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1 CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO 1. Tema e justificação do estudo A escolha do tema do estudo – o papel da língua materna (LM) na aula de língua estrangeira (LE) – surge da experiência pessoal do investigador no contexto do ensino e da formação inicial de professores de línguas estrangeiras em Timor Leste (Português, Inglês e Bahasa). Verifica-se, neste contexto, uma tensão entre a necessidade de reconhecer a importância de ensinar a LE como instrumento de comunicação, determinada por necessidades políticas e económicas, e o domínio de práticas tradicionais que conferem à LM um papel determinante com implicações negativas na aquisição de competências de comunicação. Os professores tendem a abusar do recurso à LM na aula de LE, centrando-se na explicação da gramática e na actividade de tradução. O objectivo do ensino da LE reduz-se a cumprir os programas para facilitar a realização de exames nacionais, sendo muito frequente ver alunos com classificações elevadas mas sem competências de comunicação. Além disso, tem-se verificado que os professores que defendem o uso de LM na aula de LE são os que têm mais lacunas nas competências linguísticas e pedagógicas, o que pode ser constatado através de dados obtidos durante a observação de aulas dos professores estagiários. Desde sempre, tem havido perspectivas antagónicas entre autores e entre professores sobre o papel da LM na aula de LE, não havendo posições definidas que nos permitam, com segurança, definir orientações para o ensino e a formação de professores. De acordo com alguns estudos, existem factores que determinam o recurso à LM pelos professores. Por exemplo, Macaro (1997) observou professores de línguas e identificou cinco factores que normalmente os levam a usar a LM: dar instruções sobre as actividades; tradução e verificação da compreensão; comentários individuais aos alunos; “feedback”aos alunos; manter a disciplina. Em termos de frequência, Franklin (1990) observou que mais de 80% dos professores usam a LM para explicar a gramática e para discussão de objectivos, mais de 50% para testes e correcção de trabalhos escritos e menos de 16% para a organização da aula, gestão das actividades e conversas informais. A recomendação de se evitar o uso da LM na aula baseia-se no pressuposto de que se aprende a comunicar na LE comunicando nessa mesma língua (Cook,1993). Um dos

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CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

1. Tema e justificação do estudo

A escolha do tema do estudo – o papel da língua materna (LM) na aula de língua

estrangeira (LE) – surge da experiência pessoal do investigador no contexto do ensino e

da formação inicial de professores de línguas estrangeiras em Timor Leste (Português,

Inglês e Bahasa). Verifica-se, neste contexto, uma tensão entre a necessidade de

reconhecer a importância de ensinar a LE como instrumento de comunicação,

determinada por necessidades políticas e económicas, e o domínio de práticas

tradicionais que conferem à LM um papel determinante com implicações negativas na

aquisição de competências de comunicação. Os professores tendem a abusar do recurso à

LM na aula de LE, centrando-se na explicação da gramática e na actividade de tradução.

O objectivo do ensino da LE reduz-se a cumprir os programas para facilitar a realização

de exames nacionais, sendo muito frequente ver alunos com classificações elevadas mas

sem competências de comunicação. Além disso, tem-se verificado que os professores

que defendem o uso de LM na aula de LE são os que têm mais lacunas nas competências

linguísticas e pedagógicas, o que pode ser constatado através de dados obtidos durante a

observação de aulas dos professores estagiários.

Desde sempre, tem havido perspectivas antagónicas entre autores e entre

professores sobre o papel da LM na aula de LE, não havendo posições definidas que nos

permitam, com segurança, definir orientações para o ensino e a formação de professores.

De acordo com alguns estudos, existem factores que determinam o recurso à LM pelos

professores. Por exemplo, Macaro (1997) observou professores de línguas e identificou

cinco factores que normalmente os levam a usar a LM: dar instruções sobre as

actividades; tradução e verificação da compreensão; comentários individuais aos alunos;

“feedback”aos alunos; manter a disciplina. Em termos de frequência, Franklin (1990)

observou que mais de 80% dos professores usam a LM para explicar a gramática e para

discussão de objectivos, mais de 50% para testes e correcção de trabalhos escritos e

menos de 16% para a organização da aula, gestão das actividades e conversas informais.

A recomendação de se evitar o uso da LM na aula baseia-se no pressuposto de que se

aprende a comunicar na LE comunicando nessa mesma língua (Cook,1993). Um dos

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argumentos apresentados é que as crianças, ao adquirirem a sua LM, não têm uma outra

língua disponível; outro argumento é que os alunos deviam guardar as duas línguas

separadamente na sua mente, a fim de evitar interferências de um sistema sobre o outro.

Ainda assim, e apesar da evolução das abordagens do ensino de línguas no sentido da

valorização das competências de comunicação, continuam a existir práticas e posições

teóricas distintas sobre esta matéria. Por exemplo, alguns autores assumem uma posição

moderada por considerarem que a LM pode revelar-se útil à aprendizagem da LE,

nomeadamente em situações de reflexão sobre o processo de aprendizagem com alunos

em níveis iniciais de aprendizagem.

Este estudo pretende constituir um contributo para a compreensão dos modos

como o papel da LM é percebido por professores, alunos, encarregados de educação e

uma especialista em Didáctica das Línguas. Embora os dados sejam recolhidos em

Portugal, espera-se que contribuam para iluminar o tema em questão e servir de base a

uma reflexão mais aprofundada no contexto de trabalho do investigador, nomeadamente

no contexto da formação inicial de professores.

2. Contexto de realização e objectivos do estudo

O estudo envolveu o inquérito por questionário a duas professoras de Inglês do

Ensino Secundário (numa escola de Braga e noutra do Porto), assim como aos seus

alunos, abrangendo-se dois níveis de aprendizagem da língua Inglesa – 9º ano (nível 5) e

11º ano (nível 7). Foram ainda inquiridos os encarregados de educação desses alunos e

uma especialista em Didáctica das Línguas, Ana Isabel Andrade (Universidade de

Aveiro), que tem investigado a temática do estudo.

Os objectivos da investigação foram os seguintes, com ênfase nos dois primeiros:

1. Identificar as percepções dos participantes sobre o papel da LM na aula de LE;

2. Comparar as percepções dos diferentes tipos de participantes sobre o papel da

LM na aula de LE (Inglês);

3. Traçar, com base na análise das respostas obtidas, algumas orientações gerais

para o ensino e formação de professores de LE, no âmbito da temática do estudo.

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3. Metodologia

O acesso às duas escolas foi feito através do contacto directo com as professoras, as

quais se voluntariaram a participar no projecto de entre aquelas que frequentaram em

2005/06 a componente curricular do Curso de Mestrado em que o estudo se integra. O

questionário a alunos e encarregados de educação foi administrado através das

professoras. O contacto com a especialista foi efectuado através da orientadora do

estudo.

O estudo é de natureza interpretativa e a análise dos dados é quantitativa e

qualitativa. As suas limitações prendem-se sobretudo com o reduzido número de

participantes, mas crê-se que esta limitação é compensada pelo facto de se ter inquirido

sujeitos com papéis diferenciados: professoras, alunos, encarregados de educação e uma

especialista em Didáctica das Línguas.

4. Plano geral do trabalho

A tese encontra-se organizada em cinco capítulos. O primeiro (Introdução) tem

como finalidade contextualizar e apresentar os objectivos da investigação realizada. O

segundo capítulo (Revisão da Literatura) pretende fazer uma síntese de algumas posições

teóricas sobre a temática tratada. No terceiro capítulo (Metodologia) caracterizam-se os

professores e alunos inquiridos e descrevem-se os instrumentos e os métodos de recolha

de dados. No quarto capítulo (Apresentação e análise dos resultados) apresentam-se os

resultados principais, provenientes dos professores, dos alunos, de pais e da especialista

inquirida. No quinto capítulo (Conclusões e Recomendações) resumem-se as conclusões

e referem-se algumas sugestões para uma melhoria do ensino e da formação/ supervisão

de professores, bem como para futuras investigações.

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CAPÍTULO 2: REVISÃO DE LITERATURA

Neste capítulo far-se-á uma síntese da revisão de literatura que fundamenta o

trabalho desenvolvido. O capítulo encontra-se dividido em quatro secções. Na primeira

secção (2.1) procuramos analisar brevemente o papel da língua na aula em geral e na

aula de LE em particular. A segunda secção (2.2) refere-se à evolução do papel da LM

na aula de LE, dos métodos tradicionais aos métodos modernos. Na terceira secção (2.3),

referem-se vantagens e desvantagens de um professor ser ou não falante nativo da LE

que ensina. Por último, na quarta secção (2.4), abordam-se alguns factores que

influenciam a qualidade da aprendizagem da LE e que devem ser levados em

consideração pelos professores de línguas.

2.1 Papel da língua na sala de aula

2.1.1. Uso da linguagem em sala de aula

Em primeiro lugar vamos reflectir sobre a interacção linguística que ocorre em

qualquer sala de aula. Neste caso, usa-se a língua para ensinar disciplinas tais como

História, Matemática, Física, Arte, etc. Mas como se processa esta interacção?

No dia-a-dia, quando duas pessoas estão frente a frente a conversar sobre um

determinado assunto, as suas funções como falantes e ouvintes vão-se alternando de

forma relativamente simétrica. Já em sala de aula, o professor torna-se o “líder da

interacção”, procurando concentrar a atenção do aluno como ouvinte, assumindo este

muitas vezes a parte passiva da interacção e competindo ao professor determinar a vez de

cada um falar, assim como o conteúdo da sua intervenção. Muitos estudos feitos nos

anos 70 sobre a comunicação na aula mostram que a maioria das falas é proveniente do

professor, o qual ocupa grande parte do tempo da aula.

Também na aquisição da LM os adultos assumem o direito básico de orientar a

interacção em conversa com as crianças. Por exemplo, perguntar pela idade - ”Quantos

anos tens ?”- é uma pergunta muito frequente dos adultos às crianças. No entanto,

existem diferenças entre este tipo de comunicação orientada e a que se estabelece em

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sala de aula, o que se torna visível nos estudos sobre a sua estrutura.. Sinclair e

Coulthard (1975) dão-nos um exemplo típico:

Teacher: Can you tell me why you eat all that food?

Pupil: To keep you strong.

Teacher: To keep you strong. Yes. To keep you strong. Why do you want to be

strong ?...

Este tipo de troca tem três movimentos ou fases principais: a fase de iniciação, na

qual o professor toma a iniciativa de requerer alguma coisa ao estudante, dirigindo-lhe

uma pergunta; a fase de resposta, onde o estudante executa aquilo que é solicitado,

desempenhando o papel de “seguidor” do professor (“follower”); finalmente, a fase de

feedback, onde o professor avalia a resposta do aluno, finalizando aí frequentemente a

interacção com ele e passando a outro aluno. Esta estrutura, conhecida como “IRF”

(“Initiation-Response-Feedback”), é típica na interacção pedagógica em qualquer

disciplina do currículo. No caso do ensino de línguas, foi especialmente reforçada pelo

método audiolingual, estando presente nas práticas dos laboratórios de línguas. Sendo o

professor de línguas um modelo de uso da LE, esta estrutura interactiva permite-lhe

avaliar sistematicamente a correcção linguística das frases dos alunos, muitas vezes

colocando o conteúdo da comunicação em segundo plano.

2.1.2. Uso da língua-alvo na aula de LE

Muitas vezes se pergunta se a situação da aula de língua é diferente da de outras

disciplinas. Face a esta pergunta, Chaudron (1988) cita dados provenientes de vários

estudos sobre o tempo de fala do professor. Por exemplo, a fala do professor consome

77% de tempo no ensino bilingue no Canada, 69% em turmas de imersão e 61% nas

aulas de língua estrangeira. Hullen (1989) verificou 75% de tempo de fala do professor

em aulas de Alemão. Isto significa que o tempo de fala dos alunos é reduzido, o que

afecta necessariamente o desenvolvimento das suas competências de comunicação,

nomeadamente ao nível da oralidade. Assim, as implicações da redução do tempo de

participação dos alunos são mais graves na aula de LE porque aí ela é, simultaneamente,

instrumento e objecto de aprendizagem.

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Contrariamente ao que se passa noutras disciplinas, a LE assume na aula de

línguas uma dupla função. Assim, a LE é ensinada e aprendida através da própria LE. Os

alunos e professores interagem constantemente através da língua nas aulas, usando as

estratégias e movimentos que integram a estrutura IRF. No entanto, ao mesmo tempo,

essas estratégias e movimentos são comportamentos linguísticos que os alunos desejam

atingir em função dos objectivos do professor.

Situação diferente será aquela em que a LE é usada como meio de aquisição de

conhecimentos não linguísticos, como aconteceu na experiência do investigador como

aluno em Timor, onde aprendeu Matemática, Ciências Naturais, Saúde e Higiene,

História, etc. através do Português, que atendendo às condições políticas e

administrativas era uma língua estrangeira. Aí, o conteúdo da comunicação assume

maior importância e a LE é adquirida de forma mais autêntica. O que aconteceu mais

tarde ao leccionar um curso de Inglês a adultos Timorenses foi que, embora os tópicos

fossem “Calendar, Season, Occupation, Tourism”, a estratégia começava com as

simples perguntas habituais relativas a actividades diárias, dar instruções, etc., ou seja,

havia um desajuste entre a estratégia e os interesses e nível etário dos alunos, o que se

relaciona com o facto de a língua ter que cumprir o seu papel como meio de

comunicação e conteúdo da aula. Prabhu resume esta questão da seguinte forma:

“learners’ responses arose from their role as learners, not from assumed roles in

simulated situations or from their individual lives outside the classroom” (1987: 144).

Embora os professores de outras disciplinas procurem adoptar uma linguagem

que seja adequada ao nível da compreensão dos alunos, esta questão é particularmente

importante na aula de LE, uma vez que os processos de simplificação, embora

necessários, podem afectar a aquisição da própria língua. A este propósito, Cook (2001)

questiona se realmente os professores tentam adaptar a linguagem ao nível de

compreensão dos alunos ou se estão já convencidos de que a própria língua em si já é

simples, o que de facto beneficia os estudantes. Por outro lado, a observação de

professores confirma que há adaptações de vários tipos (Gaies; 1979; Chaudron, 1983;

Hulen, 1989). Chaudron (1983), por exemplo, assinala a existência de simplificações

consideráveis, por exemplo ao nível do vocabulário (por exemplo: “clinging” torna-se

“holding in tightly” e “ironic” torna-se “funny”). Segundo o autor, a preocupação do

professor exprimir de forma simples um conteúdo complexo pode gerar “ambiguous

over-simplification” e também “confusingly redundant over-elaboration”. Outro

exemplo interessante é o que Hullen (1989) apresenta - quase todos os movimentos de

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feedback positivo do professor se resumem a expressões simples como “right” ou

“okay”, o que acaba por se tornar uma rotina a que o aluno pode deixar de prestar

atenção, quando a função de feedback deveria ser a de informar o aluno sobre o seu

progresso e levá-lo a expandir as suas intervenções.

Finalmente, há que considerar o facto de na aula de LE haver, pelo menos, duas

línguas em presença – a língua-alvo e a língua materna dos alunos. Mesmo quando a LM

não é usada na aula, ela faz parte do mundo linguístico do aluno (e, na maioria das vezes,

também do mundo linguístico do professor), exercendo influências sobre a aquisição da

LE. Por outro lado, a LM é muitas vezes usada como suporte à aprendizagem da LE, ou

mesmo como o principal instrumento de comunicação na aula. Na experiência do

investigador como observador das aulas de Inglês, na altura como orientador do estágio,

verificava-se que, desde o primeiro momento até a conclusão da aula, os alunos

mantinham-se quase sempre calados, cumprimentando os professores à entrada em

Bahasa (língua da Indonésia) e despedindo-se deles na mesma língua. Raramente se

ouvia a língua-alvo na aula. Não será isso um abuso do uso da língua materna numa aula

de língua estrangeira? Aqui podemos perguntar onde está o ensino da língua como

conteúdo ou o seu uso como instrumento de comunicação. É para as questões do uso da

LM na aula de LE que passamos de seguida.

2.2 Papel da LM nos métodos tradicionais, sua queda e revalorização

Faz-se aqui uma síntese breve da evolução metodológica no ensino de línguas,

com especial atenção à questão do papel da LM na aula de LE. Esta síntese baseia-se em

Frias (1992).

