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O Princípio da Intangibilidade do Capital Social

IntroduçãoO capital social é um dos institutos fundamentais em que assenta o direito societário, constituindo, por isso, um elemento essencial das sociedades de capitais: é em função dele que se fixam os direitos e obrigações dos sócios e, consequentemente, se determina a divisão

entre estes do poder na sociedade. Mas é também em função dele que se institucionalizaram as garantias dos credores, nas quais o princípio da intangibilidade do capital social desempenha um papel central. A presente exposição, subordinada ao tema “O Princípio da Intangibilidade do Capital Social”, visa retratar

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um dos princípios regulamentadores do capital social.

O princípio da intangibilidade confere ao capital social um estatuto de integridade e estabilidade, que se materializa num conjunto de normas legais que compõem o regime de conservação do capital, rece-bidas nos artigos 31º a 35º do Código das Sociedades Comerciais. No entanto, a importância e o papel do capital social, em especial as regras corporizadas no princípio da intangibilidade, encontram-se debaixo de escrutínio pela doutrina euro-peia.

Estes foram os tópicos desenvolvidos nesta apresentação, nos três capítulos seguintes.

1. O Capital Social

1.1 Definição de capital socialO conceito de capital social surge inúme-ras vezes referenciado nas normas legais, não havendo, no entanto, uma definição legal do mesmo.

As tentativas de definir capital social passam por considerá-lo como “a cifra representativa da soma das entradas dos sócios”, conforme define Ferrer Correia (1994, p. 329). Assim, o capital social traduz-se no valor monetário dos bens entregues pelos sócios à sociedade, com o objectivo de a dotar de meios financeiros necessários à constituição do seu patrimó-nio inicial.

Não obstante, esta acepção de capital social não é isenta de críticas, na medida em que são várias as razões das quais resul-ta uma desigualdade entre o capital social

e a soma das entradas dos sócios. Para além disso, o valor da participação social poderá não corresponder exactamente ao valor da entrada do sócio. Por outro lado, a cifra do capital social pode variar, sem que necessariamente tenha havido novas entradas ou restituição delas.

Tendo em conta as críticas apresentadas, a seguinte definição de Abreu (2007, p. 176) apresenta-se mais adequada: “elemento do pacto que se consubstancia numa cifra tendencialmente estável, representativa da soma dos valores nominais das par-ticipações sociais que não correspondam a entradas em serviços, necessariamente expressa em moeda com curso legal em Portugal, e que – inscrita do lado direito do balanço – determina o valor em que o activo há-de superar o passivo”.

Contudo, é necessário sublinhar a inexis-tência de unanimidade acerca da noção e definição de capital social.

2. O princípio da intangibilidade do capital social

2.1 ConceitoO princípio da intangibilidade é por todos nomeado como um dos mais importantes princípios no qual assenta a figura do capital social. De acordo com Domingues (2004, p. 133), “o capital social, diz-se, é intangível, querendo com isso significar-se que os sócios «não podem tocar» no capi-tal social, isto é, aos sócios não poderão ser atribuídos bens nem valores que sejam necessários à cobertura do capital social”.

Quer isto dizer que por aplicação do prin-cípio da intangibilidade do capital social,

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o património líquido1 da sociedade não pode descer abaixo da cifra do capital social, em consequência de distribuições de valores aos sócios.2

Não obstante, o princípio da intangibilidade não sig-nifica que a sociedade esteja obrigada a garantir uma posição patrimonial que assegure um fundo que cubra a cifra do capital social: o princípio não protege contra a existência de perdas, como o comprova o artigo 35º do CSC; o princípio garante apenas que só poderão ser distribuídos aos seus sócios valores que representem lucros.

2.2 Enquadramento legalO princípio da intangibilidade do capital social vem consagrado no artigo 32º do CSC, que determina: “Sem prejuízo do preceituado quanto à redução do capital social, não podem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando a situação líquida desta, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, for inferior à soma do capital e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distri-buir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição.”

Desta norma retiram-se os seguintes efeitos:

(i) Apenas se poderão atribuir bens aos sócios quando a situação líquida da sociedade supere o capital social e as reservas indisponíveis, e até à concorrência deste limite. Com esta norma se impede o capital social de retornar ao património dos sócios.

