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 • 41 REVIST A Soc. Bras. Economia Política, Rio de Janeiro, nº 24, p. 41-65, junho 2009 Capital ctício e lucros ctícios Reinaldo A. Carcanholo * Mauricio de S. Sabadini ** Resumo Este artigo procura avançar na discussão sobre o capital ctício, uma categoria central na obra de Marx e de extrema importância para se compreender a atual congu- ração do capitalismo contemporâneo, a partir da noção de lucros ctícios. Expressando a mais pura natureza dialética, os lucros ctícios são reais e ctícios ao mesmo tempo, desde que compreendidos pela perspectiva individual e da totalidade, respectivamente. Um lucro que, como parte da natureza contraditória do capital, apresenta-se como uma substância autônoma, fruto da especulação nanceira, “independente” da produção real da mais-valia. E é justamente nessa natureza real/imaginária que sua discussão ganha total pertinência na atual fase do capitalismo contemporâneo. Palavras-chave: Capital ctício, lucros ctícios, economia política, capitalismo contemporâneo Que características apresenta a nova etapa do capitalismo mundial iniciada em ns dos anos 70 e início dos 80? Quais são as perspectivas para sua conti- nuidade e para sua superação? Essas são perguntas sumamente relevantes na atualidade, e a resposta adequada a elas, como temos assinalado em trabalhos anteriores, passa pelo conceito marxista de capital ctício 1 . Esse conceito, descrito por Marx no livro tercei ro do Capital , não é de fácil aceitação por parte daqueles que têm dívidas com as concepções positivistas e metafísicas, sejam de perl keynesiano ou não. Alguns tendem inclusive a aceitá-lo, dada a intensidade de sua existência e de seu predomínio nos dias atuais, porém o fazem a contragosto e, na verdade, não são capazes de enten- *  Professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) ([email protected]). Tuto r do Programa SESU PET – Economia – UFES, página pessoal: <http://rcarcanholo.sites.uol.com.br> **  Professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Política Social da UFES ([email protected])

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• 41REVISTA Soc. Bras. Economia Política, Rio de Janeiro, nº 24, p. 41-65, junho 2009

Capital fictícioe lucros fictíciosReinaldo A. Carcanholo*

Mauricio de S. Sabadini**

Resumo

Este artigo procura avançar na discussão sobre o capital fictício, uma categoriacentral na obra de Marx e de extrema importância para se compreender a atual configu-ração do capitalismo contemporâneo, a partir da noção de lucros fictícios. Expressandoa mais pura natureza dialética, os lucros fictícios são reais e fictícios ao mesmo tempo,desde que compreendidos pela perspectiva individual e da totalidade, respectivamente.Um lucro que, como parte da natureza contraditória do capital, apresenta-se como umasubstância autônoma, fruto da especulação financeira, “independente” da produção realda mais-valia. E é justamente nessa natureza real/imaginária que sua discussão ganhatotal pertinência na atual fase do capitalismo contemporâneo.Palavras-chave: Capital fictício, lucros fictícios, economia política, capitalismocontemporâneo

Que características apresenta a nova etapa do capitalismo mundial iniciadaem fins dos anos 70 e início dos 80? Quais são as perspectivas para sua conti-nuidade e para sua superação? Essas são perguntas sumamente relevantes naatualidade, e a resposta adequada a elas, como temos assinalado em trabalhosanteriores, passa pelo conceito marxista de capital fictício1.

Esse conceito, descrito por Marx no livro terceiro do Capital , não é de fácilaceitação por parte daqueles que têm dívidas com as concepções positivistase metafísicas, sejam de perfil keynesiano ou não. Alguns tendem inclusive a

aceitá-lo, dada a intensidade de sua existência e de seu predomínio nos diasatuais, porém o fazem a contragosto e, na verdade, não são capazes de enten-

* Professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e do Departamento de Economiada Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) ([email protected]). Tutor do ProgramaSESU PET – Economia – UFES, página pessoal: <http://rcarcanholo.sites.uol.com.br>** Professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Política Socialda UFES ([email protected])

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dê-lo com propriedade desde o ponto de vista dialético, perspectiva essa sema qual o conceito tende a perder muito de sua capacidade explicativa. O fatode que o capital fictício seja, ao mesmo tempo, fictício e real deve parecer-lhes simplesmente uma contradição em termos. E é justamente nessa dialéticareal/imaginária que o conceito ganha toda sua pertinência.

Se por um lado o conceito de capital fictício não é de fácil assimilação, ode lucros fictícios não encontra praticamente ninguém que o considere aceitáveldesde o ponto de vista teórico, inclusive entre aqueles que verdadeiramente seapresentam como pertencentes ao campo marxista.

Em primeiro lugar, não se trata de um conceito que tenha sido desenvol-vido por Marx e isso pode ser definitivo para muitos. Por suposto que na época

desse autor, na qual a idéia de um capital fictício dominante sobre o capitalsubstantivo estava longe de ser possível, pensar que uma parte dos lucros nãofosse derivada da mais-valia e nem do excedente-valor das formas de produçãonão salariais constituía um verdadeiro contra-senso.

Em nossa época, contudo, na qual o capital fictício transformou-se emdominante, a ponto tal que fomos obrigados a dar-lhe outro nome (capital es-

 peculativo parasitário), a idéia de lucros fictícios surgiu-nos como algo poucomenos que automático, totalmente inspirada nas análises que Marx fez nosdiversos capítulos do livro III do Capital .

Faremos, em primeiro lugar, um esforço para, pelo menos resumidamente,

esclarecer os conceitos de capital fictício e de capital especulativo parasitário2

  para, somente depois, explicar em que consistem os lucros fictícios.

Do capital ilusório ao capital especulativo parasitário

Em primeiro lugar, devemos esclarecer que o capital a juros, que financiaa produção ou a circulação, e capital fictício são coisas totalmente diversas,ainda que o segundo nasça como conseqüência da existência do primeiro3.

O primeiro a considerar-se é que o capital a juros, por si mesmo, produzuma ilusão social e é exatamente a partir dela que surge o capital fictício. Nocapitalismo, a existência generalizada do capital a juros, cujo significado apa-

rente é o fato de que toda soma considerável de dinheiro gera uma remuneração, produz a ilusão contrária, isto é, a que toda remuneração regular deve ter comoorigem a existência de um capital. Tal capital em si não tem maior significado

 para o funcionamento do sistema econômico e pode ser chamado de capital 

ilusório (valor presente de um rendimento regular).Contudo, quando o direito a tal remuneração está representado por um

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título que pode ser comercializado, vendido a terceiros, converte-se em capital  fictício. O título comercializável é a representação legal dessa forma de capi-tal. Talvez o exemplo mais simples da existência do capital fictício seja o deuma concessão pública, a particular, do direito de utilização comercial de umafreqüência de rádio ou televisão. Isso, no caso de que tal concessão, realizadaem troca de favores políticos ou de qualquer outro tipo, possa ser vendida aterceiros.

Assim, o capital fictício nasce como conseqüência da existência genera-lizada do capital a juros, porém é o resultado de uma ilusão social. E por quedevemos chamá-lo de capital fictício? A razão está no fato de que por detrásdele não existe nenhuma substância real e porque não contribui em nada para

a produção ou para a circulação da riqueza, pelo menos no sentido de que nãofinancia nem o capital produtivo, nem o comercial.

 No capital portador de juros, o capital aparece como se fosse uma fonteautônoma de valorização. E essa fonte, segundo Marx, se apresenta de formamistificadora, uma vez que os juros são apropriados sem trabalho e sua exis-tência aparece ao mundo capitalista separada de toda conexão com o excedente

 produto do trabalho.Com o desenvolvimento do sistema de crédito, com o objetivo primordial

de financiar a produção, o capital a juros adquire grande importância e dimen-são no sistema capitalista, ao estar diretamente subordinado a lógica do capital

industrial. Ao mesmo tempo em que se apropria de uma parte da mais-valiagerada no setor produtivo, o capital a juros aumenta a eficiência da produçãodo excedente, assim como a velocidade de reprodução do ciclo do capital.

