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122 Capital, controle social e participação autônoma dos trabalhadores no capitalismo em crise Maria Cristina Soares Paniago Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Capital, controle social e participação autônoma dos trabalhadores no capitalismo em crise Resumo: O objetivo deste artigo é discutir a concepção de autonomia (fábricas ocupadas) e de controle social (participação nas instâncias do Estado) dos/pelos trabalhadores, depois de décadas de experimentos sociais, a partir dos anos 1990. Observa-se que tais experiências ao invés de fortalecerem a luta pela emancipação do trabalho tem-no levado à crescente subordinação aos interesses do capital e à perda de vantagens parciais antes adquiridas. Tal quadro agrava-se com a crise estrutural e a produção destrutiva que caracterizam o sistema do capital, colocando em cheque os fundamentos das concepções de autonomia, de controle e de participação social democrática que as orientam. A autodeterminação dos trabalhadores e, portanto, a real autonomia e a participação social, de acordo com a discussão proposta pelo artigo, são irrealizáveis nos marcos do sistema dominante. Palavras-chave: Autonomia operária. Participação social. Controle social. Crise estrutural do capital. Emancipação humana. Capital, Social Control and Autonomous Participation of Workers in Capitalism in Crisis Abstract: The purpose of this article is to discuss the concept of autonomy (occupied factories) and social control (participation in the State apparatus) of and by workers, after decades of social experiments, since the 1990s. It notes that these experiences, instead of strengthening the struggle for the emancipation of work, have led to a growing subordination of workers to the interests of capital and to the loss of previously acquired partial advantages. This situation is aggravated with the destructive structural and production crisis that characterizes the capitalist system, questioning the foundations of the concepts of autonomy, control and democratic social participation that guide them. Self-determination of workers therefore involves true autonomy and social participation, and according to the discussion proposed by the article, these cannot be achieved under the dominant system. Keywords: Worker autonomy. Social participation. Social control. Structural crisis of capital. Human emancipation. Recebido em 12.10.2011.Aprovado em 18.12.2011 PESQUISA R. Katál., Florianópolis, v. 15, n. 1, p. 122-130, jan./jun. 2012

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Capital, controle social e participação autônoma dostrabalhadores no capitalismo em crise

Maria Cristina Soares PaniagoUniversidade Federal de Alagoas (UFAL)

Capital, controle social e participação autônoma dos trabalhadores no capitalismo em criseResumo: O objetivo deste artigo é discutir a concepção de autonomia (fábricas ocupadas) e de controle social (participação nasinstâncias do Estado) dos/pelos trabalhadores, depois de décadas de experimentos sociais, a partir dos anos 1990. Observa-se que taisexperiências ao invés de fortalecerem a luta pela emancipação do trabalho tem-no levado à crescente subordinação aos interesses docapital e à perda de vantagens parciais antes adquiridas. Tal quadro agrava-se com a crise estrutural e a produção destrutiva quecaracterizam o sistema do capital, colocando em cheque os fundamentos das concepções de autonomia, de controle e de participaçãosocial democrática que as orientam. A autodeterminação dos trabalhadores e, portanto, a real autonomia e a participação social, de acordocom a discussão proposta pelo artigo, são irrealizáveis nos marcos do sistema dominante.Palavras-chave: Autonomia operária. Participação social. Controle social. Crise estrutural do capital. Emancipação humana.

Capital, Social Control and Autonomous Participation of Workers in Capitalism in CrisisAbstract: The purpose of this article is to discuss the concept of autonomy (occupied factories) and social control (participation in theState apparatus) of and by workers, after decades of social experiments, since the 1990s. It notes that these experiences, instead ofstrengthening the struggle for the emancipation of work, have led to a growing subordination of workers to the interests of capital andto the loss of previously acquired partial advantages. This situation is aggravated with the destructive structural and production crisisthat characterizes the capitalist system, questioning the foundations of the concepts of autonomy, control and democratic socialparticipation that guide them. Self-determination of workers therefore involves true autonomy and social participation, and accordingto the discussion proposed by the article, these cannot be achieved under the dominant system.Keywords: Worker autonomy. Social participation. Social control. Structural crisis of capital. Human emancipation.

Recebido em 12.10.2011.Aprovado em 18.12.2011

PESQUISA

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Introdução

Em uma sociedade de classe, o trabalho que pro-duz natureza transformada e a posse dos meios deprodução são atribuições distintas de um conjunto deindivíduos constituintes de classes sociais, definidasa partir da posição que ocupam na produção socialda riqueza1.

Para que a produção capitalista pudesse se de-senvolver, e obter o êxito produtivo que lhe assegu-rou a existência até nossos dias, foi preciso que arelação antagônica entre os indivíduos postos a cum-prir o papel de força de trabalho (trabalhadores) eaqueles proprietários dos meios de produção (capita-listas) estivesse amparada por uma adequada estabi-lidade, só assegurada pela dominação eficaz do capi-tal na esfera da política (Estado) e da produção ma-terial (unidades produtivas individuais).