2.2.1 Papel da LM nos métodos tradicionais

Durante o período dominado pelo método tradicional (gramática e tradução), o

ensino da LM e da LE em contexto escolar apresenta muitas semelhanças quanto ao

texto-base utilizado na aula e ao quadro teórico de referência. Além disso, as duas

línguas entram em contacto na aula de LE, pelo recurso à LM, pela realização de

exercícios de tradução e pela comparação explícita entre as duas línguas. Em ambos os

casos é dada grande importância à escrita: os textos apresentados aos alunos são textos

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escritos literários, modelos de grandes autores, e grande parte das actividades da aula são

escritas.

No ensino da gramática, o quadro de referência e a terminologia são comuns: a

gramática tradicional é decalcada da gramática greco-latina e a LM assume o papel de

metalinguagem descritiva, de forma a dar conta do funcionamento da LE, muitas vezes à

luz do seu próprio funcionamento. Os professores de LE referem-se constantemente aos

conhecimentos de LM e os processos de apropriação fundamentam-se no confronto

constante e explícito dos dois códigos em presença. Mas a tradução é a palavra-chave no

que respeita às relações LM-LE e intervém de várias formas, através da explicação do

vocabulário e da prática de exercícios de tradução.

Na aula de LE, a explicação de vocabulário consiste na tradução sistemática de

novas palavras e no estabelecimento de longas listas de equivalências que os alunos

devem memorizar, utilizando-se dicionários bilingues. A tradução como exercício

pedagógico ocupa lugar central na aula de língua estrangeira e revela o peso do ensino

do Grego e do Latim e da tradução greco-latina.

Ainda na metodologia tradicional, a LM é amplamente utilizada na gestão de

interacção verbal e na organização do trabalho na aula.

2.2.2. Queda da função da LM no ensino da LE

No século XX, o ensino da LE evoluiu consideravelmente. Esta evolução é

impulsionada com o aparecimento do método directo, onde ocorre o primeiro corte de

relações entre LM e LE, conforme um dos seus princípios: o ensino da LE pela LE.

Exclui-se a LM do aluno da aula, e é por essa razão que o método se designa por

“directo”. Como esta designação indica, caracteriza-se pela recusa das actividades

“indirectas”, menosprezando-se a rede de equivalências que o método tradicional

preconiza para a LM e LE ao fazer daquela uma passagem obrigatória e indirecta para a

LE. Procura-se um contacto sem intermediário entre a LE e as realidades referenciais,

colocando-se o aluno num “banho de língua” e procurando-se reproduzir na aula

condições de aquisição tão “naturais” quanto possível, através da prática constante das

capacidades de ouvir, falar, ler e escrever, acentuando-se contudo o desenvolvimento da

expressão oral.

A partir dos anos 50 deu-se o início à metodologia audio-oral pelos pedagogos

americanos, ao mesmo tempo do aparecimento do método audiovisual com os seus

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defensores franceses. Estes dois métodos apresentam algumas características comuns:

insistência na expressão oral, limitação do vocabulário introduzido, apresentação de

quadros estruturais e prática de “pattern drills”, censura de qualquer explicitação

gramatical e recusa da tradução. Ambos perfilham princípios teóricos decorrentes de

teorias linguísticas e psicológicas, defendendo que cada língua, concebida como um

sistema próprio, deve ser estudada em si mesma. A LM é referida como sendo “tabu”,

devendo ser “eliminada”, “banida”, “repudiada” e “proibida” por ser “nefasta”,

“prejudicial”, “factor perturbador”, “perigosa fonte de interferência”, “meio de

distracção”. Defende-se a ideia de que é preciso pensar em LE. A memória do aluno

deve registar as palavras associadas ao objecto que as designa, à sua representação

através da imagem ou ao seu esclarecimento pela apresentação em situação. Banidas

todas as explicações em LM, para se evitar a sua intrusão, recorre-se à explicação em LE

e, mais frequentemente, a processos não verbais (mímica, gestos e, sobretudo, imagem).

2.2.3. Revalorização do papel da LM no ensino da LE

A partir dos anos 70-80, o desenvolvimento do conceito de “comunicação” vem

motivar alterações significativas no ensino de línguas. De um modo geral, é de ressaltar

que a abordagem comunicativa tem como consequência o ecletismo metodológico,

recusando a ideia do “método único”. As suas linhas de força podem sintetizar-se do

seguinte modo: pedagogia centrada no aluno; desenvolvimento de competências de

comunicação através de uma progressão funcional; substituição de textos fabricados por

textos autênticos; abordagem diferenciada das capacidades de compreensão e de

expressão; prioridade do diálogo e da comunicação oral, sem exclusão da escrita, da

leitura, da gramática reflexiva e de uma pedagogia do erro.

Vieira & Moreira (1993: 51) definem a competência de comunicação numa

língua como “o conjunto de atitudes, conhecimentos e capacidades necessários ao uso

correcto e adequado dessa língua em situações reais de comunicação”. As duas autoras

salientam que esta competência tem três dimensões: “uma dimensão afectiva, referente

ao posicionamento do aluno face à língua e à cultura-alvo (aceitação/rejeição,

estranheza/familiaridade, motivação/desmotivação…), uma dimensão reflexiva, relativa

ao saber metalinguístico e metacomunicativo do aluno, e uma dimensão experimental,

traduzida em capacidades para o uso produtivo e receptivo da língua” (ibidem). Por outro

lado, apontam duas vertentes do uso da língua: “uma vertente formal (gramatical,

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sistémica), referente ao domínio da língua nos seus aspectos semântico-formais, e uma

vertente pragmática, relativa ao uso da língua em situação, na qual podemos identificar

cinco áreas: Sociolinguística, Discursiva, Estratégica, Sociocultural e Social” (ibidem).

Com o desenvolvimento das abordagens comunicativas, constatam-se algumas

mudanças quanto ao papel da LM na aula de LE. Desbloqueado o tabu que impedia o

recurso à LM, os professores começam a sentir-se menos culpabilizados no seu uso, tal

como os alunos. Referem-se, de seguida, alguns exemplos de estudos e abordagens

acerca do uso da LM na aula de LE.

Em estudos realizados através de inquérito por Luc (1987) e Lavault (1985), a

quase totalidade dos professores admite um monolinguismo flexível por razões de

eficácia e rapidez. Quanto às finalidades da utilização da LM, elas concentram-se

sobretudo no trabalho e na gestão de interacções e em trocas de ordem didáctica: fazer

gramática e assegurar a compreensão de elementos lexicais (“tradução explicativa”, nos

termos de Lavault). Todos os professores que responderam ao questionário evitam a LM

para o léxico, preferindo o recurso à imagem na iniciação, e, posteriormente, a tradução

intralinguística. Só usam a tradução interlinguística para ultrapassar ambiguidades, ou

quando consideram que a LE cria mais problemas do que resolve. Relativamente à

actividade de tradução, os professores consideram que é um exercício a preparar com

cuidado, estão cientes das suas dificuldades e não estão seguros de si neste domínio. Os

objectivos da tradução pedagógica enunciados pelos inquiridos são, por ordem

decrescente: (1) verificar a compreensão, (2) controlar conhecimentos linguísticos, (3)

evidenciar semelhanças e diferenças entre as duas línguas, (4) aperfeiçoar o

conhecimento de LE, (5) analisar e melhorar o espírito lógico e a clareza de expressão

dos alunos, (6) verificar e corrigir, (7) aprender a beleza de um texto literário, (8)

desenvolver a iniciativa e criatividade, (9) aprender a traduzir.

Butzkamm (1978), num artigo sobre o papel da LM no ensino da LE, refere

também que, após um período de monolinguismo absoluto, se procede de modo mais

flexível e menos dogmático. A tolerância da LM resulta de se ter constatado que a

tradução está sempre presente nos alunos e que os argumentos para o afastamento da LM

da aula da LE são precários, face às novas tendências comunicativas e ao interesse

recente pelas condições individuais de aprendizagem dos alunos.

Para o uso mais generalizado da LM pode ter contribuído o aparecimento de

abordagens que colocam a tónica no desenvolvimento da autonomia, onde a LM é

suporte da reflexão sobre a língua e, principalmente, sobre o processo de aprendizagem,

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entendendo-se que essa reflexão é importante ao desenvolvimento de competências de

auto-regulação (aprender a aprender). Por outro lado, a valorização da LM está também

associada à valorização da competência sociocultural, na medida em que se considera

que as referências culturais são indissociáveis da aprendizagem da língua. Em alguns

casos, procura-se mesmo adoptar uma perspectiva intercultural, na qual a cultura

materna e estrangeira são objectos de comparação.

Um dos principais argumentos contra o uso da LM é a possibilidade de

interferência negativa na aquisição da LM. Contudo, vários autores consideram que a

noção de interferência é muitas vezes tratada de modo muito superficial e que as

conclusões de que há erros devido à interferência da LM podem ser apenas uma

indicação da fraca aquisição da LE. Velez (1985) considera mesmo que a LM pode

ajudar a romper o silêncio no início de aprendizagem, estimulando a comunicação na LE

e contribuindo para diminuir a resistência afectiva a uma nova língua. No seu entender,

um aprendente pronto a comunicar oferece mais segurança para o progresso da

aprendizagem, embora admita alguns aspectos problemáticos, como a fossilização do

erro, se houver uma atitude permissiva com respeito à influência da LM, o que se poderá

evitar se esta for apenas usada em fases iniciais da aprendizagem.

A “Pedagogia Integrada” de Roulet vem reforçar o encontro entre LM e LE.

Segundo este autor, “todas as línguas partilham elementos universais de linguagem”

(Roulet, cit. por Frias, 1992: 93). Quanto às diferenças entre as línguas, elas são, na sua

opinião, apenas superficiais. No que respeita às modalidades de integração LM-LE,

Roulet parte de duas hipóteses: (a) o aprendente adquirirá mais fácil e eficazmente certas

estruturas da LE se as tiver compreendido na sua LM; (b) os instrumentos utilizados para

compreender as estruturas na LM podem ser utilizados com vantagem na aprendizagem

da L2. Para esse fim, sugere-se o desenvolvimento de “instrumentos heurísticos” para

facilitar a tomada de consciência, pelo aluno, da sua própria língua a partir de

documentos autênticos analisados na aula de LM.

Decotterd (1987) refere o efeito tranquilizador que a tradução tem para os alunos

mais fracos ou provenientes de meios socioculturais mais baixos. Tendo em conta estas

variáveis, o autor admite que a tradução pode ter o seu lugar, tão limitado quanto

possível nas fases de aquisição, sobretudo quando se trata de processos essencialmente

cognitivos. Admite que o recurso à LM pode ser mais económico em certos casos

(termos abstractos, principalmente) e mais eficaz na explicação de fenómenos

gramaticais que exijam uma terminologia especializada.

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No contexto português, a questão do recurso à LM na aula de LE tem sido

abordada por alguns autores, embora não seja uma das prioridades na literatura em

Didáctica das Línguas. Referiremos aqui alguns exemplos.

Torre (1985) refere-se ao uso da LM como meio de ensino da LE, afirmando que

nas fases iniciais, a língua materna dos alunos pode ser moderadamente utilizada com

benefícios, (a) para fornecer indicações sobre o significado das expressões inglesas

caracterizadas por carga cultural, (b) dar instruções complicadas em testes e drills, e (c)

explicar alguns pontos gramaticais difíceis. Tudo isto reduzirá os riscos da aprendizagem

se processar de maneira errada. Quanto a este autor, o abuso da LM pode contudo

transformá-la num recurso demasiadamente confortável, ou mesmo na língua de

comunicação autêntica, relegando-se a LE para a posição de mero objecto de

aprendizagem. Este perigo é salientado, segundo Brumfit (1984), pelos opositores ao

trabalho de grupo e ao debate livre, para os quais, nas turmas monolingues, os alunos

usarão a LM quando tiverem dificuldades. Brumfit reconhece que é um problema prático

a ter em conta, mas defende a realização desses trabalhos em termos do seu valor

educativo.

Também Frias (1992) estabelece uma relação multidimensional entre LM e LE.

Segundo a autora, depois das certezas dos anos 60, em que se separou o ensino das duas

línguas, assiste-se nas duas últimas décadas a uma renovação desta problemática. Por um

lado, de forma empírica, alguns países e contextos escolares têm procurado proceder a

uma reaproximação do seu ensino, embora de forma incipiente. Por outro lado, tem

havido desenvolvimentos teóricos que questionam a dicotomia LM-LE, aparentemente

simplista. A autora propõe que se examinem os laços entre LM e LE, tanto do ponto de

vista da aprendizagem como do ponto de vista do ensino, o que poderá abrir vias de

pesquisa e debate sobre esta temática.

Segundo Andrade (2000), e de acordo com a sua investigação da interacção em

aulas de Francês como LE, a alternância LM-LE é um fenómeno presente na

comunicação e não deve ser ignorado, parecendo estar relacionado com as experiências

do professor como aluno e professor em formação. A autora salienta a necessidade de

maior formação no âmbito desta temática, incluindo o estudo de fenómenos como a

comunicação plurilingue, a tradução e a transferência linguística, assim como o desenho,

observação e avaliação de experiências concretas em sala de aula.

Existem, portanto, no momento actual, vários argumentos que parecem justificar

o recurso à LM na aula de LE, embora os autores alertem também para os seus riscos, o

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que obriga os professores a ter uma atitude reflexiva face a esta questão. Na verdade,

consideramos que a formação de professores sobre esta temática é de extrema

importância, na medida em que o papel da LM na aula de LE afecta sempre a qualidade

das aprendizagens, seja em que sentido for.

2.3 Vantagens e desvantagens de ser professor (não)nativo da LE

Quase em todas as partes do mundo se coloca a questão sobre se um professor de

L2/LE deve ser ou não falante nativo dessa língua, ou qual deles a ensinará melhor. Em

lugares onde os professores falantes nativos são muitos, torna-se difícil para um

professor não nativo obter emprego. Por exemplo, Cook (2001) afirma que em Londres

os falantes nativos são os mais preferidos para o ensino de Inglês como LE, ao ponto de

os alunos reclamarem a devolução do dinheiro das propinas no caso de lhes ser atribuído

um professor não nativo, o que cria uma situação de discriminação em relação aos

professores que não são falantes nativos. Noutro caso referido por Cook, relativo a um

departamento na Universidade de Essex, quase todos os professores de Espanhol,

Francês, Alemão e Italiano são falantes nativos, dando-se preferência a este tipo de

candidatos. Noutros lugares, contudo, não há recursos humanos suficientes para que esta

situação se possa verificar e a maior parte ou totalidade dos professores de LE nas

escolas do esnino público não são falantes nativos da língua que ensinam. É o caso em

Timor, onde é raro encontrar professores falantes nativos de Inglês e Português como

LEs.

Embora haja uma tendência generalizada para preferir falantes nativos como

professores de uma LE, tal não significa, necessariamente, que estes sejam mais

competentes do que os professores não nativos. Face a esta questão, ainda pouco

estudada, Cook (op. cit.) efectuou um estudo onde 18% de um grupo de crianças

inquiridas na Bélgica e 54% na Inglaterra concordaram que os professores falantes

nativos são os melhores, e onde 47% na Bélgica e 32% na Inglaterra estavam a favor de

professores não nativos. Assim, mesmo entre os alunos, a questão não é consensual.

A razão fundamental da preferência de professores falantes nativos está no facto

de poderem representar “modelos linguísticos”, prontos a dar uma resposta apropriada

em relação a qualquer tipo de perguntas. Mas por outro lado, se estes professores não

tiverem preparação pedagógica, poderão ser menos competentes do que professores não

nativos que a tenham. Em segundo lugar, o professor falante nativo não faz parte da

14

comunidade à qual os estudantes pertencem, o que pode dificultar a relação pedagógica.

Em terceiro lugar, o desconhecimento da LM dos alunos também pode dificultar o

processo de ensino e aprendizagem. Segundo Medgyes (1992), há ainda a considerar o

facto de os falantes nativos, tendo uma experiência de aprendizagem da LE como LM,

não estarem tão cientes das estratégias de aprendizagem dos alunos e lhes ser mais difícil

antecipar problemas de aprendizagem da língua. É de acrescentar também que os

estudantes podem ver os professores falantes nativos como alguém que atingiu um

estádio de perfeição linguística difícil de alcançar, o que pode desmotivá-los. Como

afirma Kramsch (1998: 9), “non-native teachers and students alike are intimidated by the

native-speaker norm”.

Considerando as vantagens e desvantagens entre os dois tipos de professores, há

uma solução de compromisso possível que pode mediar os dois extremos, como acontece

na experiência “Assistant Language Teachers on the Japan Exchange and Teaching

(JET) Program”, onde um professor falante nativo com pouca experiência pode estar

junto de um professor japonês já com certa experiência na sala de aula. Nessa situação,

verifica-se uma troca de saberes e competências. O professor Japonês assume a

responsabilidade de controlar toda a interacção na sala através da sua experiência e

conhecimento, e o professor nativo da LE pode por sua vez apresentar exemplos de

discurso autêntico com o apoio de gravações, programas de televisão, filmes, etc. Neste

caso, o professor não precisa ser a única fonte da língua-alvo. Pode-se então concluir que

um professor que não seja falante nativo da LE pode ter mais sucesso no ensino e

aprendizagem, desde que não seja o único modelo para os alunos.