Marx destacou o caráter dependente e complementar desse capital a jurosao capital produtivo em momentos como o seguinte:

“Onde a produção capitalista se desenvolveu na amplitude de suas formase se tornou o modo dominante de produção, o capital produtor de jurosestá sob o domínio do capital industrial, e o capital comercial é apenas umafigura do capital industrial, derivada do processo de circulação. Ambos têmde ser antes destruídos como formas autônomas e submetidos ao capitalindustrial” (MARX, 1985, p. 1509).

São afirmações como essa que nos asseguram que a autonomização dasformas funcionais do capital, representadas nesse momento pelo capital a

 juros, interfere de maneira positiva no sistema capitalista ao proporcionar seucrescimento.

Dessa maneira, se sob a forma de capital a juros o capital adquire umaforma mistificadora, sob a forma de capital fictício ele assume um aspecto ainda

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mais complexo e mais desmaterializado. Aparentemente, ele se desenvolve demaneira independente da dinâmica da produção:

“Com o desenvolvimento do capital portador de juros e do sistema decrédito, todo capital parece duplicar e às vezes triplicar pelo modo diversoem que o mesmo capital ou simplesmente o mesmo título de dívida apa-rece, em diferentes mãos, sob diversas formas. A maior parte desse ‘capitalmonetário’ é puramente fictícia” (MARX, 1985, p. 14).

Dessa forma, o capital fictício dissimula ainda mais as conexões com o processo real de valorização do capital, ao consolidar a imagem de uma capitalque se valoriza autonomamente, particularmente no mercado de compra e vendaespeculativa: “toda a conexão com o processo real de valorização do capital se

 perde assim até o último vestígio, e a concepção do capital como autômato quese valoriza por si mesmo se consolida” (MARX, 1985, p. 11).

Entendido o surgimento teórico do capital fictício, Marx passa a referir-sea algumas formas de sua existência. Entre outras, ele se refere ao valor das açõescorrespondentes ao real patrimônio das empresas. Para facilitar o raciocínio,nesse particular, pensemos exclusivamente em empresas produtivas.

Que razões o levam a classificar as ações, ainda que o seu valor totalcorresponda ao patrimônio real de uma empresa produtiva, como capital fic-tício? A primeira delas é que as ações permitem obter um rendimento anuale, ademais, podem ser vendidas no mercado. Porém, ainda assim, devemos

negar que não elas não tenham substância por detrás; de fato, representam o patrimônio da empresa.

 Na verdade, as ações constituem capital fictício pelo fato de que represen-tam uma riqueza contada duas vezes: uma, o valor do patrimônio da empresa;outra, o valor delas mesmas. A prova de que isso é verdade é que ambos osvalores podem servir de garantias, por exemplo, para créditos bancários. Po-dem ser contadas duas vezes, ou três, ou mais, graças à existência de empresasholdings.

Isso significa que o capital fictício não surge somente como resultadoda ilusão mencionada anteriormente. Ele é também resultado mais direto docapital a juros, do sistema de crédito, quando duplica aparentemente a riquezareal, como é o caso das ações4 de uma empresa. Esse tipo de capital fictícioconstituído por ações com valor igual ao do patrimônio real das empresas

 produtivas, será por nós chamado de capital fictício do tipo 1.Contudo, há uma segunda razão para que as ações devam ser considera-

das como capital fictício: é o fato de que o valor delas se move muitas vezesde maneira independente do valor do patrimônio das empresas. Assim, uma

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valorização especulativa das ações constitui um aumento do volume total docapital fictício existente na economia. Porém, esse incremento possui umacaracterística distinta do valor original: não constitui duplicação aparente deum valor real. Na verdade, por detrás dele não há nenhuma substância real. Por isso, vamos chamar esse aumento de capital fictício de tipo 2. Assim, o capitalfictício também aparece como resultado da especulação, quando eleva o valor de mercado de qualquer tipo de ativo (seja real ou fiduciário). Obviamente quese temos uma redução especulativa do valor de ativos, nos encontramos comuma destruição de capital fictício.

Logo, por extensão, podemos classificar toda valorização especulativa deativos reais ou mobiliários como capital fictício de tipo 2.

Marx também destaca que os títulos da dívida pública constituem capitalfictício. Porém aqui também devemos distinguir entre os tipos 1 e 2. Quandoos títulos públicos são emitidos para financiar investimentos reais, tais comorodovias, portos, pontes, túneis, ferrovias, edifícios, trata-se de capital fictíciodo tipo 1. Ao contrário, quando o aumento da dívida pública ocorre em razãode gastos improdutivos5, gastos correntes ou ainda de transferências6, estamosfrente à criação de um novo capital fictício do tipo 2, uma vez que não sobrevivenada de substancial por detrás desse incremento da dívida.

Em resumo, o capital fictício tem como origem três fontes: a) a transfor-mação em títulos negociáveis do capital ilusório, b) a duplicação aparente do

valor do capital a juros (no caso das ações e dos títulos públicos) e c) a valori-zação especulativa dos diferentes ativos. Esse capital fictício de três diferentesorigens tem em comum o fato de que, ao mesmo tempo em que é fictício, é real.É real do ponto de vista do ato individual e isolado, no dia-a-dia do mercado,quer dizer, do ponto de vista da aparência; é a dialética fictício/real, algo queficará mais claro posteriormente.

Porém, há outra coisa a esclarecer. Se a dívida pública constitui, em mãosde seus credores, capital fictício, por que não passa o mesmo com a dívida pri-vada, quando ela se refere a créditos para o capital industrial? Sobretudo, por que não é capital fictício se inclusive a dívida privada pode estar representada

 por um título transferível a terceiros, no mercado? Isso significaria que também

os créditos a particulares para financiar o investimento produtivo ou comercialdeveriam ser considerados, nas mãos dos emprestadores, capital fictício.

 Na verdade, quando o crédito é destinado ao setor privado e se formaliza por meio de um título negociável no mercado, também deve ser considerado capitalfictício. Deve ser assim considerado porque aparentemente o valor duplicou. Por detrás dele há uma substância e por isso se trata de capital fictício de tipo 1.

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É, em verdade, o mesmo caso das ações de uma empresa privada, comuma diferença. O empréstimo a uma empresa tem como contrapartida umadívida dela, o que não é o caso das ações. Apesar de que haja a contrapartidada dívida, e que a sua soma com o crédito seja igual a zero, na realidade háuma duplicação aparente da riqueza: o título de crédito em mãos do prestador e os bens reais comprados pelo prestamista.

Contudo, é indispensável destacar que no caso assinalado do crédito,estamos frente a duas coisas completamente diferentes: o capital a juros não

 pode ser confundido com o capital fictício que gera. Aquele corresponde auma riqueza real que foi produzida sob a forma de excedente7; este último é

 puramente fictício do ponto de vista global. O capital fictício gerado nessas

condições é como o “reflexo em um espelho” do capital a juros. São dois capitaisdiferentes: um é real e o outro submetido à dialética real/fictícia. Talvez, maisadiante neste texto, o assunto possa ficar mais esclarecido. Porém, o fato é queo valor do capital a juros destinado, por exemplo, a investimentos do capitalsubstantivo não pode jamais ser maior que o excedente econômico produzidodepois de todas as deduções relativas ao consumo.

Corazza tem alguma razão quando aponta que, na prática, o capital a ju-ros tende a confundir-se com o fictício: “Assim, na complexidade das finançascapitalistas atuais parece difícil saber quando o capital é real, quando é apenasfinanceiro e quando é puramente fictício, pois seus movimentos estão de tal

forma entrecruzados que o capital produtivo pressupõe o capital financeiro e ocapital fictício pode financiar a acumulação real” (CORAZZA, 1999, p. 9).Agora, há algo em que Corazza não tem razão alguma: quando afirma que

o capital fictício pode financiar a acumulação real8. Como vimos, uma coisa éo capital fictício, outra o capital a juros.