O pleno funcionamento sociometabólico da soci-edade capitalista exigia um controle centralizador (naesfera da política) e autoritário (na esfera da produ-ção material da riqueza) diante da rebeldia einsubmissão dos trabalhadores em produzir os meiosde sua própria dominação – mais-valia extraída daforça de trabalho e apropriada pelo capitalista. Con-dições estas fundamentais para que o sistema docapital pudesse alcançar a forma mais avançada deextração de trabalho excedente já vista na história.

O inegociável despotismo sobre o trabalho, na baseda produção, combinou-se com uma ilusão democrá-tica do ordenamento jurídico-político liberal no âmbi-to do Estado. O antagonismo real entre o capital e otrabalho deveria ser ocultado pelo incentivo à partici-pação de todos nos processos de decisão quanto aosdestinos da sociedade. Ainda que a consumação doprojeto capitalista de sociedade tenha levado algumtempo para se consolidar na história, a partir do sé-culo 20 ele demonstrou plenamente sua maturidade.Em particular, conseguiu articular adequadamente noOcidente o controle sobre o funcionamento socio-metabólico da sociedade com a participação demo-crática de todas as classes.

Enquanto, na primeira metade do século 20, pu-deram-se ajustar os interesses da expansão do capi-tal a uma crescente participação política dos traba-lhadores, e até mesmo uma maior integração destesno mercado de consumo em sua fase de crescimen-to e ocupação de novos territórios e mercados, o efeitoideológico desta aparente sintonia entre capitalismoe democracia2, constituída na base da política de ne-gociação entre as classes, teve enorme utilidade naatenuação dos antagonismos de classe, e na conti-nuidade das formas de exploração e de acumulaçãode capital até ali estabelecidas. Ao mesmo tempo emque se ampliavam o domínio e o controle sobre asrelações de produção, maior envolvimento dos tra-balhadores se dava na participação democrática no

ordenamento social dominante. Os benefícios mate-riais da expansão do capitalismo e seu efeito imedia-to sobre o padrão de vida dos trabalhadores constitu-íam um forte argumento contra aqueles que alertavamsobre a sua incerta duração e a lógica imanente aopróprio sistema do capital, cuja acumulação da ri-queza tem como pressuposto a crescente explora-ção do trabalho e a apropriação privada de cada vezmaior parcela da riqueza social.

A estabilidade aparente do sistema do capital, combase nesta estratégia de crescimento, sofre umainflexão brutal a partir da crise estrutural que eclodiuna década de 1970. A participação oferecida anterior-mente às camadas populares não pode mais ser mantidana escala e na abrangência vistas no período de as-cendência do sistema. As democracias constituídas,agora presentes na maior parte do mundo ocidental,passam a executar o plano de recuperação dalucratividade do capital global com a implementaçãodo ideário neoliberal, tendo como principais políticassaneadoras da crise o aumento da produtividade, jun-tamente com a geração de desemprego em larga es-cala. A perda das vantagens materiais e de direitos dotrabalho vai ser a pedra de toque dos efeitos sociaisprovocados pelas medidas neoliberais. A relação capi-tal-trabalho tem que ser ajustada de forma autoritáriaàs necessidades do sistema do capital, visando garan-tir maior liberdade de movimentação para o capital e ocrescimento da produção de trabalho excedente, o que,por consequência, leva a uma maior exploração da-queles que trabalham.

Neste quadro de crise estrutural, as condiçõesreais de participação social e da constituição de for-mas autônomas de controle operário sobre o capital,tema de nosso interesse, tornam-se ainda mais pro-blemáticas. As lutas defensivas do trabalho, no de-correr da segunda metade do século 20, encontrambarreiras cada vez maiores para realizarem mesmoos avanços mais pontuais. Para não dizer que a clas-se trabalhadora viu-se atordoada e fragilizada em suacapacidade de resistência, com a retirada de muitosdos ganhos do passado em que predominara a políti-ca de negociação de classe.

Desse modo, explicitarmos os desafios que a lutaemancipatória do trabalho, expressa nas experiênci-as de autogestão operária nas fábricas ocupadas ounas formas de controle social representadas pela es-tratégia de participação social na esfera do Estado,em tempos de crise estrutural, assume ainda maiorimportância histórica. E exige do Serviço Social umacompreensão acurada das modificações provocadaspelas demandas do capital, para que possa melhororientar a formação e a ação profissionais, e a pes-quisa, no combate à crescente desigualdade social eà miséria, consequências sociais inevitáveis da crise.

Temos por objetivo identificar os limites ontológicosdo controle operário e da participação social, com-

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prometidos com a realização de objetivosemancipatórios no interior da sociedade regida pelocapital. O desafio para compreendermos, sem temor,em tempos de refluxo da luta de classes, os limitesdas experiências de controle operário, social, nosquadros do sistema do capital, e de reconhecermosos fundamentos ontológicos da relação-capital, bemcomo os requisitos superadores de toda sorte de ex-ploração, está colocado na ordem do dia.

1 Confusão teórica e ilusão estratégica

Há tempos, a questão do controle social sobre oEstado e do controle operário sobre o capital vêmatraindo atenção de pensadores marxistas e do mo-vimento dos trabalhadores de um modo geral.