Existem também perspectivas diversas acerca de qual deve ser o modelo de

língua a apresentar quando o professor é falante nativo, devido à existência de

particularidades regionais, sociais, etc. que qualquer falante nativo apresenta. Podemos

afirmar que não há um tipo único de falante nativo que seja ideal para qualquer estudante

de LE imitar. Por outro lado, entende-se hoje que o objectivo da aprendizagem de uma

LE não é produzir “falantes nativos”. Como afirma Byram (1990: 177), “the model for

language teaching should be the fluent L2 users, not the native speaker”, o que o autor

designa como “intercultural communicative competence”.

15

2.4 Factores que influenciam a aprendizagem da LE

Esta secção salienta alguns factores pessoais e contextuais que influenciam o

processo de ensino e aprendizagem de uma LE e que não podem ser ignorados quando se

problematiza a relação LM-LE.

2.4.1 Motivação

A motivação é um fenómeno individual mas resulta das influências que o aluno

sofre no contexto em que aprende. O papel do professor é compreender o que motiva e

desmotiva os alunos e procurar condições que favoreçam atitudes favoráveis à

aprendizagem da LE. Rivers afirma (1983: 147): “natural motivation - that energizing

force each living entity possesses - may carry them forward to joyful and satisfying

learning under our care and nurture. Note that I say nurture not direction. What we seek

to stimulate is self-directed learning, which results from self-realizing motivation”.

Quando o aluno não se sente motivado, resiste às tentativas de ensino do professor e, no

caso da aprendizagem de uma LE, resiste desde logo à sua utilização, verificando-se

frequentemente uma relação forte entre desmotivação e uso da LM.

Antes de tudo, há que atender às necessidades fisiológicas do aluno. Por exemplo,

a fome, o sono, o cansaço e o frio podem não permitir adquirir conhecimento, neste caso

outra língua. Em segundo lugar, há a necessidade de segurança e estabilidade, as quais

exigem uma certa liberdade e a ausência de ameaças. No caso da aula de LE, a

penalização excessiva do erro ou a punição do recurso à LM podem predispor

negativamente os alunos face à LE e inibir o seu uso. Como sabemos, a aprendizagem de

uma língua implica que o aluno queira arriscar e cometa erros, assim como requer que o

aluno possa recorrer pontualmente à sua LM como sistema de apoio, não só linguístico

como cultural e afectivo. Em terceiro lugar, há a necessidade de ser aceite e bem-vindo

no grupo. Rivers (1983:148) afirma a este propósito: “Only when they [the students] are

respected for what they are and feel that what they can contribute is welcome (that is,

when they rise in their own esteem) can their energies be devoted to efforts to realize

their potential through educational programs that reach out and beyond the immediate,

the present, and the known”.

Enquanto professores que no dia-a-dia enfrentamos seres humanos muito

diferentes, importa reflectir sobre se na nossa actuação levamos realmente em conta as

16

necessidades básicas dos alunos para que eles se sintam motivados. Devemos saber se

eles não estão com fome, sono, cansaço ou frio, se se sentem seguros e respeitados como

seres humanos e cidadãos livres, bem recebidos num ambiente de culturas diversificadas.

Por conseguinte, voltamos a Rivers (1983: 148) para reforçar a importância da

motivação na aprendizagem da LE: “If we are trying to fit them into our pattern, a

pattern that will alienate them from those with whom they feel their primary

identification, resistance (not necessarily conscious, but nonetheless real) or anomie will

prevent them from satisfactorily learning the language. Anomie is a feeling of

uncertainty about one´s place and one´s loyalties in a new situation. Attracted by the new

but with emotional ties to the old, the individual suffers conflicts”.

Embora o ensino da LE seja feito em grupos, é importante não esquecer que a

aprendizagem da LE é também um fenómeno individual. Como salienta Cook (2001:

114), “At the end of the lesson, the group turns into 25 individuals who go off to use the

second language for their own needs and their own ways. Particular features of the

learner´s personality or mind encourage or inhibit L2 learning”. De facto, alguns alunos

aprendem melhor do que outros por estarem melhor motivados.

Quando falamos em motivação, é importante distinguir entre motivação

intrínseca (ou integrativa) e extrínseca (ou instrumental). Gardner & Lambert (1972) e

Gardner (1985) estabelecem essa diferença, salientando que a motivação intrínseca

implica que o aluno se identifique com a cultura-alvo e a comunidade que representa

essa cultura, ao passo que a motivação extrínseca se prende como razões e recompensas

exteriores como ter boa nota, passar num exame ou obter um determinado emprego. Por

exemplo, num estudo realizado no Reino Unido, Coleman (1996, cit. por Cook, 2001)

identificou dez motivações principais apontadas por alunos que aprendem línguas

modernas: “1. For my future career. 2. Because I like the language. 3. To travel in

different countries. 4. To have a better understanding of the way of life in the country or

countries where it is spoken. 5. Because I would like to live in the country where it is

spoken. 6. Because I am good at it. 7. Because it is an international language. 8. To

become a better-educated person. 9. To meet a greater variety of people in my life. 10.

To get to know / make friends among the people who speak it” (op. cit.: 116).

Por vezes, os alunos sentem simultaneamente uma motivação intrínseca e

extrínseca para aprender e usar uma LE, principalmente o Inglês pela sua

internacionalização, mas também há casos em que não se verifica nem uma nem outra,

por exemplo em meios mais desfavorecidos onde os alunos não antecipam a

17

possibilidade de vir a viajar, falar com estrangeiros ou trabalhar fora do seu país, não têm

acesso às tecnologias da comunicação e da informação que hoje são um apoio importante

à aquisição da LE e ao acesso a novas culturas, vivem em meios familiares precários, e

por tudo isso não desenvolvem um interesse pessoal pela aprendizagem e uso de uma

LE. Se se tratar de alunos com experiências de insucesso no percurso escolar, a

desmotivação será ainda maior e a LE representa, para muitos destes alunos, um sistema

estranho e distante da sua realidade. Nestas circunstâncias, como promover o uso da

língua-alvo e não recorrer à LM? Por outro lado, se esse esforço não for feito, pode estar

a reforçar-se o isolamento desse alunos face a outras realidades socioculturais, o que

coloca dilemas ao professor. Em todo caso, este tipo de situações mostra que a

motivação constitui um factor de relevo na aprendizagem da LE, com implicações no

recurso à LM.

Outro factor de desmotivação face à LE reside na percepção de que essa língua é

difícil de aprender, ou desnecessária. Verificou-se isto numa experiência pessoal em

1997, na leccionação da disciplina de Português como disciplina de opção numa turma

de 5º semestre de Licenciatura com 40 estudantes em Timor Leste. No princípio do

semestre, a sala estava cheia, mas depois pouco a pouco os alunos foram desistindo até

restarem apenas seis. Inquiridos sobre este assunto, 89% queixaram-se que o Português é

uma língua complicada /difícil, sobretudo em questões de número, género e conjugação

verbal, e 11% referiram que preferiam aprender directamente com os falantes nativos

(portugueses). Por outro lado, não se pode ignorar que em Timor Leste, por razões

político-sociais, se continua a pensar que aprender Português é inútil para certas pessoas

e no seio da população ainda existem resistências a aceitar o Português como uma das

línguas oficiais.

Ainda como factor de motivação, podemos apontar o valor social que

determinada língua assume numa dada comunidade. É o caso da preferência pelo Inglês

em vez de outras línguas, pelo estatuto que esta língua alcançou a nível internacional.

Num estudo efectuado em 1986 em Inglaterra pela Assessment of Performance Unit

sobre o ensino e aprendizagem do Francês nesse país, constatou-se que apenas 36% de

estudantes na Inglaterra tinham a ideia de que aprender Francês era útil para eles. Muitos

professores de Francês na Inglaterra tentam compensar esta falta de motivação com a

realização de intercâmbios culturais com escolas francesas, mas nem sempre é possível

realizar este tipo de actividades, e por isso torna-se por vezes difícil motivar os alunos

para uma determinada LE. A motivação para aprender uma determinada LE também

18

depende da realidade política e cultural do país em que é aprendida. Nalguns casos, uma

motivação intrínseca pode ser menos adequada do que uma motivação extrínseca.

Um outro factor que pode desmotivar os alunos é o uso de manuais que são

muitas vezes desadequados aos interesses e necessidades dos alunos, desactualizados do

ponto de vista cultural e pouco autênticos e variados quanto aos materiais de trabalho

que apresentam, nomeadamente o tipo de textos. Existem, contudo, manuais que

procuram cativar os jovens, incluindo referências ao seu quotidiano, aos fenómenos

sociais da actualidade (locais e globais), às realidades multi-étnicas que caracterizam

muitos países, etc.

Num mundo ideal, os professores levariam os alunos a admirar a língua-alvo e a

sua cultura desde o primeiro momento, e aqueles sentir-se-iam ávidos de a aprender por

e para eles próprios, experimentando os benefícios de serem bilingues. Na prática, os

professores têm de estar conscientes das limitações e preconceitos dos seus próprios

alunos. O que eles pensam do professor, do curso e dos falantes da LE em geral, tudo

isto pode afectar o seu sucesso. Motivação e sucesso andam geralmente a par, uma

influenciando o outro e vice-versa. Por isso, também é importante gerar situações de

sucesso e saber encorajar os alunos a ultrapassar as suas dificuldades. Por vezes, a

motivação extrínseca é relevante neste sentido e acaba por gerar uma motivação

intrínseca. Certos estudantes do ensino secundário dedicam-se totalmente a determinadas

disciplinas, na esperança de poderem aceder ao curso universitário a que aspiram, e

depois sentem-se intrinsecamente motivados para o frequentar. Outro exemplo é que em

Timor Leste, desde 1998 até a presente data, tem havido grande competição entre os

alunos que dominam mais do que uma língua, principalmente o Inglês e o Português,

devido à existência das organizações não-governamentais que necessitam de recursos

humanos com essa qualificação. Depois desses candidatos serem admitidos no emprego

por terem já uma certa competência em línguas, os próprios desejam frequentar cursos de

línguas sempre que podem.

Na procura de relação entre sucesso e motivação, é importante que o aluno sinta

que a aquisição de uma LE vem acrescentar competências às que ele já possui na sua

LM, e não reduzi-las. Como Lambert (1990: 118) refere, “The best way I can see to

release the potential (of bilingualism) is to transform their subtractive experiences with

bilingualism and biculturalism into additive ones”. O autor estabelece uma diferença

entre bilinguismo “aditivo” e “subtractivo”. No primeiro caso, os alunos estão cientes de

que estão a acrescentar qualquer coisa nova às suas competências e experiências por

19

terem aprendido uma nova língua, sem perder nada daquilo que já sabem. No segundo

caso, pelo contrário, sentem que aprender uma nova língua se torna uma ameaça para

eles, eliminando aquilo que eles próprios já tinham adquirido. E daí Lambert conclui que

o sucesso da aprendizagem da L2/LE ocorre nas “situações aditivas”. Quando os alunos

consideram que a língua-alvo está a enfraquecê-los, não se sentirão tão motivados nem

terão tanto sucesso na aprendizagem. Muitos alunos recusam aprender uma língua com

receio de perder a sua identidade cultural. É o caso de muitos timorenses que, talvez por

razões políticas, rejeitam aprender Português. Assim sendo, ignorar a LM no ensino de

uma LE pode constituir factor de resistência a uma aprendizagem de tipo aditivo.

2.4.2. Estratégias de aprendizagem

As estratégias de aprendizagem da LE determinam o sucesso dos alunos e tem

havido vários estudos que procuram identificar as estratégias que são mais favoráveis à

aprendizagem. Salienta-se aqui o estudo pioneiro de Naiman et al. (1995) sobre “the

good language learner (GLL) strategies”. Com base em entrevistas a alunos

categorizados como “bons“ na aprendizagem de línguas, os investigadores tentaram

observar o que eles têm em comum e identificaram seis estratégias principais:

1. “find a learning style that suits you” Significa isto que o bom aluno de línguas conhece diversas estratégias de aprendizagem, experimenta-as e adequa o seu uso aos seus objectivos de modo eficaz. 2. “involve yourself in the language learning process” Esta estratégia implica que o aluno toma iniciativas e decisões sobre o que aprender e como, ou seja, desenvolve competências de autodirecção. 3. “develop an awareness of language both as system and as communication” O bom aluno de línguas é capaz de reflectir sobre o funcionamento da LE, quer nos aspectos formais quer nos aspectos pragmáticos e socioculturais. 4. “pay constant attention to expanding your language knowledge” O bom aluno não fica satisfeito com o que já aprendeu, procurando oportunidades para melhorar as suas competências, na aula e fora dela; sabe auto-avaliar-se e pede ajuda quando necessário, investindo regularmente na aprendizagem da LE em diversas situações. 5. “develop the second language as a separate system” O bom aluno valoriza o uso da LE como sistema com características próprias e distintas da LM, evitando o recurso excessivo à LM na aprendizagem da LE. 6. “take into account the demands that L2 learning imposes” O bom aluno tem consciência da natureza da LE e do processo de a aprender, desenvolvendo estratégias diferenciadas consoante o tipo de tarefa que tem de realizar.

20

Em relação a estes resultados, Cook (2001: 128) faz o seguinte comentário:

“Some qualifications need to be made to this line of research. First of all, it only

describes what GLLs are aware of, this is what they say they do rather than what they

actually do. The magic ingredient in their L2 learning may be something they are

unaware of, and does not emerge from interviews. Second, the strategies are similar to

what teachers already supposed to be the case. This is partly a limitation of the original

research”.

De facto, entende-se hoje que é arriscado definir um conjunto único de

estratégias de sucesso, até porque os alunos podem aprender de formas diferentes e

aprendem em circunstâncias também muito diferentes: assim, o mais importante será que

tomem contacto com um leque alargado de estratégias e aprendam a gerir o seu processo

de aprendizagem de forma pessoal.

O’Malley & Chamot (1990) definem três tipos principais de estratégias que

podem ser usadas pelos alunos e promovidas pelos professores de LE: estratégias

cognitivas, referentes aos processos mentais de uso receptivo e produtivo da língua;

estratégias metacognitivas, relativas à regulação (planificação, monitorização e

avaliação) do processo de aprendizagem da LE; estratégias sociais, relativas à interacção

com outros no processo de aprendizagem da LE. São as estratégias de tipo metacognitivo

que mais directamente se relacionam com o desenvolvimento da autonomia na

aprendizagem.

Numa experiência pedagógica de investigação sobre a eficácia do ensino de

estratégias no campo da compreensão oral, O’Malley e Chamot (1990) treinaram um

grupo de alunos a usar estratégias cognitivas (como tomar notas), e estratégias sociais

(por exemplo, relatar o que se passava na aula próprios colegas), treinando um segundo

grupo no uso de estratégias metacognitivas (dando-lhe tarefas de prestar atenção à

natureza de um determinado discurso), comparando ambos os grupos com um terceiro

grupo onde não foi ensinado qualquer tipo de estratégia. No fim da experiência,

verificaram que o grupo das estratégias metacognitivas tinha sido o grupo que mais

melhorara a sua capacidade de compreensão oral e que o grupo das estratégias cognitivas

tinha tido melhor desempenho do que o terceiro grupo. Os autores concluem que treinar

os estudantes no uso de estratégias de aprendizagem melhora as suas competências.

Contudo, outros estudos revelam que esta relação não é linear (v. Oxford, 1990) e que os

professores devem ser flexíveis na sua actuação, procurando avaliar a eficácia do uso de

21

estratégias sempre que as promovem e permitindo aos alunos uma actuação também

flexível e auto-regulada.

O uso de estratégias varia em função do tipo de actividade que o aluno realiza, do

seu nível etário e de desenvolvimento, do seu estilo de aprendizagem, dos recursos que

tem disponíveis, do domínio da língua que possui e também do tipo de ensino a que está

exposto. Acredita-se que o professor pode fomentar a competência estratégica do aluno,

ajudando-o a consciencializar o modo como aprende, a participar na planificação das

aprendizagens e a monitorizar/ avaliar as mesmas. Acredita-se também que a

competência estratégica do aluno está relacionada com o seu envolvimento e motivação,

e também com o seu sucesso.