Embora Harvey tenha sido um dos autores marxistas pioneiros na discus-são sobre o capital fictício9 e tenha feito uma descrição dessa categoria comrigor científico, ele também sugere a existência de aplicação do capital fictíciona esfera real da produção, quando afirma:

“Este capital [fictício] é definido como capital que tem valor monetárionominal e existência como papel, mas que, num dado momento do tempo,não tem lastro em termos de atividade produtiva real ou de ativos físicos.O capital fictício é convertido em capital real na medida em que são feitosinvestimentos que levem a um aumento apropriado em ativos úteis (por exemplo, instalações e equipamentos que possam ter emprego lucrativo)ou mercadorias úteis (bens e serviços que possam ser vendidos com lucro)”(HARVEY, 1996, p. 171).

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Com perspectiva similar, PAULA et alli (2001) afirmam, apoiados nasidéias de Hilferding, que o capital fictício se direciona ao capital industrial a partir de diferentes maneiras: quando o capital dinheiro é destinado à bolsa devalores que o transforma em capital fictício na forma de ações e, no movimentoinverso, quando a bolsa o transfere às mãos das sociedades industriais; e graçasa multiplicação das instituições financeiras (fundos de pensão, por exemplo),quando elas colocam os recursos à disposição de novos investimentos produ-tivos. Se considerarmos tais palavras em si mesmas, eles têm alguma razãonessas idéias, porém pode deixar a impressão que existe certa indiferença entreo capital fictício e o capital portador de juros.

É verdade que um determinado titular do capital fictício pode converter 

facilmente seu capital para financiar a produção. Porém se o faz, o capital fic-tício simplesmente muda de mãos, de maneira que o valor total, na economiacomo um todo, de um ou do outro, não se altera10.

Dizíamos anteriormente que o capital ilusório não tem maior significação para o funcionamento do sistema econômico, porém não se pode dizer o mesmodo capital fictício, ainda que um derive do outro. Isso é verdade especialmentequando, em certas circunstâncias históricas, o volume desse último tipo de ca-

 pital alcança magnitude significativa, como é o caso da atual etapa capitalista. Nela, o capital fictício tem alcançado predomínio sobre o capital substantivo eessa é a própria marca da etapa mencionada. Ele mudou de caráter ao transfor-

mar-se de pólo dominado para dominante e por essa razão o passamos a chamar capital especulativo parasitário e chamamos de capitalismo especulativo afase atual do sistema.

A existência e a magnitude do capital especulativo parasitário têm feitoque a contradição principal da atual fase do capitalismo seja a existente entrea apropriação e a produção do excedente-valor produzido socialmente11.

Sobre os lucros fictícios

O que é e como se demonstra a existência dos lucros fictícios e por quenão é de fácil aceitação uma categoria desse tipo?

Demonstrar a existência dos lucros fictícios não é uma tarefa fácil, oumelhor, em certo sentido não é possível. Em primeiro lugar, entender sua exis-tência pressupõe, a nosso juízo, além da já mencionada perspectiva dialéticadas coisas, uma adequada interpretação da teoria do valor de Marx, algo poucofreqüente. Em segundo lugar, pensar em uma demonstração empírica de suaexistência é algo completamente fora da lógica científica; dentro da perspectiva

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dialética não tem sentido. Talvez o máximo possível seja descrevê-lo e sugerir formas de sua existência, além de, ao mesmo tempo, esclarecer sua dimensãoteórica e sua relação com as demais categorias da teoria do valor.

Comecemos com a forma talvez mais simples de explicar sua existência: avalorização especulativa dos ativos físicos. Vamos, para ser didáticos, descrever o surgimento do lucro fictício no que se refere a algo muito trivial, que seria avalorização especulativa de imóveis:

1. Suponhamos que, em condições econômicas normais, compro umterreno por $ 100 e construo uma casa, através de uma empresa construtora, eque, ao final, ela me exija como pagamento exatamente o valor da construção,

nem mais nem menos. Isso significa supor que o preço corresponde exatamenteao valor. Suponhamos o pagamento de $ 300 à construtora.

2. É claro que não fico nem mais pobre, nem mais rico. Era proprietáriode $ 400 em dinheiro e agora continuo com a mesma magnitude de riqueza, sóque na forma de um imóvel, uma casa com seu respectivo terreno.

3. Obviamente que na construção da casa havia produção de mais-valia, porém ela foi apropriada pela empresa construtora ou por empresas que for-neceram os insumos ou emprestaram-lhe dinheiro. Mas isso não tem a menor importância.

4. Minha riqueza em valor permaneceu constante, porém a riqueza global

da sociedade aumentou em um valor correspondente a $ 300 (menos o valor correspondente ao capital constante consumido, ali contido).

5. Suponhamos agora que, por razões especiais, ocorra na sociedade umavalorização especulativa de todos os imóveis e que agora posso vender minhacasa por $ 1000 e que de fato o faça.

6. Suponhamos que os preços médios da economia não se tenham alterado,ou o que é a mesma coisa, que os $ 1000 sejam valores reais e não nominais.

7. Posso considerar-me mais rico que antes? É claro que sim: antes meu patrimônio era de $ 400, agora é de $ 1000, em dinheiro vivo. O comprador de minha casa, com razão, não poderá considerar-se mais pobre do que antes

de sua compra, pois inverteu $ 1000 em dinheiro e agora possui uma casa cujo preço é $ 1000 e pode vendê-la no momento em que desejar (enquanto nãomudarem as condições do mercado).

8. Façamos agora contas da riqueza da sociedade como um todo, sim- plesmente somando a de cada de um de seus membros. A especulação fez comque a sociedade seja agora possuidora de uma riqueza maior. Eu possuía 400,

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agora possuo 1000. O comprador de minha casa possuía 1000 e segue com os1000, só que sob forma distinta.

9. Não sei exatamente como considerar o aumento de meu patrimônio.Como lucro? Talvez; porém isso não é o que importa. Contudo, suponhamosagora que o possuidor da casa, quando valia 400, fosse uma empresa comercialcujo objetivo era vender imóveis e que efetivamente conseguiu vendê-la por $ 1000. Não deveria considerar os 600 como seu legítimo lucro? É claro quesim. E de fato é um lucro.

10. A esse tipo de lucro é o que atribuímos o nome de lucros fictícios.

Contudo, há uma objeção a esse raciocínio que necessita ser superada12. Tal

objeção consiste em lembrar algo indiscutível: que se uma mercadoria qualquer é vendida por um preço superior ao correspondente ao seu valor, o que ocorreé simplesmente uma transferência de valor desde o comprador ao vendedor.Assim, o lucro obtido pelo vendedor na operação mercantil corresponderia a uma

 perda do comprador da mesma magnitude, de maneira que a riqueza total nãoteria sido alterada. Nesse caso se observaria uma pura transferência de valor.

Isso é completamente certo, porém o é para uma mercadoria que ime-diatamente ou em breve será destinada ao consumo e que, por meio dele, serádestruída. Se compro uma mercadoria por preço superior ao correspondente aoseu valor, enquanto não a consuma e se seu preço não se altera, posso seguir 

 pensando que não perdi valor na compra; isso porém é pura ilusão. Ao con-sumir a mercadoria, consumi seu valor de uso e desfrutei de uma mercadoriacujo valor, cuja riqueza social representada por ela, é na verdade menor doque imaginava.