A questão do controle operário sobre o capital, natradição marxista, é recolocada de forma incisivadurante os processos revolucionários que marcaramo início do século 20. Momento em que surgiram asprimeiras formas de conselhos operários em que secombatia a propriedade privada, e exigia-se a trans-ferência de todo poder aos trabalhadores organiza-dos. No rastro do fim da Primeira Guerra, a Revolu-ção Russa e a alemã vão colocar em prática as pri-meiras experiências de autogestão no século 20, bemcomo vão enfrentar o desafio de articular o poderoperário nas diversas esferas de atividade social,política e de produção material. É nesse período, edepois nas experiências revolucionárias que circun-daram a Segunda Guerra Mundial, como aconteceuna Itália, na Espanha (TRAGTENBERG, 1987) e naHungria, que o debate teórico sobre o controle ope-rário e as formas de autogestão ganhará maior subs-tância e influenciará as estratégias futuras a seremimplementadas pelos revolucionários do movimentointernacional dos trabalhadores.

Muitas outras experiências de controle operáriono mundo ocorrerão (Yugoslávia, Argélia, França,Polônia), e muitas alterações estratégicas econceituais sobre o controle operário serão concebi-das no decorrer do século 20, até que uma onda maissignificativa atinja a América Latina.

No Brasil, nos anos 1970, vão predominar nomovimento operário as comissões de fábrica da opo-sição sindical nos anos de resistência à ditadura. E,depois, com o surgimento dos partidos dos trabalha-dores e dos movimentos sociais, nos anos 80, o focono controle social pelos trabalhadores, antes nas fá-bricas, vai se deslocar para uma gama mais amplade movimentos sociais, locais e de micropoder.

Sob a influência do alegado fracasso do socialis-mo, com o fim da URSS, o esgotamento dos ganhosobtidos no Welfare State e da inviabilidade do projetosocialdemocrata do caminho gradual para o socialis-mo, o grande desafio revolucionário de constituição

de formas autônomas de poder operário, como con-dição à superação da exploração e do capital, é aban-donado por contingentes crescentes de intelectuais,partidos e movimentos sociais.

Ao mesmo tempo abandona-se a possibilidaderevolucionária de superação do capital e adotam-seestratégias de conciliação entre o mercado e o soci-alismo, entre o trabalho e o capital, de aperfeiçoa-mento do capitalismo democrático e da formulaçãode alternativas de controle operário no interior docapitalismo, sem que se questionem as formas deopressão de classe exercida pelo capital e o seu Es-tado3, pois permanecem atuantes e inatacáveis.

Não desaparecem as necessidades de organiza-ção autônoma dos trabalhadores e as de luta pelamelhoria de suas condições de vida e de trabalho.Mas essas reivindicações podem, a partir destas con-cepções, ser realizadas no/pelo capitalismo, uma vezque não há mais a necessidade de confronto com ascausas da miséria e da exploração, qual seja, a apro-priação privada do produto do trabalho alheio. Nãose trata mais de confronto de projetos alternativos declasse, mas de conflito de interesses entre cidadãos,cuja disputa restringe-se à repartição da riqueza so-cial.

Dentro deste quadro, portanto, a mera constitui-ção de um coletivo de proprietários privados(associativismo, cooperativas, fábricas ocupadas etc.)torna-se, de um modo geral, sinônimo de autonomiado trabalho diante das relações ainda estabelecidaspelo capital. A luta contra a exploração fica su-bordinada apenas ao seu caráter de luta anti-hie-rárquica, democrática, participativa, ou torna-seuma luta contra a alienação descolada de uma lutacontra o capital. Quando não se vê envolvida emnovas relações de dependência estabelecidas, ejustificadas, com o Estado capitalista (DALLEMAGNE,1976;GAUDICHAUD, 2004).

A crítica ontológica de Marx sobre os fundamen-tos do sistema do capital e as exigências revolucio-nárias colocadas para a superação da exploração dotrabalho, o que envolve também as formas de luta eorganização dos trabalhadores, foi abandonada ouminimizada. Predomina, então, uma transfiguraçãoconciliatória dos confrontos inevitáveis e um empo-brecimento teórico de conceitos fundamentais comoo de propriedade privada, uma vez que se confundea propriedade coletiva, ainda submetida à lógica docapital, com a propriedade social nos termos coloca-dos por Marx (MARX, 1984). Observa-se um redu-cionismo do caráter essencial de conceitos teóricos,fundamentados na realidade concreta, como um meiode justificar as experiências de autogestão, nas quaispermanecem decisivos os imperativos da tirania domercado (e do capital) sobre o poder de decisão dostrabalhadores cooperativados. A confusão teórica aíse estabelece impunemente, pois se passa a utilizar

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de forma similar conceitos historicamente formula-dos sob fundamentos distintos e contrários ao que sepretende caracterizar. É o que verificamos, por exem-plo, no uso de “trabalho associado”, originalmenteformulado por Marx (1977).

Caso, entre outros, de Vieitez e Dal Ri (2001, p.36-37, grifo nosso) quando afirmam que as empresasde autogestão (EA) “não contribuem para a perpetua-ção do mercado de trabalho assalariado. A razão pri-mordial para isso é que a EA está baseada sobre umarelação de trabalho distinta da relação capital-assalariamento. O trabalhador típico da autogestão éo associado e não o assalariado.” Mais à frente, con-tinuam: “o associado distingue-se do assalariado pelofato de que o ato de associação concede-lhe estabili-dade no posto de trabalho [...], observadas, evidente-mente, a ‘sobrevivência do empreendimento’ e certasregras coletivamente estabelecidas”. Todas essas ideiasestão contidas no item 2 do capítulo 2, denominado “Anegação do mercado de trabalho assalariado”.