Normalmente, os alunos mais fracos são os que dependem muito dos professores

e menos capazes de se defenderem. Eles precisam de ser encorajados a desenvolver a sua

independência tanto na sala de aula como fora dela, equipando-se com meios necessários

para a sua própria orientação. Cabe os professores dar-lhes uma certa responsabilidade e

ajudá-los a assumir essa responsabilidade em relação à sua aprendizagem, levando-os a

participar na definição de objectivos, métodos e materiais de aprendizagem, a avaliar o

seu desempenho e a definir estratégias de resolução de dificuldades. Muitos estudos

falam em “learner training” e “strategy training” como um objectivo essencial do ensino

da LE e existem vários exemplos na literatura de como essa formação pode ser

desenvolvida (v. Cook, 1982; Ellis & Sinclair, 1989; Oxford, 1990). Pressupõe-se, nesta

abordagem, que deve haver da parte do aluno uma atenção consciente em relação às

estratégias de aprendizagem, embora não se pretenda uniformizar o tipo de estatégias a

usar. Bialystok (1990), por exemplo, defende que o “treino” apenas deve ajudar os

estudantes a terem mais consciência das estratégias que usam e podem usar em geral, e

não ensinar uma estratégia específica.

O desenvolvimento de estratégias de aprendizagem, envolvendo o professor e os

alunos na reflexão sobre processos de aprendizagem, implica muitas vezes o recurso à

LM dos alunos, sobretudo quando estes não dominam a linguagem necessária a que essa

reflexão seja efectuada na LE. Vieira & Moreira (1993), por exemplo, propõem uma

vasto conjunto de instrumentos de auto-regulação e avaliação do ensino principalmente

destinados a alunos de Inglês do Ensino Básico (5º ao 9º ano), verificando-se que grande

parte desses instrumentos estão elaborados em língua portuguesa, embora as autoras

sugiram que poderão ser progressivamente apresentados na LE à medida que os alunos

se vão habituando ao tipo de actividades propostas.

22

2.4.3 Objectivos do ensino e da aprendizagem da língua

A natureza e resultados da aprendizagem de uma L2/LE dependem em grande

medida das finalidades definidas para essa aprendizagem, as quais determinam as formas

de ensinar e aprender. Esta questão torna-se particularmente problemática nos casos em

que a língua estudada é a língua oficial do país, sendo aprendida como L2 num ambiente

de imersão. Nesta situação, as relações LM-LE assumem características particulares.

Num estudo sobre o conceito de “bilinguismo”, Skutnabb-Kangas (1981) faz

uma distinção entre “local goals”, “international goals” e “ individual goals”.

Segundo o autor, os objectivos locais do ensino de uma L2 servem as

necessidades de uma comunidade, principalmente a necessidade de diferentes grupos

interagirem entre si. Aqui o autor identifica três abordagens diferentes: “Assimilationist”,

“Transitional” e “Language Maintenance”, em função da posição das crianças da língua

de minoria em relação a língua de maioria.

Numa abordagem de assimilação, aceita-se que a sociedade tem o direito de

aliciar uma comunidade (minoria) a deixar a sua língua materna e tornar-se falante da

língua da maioria dentro de um país (é o caso de Israel, onde se estabelecem

regulamentos de obrigatoriedade para qualquer imigrante frequentar cursos de língua

hebraica com a duração de cinco meses. O objectivo é unificar os não-nativos numa

única herança cultural). Uma forma extrema desta abordagem é o que se denomina

“submersion teaching”, onde é proibido o uso da LM pelos grupos minoritários.

Numa abordagem de transição, permite-se que uma comunidade adopte a língua

de maioria no país, mas sem perder ou desvalorizar a sua LM. Trata-se de uma

abordagem aditiva e não subtractiva, nos termos de Lambert. Em muitos países a

educação realiza-se quase exclusivamente através de uma língua oficial, o que obriga a

que as comunidades minoritárias não-nativas aprendam essa língua como forma de

acesso à instrução. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, o “Bilingualism

Education Act” exige que as crianças frequentem o ensino de Inglês como fase de

transição antes de entrarem nas turmas regulares. Segundo Grosjean (1982), as crianças

podem assim, pelo menos, beneficiar de um período favorável antes de serem “engolidas

pelo sistema”. Noutras situações, esta transição linguística é requerida para efeitos de

emprego, como acontece na Suécia, onde os imigrantes são obrigados a frequentar um

curso de Sueco com uma duração de 600-700 horas.

23

Finalmente, a abordagem de manutenção linguística visa ensinar às comunidades

a sua própria língua, no sentido de manter a sua tradição linguística e cultural. Muitos

grupos étnicos pretendem preservar a existência da sua LM nos seus descendentes e uma

das possibilidades é a educação bilingue. Por exemplo em Londres há cursos de Chinês,

Polaco, Grego e outras línguas para as crianças depois das horas curriculares ou aos fins

da semana. “The Linguistic Minorities Survey (1983) descobriu que em Bradford se

ensinavam 13 línguas maternas a 3000 crianças, durante 1 a 14 horas por semana e

apenas um terço das turmas sob apoio das instituições oficiais. O objectivo principal é

educar as crianças das minorias através da sua LM, entendendo-se que têm direito ao

acesso à sua sua língua e herança cultural através do sistema educativo. Segundo

Skutnabb-Kangas (1981), o bilinguismo é aqui entendido não como uma fase de

transição para o monolinguismo, mas antes como uma situação boa e desejável.

Contrariamente aos objectivos locais, os objectivos internacionais prevêem que o

ensino de línguas tem objectivos que ultrapassam a própria comunidade. É o caso do

ensino do Inglês em todo o mundo. Existem muitos tipos de objectivos internacionais,

dependendo das razões que internacionalmente exigem o ensino de uma determinada

língua: exigências profissionais e de progressão na carreira, comércio internacional,

relações diplomáticas, viagens, acesso à investigação/informação e acesso ao ensino

superior em países estrangeiros são exemplos dessas razões. No caso do acesso ao ensino

superior, a exigência de uma LE pode verificar-se no próprio país, quando a língua

oficial de instrução não é a LM. É o caso da Universidade Nacional de Singapura, cuja

língua de instrução é o Inglês, ou da Universidade Nacional de Timor Leste, onde se usa

Bahasa e Português. Neste tipo de situação, o que mais importa para os estudantes não é

a própria língua de instrução mas a informação ou matéria adquirida através dela. Por

outro lado, a língua nacional também se admite como parte integral de uma aula. É o

caso de Timor Leste, onde se usa Tetun no ensino superior.

Os objectivos internacionais são aqueles que justificam, em grande medida, o

ensino de determinadas línguas estrangeiras nas escolas e relacionam-se sobretudo com a

motivação extrínseca dos alunos, embora se verifique também, em camadas mais jovens

ou em contextos socialmente desfavorecidos, que essa motivação não existe. Nestas

situações, torna-se importante investir também nos objectivos de natureza mais

individual.

Os objectivos individuais, mais directamente relacionados com a motivação

intrínseca, prendem-se sobretudo com a necessidade/ interesse dos alunos pelas línguas-

24

culturas estrangeiras, vontade de conhecer outras realidades e aceder a mundos culturais

diversos, predisposição para a comunicação intercultural e curiosidade face a outros

mundos. Por exemplo: no Japão, os programas de Inglês estabelecem como um dos seus

objectivos: “To heighten an interest in language and culture, thus increasing international

understanding”; também o currículo nacional do Reino Unido prevê que os alunos

“Come in contact with native speakers in this country and, where possible, abroad and

identify with the experiences perspectives of people in this countries and communities”.

A aprendizagem de línguas também pode favorecer o desenvolvimento cognitivo

dos alunos como competência transversal e há vários autores que apontam vantagens do

bilinguismo neste sentido (por exemplo, Zeev, 1977; Bialystok, 1990; Ianco-Worral,

1972). Por outro lado, pode promover valores educativos como a solidariedade, a

aceitação da diferença, a autonomia ou o espírito crítico. Por exemplo, no caso da

Malásia, os objectivos do ensino de línguas englobam “the virtues of good citezenship,

moral values and the Malaysian way of life”. Segundo o que Dickinson afirmou (1987:

92), “A democratic society protects its democratic ideals through an educational process

leading to independent individuals able to think for themselves”. Nesta perspectiva, o

ensino de línguas pode favorecer a mudança e o progresso social. Segundo Freire (1972),

a maneira de resolver um conflito contínuo entre opressor e oprimido é através de

“problem posing dialogues” entre professores e estudantes, o que leva ambos a tornar-se

mais conscientes em relação aos problemas que fazem parte da sua vida e à sua solução.

Embora esta secção se tenha afastado um pouco do objecto específico deste

estudo – o recurso à LM na aula de LE – , pareceu-nos importante referir alguns factores

que afectam a aprendizagem das línguas, já que as relações LM-LE extravasam os

acontecimentos e circunstâncias particulares da sala de aula, reportando-nos para os

contextos mais alargados em que a educação linguística ocorre.

Passamos, de seguida, à explanação da metodologia de investigação seguida.

25

CAPÍTULO 3: METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

Neste capítulo descrevem-se os procedimentos utilizados para atingir os

objectivos do trabalho. Começa-se com uma descrição sumária do estudo (secção 3.1),

passando-se depois à caracterização dos professores e alunos participantes (secção 3.2) e

à apresentação dos instrumentos de recolha de informação (secção 3.3).

3. 1 Apresentação sumária do estudo

O estudo implicou o inquérito a duas professoras de Inglês (efectivas nas

respectivas escolas, uma em Braga e outra no Porto) e aos seus alunos de 9º ano e 11º

ano (num total de 143), assim como aos respectivos encarregados de educação (num total

de 47) e ainda a uma especialista de Didáctica das Línguas. Teve como objectivos, com

ênfase nos dois primeiros:

1. Identificar as percepções dos participantes sobre o papel da LM na aula de LE;

2. Comparar as percepções dos diferentes tipos de participantes sobre o papel da LM na

aula de LE (Inglês);

3. Traçar, com base na análise das respostas obtidas, algumas orientações gerais para o

ensino e formação de professores de LE, no âmbito da temática do estudo.

O interesse do investigador por esta temática relaciona-se com a sua experiência

pessoal enquanto aluno, professor de LE e formador de professores de LE em Timor

Leste, onde o uso da LM nas aulas de LE é muito frequente e onde existe pouca reflexão

sobre este domínio. A realização do estudo, embora num contexto diferente, permite

retirar algumas implicações para o ensino e a formação de professores que podem ser

úteis no seu próprio contexto profissional.

Trata-se de um estudo de sondagem em pequena escala, de natureza descritiva,

centrado em percepções dos participantes sobre diversas dimensões relativas ao uso da

LM na aula de LE em contexto escolar. O recurso ao inquérito por questionário permite

compreender o que os sujeitos pensam sobre este assunto, assim como identificar as suas

percepções acerca das suas práticas. A diversidade dos participantes permite ainda obter

diferentes pontos de vista sobre o mesmo assunto. No caso dos encarregados de

26

educação, e dada a importância do seu papel na educação, entendeu-se que seria

importante saber a sua opinião sobre alguns aspectos gerais da temática do estudo, que

podemos comparar com as opiniões dos alunos e professoras. Responderam ao

questionário 47 encarregados da educação, 31 de uma escola (Braga) e 16 de outra

(Porto), e um dos aspectos que importa desde já realçar é que todos revelam uma atitude

muito positiva face à aprendizagem do Inglês como LE, como se pode ver no Quadro 1,

relativo a uma das perguntas do questionário.

Quadro 1- Atitude dos encarregados de educação face à aprendizagem do Inglês

CT f

%

CP f

%

D f

%

SO f

% É muito importante que o meu filho/ a minha filha aprenda Inglês 47

100 - -

- -

- -

CT: Concordo Totalmente CP: Concordo em Parte D: Discordo SO: Sem Opinião

As professoras inquiridas voluntariaram-se a participar no estudo ainda no âmbito

da componente curricular do Mestrado em que se integra este projecto e que também

frequentavam, e foi através delas que os alunos e encarregados de educação foram

inquiridos. A especialista consultada, Ana Isabel Andrade, docente e investigadora da

Universidade de Aveiro, foi entrevistada por E-mail, por intermédio da orientadora da

dissertação, a quem enviou as respostas igualmente por E-mail. A escolha desta

especialista deve-se ao facto de realizar trabalho na área do recurso à LM na aula de LE

(principalmente no contexto do ensino e aprendizagem do Francês em Portugal).

3.2 Caracterização das professoras e dos alunos

A caracterização das professoras e dos alunos será aqui feita com base nalguns

dados recolhidos nos questionários que lhes foram administrados (v. Anexos 1 e 2,

respectivamente). Por questões de anonimato, as professoras serão designadas por A e B.

A professora A exerce funções numa Escola Secundária da cidade de Braga e a

professora B exerce funções numa Escola Secundária da cidade do Porto. O Quadro 2

resume informação de caracterização geral de cada uma delas. Trata-se de professoras

experientes, com formação especializada em Supervisão Pedagógica em Ensino de

Línguas Estrangeiras (componente curricular do curso de Mestrado), mas sem formação

específica sobre o papel da LM na aula de LE.

27

Quadro 2 – Caracterização das professoras

Itens do questionário Prof. A (Braga)

Prof. B (Porto)

1. Tempo de serviço 18 anos 17 anos 2. Tempo de serviço na escola 7 anos 12 anos 3. Disciplinas leccionadas Inglês Inglês 4. Níveis de LE leccionados 3, 4, 5, 6, 7 Todos (1-8) 5. Leccionação de cursos extra-escolares de LE Não Sim 6. Acções de formação em DLE Com Frequência Com Frequência 7. Acções de formação sobre o papel da LM Não Não 8. Leituras sobre o papel da LM Não Sim

Os alunos inquiridos, num total de 143, distribuem-se do seguinte modo:

Quadro 3 – Distribuição dos alunos

Distribuição dos Alunos (Total= 143) Prof. A Prof. B

9º ano de escolaridade (nível 5 de Inglês) --- 3 turmas=83 [27+28+28]

11º ano de escolaridade (nível 7 de Inglês) 3 turmas= 48 [17+16+15] 1 turma= 12

Dos alunos de 11º ano da professora A, uma turma (15 alunos) frequentava o

curso Científico-Natural, outra (16 alunos) frequentava o Curso Tecnológico de

Informática e a terceira (17 alunos) frequentava o Curso Tecnológico de Administração.

Quanto aos alunos da professora B, frequentavam um Curso Científico-Tecnológico da

área de Ciências.

Quando consideramos globalmente a amostra dos alunos do 9º ano, a sua idade

distribui-se entre os 13 e os 16 anos. A maior parte dos alunos situa-se nos 14 anos (84

%), seguindo-se os de 13 (7 %), 15 (6 %) e 16 (3 %). Os alunos do 11º ano têm entre 16

e 19 anos de idade. A maioria tem 16 anos (48 %), seguindo-se os de 17 anos (40 %), 19

(7 %) e 18 (5 %).

Os Quadros 4, 5 e 6 resumem a informação recolhida na parte inicial do

questionário, que visava a caracterização geral dos alunos inquiridos (R indica a resposta

dada nas escalas fornecidas):

28

Quadro 4 – Caracterização dos alunos: atitudes, aproveitamento e apoio na aprendizagem

QUESTÕES ANO R f % R f % R f % N %

4 9º SIM 71 85 NÃO 12 15 83 100 Gostas da disciplina de Inglês? 11º SIM 50 83 NÃO 10 17 60 100

5 9º SIM 82 99 NÃO 0 0 NS 1 1 83 100 Achas que o Inglês te vai ser útil no futuro? 11º SIM 52 87 NÃO 5 8 NS 3 5 60 100

6 9º SIM 53 63 NÃO 6 7 AV 24 30 83 100 Costumas ter boas notas em Inglês? 11º SIM 20 23 NÃO 11 19 AV 29 48 60 100

7 9º SIM 3 4 NÃO 80 96 83 100 Já reprovaste na disciplina de Inglês? 11º SIM 13 21 NÃO 47 79 60 100

8 9º SIM 23 28 NÃO 60 72 83 100 Tens ou já tiveste apoios de fora da escola? 11º SIM 11 19 NÃO 49 81 60 100

9 9º SIM 70 85 NÃO 13 15 83 100 Tens alguém em casa que saiba Inglês? 11º SIM 33 55 NÃO 27 45 60 100

NS: Não Sei AV: Às Vezes

O Quadro 4 permite observar que as atitudes dos alunos face à aprendizagem da

LE são maioritariamente positivas e que a maioria não reprovou em anos anteriores na

disciplina, embora sejam variáveis as classificações obtidas (questão 6). A maioria dos

alunos não tem apoios externos à aprendizagem da LE (por exemplo, explicações), mas

tem familiares ou amigos que sabem Inglês. No Quadro 5, apresentam-se dados relativos

à questão: Que recursos tens em casa para apoiar a tua aprendizagem do Inglês? Os

alunos podiam assinalar cinco tipos: livros (l), revistas (r), enciclopédias (e), dicionários

(d) e a internet (i). Pelo dados apresentados, verifica-se que são diversificados os

recursos disponíveis e que muitos alunos possuem mais do que um dos recursos

indicados.