Contudo, algo diferente ocorre quando se trata de uma mercadoria quenão vou destinar ao consumo, mas que vai agregar-se ao meu patrimônio;quando se trata de ativos reais ou, ainda, ativos financeiros. Ativos desse tipofazem parte de meu patrimônio e se durante a posse que mantenho sobre elesapresenta valorização especulativa em seus preços, passo a sentir-me mais ricoque antes e posso contabilizar isso como lucro obtido por mim. Se vendo umdesses ativos enquanto seu preço siga sobrevalorizado, meu lucro se efetiva

agora em dinheiro. O comprador desse ativo, desde que não haja posteriormenteredução de preço, vai sentir-se proprietário da mesma riqueza que antes dacompra, só que agora sob uma forma diferente. É verdade que, desde o pontode vista global, se o preço do ativo chegar a baixar, o que antes surgia comolucro desaparecerá como resultado de um prejuízo para quem for o possuidor naquele momento. Tudo isso significa que o lucro fictício existe enquanto se

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mantenha a valorização especulativa de um ativo qualquer e desaparece caso,eventualmente, desapareça dita valorização.Que características apresentam os lucros fictícios? Eles têm uma caracte-

rística básica: eles constituem lucros verdadeiros, reais, tão reais como qualquer outro, do ponto de vista do ato individual e isolado. E isso fica muito claro selevamos em consideração que, com a quantidade de dinheiro correspondentea esses lucros, posso obviamente comprar qualquer coisa. O ponto de vistado mercado, que permite observar um indivíduo isolado ou um ato mercantilisolado, é fundamental nesse aspecto: nessas condições, os lucros fictícios sãoreais e não se distinguem de qualquer outro tipo de lucro.

Contudo, abandonemos nossas limitações positivistas e façamos um

esforço para pensar dialeticamente. Abandonemos o ponto de vista do ato indi-vidual e isolado, que é o que permite ver pouco mais que a simples aparência,e vejamos o fenômeno de um ponto de vista distinto: o da totalidade. Desse

 ponto de vista, isto é, da sociedade como um todo, esses lucros são reais? Têm, por detrás, a mais-valia (ou excedente-valor produzido por trabalhadores nãoassalariados) que lhe confere realidade substantiva?

A resposta é negativa; esses lucros são pura “fumaça”. Da mesma maneiraque apareceram como mágica, da noite para o dia, podem desaparecer a qualquer momento, em razão das oscilações especulativas dos valores dos ativos.

Hilferding, analisando o lucro especulativo, havia destacado que a compra

e venda de títulos é um fenômeno que não apresenta nenhuma influência na produção ou obtenção da magnitude total dos lucros do capital:

“Os lucros ou prejuízos da especulação surgem, portanto, apenas dasdiferenças das valorizações correspondentes dos títulos de juros. Elasnão são lucros, nem participação da mais-valia, mas nascem tão-somentedas oscilações das valorizações da participação da mais-valia que sai daempresa e cabem aos proprietários de ações, oscilações que, como aindaveremos, não precisam surgir da variação do lucro verdadeiramente reali-zado. São puros lucros diferenciais. Enquanto a classe capitalista como talse apropria, sem compensação, de uma parte do trabalho do proletariado,obtendo dessa forma seu lucro, os especuladores ganham apenas uns dosoutros. O prejuízo de uns é o lucro dos outros. Les affaires, c’est l’argent 

des autres” (HILFERDING, 1985, p. 139).

De fato, as análises de Hilferding sobre os “lucros diferenciais” desta-cam o movimento especulativo dos preços dos ativos e sua independência emrelação à produção de mais-valia. Nesse sentido, se aproximam do que aquitemos chamado de lucros fictícios. Contudo, existe pelo menos uma diferençaimportante: o lucro diferencial de uns, para esse autor, é perda especulativa

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de outros, sendo o resultado das transações uma soma igual a zero. Para nós,ao contrário, isso não é necessariamente correto. A valorização especulativados ativos, enquanto se mantenha, constitui um lucro que não corresponde anenhuma perda. Além disso, os juros da dívida pública recebidos pelo capital,desde que não financiada com superávits primários, porém pagos com incre-mento da própria dívida, constituem lucro para os proprietários do capital, semque constitua perda para nenhum outro particular, embora não provenha daexploração dos trabalhadores.

É verdade que nos movimentos especulativos, por exemplo, no caso da bolsade valores, alguns players (sic) ganham e outros perdem. Aqueles que compramna baixa e vendem na alta obviamente ganham. Porém isso é outra coisa; aí se

trata de uma questão de distribuição entre os especuladores do patrimônio fictício(do capital fictício) existente. O que nos interessa na análise, neste momento, éo ponto de vista da totalidade: assim, a alta especulativa da bolsa resulta em umincremento do total do capital fictício do tipo 2 e, portanto, do surgimento delucro fictício13. A quebra da bolsa significará uma redução do volume do capitalfictício e, dessa maneira, o surgimento de uma perda que pode representar simplesdestruição de lucros fictícios anteriores. Eles são pura “fumaça”.

Quando os lucros fictícios são “produzidos” pela especulação, elevam ovolume total do capital fictício existente no conjunto da economia; quando omercado apresenta uma reversão de sua trajetória, destrói capital fictício e essa

destruição vai aparecer como se fosse uma destruição de riqueza real, e de fatoé, só que exclusivamente do ponto de vista do ato individual e isolado14.Devemos recordar que, conforme se deduz do capítulo XXI e XXII do

 primeiro livro do Capital , o ponto de vista do ato individual e isolado corres- ponde à aparência e o ponto de vista da reprodução e da totalidade correspondeà essência. Ademais, não é dispensável reafirmar que a aparência é uma dasduas dimensões da realidade; ela não é falsa, e não se trata de um engano doobservador; ela é tão real quanto à essência.

Voltemos ao nosso imóvel sobrevalorizado. Com os lucros fictícios obtidoscom sua venda posso, na verdade, comprar qualquer coisa, e supomos que eucompre ou bens de luxo ou faça um investimento em capital fixo. Nesse caso,

o produto que compro não foi produzido como excedente econômico? Esses bens que compro, não são parte do excedente material produzido na sociedadeou, em outras palavras, o excedente produzido sob a forma de mais-valia nãotem como componente seu esse tipo de bens (de luxo e de investimento)? Nãose trata de riqueza real, de todo ponto de vista? E mais, é real e material aomesmo tempo. Se for assim, meus lucros chamados fictícios não correspondem

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a uma mais-valia que tenha sido produzida em algum momento? Nesse casonão seriam lucros fictícios; é verdade, aparecem como não fictícios. Vejamosa coisa mais de perto15.

Mais-valia, excedente econômico capitalista e lucros fictícios

Comecemos por esclarecer algumas coisas sobre o conceito marxista damais-valia, em particular sobre as possibilidades de seu destino. A destinaçãoda mais-valia está condicionada pela forma material que assume o excedente-valor produzido de forma capitalista. Talvez fosse melhor dizer, ao contrário,que a decisão sobre o destino da mais-valia, direito daqueles que a recebem seja

sob a forma de lucro ou outra qualquer (salários improdutivos, rendas, juros,impostos, etc.) condiciona a forma que deveria possuir o excedente capitalistaao final de um determinado período produtivo. Se recordarmos os esquemasmarxistas da reprodução, descritos por Marx no livro II do Capital , facilmentenos daremos conta desse fato: a mais-valia necessita apresentar um conteúdomaterial específico, sem o qual não haverá reprodução adequada da economia.Em certo sentido, é o que diz Marx: “Em uma palavra: a mais-valia só é trans-formável em capital porque o mais-produto, do qual é o valor, já contém oscomponentes materiais de um novo capital” (MARX, 1984, p. 164).

Em poucas palavras podemos afirmar que a magnitude total da mais-valiacorresponde a um excedente físico, substantivo16. Dizer que esse excedente deveser material seria uma impropriedade, pois uma parte dele, com certeza, estáformada por mercadorias-serviço, tão mercadoria como qualquer material.

Assim, a mais-valia, depois de transformada em lucro, pode converter-seem capital fixo, pela acumulação, porque o excedente material contém anteci-

 padamente os elementos materiais correspondentes; pode transformar-se emcapital constante circulante, porque as matérias primas e auxiliares necessáriasforam produzidas e compõem o excedente material; pode converter-se em sa-lários adicionais, pois os bens de consumo dos trabalhadores foram produzidoscomo excedente; podem converter-se em bens de luxo, materiais de guerraetc, pois uma parte do excedente que corresponde à mais-valia produzida está

constituída por esses bens, por essas mercadorias. Se vamos destinar uma parteda mais-valia à aquisição de novos imóveis, terão que ser produzidos essesimóveis e assim determinada parte do excedente produzido terá essa forma…

O anterior significa que não é possível efetuar um investimento realse os elementos materiais necessários para tanto não estejam fisicamentecontemplados na mais-valia. O trabalho, por exemplo, na construção de uma

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unidade produtiva é integralmente trabalho excedente, mais-valia em processode produção, desde o ponto de vista global. Por isso, qualquer crédito (capitala juros) para esse investimento está limitado pelo volume possível de ser pro-duzido no sistema como excedente. Qualquer crédito adicional à produção ouao investimento resultaria em inflação, reduzindo, por exemplo, o salário dostrabalhadores, ampliando de maneira forçosa o excedente.