Resta-nos perguntar: existe conquista de uma au-têntica autonomia pelos trabalhadores quando o su-cesso do seu empreendimento está condicionado aoscritérios do lucro e do mercado? Pode-se falar emtrabalho associado mudadas apenas as normascontratuais, mas mantidas as relações de mercado?De acordo com Marx, o trabalho associado pressupõeo rompimento com a lógica do capital, a superaçãodeste modo de produção, e a retomada do poder dedecisão, em todas as esferas da vida social, pelos tra-balhadores livremente associados.

Adiciona-se a esse movimento outro que reduza conquista da emancipação do trabalho e a críticade Marx à propriedade privada à mera adoção denormas sociais democratizantes nos marcos do so-cialismo de mercado (ou socialismo democrático).O que temos visto, no entanto, nas experiências re-latadas pela literatura específica é que a participa-ção social permitida na esfera pública e seu pretensocaráter decisório não ultrapassa o caráter de “re-comendação”4, que pode ser ou não levada em contaa depender dos interesses econômico-políticos do-minantes, os quais, em geral, em nada vital se veemameaçados pela presença de representantes popu-lares nos conselhos consultivos ou gestores. Tam-bém nas fábricas ocupadas, as decisões tomadaspela participação democrática dos trabalhadores reu-nidos em assembleias não podem contrariar as im-posições externas, objetivas da produção de mer-cadorias determinadas pelo mercado e pelo valorde troca.

Por último, a disseminação da propriedade coleti-va, através do sistema cooperativo ou autogestionárioproposto pela economia solidária (SINGER, 2003) entreoutras, não nos parece venha favorecer a superaçãoda ordem dominante do capital, mas “induz a classetrabalhadora a lutar por soluções fantasiosas, condu-

zindo-a a uma forma de luta que uma longa e trágicahistória revelou ineficaz” (GERMER, 2006, p. 202).

Essas concepções, de alguma forma, influencia-ram o movimento das fábricas ocupadas na Améri-ca Latina. Em particular no Brasil, um movimentoinovador de ocupação de fábricas pelos trabalhado-res aparece a partir dos anos 1990. A reivindicaçãoà participação decisória direta dos trabalhadores noprocesso de produção ganha força e torna-se umaalternativa de vida real e imediata à crise do capitale ao desemprego. A posse dos meios de produçãopelos trabalhadores permite a experimentação dediversas formas de participação no processo de de-cisão coletiva no chão da fábrica, agora não maissob o despotismo do patrão. O que antes era reco-nhecido como “controle do trabalho” pelos capita-listas, vai ser substituído pela “regulação do traba-lho” (ainda trabalho abstrato, alienado) pelos pró-prios trabalhadores nas empresas autogestionárias,segundo a interpretação, a nosso ver equivocada,de Vieitez e Dal Ri (2001).

Tais experiências de autogoverno dos trabalha-dores não são novas na história, mas, atualmente,revestem-se de um contexto histórico-social bas-tante diverso dos momentos revolucionários ou deinstabilidade política profunda que caracterizaramas experiências da Revolução Russa e da alemã(LOUREIRO, 2006; MANDEL, 1974), das comissões defábrica de Turin (DIAS, 2000; COUTINHO, 1986;GRAMSCI; BORDIGA, 1981) ou dos cordões industri-ais no Chile de Allende (GAUDICHAUD, 2004), men-cionando-se apenas algumas das mais signifi-cativas.

O histórico das experiências precedentes temconstatado o insucesso do avanço da autonomia ope-rária no interior do capitalismo, a despeito das sin-ceras energias investidas. Recorda-nos Mészáros(2004, p. 505),

[...] a triste história do movimento cooperativo quefoi praticamente destruído pelo imperativo de seadaptar às regras operacionais da estrutura capita-lista, apesar do profundo compromisso ideológicode muitos indivíduos e de grupos de trabalhadores.

A finalidade emancipatória deve visar à acumula-ção de forças no sentido do confronto e da elimina-ção do capital, e de seu controle social sociometabólicoautoritário e incontestável. Do contrário, a renúnciaao projeto de transformação radical da sociedade é opasso inevitável, recolocando o reformismo clássicocomo o único horizonte do movimento operário, namedida em que a “reforma social – simples meio naluta de classes” acaba por se tornar o seu fim(LUXEMBURG, 1975, p. 7).

A transformação radical, de acordo com Mészáros(2004, p. 486, grifos do original),

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[...] deve conter, como um componenteorganizacionalmente articulado da estratégia geral,a ‘negação prática materialmente eficaz’ das estru-turas reprodutivas dominantes, em vez de reforçá-las através da ‘economia mista’ e de várias formasde ‘participação’ na reestabilização socioeconômicae política do capital em crise.

Neste sentido, é importante resgatarmos o verda-deiro significado de participação e os requisitos in-dispensáveis ao exercício de um controle social dostrabalhadores.

