capítulo 10 segunda lei da termodinâmica 10 - segunda... · expansão isotérmica de um gás...

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1 Capítulo 10 Segunda Lei da Termodinâmica É muito comum e popular enunciar a 2ª Lei dizendo simplesmente que calor não pode ser totalmente transformado em trabalho. Está errado. Podemos fazer uma expansão isotérmica de um gás ideal absorvendo calor do ambiente e transformando-o, completamente, em trabalho, pois logo, da 1ª Lei . Mas, após a expansão o gás não retornou ao seu estado inicial (a temperatura é a mesma, mas não a pressão e o volume). O que não se pode fazer é, operando em ciclo, se transformar calor totalmente em trabalho. Esse fato também é conhecido como “a inexistência do moto perpétuo de 2ª. Espécie”, pois, se existisse, violaria a 2ª. Lei. Obs: a existência do moto perpétuo de 1ª. Espécie, criaria energia, violando a 1ª. Lei. O inverso é possível: pode-se operar em ciclo e transformar todo o trabalho em calor, por exemplo, na experiência de Joule de determinação do equivalente mecânico, quando os pesos descem transformam todo o trabalho em calor, podemos realizar trabalho e colocar os pesos de volta, operar em ciclo, transformando todo o trabalho e calor. Veremos, mais adiante, que essa diferença entre calor e trabalho está ligada à seta do tempo, que é consequência da 2ª. Lei da Termodinâmica. A Máquina Térmica Uma máquina térmica opera, ciclicamente, entre 2 reservatórios térmicos com temperaturas e ( ). Ela retira do reservatório de alta temperatura uma quantidade de calor (módulo), realiza um trabalho útil (módulo), isto é, o trabalho realizado pelo sistema menos o trabalho realizado sobre o sistema e despeja uma quantidade de calor (módulo). Abaixo, representamos o diagrama de uma máquina térmica. A máquina térmica num processo cíclico terá , ou pela 1ª. Lei logo, Fonte Quente - T 1 Fonte Fria T 2 Máquina Térmica Q 1 Q 2 W

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1

Capítulo 10 – Segunda Lei da Termodinâmica

É muito comum e popular enunciar a 2ª Lei dizendo simplesmente que calor não

pode ser totalmente transformado em trabalho. Está errado. Podemos fazer uma

expansão isotérmica de um gás ideal absorvendo calor do ambiente e

transformando-o, completamente, em trabalho, pois logo,

da 1ª Lei . Mas, após a expansão o gás não retornou ao seu estado inicial

(a temperatura é a mesma, mas não a pressão e o volume). O que não se pode

fazer é, operando em ciclo, se transformar calor totalmente em trabalho. Esse

fato também é conhecido como “a inexistência do moto perpétuo de 2ª.

Espécie”, pois, se existisse, violaria a 2ª. Lei.

Obs: a existência do moto perpétuo de 1ª. Espécie, criaria energia, violando a 1ª.

Lei.

O inverso é possível: pode-se operar em ciclo e transformar todo o trabalho em

calor, por exemplo, na experiência de Joule de determinação do equivalente

mecânico, quando os pesos descem transformam todo o trabalho em calor,

podemos realizar trabalho e colocar os pesos de volta, operar em ciclo,

transformando todo o trabalho e calor. Veremos, mais adiante, que essa diferença

entre calor e trabalho está ligada à seta do tempo, que é consequência da 2ª. Lei

da Termodinâmica.

A Máquina Térmica

Uma máquina térmica opera, ciclicamente, entre 2 reservatórios térmicos com

temperaturas e ( ). Ela retira do reservatório de alta temperatura

uma quantidade de calor (módulo), realiza um trabalho útil (módulo), isto

é, o trabalho realizado pelo sistema menos o trabalho realizado sobre o sistema e

despeja uma quantidade de calor (módulo). Abaixo, representamos o

diagrama de uma máquina térmica.