Quadro 5 – Caracterização dos alunos - recursos disponíveis em casa

RECURSOS ANO f % lredi 9º 15 18

11º 10 16 ldi 9º 16 20

11º 7 11 ledi 9º 14 15

11º 6 10 edi 9º 9 10

11º 3 5 led 9º 1 1

11º 1 2 d 9º 2 2 11º 5 8

rdi 9º 3 4 11º 0 0

29

redi 9º 3 4 11º 1 2

ed 9º 2 2 11º 1 2

li 9º 2 2 11º 1 2

di 9º 6 7 11º 9 15

ld 9º 1 1 11º 2 3 l 9º 3 4 11º 1 2 i 9º 3 4 11º 3 5

lri 9º 1 1 11º 3 5

lrdi 9º 1 1 11º 3 5

lred 9º 1 1 11º 0 0

lei 9º 2 2 11º 1 2

lr 9º 1 1 11º 1 2

rd 9º 0 0 11º 1 2

ei 9º 0 0 11º 1 2

No Quadro 6, apresentam-se dados relativos ao contacto dos alunos com a LE e

ao uso da LE e da LM na aula. Quadro 6 – Caracterização dos alunos: contacto com a LE e uso da LE e da LM na aula

QUESTÕES ANO R f % R f % R f % R f % N %

11 9º MV 13 15 AV 40 49 R 25 30 N 5 6 83 100 Costumas falar Inglês fora da

escola? 11º MV 12 20 AV 22 37 R 22 37 N 4 6 60 100

12 9º MV 4 6 AV 36 42 R 42 51 N 1 1 83 100 O teu professor do ano passado costumava falar em Português?

11º MV 7 11 AV 43 72 R 10 17 N 0 0 60 100

13 9º MV 2 3 AV 29 34 R 50 60 N 2 3 83 100 A tua professora deste ano

costuma falar em Português? 11º MV 4 7 AV 27 45 R 27 45 N 2 3 60 100

14 9º MV 10 12 AV 52 62 R 20 25 N 1 1 83 100 E tu? Costumas falar em

Português nas aulas de Inglês? 11º MV 23 39 AV 26 43 R 9 15 N 2 3 60 100

15 9º MV 4 5 AV 21 26 R 32 39 N 26 30 83 100 Quando a tua professora fala em

Inglês, sentes dificuldade em compreendê-la?

11º MV 5 7 AV 29 49 R 16 26 N 10 17 60 100

16 9º SIM 13 15 NÃO 70 85 83 100 Achas que ela devia falar mais em

Português nas aulas? 11º SIM 13 21 NÃO 47 79 60 100

MV: Muitas Vezes AV: Às Vezes R: Raramente N: Nunca

30

Conforme os dados obtidos, só 6 % de alunos é que nunca praticam oralmente a

LE fora da aula; 37 % no 11º e 30 % do 9º ano raramente o fazem. Quanto ao uso da

LM na aula, os alunos usam-na mais do que as professoras. Contudo, a maioria afirma

que raramente ou nunca sentem dificuldades em compreender a professora quando esta

fala em Inglês e são de opinião que esta não deve falar mais em Português nas aulas.

Estes dados apontam a existência de representações positivas dos alunos face ao uso da

língua-alvo na aula.

3. 3 Instrumentos de recolha de informação

Os questionários, administrados em Novembro de 2006, foram todos elaborados

pelo investigador em função dos objectivos do estudo e tendo em conta a literatura sobre

a temática, tendo-se feito uma consulta a uma especialista de Didáctica das Línguas da

Universidade do Minho para a validação de conteúdo do questionário dirigido às

professoras. Os questionários para alunos e pais foram construídos à luz deste

questionário, dispensando-se dessa forma o procedimento de consulta realizado com o

primeiro questionário. A entrevista à especialista da Universidade de Aveiro, enviada por

E-mail em Março de 2007 por intermédio da orientadora do projecto, foi construída

sobretudo com base em interesses do investigador no âmbito dos objectivos do trabalho,

visando complementar a informação obtida com os questionários. Passa-se, de seguida, à

apresentação de cada um dos instrumentos, que podem ser consultados nos Anexos 1-4.

3.3.1 Questionário às professoras

O questionário administrado às professoras (v. Anexo 1) é constituído por uma

parte introdutória de caracterização geral das participantes, seguida de quatro secções (A,

B, C e D).

Secção A: Representações sobre aspectos gerais da temática

Aqui, foram apresentadas oito afirmações sobre alguns aspectos gerais

identificados na revisão de literatura sobre a temática do estudo, face às quais as

31

professoras se posicionaram numa escala de concordância, justificando brevemente a

sua resposta. As afirmações apresentadas eram as seguintes:

1. Idealmente, a LM não deve ser usada na aula de LE. 2. O único objectivo da aprendizagem de uma LE é desenvolver competências de comunicação nessa língua. 3. A aquisição de uma LE é facilitada se os alunos tiverem oportunidades de usar essa língua fora da sala de aula (falar, ouvir, ler, escrever) 4. O ensino de uma LE torna-se mais difícil em turmas com alunos de LMs diferentes. 5. Idealmente, os professores de uma determinada LE deveriam ser falantes nativos dessa língua. 6. A aprendizagem de uma LE torna-se mais eficaz se ela for língua de instrução noutras disciplinas do currículo. 7. A introdução de uma LE no 1º ciclo habitua os alunos a usar essa língua com mais naturalidade desde muito cedo. 8. O professor de LE deveria ter formação sobre o papel da LM no ensino/ aprendizagem de uma LE.

Secção B: Razões para o uso da LE na aula

Nesta secção, e usando uma escala de importância, as professoras posicionaram-

se face a um conjunto de sete razões para usar e promover o uso da LE na aula, em níveis

de iniciação (1-3) e mais avançados (4-8):

Níveis de iniciação (1-3) Níveis mais avançados (4-8)

Razões para o uso da LE MI I PI NI SO MI I PI NI SO

1. Promover o desenvolvimento de competências de comunicação na LE

2. Motivar os alunos para a aquisição da LE

3. Criar hábitos de uso da LE em variadas situações

4. Reduzir a interferência negativa da LM na aprendizagem da LE

5. Acelerar o processo de ensino/ aprendizagem, de modo a cumprir o programa

6. Preparar bem os alunos para os testes/ exames

7. Facilitar a gestão do comportamento dos alunos (por ex., em situações de indisciplina)

Outras (acrescente):

MI: Muito Importante I: Importante PI: Pouco Importante NI: Nada Importante SO: Sem Opinião

Secção C: Razões para o uso da LM na aula

Nesta secção, e usando uma escala de importância, as professoras posicionaram-

se face a um conjunto de quinze razões para usar e permitir o uso da LM na aula, em

níveis de iniciação (1-3) e mais avançados (4-8):

32

Níveis de Iniciação (1-3) Níveis mais avançados (4-8)

Razões para o uso da LM MI I PI NI SO MI I PI NI SO

1. Criar um bom relacionamento com/ entre os alunos

2. Motivar os alunos para a aquisição da LE

3. Encorajar os alunos mais tímidos ou com mais dificuldades a participar na aula

4. Valorizar a identidade linguística e cultural dos alunos

5. Facilitar a compreensão das instruções para as tarefas

6. Comparar o funcionamento da LM com o da LE

7. Facilitar a compreensão das explicações gramaticais

8. Facilitar a aquisição de vocabulário

9. Facilitar a compreensão do “feedback” que dou aos alunos (por ex., quando trabalham em pares ou grupos)

10. Facilitar a gestão do comportamento dos alunos (por ex., em situações de indisciplina)

11. Facilitar a reflexão sobre o processo de aprendizagem (por ex., actividades de auto-regulação/avaliação)

12. Preparar bem os alunos para os testes/ exames

13. Acelerar o processo de ensino/aprendizagem, de modo a cumprir o programa

14. Dificuldade em ajustar o nível de língua aos alunos em algumas situações de ensino

15. Falta de auto-confiança no uso da LE em algumas situações de ensino

Outras (acrescente):

MI: Muito Importante I: Importante PI: Pouco Importante NI: Nada Importante SO: Sem Opinião

Secção D: Estratégias de evitação ou redução do recurso à LM na aula

Nesta secção, e usando uma escala de frequência, as professoras posicionaram-se

face a um conjunto de onze estratégias que usam para evitar ou reduzir o uso da LM na

aula:

33

Estratégias para evitar o recurso à LM MF F R N

1. Recurso à mímica

2. Recurso a imagens

3. Recurso a objectos (“realia”)

4. Simplificação da linguagem (por ex., uso de estruturas frásicas/ vocabulário ajustados ao nível dos alunos; selecção de textos adequados)

5. Explicação/ paráfrase (por ex., definir o sentido de uma palavra que se considera difícil)

6. Recurso simultâneo às duas línguas (por ex., escrever na LM o que se diz na LE, ou vice-versa; dizer/ escrever nas duas línguas)

7. Encorajamento dos alunos para o uso da LE (por ex., se um aluno usa a LM, o professor traduz para a LE e/ou ajuda o aluno a repetir em LE o que disse na LM)

8 Criação de situações frequentes de interacção oral para os alunos se habituarem a usar a LE na aula

9. Fornecimento de palavras, expressões e frases de uso frequente na aula (“classroom language”)

10. Proibição e reforço negativo do uso da LM na aula (por ex., através da crítica ou punição)

11. Reforço positivo do uso da LE na aula (por ex., através do elogio ou da recompensa)

Outras (acrescente):

MF: Muito Frequentemente F: Frequentemente R: Raramente N: Nunca

3.3.2 Questionário aos alunos

O questionário administrado aos alunos pelas suas professoras (v. Anexo 2) inclui

também uma parte inicial de caracterização dos participantes, seguida de quatro secções

(A, B, C e D) onde se retomam alguns aspectos do questionário às professoras, embora

numa linguagem mais simplificada, reformulando alguns deles da perspectiva do aluno

(por ex., estratégias de evitação da LM).

Secção A: Representações sobre aspectos gerais da temática

Aqui, foram apresentadas quatro afirmações sobre alguns aspectos gerais

incluídos no questionário às professoras, face às quais os alunos se posicionaram numa

escala de concordância. As afirmações eram as seguintes:

1. Nas aulas de Inglês, o professor deve usar sempre o Inglês.

2. Nas aulas de Inglês, os alunos devem usar sempre o Inglês.

3. A aprendizagem do Inglês é mais fácil se os alunos tiverem oportunidades de usar essa língua

fora da sala de aula (falar, ouvir, ler, escrever).

4. Os professores de Inglês deviam ser Ingleses.

34

Secção B: Razões para o uso da LE na aula

Nesta secção, e usando uma escala de importância, os alunos posicionaram-se

face a um conjunto de sete razões para se usar LE na aula, que são comuns ao

questionário das professoras:

É importante usar o INGLÊS na aula porque…

1. Desenvolve a capacidade dos alunos para comunicar em Inglês MI I PI NI SO

2. Motiva os alunos para aprender Inglês MI I PI NI SO

3. Cria nos alunos o hábito de usar o Inglês MI I PI NI SO

4. Faz com que os alunos se sintam menos influenciados pelo Português MI I PI NI SO

5. Permite ao professor cumprir o programa mais rapidamente MI I PI NI SO

6. Prepara melhor os alunos para os testes/ exames MI I PI NI SO

7. Ajuda a controlar o comportamento dos alunos na aula MI I PI NI SO

Outras razões (acrescenta):

MI: Muito Importante I: Importante PI: Pouco Importante NI: Nada Importante SO: Sem Opinião

Secção C: Razões para o uso da LM na aula

Nesta secção, e usando uma escala de importância, os alunos posicionaram-se

face a um conjunto de treze razões para usar a LM na aula, que também figuram no

questionário das professoras:

É importante usar o PORTUGUÊS na aula porque…

1. Ajuda a criar uma boa relação entre os alunos e destes com o professor MI I PI NI SO

2. Motiva os alunos para aprender Inglês MI I PI NI SO

3. Encoraja os alunos mais tímidos ou com mais dificuldades a participar na aula MI I PI NI SO

4. Valoriza a identidade linguística e cultural dos alunos MI I PI NI SO

5. Facilita a compreensão das instruções para as actividades MI I PI NI SO

6. Permite comparar o funcionamento das duas línguas (Português e Inglês) MI I PI NI SO

7. Facilita a compreensão das explicações gramaticais MI I PI NI SO

8. Facilita a aquisição de vocabulário MI I PI NI SO

9. Facilita a compreensão do apoio que o professor dá aos alunos (por ex., quando trabalham em pares ou grupos)

MI I PI NI SO

10. Ajuda a controlar o comportamento dos alunos na aula MI I PI NI SO

11. Facilita a reflexão dos alunos sobre o processo de aprendizagem (por ex., reflectir sobre as dificuldades, dar sugestões ao professor, etc.)

MI I PI NI SO

12. Permite ao professor cumprir o programa mais rapidamente MI I PI NI SO

13. Prepara melhor os alunos para os testes/ exames MI I PI NI SO

Outras razões (acrescenta):

MI: Muito Importante I: Importante PI: Pouco Importante NI: Nada Importante SO: Sem Opinião

35

Secção D: Estratégias de evitação ou redução do recurso à LM na aula

Nesta secção, e usando uma escala de frequência, os alunos posicionaram-se face

a um conjunto de nove estratégias que usam para evitar o uso da LM na aula:

As minhas estratégias para evitar o uso do Português na aula: 1. Fico calado(a) para não cometer erros MF F R N 2. Uso gestos ou recorro a imagens e objectos (por ex., para explicar uma palavra ou uma ideia que não consigo exprimir em Inglês)

MF F R N

3. Simplifico a frase que quero dizer ou escrever MF F R N 4. Explico por outras palavras o significado das palavras que não sei, ou uso palavras sinónimas mais simples

MF F R N

5. Invento palavras a partir do Português, mas com pronúncia inglesa MF F R N 6. Misturo o Português e o Inglês na mesma frase MF F R N 7. Falo em Inglês, mas com a estrutura do Português (Ex.: “How many years do you have?” em vez de “How old are you?”)

MF F R N

8. Peço ajuda ao professor MF F R N 9. Peço ajuda a colegas MF F R N Outras estratégias (acrescenta): MF: Muito Frequentemente F: Frequentemente R: Raramente N: Nunca

3.3.3 Questionário aos encarregados da educação

O questionário administrado aos encarregados de educação (v. Anexo 3) foi

entregue aos alunos pelas professoras e recolhido por estas. Inclui apenas um conjunto de

cinco afirmações como uma escala de concordância, quatro das quais (questões 2-5) são

comuns aos questionários a professoras e alunos (secção A). As afirmações eram as

seguintes:

1. É muito importante que o meu filho/ a minha filha aprenda Inglês.

2. Nas aulas de Inglês, o professor deve usar sempre o Inglês.

3. Nas aulas de Inglês, os alunos devem usar sempre o Inglês.

4. Aprender Inglês é mais fácil se os alunos tiverem oportunidades de usar essa língua fora da sala

de aula (falar, ouvir, ler, escrever em Inglês).

5. Os professores de Inglês deviam ser Ingleses.

3.3.4 Entrevista a uma especialista

A entrevista (v. Anexo 4), efectuada por E-mail através da orientadora da

dissertação, consiste num conjunto de nove perguntas abertas:

36

1. Acha que é possível e desejável ensinar uma LE sem recurso à LM dos alunos? Por favor, justifique a sua resposta.

2. Na sua opinião, que funções pode desempenhar a LM dos alunos na aprendizagem de uma LE? 3. Considerando que a aprendizagem de uma LE em contexto escolar é feita com cargas horárias

muito limitadas, em que medida o recurso à LM pode ser eficaz sem perturbar a aquisição da competência de comunicação em LE?

4. Qual é a sua posição face a práticas extremas de proibição e abuso da LM pelos professores de LE?

5. Reconhece-se hoje que o recurso à LM é valorizado em determinadas abordagens. Será que os professores estão preparados para fazer uma gestão equilibrada desse recurso sem prejudicar o objectivo de desenvolver a competência de comunicação dos alunos na LE? Não se correrá o risco de exagero, fazendo-se da LM o instrumento privilegiado da comunicação autêntica e da LE um mero objecto de estudo?