No atual contexto de crise estrutural, cabe indagarse essas experiências de autogoverno, em particular,as fábricas recuperadas ou cooperativas fabris, pos-suem algum elemento novo ou desempenham um novopapel, de caráter mais ofensivo na luta de classes, nosentido da emancipação. Ou, mesmo, se elas poderãoobter êxito na atenuação do desemprego e se estabe-lecerem como unidades produtivas autônomas, sobre-vivendo ao/no mercado. E, por fim, se elas, de fato,contribuem para um acúmulo de forças de classe nosentido da emancipação e da superação do capital.

O que se nota é um processo de “arrefecimentodos movimentos de fábricas recuperadas”, em razãoda redução de fábricas fechadas em decorrência dacrise, e de “degeneração” das experiências maisavançadas na América Latina, por se afastarem dosobjetivos da construção de uma alternativa à ordemdo capital (NOVAES, 2007a). Uma avaliação mais con-solidada do conjunto diversificado destas experi-ências e de seus resultados ainda está por ser feita.Todavia, tais indicações de esgotamento das experi-ências de autogestão pelos trabalhadores exigem umainvestigação radical, profunda, sem medo de se en-frentar os mitos da participação democrática.

O que se pode verificar, de um modo geral, é que opoder, dito autônomo, está alienado da livre decisãodos indivíduos sociais, seja na participação no Estado,seja no processo de produção (e distribuição) na fábri-ca, pois permanece subordinado à produção de mer-cadorias, cuja finalidade é o valor de troca. Em ne-nhum momento é questionado, objetivamente, ofetichismo da mercadoria, que continua imperando sobrea vida (e o pseudopoder de decisão) dos homens.

Desse modo, o que se pode constatar é que ocontrole social do trabalho nada controla. Osparâmetros estruturais do capital ainda estão no co-mando da produção e da reprodução sociais. Condi-ção esta expressa de forma esclarecedora nas máxi-mas: “nós participamos, vocês participam, eles lu-cram...”, ou “nós participamos, vocês participam –eles decidem...”. Situação propícia para que a “subs-tância mistificadora” da estratégia reformista se im-ponha com toda força (MÉSZÁROS, 2007, p. 229).

Deixarmos passar este período de agitação emobilização da classe trabalhadora sem realizarmos

uma avaliação crítica profunda dos fundamentos,objetivos e resultados das fábricas recuperadas paraa luta emancipatória, seria reincidir na mesma práti-ca alienante que impediu o marxismo de realizar umacrítica radical das razões históricas do fracasso deseu projeto revolucionário no passado. E deixaría-mos de contribuir para uma reconstituição de estra-tégias e táticas adequadas aos atuais desafios histó-ricos impostos aos trabalhadores pela necessidadede uma ofensiva socialista, em período de crise es-trutural. Esta é uma tarefa fundamental para a for-mulação de uma teoria de transição socialista ade-quada ao nosso tempo.

2 Limites ontológicos à participação e aocontrole autônomo dos trabalhadores

A esta altura da exposição devemos, então, con-siderar se há como se enfrentar, ou colocar sob con-trole5, as condições de funcionamento do sistema docapital. Ou seja, em que medida os fundamentosontológicos do capital permitem a ação de formasautônomas de organização e luta do trabalho, no sen-tido de fazê-lo atender às necessidades vitais e histó-ricas do trabalho?

A história do desenvolvimento do capital, de suasfases mais primitivas até hoje, indica, segundoMészáros (2002), que o capital é um modo de con-trole e não um título legal de controle. Expressa-sena propriedade constitucionalmente assegurada, masnão tem nela sua origem. Não se pode tratá-lo comouma “entidade material” ou “um mecanismo neutro”que possa estar na posse de um ou outro indivíduoaleatoriamente, pois o capital “é sempre uma relaçãosocial”. Uma relação social fundada no trabalho so-cial, no trabalho abstrato, cujo requisito histórico foi acompleta separação – a quebra da unidade – do tra-balho vivo e as condições objetivas de sua atividadeprodutiva. O capital encontra sua base de existênciasobre a sujeição do trabalho vivo, ao mesmo tempoem que só pode apresentar-se como a contrapartida– como trabalho acumulado, objetivado e alienado –do sujeito que trabalha. Marx (1861, 1864 apudMÉSZÁROS, 2002, p. 707) acentua o caráter fetichizadodesta relação, uma vez que “o produto” se torna “oproprietário do produtor”.

Para que o capital possa cumprir sua função decontrole do metabolismo social, não basta submetero trabalho, tem que garantir o exercício do “total co-mando sobre o trabalho”. Exercer permanentemen-te o “comando objetivado e alienado sobre o traba-lho”, de acordo com a análise desenvolvida porMészáros (2002, p. 609), é uma “condição crucial paraa existência e o funcionamento do capital.” Tal “co-mando” só pode ser “exercido de modo indivisívelpelo capital e por mais ninguém, sob quaisquer que

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sejam suas formas existentes e possíveis [...]. Semela, o capital deixaria de ser capital e desapareceriada cena história.” Mesmo o capitalista submete seusdesejos e vontades aos imperativos reprodutivos docapital. Enquanto personificação do capital, só semantém capitalista se souber operar com êxito a ló-gica da acumulação e expansão contínuas. O queestá em questão não é se as decisões necessárias aofuncionamento contínuo do sistema são ou não to-madas pelas personificações do capital, mas se es-sas controlam o sistema ou, pelo contrário, são con-troladas pelas “exigências fetichistas do sistema docapital enquanto tal”.