A máquina térmica num processo cíclico terá , ou pela 1ª. Lei

logo,

Fonte Quente - T1

Fonte Fria – T2

Máquina

Térmica

Q1

Q2

W

2

Definimos o rendimento de uma máquina térmica

Na figura abaixo vemos um exemplo de máquina térmica: a máquina a vapor

A água é convertida em vapor na caldeira (absorvendo calor da fonte quente).

O vapor é então superaquecido passa para o cilindro onde se expande de maneira

aproximadamente adiabática. Essa expansão resfria o vapor que se liquefaz no

condensador e a água é então levada por uma bomba de volta à caldeira. Falta na

figura acima o trabalho realizado por essa bomba sobre o sistema. O trabalho útil

, que aparece nas fórmulas (1) e (2) é a subtração do trabalho realizado pelo

sistema do trabalho realizado sobre o sistema.

Enunciado de Kelvin (1851):

“É impossível realizar um processo cíclico cujo único efeito seja remover calor

de um reservatório térmico e produzir uma quantidade equivalente de trabalho”.

Podemos representar o enunciado Kelvin pelo diagrama

Fonte Quente - T1

Fonte Fria – T2

Máquina

Térmica

Q1 = W

W

Proibido

3

O Refrigerador

Um Refrigerador opera, ciclicamente, entre 2 reservatórios térmicos com

temperaturas e ( ). À custa de um trabalho útil (módulo), ele

retira do reservatório de baixa temperatura uma quantidade de calor

(módulo), e despeja uma quantidade de calor (módulo) no reservatório de

alta temperatura. Abaixo, representamos o diagrama de um refrigerador.

O refrigerador num processo cíclico terá , ou pela 1ª. Lei

logo,

Um exemplo de um refrigerador é uma geladeira doméstica.

Numa geladeira usa-se a amônia e, menos a cada dia por atacar a camada de

ozônio, , na atmosfera, o CFC (clorofluorcarboneto, também conhecido como

freon que é uma marca da Dupont). No evaporador (serpentina da geladeira

doméstica), que está em contacto com o reservatório de baixa temperatura

(interior da geladeira), o líquido refrigerante a baixa pressão se evapora e se torna

um gás a baixa pressão. Note, que contrariamente à máquina térmica, a

evaporação aqui acontece na parte fria. Esse gás tem sua pressão muito

aumentada pelo compressor (motor da geladeira). Com esse aumento de pressão,

a temperatura de vaporização ou liquefação sobe também, de modo que, em

contacto com o reservatório de alta temperatura (ar na temperatura ambiente, no

caso da geladeira) o gás cede calor e se liquefaz. É então, um líquido a alta

Fonte Quente - T1

Fonte Fria – T2

Refrigerador

Q1

Q2

W

4

pressão. Faz-se esse líquido passar por uma válvula que diminui essa pressão e o

ciclo se fecha.

Enunciado de Clausius (1850):

“É impossível realizar um processo cíclico cujo único efeito seja transferir calor

de um corpo mais frio para um corpo mais quente”.

Equivalência Kelvin-Clausius

A demonstração se faz por absurdo.

Suponha que o enunciado de Clausius seja violado, retirando uma quantidade de

calor Q2 do reservatório quente e jogando, essa mesma quantidade de calor, no

reservatório frio. Podemos acoplar uma máquina térmica que, operando

conjuntamente, violaria o enunciado de Kelvin.

Suponha que o enunciado de Kelvin seja violado, retirando uma quantidade de

calor Q1 do reservatório quente e transformando totalmente em trabalho W.

Podemos acoplar um refrigerador que, operando conjuntamente, violaria o

enunciado de Clausius.

Fonte Fria – T2

Refrigerador

Q1 = Q2

Q2

Proibido

Fonte Fria – T2

Refrigerador

Anti-Clausius

Q2

Fonte Quente - T1

Fonte Quente - T1

Q2

Q2

W

Q1

W

Q1–Q2 = W

Proibido

5

O Ciclo de Carnot

Qual a máquina térmica com maior rendimento, que ciclo otimiza a máquina

térmica?