(ii) À intangibilidade do capital social acrescem-se as “reservas que a lei ou o contrato não permitem dis-tribuir aos sócios”. Referem-se às reservas legais, que são impostas por lei, e cuja constituição e utilização se encontram previstas, respectivamente, nos artigos 295º e 296º do CSC, bem como às reservas estatutá-rias, impostas por cláusula do contrato da sociedade, ou contratuais, decorrente de contratos celebrados perante terceiros.

3. O regime de conservação do capital e o princípio da intangibilidade do capital social: que futuro?

3.1 Regimes alternativos ao actual sistema de conservação do capital

Ao nível da regulamentação comunitária, o regime de conservação do capital encontra-se estipulado nos artigos 15º, 16º e 17º da Segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976. O princípio da intangibilidade do capital social está reflectido na redacção do artigo 15º, nº1, a), que pre-ceitua o seguinte: “Exceptuando casos de redução do capital subscrito, nenhuma distribuição pode ser feita aos accionistas sempre que, na data de encerramento do último exercício, o activo líquido, tal como resulta das contas anuais, for inferior, ou passasse a sê-lo por força de uma tal distribuição, à soma do montante de capital subscrito e das reservas que a lei ou os estatu-tos não permitem distribuir.”

Contudo, este regime de conservação do capital, que corresponde à tradição do direito dos países do con-tinente europeu, em especial do direito alemão, e que se encontra também em vigor no nosso país, tem sido alvo de debate nos últimos anos. Ponto alto deste debate está representado no estudo realizado por The High Level Group of Company Law Experts3, publica-do em 2002, e que sugere a necessidade de revisão do actual regime. Neste seguimento, na sua comunicação realizada ao Conselho e Parlamento Europeu, em 21 de Maio de 2003, intitulada “Modernizar o direito das sociedades e reforçar o governo das sociedades na União Europeia – Uma estratégia para o futuro”, a Comissão Europeia reconhece que a simplificação e modernização da Directiva 77/91/CEE seria um con-tributo para eficiência e competitividade das empre-sas, sem diminuir a protecção dos seus accionistas e credores.

Na base do debate estão as críticas e desvantagens apontadas ao actual regime de conservação do capital, que se podem sintetizar nos seguintes pontos:

O actual regime assenta em limitações à distribuição de bens aos sócios para promover a salvaguarda da cifra do capital social, com o objectivo último de pro-

1 Património líquido: valor do activo da sociedade deduzido do seu passivo.

2 O Código das Sociedades Comerciais adiciona a esta indisponibilidade o valor das reservas não distribuíveis por força da lei ou contrato.

3 The High Level Group of Company Law Experts: grupo criado pela Comissão Europeia, em Setembro de 2001, com o objectivo de fornecer pareceres inde-

pendentes em matérias de Direito das Sociedades. Formado por vários especialistas da área, foi liderado por Jaap Winter.

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teger os interesses dos credores sociais. No entanto, torna-se difícil de concretizar a função de garantia do capital social, uma vez que este se apresenta apenas como um mero valor contabilístico, pois o que respon-de efectivamente perante as dívidas dos credores é o património da sociedade.

Adicionalmente, este regime é visto como uma protec-ção secundária dos credores sociais, pois os seus inte-resses podem ser salvaguardados através de medidas mais concretas e eficazes, nomeadamente os termos e cláusulas que regem as relações contratuais entre o ter-ceiro e a sociedade. Estas podem inclusivamente impor limitações à distribuição de bens aos sócios.

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As restrições que caracterizam o regime de conserva-ção do capital resultam na falta de flexibilidade para as sociedades reorganizarem a estrutura do seu capital, de forma a ajustá-la às suas necessidades, e responde-rem mais eficientemente às vicissitudes da actividade e dos negócios. Adicionalmente, reduz a eficácia da sinalização do mercado através da distribuição de dividendos, na medida em que tal tem de obedecer às limitações impostas pelo regime legal.

Para além de restritivas, algumas regras do actual regime são também complexas, das quais resulta não só a falta de flexibilidade já identificada, mas também custos mais elevados para a sociedade e para os sócios, nomeadamente legais e administrativos.

As normas que suportam o actual regime de atri-buição de bens aos sócios estão definidas em cada Estado-membro de acordo com os princípios e regras contabilísticas nele vigentes. A adopção das Normas Internacionais de Relato Financeiro impõe que se rea-valiem as regras nas quais assenta o regime. Dada a importância e actualidade deste assunto, apresenta-se uma análise mais detalhada no ponto seguinte.