O poder do capital afirmou-se por meio de novasmodalidades de comando, inviabilizando qualquer al-ternativa de poder compartilhado, ou, por fim, integral-mente assumido pelo trabalho.

Ocorre que na relação dedominação que estabelececom o trabalho alienado usur-pa do sujeito real da produ-ção todo poder de decisão esubstitui as necessidades hu-manas conscientemente de-finidas por seus “próprios di-tames e imperativos materi-ais cegos” de autovalorização(MÉSZÁROS, 2002, p.130/352). Entre tais “ditames eimperativos materiais cegos”está seu critério de produtivi-dade, sempre orientado, se-gundo Marx, pela ‘“com-pulsão para produzir trabalhoexcedente’, em trabalharpara além das necessidadesdo indivíduo”. Nesse contex-to, como diz Marx (1861 apud MÉSZÁROS, 2002, p.129-130), “o processo de trabalho mesmo só aparececomo um meio para o processo de valorização, as-sim como o valor de uso do produto somente apare-ce como veículo de seu valor de troca”. Desapare-ce, assim, a prioridade da necessidade humana e daprodução de valores de uso e, junto com ela, o poderde decisão dos trabalhadores sobre o conjunto de suaatividade socioprodutiva.

Qualquer tentativa de quebrar o antagonismo en-tre o capital e o trabalho, ou de se instituir um contro-le sobre apenas parte de seu sistema orgânico, semque junto a isso se reestruture alternativamente todaa lógica reprodutiva do sistema – o que implica criar“um novo ‘sistema orgânico’ [...] genuinamente so-cialista e sustentável” (MÉSZÁROS, 2002, p. 726, grifodo original) –, só pode resultar em fracasso.

Muito além de necessitar de um reconhecimen-to jurídico-legal para desempenhar sua função decontrole sobre a produção e reprodução sociais, o

que se constata é que o “poder real de controle docapital permanece profundamente encravado nasestruturas materiais” da sociedade. Não obedece anenhum tipo de autoridade que não esteja em con-sonância com suas necessidades de autoexpansão,subordinando toda a reprodução social a estes cri-térios, inclusive a força de trabalho utilizada, trans-formada em “custos de produção”. Não suportaqualquer ato autônomo dos indivíduos que contrariesua lógica reprodutiva. “Ele não pode, de modo al-gum, entregar sequer ‘parte’ de seu modo de con-trole – alienado, aprioristicamente determinado e,por sua própria natureza, ‘irrestritamente totalizante’– [...] sem abolir a si próprio” (MÉSZÁROS, 2004, p.514, grifos do original).

Tais imperativos reprodutivos do sistema do capi-tal constituem sua forma deexistência e determinam aordem histórico-social sobseu predomínio.

Em função destes deter-minantes de sua forma de ser,“o controle social do capitalé a priori uma impossibilida-de em um sistema social emsi controlado ‘pelo’ capital”(MÉSZÁROS, 2004, p. 514,grifos do original).

É desse modo que o capi-tal exerce todo o poder sobreo conjunto da sociedade. Ésua lógica autorreprodutiva(valor que gera valor) queorganiza tanto a produção,como a distribuição da rique-za social. Conta, para isso,com a eficiente ação do Es-

tado que lhe dá as garantias políticas para a suareprodução ampliada, controlando a relação anta-gônica que caracteriza a exploração do trabalho, bemcomo complementando, na base material, os inves-timentos requeridos pelo desenvolvimento da pro-dução e, na circulação, absorvendo parte da ofertade bens e serviços necessários à realização dalucratividade.

A grandeza do capitalismo nos últimos séculosdeveu-se à sua capacidade de ampliar, de formainigualável, a capacidade produtiva da atividade hu-mana, universalizando a exploração do trabalho as-salariado, sob um regime de poder autoritário na es-fera produtiva, com a imposição dos imperativos ce-gos da expansão contínua e do lucro crescente. Osistema do capital só pôde funcionar mediante o do-mínio hierárquico absoluto na produção da riqueza,destruindo todas as barreiras arcaicas de produçãoe a resistência dos trabalhadores à submissão aotrabalho alienado.

Não basta ambicionardemocratizar o capitalismo, o

desafio é a superação docapital. Este é o princípioorientador de toda luta de

classes e estimulador de formasmais criativas e eficazes departicipação e combate do

trabalho nos diversos espaçospolítico-sociais.

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Uma vez que possui a força econômica na esferada produção, atua, a partir dela, como forçahegemônica na regulação jurídico-legal de toda a so-ciedade. Nas palavras de Mészáros (2002), é porta-dor de uma força extraparlamentar que lhe asseguraa direção política na esfera da participação parla-mentar e dos órgãos do Estado em geral. Neste sen-tido, “todos os poderes significativos estão em possedo próprio capital”, e não podem ser divididos entre“classes sociais concorrentes.” À oposição de clas-se ao capital resta uma “margem de ação estreita-mente circunscrita”, como vemos no espaço da açãoparlamentar (MÉSZÁROS, 2007, p. 230).