Por outro lado, quando se trata de ampliação do capital fictício, a situa-ção é diferente. Ele pode crescer acima dos limites permitidos pela produçãode riqueza e de excedente, por meio dos lucros fictícios. Enquanto o capital a

 juros está limitado pelo volume disponível do excedente, o capital fictício não possui esse limite.

Dessa maneira, respondendo à pergunta apresentada acima, de fato meuslucros fictícios que compraram os bens suntuosos ou capital fixo correspondemna verdade a uma mais-valia produzida em algum momento anterior. E isso éindiscutível. Contudo, vejamos agora o outro lado.

Voltemos ao exemplo da compra do imóvel. Vamos supor que o comprador do mencionado imóvel tenha, efetivamente, obtido o dinheiro correspondentea partir dos lucros diretamente derivados da produção material industrial e,

 portanto, de lucros reais (mais-valia, simplesmente). Qual foi o destino que eledeu ao seu lucro? Comprou um imóvel sobrevalorizado especulativamente. Odestino de seus lucros foi em parte valor real ($ 400) e em parte pura riqueza

fictícia, capital fictício ($ 600). Em resumo, os lucros reais estavam em mãosde A e passaram para as mãos de B quando da compra; e os lucros fictícioscaíram nas mãos de A, sob a forma de sobrevalorização especulativa de umativo real, o imóvel.

Assim, é verdade que o vendedor, que foi beneficiado pela valorizaçãoespeculativa do imóvel, se apropriou inicialmente de lucros fictícios. Ao comprar 

 bens de luxo ou meios de produção, transformou sua propriedade fictícia emriqueza real. Porém isso somente foi possível porque o comprador fez justamenteo contrário. Transformou a mais-valia sob a forma de lucro em dinheiro, em

 parte, para a forma fictícia de sobrevalorização do imóvel. E então, se fizermosuma vez mais um esforço dialético de olhar as coisas do ponto de vista da

totalidade, nossa resposta à questão anterior é que os lucros fictícios não têmnada de mais-valia, não têm nada de valor-excedente mercantil.

Tudo isso nos leva a concluir que, em resumo, os lucros fictícios, gerados pela especulação, vão simplesmente incrementar o valor total da riqueza fictí-cia ou do capital fictício. Poderíamos inclusive inverter a afirmação e ela seriarigorosamente correta, ainda que talvez somente compreensível mais adiante:

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o incremento do capital fictício (nos referimos aqui exclusivamente ao capitalfictício do tipo 2) de um ano para o outro, em uma economia, é exatamenteigual ao valor gerado de lucros fictícios.

Além disso, a afirmação de que a mais-valia apropriada, o lucro real, possaser destinada à acumulação fictícia somente tem sentido do ponto de vista indi-vidual. Assim, se o indivíduo B obteve seu lucro real e comprou capital fictício,seja um imóvel sobrevalorizado, seja um título público, de fato transformouseu lucro real em lucro fictício, pelo menos em parte. Porém isso somente é acontra-face do fenômeno inverso. Alguém na economia, que obteve lucro fic-tício, converteu-o em excedente real, substantivo, e na mesma magnitude. Por outro lado, desde o ponto de vista global, a mais-valia apropriada como lucro

e não consumida, aumenta o capital real; os lucros fictícios apropriados, nãoreduzidos por uma eventual desvalorização de ativos, incrementam na mesmamagnitude o capital fictício. O consumo total de bens de luxo e a acumulaçãoreal somente podem ter como origem a mais-valia, fruto real da exploraçãodo trabalho produtivo. O capital fictício do tipo 2 cresce como resultado doslucros fictícios.

Em outras palavras, todo o anterior significa que, desde o ponto de vistaglobal, a mais-valia produzida somente pode ser consumida individualmente(“consumo individual” no sentido que Marx dá), acumulada como capital produ-tivo ou comercial, destruída ou desperdiçada. Por isso, a expressão “acumulação

financeira da mais-valia” somente pode levar a engano; é uma afirmação queimplica uma contradição em termos17.Vejamos uma questão paralela. O que ocorre com o crescimento do pa-

trimônio dos fundos de pensão dos assalariados? Trata-se de crescimento decapital fictício, de capital especulativo parasitário?

Uma resposta positiva poderia ser objetada, pelo menos no que se refereao crescimento resultante das aplicações nos fundos de parte dos salários dostrabalhadores que pensam em sua aposentadoria. De fato, por detrás do valor dessas aplicações está uma substância real que pode ser considerada ou como

 parte do excedente-valor produzido socialmente ou, ao contrário, como parte dovalor da força de trabalho. Em qualquer dos casos não poderia ser considerado

como incremento do capital fictício.Contudo, e se o destino desse aumento dos fundos é a compra de títulos

 públicos? Não se trata de crescimento de capital fictício? Por suposto que sim.O que temos que entender nesse caso é que o capital especulativo parasitárioglobal não se incrementou, porém uma parte correspondente do que era capitalfictício anterior, de propriedade de outros titulares, pode converter-se e se con-

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verte de fictício em capital a juros ou diretamente em investimento produtivoou comercial. Desde o ponto de vista global o capital fictício não cresceu por essa razão, porém a distribuição entre riqueza real e a fictícia se alterou, mudou

 parcialmente de mãos.

 A dívida pública e o mercado de derivativos

É claro que os novos títulos da dívida pública, emitidos por um governoqualquer e destinados a financiar seja um investimento físico em infra-estruturade transportes, por exemplo, ou qualquer outro investimento, possuem um cor-respondente real (o investimento) e são a contraparte dessa riqueza real. Marx

considera esses títulos (assim como as ações de qualquer empresa), emboranão se apresentem sobrevalorizados especulativamente, como capital fictício.Porém é um capital fictício que algo possui de correspondente no mundo dariqueza real. Por isso, como assinalamos, chamamos esse capital de capitalfictício de tipo 1.

O mesmo ocorre com o aumento da dívida se ela vai financiar gastos comeducação ou saúde, na medida em que agrega valor a força de trabalho. Esseincremento dos títulos públicos na circulação tem correspondência com umariqueza real produzida. Constituem capital fictício de tipo 1.

Diferente é o caso dos títulos da dívida pública, quando a emissão sedeve a uma insuficiência de fundos derivados de superávits primários, para o

 pagamento de juros da dívida pública anterior. Essa emissão cria lucros fictíciose incrementa o capital fictício global.

Algo que poderia obscurecer a natureza fictícia do capital constituído por títulos públicos é a afirmação de Marx de que a dívida pública é um poderosomecanismo de acumulação originária18. Tal afirmação, Marx a faz no capítuloreferente a essa acumulação, no livro I do Capital :

“A dívida pública torna-se uma das mais enérgicas alavancas da acumulação primitiva. Tal como o toque de uma varinha mágica, ela dota o dinheiroimprodutivo de força criadora e o transforma, desse modo, em capital,sem que tenha necessidade para tanto de se expor ao esforço e perigo

inseparáveis da aplicação industrial e mesmo usurária. Os credores doEstado, na realidade, não dão nada, pois a soma emprestada é convertidaem títulos da dívida, facilmente transferíveis, que continuam a funcionar em suas mãos como se fossem a mesma quantidade de dinheiro sonante”(MARX, 1984, p. 288).