Mais recentemente, o Interdisciplinary Group on Capital Maintenance4 (doravante designado de Rickford Group), no seu relatório publicado em 2004, veio tam-bém sublinhar a necessidade de um novo regime de atribuição de bens aos sócios, suportado pela ideia de que a função de garantia e protecção dos credores pode ser assegurada através de um regime alterna-tivo, mais eficiente e economicamente mais viável. A proposta apresentada por este grupo baseia-se em exemplos estrangeiros, em especial no regime em vigor nos Estados Unidos da América. Neste país coexistem essencialmente dois diferentes regimes de distribuição de bens aos sócios: o sistema tradicional, semelhante ao regime em vigor na União Europeia, e o sistema mais “liberal”. Este último assenta essencialmente em duas restrições:

(i) A sociedade deverá assegurar que permanecerá com capacidade financeira para cumprir as suas res-ponsabilidades futuras, após realizada a distribuição (denominado de “equity insolvency test”).

(ii) O património líquido da sociedade deverá apresen-tar um saldo positivo, isto é, o activo da sociedade não poderá ser inferior à soma das suas responsabilidades,

4 Interdisciplinary Group on Capital Maintenance: grupo de especialistas de várias áreas, nomeadamente no Direito das Sociedades, Economia e Contabilidade,

liderado por Jonathan Rickford. Foi criado com o apoio do British Accounting Standards Board (ASB), e da Company Law Centre at the British Institute of

International and Comparative Law (BIICL). Publicaram um estudo em 2004, que versa sobre a temática do actual regime de conservação do capital.

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nem tornar-se inferior em consequência da distribuição (denominado de “balance sheet test”).

A proposta apresentada pelo Rickford Group é similar ao sistema aplicado nos Estados Unidos da América, embora com algumas particularidades que a tornam ainda mais liberal. Baseia-se na teoria de que o regime de conservação do capital deverá assentar em regras que mitiguem o risco de insolvência, resultante de dis-tribuição de bens aos sócios, garantindo-se por esta via a protecção dos interesses dos credores sociais. Elimina a condição de subscrição de um capital mínimo, bem como da sua intangibilidade, e apresenta dois elemen-tos chave para um novo regime:

(i) Certificado de solvência: assenta no “equity insol-vency test” supra citado, mas tenta eliminar a indefi-nição associada ao período de tempo a ser considerado pela gestão no que se refere às “responsabilidades futu-ras” da sociedade. O horizonte temporal proposto para este teste é o ano subsequente à distribuição.

O certificado de solvência materializa-se numa decla-ração da gestão, na qual esta afirma que, tendo em conta o plano estratégico definido para a sociedade e os recursos que esta apresenta, após realizada a distri-buição de lucros pelos sócios a sociedade permanecerá com capacidade para cumprir as responsabilidades

decorrentes do curso normal da sua actividade, ao longo do exercício seguinte.

(ii) “Balance sheet test”: embora usando o mesmo conceito definido no regime dos Estados Unidos da América, este elemento não se apresenta como deter-minante da decisão de distribuição de bens aos sócios, ou seja, a distribuição poderá realizar-se mesmo que o património líquido da sociedade não apresente um saldo positivo. Neste caso, a gestão deverá justificar devidamente a opção tomada, sujeitando-se a uma declaração especial para o efeito.

É essencialmente este elemento que leva a que se con-sidere a proposta do Rickford Group mais liberal face ao modelo aplicado nos Estados Unidos da América.

Os dois elementos apresentados seriam apoiados por um sistema de responsabilidade civil dos membros da administração e sócios, e até criminal no caso dos primeiros.

Tendo em conta as críticas ao actual regime de con-servação do capital, este regime alternativo proposto pelo Rickford Group apresenta vantagens significati-vas, nomeadamente maior flexibilidade da estrutura do capital. Não obstante, não é isento de críticas,

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nomeadamente do autor Veil (2006), que considera que apresenta falhas relevantes que comprometem o seu eventual sucesso. Salientam-se as seguintes:

Assenta em previsões futuras quanto à performance económica e financeira da sociedade, as quais têm sem-pre associado um certo nível de incerteza.

O período de tempo considerado para o “equity insol-vency test” é de um ano, ignorando-se assim responsa-bilidades que vençam no médio-longo prazo.