Se as restrições na esfera da política institucionalsão intransponíveis, no sentido de mudanças estrutu-rais radicais em favor da emancipação do trabalho,considerar a possibilidade de se adquirir o poder políti-co pouco a pouco através da luta institucional é aindamais ilusório, pois “o poder político se constitui numafraude se os trabalhadores não detêm o poder no campoda produção” (TRAGTENBERG, 1987, p. 23).

A participação dos trabalhadores (a autonomia, ainiciativa, a auto-organização, o poder de decisão real)está subordinada aos imperativos reprodutivos do sis-tema do capital6. O real poder de decisão dos traba-lhadores só pode se realizar com o deslocamento e aeliminação do poder do capital. Não há possibilidadede coexistência pacífica entre poderes hegemônicosem confronto, pois não há coincidência de interessesde classe, nem espaço para colaboração de classes7.Nem mesmo em espaços de pequena escala, comonas experiências autogestionárias isoladas8 ou emconselhos populares. O “controle apenas localmente[...] é uma contradição nos termos, já que as deci-sões locais são sujeitas à aprovação ou sujeição emum nível estruturalmente resguardado e, por isso,necessariamente conflitual/adverso, mais alto”(MÉSZÁROS, 2007, p. 231).

Para a construção de uma sociedade emancipa-da (socialista), a participação só adquire um real sig-nificado “se os poderes de decisão forem realmentetransferidos aos ‘produtores associados’ em todos osníveis e em todos os domínios.” Os “produtores as-sociados” devem adquirir o “controle do processosociometabólico em sua integridade e em todos osníveis” e reassumir a função de “sujeito real do po-der” (MÉSZÁROS, 2007, p. 230-231).

A questão fundamental é que o capital só pode fun-cionar com êxito instituindo um modo de controle me-tabólico social incontrolável, porquanto, orientado paraa expansão contínua e a acumulação compulsiva, adespeito do caráter de produção destrutiva que temimprimido em sua atual fase de desenvolvimento, pro-vocado pela crise estrutural. Portanto, a superação dosistema do capital implica na recuperação pelo traba-lho do real poder de decisão em todas as esferas daprodução e reprodução sociais. O controle social a ser

adquirido pelo trabalho coloca-se como requisito fun-damental à conquista da emancipação humana, pois érequerido como alternativa hegemônica ao equivalen-te controle social hierárquico e autoritário do capitalexercido sobre o trabalho. Não há possibilidade decompartilhar-se poder com o capital9.

O sistema do capital inicia o século 21 com umaprofundamento das contradições imanentes ao seumodo de ser, uma vez que as medidas saneadoras dacrise instituídas nos últimos 30 anos, através do quese passou a denominar de neoliberalismo, surtem cadavez menor efeito, além de provocarem o agravamentodas contradições devido aos problemas estruturaisnão resolvidos. Afinal, o capital não pode tratar dascausas que provocam as contradições do sistemaenquanto causas, apenas dos seus efeitos econsequências.

Mészáros (2002, p. 557-558) afirma que, por estarazão, “os limites últimos” do sistema do capital “sem-pre permanecem em operação”. Uma vez que eles“operam subjacentes a todos os ajustes e circuns-crevem o alcance das opções viáveis, impedindo en-faticamente a reversão bem-sucedida das própriastendências fundamentais.” O deslocamento das con-tradições imanentes ao sistema do capital exige re-cursos cada vez maiores como condição à recupera-ção econômica e ao controle político necessários,numa situação em que são “limitados pela reduçãocrescente e ameaçadora da lucratividade”.

3 Desafios históricos do presente

Diante deste quadro histórico, da afirmaçãoinconteste da produção destrutiva como modusoperandi do sistema do capital, a possibilidade dehaver um futuro para a humanidade coloca a neces-sidade urgente de uma alternativa social hegemônicaque supere a ordem dominante. Isso exige da classeoperária a reconstituição de uma estratégica e orga-nização revolucionárias, orientadoras de toda lutaemancipatória empreendida, que a leve a acumularforças no confronto com o capital, independentementede garantias de vitórias imediatas.

Desse modo, a investigação sobre a participação eo controle social a serem exercidos pelos trabalhado-res não pode perder de vista sua finalidade eman-cipatória e nem deixar de reconhecer os requisitosfundamentais para a construção de uma sociedade so-cialista verdadeiramente autônoma, condições para quenão nos confundamos com formas de pseu-doparticipação e de pseudocontrole e nem nos con-formemos por serem estas as únicas possíveis no inte-rior dos quadros estruturais do capitalismo.

As experiências conselhistas10 ou de autogestão11

têm demonstrado, nas últimas décadas no Brasil, queocupar espaços no Estado ou apenas possuir a pro-

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priedade dos meios de produção, mantidas as demaiscondições materiais de dominação e exploração docapital, não têm proporcionado a criação de esferasde autonomia para o trabalho, pois continuam subor-dinados à política dominante do capital e à tirania domercado.