6. Considera ser necessário que os professores de LE tenham formação sobre o recurso à LM na aula de LE? Qual será o objectivo desta formação?

7. Em contextos plurilingues, como é o caso de Timor Leste, onde existem 26 línguas maternas e onde o professor não conhece essas ou muitas dessas línguas, como fazer a gestão do recurso à LM? A que língua materna recorrer?

8. A maior parte dos autores concordam com o recurso à LM na explicação gramatical e vocabular (termos abstractos). Contudo, em contextos como o de Timor Leste muitas das LMs existentes não têm os conceitos gramaticais ou lexicais equivalentes aos da LE. Será então necessário ou eficaz recorrer à LM em situações deste tipo?

9. A problematização das questões do recurso à LM na aula de LE tem-se centralizado em países europeus como a Inglaterra, França e Suíça, e também no Canadá. Pensa que os resultados de estudos realizados nesses contextos poderão ou deverão ser generalizados para contextos com características distintas, como por exemplo Timor Leste, onde é necessário ter em conta características /factores regionais tais como a forte tradição de uma pedagogia tradicional, o plurilinguismo (diversidade de LMs), os objectivos e necessidades linguísticas locais e individuais, o currículo nacional, etc…?

As perguntas 7, 8 e 9 decorrem de interesses do investigador mais directamente

relacionados com o seu contexto de trabalho. As respostas fornecidadas nesta entrevista

foram cruzadas com dados dos questionários.

Apresentada a metodologia do estudo, passamos de seguida à apresentação e

análise da informação obtida.

37

CAPÍTULO 4: ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES SOBRE O USO

DA LM NA AULA DE LE

Neste capítulo, são apresentados e analisados os resultados obtidos junto dos

participantes, em função das dimensões contempladas nos questionários. Em cada uma

das secções do capítulo, partimos das respostas das professoras e apresentamos dados

comparativos dos alunos (agrupados por ano de escolaridade) e encarregados de

educação (na globalidade), integrando ainda as opiniões da especialista consultada a

propósito dos tópicos que forem sendo tratados.

O capítulo organiza-se nos seguintes pontos:

4.1 Percepções sobre questões gerais da LM-LE

4.2 Percepções sobre as funções da LE na aula

4.3 Percepções sobre as funções da LM na aula

4.4 Percepções sobre as estratégias para evitar a LM na aula

4.1 Percepções sobre questões gerais da LM-LE

O Quadro 7 sintetiza as respostas das duas professoras (A e B) à parte A do

questionário, onde se posicionaram face a um conjunto de afirmações gerais numa escala

de concordância, apresentado justificações que se transcrevem no Quadro.

De salientar que nenhuma das professoras rejeita a possibilidade de se usar a LM

na aula de LE, embora reconheçam que o principal objectivo do ensino de uma LE é o

desenvolvimento da competência de comunicação dos alunos e que quanto mais estes

usarem essa língua mais desenvolverão essa competência. Num comentário final, a

professora A acrescenta: “nunca devemos esquecer que a maior parte dos alunos só tem

oportunidade de praticar o uso da LE nas aulas que tem na escola. Daí que estas devem

ser essencialmente na LE. Todos os anos me surpreendo em Setembro quando alguns

alunos me dizem, ó s’tora, vai dar as aulas em Inglês?!!! Isto significa que na

experiência que trazem de aprendizagens anteriores, talvez o tal uso equilibrado entre

LM e LE não tenha sido conseguido de melhor forma”. Apesar da valorização do uso da

LE na aula, nenhuma das professoras concorda que o professor deve ser falante nativo da

LE, privilegiando a formação pedagógica e a relação interpessoal na sala de aula.

38

Quadro 7 – Percepções das professoras sobre questões gerais da LM-LE

Itens do questionário

RA Justificação da Prof. A RB Justificação da Prof. B

1. Idealmente, a LM não deve ser usada na aula de LE.

CP (não apresenta justificação) D A meu ver, idealmente ela só deve ser usada quando esse uso tiver uma intenção pedagógica: explicação vocabular ou gramatical complexa, esclarecimento de aspectos que estejam a impedir o prosseguimento da aula.

2. O único objectivo da aprendizagem de uma LE é desenvolver competências de comunicação nessa língua.

CP É sem dúvida o principal objectivo, o que não quer dizer que o aluno não faça uso de competências já adquiridas na LM.

D Para além do objectivo referido, há a vertente intercultural que não deverá ser ignorada, uma vez que se ensina língua-cultura.

3. A aquisição de uma LE é facilitada se os alunos tiverem oportunidades de usar essa língua fora da sala de aula (falar, ouvir, ler, escrever).

CT (não apresenta justificação) CT Reconheço que quando as famílias falam a LE ou quando os alunos viajam ou frequentam institutos de LE, adquirem mais facilmente a sua estrutura e especificidade.

4. O ensino de uma LE torna-se mais difícil em turmas com alunos de LMs diferentes.

CP As dificuldades são desvalorizadas face ao enriquecimento cultural que tal situação proporciona.

SO Não tenho experiência no assunto.

5. Idealmente, os professores de uma determinada LE deveriam ser falantes nativos dessa língua.

D Mais importante do que o facto de ser um falante nativo é saber ensinar.

D Depende um pouco do nível de leccionação. Mas por vezes há prof. falantes nativos, sem preparação didáctica/pedagógica, que têm um desempenho profissional com lacunas a esse nível. Também a relação interpessoal com os alunos é relevante, para o estabelecimento de uma relação pedagógica desejável – sem fossos a nível da comunicação.

6. A aprendizagem de uma LE torna-se mais eficaz se ela for língua de instrução noutras disciplinas do currículo.

CT Mas em Portugal só acontece essa situação nos colégios particulares de Inglês /Alemão.

D Nunca senti que esse aspecto fosse vinculativo para uma aprendizagem satisfatória.

7. A introdução de uma LE no 1º ciclo habitua os alunos a usar essa língua com mais naturalidade desde muito cedo.

CT (não apresenta justificação) CT A aprendizagem de uma LE está directamente relacionada com a faixa etária dos alunos. As crianças muito jovens adquirem a LE de forma espontânea, sem esforço, permitindo atingir níveis de proficiência e fluência elevados.

8. O professor de LE deveria ter formação sobre o papel da LM no ensino/ aprendizagem de uma LE.

CT É essencial saber quais os momentos mais adequados ao uso da LM e as razões que o justificam.

CP Parece-me que esse papel é de considerar, contudo tenho dúvidas se essa formação não é veiculada pela própria experiência de ensino.

CT: Concordo Totalmente CP: Concordo Parcialmente D: Discordo SO: Sem Opinião

RA: resposta da Professora A / RB: resposta da Professora B

39

Se compararmos as percepções das professoras sobre o uso da LE na aula (item

1) com as tendências de resposta dos alunos e respectivos encarregados de educação

(EE), podemos concluir que são bastante convergentes, como se verifica no Quadro 8.

Quadro 8 – Percepções dos alunos e encarregados de educação sobre o uso da LM/LE

CT f

%

CP f

%

D f

%

SO f

% Al.9º

(N=83) 26 31

50 60

6 8

1 1

Nas aulas de Inglês, o professor deve usar sempre o Inglês Al.11º (N=60)

15 25

37 62

8 13

- -

EE (N=47)

17 36

28 60

2 4

- -

Al.9º (N=83)

31 37

46 56

5 6

1 1

Nas aulas de Inglês, os alunos devem usar sempre o Inglês Al.11º (N=60)

22 36

31 52

7 12

- -

EE (N=47)

19 41

26 55

2 4

- -

CT: Concordo Totalmente CP: Concordo em Parte D: Discordo SO: Sem Opinião

Al: Alunos EE: Encarregados de Educação

Ainda quanto a este assunto, a opinião da especialista consultada é a seguinte:

Acha que é possível e desejável ensinar uma LE sem recurso à LM dos alunos? Por favor,

justifique a sua resposta. (questão 1 da entrevista)

“Acho possível, quando o professor não conhece a LM dos alunos, mas mais difícil porque a

mobilização de conhecimentos linguístico-comunicativos prévios fica a cargo do aprendente.”

Qual é a sua posição face a práticas extremas de proibição e abuso da LM pelos professores de

LE? (questão 4 da entrevista)

“Julgo que não posso deixar de ser contra, dada a importância das identidades linguístico-

comunicativas na construção dos sujeitos, dada a importância de repertórios linguístico-

comunicativos diversificados, complexos, dinâmicos. De acordo com vários autores que têm

estudado esta questão, a aprendizagem é facilitada se o aprendente é capaz de relacionar novos

conhecimentos com aqueles que já possui (Ringbom, 1987, na linha de Vygostky, 1985; Bruner,

1983; Bialystok, 1994).”

40

No tocante ao item “O único objectivo da aprendizagem de uma LE é

desenvolver competências de comunicação nessa língua”, ambas pensam que aprender

uma LE não terá como objectivo único desenvolver competências de comunicação,

sendo a dimensão cultural da aprendizagem salientada pela professora B. No entanto,

nenhuma delas refere outras finalidades educativas apontadas no capítulo 2, como o

desenvolvimento de valores e da autonomia.

No que se refere ao item “A aquisição de uma LE é facilitada se os alunos

tiverem oportunidades de usar essa língua fora da sala de aula”, as duas professoras têm

uma opinião concordante, o que é consonante com a importância conferida na literatura à

frequência do uso de uma LE para a sua aquisição.

Quanto aos alunos, a sua opinião é também globalmente concordante:

Quadro 9 – Percepções dos alunos sobre o uso da LE fora da aula CT

f %

CP f

%

D f

%

SO f

% A aprendizagem do Inglês é mais fácil se os alunos tiverem

oportunidades de usar essa língua fora da sala de aula Al.9º

(N=83) 61 74

19 23

- -

3 3

(falar, ouvir, ler, escrever) Al.11º (N=60)

41 68

16 27

1 1

2 4

CT: Concordo Totalmente CP: Concordo em Parte D: Discordo SO: Sem Opinião

Apresenta-se, em seguida, a opinião da especialista sobre a questão da frequência

do uso da LE-LM:

Considerando que a aprendizagem de uma LE em contexto escolar é feita com cargas horárias

muito limitadas, em que medida o recurso à LM pode ser eficaz sem perturbar a aquisição da

competência de comunicação em LE? (questão 3 da entrevista)

“O recurso à LM potencia os espaços e os processos de reflexão linguística, comunicativa e

cognitiva e, como tal, potencia o desenvolvimento plurilingue do sujeito.”

Em relação ao item “O ensino de uma LE torna-se mais difícil em turmas com

alunos de LMs diferentes”, a professora A refere-se à importância do enriquecimento

cultural e a professora B não manifesta opinião porque não tem experiência desse tipo de

situação, que é aquela que caracteriza o contexto profissional do investigador, onde é

41

possível encontrar turmas de alunos com 36 línguas maternas. Nestes casos, como gerir a

turma? E qual será a LM a usar como recurso se necessário?

Esta foi uma das questões que foram colocadas à especialista consultada:

Em contextos plurilingues, como é o caso de Timor Leste, onde existem 26 línguas maternas e

onde o professor não conhece essas ou muitas dessas línguas, como fazer a gestão do recurso à

LM? A que língua materna recorrer? (questão 7 da entrevista)

“O professor pode apelar a actividades de mobilização da LM dos alunos sem a conhecer,

confiando-lhes um trabalho de explicitação das semelhanças e diferenças dos sistemas

linguísticos que os aprendentes dominam. A que língua pode o professor recorrer só a situação

comunicativa da turma o pode determinar, não esquecendo que os alunos podem (e devem)

desempenhar o papel de mediadores. Talvez a aprendizagem de uma LE seja sempre um

processo de mediação entre línguas que já dominamos, em maior ou menor grau, e uma língua

que queremos vir a dominar.”

No tocante do item “Idealmente, os professores de uma determinada LE

deveriam ser falantes nativos dessa língua”, e como já referimos, ambas as professoras

discordam, salientando a importância da competência pedagógica e da relação

interpessoal com os alunos. Vimos, no capítulo 2, que este é um dos aspectos mais

controversos na literatura, e que alguns dos argumentos aí apontados coincidem com os

das professoras.

As opiniões dos alunos e dos encarregados de educação sobre esta questão

dividem-se, embora sejam tendencialmente também discordantes:

Quadro 10 – Percepções dos alunos e encarregados de educação sobre a LM do professor

CT f

%

CP f

%

D f

%

SO f

% Al.9º

(N=83) 6 7

20 24

45 55

12 14

Os professores de Inglês deviam ser Ingleses Al.11º (N=60)

1 1

5 9

49 81

5 9

EE (N= 47)

11 23

- -

30 64

6 13

CT: Concordo Totalmente CP: Concordo em Parte D: Discordo SO: Sem Opinião

Al.: Alunos EE: Encarregados de Educação

42

Relativamente ao item “A aprendizagem de uma LE torna-se mais eficaz se ela

for língua de instrução noutras disciplinas do currículo”, as professoras têm opiniões

distintas. A professora A concorda totalmente, embora refira que em Portugal isso só

acontece em colégios particulares de Inglês /Alemão, ao passo que a professora B

discorda, afirmando que nunca sentiu que esse aspecto fosse determinante para uma

aprendizagem satisfatória. Vimos, no capítulo 2, que pode haver vantagens e

desvantagens neste tipo de situação, na medida em que, se por um lado os aumenta a

frequência do uso da LE como meio de comunicação, por outro lado os alunos com

dificuldades nessa língua terão também dificuldades em compreender o conteúdo da

instrução.

A respeito do item “A introdução de uma LE no 1º ciclo habitua os alunos a usar

essa língua com mais naturalidade desde muito cedo”, ambas as professoras concordam

totalmente e a professora B salienta o seguinte: “A aprendizagem de uma LE está

directamente relacionada com a faixa etária dos alunos. As crianças muito jovens

adquirem a LE de forma espontânea, sem esforço, permitindo atingir níveis de

proficiência e fluência elevados”. O ensino de uma LE no 1º ciclo do Ensino Básico é

uma medida recente em Portugal e ainda não é possível avaliar a sua eficácia, mas a

justificação apresentada por esta professora é um dos pressupostos principais desta

medida.

Em relação ao último item, “O professor da LE deveria ter formação sobre o

papel da LM no ensino/aprendizagem de uma LE”, a professora A concorda totalmente,

justificando que é essencial saber quais os momentos mais adequados ao uso da LM e as

razões que o justificam, ao passo que a professora B concorda apenas parcialmente,

apresentando dúvidas sobre se essa formação não será necessariamente decorrente da

experiência do ensino pessoal.

Sobre este assunto, colocamos duas questões à especialista consultada, uma sobre

a preparação dos professores para um uso equilibrado da LM e LE e outra sobre a sua

formação nesta área. Seguem-se as perguntas e as respostas fornecidas:

Reconhece-se hoje que o recurso à LM é valorizado em determinadas abordagens. Será que os

professores estão preparados para fazer uma gestão equilibrada desse recurso sem prejudicar o

objectivo de desenvolver a competência de comunicação dos alunos na LE? Não se correrá o

risco de exagero, fazendo-se da LM o instrumento privilegiado da comunicação autêntica e da

LE um mero objecto de estudo? (questão 5 da entrevista)

43

“Julgo que esta deve ser uma grande aposta da formação de professores: permitir que a LE seja

também “instrumento de comunicação autêntica”, saber criar espaços de uso autêntico da nova

língua; potenciar as possibilidades reflexivas do recurso à LM. De notar que o sujeito-falante

continua também a aprender a sua LM, num processo de desenvolvimento linguístico-

comunicativo que abrange a totalidade dos seus saberes aquisicionais, linguísticos, culturais,

comunicativos.”

Considera ser necessário que os professores de LE tenham formação sobre o recurso à LM na

aula de LE? Qual será o objectivo desta formação? (questão 6 da entrevista)

“Julgo mesmo que esta formação é imprescindível, sendo o seu maior objectivo a reflexão, por

parte do próprio professor, sobre os recursos linguístico-comunicativos de que dispõe,

observando-os, reflectindo sobre a sua utilização e sobre a possibilidade de os transformar,

tentando fazer da sala de aula um ambiente mais rico e diversificado do ponto de vista

comunicativo. Tal como o professor deve conhecer as actividades de ensino/aprendizagem que

concebe e põe em prática, através dos resultados que obtém nos alunos, também o recurso à LM

deve ser objecto de reflexão, no sentido de poder ser melhorado, num processo que é sempre

individual (isto é, cada professor terá de encontrar os seus espaços de recurso a línguas

anteriores), porque dependente do repertório linguístico e comunicativo daquele que ensina e

das suas convicções sobre o que significa aprender uma nova língua.”