O “balance sheet test”, enquanto elemento secundário e não condicionante da decisão de distribuição, per-mite que, no limite, se possa proceder à distribuição de activos aos sócios, quando a sociedade se apresenta próxima da insolvência.

A economia de custos não será tão significativa, tendo em conta que será indispensável o recurso a auditorias, bem como a contratação de um seguro de responsabili-dade civil para os membros da administração.

Potencia comportamentos oportunistas dos sócios, em detrimento dos interesses dos credores sociais.

Independentemente das críticas realizadas ao regime alternativo proposto, é consensual a necessidade de reavaliação e de reforma do actual regime de conser-vação do capital. Uma hipótese que se levanta é a coexistência de dois regimes: do actual, preconizado na Segunda Directiva 77/91/CEE, e de um alternativo, baseado no modelo do “insolvency test”, deixando-se aos Estados-membros a possibilidade de opção.

À primeira vista, este cenário contraria o conceito de harmonização legal promovido pela União Europeia. Por outro lado, apresentando-se dois regimes alter-nativos, um dos quais mais flexível e menos oneroso, será de esperar que os agentes económicos escolham este último, em detrimento do tradicional, condenando assim o actual regime ao desaparecimento.

Esta indecisão afecta também a esfera portuguesa, pois enquanto Estado-membro da União Europeia, Portugal terá de seguir o caminho por ela traçado.

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Finalmente, é necessário salientar o papel do revi-sor/auditor neste cenário. Adoptando-se um modelo regulador da distribuição de bens aos sócios baseado no “insolvency test”, será de esperar que ao revisor/auditor seja incumbida a crucial tarefa de apreciar e avaliar a operação de distribuição. Nestes moldes, é legítimo afirmar-se que exerceria uma função de credi-bilização perante os credores sociais.

3.2 A adopção das normas internacionais de relato financeiroAs Normas Internacionais de Relato Financeiro (NIRF), de aplicação obrigatória, desde 1 de Janeiro de 2005, na elaboração das demonstrações financeiras consolidadas das sociedades cujos títulos são negocia-dos publicamente, passarão a sê-lo de forma genera-lizada a todas as sociedades portuguesas. De facto, é esperado que em 2010 o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) entre em vigor. Em consequência destas alterações, as regras do regime de atribuição de bens aos sócios passarão a ser aplicadas ao balanço elaborado à luz das NIRF.

Há quem defenda que a introdução das NIRF irá enfraquecer a protecção dos credores sociais, confor-me refere Pellens (2006), cujo principal argumento consubstancia-se no facto de algumas regras de reco-nhecimento e mensuração das NIRF potencialmente resultarem em activos líquidos e resultados superio-res, comparativamente aos princípios contabilísticos geralmente aceites locais. O exemplo mais comum é a orientação para o “fair value”5. A preocupação central é a de que estes aspectos conduzam à distribuição de “unrealised profits” na forma de dividendos, pelo que defendem que as NIRF não constituem uma base apropriada para o regime de atribuição de bens aos sócios.

Não obstante, são também apresentados argumentos a favor da adopção das NIRF, que assentam essencial-mente na sua valência informativa, permitindo ao cre-dor avaliar de forma mais transparente a capacidade de cumprimento da sociedade, ajudando-o na tomada de decisões. Por outro lado, a implementação de um

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5 “Fair value” ou justo valor: quantia pela qual um activo podia ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa tran-

sacção em que não existe relacionamento entre elas.

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BIBLIOGRAFIAABREU, J. m. Coutinho de, et al. (2007), Estudos de Direito das sociedades, Coimbra, Almedina.CoRREiA, A. Ferrer (1994), lições de Direito Comercial, reprint, lisboa, lex.DominGUEs, paulo de Tarso (2004), Do Capital social – noção, princípios e Funções, Coimbra, Coimbra Editora.pEllEns, Bernhard, e sEllHoRn, Thorsten (2006), “improving Creditor protection through iFRs Reporting and solvency Tests”, in legal Capital in Europe, marcus lutter (editor), European Company and Financial law Review, special volume 1, pp. 365-393, Berlin, Dalloz Editions.vEil, Rüdiger (2006), “Capital maintenance - The regime of the Capital Directive versus Alternative systems”, in legal Capital in Europe, marcus lutter (editor), European Company and Financial law Review, special volume 1, pp. 75-93, Berlin, Dalloz Editions.

“insolvency test”, conforme exposto supra, constituiria uma medida suplementar que reforçaria a protecção dos credores sociais.