“O Banco da Inglaterra começou emprestando seu dinheiro ao governo a8%; ao mesmo tempo foi autorizado pelo Parlamento a cunhar dinheiro do

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mesmo capital, emprestando-o ao público outra vez sob a forma de notas bancárias. Com essas notas, ele podia descontar letras, conceber emprés-timos sobre mercadorias e comprar metais nobres. Não demorou muito para que esse dinheiro de crédito, por ele mesmo fabricado, se tornassea moeda, com a qual o Banco da Inglaterra fazia empréstimos ao Estadoe, por conta do Estado, pagava os juros da dívida pública. Não bastavaque ele desse com uma mão para retomar mais com a outra; ele, enquantorecebia, continuava eterno credor da nação até o último tostão adiantado”(MARX, 1984, p. 288-289).

“Com a dívida pública surgiu um sistema internacional de crédito, quefreqüentemente oculta uma das fontes da acumulação primitiva neste ounaquele povo” (MARX, 1984, p. 289).

Há que se observar, contudo, que para Marx a dívida pública pode cumprir o papel de impulsionar a acumulação originária pelo fato de que os possuidoresdos títulos públicos, além de receberem sem riscos os juros devidos ao dinheiroque de outra maneira seria improdutivo, podem utilizá-lo, se é o caso, parafinanciar o capital industrial, obtendo remuneração adicional. Por outro lado,observa o autor que a dívida pública permitiu ao Banco da Inglaterra, com seudireito de banco emissor de dinheiro fiduciário, “dar com uma mão para receber com a outra mais do que dava”.

Utilizar os títulos públicos para financiar a produção, por exemplo,somente significa converter capital fictício em capital a juros, como deve ter 

ficado claro anteriormente, do ponto de vista do indivíduo possuidor dessestítulos. O financiamento da produção pressupõe a existência do excedente-valor produzido. Essa conversão para o possuidor dos títulos significa, comocontrapartida, que outro agente converteu seu capital real em capital fictício.É a dialética aparência/essência, ato individual/totalidade.

O fato de que o capital fictício apresente tal efeito sobre a acumulaçãooriginária ou sobre a acumulação regular não é senão o resultado de sua naturezadialética real/fictícia, difícil de ser entendida. E assim, a dificuldade se duplica:dialética real/fictícia, dialética essência/aparência.

Deixando de lado, agora, a dívida pública, observemos o mercado dederivativos. Os lucros obtidos nesse tipo de mercado, por constituir um im-

 portante rendimento do capital especulativo parasitário, podem chegar a ser considerados como lucros fictícios. Contudo, isso não é, em verdade, adequado.Esses lucros, quando constituem rendimentos derivados de perdas da mesmamagnitude sofridas por outros agentes que operam nesses mercados, não podemser considerados como fictícios e nem mesmo como lucros. São, na verdade,

 puras transferências de valor. Por outro lado, talvez na maior parte das vezes

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constituam perdas de pequenos investidores (especuladores sim, porém nãocapitalistas no sentido rigoroso do termo). Nessa medida, vão contribuir parao incremento da rentabilidade do grande capital especulativo e, dessa maneira,da mesma forma como os lucros fictícios, devem ser considerados como fator de contra tendência da queda da taxa de lucro do capital, ou pelo menos, dogrande capital. A poupança dos assalariados, classe média ou não, e dos pe-quenos empresários, aplicados como investimento especulativo no mercadode derivativos ou nos mercados secundários de títulos ou ações, podem, por transferência, aumentar os lucros do capital especulativo parasitário, sem cons-tituir, na verdade, lucros fictícios.

 Algo mais sobre o capital fictício

Assim, em resumo, podemos dizer que os lucros fictícios estão formadosanualmente pelo aumento da dívida pública destinada a financiar os gastosimprodutivos e o pagamento de juros, além da valorização especulativa dosativos, sejam reais (como imóveis) ou fiduciários, mobiliários (títulos priva-dos de diferentes tipos, inclusive ações). Esses lucros têm o exato volume docrescimento do capital fictício do tipo 219.

Existe um argumento que nos parece definitivo para que a categoria delucro fictício seja aceita e, além do mais, para mostrar que está na lógica do quenos apresentou Marx quando analisou o capital fictício. Poderia ser apresentadoda seguinte maneira: se não é a existência de lucros fictícios, como é possívelque surja novo capital fictício? Como é possível que o valor global do capitalfictício, pelo menos o do tipo 2, se incremente tanto? Por suposto que a mais-valia ou o excedente-valor produzido, no caso de serem acumulados, amplia ovalor do capital industrial e jamais o do fictício. Assim, a única resposta possívelé que o incremento do capital fictício do tipo 2 somente pode ter como origemos lucros fictícios.

Algumas vezes o capital fictício é visto como simples acumulação dedireitos de apropriação de mais-valia no futuro20. Pelo anterior, esperamosque seja compreensível que tal visão é equivocada. O capital fictício é muito

mais que isso. É, no presente, tão real como qualquer outro capital, desde o ponto de vista do ato individual e isolado. Além disso, como qualquer outro,exige remuneração hoje e no futuro e talvez seja de sua natureza mesma umavoracidade ainda maior que a apresentada por todas as demais formas do ca-

 pital, no que se refere pelo menos ao curto prazo… Vê-lo como uma forma decapital que se preserva para usufruir de mais-valia futura, talvez expresse uma

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 perspectiva limitada pela visão keynesiana, incapaz de dar conta da dialéticaque o determina e explica.Esse crescimento dos lucros fictícios e do capital fictício é, sem dúvida,

essencial para entender porque a etapa especulativa do capitalismo sobreviveaté hoje, apesar de ter se iniciado há mais de duas décadas. Contudo, essasobrevida não seria possível se, ao mesmo tempo, não tivesse produzido umenorme incremento da exploração dos trabalhadores assalariados, tanto dos

 países centrais 21 como dos periféricos, assim como dos não assalariados de todoo mundo, sem esquecer dos daquelas regiões mais miseráveis da terra.

A lógica capitalista seria totalmente absurda se estivesse simplesmentesustentada, e por tanto tempo, pelo simples crescimento dos lucros fictícios.

Apesar de ter-se tornado um curioso e poderoso mecanismo de se contrapor àtendência à queda da taxa de lucro, não pode constituir-se em sustentação dacontinuidade do capitalismo. O mencionado incremento da exploração teve comoorigem o aumento da mais-valia relativa (graças ao desenvolvimento tecnológicodo período), a mais-valia absoluta (expansão e intensificação das jornadas detrabalho), o incremento da superexploração (redução dos salários reais diretose indiretos) e o incremento da miséria dos trabalhadores não assalariados22.

Duas coisas são importantes assinalar neste momento. Em primeiro lugar,a continuidade da etapa atual do capitalismo especulativo somente poderá man-ter-se pelo incremento adicional da exploração do trabalho no mundo todo e

 pela intensificação das transferências de valor da periferia aos países centrais 23.Por outra parte, a eventual superação dessa etapa especulativa por uma novaetapa, na qual o domínio do capital especulativo parasitário seja destruído, ou

 pelo menos reduzido significativamente, somente seria possível por meio deum processo que significará ulterior incremento substancial da exploração dotrabalho, embora ela já tenha atingido níveis surpreendentes.

Qual é a base teórica que permite sustentar a conclusão anterior? Por quecorrentes heterodoxas do pensamento, muito críticas ao capital especulativo,apresentam outras conclusões, aceitando a possibilidade de que a atual etapacapitalista evolui para uma nova era virtuosa, à semelhança dos anos dourados docapital, com predomínio do capital produtivo e com possibilidade, pelo menos

em alguns países, de renovação das concessões a seus trabalhadores?

 As duas visões críticas sobre o futuro capitalista

 Nossa concepção de que o futuro da sociedade, enquanto sobrevivacomo capitalista, implica elevação do grau de exploração dos trabalhadores ede crescimento absoluto da miséria em amplas camadas da população, deriva

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diretamente da teoria marxista do valor, entendida adequadamente. Para ela,a riqueza capitalista e, em particular, o lucro capitalista têm origem, e segue(como não poderia deixar de ser) tendo origem na etapa atual, no trabalho hu-mano. O avanço tecnológico tem papel importante, porém como mecanismo detransferência de mais-valia (por meio dos lucros extraordinários e das rendasde monopólio) e não como produtor da mesma (salvo pelo mecanismo de mais-valia relativa, mecanismo esse mais que compensado, no que se refere à taxade lucro, pela elevação da composição orgânica do capital).