Como vimos, o calor é uma forma de dissipação rápida e eficiente de energia.

Portanto, como a máquina térmica vai operar em ciclo, ela precisa retirar calor de

um reservatório de alta temperatura estando a máquina nessa mesma temperatura

(processo isotérmico) e despejar calor estando na mesma temperatura que o

reservatório de baixa temperatura. Dois processos isotérmicos. Os pontos inicial

e final desses dois processos só podem então estar ligados por processos

adiabáticos que não troquem calor.

Isso define o Ciclo de Carnot: 2 processos isotérmicos e 2 processos adiabáticos.

Esses são processos reversíveis. Portanto, a Máquina de Carnot é a máquina

térmica com o maior rendimento possível, dados 2 reservatórios. A máquina de

Carnot é uma máquina reversível.

Fonte Fria – T2

Máquina Térmica

Anti-Kelvin

Q2

Fonte Quente - T1

Q3 = W+Q2

Q2

W

Q1 = W

Q3–Q1 = Q2

Proibido

a

c

b

d

V

P

Q2

Q1

W

6

Teorema de Carnot

1) Nenhuma Máquina Térmica, operando entre 2 reservatórios, pode ter

rendimento superior ao da Máquina de Carnot

Suponha uma máquina térmica com rendimento

superior à máquina de

Carnot (com rendimento

), produzindo (gerando) o mesmo trabalho W. Se

isso for possível podemos acoplá-la com o refrigerador Carnot (pois, como

sabemos, a máquina de Carnot é reversível).

Como , então . Além disso,

. O resultado

final é a violação da 2ª.Lei no enunciado de Clausius.

2) Todas as máquinas de Carnot têm o mesmo rendimento

Suponha duas máquinas de Carnot com rendimentos

e

, e

que a de menor rendimento opere como refrigerador

Além disso,

. O resultado final é a

violação da 2ª.Lei no enunciado de Clausius.

Obs: Para refrigeradores se define o coeficiente de desempenho

.

Para uma refrigerador de Carnot

Fonte Quente - T1

Fonte Fria – T2

Máquina com rendimento

Maior do que a de Carnot

Q1’

Q2’

W

Q2

Q1

Q1 - Q1’

Q2 - Q2’

Refrigerador de Carnot

Fonte Fria – T2

Máquina de Carnot

Q1’

Q2’

W

Q2

Q1

Q1 - Q1’

Q2 - Q2’

Refrigerador de Carnot

com menor rendimento

(quando máquina)

Fonte Quente – T1

7

O Rendimento da máquina de Carnot

Como qualquer agente ou substância utilizada entre 2 reservatórios com

temperaturas têm o mesmo rendimento, vamos realizar o cálculo (fixadas

as temperaturas dos reservatórios) usando o gás ideal.

O processo ab é isotérmico, logo . Mas o trabalho isotérmico

já foi calculado, portanto, o calor absorvido (em módulo) pelo sistema

será

O processo cd também é isotérmico. Portanto, o calor ejetado (em módulo)

pelo sistema será

As curvas isotérmicas estão ligadas por adiabáticas. Logo,

donde:

. Consequentemente,

O rendimento de uma máquina de Carnot só depende da razão das temperaturas

dos reservatórios com os quais ela está em contacto.

c

b

d

V

Q2

Q1

W

P a

8

O Teorema de Clausius

Vimos que no ciclo de Carnot (reversível)

Lembrando que em (5), o calor , e , podemos reescrever

(5)

Imaginemos agora outro processo reversível qualquer. Ele pode ser pensado

como uma sequência infinitesimal 2 de processos adiabáticos e 1 isotérmico. No

passo seguinte, mais 2 novos processos adiabáticos e 1 isotérmico e assim

sucessivamente. De (6), implica

Logo, para qualquer processo

reversível, operando em ciclo, teremos

A equação (7) implica a existência de uma função de estado que, num processo

reversível, vale

A nova função de estado S é chamada de Entropia. Significa “Transformação”

em grego, foi introduzida por Clausius e tem dimensão de J/K ou cal/K.