Não basta ambicionar democratizar o capitalismo,o desafio é a superação do capital. Este é o princípioorientador de toda luta de classes, e estimulador deformas mais criativas e eficazes de participação e com-bate do trabalho nos diversos espaços político-sociais.O que exige a construção de bases prático-teóricasautênticas, que se contraponham ao rebaixamento te-órico da classe trabalhadora, e evitem a acomodaçãoe o conformismo diante das conquistas parciais possí-veis, importantes, mas que permanecem aprisionadaspelos determinantes reprodutivos do capital, o que astorna absolutamente insuficientes para a verdadeirareconstituição do real poder de decisão dos verdadei-ros sujeitos da produção. Trata-se da adoção de estra-tégias ofensivas que extravasem o campo do passadodefensivo, superado pelo amadurecimento das contra-dições do próprio sistema.

Em vista do caráter destrutivo e perdulário da pro-dução imposta a toda a sociedade pela reproduçãoampliada do capital em crise e os nefastos custos so-ciais provocados pelo desemprego estrutural e pelaconsequente degradação da condição de existênciahumana, ampliados à escala planetária (não se podenegar os dados assustadores sobre a fome no mundo),a constituição de uma forma alternativa de sociedadeao sistema do capital, que contemple a igualdade realentre todos os homens e uma produção e distribuiçãode riqueza humanamente autodeterminadas, é umanecessidade imperativa dada à ameaça de destruiçãoda própria humanidade.

A “radical eliminação do capital pelos indivíduosautoemancipados de sua presente dominação dometabolismo social é o exato conteúdo do projetosocialista” (MÉSZÁROS, 2004, p. 516).

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Notas

1 Este texto serviu de base para uma comunicação científica apresentadana International Labour Process Conference 2010, na RutgersUniversity, New Brunswick, New Jersey, USA. Constitui parteda pesquisa da autora para o pós-doutorado em Serviço Social,realizado na PUC-SP, entre 2010 e 2011.

2 Esse processo não se deu de forma linear e simultânea nos diversoscontinentes. Ao contrário, os países avançados puderam usufruirmais rápida e intensamente das vantagens da fase expansionista docapital, oferecendo aos países periféricos a promessa da modernizaçãoe do desenvolvimento crescentes (que, aliás, não se realizou) aindaque, na maioria dos casos, esta viesse associada a formas ditatoriais dedominação política. Num momento posterior, este processoexpansionista entrou em crise e as mudanças democráticas na periferiado mundo, ainda que tardiamente, vieram cumprir uma funçãoequivalente na sustentação da acumulação do capital social global.Tanto num momento, como noutro, a relação estabelecida entre paísesavançados e periféricos pode ser melhor compreendida se pensarmosque ambos constituem a totalidade do sistema do capital global,regido pela lei do desenvolvimento desigual e combinado, conformeformulação clássica de Trotsky (1977), após Marx.

3 Quanto à concepção de Estado, a referência teórica encontra-se emMarx (1995), Engels (1979) e Mészáros (2002).

4 VerTragtenberg (1987).

5 A fundamentação teórica sobre a incontrolabilidade do capital, tesedesenvolvida por Mészáros em Para além do capital, pode serencontrada em estudo realizado por Paniago (2007).

6 Uma análise crítica sobre os limites da construção da autonomiaoperária no seio do capitalismo, a partir de experiências concretasde autogestão e cogestão no Brasil, pode ser encontrada em Paniago(2008).

7 Base em que funcionaram as experiências de cogestão e de conselhosoperários na Europa Ocidental, no período do Welfare State, emque leis do Estado regulamentaram a coparticipação e a colaboraçãoentre patrões e operários na gestão de empresas (TRAGTENBERG,1980).

8 Para Marx, “a experiência do período decorrido entre 1848 e 1864provou acima de qualquer dúvida que, por melhor que seja emprincípio, e por mais útil que seja na prática, o trabalho cooperativo,se mantido dentro do estreito círculo dos esforços casuais de operáriosisolados, jamais conseguirá deter o desenvolvimento em progressãogeométrica do monopólio, libertar as massas, ou sequer aliviar demaneira perceptível o peso de sua miséria” (MARX, 1975 apudGERMER, 2006, p. 209).

9 Sem a “total eliminação do capital, tanto das microestruturas emcujo interior as práticas produtivas e distributivas da sociedade sãorealizadas, quanto do modo como estão articuladas em um todocoerente”, a “autoatividade conscientemente planejada dosprodutores associados no plano de seus intercâmbios abrangentesse tornaria impossível o que, por sua vez, prejudicaria inevitavelmenteseus esforços para instituir a autogestão autônoma da atividadeprodutiva no local de trabalho” (MÉSZÁROS, 2004, p. 516).

10 Ver Bravo (2006).

11 Ver Novaes (2007).

Maria Cristina Soares [email protected]ós-Doutoramento em Serviço Social na PUC-SPDoutora em Serviço Social pela Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ)Professora associada da Faculdade de Serviço Soci-al na Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

UFAL – Faculdade de Serviço SocialCampus A. C. SimõesAv. Lourival Melo Mota, s/nBloco 16, andar térreoTabuleiro do MartinsMaceió – AlagoasCEP: 57072-970