Assim, a lei da tendência à queda da taxa geral de lucro é conseqüêncianecessária dessa teoria24. As críticas à lei, expressas em diversas oportunidades ede diferentes maneiras, não são mais que críticas “autoritárias” que partem de

supostos estranhos à própria teoria de Marx e que, por isso e pelo fato de que não podem ser comprovadas empiricamente, são absolutamente irrelevantes25.

 Nessa perspectiva, os lucros fictícios surgem como outro fator de con-tra-tendência à queda da taxa de lucro; curiosamente se trata de algo que nãotem origem na mais-valia, que não provém da exploração. Assim, o capitalaproximou-se de seu ideal: ganhar e incrementar-se sem necessidade de sujar suas mãos com a exploração. Porém, isso a que preço?

Justamente ao contrário, as concepções heterodoxas têm uma visão dis-tinta sobre a origem da riqueza e sobre o excedente. Ou são tributárias de uma

 perspectiva ricardiana com viés srafiano26, em que a riqueza é vista de uma

maneira trivial como um conjunto heterogêneo de bens e o excedente e suamagnitude, como resultado da tecnologia utilizada (a matriz tecnológica – doscoeficientes técnicos – em Sraffa) ou, pior ainda, somente possuem uma visãointuitiva da natureza da riqueza capitalista e, portanto, do excedente, quandonegam relevância a qualquer teoria do valor. Nesse último caso, se satisfazemcom uma visão ainda mais ingênua, desprovida de capacidade para entender os alcances de sua concepção.

Para todas essas concepções e também, eventualmente, para autores quese situam no campo marxista, porém que tributários dos limites da visão ricar-diana, o tamanho do excedente e também da taxa de lucro pode perfeitamentecrescer, sem problemas, como resultado do desenvolvimento tecnológico. E

assim, não há maiores problemas. O capitalismo pode superar a atual fase e paraisso basta impor limites, por intermédio de mecanismos econômicos e políticos,ao “capital financeiro”27. Tais concepções aceitam que existe no capitalismo dehoje o domínio do capital financeiro, porém crêem ser possível um retorno aocapitalismo produtivo e inclusive com capacidade de voltar a fazer concessõesaos trabalhadores28.

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Se, além disso, os participantes das mencionadas concepções crêem quea oposição capital financeiro versus capital produtivo aparece concretizada emmãos distintas, conformando frações totalmente diferentes no interior da burgue-sia, a coisa ficaria muito mais fácil ainda: bastaria promover a fração burguesa

 produtiva, progressista (sic), a setor dominante; para isso seria indispensávelaliar-se a ela, ou melhor, subordinar-se politicamente a ela29.

Vivem em um mundo de sonhos: a utopia de um capitalismo humanizado.E são felizes com sua concepção e com seus sonhos. A perspectiva sraffianaou a visão econômica mais ingênua constituem as bases econômicas, e desdemuito tempo têm sido, do mais trivial reformismo. Lamentavelmente, para eles,embora não a entendam, a profundidade da teoria marxista do valor logra de-

monstrar que essa perspectiva é totalmente ilusória. Não fora trágica, ao enganar inclusive aos setores violentados pela lógica capitalista, seria cômica.

Tais concepções têm uma dificuldade adicional. Não sabem muito bemcomo tratar o capital financeiro. Na verdade, não entendem adequadamentenem mesmo o próprio conceito de capital, e isso parece absurdo. No melhor dos casos, tratam o capital a la Sraffa, como um conjunto heterogêneo de meiosde produção e sem nenhuma dimensão social por trás. A contrapartida disso éentender o trabalho não como conceito central na teoria (e, em verdade, não

 pelas ridículas razões pós-modernas), mas como simples fator de atribuição deinsumos consumidos pelo trabalhador que, na produção, em nada se diferencia

de um animal ou de um motor a explosão, elétrico ou de outro tipo.Se o capital é um conjunto heterogêneo de bens, o que poderia ser paraeles o capital financeiro? Qual é a natureza do capital financeiro? Que relaçãotem com o capital produtivo e com o capital a juros? A verdade é que a vidadesses reformistas, pelo menos do ponto de vista teórico, não é muito fácil!

Talvez, a melhor saída para entender o capital financeiro dentro dessasconcepções seja tratá-lo como um capital em espera, como uma concessão deum crédito na expectativa futura de apropriação de um excedente real. A grandedificuldade que enfrentam, além da ausência de uma adequada teoria da riquezae do valor, é sua incapacidade de entender o método dialético. Talvez chegueminclusive a se deleitar com as afirmações de Böhm-Bawerk de que a dialética

não é mais do que um recurso retórico30, embora tal autor se encontre no seiode outra perspectiva teórica.

A ausência de uma visão dialética os impede de ver que o “capital finan-ceiro”, o capital fictício, ao mesmo tempo que é fictício, é real. Isso ao mesmotempo! O fato de que assim realmente seja, os leva a embaralhar-se ao tratar ofenômeno. A lógica metafísica positivista é incapaz de entender essa dialética

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fictício/real. Se é fictício, facilmente pode ser superado, e para isso basta uma política adequada; porém se é real como fazer?

 Abstract

This paper intents to go forward in the discussion about the fictitiouscapital, a main subject on Marx’s work and a subject of extreme importanceto understand the current configuration of contemporary capitalism, from theconcept of fictitious profits. Expressing the most pure dialectic nature, thefictitious profits are real and fictitious at the same time, provided that they areunderstood by an idividual perspective and a whole one, respectively. A profit

that, as part of the contraditory nature of the capital, presents itself as a autono-mous substance, result of a financial speculation, “independent” of the actual

 production of surplus value. And it´s precisely on this real / imaginary naturethat its discussion earns a total relevance in the current stage of contemporarycapitalism.Key words: Capital fictitious, profit fictitious, political economy, contemporarycapitalism

Referências

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• 63REVISTA Soc. Bras. Economia Política, Rio de Janeiro, nº 24, p. 41-65, junho 2009

TRINDADE, José Raimundo Barreto.  Dívida Pública e teoria do crédito em Marx.Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Universidade Federal doParaná (UFPR), 2006.

Notas

1 Desde logo convém dizer que nossa interpretação difere da de KATZ (2002), ainda que com- partilhamos muitas de suas críticas ao que chama de teóricos do “capital rentista”, além tambémde várias de suas conclusões sobre a etapa atual do capitalismo, em particular a que se refere aoincremento do grau de exploração da força de trabalho e a importância da tendência à queda nataxa de lucro. Desconhecer o significado da teoria marxista do valor e não entender o nexo realindissolúvel entre a apropriação especulativa e o capital produtivo, locus da produção do excedentesob a forma de mais-valia, desconhecimentos esses mencionados por Katz, é, sem dúvida, um

dos pecados das interpretações de muitos autores preocupados com a financeirização atual.2 Em trabalhos anteriores foi tratado um pouco mais amplamente esse assunto (cf. CARCA- NHOLO e NAKATANI, 2001).3 Vários autores têm interpretação distinta. Veja-se, por exemplo, TRINDADE (2006): “O capitalfictício é, portanto, uma forma específica do capital monetário de empréstimo e cumpre funçõesespecíficas, porém em nome do capital monetário de empréstimo”.4 Para Marx, ações constituem um instrumento de crédito. Sua remuneração chamada dividendosé fundamentalmente juros.5 Por exemplo, gastos militares. É interessante notar, nesse aspecto, que os gastos militares so-mente diferem dos gastos suntuosos da burguesia porque uns se destinam a garantir o desfruteda burguesia, e os outros para garantir seu poder, desde que financiados por receitas tributárias.Ambos constituem destino de uma parte do excedente-valor produzido socialmente, que não podem ser usados para outro fim. Contudo, diferem muito mais quando aqueles são financiados