9

Imaginemos agora um processo irreversível, operando em ciclo, sabemos que o

seu rendimento

é sempre menor do que o rendimento de um processo

reversível

. Ou seja, , logo,

.

Portanto,

, onde fizemos novamente a troca de sinal:

, ou seja, trocamos

. De maneira infinitesimal teremos, para um

processo irreversível

Assim, juntando (7) com (9), obtemos o Teorema de Clausius que afirma que

onde a igualdade (desigualdade) vale no caso reversível (irreversível).

Obs: Todo ciclo de Carnot é reversível, mas nem todo ciclo reversível é de

Carnot.

Vejamos o ciclo (máquina reversível) de Stirling. São 2 curvas isotérmicas (ab e

cd) e 2 isocóricas (bc e da).

Uma máquina de Carnot operando entre os mesmos reservatórios (nas isotermas)

terá um rendimento maior do que a máquina de Stirling. Note que o ciclo Stirling

para ser reversível tem que operar entre um número infinito de reservatórios nos

processos isocóricos.

P

V

a

c

b

d

Q1 Q4

Q3

Q2

10

A 2ª. Lei e o aumento da Entropia

Suponhamos que um processo reversível leve um sistema de um estado inicial i

para um estado final f (veja figura) e que um processo irreversível faz um outro

caminho (pontilhado, para lembrar que o processo irreversível, em geral, não é

quase estático) ligando os mesmos estados inicial e final.

Se fecharmos o ciclo indo pelo caminho irreversível e voltando pelo reversível,

teremos um ciclo irreversível. Usando o Teorema de Clausius

Vemos, que no processo irreversível

. Logo,

. Num sistema

isolado, , donde

Variação da Entropia:

Em Processos Reversíveis:

1) Processo adiabático

2) Variação da Entropia numa transição de fase

Como a transição ocorre a temperatura constante , o processo de

transição é isotérmico

onde L é o calor latente.

11

3) Fluido incompressível e sem dilatação

Para um fluido incompressível

4) Entropia de um Gás Ideal

da 1ª. Lei

como e , como veremos adiante, é constante (

para gás monoatômico, diatômico,...)

ou

Podemos reescrever a entropia usando a equação de estado

Tomando logaritmo dos 2 lados da equação

. Donde, multiplicando por , temos

, ou

Ou ainda, . Substituindo lnT em (13b), temos

, ou

Em Processos Irreversíveis:

A variação de Entropia de um processo irreversível que leva o sistema do

estado i para o estado f, , pode ser calculada usando qualquer

processo reversível conectando esses mesmos estados.

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Portanto, para o sistema em estudo, a variação da entropia de um processo

irreversível é o mesmo que o de um processo reversível – a diferença está com o

que ocorre na vizinhança.

1) Expansão livre de um gás

A variação de entropia pode ser calculada de (13 a)

Este é um sistema isolado e o processo é irreversível.

2) Condução de calor

Suponha dois corpos 1 e 2 com massas e , calor específico e (que, para

simplificar, vamos supor constantes), temperaturas e (suporemos ).

Quando estiverem em equilíbrio térmico, ambos os corpos estarão a uma

temperatura . O calor liberado por 1, é igual ao absorvido

por 2, , logo

Podemos calcular a variação da entropia através de um processo reversível, que

leva o corpo 1 e o corpo 2 para a temperatura final , usando uma sequência

infinita de reservatórios. Teremos então,

e

e

No caso simples em que os corpos são os mesmos e tem mesma massa,

, e

pois, para , a média aritmética é sempre maior do que a média

geométrica.