4.2 Percepções sobre as funções da LE na aula

As percepções das duas professoras (A e B) sobre as funções da LE na aula são

apresentadas no Quadro 11. Dele podemos concluir que:

a. As professoras têm opiniões semelhantes sobre as funções da LE;

b. As suas opiniões não são muito variáveis em função dos níveis de

aprendizagem considerados;

c. Todas as funções apontadas são consideradas muito importantes ou

importantes, à excepção de: “Acelerar o processo de ensino/ aprendizagem, de modo a

cumprir o programa” e “Facilitar a gestão do comportamento dos alunos (por ex., em

situações de indisciplina)”; a professora B considera ainda pouco importante a função

“Preparar bem os alunos para os testes/ exames” no caso de níveis mais avançados.

44

Podemos então afirmar que ambas as professoras valorizam o uso da língua-alvo

em todos os níveis de aprendizagem, atribuindo-lhe várias funções. Quadro 11 – Percepções das professoras sobre funções do uso da LE na aula Níveis de iniciação (1-3) Níveis mais avançados (4-8)

Razões para o uso da LE MI I PI NI SO MI I PI NI SO

1. Promover o desenvolvimento de competências de comunicação na LE

AB AB

2. Motivar os alunos para a aquisição da LE AB AB 3. Criar hábitos de uso da LE em variadas situações

AB AB

4. Reduzir a interferência negativa da LM na aprendizagem da LE

AB AB

5. Acelerar o processo de ensino/ aprendizagem, de modo a cumprir o programa

B A B A

6. Preparar bem os alunos para os testes/ exames

AB A B

7. Facilitar a gestão do comportamento dos alunos (por ex., em situações de indisciplina)

A B A B

MI: Muito Importante I: Importante PI: Pouco Importante NI: Nada Importante SO: Sem Opinião

Vejamos agora as opiniões dos alunos sobre esta questão, apresentadas no

Quadro 12. Dos dados aí apresentados podemos concluir que:

a. A maioria dos alunos inquiridos prefere usar a língua-alvo na aula para a

aquisição de competências (ouvir, falar, ler e escrever);

b. As suas opiniões sobre a importância da LE como forma de acelerar o processo

de ensino e aprendizagem e cumprir o programa dividem-se, o que também acontece na

função relativa à redução de interferência da LM e ao controlo do comportamento;

c. As funções da LE mais valorizadas pelo conjunto dos alunos (9º e 11º anos)

são, por ordem decrescente: desenvolver a capacidade para comunicar em Inglês, criar

nos alunos o hábito de usar o Inglês, preparar melhor os alunos para os testes/exames, e

motivar os alunos para aprender Inglês;

d. Comparando as percepções dos alunos com as das professoras, podemos

concluir que têm percepções aproximadas, pois tanto os primeiros como as segundas

tendem a valorizar múltiplas funções do uso da LE na aula.

45

Quadro 12 – Percepções dos alunos sobre funções do uso da LE na aula É importante usar o INGLÊS na aula porque…

MI

f %

I f

%

PI f

%

NI f

%

SO f

% 1. Desenvolve a capacidade dos alunos para comunicar em Inglês Al.9º

(N=83)62 75

20 24

1 1

- -

- -

Al.11º(N=60)

45 75

14 24

1 1

- -

- -

2. Motiva os alunos para aprender Inglês Al.9º(N=83)

28 34

43 51

7 8

3 4

2 3

Al.11º(N=60)

30 50

25 42

5 8

- -

- -

3. Cria nos alunos o hábito de usar o Inglês Al.9º(N=83)

46 56

31 37

5 6

- -

1 1

Al.11º(N=60)

39 65

18 30

1 2

1 2

1 1

4. Faz com que os alunos se sintam menos influenciados pelo Português Al.9º(N=83)

16 20

27 33

22 27

9 10

9 10

Al.11º(N=60)

12 20

18 30

24 40

6 10

- -

5. Permite ao professor cumprir o programa mais rapidamente Al.9º(N=83)

12 24

19 23

18 22

21 26

13 15

Al.11º(N=60)

7 12

14 21

28 47

10 17

1 3

6. Prepara melhor os alunos para os testes/ exames Al.9º(N=83)

50 60

28 33

1 2

- -

4 5

Al.11º(N=60)

37 61

19 31

3 5

2 3

- -

7. Ajuda a controlar o comportamento dos alunos na aula Al.9º(N=83)

16 20

22 27

11 14

20 24

13 15

Al.11º(N=60)

6 10

9 15

19 32

15 25

11 18

MI: Muito Importante I: Importante PI: Pouco Importante NI: Nada Importante SO: Sem Opinião

4.3 Percepções sobre as funções da LM na aula

O Quadro 13 apresenta as percepções das professoras (A e B) sobre as funções da

LM na aula de LE. Deste Quadro podemos concluir que:

a. Há diferenças e semelhanças entre a percepção das duas professoras,

verificando-se aqui menos consenso do que na questão relativa às funções da LE; dada a

grande divergência de posições sobre o papel da LM, este facto não será de estranhar;

b. A semelhança de percepção verifica-se sobretudo nos itens “facilitar a

compreensão das instruções para as tarefas” nos níveis de iniciação, função considerada

muito importante, “facilitar a compreensão do feedback” que dão aos alunos e que

consideram importante nos dois níveis; pelo contrário, ambas consideram nada ou pouco

46

importante nos dois níveis as funções “acelerar o processo do ensino de modo a cumprir

o programa”, e a “dificuldade em ajustar o nível de língua aos alunos em algumas

situações de ensino”;

c. As opiniões mais divergentes verificam-se nas funções relativas ao

relacionamento com os alunos, motivação dos alunos para a aquisição da LE, valorização

da sua identidade linguística e cultural, compreensão de instruções (em níveis

avançados), aquisição de vocabulário (em níveis iniciais), comparação LM-LE (em

níveis iniciais), preparação para os testes/ exames e falta de auto-confiança no uso da LE

(em níveis avançados).

Quadro 13– Percepções das professoras sobre funções da LM Níveis de Iniciação (1-3) Níveis mais avançados (4-8)

Razões para o uso da LM MI I PI NI SO MI I PI NI SO

1. Criar um bom relacionamento com/ entre os alunos

B A A B

2. Motivar os alunos para a aquisição da LE

B A B A

3. Encorajar os alunos mais tímidos ou com mais dificuldades a participar na aula

B A B A

4. Valorizar a identidade linguística e cultural dos alunos

A B A B

5. Facilitar a compreensão das instruções para as tarefas

A B

A B

6. Comparar o funcionamento da LM com o da LE

A B AB

7. Facilitar a compreensão das explicações gramaticais

A B A B

8. Facilitar a aquisição de vocabulário

A B AB

9. Facilitar a compreensão do “feedback” que dou aos alunos

AB AB

10. Facilitar a gestão do comportamento dos alunos (por ex., em situações de indisciplina)

B A B A

11. Facilitar a reflexão sobre o processo de aprendizagem

AB AB

12. Preparar bem os alunos para os testes/ exames

B A B A

13. Acelerar o processo de ensino/ aprendizagem, de modo a cumprir o programa

AB AB

14. Dificuldade em ajustar o nível de língua aos alunos em algumas situações de ensino

AB AB

15. Falta de auto-confiança no uso da LE em algumas situações de ensino

B A B A

MI: Muito Importante I: Importante PI: Pouco Importante NI: Nada Importante SO: Sem Opinião

Vejamos agora as percepções dos alunos sobre o mesmo assunto, apresentadas no

Quadro 14.

47

Quadro 14 - Percepções dos alunos sobre funções da LM

É importante usar o PORTUGUÊS na aula porque…

MI f

%

I f

%

PI f

%

NI f

%

SO f

% 1. Ajuda a criar uma boa relação entre os alunos e destes com o professor

Al.9º (N=83)

14 17

28 34

20 24

14 17

7 8

Al.11º (N=60)

22 37

24 40

10 17

2 3

2 3

2. Motiva os alunos para aprender Inglês Al.9º (N=83)

9 10

23 28

20 24

19 23

12 15

Al.11º (N=60)

13 21

25 42

16 27

6 10

6 10

3. Encoraja os alunos mais tímidos ou com mais dificuldades a participar na aula

Al.9º (N=83)

32 40

34 41

5 6

8 9

4 4

Al.11º (N=60)

31 51

22 37

6 10

- -

1 2

4. Valoriza a identidade linguística e cultural dos alunos

Al.9º (N=83)

17 21

24 30

20 24

12 14

10 11

Al.11º (N=60)

18 30

26 43

12 20

4 7

- -

5. Facilita a compreensão das instruções para as actividades

Al.9º (N=83)

37 45

32 41

9 10

1 1

4 3

Al.11º (N=60)

25 41

26 43

5 8

2 4

2 4

6. Permite comparar o funcionamento das duas línguas (LM/LE)

Al.9º (N=83)

25 30

30 35

12 15

12 15

4 5

Al.11º (N=60)

28 47

21 35

10 17

1 1

- -

7. Facilita a compreensão das explicações gramaticais

Al.9º (N=83)

37 45

31 37

9 10

3 4

3 4

Al.11º (N=60)

30 50

26 43

4 7

- -

- -

8. Facilita a aquisição de vocabulário Al.9º (N=83)

25 30

33 42

9 10

9 10

7 8

Al.11º (N=60)

31 52

21 35

7 12

1 1

- -

9. Facilita a compreensão do apoio que o professor dá aos alunos

Al.9º (N=83)

23 29

38 46

10 12

8 9

4 4

Al.11º (N=60)

29 49

26 44

4 6

- -

1 1

10. Ajuda a controlar o comportamento dos alunos na aula

Al.9º (N=83)

10 12

29 34

16 20

17 21

11 13

Al.11º (N=60)

15 25

15 25

18 30

9 15

3 5

11. Facilita a reflexão dos alunos sobre o processo de aprendizagem

Al.9º (N=83)

19 24

35 42

15 18

9 10

5 6

Al.11º (N=60)

26 43

26 43

7 13

1 1

- -

12. Permite ao professor cumprir o programa mais rapidamente

Al.9º (N=83)

4 5

18 22

17 21

30 36

14 16

Al.11º (N=60)

10 17

18 30

20 33

8 13

4 7

13. Prepara melhor os alunos para os testes/ exames

Al.9º (N=83)

19 23

22 26

18 22

16 20

8 9

Al.11º (N=60)

20 33

21 36

10 17

8 13

1 1

MI: Muito Importante I: Importante PI: Pouco Importante NI: Nada Importante SO: Sem Opinião

48

Destes dados podemos concluir que:

a. Em geral, e no conjunto dos alunos (9º e 11º anos), as funções da LM

consideradas mais importantes são, por ordem decrescente: facilitar a compreensão das

explicações gramaticais, facilitar a compreensão das instruções para as actividades,

encorajar os alunos mais tímidos ou com mais dificuldades a participar na aula, facilitar

a compreensão do apoio que o professor dá aos alunos, facilitar a aquisição do

vocabulário, facilitar a reflexão dos alunos sobre o processo de aprendizagem, comparar

o funcionamento das duas línguas e ajudar a criar uma boa relação entre os alunos e

destes com o professor;

b. Comparando as percepções dos alunos com as das professoras sobre este

assunto, podemos ainda concluir que tanto as professoras como a maioria dos seus

alunos parecem apoiar um uso moderado da LM, como uma exigência situacional e não

como um prática generalizada.

Na entrevista à especialista, colocámos uma questão sobre este assunto. A sua

resposta salienta a função mediadora da LM, de alguma forma reforçando as percepções

das professoras e dos alunos:

Na sua opinião, que funções pode desempenhar a LM dos alunos na aprendizagem de uma LE?

(questão 2 da entrevista)

“A LM desempenha, essencialmente, uma função de mediação entre sistemas linguísticos, entre

mundos socioculturais diferenciados, organizando grande parte das aprendizagens que se fazem

depois da LM existir no universo referencial do sujeito. Ela torna-se um instrumento

incontornável de explicação das novas aprendizagens (tradução explicativa), sem deixar de

continuar a ser objecto dessas novas aprendizagens (todo o potencial dos exercícios de

tradução).”

Colocámos ainda uma outra questão que remete para contextos plurilingues,

como Timor Leste:

49

Em contextos plurilingues, como é o caso de Timor Leste, onde existem 26 línguas maternas e

onde o professor não conhece essas ou muitas dessas línguas, como fazer a gestão do recurso à

LM? A que língua materna recorrer? (questão 8 da entrevista)

“Acho que as finalidades e os modos de recurso à LM devem ser definidos nos contextos da sua

utilização, a partir da formação dos professores (e perfis linguísticos e profissionais) e de

estudos sobre os perfis linguísticos e de aprendizagem dos alunos.”

Na sequência desta questão colocou-se ainda uma outra sobre a transferabilidade

dos resultados da investigação sobre a problemática do recurso à LM:

A problematização das questões do recurso à LM na aula de LE tem-se centralizado em países

europeus como a Inglaterra, França e Suíça, e também no Canadá. Pensa que os resultados de

estudos realizados nesses contextos poderão ou deverão ser generalizados para contextos com

características distintas, como por exemplo Timor Leste, onde é necessário ter em conta

características /factores regionais tais como a forte tradição de uma pedagogia tradicional, o

plurilinguismo (diversidade de LMs), os objectivos e necessidades linguísticas locais e

individuais, o currículo nacional, etc…? (questão 9 da entrevista)

“Não, julgo que cada contexto deve fazer os seus próprios estudos. Julgo mesmo que a questão

do recurso à LM é uma questão que só pode ser definida nos contextos particulares de

ensino/aprendizagem, que são também contextos particulares de comunicação (veja-se que no

estudo que realizei, professores com a mesma LM tinham convicções e comportamentos muito

diferenciados em relação à utilização da LM, dependentes das suas experiências de aquisição

das línguas em presença. No entanto, esses professores com comportamentos diferenciados

obtinham resultados de aprendizagem igualmente eficazes; Andrade, 1997).”

4.4 Percepções sobre as estratégias para evitar a LM na aula

Para concluir a apresentação da informação recolhida, passamos agora aos dados

relativos às estratégias que professoras e alunos dizem utilizar para reduzir ou evitar o

uso da LM na aula de LE.

O Quadro 15 apresenta as percepções das professoras (A e B). Dos dados

podemos concluir que:

50

a. As duas professoras recorrem com frequência a diversas estratégias para evitar

o uso da LM na aula de LE;

b. Das estratégias indicadas, as únicas que são raramente usadas são: recurso

simultâneo às duas línguas (professoras A e B) e proibição/ reforço negativo do uso da

LM (professora A);

c. Perante a frequência de uso de estratégias, podemos dizer que estas professores

têm como preocupação pedagógica elevar o uso da LE na aula, o que está de acordo com

outras percepções apresentadas anteriormente.

Quadro 15 - Percepções das professoras sobre práticas de redução da LM

Estratégias para evitar o recurso à LM MF F R N

1. Recurso à mímica AB 2. Recurso a imagens AB 3. Recurso a objectos (“realia”) B A 4. Simplificação da linguagem (por ex., uso de estruturas frásicas/ vocabulário ajustados ao nível dos alunos; selecção de textos adequados)

AB

5. Explicação/ paráfrase (por ex., definir o sentido de uma palavra que se considera difícil)

AB

6. Recurso simultâneo às duas línguas (por ex., escrever na LM o que se diz na LE, ou vice-versa; dizer/ escrever nas duas línguas)

AB

8. Encorajamento dos alunos para o uso da LE (por ex., se um aluno usa a LM, o professor traduz para a LE e/ou ajuda o aluno a repetir em LE o que disse na LM)

A B

9 Criação de situações frequentes de interacção oral para os alunos se habituarem a usar a LE na aula

B A

10. Fornecimento de palavras, expressões e frases de uso frequente na aula (“classroom language”)

B A

11. Proibição e reforço negativo do uso da LM na aula (por ex., através da crítica ou punição)

B A

12. Reforço positivo do uso da LE na aula (por ex., através do elogio ou da recompensa)

AB

MF: Muito Frequentemente F: Frequentemente R: Raramente N: Nunca

As respostas dos alunos acerca das estratégias que dizem utilizar são

apresentadas no Quadro 16. Delas podemos concluir que:

a. Também os alunos usam estratégias diversificadas, embora usem menos

aquelas que implicam a conjugação das duas línguas ou o recurso à linguagem não

verbal;

b. No seu conjunto, os alunos dizem utilizar com maior frequência as seguintes

estratégias, por ordem decrescente de uso: explicar por outras palavras o significado das

palavras que eles não sabem, ou usar palavras sinónimas mais simples, pedir ajuda ao

professor, simplificar a frase que querem dizer e pedir ajuda aos colegas;

51

c. De um modo geral, os alunos do 11º ano usam estratégias mais frequentemente

do que os alunos do 9º ano, o que pode dever-se a várias razões, como por exemplo um

maior domínio da língua-alvo, uma maior preocupação com o seu uso ou uma menor

tolerância da LM pelo professor.

d. Perante os dados obtidos, podemos dizer que os alunos, tal como as

professoras, realizam esforços significativos no sentido de elevar o uso da LE na aula.