 pela dívida pública, uma vez que seu valor aparecerá como aumento do capital fictício em mãosda burguesia.6 Por exemplo, pagamento de juros da dívida em montante superior ao disponível em razão dosuperávit primário.7 Uma vez que a empresa destina o crédito recebido a algum tipo de investimento.8 KATZ (2002, p. 6) também parece sugerir o mesmo, ainda que isso não seja tão claro: “Afronteira entre o capital fictício e outras modalidades do capital-dinheiro é bastante borrosa, jáque na acumulação seu papel não é ilusório”.9 Destacamos principalmente sua obra The limits to capital . England, Basil Blackwell Publisher Limited, 1982.10 O certo é que o titular de uma determinada massa de capital fictício pode trocar, no mercado,seu capital por outra forma qualquer, seja produtiva (comprando uma fábrica, por exemplo) ou

comercial (adquirindo uma empresa comercial). Contudo, o volume total do capital fictício nãomuda; o que ocorre é que aquela massa se transfere de mãos.11 Utilizamos a expressão excedente-valor pois, além da mais-valia, ele está constituído peloexcedente produzido sob relações não salariais existentes no capitalismo contemporâneo.12 Agradecemos a Claus Germer (UFPR) por ter apresentado essa objeção nas nossas discussões.13 Quem se apropria dele ou da maior parte dele é outro problema. Obviamente que os grandesespeculadores quase sempre ganham.

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É necessário destacar que as condições de mercado que produzem destruição de capital fictíciodeterminam também, em maior ou menor grau, destruição de capital substantivo.15 Essa é, rigorosamente, uma frase usada por Marx no capítulo sobre a mercadoria, no Capital .16 Obviamente que as expressões “valor do acionista” (valeur actionnariale) ou “criação devalor do acionista” (création de la valeur actionnariale) são absolutamente inaceitáveis em umaadequada perspectiva da teoria marxista do valor. Seriam algo menos problemáticas, salvo por nossa análise presente sobre os lucros fictícios, se referidas à apropriação do valor resultado dotrabalho em alguma esfera produtiva. Sobre este último aspecto, para os poucos iniciados, seriaconveniente a leitura do capítulo sobre a “renda e suas fontes” no terceiro livro do Capital .17 Destaque-se, contudo, o fato de que se por acumulação financeira também se entende oincremento do capital a juros da economia, nesse caso a expressão é correta. Em paralelo como volume adicional do capital a juros, que se destine a financiar, por exemplo, o aumento da produção, ocorre a existência de um excedente material sob a forma de meios de produção,

 produzido como excedente e sob a forma de mais-valia.18 Agradecemos a Julio Gambina, da Universidade de Buenos Aires, por ter apresentado essaquestão que aparentemente poderia contradizer nossa interpretação sobre o capital fictício.19 Esse capital pode crescer adicionalmente, porém em volume pouco significativo, por decisãodo Estado, ao conceder pensão regular a particulares ou direito de exploração, por exemplo, defreqüências de rádio, etc.20 Parece ser essa também a visão de KATZ (2002) quando afirma: “as transações financeiras...representam expectativas de realização de exploração futura da força de trabalho” (p. 4). Também,essa parece ser a posição de BONNET (2006): “Nesse sentido a financeirização do capital é aomesmo tempo uma fuga em frente do capital em crise – uma aposta da exploração futura dotrabalho – e uma resposta do capital à sua crise – uma ofensiva de disciplinamento destinada aestabelecer as condições de possibilidade para essa exploração futura”. Estamos de acordo de quese trata de uma resposta do capital a crises e uma ofensiva contra o trabalho, porém não que cons-

titua uma aposta na futura exploração. O capital é voraz e exige remuneração hoje mesmo.21 É o que destaca FOSTER (2006) sobre o incremento da exploração dos trabalhadores dosEstados Unidos da América: “… os salários reais para a grande maioria deles estão contidos;o desemprego e o subemprego aumentam; a criação de empregos é frágil; os serviços sociaisgovernamentais para a população (incluindo a educação) estão em regressão; e os impostos pagos pelos trabalhadores aumentam”.22 Estamos de acordo com KATZ (2002) e com PERELMAN (1990) no sentido de que a finan-ceirização recente tem contribuído para recompor a taxa geral de lucro: “A interpretação marxista permite compreender de que forma as transformações financeiras recentes têm contribuído pararecuperar a taxa de lucro no processo de crise e reorganização do capital nas últimas décadas”(KATZ, 2002, p. 4). Contudo, cremos que isso ocorre não somente pelo incremento da exploração, porém também em razão dos lucros fictícios.23 Também nesse aspecto concordamos com KATZ (2002), porém talvez sua tese sobre o futuro

do capitalismo não seja tão conclusiva como a nossa e permita pensar a superação da atual fasesem maiores traumas, ainda que com maiores níveis de exploração dos trabalhadores.24 A relação entre teoria do valor, a lei da tendência à queda da taxa de lucro e o capital fictício écentral na interpretação das crises capitalistas financeiras, formando, por si mesmas, categoriasmarxistas que explicam perfeitamente o caráter dessas crises. Nesse sentido, em nossa opinião,CHESNAIS (2006: 89) faz uma apreciação que carece de uma verdadeira compreensão da te-oria marxista do valor, ao afirmar: “…pode-se dizer também que a teoria das crises financeirasesboçada por Marx – como crises onde se combinam destruição do valor (fictício) dos títulos e

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contração brutal do crédito, sob o efeito das dificuldades bancárias e do emaranhado de dívidase créditos – não é natural à análise marxiana ou marxista. Ela prenuncia a teoria das crises dosmelhores teóricos keynesianos nesses domínios, em particular a de Hyman Minsky”. Se real-mente aquele autor pretendeu afirmar que a perspectiva marxista apenas alcança esboçar umateoria das crises e que esse esboço somente permite prenunciar a teoria keynesiana das crises(o que é ainda pior), isso significaria dizer que a dialética não é capaz de explicá-las e que ascategorias científicas do valor-trabalho e capital fictício servem simplesmente como prenúncios(ou talvez de subsídio, se isso fosse possível) para as “melhores” análises keynesianas. Se issoé certo, cremos que em Chesnais não se encontra uma compreensão adequada e suficiente dateoria marxista do valor.25 Cf. COLETTI (1978, p. 58 a 91). Quando ainda se considerava marxista, produziu textossignificativos.26 Cf. SRAFFA, 1966.27

Consideramos que o conceito de capital financeiro, disseminado principalmente a partir dostrabalhos de HILFERDING (1970) e LÊNIN (1954), não é suficiente para entender o movimen-to do capital fictício e, por isso, do capital especulativo parasitário. Essa idéia é discutida emCARCANHOLO e NAKATANI (2001). Conferir também sobre o assunto o interessante artigode ALVES PINTO (1997).28 Por exemplo, Duménil e Lévy, ainda que admitam que as contradições atuais do capitalismo possam resultar em uma grande crise, crêem também na possibilidade de uma extinção gradualda hegemonia do que chamam “finanças” e um certo retorno a um capitalismo com determinadasconcessões aos trabalhadores, quer dizer, um capitalismo mais humano, se é que isso realmenteexistiu em algum momento. Conferir especialmente DUMÉNIL e LÉVY (2003) e tambémCARCANHOLO (2004).29 Nesse aspecto estamos totalmente de acordo com Bonnet: “Em nossos países, esses tipos deinterpretações que contrapõem mecanicamente as esferas financeiras e produtivas conduzem adiagnósticos insustentáveis e daí rapidamente para reciclagem de programas nacionalistas-po- pulistas centrados na proteção de supostos capitais autônomos autenticamente produtivos ante ocapital financeiro transnacionalizado” (BONNET, 2006). E também: “Em muitas análises, alémdisso, o capital financeiro e o capital produtivo assim contrapostos são associados, em uma visãofracionalista, a frações da burguesia com interesses e políticas igualmente contrapostas (ver emnosso meio, por exemplo, BEINSTEIN, 1999)” (BONNET, 2002).30 Cf. BÖHM-BAWERK, 1974.