Face ao exposto, o legislador deverá avaliar os poten-ciais impactos no actual regime de conservação de capital decorrente da aplicação das NIRF, de forma a antecipar possíveis problemas futuros.

ConclusãoAo longo desta exposição desenvolveu-se o conceito do capital social e a noção do princípio da intangibi-lidade. Este último surge, no actual enquadramento legal, como um garante da eficácia da função garantia dos credores, desempenhada pelo capital social. No entanto, têm sido levantadas questões pela doutrina europeia quanto à relevância e eficiência do capital social na protecção dos credores sociais. Na base desta discussão estão as críticas realizadas ao actual regi-me de conservação do capital, que se traduzem em desvantagens, principalmente menor flexibilidade e maior onerosidade, superiores às vantagens reais que proporciona. Em consequência, os objectivos preconi-zados pelo princípio da intangibilidade do capital social também se encontram em xeque.

O acompanhamento da evolução económica exige que as sociedades sejam exploradas de forma eficiente e transparente. Adicionalmente, a realidade das NIRF é cada vez mais presente, pelo que as regras do regime de atribuição de bens aos sócios terão de acompanhar a evolução das normas contabilísticas. Estas premissas têm impulsionado a ideia de necessidade de revisão do actual regime de conservação do capital, e até, para os mais críticos, implementação de um novo regime alternativo.

Propostas de alternativas foram já formalizadas, base-adas essencialmente no exemplo norte-americano. Não obstante, estas não são isentas de críticas, que assen-tam no excessivo liberalismo e nas consequências que tal poderá ter na esfera de protecção dos credores. De qualquer modo, a opinião de que é necessário rever a actual situação parece consensual.

Independentemente do caminho que será seguido pela União Europeia, e consequentemente por Portugal, é de esperar que não seja favorável à figura do capital social, enquanto valor “intocável”. Por consequência, poderá determinar o “esvaziamento” da essência do princípio da intangibilidade do capital social.

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Mundo

A Limitação da Responsabilidade dos Auditores na EuropaEm 6 de Junho último, a Comissão Europeia dirigiu uma Recomendação aos Estados Membros no sentido de introduzirem uma limitação na responsabilidade dos auditores. A FEE (Fédération des Experts Comptables Européens) deu as boas vindas por tal iniciativa. A profissão de auditoria tinha vindo a salientar a neces-sidade de se assegurar a confiança e a estabilidade do mercado e de se fixar uma cobertura de seguro apropriada para a responsabilidade do auditor, um objectivo impossível num regime de responsabilidade conjunta ilimitada e solidária.

Comentando a Recomendação da Comissão Europeia, o Presidente da FEE, Jacques Potdevin afirmou que a Recomendação optou por uma abordagem razoável, consistente com os princípios expressos pela FEE: “os auditores têm de ser apropriadamente responsáveis pela sua auditoria, mas numa extensão que seja razo-ável. Os Estados Membros devem limitar as responsa-bilidades dos auditores de forma que ela se acomode aos seus diferentes sistemas jurídicos”. O Presidente da FEE acrescentou, ainda que:

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“Os regimes de responsabilidade em vigor em muitos dos Estados Membros dispõem que os auditores são responsáveis não só pelas consequências das suas próprias acções, mas também pelas dos outros”. “Tal é apenas não equitativo como conduz inevitavelmente a uma maior oportunidade de reclamação catastrófica que pode desestabilizar o já limitado mercado de audi-toria para muitas sociedades na Europa”.

Na sua comunicação sobre o assunto o Presidente Potdevin referiu ainda:

“Correntemente, a responsabilidade dos auditores está limitada na Áustria, Bélgica, Alemanha, Grécia, Eslovénia e Reino Unido. Em outros Estados, tal como Irlanda e Espanha, a necessidade de reforma é urgente. Todos os Estados Membros devem agora seguir a Recomendação da CE”. O Presidente da FEE concluiu finalmente que “os Estados Membros devem ser encorajados a fazê-lo dado a avaliação do impacto feita pela Comissão que concluiu que a experiência nos países em que existe um limite não existem quaisquer efeitos adversos na qualidade da auditoria”.