Quadro 16 - Percepções dos alunos sobre práticas de redução da LM As minhas estratégias para evitar o uso do Português na aula:

MF f

%

F f

%

R f

%

N f

% 1. Fico calado(a) para não cometer erros Al.9º

(N=83) 7 8

17 22

32 37

27 33

Al.11º (N=60)

10 17

20 34

21 35

9 14

2. Uso gestos ou recorro a imagens e objectos (por ex., para explicar uma palavra ou uma ideia que não consigo exprimir em Inglês)

Al.9º (N=83)

1 1

13 15

45 55

24 29

Al.11º (N=60)

8 10

15 20

24 40

13 30

3. Simplifico a frase que quero dizer ou escrever

Al.9º (N=83)

15 18

47 56

17 21

4 5

Al.11º (N=60)

10 17

36 60

10 17

4 6

4. Explico por outras palavras o significado das palavras que não sei, ou uso palavras sinónimas mais simples

Al.9º (N=83)

29 35

41 50

8 9

5 6

Al.11º (N=60)

13 24

29 51

16 20

2 5

5. Invento palavras a partir do Português, mas com pronúncia inglesa

Al.9º (N=83)

- -

4 5

27 33

52 62

Al.11º (N=60)

1 2

16 27

20 33

23 38

6. Misturo o Português e o Inglês na mesma frase

Al.9º (N=83)

2 3

6 7

15 18

60 72

Al.11º (N=60)

10 17

10 17

20 33

20 33

7. Falo em Inglês, mas com a estrutura do Português

Al.9º (N=83)

4 5

10 12

31 37

38 46

(Ex.: “How many years do you have?” em vez de “How old are you?”)

Al.11º (N=60)

3 5

10 17

29 48

18 30

8. Peço ajuda ao professor Al.9º (N=83)

14 17

51 61

15 18

3 4

Al.11º (N=60)

8 13

38 64

13 22

1 1

9. Peço ajuda a colegas Al.9º (N=83)

14 17

38 46

27 32

4 5

Al.11º (N=60)

23 39

25 42

10 16

2 3

MF: Muito Frequentemente F: Frequentemente R: Raramente N: Nunca

52

Em síntese, e considerando os dados obtidos junto das professoras, dos seus

alunos e dos encarregados de educação, podemos concluir o seguinte:

Quanto a percepções gerais sobre a temática do estudo

Ambas as professoras parecem defender o uso da LE e o recurso doseado à LM

com intenções pedagógicas determinadas. A percepção das professoras condiz

globalmente com as dos alunos e dos respectivos encarregados de educação. Também

existe concordância geral dos três grupos sobre a importância do contacto com a LE fora

da aula para uma melhor aquisição da mesma. No tocante à questão do professor de LE

dever ser falante nativo, tanto as duas professoras como a maior parte dos alunos e dos

pais discordam.

Quanto às funções da LE na aula

Ao comparar as respostas das duas professoras com as dos alunos, verifica-se

uma semelhança e harmonia significativas entre a percepção das professoras e

respectivos alunos. Ambos os grupos salientam como razões fundamentais para o uso da

LE aspectos como: desenvolver a capacidade de comunicação na LE, criar nos alunos o

hábito de usar a LE, preparar melhor os alunos para os testes/exames e motivar os alunos

para aprender Inglês.

Quanto às funções do uso da LM

Na comparação das percepções das professoras com as dos alunos, verifica-se

que também há mais semelhanças do que diferenças de opinião. A necessidade de

recurso à LM aparece muito associada a aspectos como a compreensão das explicações

gramaticais e das instruções para as actividades, e o encorajamento dos alunos mais

tímidos ou com mais dificuldades a participar na aula.

Quanto a estratégias de evitação do recurso à LM

Tanto as professoras como para os alunos dizem utilizar estratégias variadas para

evitar ou reduzir o recurso à LM na aula de LE. Entre as estratégias mais utilizadas,

salientam-se as de paráfrase e simplificação.

As opiniões apresentadas pela especialista em Didáctica das Línguas que foi

consultada no âmbito deste estudo foram muito importantes como complemento da

53

informação recolhida através de questionário. Em geral, as suas posições quanto ao

recurso à LM são moderadas, salientando a necessidade de atender aos repertórios

linguístico-comunicativos e sócio-culturais dos alunos, ajustar as actuações pedagógicas

aos contextos de ensino e aprendizagem e promover uma formação adequada do

professor nesta área. Defendendo que “o recurso à LM potencia os espaços e os

processos de reflexão linguística, comunicativa e cognitiva e, como tal, potencia o

desenvolvimento plurilingue do sujeito”, a investigadora levanta uma hipótese que

importa salientar e com a qual terminamos este capítulo: “Talvez a aprendizagem de uma

LE seja sempre um processo de mediação entre línguas que já dominamos, em maior ou

menor grau, e uma língua que queremos vir a dominar.”

Passamos de seguida ao capítulo final deste trabalho, onde apresentamos, a partir

dos resultados obtidos, algumas das suas implicações pedagógicas e para a formação de

professores, assim como sugestões para trabalhos futuros de investigação neste domínio.

54

CAPÍTULO 5: CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Este capítulo tem por fim apresentar as conclusões gerais bem como as

recomendações decorrentes do presente trabalho. O capítulo está dividido em duas

secções: (a) síntese dos resultados obtidos no inquérito às professoras, alunos e

encarregados de educação; (b) recomendações para a actuação pedagógica no ensino de

línguas estrangeiras e para a formação de professores.

Conclusões

a. Percepções das professoras

As principais conclusões das respostas obtidas junto das duas professoras de

Inglês, e que no capítulo anterior apresentámos de forma mais detalhada, podem

sintetizar-se do seguinte modo:

Ambas concordam que o objectivo principal do ensino e aprendizagem da LE é

promover a competência de comunicação nessa língua, favorecendo assim uma

noção de aprendente como “language user” e rejeitando o recurso à LM como forma

de acelerar o processo de ensino e aprendizagem de modo a cumprir o programa.

Consideram que a aula é o momento oportuno e o local adequado para uma prática

de língua-alvo. Será, no entanto, vantajoso que essa prática se efectue também fora

da sala de aula. Portanto, exige-se uma prática tão frequente e precoce quanto

possível.

Estão cientes de que o uso frequente da língua-alvo promove o desenvolvimento de

competências de comunicação; cria hábitos de uso da LE em variadas situações;

motiva os alunos para a aquisição da LE; e reduz a interferência negativa da LM na

aprendizagem da LE.

Recorrem à LM ou admitem o seu uso na aula de LE para determinadas funções e

com moderação, sem que esse uso se torne abuso, evitando-se assim o risco da LM

se tornar instrumento privilegiado da comunicação autêntica e a LE ficar reduzida a

objecto de estudo.

Na sua actuação pedagógica, utilizam frequentemente várias estratégias para evitar

ou reduzir o recurso à LM.

Salientam também que para ser professor(a) de LE é necessário ter uma boa

formação pedagógica e disciplinar, e não necessariamente ser falante nativo(a).

55

b. Percepções dos alunos

Do questionário administrado aos alunos do 9º e 11º anos é possível concluir o

seguinte:

Globalmente, os alunos preferem o uso de língua-alvo na sala de aula e desejam

praticá-la também fora da sala de aula.

Aceitam que o professor deve usar frequentemente a LE na aula, embora possa

recorrer à LM sobretudo nas explicações gramaticais e instruções para certas

actividades.

Parecem pensar que o uso frequente da LE na aula facilita o desenvolvimento da sua

capacidade de comunicação, cria neles o hábito de usar a LE e motiva-os a aprender

a LE.

Utilizam estratégias variadas para evitar o recurso à LM, tais como explicar por

outras palavras o sentido da frase ou usar palavras sinónimas; quando sentem mais

dificuldades, pedem ajuda ao professor.

A maioria afirma que não sente dificuldades de compreensão quando a professora

fala em Inglês, ou seja, parece não revelar resistências ao facto da interacção

pedagógica ser realizada na LE.

Conforme os dados de caracterização pessoal obtidos, a maioria gosta da disciplina

de Inglês e acha que esta disciplina vai ser útil para o seu futuro. Costumam ter boas

notas e nunca reprovaram na disciplina. Muitos possuem apoios extra-curriculares

(como explicações de Inglês fora da escola), recursos de aprendizagem em casa

(livros, revistas, enciclopédias, dicionários, Internet, etc…), e membros da família

que sabem Inglês para os orientarem.

Preferem um(a) professor(a) não nativo da LE que ensina.

c. Percepções dos encarregados da educação

Relativamente às respostas dos encarregados de educação, podemos concluir que,

na generalidade:

Consideram que o Inglês é muito importante no futuro dos filhos.

Têm uma opinião favorável ao uso da LE na aula.

Concordam que a prática da LE fora da aula facilita a sua aprendizagem.

Preferem um(a) professor(a) não nativo da LE que ensina.

56

Em geral, e tendo em conta estes resultados, podemos dizer que existe uma

convergência significativa das opiniões recolhidas, as quais apontam para uma

valorização da aprendizagem da LE (neste caso, o Inglês) através do seu uso. Embora se

reconheça que a LM pode desempenhar algumas funções, estas serão subsidiárias do

objectivo central de desenvolver a competência de comunicação na língua-alvo. Apesar

disto, o facto de a maioria dos inquiridos não se manifestar a favor da existência de

professores nativos da LE pode significar que entendem como necessária a existência da

possibilidade da comunicação na LM, como instrumento mediador das relações

interpessoais e da aquisição da LE, nos seus aspectos formais, pragmáticos e culturais.

Como afirma a especialista Ana Isabel Andrade na entrevista concedida, “o recurso à

LM potencia os espaços e os processos de reflexão linguística, comunicativa e cognitiva

e, como tal, potencia o desenvolvimento plurilingue do sujeito”. Por outro lado, e como

já salientámos, sugere que “talvez a aprendizagem de uma LE seja sempre um processo

de mediação entre línguas que já dominamos, em maior ou menor grau, e uma língua que

queremos vir a dominar”. O professor nativo da LM (ou de uma das LMs) dos alunos

pode representar um ponto de ancoragem, na medida em que pode favorecer esse

processo de mediação e promover o domínio das diferentes línguas e culturas em

presença, materna(s) e estrangeira. No caso de contextos pedagógicos plurilingues, onde

os alunos possuem diversas LMs, esta questão apresenta-se particularmente

problemática. Como sugere a mesma investigadora, torna-se aí necessário realizar um

estudo rigoroso do perfil linguístico dos alunos e dos professores, de forma a que a

gestão linguística se faça do melhor modo.

Recomendações

Uma das razões para a realização deste estudo é a inexistência de consenso sobre

o uso da LM na aula de LE, e também o facto de se verificar, em muitas situações, um

abuso da primeira como instrumento de comunicação, o que reduz as possibilidades de

desenvolver a competência de comunicação na segunda. Apesar de se defender que

apenas pelo uso da LE os alunos poderão adquirir aquela competência, assume-se que a

LM pode exercer um papel de suporte, tal como referem os inquiridos neste estudo,

sobretudo como meio de facilitação da compreensão, da reflexão processual e da relação

afectiva dos alunos com a aprendizagem da LE.

57

Parece razoável propor que os professores reflictam aprofundadamente sobre a

sua actuação pedagógica, ponderando bem as razões que os levam a usar ou não a LM e

a permitir ou não o seu uso pelos alunos. Essa reflexão pode ser apoiada por tarefas de

auto-observação e observação de colegas, no sentido de analisar as práticas linguísticas e

avaliar a sua adequação. O questionamento dos alunos, tal como se fez neste estudo,

também pode apoiar os professores na compreensão das suas representações,

experiências anteriores e expectativas quanto ao uso da LM e da LE na aula, servindo de

base à negociação de práticas adequadas.

A sobrevalorização do cumprimento dos programas e da realização de

testes/exames escritos é um factor que tende a promover a desvalorização da LE como

instrumento de comunicação oral na aula, o que resulta muitas vezes em passividade e

incompetência dos alunos no que diz respeito ao uso oral da LE. Esta é a visão do

investigador sobre o que se passa no seu país, e que é distinta da que emerge do estudo

realizado. Face a esta questão, sugere-se que os professores que recorrem

frequentemente à LM repensem as finalidades do ensino e aprendizagem dessa língua,

promovendo actividades onde os alunos tenham a oportunidade de praticar oralmente a

LE. Recomenda-se também a esses professores que utilizem estratégias de redução da

LM em situações em que o recurso a essa língua não se justifique, e que promovam o uso

desse tipo de estratégias também entre os alunos.

Importa salientar aqui o papel da supervisão de professores em formação inicial,

assim como das acções de formação contínua, onde será importante que as questões

relativas ao uso da LM e da LE sejam exploradas, o que não parece acontecer

frequentemente. Será aí necessário discutir não só as posições antagónicas que

encontramos na literatura sobre este tópico, mas também as experiências e

representações dos professores e dos alunos, assim como as funções de ambas as línguas

na aula e as estratégias que podem ser utilizadas como forma de evitar o recurso abusivo

à LM. Como sugere a investigadora entrevistada, o principal objectivo desta formação

será “a reflexão, por parte do próprio professor, sobre os recursos linguístico-

comunicativos de que dispõe, observando-os, reflectindo sobre a sua utilização e sobre a

possibilidade de os transformar, tentando fazer da sala de aula um ambiente mais rico e

diversificado do ponto de vista comunicativo”. No contexto do estágio pedagógico,

parece-nos que o papel do supervisor será fundamental, no sentido de promover a

reflexão didáctica a partir das situações pedagógicas observadas. Defende-se, assim, a

formação de professores reflexivos. Como afirmam Vieira & Moreira (1993: 42), “Um

58

dos principais pressupostos de uma formação de tipo reflexivo é de que a prática também

é fonte da teoria, e é na dialéctica prática <-> reflexão (o ciclo reflexivo) que o professor

teoriza a sua prática, num processo de reconstrução das suas teorias subjectivas e da sua

actuação profissional. Um professor reflexivo é um professor autónomo, que adopta uma

atitude investigativa e experimentalista face à sua profissão”. Este tipo de atitude poderá

favorecer uma maior consciencialização comunicativa e pedagógica do (futuro)

professor e, consequentemente, uma gestão mais fundamentada e intencional da LM e da

LE na aula.

Ainda como recomendação emergente deste estudo, sugere-se a realização de

outros estudos desta natureza, centrados nas percepções dos agentes educativos, mas

também recorrendo a outros métodos de pesquisa, como a observação de aulas e a

entrevista, no sentido de melhor compreender as práticas de uso da LM na aula de LE.

Estes estudos seriam especialmente importantes em contextos pedagógicos plurilingues,

como é o caso de Timor Leste, onde o professor se vê confrontado com a existência de

repertórios linguísticos diversos no seio dos grupos de alunos que ensina, o que dificulta

a gestão do uso das suas LMs, assim como a comparação entre sistemas linguísticos e

culturais. Embora nestes contextos a solução mais óbvia seja banir da aula as LMs dos

alunos, tal não garante que estes não necessitem delas para aprender e se vejam desse

modo privados de um recurso que lhes pode ser útil.

Por último, resta salientar algumas limitações deste estudo, relativas ao tempo

reduzido para a sua realização e ao número limitado de sujeitos que nele participaram,

mas também decorrentes de várias dificuldades sentidas ao nível da investigação e da

redacção deste relatório, em grande parte devidas às diferenças linguísticas, experienciais

e culturais entre o contexto de origem do investigador e o contexto de realização do

estudo. Essas limitações referem-se, sobretudo, à validade externa do estudo e à

profundidade da pesquisa e análise de dados. Reconhece-se, ainda assim, que se realizou

um percurso de aprendizagem importante, e que a disseminação e discussão do estudo no

contexto de acção do investigador poderá revelar-se extremamente útil a professores e

formadores.

59

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ANEXOS