim Vargas,

o irmão do presidente da República.

Era o sinal esperado. Reforçando posições estratégicas, o Presidente se

preparava para um novo golpe de Estado, e Góis bem o sabia, partícipe que fora

do golpe de 1937.

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Os acontecimentos

se precipitam

Ao chegar ao gabinete, lá pelas oito horas da manhã, o ministro da Guerra,

Góis Monteiro, pôs em marcha todo um plano de defesa já traçado e debatido

com os chefes de comando. Primeiro, preparou uma carta, demitindo-se do

cargo. Essa carta jamais foi entregue, mas era a primeira providência para

começar as articulações contra o governo, que não poderiam ser feitas ocupando

oficialmente o Ministério.

Em seguida, ordenou que fossem remetidos telegramas criptografados a

todos os comandantes de Regiões Militares, avisando-os de que deveriam pôr

em vigor a Diretiva nº 1 que era um plano, previamente traçado, para garantir a

ordem, quando esta fosse ameaçada pela subversão.

Ao comandante da 1ª Região Militar, sediada no Rio de Janeiro, as instruções

foram mais específicas. Deveria ele estabelecer regime de prontidão e, em

coordenação com as outras duas forças, a Marinha e a Aeronáutica, assumir o

controle da Polícia Militar, da Light (serviços de força e luz), dos Correios e

Telégrafos, das vias férreas e de todos os setores estratégicos à segurança.

Pela manhã, Dutra foi chamado ao Ministério e, ciente das medidas tomadas,

colocou-se à disposição, dirigindo-se às unidades militares de São Cristóvão, em

companhia do general Canrobert Pereira da Costa, para ultimar outras

providências.

O segundo candidato à presidência, Brigadeiro Eduardo Gomes, também foi

chamado ao Ministério da Guerra, só podendo comparecer no período da tarde,

já que não tinha sido localizado antes. E é claro, interessava também a ele cortar

os passos de Getúlio, garantindo as eleições.

O desfecho

Foi à tarde que o clima se tornou mais tenso no Ministério, com a presença

de várias personalidades civis e militares, tentando colocar-se a par das

ocorrências para tomar uma posição.

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Entre os visitantes, se achava Benjamim Vargas, a pretexto de comunicar ao

Ministro da Guerra, Góis Monteiro, que acabara de assumir a Chefatura de

Polícia, colocando-se à sua disposição.

Porém, ao tomar conhecimento dos fatos, retirou-se precipitadamente,

seguindo para o Palácio Guanabara, residência oficial do presidente da

República. E o fez bem a tempo, pois, logo em seguida, as tropas do Exército

começaram a fechar as ruas que davam acesso ao prédio.

Tentando retomar o controle da situação, o presidente Vargas, por intermédio

do general Firmino Freire, convida Dutra e Góis para uma conversa no palácio,

o primeiro às 19 horas e o segundo às 21 horas. Somente Dutra compareceu,

em companhia do general Osvaldo Cordeiro de Farias, que fora comandante do

2º escalão da FEB na Segunda Guerra.

Cordeiro, agora chefe do Estado Maior das Forças Armadas, tinha a missão

de levar a Vargas a mensagem do general Góis Monteiro, pedindo ao Presidente

que tomasse a iniciativa de renunciar ao governo, em troca de garantias de vida

e segurança a ele e sua família. Exerceu sua tarefa no estrito cumprimento do

dever, pois era amigo do Presidente e, pessoalmente, estava solidário com ele.

À noite, a situação no Palácio Guanabara era caótica. Todas as

comunicações estavam cortadas, o edifício ficara sem luz e sem água e os

serviçais se retiravam em paz, enquanto os jardins à volta do prédio começavam

a ser ocupados pelas tropas.

Aproximadamente às nove horas da noite de 29 de outubro de 1945, o

presidente da República renuncia. Horas depois, o presidente do Supremo

Tribunal Federal, José Linhares, comparece ao Ministério da Guerra e é

investido, oficiosamente no cargo de presidente da República.

Às 14 horas do dia 30 de outubro de 1945, em cerimônia oficial, José

Linhares torna-se, em efetivo, Presidente do Brasil, com a incumbência de

garantir as eleições gerais, marcadas para o dia 2 de dezembro.

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Considerações

finais

Sobre o general Cordeiro de Farias, uma nota digna de registro. Após a

renúncia do Presidente, o general voltou à sede do Ministério da Guerra e atuou

incansavelmente na comunicação social, atendendo jornalistas e políticos, e

dando a cobertura de retaguarda, enquanto o Ministro da Guerra consolidava a

operação de rescaldo.

Amizades à parte, embora getulista e leal ao presidente deposto, Cordeiro

não se recusou ao cumprimento do dever. Registre-se, também, em favor do

general Góis Monteiro, que sua serenidade em face dos acontecimentos evitou

qualquer tipo de abusos, tão comuns nesses momentos de instabilidade.

Pessoalmente, e com sua autoridade, deu ao ex-presidente todas as

garantias que Vargas sempre recusou aos seus adversários, vítimas de foram

de prisão, perda de direitos políticos e exílio.

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Neste momento, Getúlio Vargas apenas pediu um prazo de 48 horas para

retirar-se do palácio, o que lhe foi concedido. Ele e sua família saíram em paz e

segurança. Contrariando o desejo de muitos militares da linha dura, ninguém foi

exilado, nenhum mandato foi cassado e o próprio Getúlio candidatou-se às

eleições como senador e deputado, saindo vitorioso e permanecendo na vida

pública.

As eleições de 2 de dezembro de 1945 foram realizadas com plenas

garantias, não ocorrendo maiores incidentes que não ser aqueles comuns de

toda eleição. Após 15 anos ininterruptos de Getúlio no poder, termina a Segunda

República.

O presidente interino, José Linhares, exerceu, sem embaraço, o seu cargo,

com pleno controle do governo, que transferiu, no devido tempo, ao novo

Presidente, escolhido pelas urnas.

Em toda a História da República, desde sua proclamação, nenhuma

transição se fez com tamanha tranquilidade e segurança, contrariando boatos e

afastando todos temores de interferências indevidas na vontade da Nação. Dava

a impressão de que o Brasil havia, finalmente, alcançado sua maturidade

política. Mas o futuro se encarregaria de mostrar que não era bem assim.

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