O CEO da FEE, Olivier Boutellis-Taft referiu que embora a Recomendação se foque nas auditorias de sociedades cotadas, podem ainda surgir “reclamações catastróficas” em relação às auditorias de grandes sociedades não cotadas, “a Recomendação, contudo, não impede os Estados Membros de implementar uma limitação na responsabilidade dos auditores, tanto para sociedades cotadas como não cotadas. Esta é a abordagem feita pelos Estados Membros que já têm em vigor uma limitação, dado que se não fosse assim, o impacto esperado no desenvolvimento das firmas e redes de auditoria mais pequenas e no fornecimento de serviços de auditoria podia ser modesto”. O CEO da FEE concluiu que a Recomendação é um passo posi-tivo e modernista e expressou a convicção que serve o interesse público na medida em que “suporta uma oferta sustentável e diversificada de auditorias de alta qualidade em toda a UE”.

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Mundo

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Reconhecendo que os auditores desempenham um papel importante ao ajudarem as organizações a pro-duzir valor a longo prazo, o Professional Accountants in Business Committee (PAIB) da International Federation of Accountants (IFAC) emitiu uma nova orientação sobre o uso da análise dos fluxos de caixa descontados e do valor presente líquido na avaliação de investimentos. Sob o título Project Appraisal Using Discounted Cash Flow, esta orientação foi emitida

como parte do novo programa do Comité do PAIB para desenvolver uma Orientação Internacional de Boa Prática sobre tópicos de contabilidade financeira e de gestão.

As análises de fluxos de caixa descontados e a esti-mação do valor presente líquido envolvem princípios fundamentais de finanças que suportam uma gestão financeira disciplinada nas organizações. Os auditores

Nova Directriz da IFAC

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Mundo

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A Comissão Europeia apresentou, recentemente, uma proposta para um Estatuto sobre a Empresa Privada Europeia (“EPE”). Esta nova forma de sociedade dará a possibilidade das pequenas e médias empresas (PME) negociarem em toda a UE, com o objectivo de reduzir custos e de encorajar o crescimento na sua área de intervenção.

A EPE foi concebida para reduzir as correntes obriga-ções onerosas sobre as PME que operam em diversos Estados Membros, as quais necessitam de estabelecer subsidiárias em diferentes formas de sociedade em todos os Estados Membros em que desejam fazer negó-cios. Em termos práticos, a EPE significa que as PME podem estabelecer a sua sociedade na mesma forma jurídica, sem ter em conta se elas negoceiam no seu próprio Estado Membro ou num outro. A opção pela EPE visa poupar tempo e dinheiro aos empresários nas áreas do aconselhamento legal, gestão e adminis-tração.

EPE - Empresa Privada Europeia

têm um papel preponderante na promoção e explicação da importância destes princípios nas organizações, par-ticularmente quando as conexões entre a aplicação dos princípios financeiros e a respectiva teoria financeira não sejam facilmente compreendidas ou aceites.

“Esta nova orientação ajudará os auditores a promover a importância de gerar valor a longo prazo nas orga-nizações”, afirma Edward Chow, presidente do Comité do PAIB. “Os auditores têm um papel significativo ao assegurar que as organizações se focam em decisões que maximizam o valor esperado, em vez do seu impac-to a curto prazo nos resultados relatados. As socieda-des com bons registos de criação de valor têm melhor aceitação entre os accionistas e os investidores”.

Prefácio Final à Orientação Internacional de Boa PráticaJuntamente com esta orientação, o Comité do PAIB emitiu o Prefácio Final à Orientação Internacional de Boa Prática da IFAC. O Prefácio estabelece o âmbito, finalidade e processo de tramitação da nova Orientação Internacional de Boa Prática do Comité, que cobre contabilidade de gestão, gestão financeira e tópicos mais vastos em que os auditores podem vir a ser contratados.

O Project Appraisal Using Discounted Cash Flow e o Prefácio podem ser obtidos gratuitamente na livraria on-line da IFAC http://ifac.org.store. O Comité da IFAC agradece comentários sobre ambos os documen-tos, que podem ser enviados por correio electrónico para [email protected].

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Conferência sobre Regulação de Auditoria A Fédération des Experts Comptables Européens (FEE) anunciou a Terceira Conferência de Alto Nível sobre Regulação de Auditoria. A Conferência reali-zar-se-á em Bruxelas, no próximo dia 9 de Dezembro de 2008 e terá em atenção a evolução legislativa, na

Comissão Europeia, das matérias relacionadas com a auditoria.

Poderá consultar informação adicional sobre a Conferência na página de Internet da FEE www.fee.be.

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